as pessoas na organização - maria t l fleury

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As PESSOAS NA ORGANIZAÇÃO Ana Cristina Limongi-França André Luiz Fischer Arnaldo Jose França Mazzei Nogueira Eliete Bernal Areilano Germano Glufke Reis Gilberto Shinyashiki Jáder dos Reis Sampaio Joel Souza Dutra José Antonio Monteiro Hipólito Lindolfo Galvo de Albuquerque Maria Tereza Leme Fleury (org.) Mansa Eboli Moacir de Miranda Oliveira Junior Rosa Maria Fischer Tânia Casado Copyright © Editora Gente Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro. SP, Brasil) As pessoas na organização. São Paulo : Editora Gente, 2002. Vários autores. Índices para catálogo sistemático: 1. Gestão de pessoas: Administração de empresas 658.3 2. Pessoas: Gestão: Administração de empresas 658.3 Todos os direitos desta edição são reservados à Editora Gente. Rua Pedro Soares de Almeida, 114, São Paulo - SP CEP 05029-030 - Telefax: (11) 3670-2500 Site: www.editoragente.com.br E-mau: genteeditoragente.com.br 1. Introdução Toda e qualquer organização depende, em maior ou menor grau, do desempenho humano para seu sucesso. Por esse motivo, desenvolve e organiza uma forma de atuação sobre o comportamento que se convencionou chamar de modelo de gestão de pessoas. Tal modelo é determinado por fatores internos e externos à própria organização.

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  • As PESSOAS NA ORGANIZAO

    Ana Cristina Limongi-Frana Andr Luiz Fischer

    Arnaldo Jose Frana Mazzei Nogueira

    Eliete Bernal Areilano

    Germano Glufke Reis

    Gilberto Shinyashiki

    Jder dos Reis Sampaio

    Joel Souza Dutra

    Jos Antonio Monteiro Hiplito

    Lindolfo Galvo de Albuquerque

    Maria Tereza Leme Fleury (org.)

    Mansa Eboli

    Moacir de Miranda Oliveira Junior

    Rosa Maria Fischer

    Tnia Casado Copyright Editora Gente Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro. SP, Brasil)

    As pessoas na organizao. So Paulo : Editora Gente, 2002.

    Vrios autores.

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Gesto de pessoas: Administrao de empresas 658.3

    2. Pessoas: Gesto: Administrao de empresas 658.3

    Todos os direitos desta edio so reservados Editora Gente.

    Rua Pedro Soares de Almeida, 114, So Paulo - SP CEP 05029-030 - Telefax: (11) 3670-2500

    Site: www.editoragente.com.br E-mau: genteeditoragente.com.br

    1. Introduo

    Toda e qualquer organizao depende, em maior ou menor grau, do desempenho humano para seu sucesso. Por esse motivo, desenvolve e organiza uma forma de atuao sobre o comportamento que se convencionou chamar de modelo de gesto de pessoas. Tal modelo determinado por fatores internos e externos prpria organizao.

  • Assim, para diferentes contextos histricos ou setoriais so encontradas diferentes modalidades de gesto. O que distingue um modelo de outro so as caractersticas dos elementos que os compem e sua capacidade de interferir na vida organizacional dando-lhe identidade prpria. O modelo deve assim, por definio, diferenciar a empresa em seu mercado, contribuindo para a fixao de sua imagem e de sua competitividade. Entretanto, ao analisar a histria dos modelos de gesto, observa-se que, em geral, eles se articulam em torno de alguns conceitoschave que determinam sua forma de operao e a maneira pela qual direcionam as relaes organizacionais nas empresas. A anlise desses grandes elementos de articulao possibilita entender as especificidades e as complementaridades que se formaram entre diversos modelos e pocas histricas.

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    Neste captulo define-se o que um modelo de gesto de pessoas e quais so os fatores que determinam sua configurao especfica em uma organizao ou um setor de atividade. Tendo-se por referncia as perspectivas mais influentes da teoria organizacional, classificam-se as grandes correntes de gesto de pessoas em quatro categorias, que correspondem a perodos histricos e conceitos articuladores especficos. So elas: modelo de gesto de pessoas articulado como departamento pessoal, como gesto do comportamento, como gesto estratgica e, finalmente, como vantagem competitiva. As principais caractersticas de cada uma dessas escolas so analisadas a seguir.

    2. O que um modelo de gesto de pessoas

    Entende-se por modelo de gesto de pessoas a maneira pela qual uma empresa se organiza para gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho. Para isso, a empresa se estrutura definindo princpios, estratgias, polticas e prticas ou processos de gesto. Atravs desses mecanismos, implementa diretrizes e orienta os estilos de atuao dos gestores em sua relao com aqueles que nela trabalham. Parece evidente que todo e qualquer negcio dependente de formas particulares de comportamento, sendo quase impossvel dissociar determinadas marcas e produtos da expectativa de desempenho formada por seus clientes. Episdios de conhecimento pblico, que marcam a histria das organizaes, demonstram como determinadas marcas podem sofrer consequncias desastrosas quando a ao humana interfere negativamente nos produtos e servios prestados aos clientes. Tome-se o exemplo da Firestone e os pneus que provocaram uma sucesso de acidentes com vtimas entre proprietrios de veculos Ford nos Estados Unidos ou o da Coca-Cola, cujos refrigerantes contaminados foram distribudos na Blgica e em parte da Europa, o que fez desabar o valor das aes da empresa durante vrios meses em todo o mundo, ou os acidentes ecolgicos que abalaram a Shell nos anos 1980. So situaes-limite, carregadas de certa dose de impondervel, que no podem ser creditadas exclusivamente a falhas humanas, mas que, por sua dramaticidade, ilustram bem como o comportamento das pessoas no trabalho pode interferir na preservao e na agregao de valor das empresas. Alguns poderiam acreditar que, no mundo da informao, da eletrnica, da intangibilidade, do fast food e da competitividade exacerbada, o comportamento humano perderia espao e relevncia. Mas o que se v, ao contrrio disso, que os negcios mais prximos desse mundo so aqueles que se tomam mais dependentes do comportamento humano. No

  • objetivo deste captulo analisar a chamada economia virtual e seus impactos em RH, mas vale dizer que, quanto mais a empresa se concentra no chamado ativo intangvel (marcas, performance, inovao tecnolgica e de produto, atendimento diferenciado etc.), mais forte se torna a dependncia dos negcios ao desempenho humano. A mxima high tech, high touch parece vir a confirmar-se. Do lado do mercado, parece razovel supor que a concorrncia mais ampla tambm fortemente valorizadora do comportamento humano. Quanto maiores

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    forem as opes de aquisio de bens e servios, a transparncia dos mercados e o acesso aos meios de comunicao, mais definitivo ser o impacto do comportamento das pessoas nas decises do consumidor. Em empresas submetidas a tal regime de mercado, o comportamento humano passa a integrar o carter intrnseco dos negcios, tomando-se elemento de diferenciao e potencializando a vantagem competitiva. Vale ressaltar que no se pretende repetir o velho jargo otimista e utpico de que o elemento humano vem sendo cada vez mais valorizado pelas organizaes. A organizao no est se tornando mais humana por causa da nova onda competitiva, no est sendo regida por princpios que privilegiam o humano em detrimento de outros valores organizacionais. O que se quer dizer que, quanto mais os negcios se sofisticam em qualquer de suas dimenses tecnologia, mercado, expanso e abrangncia etc. , mais seu sucesso fica dependente de um padro de comportamento coerente com esses negcios. assim que no se imagina, por exemplo, uma loja do McDonalds que no esteja imersa em um clima de alegria e jovialidade nem numa forma particular de manter a agilidade de atendimento. Tais caractersticas humanas, que fazem sucesso vendendo hambrguer em todo o mundo, diferem completamente daquilo que se espera de uma empresa area, cujos funcionrios devem inspirar cortesia, cordialidade, segurana e confiabilidade. Confiana e solidez so tambm parte integrante do portflio de produtos das organizaes bancrias e somente se traduzem em realidade com funcionrios respeitosos, cautelosos e preocupados em conhecer o que queremos com a aplicao de nosso dinheiro. A importncia que o comportamento humano vem assumindo no mbito dos negcios fez com que a preocupao com sua gesto ganhasse espao cada vez maior na teoria organizacional. nesse contexto que surge o conceito de modelo de gesto de pessoas. Quando esse conceito estrategicamente orientado, sua misso prioritria consiste em identificar padres de comportamento coerentes com o negcio da organizao. A partir de ento, obt-los, mant-los, modific-los e associ-los aos demais fatores organizacionais ser o objetivo principal. Analisado no contexto organizacional, o modelo caracteriza-se assim como uma varivel dependente das condies em que ocorrem os negcios. Somente com o entendimento adequado dos fatores que determinam essas condies que se torna possvel delinear um modelo coerente com as necessidades da empresa.

    3. Fatores condicionantes do modelo de gesto de pessoas O desempenho que se espera das pessoas no trabalho e o modelo de gesto correspondente so determinados por fatores internos e extemos ao contexto organizacional. Dentre os fatores internos, destacam-se o produto ou servio oferecido, a tecnologia adotada, a estratgia de organizao do trabalho, a cultura e a estrutura organizacional. Quanto aos fatores externos, a cultura de trabalho de dada sociedade, sua legislao trabalhista e o papel conferido ao Estado e aos demais agentes que atuam

  • nas relaes de trabalho vo estabelecer os limites nos quais o modelo de gesto de pessoas poder atuar. Vale detalhar, ainda que sucintamente, o papel de cada fator:

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    3.1 TECNOLOGIA ADOTADA Parece senso comum que o padro de mquinas utilizado pela empresa determina fortemente o comportamento que se espera dos funcionrios. Operrios que trabalham em linhas de produo acompanham o ritmo ditado pela velocidade da mquina. Deles no se esperam iniciativa nem autocontrole, bastando que o carto de ponto, na entrada da fbrica, registre sua presena. A automatizao ou robotizao do processo transformar esse trabalhador de provedor de fora e guia de ferramentas em monitor da atividade sob sua responsabilidade. Ele passar a atuar na irregularidade, e no na regularidade, o que tornar o trabalho dependente de autonomia e capacidade de antecipao. No primeiro caso, o modelo de gesto poderia limitar-se ao simples registro da presena e propiciar uma recompensa satisfatria ao trabalhador. No segundo, torna-se obrigatrio garantir seu envolvimento com o que faz e estimular a iniciativa individual desse trabalhador. A tecnologia passa a demandar um comportamento e, por decorrncia, um modelo diferenciado.

