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1. A heterogeneidade do mercado mundial; 2. Aspectos macromercadológicos e a empresa multinacional; 3. Quatro vantagens intrínsecas das empresas multinacionais (EMs); 4. Reações defensivas frente às empresas multinacionais (EMs); 5. Possíveis atitudes frente à ameaça das EMs; 6. A visão sombria dos estruturalistas; 7. Empresa multinacional: um elefante vulnerável; 8. Conclusões: quatro elementos da política de "repiques". Raimar Richers·· O presente artigo é uma adaptação de uma palestra realizada em maio de 1973, no I Forum Brasileiro de Comércio Internacional, na EAESP/FGV, em homenagem ao inesquecível Professor Ruy Vianna Braga, a cuja memória dedicamos este trabalho. •• Professor do Departamento de Mercadologia da Escola de Administração de Empresa de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e sócio de Richers, Buarque de Almeida & Associados. R. Adm. Emp., Rio de Janeiro, Mercadologia internacional é uma área nova, nitidamente à procura de uma identificação. Na ausência de uma definição adequada, os au- tores que escrevem sobre ela costumam sair pela tangente: afirmam tratar-se de uma am- pliação do conceito "doméstico" de marketing para o mercado mundial. Dentro dessa perspec- tiva, pergunta-se acima de tudo: o que deve fa- zer uma empresa, que opera em países estran- geiros, para ter sucesso comercial no exterior? 1. A HETEROGENEIDADE DO MERCADO MUNDIAL Para a empresa individual que opera além das suas fronteiras em áreas que lhe são econômica e culturalmente estranhas, essa pergunta é re- almente de extraordinária importância para alcançar retornos satisfatórios sobre seus inves- timentos no exterior. Em larga escala, os su- cessos desses investimentos dependem do grau de conhecimento da empresa sobre os mercados em que ela opera, bem como da sua habilidade em adaptar-se a esses mercados. Por vezes, pe- quenos erros podem levar a grandes prejuizos. Vejamos alguns exemplos: após vários anos de trabalho intenso, a General Foods retirou o seu produto Jell-O do mercado inglês, pois teve que reconhecer que a dona de casa não o acei- taria, preferindo o seu pudim tradicional de preparo mais trabalhoso, mas definitivamente mais de acordo com o seu gosto. Por sua vez, Helene Curtis, após pesquisar o mercado, resol- veu lançar um xampu preto na Tailândia, pois verificou que as mulheres achavam que as co- res escuras de xampu contribuiriam para tornar seus cabelos mais brilhantes. Na. Alemanha, uma pesquisa revelou que os fumantes de ci- garros mentolados preferem embalagens mar- rons sobre as tradicionais azuis. E, por falar em cores: o azul na Holanda é considerado feminino e "quente", enquanto que na Suécia é precisamente o inverso: tem a co- notação de masculino e "frio". Na Malásia, pro- dutos verdes não se vendem bem por sugerirem doenças e matas virgens inóspitas, enquanto que. nos EUA, o amarelo é arriscado por ser as- sociado à covardia. A mesma cor, o amarelo, tem uma conotação de felicidade na Tailândia; na China, no entanto, a cor da felicidade é o vermelho. Esses tipos de diférença nas atitudes, nos hábitos e nas tradições dos diversos paises, ex- plicam porque, por exemplo, a Nestlé produz e 14(2) : 83-91, mar./abr. 1974 -- ._------~ .._ .._---- .._-- A mercadologia internacional como desafio e ameaça para os países em desenvolvimento

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1 . A heterogeneidade do mercadomundial;

2. Aspectosmacromercadológicos e a empresa

multinacional;3. Quatro vantagens intrínsecas

das empresas multinacionais(EMs);

4. Reações defensivas frente àsempresas multinacionais (EMs);

5 . Possíveis atitudes frente àameaça das EMs;

6. A visão sombria dosestruturalistas;

7. Empresa multinacional: umelefante vulnerável;

8. Conclusões: quatro elementosda política de "repiques".

Raimar Richers··

• O presente artigo é umaadaptação de uma palestra

realizada em maio de 1973, no IForum Brasileiro de Comércio

Internacional, na EAESP/FGV,em homenagem ao inesquecívelProfessor Ruy Vianna Braga, a

cuja memória dedicamos estetrabalho.

•• Professor do Departamento deMercadologia da Escola

de Administração de Empresa deSão Paulo da Fundação Getulio

Vargas e sócio de Richers, Buarquede Almeida & Associados.

R. Adm. Emp., Rio de Janeiro,

Mercadologia internacional é uma área nova,nitidamente à procura de uma identificação.Na ausência de uma definição adequada, os au-tores que escrevem sobre ela costumam sairpela tangente: afirmam tratar-se de uma am-pliação do conceito "doméstico" de marketingpara o mercado mundial. Dentro dessa perspec-tiva, pergunta-se acima de tudo: o que deve fa-zer uma empresa, que opera em países estran-geiros, para ter sucesso comercial no exterior?

1. A HETEROGENEIDADE DO MERCADOMUNDIAL

Para a empresa individual que opera além dassuas fronteiras em áreas que lhe são econômicae culturalmente estranhas, essa pergunta é re-almente de extraordinária importância paraalcançar retornos satisfatórios sobre seus inves-timentos no exterior. Em larga escala, os su-cessos desses investimentos dependem do graude conhecimento da empresa sobre os mercadosem que ela opera, bem como da sua habilidadeem adaptar-se a esses mercados. Por vezes, pe-quenos erros podem levar a grandes prejuizos.