    3.2 ESTRATGIA DE ORGANIZAO DO TRABALHO

    Diferentes formas de organizao do trabalho so, na verdade, diferentes maneiras de buscar o comportamento exigido pelo processo de trabalho adotado. Desse modo, pode-se dizer que trazem o mesmo impacto da tecnologia para o modelo de gesto. As prticas de TQM (total quality management), a adoo das vrias formas de GSA (grupos semi-autnomos), os operadores multifuncionais e as clulas de trabalho sero totalmente incuos se no estiverem acompanhados de polticas e prticas de gesto de pessoas que estimulem e orientem o padro de desempenho desejado pela tcnica de gesto do trabalho utilizada. Na verdade, pode-se mesmo dizer que quase impossvel separar o modelo de gesto de pessoas do modelo de gesto do trabalho. Trata-se de dois conjuntos de praticas que incidem sobre as mesmas instncias organizacionais as relaes humanas na empresa e que pretendem alcanar os mesmos objetivos: determinado padro de desempenho no trabalho.

    3.3 CULTURA ORGANIZACIONAL

    Parece evidente tambm quanto a cultura organizacional interfere e, ao mesmo tempo, recebe a influncia do modelo de gesto de pessoas de uma organizao. Edgard Schein, um dos autores mais citados nessa rea, define a concepo de trabalho e o valor conferido ao ser humano como os pressupostos nucleares e fundamentais da cultura de um grupo. Um dos principais papis do modelo de gesto reforar e reproduzir esses pressupostos na cultura organizacional vigente, diferenciando e moldando padres de comportamento.

  • relativamente fcil perceber isso no dia-a-dia das organizaes. Nas empresas, aqueles que trabalham em determinadas reas ou profisses so considerados

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    seres humanos diferentes dos outros. assim que engenheiros so mais valorizados que profissionais de escritrio em empresas metalrgicas e de minerao como demonstrou Fleury (1986) em seu estudo sobre a cultura organizacional de uma das maiores empresas brasileiras desse setor de atividade. Especialistas em marketing so mais considerados que funcionrios de produo em empresas de bens de consumo no-durveis. Financeiros so verdadeiras referncias de comportamento nos grandes bancos. notrio que as prticas de recursos humanos ao mesmo tempo refletem, reproduzem e legitimam tais caractersticas culturais das organizaes (Eboli, 1990; Fleur 1986).

    3.4 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL

    A estrutura ou modelo organizacional delineia tambm as caractersticas do modelo de gesto de pessoas dominante na empresa. Uma estrutura departamental, explicitamente orientada para a cadeia de comando e controle, implica um modelo igualmente segmentado e restritivo. iniciativa limitada, ordem supenor, ao manual de procedimentos, ao voltada para os objetivos setoriais sem perspectiva sistmica nem do conjunto da empresa corresponde determinada forma de remunerar, capacitar e recrutar pessoas. Por outro lado, uma estrutura matricial, por unidades de negcios ou em rede, demanda prticas de recursos humanos atravs das quais se perceba a empresa como uma totalidade. A remunerao no pode estar vinculada exclusivamente ao cargo ocupado, o processo de treinamento deve incentivar a viso sistmica da organizao e o recrutamento deve ser feito dentro de um perfil de competncias que atendam ao conjunto da corporao, e no s s demandas da unidade em que a pessoa ir atuar.

    3.5 FATORES EXTERNOS

    Os fatores externos organizao devem ser classificados, segundo sua origem, em duas categorias: os advindos da sociedade e os que tm origem no mercado. Os fatores sociais correspondem forma pela qual a sociedade regula o trabalho e as relaes de trabalho que ocorrem em seu mbito. Prevalecem a cultura de trabalho dessa sociedade, a legislao e a interveno dos diferentes agentes, dentre os quais se destacam o Estado e as instituies sindicais. Por fugir muito ao escopo deste captulo, esses fatores no sero analisados em detalhe. importante ressaltar que as variveis sociais, na maior parte das vezes, exercem mais um papel de restrio que de definio das caractersticas do modelo, ou seja, definem os limites at os quais a organizao e seus gestores podem decidir e agir na configurao de suas polticas e prticas de gesto. O mercado, por seu lado, deve ser considerado o fator preponderante na constituio do modelo, pois define o perfil de competncias organizacionais exigido pelo negcio do setor de atividade em que atua. Como afirmam autores reconhecidos na rea de estratgia empresarial, no mundo competitivo a empresa vista

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    como um portflio de competncias, vencendo aquela que melhor dominar a competncia essencial de determinado setor de atividade (Prahalad e Hamel, 1995). fcil perceber quanto a legitimidade de um modelo de gesto de pessoas est relacionada a sua capacidade de ser tributrio do modelo de competncias de uma organizao. A determinado padro de competncias organizacionais correspondem competncias humanas particulares comportamentos organizacionais que lhes so especficos e contributivos. O reconhecimento do carter dependente do modelo de gesto de pessoas e a identificao de seus fatores condicionantes permitem perceber as variaes que ocorrem em seus diversos nveis de manifestao: a empresa(nvel micro), o setor de atividade (nvel meso) e a nao ou outra unidade demogrfica (nvel macro). medida que ocorrem alteraes nas vanveis bsicas que atuam em uma das dimenses desses nveis, o modelo sofre mudanas de configurao. O carter contingencial e dependente da administrao de recursos humanos que explica por que o modelo de gesto pode manifestar-se de forma heterognea dentro de contextos de anlise aparentemente semelhantes. O senso comum, a observao emprica no sistematizada e pesquisas recentes indicam que possvel, e at muito provvel, encontrar mais de um tipo de modelo de gesto convivendo harmoniosamente dentro da mesma empresa. razovel pressupor tambm que, medida que as empresas passam a competir pela competncia que so capazes de agregar, as diferenas se intensificam no plano meso e no macro. Tudo isso dificulta sobremaneira a delimitao e a identificao do modelo em situaes empricas, dado o fato de que se manifesta de forma cada vez mais diversa quanto mais competitivo for o ambiente. Entretanto, algumas de suas caractersticas so mais genricas e estruturais e podem ser mais bem especificadas como elementos componentes do modelo.

    4. Elementos componentes do modelo de gesto de pessoas

    A rigor, tudo aquilo que interfere de alguma maneira nas relaes organizacionais pode ser considerado um componente do modelo de gesto de pessoas. O comportamento organizacional no produto direto de um processo de gesto, mas o resultado das relaes pessoais, interpessoais e sociais que ocorrem na empresa. Gesto de pessoas significa orientao e direcionamento desse agregado de interaes humanas. Nesse sentido, a definio de uma estratgia, a implementao de uma diretriz com impactos no comportamento dos empregados, a fuso ou transferncia de uma unidade organizacional ou a busca de nova postura de atendimento ao cliente so intervenes de gesto de pessoas. A concordncia com tal perspectiva implica o reconhecimento de que os limites entre o que especialidade de recursos humanos e o que est na rea de atuao dos planejadores estratgicos ou dos gestores de produo ou de marketing so muito tnues e de difcil determinao. De qualquer forma, ainda que seja para fins didticos e de delimitao de campos tericos de pesquisa, importante circunscrever os elementos componentes do

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  • modelo de gesto de pessoas. Eles esto presentes em praticamente todas as organizaes, mas no so identificados de imediato porque se manifestam de diferentes maneiras: mais ou menos formalizados, consolidados em uma estrutura organizacional prpria ou ainda dispersos e pouco tangveis, o que depende, fundamentalmente, da maior ou menor conscincia que a prpria empresa tem da importncia de agir organizadamente sobre o comportamento humano aplicado ao trabalho. Embora a gesto de pessoas abranja, acima de tudo, determinado padro de atitudes e posturas observveis pelo analista externo que caracterizam o convvio humano na organizao, possvel decomp-la em elementos menos abstratos. Os componentes formais de um modelo de gesto de pessoas se definem por princpios, polticas e processos que interferem nas relaes humanas no interior das organizaes. Por princpios entendem-se as orientaes de valor e as crenas bsicas que determinam o modelo e so adotadas pela empresa. Especial destaque deve ser dado para as j referidas anteriormente como fundamentais na definio da cultura de uma organizao: o significado do homem e do trabalho. Observe-se o exemplo de uma das maiores organizaes bancrias brasileiras. O Unibanco, ao definir sua estratgia de negcio no incio da dcada de 1990, optou pela seguinte formulao: nossa diretriz estratgica atender de forma equilibrada aos interesses de clientes, acionistas e funcionrios. Com isso a empresa quer tornar pblico que defende uma cultura na qual esses trs agentes organizacionais tm igual valor. Trata-se sem dvida de uma definio de princpios de gesto de pessoas que orientar as caractersticas estruturais do modelo de gesto adotado. Outro exemplo conhecido o da Disney. Ao definir como valores honestidade, integridade, respeito, determinao e diversidade, a conhecida corporao americana estabelece parmetros de relacionamento entre as pessoas e das pessoas com a organizao. O modelo de gesto dever no s segui-los e respeit-los como tambm reforar esses valores na cultura da organizao. As polticas, por sua vez, estabelecem diretrizes de atuao que buscam objetivos de mdio e de longo prazo para as relaes organizacionais. Em geral, so orientadoras e integradoras dos processos especificamente voltados para a gesto de pessoas. A Xerox do Brasil, por exemplo, definia: A Xerox deve ser capaz de atrair e reter profissionais qualificados para diversas funes do negcio. Para isso, o mercado (outras empresas) acompanhado continuamente, visando alinhar nossa estrutura de salrios e conjunto de benefcios s empresas mais modernas do mercado. Nesse caso, mais uma vez se estabelecem publicamente parmetros que orientam as prticas de gesto, elementos balizadores das prticas de gesto de salrios que deveriam ser conhecidos e vlidos para toda a corporao. Os processos so os elementos mais visveis do modelo, e boa parte da literatura sobre recursos humanos tem-se dedicado exclusivamente a eles. Processos so cursos de ao previamente determinados, no podem ultrapassar os limites dos princpios de gesto e visam alcanar os objetivos traados, orientados por polticas especficas. So instrumentalizados por uma ou mais ferramentas de gesto que pressupem procedimentos especficos. Caracterizam-se como processos de gesto os planos de cargos e salrios, de capacitao e de sucesso, a administrao de carreiras e as avaliaes de desempe-

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  • nho, de performance e de pessoal. Pesquisas salariais, de clima organizacional e diagnsticos de cultura so exemplos de processos e ferramentas componentes do modelo. O importante, quando se fala em processos, que somente ganham sentido efetivo num contexto dado, ou seja, o processo depende de um princpio ou crena que lhe d contedo e direo e de sua capacidade de interferir nas relaes organizacionais. Somente assim um processo poder cumprir seu papel de orientar ou estimular o comportamento humano na empresa. Integra ainda o modelo de gesto de uma organizao o estilo de gesto dos gerentes diretos das equipes de trabalho, ou seja, a maneira pela qual o gestor atua ao estabelecer limites ou estimular determinados padres de comportamento. Pela orientao dos processos de capacitao gerencial ou mesmo da simples divulgao dos perfis de comportamento desejados a empresa procura intervir no estilo gerencial praticado por suas chefias dando coerncia ao modelo. Assim, a P.hodia, um dos mais importantes exemplos de processo de mudana organizacional da dcada de 1980, para consolidar o novo perfil funcional desejado, comeava por definir o estilo gerencial perseguido pela empresa. Os gerentes da Rhodia deveriam adotar os seguintes princpios:

    PRHOEX Princpios gerenciais Viso sistmica Foco nos processos Organizao que aprende Valorizao das pessoas Gerenciamento interfuncional

    A experincia prtica tem demonstrado que, dentre todos os componentes do modelo de gesto de pessoas, esse talvez venha a ser o mais crtico. Conflui para o gerente todo o processo de gesto, as ferramentas tomam vida quando so por ele utilizadas e sua inadequao pe em risco toda a composio do modelo. O desenho organizacional, ou seja, a maneira pela qual o modelo opera, a estrutura especfica de organizao do trabalho dos profissionais especializados e a forma pela qual eles prestam servios a seus clientes tambm so elementos constituintes do modelo. Tais caractersticas, embora de extrema relevncia, no so tratadas detalhadamente neste captulo por fugir de seu objetivo central.

    5. Um resgate histrico dos modelos de gesto de pessoas

    Observa-se at aqui quanto as organizaes dependem de uma atuao estruturada sobre o comportamento humano e das caractersticas bsicas dessa ao. Demonstrou-se tambm que tal ao determinada por fatores internos e externos

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    prpria organizao, sendo razovel supor que, para diferentes contextos histricos ou setoriais, encontram-se diferentes modalidades de gesto. O que diferencia um modelo de outro so as caractersticas de seus elementos, que, como se estudar a seguir, se articulam em torno de alguns conceitos-chave, que por sua vez determinam a forma de operao. Buscando explicitar e entender esses conceitos articuladores, classificam-se as grandes

  • correntes sobre gesto de pessoas em quatro categorias principais, que correspondem a perodos histricos distintos, como j foi mencionado anteriormente. So elas: modelo de gesto de pessoas articulado como departamento pessoal, como gesto do comportamento, como gesto estratgica e, finalmente, como vantagem competitiva. Analisam-se a seguir as principais caractersticas de cada uma dessas vertentes.

    6. Modelo de gesto de pessoas como departamento pessoal

    A administrao de recursos humanos, no sentido mais especfico do termo (human resource management) , resultado do desenvolvimento empresarial e da evoluo da teoria organizacional nos Estados Unidos. Trata-se de produo tipicamente americana, que procura suplantar a viso de departamento pessoal. Um conceito que reflete a imagem de uma rea de trabalho voltada prioritanamente para as transaes processuais e os trmites burocrticos. A histria da human resource management (HRM) nos Estados Unidos, segundo Beverly Springer, inicia-se com o surgimento dos departamentos pessoais. Em 1990, a autora celebrou o centenrio da histria da gesto de recursos humanos nos Estados Unidos, cuja origem poderia ser datada de 1890, quando a NCR Corporation criou seu personnel office. O objetivo dos gerentes de pessoal, que atuariam nessa nova rea, seria estabelecer um mtodo pelo qual pudessem discernir melhor, entre a extensa e diversificada massa de candidatos a emprego, que indivduos poderiam tomar-se empregados eficientes ao melhor custo possvel (Springer e Springer, 1990). Ela define os fatores de ordem cultural, econmica e organizacional que determinaram o surgimento da funo gesto de pessoal nessa poca. Dentre eles destacam-se: -a NCR havia assumido porte e especializao que recomendavam uma funo especfica voltada para a administrao de pessoal; -a livre empresa e o individualismo tomaram-se valores sedimentados na cultura americana, o que permitia s empresas escolher livremente com quem e como trabalhar; -a fora de trabalho do pas ganhara maior mobilidade, e era grande o contingente de migrantes que deveriam ser adaptados ao trabalho; -os sindicatos no se haviam disseminado dentro do novo tipo de corporao que surgia como modelo empresarial. Isso significa que o aparecimento do departamento pessoal ocorreu quando os empregados se tornaram um fator de produo cujos custos deveriam ser admi-

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    nistrados to racionalmente quanto os custos dos outros fatores de produo. A raiz do que viria a ser chamado posteriormente de administrao de recursos humanos e que neste captulo se denomina modelo de gesto de pessoas estaria na necessidade da grande corporao de gerenciar os funcionrios como custos, o elemento diferenciador de competitividade da poca. Isso levou a NCR a investir em uma rea especificamente voltada para tal finalidade. Tal constatao refora a premissa de que os recursos humanos so resultado de um conjunto de necessidades empresariais delimitadas pelas caractersticas sociais e culturais da poca uma funo organizacional que surge como conseqencia, e no causa, dos processos de mudana que ocorriam na empresa e fora dela. No caso da grande empresa americana do incio do sculo XX, o modelo de gesto deveria preocupar-se com as transaes, os procedimentos e os processos que fizessem

  • o homem trabalhar da maneira mais efetiva possvel: produtividade, recompensa e eficincia de custos com o trabalho eram os conceitos articuladores do modelo de gesto de pessoas do tipo departamento pessoal. O fato de que condies sociais, econmicas e organizacionais so determinantes das prticas de gesto de recursos humanos no constitui novidade. Tal conceito observado ou um pressuposto intrnseco para praticamente todos os autores da rea (Cave, 1994). O que surpreende a freqncia com que, mesmo assim, alguns analistas generalizam suas recomendaes de timos modelos, que deveriam ser praticados pelas organizaes sem levar em considerao os ambientes especficos em que esto inseridas. A produo terica nacional e internacional apresenta-se recheada de prescries genricas, que buscam antever aquilo que todas as organizaes precisariam fazer com seus recursos humanos para se tornar eficazes, estratgicas ou competitivas. Em contrapartida, essa produo absolutamente pobre em estudos especficos que reconheam por meio da pesquisa aquilo que efetivamente as organizaes adotam na gesto de suas relaes com os empregados. A busca permanente de um padro timo gera outra marca caracterstica da gesto de recursos humanos: conviver permanentemente com a tenso entre o modelo idealizado concebido pelos tericos como adequado e o modelo praticado efetivamente implementado pelas organizaes. O divrcio entre teoria e prtica comea a ser percebido com o advento das escolas marcadas pela influncia da psicologia humanista. A ideologia organizacional dominante no incio do sculo XX, a administrao cientfica, era bastante compatvel com um departamento pessoal voltado para a eficincia de custos e para a busca de trabalhadores adequados s tarefas cientificamente ordenadas. Mas, a julgar pela obra de Springer, j a partir dos anos 1920 esse descompasso comea a aparecer. Em sua reconstituio histrica, a autora afirma que, nesse perodo, os pressupostos taylonstas continuam sendo adotados por praticamente todas as empresas, enquanto a teoria avana em outra direo. Elton Mayo e seus seguido-

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    res estariam promovendo as primeiras experincias de contato mais intenso entre a administrao e a psicologia, determinando uma nova fase na histria da administrao de recursos humanos.

    7. Modelo de gesto de pessoas como gesto do comportamento humano

    A utilizao da psicologia como cincia capaz de apoiar a comreenso e a interveno na vida organizacional provocou nova orientao do foco de ao da gesto de recursos humanos. Ela deixou de concentrar-se exclusivamente na tarefa, nos custos e no resultado produtivo imediato para atuar sobre o comportamento das pessoas. Isso aconteceu por meio de duas escolas de psicologia, cuja influncia se deu em diferentes pocas. Nas dcadas de 1930 e 40, predominaria a linha behaviorista do Instituto de Relaes Humanas da Universidade Yale. Sua principal contribuio seria a criao dos instrumentos e mtodos de avaliao e desenvolvimento de pessoas que, nas empresas, formariam o arsenal da psicologia e da psicometria aplicadas aos procedimentos de gesto de recursos humanos.