Vejamos alguns exemplos: após vários anosde trabalho intenso, a General Foods retirou oseu produto Jell-O do mercado inglês, pois teveque reconhecer que a dona de casa não o acei-taria, preferindo o seu pudim tradicional depreparo mais trabalhoso, mas definitivamentemais de acordo com o seu gosto. Por sua vez,Helene Curtis, após pesquisar o mercado, resol-veu lançar um xampu preto na Tailândia, poisverificou que as mulheres achavam que as co-res escuras de xampu contribuiriam para tornarseus cabelos mais brilhantes. Na. Alemanha,uma pesquisa revelou que os fumantes de ci-garros mentolados preferem embalagens mar-rons sobre as tradicionais azuis.

E, por falar em cores: o azul na Holanda éconsiderado feminino e "quente", enquanto quena Suécia é precisamente o inverso: tem a co-notação de masculino e "frio". Na Malásia, pro-dutos verdes não se vendem bem por sugeriremdoenças e matas virgens inóspitas, enquantoque. nos EUA, o amarelo é arriscado por ser as-sociado à covardia. A mesma cor, o amarelo,tem uma conotação de felicidade na Tailândia;na China, no entanto, a cor da felicidade é overmelho.

Esses tipos de diférença nas atitudes, noshábitos e nas tradições dos diversos paises, ex-plicam porque, por exemplo, a Nestlé produz e

14(2) : 83-91, mar./abr. 1974

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A mercadologia internacional como desafio e ameaça para os países em desenvolvimento

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vende acima de 40 tipos diferentes de café so-lúvel no mundo, ou por que a IBM pesquisa asprioridades e necessidades de mais de 20 paísesantes de introduzir modificações nos seus apa-relhos eletrônicos. 1

Esses exemplos ilustram uma das teses pre-diletas dos peritos em mercadologia internacio-nal: é perigoso afirmar-se que exista um mer-cado mundial homogêneo; ou seja: cada lança-mento de produto no exterior exige pelo menosalguma adaptação ao mercado local, o que, porsua vez, requer uma análise desse mercado. Porconseguinte, a mercadologia internacional está,hoje, fortemente inclinada a enfatizar a impor-tância e as maneiras de avaliação qualitativa equantitativa daquelas "áreas cinzentas" que asempresas, voltadas ao comércio internacional,desejam conquistar como mercado de consumo.

Nesse sentido, é válido afirmar-se que a mer-cadologia internacional não passa de uma adap-tação das técnicas mercadológicas, desenvolvi-das domesticamente, a mercados externos, de-vendo partir da análise das forças vigentes nes-ses mercados, seja em termos culturais, econô-micos, sociais, políticos ou tecnológicos. Dentrodeste contexto caberia, pois, à mercadologia in-ternacional descobrir as condições que facüitamo lançamento e a mercaâização de produtos eserviços originários de um determinado país emoutros países onde a empresa ainda não costu-ma ter experiência operacional.

Felizmente a mercadologia dispõe de umgrande número de instrumentos para aperfei-çoar esse tipo de análise, tais como, a pesquisaoperacional e motivacional, as técnicas de de-senho industrial, de embalagem, rotulagem, as-sistência técnica, as diversas formas de deter-minação de preços e do financiamento, além dasmúltiplas modalidades de comunicação, sejamelas de ordem pessoal, tais como a venda diretaou indireta, ou impessoal, tais como a propa-ganda, a promoção e as relações públicas. Alémdisso, as empresas podem-se valer de novos mé-todos de controle que lhes permitam reduzirseus custos de mercadização em geral e de lo-gística em especial.

Tendo em vista, de um lado, o avanço desseinstrumentário ao longo dos últimos decênios e,do outro, a habitual insegurança com que umaempresa enfrenta as incógnitas de um mercadoexterno, compreende-se que a mercadologia in-ternacional tem, até hoje, concentrado suaatenção na maneira como determinadas técni-cas de mercadização bem sucedidas num paísRevista de Administração de Empresas

podem ou não ser aplicadas num outro país,em benefício direto das empresas que operamem âmbito internacional.

2. ASPECTOS MACROMERCADOLóGICOSE A EMPRESA MULTINACIONAL

Mas, válida que seja essa visão, ela omite aspec-tos fundamentais que também deveriam fazerparte do campo de investigação da mercadolo-gia internacional. Acima de tudo, esses aspectosrelacionam-se às repercussões das transaçõesinternacionais, não só no mercado mundial emsi, como também nos diversos países que par-ticipam desse processo.

Chamemos, o que discutimos até agora, deaspectos micromercadológicos, onde o enfoqueestá nas empresas que participam do processode mercadização internacional. Esse enfoquedeve ser distinguido do aspecto macromercaâo-lógico, que se preocuparia primordialmente comos efeitos desses processos sobre as estruturaseconômicas, sociais e inclusive culturais dos di-versos países e continentes que são afetadospelos impactos do comércio mundial.

Não pretendemos, nem teríamos condições deabarcar todos - talvez nem os principais -aspectos desta abordagem macromercadológicado comércio internacional. Queremos concen-trar-nos em apenas uma de suas facetas, qualseja a importância das empresas multinacio-nais. A esse respeito, pretendemos defendertrês teses interdependentes.

A primeira dessas teses constata: cada vezmais, o comércio internacional será dominadopor empresas muitinacumou. Não alegamos seressa uma afirmação muito original. No entantoé preciso analisá-la como premissa para as pró-ximas duas teses.

Em primeiro lugar, o que vem a ser uma em-presa multinacional? Na realidade, ninguém sa-be direito. Roberto Campos, com sua invejávelcapacidade de colocar os "pontos nos ís", quan-do da discussão de termos amorfos, afirmou,em recente conclave: "A empresa multínacíonaltem, a meu ver, características similares às doelefante. Pouca gente poderia descrever um ele-fante como um mamífero proboscídeo, maspouca gente pode ter dificuldade em identificá-lo na rua. O mesmo se passa com a empresamultínacíonal. É fácil reconhecer, não é fácildefinir. " 2

De passagem seja dito: essa analogia doelefante ainda nos será útil sob um aspecto di-

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ferente do conceitual. A ele voltaremos maistarde.

Na ausência de uma definição satisfatória,a simples caracterização da empresa multina-cional ajuda-nos. Por exemplo, o presidente daDivisão Internacional da IBM, Jacques Maison-rouge, afirmou que existem cinco critérios paraque uma empresa seja efetivamente multina-cional, quais sejam: a) ela precisa operar emvários países (mais de três) em diferentes está-gios de desenvolvimento; b) além de uma orga-nização de vendas, deve manter outros setoresnesses países, tais como pesquisa e desenvolvi-mento. produção. serviços etc.; c) cidadãos dospaíses em que se situam as subsidiárias devemparticipar do processo decisório; d) também amatriz deve contar com executivos de diversospaíses; e) os acionistas devem ser cidadãos dediversos países. 3

Por outro lado, Fred Borch, presidente do con-selho da General Eletric, acrescenta uma sextacaracterística, a de que a respectiva empresanão deve depender muito da matriz quanto aoprocesso decisório nas áreas de marketinq, pro-dução e pesquisa e desenvolvimento. citando aPhilips como um bom exemplo. 4 É para nós algosintomático que o Sr. Borch não se refira à áreade finanças como uma condição de descentra-lização. Na realidade, ao que parece. desdeque a matriz concentre o planejamento e aexecução orçamentária em suas mãos, é perfei-tamente possível manter o controle sobre suaorganização mundial, mesmo delegando prati-camente todas as outras decisões às suas sub-sidiárias. Esse ponto parece-nos ser de impor-tância fundamental para a análise das empre-sas multinacionais de hoje e no futuro. acimade tudo porque ele implica a crescente diver-sificação geográfica de recursos e do próprioprocesso decisório. o que, por sua vez, pode con-tribuir para uma tendência de desnacionaliza-ção dessas empresas. aspecto de que ainda nosocuparemos nessa exposição.

Quanto à tese da concentração do comérciointernacional na mão de um número relativa-mente diminuto de empresas poderosas, con-vém citar alguns dados que transmitem umanoção ao menos aproximada dessa tendência.Por exemplo atualmente:

a) as 10 principais nações exportadoras de ca-pital exportam anualmente US$ 150 bilhões eproduzem cerca de US$ 260 bilhões em subsidiá-

rias externas. Essa produção é cerca de seisvezes o nosso PNB;

b) cerca de 3 500 grandes empresas operamcom cerca de 24 mil estabelecimentos estran-geiros;

c) das 200 maiores empresas norte-americanas.80 aplicam cerca de 1/4 de seus recursos no ex-terior;d) os investimentos diretos anuais dos EUAno exterior são de cerca de US$ 80 bilhões. o quecorresponde quase ao dobro do PNB do Brasil;

e) das 100 maiores empresas americanas. 62possuem pelo menos quatro fábricas no exte-rior. enquanto que das 100 maiores empresasnão-americanas. 64 possuem pelo menos quatrofábricas no exterior. 5

Baseando-se em dados como esses. estima-seque, atualmente. cerca de 1/4 da produção in-dustrial mundial está concentrada na mão deempresas multinacionais. mas que. por voltado ano 2000, essa proporção chegará à metade.Até lá. acredita-se que cerca de 200 conglome-rados monstruosos poderão ser os donos quaseque absolutos da produção mundial. Em outraspalavras: a tese da crescente concentração docomércio internacional nas mãos de um nú-mero bastante restrito de empresas multinacio-nais pode ser derivada, em parte, da aceleraçãocom que se processa a concentração da produ-ção (sobretudo através de fusões), mas tambémda tendência cada vez mais acentuada das em-presas multinacionais em descentralizar suasatividades produtivas no mundo. a fim de atin-gir maiores economias de escala em cada umade suas operações locais. Portanto. não é absur-do imaginar-se uma empresa monstruosa. diga-mos do ramo de automóveis, que operaria 50 ou100 unidades fabris em alguns países altamenteespecializados em determinadas linhas de pro-dutos - por exemplo, pistões. caixas de câmbioou sistemas elétricos - e que supririam algumascentenas de suas fábricas de montagem espa-lhadas pelo mundo.