  • J nos anos 1930, Abraham Maslow romperia com a escola behaviorista para iniciar o perodo em que a psicologia humanista passaria a interferir decisivamente na teoria organizacional. Todos os demais autores de projeo da rea, como Herzberg, Argyris e McGregor, podem ser, de alguma forma, vinculados a essa corrente. A expresso human resource management e o foco prioritrio no comportamento humano podem ser considerados os principais resultados da afirmao definitiva da psicologia humanista na teoria organizacional. Tal expresso comearia a ser utilizada a partir de 1950 nos Estados Unidos para designar uma expanso da tradicional administrao de pessoal, criada em 1890 pela NCR Corporation (Springer e Springer, 1990). Nos anos 1960 e 70, a escola de relaes humanas, nome pelo qual ficou conhecida essa linha de pensamento, predominou como matriz de conhecimento em gesto de pessoas. Uma de suas principais contribuies foi descobrir que a relao entre a empresa e as pessoas intermediada pelos gerentes de linha. Reconhecer a importncia e levar o gerente de linha a exercer adequadamente seu papel constituiu a principal preocupao da gesto de recursos humanos. O foco de atuao se concentraria no treinamento gerencial, nas relaes interpessoais, nos processos de avaliao de desempenho e de estmulo ao desenvolvimento de perfis gerenciais coerentes com o processo de gesto de pessoas desejado pela empresa. Motivao e liderana passariam a constituir os conceitos-chave do modelo humanista. Em um artigo da Harvard Business Review, Millesi tentaria estabelecer uma distino entre os conceitos de relaes humanas e de recursos humanos. At hoje tal distino no foi devidamente incorporada pelo senso comum e pela teoria, uma vez que, em geral, os dois conceitos so utilizados como sinnimos. De qualquer maneira, para Millesi o modelo de recursos humanos corresponderia a uma nova fase do processo de gerenciamento de pessoas, na qual a diferena fundamental

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    estaria na postura do gerente na conduo das equipes de trabalho (Conrad e Pieper, 1990). O mesmo autor publicaria, em 1975, Theories of management, propondo uma classificao composta de trs modelos de gerenciamento: o tradicional, o modelo de relaes humanas e o modelo de recursos humanos. No primeiro, o papel do gerente consiste em dar ordens e monitorar seus subordinados. No segundo, o de relaes humanas, os gerentes devem reconhecer as expectativas dos funcionrios, levando-os a sentir-se teis e importantes naquilo que fazem. No terceiro e mais avanado modelo, o de recursos humanos, o papel do gerente seria promovr atitudes de autodeterminao e autogerenciamento entre os subordinados (Staehle, 1990). Ainda nos anos 1960, desenvolveram-se as teorias que buscavam valorizar o papel do elemento humano no sucesso das empresas. Em termos genricos, incluem-se aqui autores como Likert, Schultz e Schuster, que desenvolveram os conceitos de human capital accounting ou human asset accounting (apud Conrad e Pieper, 1990). O objetivo bsico era inverter a viso predominante de gesto de recursos humanos, segundo a qual a meta prioritria estaria centrada na otimizao dos custos, para uma perspectiva de valorizao de ativos. Dessa linha de pensamento surgiu o jargo, bastante conhecido e j desgastado, de que o trabalho humano constitui o principal ativo de uma organizao. A persistncia do jargo na cultura dos especialistas demonstra a importncia dessa linha terica na construo do conceito de administrao de recursos humanos e na reorientao de sua prtica no interior das organizaes. Entre suas contribuies esto a

  • introduo da questo da mensurao econmica dos resultados da funo de recursos humanos, uma embrionria valorizao dos processos de desenvolvimento de pessoas em detrimento das atividades tcnicas de gesto de salrios e de cargos e a promoo de pesquisas empricas que buscam comprovar a correlao entre o sucesso das organizaes e o investimento em desenvolvimento de recursos humanos. Como se v, embora por vezes sejam utilizadas como sinnimos, nota-se entre os estudiosos da questo a forte preocupao de distinguir a gesto de recursos humanos de administrao de pessoal. Este segundo termo estaria vinculado a um passado marcado pelo carter processual e burocrtico da atividade, caracterstico do modelo anteriormente analisado. Brewster e Hegewisch (1994), fazendo uma retrospectiva de vrios estudos que estabelecem tal diferena, demonstram que, embora todos partam do mesmo princpio, o parmetro de diferenciao varia bastante entre eles. Diferentemente da administrao de pessoal, a gesto de recursos humanos estaria voltada para a integrao, o comprometimento dos empregados, a flexibilidade, a adaptabilidade e a qualidade. Mais especficos, Mahoney e Deckop estabelecem seis aspectos que diferenciam ARH de administrao de pessoal. Eles argumentam que ARH envolve uma viso ampla e profunda das seguintes reas de atuao (apud Brewster e Hegewisch, 1994):

    > Planejamento da alocao das pessoas no trabalho: uso de tcnicas que estabeleam um elo entre a estratgia de negcios da empresa e as pessoas. > Comunicao com os empregados: adota como focos de atuao a comunicao direta e a negociao permanente com os empregados.

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    > Sentimentos dos funcionrios: a gesto deveria concentrar-se na satisfao das pessoas e em tudo aquilo que possa interferir na cultura organizacional da empresa. Gesto dos empregados: ocorreria por meio dos mecanismos tradicionais de recursos humanos, na seleo, no treinamento e na compensao dos funcionrios. Gesto de custos e benefcios: contemplaria os esforos orientados para a reduo dos custos com mo-de-obra, tais como reduo da rotatividade, do absentesmo e outros fatores que interferem na efetividade oranizacional. Gesto do desenvolvimento: corresponde preocupao com a criao de competncias necessrias para o futuro da empresa. Nas propostas de Mahoney e Deckop comea a surgir, de forma mais completa e abrangente, o modelo de gesto de recursos humanos em sua concepo mais moderna: constitudo de um conjunto de processos que a empresa concebe e implementa com o objetivo de administrar suas relaes com as pessoas buscando concretizar seus interesses. Tais interesses podem ser resumidos em trs eixos principais: a efetividade econmica, a efetividade tcnica e a efetividade comportamental. Por efetividade econmica entende-se o alcance dos resultados de reduo de custos ou maximizao de lucros atravs das prticas de gesto de pessoal, o que resgata os objetivos da escola anterior, porque pressupe a mensurao do impacto efetivo do trabalho nos resultados da empresa. A efetividade tcnica refere-se manuteno da ao do homem em consonncia com os padres de qualidade requeridos pelos produtos, equipamentos e negcios realizados pela empresa. A efetividade comportamental corresponde busca da motivao e da satisfao dos interesses dos

  • funcionrios, atendendo adequadamente suas necessidades. Observe-se que nesse ponto se reconhece implicitamente a subjetividade, ou seja, para obter os resultados, os processos geridos pela empresa devem incidir, pnoritariamente, sobre as relaes que ela estabelece com as pessoas. Tais resultados sero sempre solues de consenso, negociadas entre as duas partes envolvidas: pessoas e organizao. Reconhecer essa caracterstica bsica da gesto de recursos humanos significa reconhecer tambm quanto limitado o grau de previsibilidade da empresa com relao aos produtos finais resultantes das prticas que adota. Como possvel observar, o modelo que reconhece o comportamento humano como foco principal da gesto se articula em torno dos binmios envolvimento-motivao, fidelidade-estabilidade e assistncia-submisso. Cabe empresa promover a motivao das pessoas, e s pessoas, manter-se permanentemente envolvidas com os projetos da organizao num contrato de submisso de longo prazo vestir a camisa da empresa constitua o siogan para empregar e manter as pessoas nas empresas. em torno desses elementos bsicos que se estrutura o mais influente e conhecido modelo de gesto de pessoas da histria da teoria organizacional.

    8. Modelo estratgico de gesto de pessoas

    Nas dcadas de 1970 e 80, um novo critrio de efetividade foi introduzido na modelagem dos sistemas de gesto de recursos humanos: seu carter estratgico. A

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    necessidade de vincular a gesto de pessoas s estratgias da organizao foi apon tada inicialmente pelos pesquisadores da Universidade de Michigan, dentre o quais se destacam Tichy, Fombrum e Devanna. Segundo Staehle (1990), a viso desses autores era de que a gesto de recursos humanos deveria buscar o melhor encaixe possvel com as polticas empresariais e os fatores ambientais. Para isso, o. planos estratgicos dos vrios processos de gesto de recursos humanos serian derivados das estratgias corporativas da empresa. H nesse aspecto um indcio de ruptura com as escolas comportamentais. N mais a motivao genrica que o modelo deve buscar. Indivduos motivados satisfeitos e bem atendidos em suas necessidades esto prontos para atuar, mas issc pode no significar absolutamente nada para as diretrizes estratgicas da empresa. Staehle reconhece o avano proporcionado pelo grupo de Michigan ao demonstrar a importncia do carter estratgico no modelo de gesto de pessoas mas ressalta os limites dessa concepo. Para ele, tal perspectiva assume o pressuposto da adaptao e implementao, ou seja, o papel de recursos humanos se resu mina a adaptar-se estratgia de negcio e a implementar sua diretriz especfica. No levada em considerao a possibilidade de a ARH intervir na estratgia corporativa introduzindo nas decises tomadas uma viso estratgica das pessoas e sua contribuio para a empresa. Nos anos 1980, caberia Harvard Business School desenvolver nova perspectiva da gesto estratgica de pessoas. Staehle utiliza os tpicos abordados pelo curso de Administrao de Recursos Humanos introduzido no MBA dessa escola para demonstrar como a abordagem de Harvard se mostra mais ampla e integradora do que as anteriores. Lanado em 1981, o curso estava estruturado nas seguintes reas de polticas de recursos humanos:

  • >influncia sobre os funcionrios (filosofia de participao); >processos de recursos humanos (recrutamento, desenvolvimento e demisso); >sistemas de recompensa (incentivos, compensao e participao); >sistemas de trabalho (organizao do trabalho). A abordagem de Harvard aponta a necessidade de o modelo de gesto de pessoas corresponder a fatores internos e externos organizao. As reas de poltica mencionadas seriam afetadas pelos interesses dos stakeholders (acionistas, gerentes grupos de empregados, sindicatos, comunidade e governo) de um lado e por presses situacionais de outro. As decises de ARH deveriam estar pautadas pela gesto desses dois conjuntos de fatores, conciliando os interesses envolvidos. Como afirma Staehle, na viso de Harvard a principal responsabilidade da gesto de recursos humanos integrar harmoniosamente as quatro reas entre si e com a estratgia corporativa da empresa (Staehle, 1990). No Brasil, a perspectiva estratgica de gesto de recursos humanos influenciou as organizaes mais bem estruturadas nessa rea na dcada de 1980. Em 1987, Albuquerque realizou uma pesquisa abrangerite e elucidativa a esse respeito em um conjunto bastante amplo de empresas brasileiras. Nesse estudo possvel encontrar uma profunda reviso bibliogrfica do conceito e constataes relevantes de sua

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    implementao prtica no pas. Dentre outras concluses, o autor destaca que, muito embora os resultados da pesquisa no evidenciem uma ligao forte entre planejamento estratgico de recursos humanos e planejamento estratgico, j se configura uma tendncia de aceitao do planejamento estratgico de recursos humanos por parte da alta administrao das empresas da amostra (Albuquerque, 1987). Com referncia participao de recursos humanos nas estratgias de negcio, Albuquerque constata que o executivo de recursos humanos, na poca da pesquisa, era envolvido, de uma forma ou de outra, na formulaco das estratgias organizacionais na maioria das empresas pesquisadas (Albuquerque, 1987). Fischer (1998) demonstrou que os formadores de opinio do setor percebem que as grandes organizaes brasileiras enfrentam grandes dificuldades para adotar uma perspectiva estratgica de gesto de pessoas, embora a pesquisa tambm tenha constatado que praticamente todas se orientavam por esse ideal. De qualquer maneira, essa linha de pensamento trouxe novo conceito articulador do modelo de gesto: a busca de orientao estratgica para as polticas e prticas de RH. Seria preciso, a partir de ento, intensificar os esforos de adaptao do modelo s necessidades da empresa, tornando-se insuficientes as solues padronizadas capazes de atender a qualquer organizao em qualquer tempo. As verdades sobre a gesto do comportamento humano deixaram de ser gerais para se tornar um problema do negcio e de sua estratgia. O modelo tornava-se assim cada vez menos prescritvel e genrico para ocupar a funo de elemento de diferenciao.