Há algo de irônico nessa perspectiva que,quanto ao sentido da especialização por países.estaria muito aproximada do ideal vislumbradopelo economista David Ricardo em 1817 comoum preceito liberal, mas cujas conseqüênciasseriam uma concentração de poderes que seafastariam progressivamente do liberalismo.

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3. QUATRO VANTAGENS INTRíNSECASDAS EMPRESAS MULTINACIONAIS (EMs)

No entanto, é preciso perguntar por que essatendência de concentração das empresas multi-nacionais seria inevitável. Ela o é, em nosso en-tender, porque essas empresas reúnem urna sé-rie de vantagens econômicas e estruturais que,quase automaticamente, as investem de pode-res políticos crescentes. Quais são essas vanta-gens intrínsecas das empresas multinacionais?

Podemos classificar essas vantagens em qua-tro categorias, quais sejam:

a) urna capacidade elevada de racionalizaçãode recursos;

b) um alto grau de flexibilidade de ação;

c) altos retornos tecnológicos;

d) poderes de pressão e barganha.

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O primeiro desses quatro aspectos decorreessencialmente da facilidade de acesso a urnamultiplicidade de recursos, sejam eles huma-nos, materiais ou financeiros, que a empresamultinacional costuma ter pelo simples fato deoperar em várias frentes do mundo. Isto ampliaa gama das suas opções, permitindo a escolhaentre um grande número de modalidades ope-racionais com óbvias vantagens de economia derecursos e de escala.

O segundo fenômeno (a flexibilidade de ação)é menos tangível, mas talvez mais importanteainda. Ele decorre da maior facilidade .que urnaempresa multinacional costuma ter em criar ecoordenar sistemas de informação e de merca-dização de bens e serviços em âmbito interna-cional, o que não só lhe permite um melhoraproveitamento dos seus conhecimentos quan-to às oportunidades de conquista de mercadosem vários pontos do mundo, corno também demudar as suas estratégias de mercadização acurto ou médio prazo face a mudanças incon-trolá veis nos mercados.

O terceiro aspecto (o elevado grau de apro-veitamento tecnológico) é o que mais se discutena literatura atual sobre as empresas multina-cionais. Ele se origina na possibilidade de taisempresas investirem sornas vultosas em pesqui-sas e desenvolvimento, face às suas ambiciosasperspectivas de produção e de mercadização deRevista de Administração de Empresas

produtos novos, o que não só lhes dá vantagenstecnológicas diferenciais, corno também a via-bilidade de urna maior padronização e realiza-ção de economias de escala corno conseqüênciada produção em massa.

O quarto e último aspecto é o menos foca-lizado na literatura técnica, por motivos óbvios.Mas é ele precisamente que mais nos deve preo-cupar. Quanto mais cresce urna empresa multi-nacional, ou quanto mais ela se diversifica, sejano sentido horizontal ou no vertical, tanto maispoderes ela acumula, não só em termos tecno-lógicos (corno através da concentração de pa-tentes), corno também econômicos (por exem-plo, ao controlar os recursos financeiros de urnacomunidade) e, finalmente, políticos, face aoseu enorme poderio de barganha e pressão.

4. REAÇõES DEFENSIVAS FRENTE ASEMPRESAS MULTINACIONAIS (EMs)

Esse último dos quatro aspectos leva-nos à se-gunda tese: O crescente domínio do comércio(doméstico e internacional) por parte das em-presas multinacionais gera reações defensivascada vez mais intensas nos PMDs.

PMDs, diga-se de passagem, é urna abreviaçãode "países menos desenvolvidos" entre os quaisfigura o Brasil.

Se bem que, no presente contexto, nossa aten-ção esteja primordialmente voltada aos PMDs,convém mencionar que não somos nós, os sub-desenvolvidos, os únicos preocupados com opoderio cada vez maior das empresas multína-cionais - nem necessariamente tão indefesosquanto outras nações mais avançadas que pro-curaram proteger-se das investiduras dessasempresas.

Os casos mais comentados desse tipo de rea-ção ocorreram provavelmente na França. Porexemplo, basta lembrar a interferência diretado General De Gaulle quando a Fiat tentoucomprar a maioria das ações da Citroen ou ocaso ocorrido em 1962, quando o governo fran-cês conseguiu evitar que a General Eletric com-prasse 20% dos ativos da Machines Bull, naépoca o maior fabricante de computadores da-quela nação. Mais tarde, aparentemente face àimpossibilidade de desenvolver sua própria tec-nologia mais avançada, o governo francês teveque concordar que a fábrica Bull vendesse até50% das suas ações para aGE.

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É importante frisar também que a preocupa-ção gerada pela crescente participação das em-:presas estrangeiras e particularmente multi-nacionais nos negócios de uma determinada na-ção não decorre necessariamente de um excessode nacionalismo. A tecnologia não é privilégio denenhuma nação, especificamente, mas algu-mas nações dispõem de maiores avanços e van-tagens do que outras no campo da tecnologia,podendo, por conseguinte, gerar uma situaçãode real dependência econômica, política ou atémilitar. Um influente industrial inglês assimmanifestou-se a respeito dessa ameaça: "t im-portante verificar que o investimento estrangei-ro conduz ao controle estrangeiro de um vastosetor da nossa indústria de engenharia de base.Na realidade isto conduz a uma perda de auto-determinação. No caso de sobrevir uma criserealmente grande, veremos quem é o feitor equem são os escravoa.?" Em outras palavras,os novos protecionistas não são necessariamen-te chauvinistas inveterados que insistem emque toda a produção industrial seja gerada egerida por elementos da própria nação, nem ne-cessariamente se preocupam com a ameaça àhegemonia industrial de alguns ramos por par-te das empresas multinacionais. Na sua opinião,a própria segurança e o prestigio nacional éque estão em jogo.

No caso dos PMDs, essa problemática torna-se tão mais séria por não termos normalmentecondições de competir em âmbito internacionalcom o avanço tecnológico das nações avançadas.Para citar o caso do Brasil, nem a longo prazoteremos provavelmente condições de infiltrarempresas nacionais significativas em setores co-mo a eletrônica, a indústria automobilística oumesmo a farmacêutica.

O Brasil não é um país em que esse aumentode concentração tenha causado uma preocupa-ção particularmente acentuada nos últimosanos. Outras nações têm reagido de maneiramuito mais radical para enfrentar essa situa-ção. Basta citar o Chile do Presidente Allende.Ainda mais em evidência estão os países árabesprodutores de petróleo que, gradativamente,estão exercendo pressões para que os investi-mentos estrangeiros nesse ramo sejam naciona-lizados. Entretanto, mesmo países como aCoréia do Sul, a Malásia, ou a Indonésia estãorevisando as suas legislações para impedir quea participação de empresas estrangeiras no PNBe/ou na sua distribuição continue a aumentar.

As Filipinas, por exemplo, exigem hoje que 60%das novas iniciativas industriais sejam contro-ladas por instituições ou pessoas nativas.

5. POSSíVEIS ATITUDES FRENTE AAMEAÇA DAS EMs

No entanto, é preciso perguntar: será que asmedidas protecionistas que visam restringir oinvestimento estrangeiro são as mais eficazespara enfrentar a ameaça da crescente concen-tração do poderio econômico e político das em-presas multinacionais nos PMDs? Duvidamosque o sejam. Isso nos leva à nossa terceira e últi-ma tese, qual seja: Para enfrentar a ameaçadas empresas multinacionais, em nada adiantacombatê-las. Pelo contrário, é preferível enco-rajá-las, mas exercer controle sobre sua expan-são, taxá-las e sobretudo enfrentá-las por umsistema de "repiques".

O que significa isso em termos mais precisos?Há, em nosso entender, seis maneiras com queum PMD pode enfrentar as empresas multina-cíonaís que procuram operar dentro de suasfronteiras. Uma delas é ignorá-las, dentro deuma atitude de fatalismo ou indiferença. A ou-tra consiste em render-se aos seus desejos e àssuas pressões, na expectativa de que as suasvantagens superem as suas desvantagens. Umaterceira forma consiste em combatê-las, abrin-do mão das suas vantagens potenciais embenefício de uma maior independência econô-mica e política. Uma posição diametralmenteoposta é a de encorajá-las através de incentivosde toda sorte. Uma quinta maneira consiste emdesnorteá-las conscientemente, ora oferecendo-lhes vantagens, ora tirando-lhes uma parte dosbenefícios oficiais.

Em nosso entender, todas essas cinco moda-lidades ou atitudes, sobretudo se tomadas isola-damente, sofrem da mesma desvantagem deprincípio: reconhecem, implicitamente, a sobe-rania das empresas multinacionais, com umadose maior ou menor de fatalismo frente ao seupoder.

O que recomendamos aos PMDs é uma políti-ca de "repiques".

Em que consistiria essa política? Sua filoso-fia básica é derivada da maneira como um gru-po de pessoas comporta-se quando se reúnepara realizar um jogo qualquer. Cada membrodeseja tirar alguma vantagem sobre o outro,a fim de ganhar o jogo. Todavia há regras quetodos respeitam. Ademais, todos jogam mais

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ou menos com os mesmos instrumentos, diga-mos com um conjunto de bolas, como no bilhar,ou com um determinado número de cartas, comono bridge. Em alguns jogos, o blefe é permitido,mas punido quando descoberto. As posições ini-ciais dos instrumentos do jogo não são unifor-mes: alguns jogadores têm certa vantagem so-bre seus adversários. O que, no entanto, costu-ma determinar quem vence o jogo não são osinstrumentos e suas posições relativas, mas ahabilidade do jogador.

Na estratégia dos repiques, essa é a premissacrucial: admitir-se que a nossa habilidade aoenfrentar o adversário não é inferior à dele.Isso implica, primeiramente, o treinamento ade-quado dos "jogadores"; em segundo lugar, odesenvolvimento daqueles instrumentos que ofe-recem algumas vantagens em potencial sobreos instrumentos do adversário; além disso, re-quer uma avaliação objetiva dos fortes e fra-cos do adversário e, finalmente, pressupõe "jo-gar" dentro dos moldes de uma estratégia pre-viamente delineada.

Dentre essas quatro condições operacionais,uma parece particularmente árdua para osPMDs em geral: a da avaliação objetiva dosfortes e fracos das empresas multinacionais.Não que a tarefa seja tecnicamente insuperá-vel. Mas a ela resistimos devido a uma. fortetendência tradicionalmente arraigada nos sis-temas de valores, de encarar os impactos cul-turais mais incisivos das nações mais avançadascomo irresistíveis. A falta de dados concretossobre as empresas multinacionais favorece essainclinação de excessiva humildade.