    9. Modelo de gesto de pessoas articulado por competncias

    O advento da era da competitividade exigiu novo papel da gesto de recursos humanos. A inteno de estabelecer vnculos cada vez mais estreitos entre o desempenho humano e os resultados do negcio da empresa, j presente na fase anterior, se intensifica a

  • ponto de requerer nova definio conceitual do modelo. A nfase na competio, presente nas obras de autores como Porter, Hammer e Prahalad, direciona de forma decisiva toda a teoria organizacional e cria as bases do surgimento de um modelo de gesto de pessoas baseado em competncias. Essa produo terica tem origem nas mudanas ocorridas nos mercados internacionais a partir da dcada de 1980. Nessa poca, a chamada ofensiva japonesa desestabilizou a hegemonia das grandes corporaes americanas, tornando a busca da competitividade um tpico recorrente na literatura sobre gesto empresarial. Nela passam a predominar temas como estratgia competitiva, vantagem competitiva, reengenhana e reestruturao, competncias essenciais e reinveno do setor. Para entender a emergncia do novo modelo preciso resgatar a influncia de tal viso de gesto de negcios na administrao de recursos humanos.

    9.1 GESTO DE PESSOAS E VANTAGEM COMPETITIVA

    A noo de vantagem competitiva aparece no ttulo do segundo livro de Porter (1989), no qual o autor analisa o problema da incapacidade de as mpresas tradu-

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    zirem suas estratgias em aes prticas. O foco a sustentao da vantagem competitiva, que introduz a noo de valor agregado ao produto e de cadeia de valor como elementos fundamentais na manuteno do posicionamento da empresa: A vantagem competitiva surge do valor que uma empresa consegue criar para seus compradores e que ultrapassa o custo de fabricao pela empresa. A cadeia de valor deve ser analisada nas diferentes atividades internas da organizao e suas interaes, uma vez que a vantagem competitiva tem sua origem nas inmeras atividades distintas que uma empresa executa no projeto, produo, marketing, entrega e suporte do produto. Cada uma dessas distintas atividades pode contribuir para a posio dos custos relativos de uma empresa, alm de criar uma base para a diferenciao (Porter, 1989). A partir de ento se tornaria muito dificil falar de gesto de recursos humanos sem fazer referncia questo da competitividade e da agregao de valor para o negcio e os clientes. Embora no se alongue no tema, no mesmo livro Porter (1989) diz que a gerncia de recursos humanos afeta a vantagem competitiva em qualquer empresa, chegando em algumas indstrias a ser a chave para a vantagem competitiva. Apesar de a obra constituir, na essncia, um debate sobre como as pessoas transformam a estratgia em aes prticas, as referncias do autor a recursos humanos limitam-se a no mais de duas pginas. Nelas, Porter recomenda algumas prticas de recursos humanos que levariam melhor interao entre unidades organizacionais, tais como rotao de cargos funo comum a toda a empresa para contratar e treinar funcionrios , reunies e fruns cruzados e iniciativas de promoo interna. No h, portanto, nenhuma preocupao especfica de aprofundar os vnculos entre comportamento humano no trabalho e obteno de vantagens competitivas.

    9.2 GESTO DE PESSOAS E REENGENHARIA

    Famosa por ser considerada a principal responsvel pelas conseqncias perversas das reestruturaes empresariais nas dcadas de 1980 e 90, a reengenharia, de Hammer e

  • Champy (1994), prope a mudana radical de todos os princpios que orientaram a administrao de empresas nos ltimos dois sculos. Os autores so enfticos e radicais ao demonstrar-se absolutamente convencidos de que dominam a nica soluo verdadeira para as grandes questes organizacionais da poca. Essa postura, retratada no carter quase doutrinrio do texto, talvez justifique o estigma incorporado ao conceito: Neste livro, dizemos que chegou a hora de aposentar esses princpios e de adotar um novo conjunto. A alternativa as empresas fecharem as portas e encerrarem as atividades. Em outra passagem, os autores afirmam categoricamente a supremacia de suas descobertas comparando-as s de Adam Smith: Demonstramos como as atuais empresas podem se reinventar a si prprias. Chamamos as tcnicas que podem se valer para isso de reengenharia empresarial, as quais esto para a prxima revoluo dos negcios como a especializao do trabalho esteve para a ltima. As grandes empresas, inclusive as mais bem-sucedidas e promissoras, precisam abraar e aplicar os princpios da reengenhana empresarial ou sero eclipsadas pelo maior sucesso daquelas que o fizerem (Hammer e Champy, 1994).

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    Para tais autores, a histria da teoria organizacional comeou com sua obra. O passado desconsiderado, assim como a histria das empresas, que em nada deve pesar em seu presente e futuro. Antes de tudo preciso esquec-lo: A reengenharia no mais uma idia importada do Japo. No outra soluo rpida que os gerentes possam aplicar s suas organizaes. [] A reengenhana empresarial no trata de consertar nada. [] A reengenharia empresarial significa comear de novo, comear do zero (Hammer e Champy, 1994). Utilizando exemplos concretos de mudanas provocadas por iniciativas empresariais em determinados setores A Wal-Mart reinventou o comrcio varejista os autores demonstram que alternativas convencionais no so suficientes para fazer frente s trs foras que pressionam as organizaes na atualidade: o acirramento inusitado da concorrncia, o controle da relao com a empresa assumido pelo cliente e a mudana transformada em paradigma bsico da gesto empresarial. A reengenharia tornou-se uma das estratgias organizacionais de competitividade mais divulgadas e polmicas dos anos 1990. Foi largamente difundida e implementada, no exterior e no Brasil, seguindo-se ou no os preceitos de Hammer e Champy. Ao contrrio das demais propostas, a reengenharia no utiliza os conceitos de estratgia, vantagem competitiva e competitividade. Tais conceitos esto implcitos, e o foco de ateno dessa linha terica fica circunscrito reformulao dos processos empresariais, o que, por vezes, parece confundir suas propostas com as antigas prticas de organizao e mtodos, com uma roupagem radicalizada e adaptada aos novos tempos. A questo da gesto de recursos humanos, como seria de prever, aparece pouco ou quase nada na perspectiva de Hammer e Champy. Quando isso acontece, o objetivo racionalizar e diminuir o custo fixo com mo-de-obra, como se observa no exemplo da Ford transcrito a seguir: O novo processo de contas a pagar da Ford bem diferente. O pedido de compra, fatura e o documento de recebimento no so mais cotejados entre si basicamente porque o novo processo eliminou inteiramente a fatura. Os resultados revelaram-se drsticos. Em vez de quinhentos funcionrios, a Ford conta agora com apenas 125 para o pagamento de fornecedores. A reengenharia de processos provoca impactos fundamentais na gesto de recursos humanos, e sua introduo nas organizaes sem dvida significou um dos motivadores

  • principais da emergncia do modelo de gesto competitivo. Com base na leitura da principal obra dos autores que lanaram essa proposta, relaciona-se a seguir uma sntese das mudanas decorrentes da prtica da reengenharia diretamente ligadas a recursos humanos: >as unidades de trabalho mudam de departamentos funcionais para equipes de processo; > os servios mudam de tarefas simples para trabalhos multidimensionais; > os papis das pessoas mudam de controlados para autorizados; > a preparao para os servios muda de treinamento para educao; >o enfoque das medidas de desempenho e remunerao se altera da atividade para os resultados; >os critrios das promoes mudam do desempenho para a habilidade;

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    > os valores mudam de protetores para produtivos: > os gerentes mudam de supervisores para instrutores; >as estruturas organizacionais mudam de hierrquicas para niveladas: > os executivos mudam de controladores do resultado para lderes. Mesmo que nos limites deste captulo no seja possvel aprofundar a anlise das propostas de Hammer e Champy, importante assinalar que ocorreram diferentes tipos de interveno nas organizaes brasileiras, e provavelmente tambm no exte nor, com o nome de reengenhana. Em geral, tratava-se de um processo de downsizing que os autores insistem em diferenciar explicitamente da reengenharia ou de iniciativas circunscritas de racionalizao de processos de trabalho visando reduzir custos e pessoal. Isso terminou por dar uma conotao negativa palavra, transformando-a, na linguagem habitual das empresas, em sinnimo de demisso em massa. Por outro lado, vale dizer que a grande contribuio da reengenharia foi alertar dirigentes e executivos para a necessidade de focalizar os processos em resultados. Empresas paquiderinicas e burocratizadas, paradas no tempo e acossadas pelo mercado sem vislumbrar caminhos de reao, encontraram nessa proposta uma frmula para eliminar gorduras e atividades que no agregavam valor a elas nem a seus clientes. A reengenharia tornou-se, nesse caso, uma soluo necessria e importante. Entretanto, quando o objetivo permaneceu exclusivamente na reduo de custos, ou seja, no foi articulado a uma estratgia mais ampla, a reengenharia, como proposta em si, trouxe para as empresas apenas resultados e sobrevivncia de curtssimo prazo.

    9.3 GESTO DE PESSOAS E COMPETNCIAS

    Embora a emergncia de um modelo competitivo de gesto de pessoas esteja relacionada com todas as escolas que predominaram entre as dcadas de 1980 e 90,a obra de Prahalad e Hamel a que demonstra maior grau de interao com suas principais caractersticas. Por fora da viso desses autores, as questes da estratgia e da competitividade retomam seus devidos lugares, readquirindo importncia como dimenses essenciais da gesto empresarial. Implicitamente, eles polemizam com Porter e criticam abertamente a mudana centrada nos processos de Hammer. Defendem a perspectiva de que a competitividade est relacionada com a capacidade da empresa de reinventar seu setor. A empresa competitiva seria aquela que, alm da reengenharia e da simples reestruturao operacional, tem condies de criar um novo espao competitivo em vez de esforar-se por se posicionar melhor no espao competitivo atual. Por acreditar que as empresas que se empenham na reengenharia esto se esforando

  • para alcanar seus concorrentes, e no para super-los, os autores propem regenerar a estratgia dando-lhe uma nova configurao: inteiramente possvel para uma empresa colocar em prtica o downsizing e a reengenharia na sem nunca confrontar a necessidade de regenerar sua estratgia principal, sem nunca ser forada a repensar as fronteiras de seu setor, sem nunca ter de imaginar o que os clien-

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    tes desejaro nos prximos dez anos e sem nunca ter de redefinir fundamentalmente o mercado servido. Contudo, sem essa reavaliao fundamental, a empresa ser surpreendida a caminho do futuro. A defesa da posio atual de liderana no substitui a criao da futura liderana (Prahalad e Hamel, 1995). Citando uma pesquisa de The Wall Street Journal, os autores afirmam que o processo de reestruturao no garante necessariamente maior valor empresa, podendo ocorrer at mesmo o contrrio: A reestruturao raramente resulta em melhoria fundamental da empresa. Na melhor das hipteses, consome tempo. Um estudo realizado com 16 grandes empresas norte-americanas com pelo menos trs anos de experincia em reestruturao revelou que, embora a reestruturao normalmente tenha melhorado o preo das aes da empresa, a melhoria foi quase sempre temporria. Aps trs anos da reestruturao, esse preo era, em mdia, bem inferior s taxas de crescimento anteriores, registradas na poca em que foi iniciada a reestruturao. O estudo concluiu que um investidor astuto deve interpretar um anncio de reestruturao como um sinal para venda, e no para compra (Prahalad e Hamel, 1995). A abordagem de Prahalad e Hamel difere da de Porter em alguns aspectos que merecem ser ressaltados. O primeiro deles refere-se ao foco da transformao organizacional, dirigido predominantemente para fora. Isso deve acontecer no s do ponto de vista da busca de informaes sobre o ambiente, como o planejamento estratgico tradicional recomenda e Porter reafirma, mas tambm como objetivo orientador do prprio processo de mudana que se quer implementar. Isso significa que, quando advogam a reinveno do setor, Prahalad e Hamel afirmam que a competitividade empresarial est condicionada possibilidade de a empresa transformar no s a si prpria mas tambm seu setor, estabelecendo, com isso, uma referncia nova para todos os que nele atuam: concorrentes, fornecedores, clientes etc. interessante observar como essa posio reitera o carter sistmico dos diferentes nveis de manifestao da competitividade, demonstrando que os vnculos de dependncia entre os diferentes nveis se estreitam no mundo moderno. A passagem a seguir ilustra essa afirmao: Muitos gerentes encarregados da tarefa de gerenciar a transformao organizacional se esquecem de perguntar: Transformar-nos em qu? O ponto que a agenda da transformao organizacional precisa ser direcionada por uma viso da agenda de transformao do setor: como desejamos moldar o setor nos prximos cinco ou dez anos? O que precisamos fazer para garantir que o setor evolua da forma mais vantajosa para ns? Que habilidades e recursos precisamos comear a desenvolver agora para ocupar uma posio de liderana no setor no futuro? (Prahalad e Hamel, 1995.) Para Prahalad e Hamel, a diferena entre empresas competitivas e no competitivas a diferena entre empresas lderes e empresas seguidoras dentro do mesmo setor. As primeiras, ao se reinventar, reestruturam o setor, enquanto as segundas beneficiam-se

  • das descobertas das lderes e da velocidade com que hoje possvel copiar e implementar as melhores solues.

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    Competncias essenciais e arena de oportunidades so tambm conceitos que conferem especificidade obra de Prahalad e Hamel. Para eles, as portas das oportunidades futuras se abrem apenas para as empresas que desenvolvem competncias para isso. Trata-se de uma espcie de decifra-me ou te devoro da competitividade empresarial, para o qual as empresas devem preparar-se. Os exemplos aparecem em grande quantidade: Uma competncia essencial um conjunto de habilidades e tecnofogias que permite a uma empresa oferecer um determinado benefcio aos clientes. Na Sony, esse benefcio o tamanho de bolso de seus produtos e a competncia essencial a miniaturizao. Na Federal Express, o benefcio a entrega rpida e a competncia essencial, em nvel bastante macro, a gesto logstica (Prahalad e Hamel, 1995). A importncia da competio pela liderana em competncias est na precedncia da competio pela liderana em produtos. O desenvolvimento de uma competncia no est vinculado diretamente a um produto, mas a vrios deles, uma vez que o objetivo desse desenvolvimento o benefcio que trar ao cliente, e no o produto em si: A busca incansvel da Sony pela liderana em miniaturizao permitiu empresa acesso a uma ampla gama de produtos de udio pessoais. As competncias especficas da 3M em adesivos, substratos e materiais avanados geraram dezenas de produtos. A busca e a internalizao das competncias essenciais definiro as empresas que estaro competindo pela arena de oportunidades do futuro. Entretanto, tal competio no ocorrer exclusivamente entre empresas, mas tambm entre coalizes de empresas. Isso porque determinadas oportunidades somente podero ser aproveitadas com a integrao de competncias que uma nica empresa no teria condies de desenvolver isoladamente. Surgem assim as redes de empresas que caracterizam o ambiente de negcios da atualidade, normalmente aplicadas a setores complexos e de alta intensidade tecnolgica, como a TV interativa, os conversores a cabo e os dispositivos de comunicao pessoal e de gerao de imagens. Prahalad e Hamel valorizam a histria das organizaes e suas experincias acumuladas ao longo do tempo. Apesar de recomendar um processo de destruio criadora do conhecimento por meio do desaprendizado, eles consideram que a empresa um reservatrio de experincias vivenciadas por seus funcionrios. O que as diferencia, em grande parte, a capacidade relativa desses funcionrios de extrair conhecimento dessas experincias. As pessoas aparecem no texto de Prahalad e Hamel com maior freqncia do que no dos demais autores analisados neste captulo. Ocupam papel importante como agentes do processo de mudana estratgica, uma vez que no o dinheiro o combustvel da viagem para o futuro, e sim a energia emocional e intelectual de cada funcionrio. Isso tem impacto na formulao da inteno estratgica, que no deve ser exclusivamente uma formulao correta e bem elaborada, mas precisa ter pathos e paixo e referir-se tanto criao de significado para os funcionrios quanto definio de direo.

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  • A principal tarefa do modelo competitivo de gesto de pessoas seria mobilizar essa energia emocional, ou seja, desenvolver e estimular as competncias humanas necessrias para que as competncias organizacionais da empresa se viabilizem. assim que, no final dos anos 1980 e incio dos 90, a gesto de recursos humanos deixaria de ser estratgica devido a uma condio genrica, como o fato de as pessoas serem o principal ativo da organizao ou porque pessoas motivadas seriam, por definio, mais produtivas e engajadas ou ainda por estar alinhada a uma estratgia global. Pessoas passam a ser estratgicas somente nas situaes em que o ser humano visto e tratado como uma fonte de vantagem competitiva (Kochan e Dyer, 1992). Essa tendncia j podia ser identificada em 1986, quando Hendry e Pettigrew (apud Brewster e Hegewisch, 1994) demonstravam que a perspectiva estratgica da gesto de pessoas no podia resumir-se a uma nfase maior das aes planejadas, integradas e coerentemente alinhadas estratgia de negcios da empresa. Reinterpretando o conceito e introduzindo nele a noo de competitividade, os autores afirmam que preciso ir alm e fazer com que as pessoas sejam vistas pela organizao como um recurso estratgico, ou seja, competncias necessrias para atingir um posicionamento diferenciado. Reconhecido como um dos principais autores da rea, Lawler apresenta alguns indcios importantes quando demonstra que so quatro as exigncias que pesam sobre a funo nas empresas pressionadas pelos tempos de globalizao: devem ser estratgicas, competitivas, focadas nos processos de mudana organizacional e responsveis pelo envolvimento do funcionrio com elas, seus negcios, processos e produtos. Os aspectos destacados por Lawler de certa forma sintetizam o que o modelo competitivo de gesto de pessoas agregou das escolas anteriores. Continua tendo como ncleo de atuao o comportamento humano, como queria a escola de relaes humanas; deve alinhar esse comportamento s estratgias da organizao, sem o que sua ao seria absolutamente desarticulada e improdutiva; ter de lidar com um ambiente de permanente transformao, caracterstico destes tempos de turbulncia e mudana; e sobretudo ter de demonstrar sua capacidade de gerar, por meio das pessoas, maior competitividade para a empresa. Esse ser o elemento bsico de orientao do modelo competitivo de gesto de pessoas. Ele qualificado como competitivo por dois motivos principais: porque deve ser condizente com o ambiente de competitividade que caracteriza as organizaes contemporneas e porque privilegia e se articula em torno de competncias.