Mesmo em países mais desenvolvidos, a visãodas empresas multinacionais é controvertida aoponto de atingir o absurdo. Senão, vejamos: nu-ma interpretação algo precipitada, George Ballacredita que as empresas multinacionais con-tribuirão progressivamente para uma crescenteordem mundial supranacional, na qual" os di-versos sistemas de nacionalismo competitivo se-riam progressivamente substituídos por organi-zações internacionais, voltadas exclusivamentepara a produção impessoal e uma "paz do em-presariado", dentro da qual prevaleceria o prag-matismo econômico sobre o ufanismo egoístadas nações. Uma posição diametralmente opos-ta foi defendida pelo Prof. Stephen Hymer, queargumenta que as empresas multinacionaiscriariam uma divisão de trabalho no mundo in-teiro baseada em diversos nacionalismos e do-minada por processos decisórios de empresas

Revista de Administração de Empresas

americanas, européias e japonesas, o que fariacom que as diferenças entre as intenções dasnações se pronunciassem a tal ponto que novosconflitos mundiais, possivelmente até uma novaguerra mundial, tornar-se-iam inevitáveis. 7

6. A vrSAO SOMBRIA DOSESTRUTURALISTAS

Um tipo semelhante de VISao lúgubre da fun-ção das empresas multinacionais no mundo écompartilhado por um grupo de intelectuais la-tino-americanos, que acredita serem essas em-presas as principais responsáveis por um des-tino ínescapável de dependência econômica, so-cial, política e cultural do nosso hemisfério. 8

Um dos representantes desse grupo que maisenergicamente tem defendido a tese da nossasubjugação inescapável a um sistema imperia-lista internacional, concentrado na mão de umaminoria de empresas gigantescas, é o economis-ta chileno Osvaldo Sunkel. Não sem algumamalícia, Sunkel chama essas empresas deContras, o que é uma abreviação de "conglo-merados transnacionais", os quais, de acordocom ele, não só liquidariam "definitivamente aempresa privada nacional", como também dei-xar-nos-iam numa situação de total dependên-cia quanto a qualquer iniciativa de desenvolvi-mento face aos poderes e interesses centraliza-dores e egocêntricos dessas empresas. 9

Uma posição semelhante tem sido defendida,nos últimos anos, por Celso Furtado para quemo jogo da dependência está sendo controladopor dois poderes: o Estado nacional e as em-presas internacionais, mas com uma crescentesupremacia por parte dessas últimas, devido aosseus controles cumulativos sobre as diversasformas do progresso tecnológico. Disso resulta-ria uma submissão fatal que, gradualmente,permitiria às empresas multinacionais mani-pular a intensidade e a orientação do nosso pro-cesso produtivo, bem como do processo de con-centração da renda, através da criação de em-pregos no setor mais moderno das atividadeseconômicas, intensificando, portanto, o hiatosocial existente entre as classes mais abastadase as classes marginalizadas na América Lati-na.lO

Não acreditamos que essas interpretaçõesda nossa "realidade" sejam totalmente falsas.Claramente, o risco de uma dependência cres-cente da tecnologia internacional nos países em

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desenvolvimento e com isso das empresas quecontrolam essa tecnologia existe e constituiuma real ameaça à nossa autonomia política,econômica e social. Além disso, é preciso nãose ter ilusões quanto às ambições políticas depelo menos algumas das empresas muttínacío-nais, o que ficou dramaticamente ilustrado pelainterferência ousada, arrogante e algo infantilda !TI' no Chile.

Contudo encarar as empresas multinacionaisexclusivamente sob esse ângulo de monstrosmaliciosos e insaciáveis, primordialmente vol-tados a explorar os países subdesenvolvidos etransferir os lucros dessa espoliação para assuas sedes no exterior, constitui um grandeexagero, inspirado mais em receios infundadosdo que em análises objetivas.

7. EMPRESA MULTINACIONAL: UMELEFANTE VULNERAVEL

Há, para nós, um verso da medalha, que se re-sume em três aspectos complementares à visãosombria dos estruturalistas. São eles: primeira-mente, as empresas multinacionais são, sob cer-tos aspectos, bastante vulneráveis devido a umasérie de fatores que decorrem, em larga escala,do simples fato de serem grandes. Operam comcustos fixos elevados, costumam ser extrema-mente lentas nos processos decisórios, são obri-gadas a descentralizar e freqüentemente per-der uma parte dos controles das suas opera-ções, além de enfrentarem pressões cada vezmais fortes não só por parte dos seus concor-rentes, como também do Estado, face às leisantitruste, e do público, que se manifesta nainsatisfação de grupos de consumidores, aliadaà preocupação dos sindicatos (ao menos os nor-te-americanos) que as acusam, não sem razão,pela importação de produtos fabricados ou se-mifabricados no exterior a custos de mão-de-obra mais baixos do que seria possível no país-sede. Ademais, costumam ter uma enorme inve-ja dos seus concorrentes, com que fabricamconchavos num dia para, no outro, passar-lhesa perna.