    10. Consideraes finais

    Como ficou demonstrado, a histria da administrao de recursos humanos revela que, mais que a adoo de polticas ou instrumentos padronizados, o que caracteriza uma nova fase a internalizao e a operacionalizao de um novo conceito. Um novo modelo se caracteriza por uma nova lgica que d coerncia e direcionamento para as prticas de gesto. As organizaes mais pressionadas pelo mercado e que tm acesso a tcnicas e conceitos inovadores com maior facilidade chegam primeiro e passam a ser consideradas benchmarks da rea. Elas estabelecem refern-

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    cias que passam a ser seguidas por aquelas que se espelham no que ocorre com o chamado mercado. Consultores indicam novos caminhos e profissionais se reciclam por

  • meio das mais variadas formas de aprendizagem, e assim se institui o novo conceito de realidade organizacional. A reduzida distncia histrica no permite ainda visualizar o resultado final desse processo de mudana, mas h alguns sinais consistentes de como as organizaes vm tentando reposicionar-se. Em primeiro lugar, ao usar o termo modelo em substituio idia de sistema, rea ou setor, busca-se ampliar o mbito das aes de RH dando-lhes nova dimenso e abrangncia. Assim, torna-se mais fluida e flexvel a linha divisria que separa o que faz parte do que no faz parte da gesto de pessoas nas organizaes. Isso leva a considerar no somente a estrutura, os instrumentos e as prticas normatizadas como elementos componentes do modelo, mas tambm tudo aquilo que interfere significativamente nas relaes entre os indivduos e a organizao. O modelo pode abranger, por exemplo, os procedimentos que a empresa utiliza para envolver os funcionrios com suas definies estratgicas, a maneira pela qual estimula determinado tipo de relao com os clientes ou a imagem que passa internamente de seus produtos, dos equipamentos utilizados, do desenvolvimento tecnolgico e outros temas organizacionais de relevncia. Os profissionais especializados passam a reconhecer tacitamente que a rea de recursos humanos perde o poder de monoplio sobre o comportamento organizacional para compartilh-lo com outras instncias da empresa, em particular as prprias chefias diretas. A expresso gesto de pessoas tambm no significa a simples tentativa de encontrar um substituto renovador da noo, j desgastada, de administrao de recursos humanos. Seu uso procura ressaltar o carter da ao a gesto e seu foco de ateno: as pessoas. Embora os conceitos de administrao e de gesto sejam utilizados como sinnmos, em geral considera-se gesto uma ao na qual h menor grau de previsibilidade do resultado do processo a ser gerido. Um navio dirigido, uma empresa administrada, uma relao humana pode, no mximo, ser orientada caso se admita que os dois agentes tenham conscincia e vontade prprias. A opo por utilizar pessoas no lugar de recursos humanos ainda mais diferenciadora do novo conceito. A administrao tradicional foi construda em torno da idia de otimizao de recursos. Otimizar mquinas, equipamentos, materiais, recursos financeiros e pessoas sempre foi seu principal objetivo. Na fase das grandes mquinas mecanizadas, na fase da segunda onda de produo fabril massificada, como a denomina Toffler (1994), a maximizao dos recursos era o paradigma bsico. As pessoas foram transformadas em recursos para que se justificasse o investimento nelas e houvesse um parmetro comum de como administr-las. Essa foi uma maneira eficiente de demonstrar a preocupao especfica da administrao com o chamado fator humano na empresa. Nessa fase da teoria organizacional, administrar recursos humanos significava otimizar sua produtividade, sua competncia e seu entusiasmo. Hoje, quando o papel do homem no trabalho vem-se transformando e suas caractersticas mais especificamente humanas, como o saber, a intuio e a criatividade, vm sendo valorizadas, talvez se caminhe para uma transio na qual a empresa finalmente reconhea que se relaciona com pessoas, e no com recursos.

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    AUTOR

    ANDR LUIZ FISCHER Professor da Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade da Universidade de So Paulo (FEA-USP). Mestre em Cincias Sociais e doutor em Administrao de Empresas pela FEA-USP Vice-coordenador do curso de MBA/RH da FIA-FEA-USP e supervisor de projetos de pesquisa e consultoria da Fundao Instituto de Administrao (FIA), instituio convcniada com a FEA-USP Atua como consultor de empresas em reas como diagnstico de ambiente e gesto da cultura e do clima organizacional, entre outras. 34

    1. Introduo

    A transformao uma das caractersticas mais marcantes do ambiente empresarial no Brasil e no mundo nos dias de hoje. As mudanas nas organizaes, no ambiente empresarial e na sociedade so profundas e ocorrem em ritmo cada vez mais acelerado. A rapidez das mudanas tecnolgicas, a globalizao da economia e o acirramento da competio entre empresas e entre pases geram impactos significativos sobre a gesto das organizaes, levando necessidade de repensar seus pressupostos e modelos. Um dos impactos mais expressivos dessas mudanas no ambiente , por parte das organizaes, o aumento do nvel de qualificao e de conhecimentos exigido dos profissionais, com implicaes diretas na gesto de pessoas e nos modelos utilizados em sua administrao. O objetivo deste captulo examinar os pressupostos da gesto de pessoas sob o enfoque estratgico, procurando: >contribuir para o desenvolvimento das pessoas e das organizaes; > ressaltar o papel do fator humano e de sua gesto na obteno de vantagens competitivas sustentveis pelas empresas;

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    > destacar a administrao estratgica de pessoas como pano de fundo para promover mudanas organizacionais e como instrumento adequado para dar respostas aos desafios do ambiente empresarial.

    2. O conceito de gesto estratgica de pessoas e sua evoluo

  • A preocupao com a estratgia tem ocupado um espao cada vez maior nas discusses empresariais, nos debates acadmicos e na literatura de administrao. Esse fato est relacionado com o acirramento da competio no nvel local, regional e global, bem como com a revoluo tecnolgica e a do conhecimento. Por outro lado, o termo estratgia tem sido utilizado com sentidos diferentes, ora traduzindo expectativas e anseios, ora aes prescritivas e deliberadas, ora expressando a perplexidade dos atores sociais diante da abrangncia e da velocidade das mudanas no ambiente e de seus impactos sobre a gesto das organizaes. Dentro desse contexto, torna-se fundamental a discusso dos conceitos de estratgia, gesto estratgica e recursos humanos sob uma perspectiva evolutiva. O campo da estratgia empresarial representa uma temtica relativamente recente na administrao. Seus primeiros passos foram dados nas dcadas de 1960 e 70, tendo apresentado um notvel desenvolvimento na dcada de 1980 e, principalmente, nos anos 90. Zaccarelli (1996) resume alguns marcos histricos no estudo da estratgia nas empresas, associando-os a autores clssicos e suas obras. Segundo ele, em 1965 foi lanado o primeiro livro sobre estratgia empresarial, de autoria de Igor Ansoff, com nfase no planejamento estratgico, que demorou para ser reconhecido. Por volta de 1973, os trabalhos apresentados no primeiro seminrio internacional sobre administrao estratgica, na Universidade Vanderbilt, deram origem ao livro Do planejamento estratgico administrao estratgica, organizado por Ansoff, Declerck e Hayes (1981), que ampliou o foco da discusso sobre estratgia empresarial. Outro marco importante no estudo de estratgia surgiu na dcada de 1980 com as obras Estratgia competitiva e Vantagem competitiva das naes, de Michael Porter, que apresentaram novos conceitos de estratgia e competitividade no mbito empresarial e no dos pases e at hoje influenciam fortemente os debates sobre competio. No incio da dcada de 1990, outro livro marcou essa evoluo com uma abordagem critica aos conceitos de planejamento estratgico: The rise and fali of strategic pianning, de Henry Mintzberg. O autor, docente da Universidade McGill, enfatizou os debates sobre os aspectos humanos envolvidos na formulao e implementao estratgica. Em meados dos anos 1990, a obra Competindo pelo futuro, de Prahalad e Hamel (1995), trouxe novos conceitos estratgia empresarial, entre eles arquitetura estratgica, intento e competncias essenciais, em continuidade busca de foco pelas empresas, para sobreviverem no jogo competitivo. Uma contribuio importante para o entendimento do pensamento sobre estratgia foi dada em 1998 por Mintzberg, Ahlstrand e Lampel em Safri da estratgia (2000). A obra, ao mesmo tempo que auxilia o leitor a organizar o raciocnio a respeito de diversas correntes e enfoques no estudo da estratgia, desafia-o a

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    reconciliar as diferentes tendncias nessa rea. Utilizando a notria fbula dos cegos que queriam ver o elefante e a metfora de um safri pela selva da administrao estratgica (Mintzberg et al, 2000), os autores apresentam a classificao e a definio das dez escolas de pensamento em administrao estratgica (as partes do elefante), a perspectiva de cada uma delas, suas limitaes e contribuies e seus autores mais representativos. A seguir, a conceituao dessas escolas, sua viso do processo estratgico e seus principais autores. > Design: estratgia como um processo de CONCEPO (Silznik Andrews).

  • > Planejamento: estratgia como um processo FORMAL e sistemtico (Ansoff). >Posicionamento: estratgia como um processo ANALTICO (Porter). > Empreendedora: estratgia como um processo VISIONRIO (Schumpeter). >Cognitiva: estratgica como um processo MENTAL (Simon; March e Simon). >Aprendizado: estratgia como um processo EMERGENTE (Lindblom; Cyert e March; Quinn; Prahaiad e Hamei). >Poder: estratgia como um processo de NEGOCIAO (Allison; Pfeffer e Solancick; Astley). > Cultural: estratgia como um processo COLETIVO (Rhenman e Norman). >Ambiental: estratgia como um processo REATIVO (Hannan e Freeman). > Configurao: estratgia como um processo de TRANSFORMAO (Chandler; Miles e Snow; Mintzberg). As trs primeiras escolas design, planejamento e posicionamento so consideradas de natureza prescritiva, mais preocupadas em como as estratgias devem ser formuladas do que em como elas so formuladas; as escolas do segundo grupo empreendedora, cognitiva, de aprendizado, do poder, cultural e ambiental esto mais voltadas para a anlise de como as estratgias so de fato formuladas; finalmente, a escola da configurao combina contribuies de vrias outras, descrevendo a estratgia como um processo de mudana. Cada uma dessas escolas, portanto, empresta diferentes sentidos no conflitantes e complementares estratgia. Alm disso, ajudam a desmitificar a complexidade de um conceito to importante e abrangente, fornecendo ao leitor o beneficio dessas diferentes contribuies. Por outro lado, embora a bibliografia contenha vrias definies objetivas sobre estratgia e administrao estratgica, difcil encontrar uma nica que traduza de forma plena seus diferentes significados. Entretanto, existem certos pontos em comum entre essas definies que podem auxiliar na formao e no entendimento do conceito de estratgia. So eles: > a estratgia d a direo, fornece o direcionamento da empresa e prov consistncia; >a estratgia resulta de um processo de deciso; > as decises so principalmente de natureza qualitativa, interferem no todo da organizao e buscam eficcia a longo prazo; >a estratgia abrange a organizao e sua relao com o ambiente; >a estratgia envolve questes de contedo e de processo, em diferentes nveis.