Em segundo lugar, as empresas estão-setornando cada vez mais apátridas ao desloca-rem gradativamente os seus recursos àqueleslugares ou países no mundo que lhes oferecemmelhores condições de segurança, lucratividadee sobretudo crescimento a longo prazo. Esseslugares não são necessariamente ou exclusiva-mente os seus países de origem. Nesse ponto,

convence-nos uma opinião como a do Vice-Pre-sidente Executivo da Ford Motors Company,Robert Stevenson, que afirmou: "Temos pormeta estar em cada um dos países do mundo",acrescentando: "Nós não nos consideramosuma empresa basicamente americana. So-mos uma empresa multinacional. Defendemosum grande número de bandeiras. Exportamos decada um dos países em que estamos. "11 Essetipo de atitude "transnacional" poderá promo-ver a criação de empresas verdadeiramente des-nacionalizadas que colocarão suas sedes naque-les pontos do mundo que lhes pareçam ser osmais adequados em termos de seus objetivos alongo prazo. Esses pontos não são necessaria-mente os países mais desenvolvidos.

Finalmente, cabe assinalar que, a médio elongo prazo, as empresas multinacionais depen-derão, em escala crescente, dos mercados dospaíses em desenvolvimento com suas altas ta-xas demográficas e seus elevados potenciaisinexplorados. Significa isso, entre outros, queessas empresas agiriam contra os seus própriosinteresses à medida que adotassem a tese pre-dileta de Furtado, ou seja, contribuir intencio-nalmente para uma crescente marginalizaçãodas classes menos abastadas nos países em de-senvolvimento.

Não pretendemos, com essas considerações,argumentar que não exista uma ameaça realpara nós nos países em desenvolvimento faceao crescente poder das empresas multínacío-nais. O que pretendemos é demonstrar que abatalha ainda não está perdida. Acreditamos,pelo contrário, que temos excelentes condiçõesde tirar bons proveitos do crescimento dessesmonstros internacionais. desde que adotemosuma atitude adequada frente à sua ameaça.

Em outras palavras: é preciso reconhecer que,no reino dos animais, o elefante é poderoso eperigoso como adversário em potencial. Mas nãoé invulnerável e pode ser de grande utilidadepara quem consegue domá-lo.

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8. CONCLUSõES: QUATRO ELEMENTOSDA POLíTICA DE "REPIQUES"

Uma vez aceita a premissa de que é possível en-frentar a ameaça das empresas multinacionalssob certas condições, a pergunta, evidentemen-te, passa a ser: Em que consistem essas condi-ções? Citamos quatro delas, não com o intuitode esgotar o assunto, mas de incentivar o de-bate em torno da viabilidade de uma atitude

Mercaclologia internacional

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que se propõe a estabelecer o equilíbrio de for-ças entre os grupos econômicos internacionaise os estados modernos em formação nos PMDs,dentro de uma política que, anteriormente, cha-mamos de "repiques".

A primeira dessas condições consiste na obri-gação de manter-nos informados sobre todos osmovimentos estratégicos das empresas multi-nacionais que operam (ou pretendem operar)em áreas do nosso próprio interesse comercial,econômico e político. Múltiplos seriam os ob-jetivos desse sistema contínuo de informaçõesvisando responder perguntas como: Em queáreas estão sendo realizadas pesquisas com ointuito de inovar-se tecnologicamente? Quemsão os expoentes dessas pesquisas e que vanta-gens e ameaças poderão elas trazer para o pró-prio país? Que estratégias estão sendo adotadaspelas empresas multinacionais, com que alvosprováveis em mente e com que repercussões pos-síveis? Quais das suas medidas têm provocadoresultados satisfatórios, quais falharam e porque? Quais são as áreas prediletas de ação des-sas empresas, no sentido tecnológico, geográ-fico, mercadológico etc, e que áreas elas cos-tumam evitar e por que razões? Etc. Etc.

Essas informações seriam sistematicamenteprocessadas e interpretadas com o fito, porexemplo, de adquirir know-how próprio, de fa-cilitar a seleção de setores em que convém con-centrar esforços de pesquisa tecnológica pró-pria, de formular princípios econômicos e le-gais em defesa dos interesses nacionais, enfim,de facilitar a formulação de uma estratégia quevise tirar o máximo de proveitos das forças ine-rentes e mais facilmente desenvolvíveis do paísfrente às forças e as fraquezas das empresasmultinacionais.

O segundo ponto a ser assinalado dentro dafilosofia do repique consiste na criação de umsistema de adequação administrativa e fiscal,através de controles e incentivos internos danação, não com o intuito de desencorajar as em-presas multinacionais, mas para criar contra-pesos que favoreçam as operações nacionais. Otreinamento de técnicos e executivos ocupariauma posição destacada dentro dessa política deadequação, bem como a introdução de medidasfiscais no sistema econômico-financeiro que cla-ramente beneficiariam quaisquer instituiçõesde natureza privada ou pública dispostas e ca-pazes de competir com as empresas multinacio-nais. Essas nunca deveriam ser autorizadas aoperar como monopolistas no seu ramo de atí-Revista de Administração de Empresas

vidade, não apenas para reduzir os riscos dadependência e da espoliação dos consumidores,como também para criar estímulos à natural"inveja" entre os "monstros" ao conceder li-cenças operacionais iguais ou ao menos com-paráveis a concorrentes naturais e tradicionaisno mercado mundial. Por exemplo, o quase mo-nopólio da Volkswagen no seu segmento demercado talvez pudesse ter sido evitado comvantagens para o consumidor e a economia bra-sileira se, desde logo, o nosso Governo tivesseincentivado a criação de uma indústria estran-geira em concorrência direta com a empresaalemã.

Calcada no sistema de informações e de ade-quação administrativa e fiscal, podemos imagi-nar uma terceira maneira de implementaçãoda política de repiques, que consistiria essen-cialmente na criação de estímulos aos chama-dos joint ventures com cláusulas de "favoreci-mento" para quaisquer iniciativas em benefí-cio da economia nacional que resultassem daconjugação de esforços e capítaís estrangeirose nacionais em igualdade de condições. Na me-dida do possível, essas empresas deveriam serde capital aberto, para arraigá-las mais profun-damente no solo nacional, bem como para re-duzir seus impactos negativos sobre os balan-ços de pagamentos face aos retornos de capi-tais e de pagamentos de royalties. A legislação,contudo, não só deveria criar estímulos a essestipos de empreendimentos mistos, mas, ao mes-mo tempo, deixar bem claro que seus privilé-gios seriam anulados a partir do momento emque um dos parceiros assumisse acima de 50%dos ativos.

No entanto, essas medidas seriam talvez in-suficientes para atingir o equilíbrio do podereconômico, se não fossem acompanhadas poruma outra forma de implantação da políticados repiques, mais ousada e ambiciosa do queas outras. Referimo-nos à criação daquilo quechamaríamos de "blocos nacionais". Seriameles empreendimentos estatais ou semi-estataisinvestidos de poderes econômicos especiais parafazer face às empresas multinacionais, seja nomercado nacional, seja no internacional. No ra-mo privado, a criação desses blocos provavel-mente só seria viável através de grandes fusões,tais como as observadas recentemente no siste-ma bancário, hoje claramente voltado para omercado externo, inclusive através da criaçãode subsidiárias no exterior. Todavia, a inicia-tiva privada no Brasil dificilmente terá condi-

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ções de conjugar esforços e poderes em propor-ções suficientes para poder competir com osgrandes conglomerados do mundo. Somente oEstado tem alguma condição de enfrentar essatarefa. E deve fazê-lo; não ao acaso, em qual-quer ramo, mas através de um processo seletivoe planejado em que dominem aspectos como:grau de importância do ramo para o desenvolvi-mento, grau de dependência de inovaçõestecnológicas e de seus custos; importância es-tratégica do ramo; vantagens e limitações noaproveitamento de recursos naturais próprios;possibilidades de comprar ou alugar knoui-lunoestrangeiro; oportunidades de aproveitamentoda mão-de-obra não-qualificada - além de ou-tras considerações.

Em suma, então, o que se propõe é a anâliseda viabilidade e eventual implantação de umaestratégia voltada à criação de contra.pesos aospoderes das empresas multinacionais, atravésdo aproveitamento racional das forças que na-turalmente favorecem as nações menos desen-volvidas e das fraquezas inerentes às empresasmultinacionais. O objetivo precípuo dessapolítica consistiria em alcançar poderes sufi-cientemente incisivos para, aos poucos, resta-belecer o equilíbrio de forças entre gruposestrangeiros e nacionais, que disputariam asoportunidades dos mercados em igualdade decondições.

Hoje os PMDs estão longe desse alvo. No en-tanto, achamos viável que ele seja atingido,contanto que concentremos uma parcela denossos recursos e esforços na criação de pólosinvestidos de poderes econômicos e políticos es-peciais para conquistar, passo a passo, algumasposições de mando no mercado internacional.

1 Os exemplos são extraídos de: A rougher road formultinationals. Business week, 19.12.1970e Arning,H.K. Business customs from Malaya to Murmansk.In: Ryans, J.K. & Buer, J.C. (coord.) World Mar-kettng, New York, John Wiley, p. 40-49, 1967.

2 AssociaçãoComercial de São Paulo, Seminário so-bre Estratégia para a Exportação, 25-28.10.71,Atasda sessão de 27.10.1971,p. 27.

3 Bradley,o.s. & Bursk, E.C. Multinationalism andthe 29th day. Harvard Business Review, p. 39 Jan./Feb. 1972. p. 39.

4. Ibid. p. 41.

:I Os dados são de Business Week, op. cito e Heil-bronner R. L. As empresas multinacionais e as na-ções. Diálogo, p. 16, 17 [ul.yset, 1972.

6 The challenge of multinational busisess. Fortune,p. 15, 15-8-69.

7 Ver Heilbronner. op. cito p. 22-23.

8 Em outro trabalho, procuramos resumir as princi-pais teses desse grupo e analisar a sua importânciapara o futuro da América Latina; ver Richers, R.Dependência: fatalidade ou falácia do desenvolvi-mento? Revista de Administração ele Empresas, V. 13,n. 1, p. 41-55,jan./mar. 1973.

9 Ver Sunkel, O. Capitalismo transnacional Y desín-tegración nacional en la America Latina. TrimestreEconómico, V. 38, n. 150, abr./jul. 1971.

10 Ver, por exemplo: Furtado, C. A hegemonia dosEstados Unidos e o desenvolvimento da América La-tina. Rio de Janeiro, CivilizaçãoBrasileira, 1973.

11 Extraído de Business Week, op. cito

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