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    De acordo com Hyden (1986), administrao estratgica o processo de administrar uma entidade de forma a atingir seu propsito. Sua definio mais ampla a administrao da vantagem competitiva, que inclui identificar objetivos analisando o ambiente, reconhecei aiieaas e oportunidades formulando estratgias, implementando e monitorando-as de forma a sustentar as vantagens competitivas no mercado. Os estrategistas que se utilizam desse conceito abrangente vem a adniinistrao estratgica sob um enfoque que permeia a administrao de todos os aspectos da companhia. Eles consideram a formulao da estratgia corporativa e da estratgia competitiva, o processo de planejamento e a implenentao de todos os precedentes como partes da administrao estratgica. A definio mais restrita de administrao estratgica a limita a uma conceituao anloga de administrao de operaes ou administrao de marketing, mas com nfase em atingir objetivos estratgicos em vez de objetivos funcionais.

  • Para alguns, a gesto estratgica o processo de aplicao das funes administrativas, de planejamento, organizao, direo e controle aos assuntos pertinentes ao nvel estratgico. Para outros, gesto estratgica o processo de clarificar a viso da organizao, formulando e implementando estratgias e avaliando continuamente seus resultados. Envolve a definio e a articulao de estratgias, estruturas e sistemas, tendo como base os valores organizacionais e as tendncias do ambiente a longo prazo. Dada a dificuldade de obter uma definio de estratgia que englobe todos os diferentes sentidos, para fins didticos deste captulo determina-se como conceito de estratgia: formulao da misso e dos objetivos da organizao, bem como de polticas e planos de ao para alcan-los, considerando os impactos das foras do ambiente e a competio.

    3. No mbito dos recursos humanos

    De acordo com Anthony et ai (1996), so as seguintes as caractersticas da administra estratgica de recursos humanos: > explicitamente reconhece os impactos do ambiente organizacional externo; > reconhece o impacto da competio e da dinmica do mercado de trabalho; >apresenta foco no longo prazo; > enfatiza a escolha e a tomada de deciso; > considera todas as pessoas da empresa, e no apenas o grupo de executivos ou o de empregados operacionais; > est integrada com a estratgia corporativa e com as demais estratgias funcionais. A expresso administrao estratgica de recursos humanos surgiu na literatura internacional no incio da dcada de 1980, sob diferentes alegaes, seja com base nas crticas ao papel funcional/burocrtico e nas fraquezas percebidas da rea, seja por presses ambientais que demonstravam a natureza estratgica de recursos humanos e de sua gesto. Evolues importantes esto ocorrendo em duas reas distintas de administrao, cuja convergncia segue um novo conceito de administrao estratgica de

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    pessoas. Existe uma aparente evoluo do conceito de administrao de recursos humanos que resulta da crescente necessidade de orientao para planejamento e de intervenes gradativas com orientao estratgica, visando mudana do modelo de controle para o de comprometimento (Albuquerque, 1999). Essas duas estratgias bsicas de recursos humanos estratgia de controle e estratgia de comprometimento das pessoas com os objetivos organizacionais se contrapem. Trata-se de diferentes filosofias de administrao, que do origem a estratgias e a estruturas diferenciadas. Na estratgia de controle, os empregados so vistos como nmeros, custos e fator de produo, que, para desempenhar bem as funes, devem ser mandados e controlados. Na estratgia de comprometimento, as pessoas so consideradas parceiros no trabalho, nos quais a empresa deve investir para conseguir melhores resultados empresariais. Essa estratgia baseia-se no pressuposto de que o comprometimento dos colaboradores est intimamente relacionado com o aumento de desempenho. O Quadro 1 apresenta as caractersticas distintivas dos modelos extremos que respaldam as estratgias de controle e de comprometimento quanto a estrutura

  • Quadro 1: Concepes organizacionais comparadas

    Caractersticas distintivas / modelo

    Estratgia de controle Estratgia de comprometimento

    ESTRUTURA ORGANIZACIONAL

    Altamente hierarquizada, separao quem pensa e quem faz

    Reduo de nlveis hierrquicos e de chefias intermedirias, juno do fazer e do pensar empowerment

    Organizao do trabalho

    Trabalho muito especializado, gerando monotonia e frustraes

    Trabalho enriquecido, gerando desafios

    Realizao do trabalho Individual Em grupo

    Sistema de controle nfase em controles explcitos do trabalho

    nfase no controle implcito pelo grupo

    RELAES DE TRABALHO Poltica de emprego

    Foco no cargo, emprego a curto prazo

    Foco no encarreiramento flexivel, emprego a longo prazo

    Nvel de educao e formao requerido

    Baixo, trabalho automatizado e especializado

    Alto, trabalho enriquecido e intensivo em tecnologia

    Relaes empregador-empregado

    Independncia Interdependncia, confiana mtua

    Relaes com sindicatos

    Confronto baseado na divergncia de interesses

    Dilogo, busca da convergncia de interesses

    Participao dos empregados nas decises

    Baixa, decises tomadas de cima para baixo

    Alta, decises tomadas em grupo

    POLTICA DE RECURSOS HUMANOS Contratao

    Contrata para um cargo ou para um conjunto especializado de cargos

    Contrata para uma carreira longa na empresa

    Treinamento Visa ao aumento do desempenho na funo atual

    Visa preparar o empregado para futuras funes

    Carreira

    Carreiras rgidas e especializadas, de pequeno horizonte e amarradas na estrutura de cargos

    Carreiras flexveis, de longo alcance, com permeabiidade entre diferentes carreiras

  • Salarial

    Focada na estrutura de cargos, com alto grau de diferenciao salarial entre eles

    Focada na posio da carreira e no desempenho, com baixa diferenciao entre nveis

    incentivos Uso de incentivos individuais

    Foco nos incentivos grupais vinculados a resultados empresariais

    Fonte: Albuquerque, L. G. Estratgias de recursos humanos e competitividade (1999).

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    organizacional, organizao do trabalho, relaes de trabalho e polticas de recursos humanos. Essas duas vises opostas sobre o papel do ser humano no trabalho, altamente associadas aos valores do dirigente ou do formulador, implicam que estratgias distintas sejam adotadas. O estudo da evoluo do conceito de estratgia tem demonstrado uma nfase excessiva no planejamento estratgico e uma preocupao insuficiente com os aspectos de sua implementao. Esse fato relaciona-se com as questes principais da implementao estratgica capacidades internas da organizao e, especialmente, de seus recursos humanos , que deveriam integrar o processo de formulao. A questo assume maior relevncia no caso da estratgia de comprometimento das pessoas com os objetivos organizacionais, na medida em que a participao no processo de formulao estratgica se torna condio crucial para a obteno do comprometimento. A considerao do processo de gesto estratgica em seu conceito mais amplo, envolvendo a viso, a formulao, a implementao e a avaliao de resultados, pe em destaque diversas questes relacionadas com o lado humano da organizao: como prover a organizao com as pessoas necessrias para viabilizar seus objetivos estratgicos? Como desenvolver as competncias distintivas de que ela necessita para criar vantagens competitivas sustentveis a longo prazo? Como minimizar resistncias ou conseguir engajamento com as mudanas organizacionais e culturais imprescindveis implementao da estratgia? De que maneira podero ser avaliados os resultados, considerando os aspectos integrativos tangveis e intangveis da implementao da estratgia? Como mobilizar pessoas para transformar as intenes da estratgia em aes efetivas que conduzem a resultados exemplares? A resposta a essas questes passa por uma nova leitura da abordagem estratgica na gesto de pessoas que possibilite sair do discurso para a prtica e para a obteno efetiva de vantagens competitivas sustentveis a longo prazo, com equipes qualificadas e comprometidas com os objetivos mais amplos da organizao.

    4. Integrao da estratgia de gesto de pessoas estratgia organizacional

    A administrao estratgica um processo amplo que permite organizao procurar atingir o seu propsito ao longo do tempo. Esse processo abrange a viso, a formulao e

  • a implementao, bem como o feedback contnuo e a avaliao dos resultados, tendo em vista orientar e empreender as aes organizacionais de natureza estratgica, ttica e operacional.

    4.1 O PROCESSO DE FORMUlAO ESTRATGICA

    A base para a formulao da estratgia , usualmente, o processo de planejamento estratgico a determinao sistemtica de objetivos estratgicos e de estratgias para

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    atingi-los. Os planos estratgicos so geralmente de longo prazo, envolvem decises de alto impacto organizacional e despendem grande volume de recursos na busca dos macrobjetivos da empresa. importante ressaltar, entretanto, que a formulao estratgica no deve ser confundida com um plano, que a expresso escrita e sistematizada resultante desse processo em determinado momento. Trata-se, sobretudo, de um processo, de uma seqncia interativa de etapas que permite organizao refletir, discutir e definir seus propsitos e suas estratgias fundamentais. A importncia do foco no processo fica mais evidente quando se examina a formulao estratgica sob o enfoque de um ativo intangvel, como o ativo intelectual humano. Nessa abordagem, ressaltam-se as decises ligadas ao aprendizado, comunicao, participao e ao comprometimento das pessoas com os objetivos e as estratgias, bem como aquelas relativas administrao das mudanas necessrias para viabiliz-los. Existem vrios modelos utilizados para ilustrar os componentes ou as etapas do processo de formulao estratgica. O Quadro 2 apresenta um modelo de seqncia de etapas do processo, de carter meramente ilustrativo, que mostra a integrao da estratgia de gesto de pessoas na estratgia corporativa. A estratgia de recursos humanos deve seguir as etapas do processo de formulao e implementao da estratgia corporativa, baseando-se na viso do negcio para desenvolver as diversas etapas da estratgia funcional que iro integrar a estratgia da organizao. Por outro lado, cabe ressaltar a importncia do feedback ou da retroalimentao contnua de informaes entre as diversas etapas do processo atravs de avaliaes de resultados ao longo de seu desenvolvimento. Esse processo

    Quadro 2 - Integrao da estratgia de RH na estratgia da empresa. Etapas do processo de formulao

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    torna-se mais ou menos eficaz na medida em que contribui para a fluncia da comunicaes entre as pessoas nos diversos nveis e para sua conscientizao a re peito do direcionamento da organizao. A participao mais ampla de colaboradores de diferentes nveis da organiza o na formulao estratgica adotada tambm como forma de tornar esse processo mais interativo e contnuo, estimulando a comunicao, o aprendizado e comprometimento. Segundo Wall (1997), muitas organizaes esto descobrind os benefcios de ter mais

  • empregados envolvidos na formulao estratgica incluindo o desenvolvimento de um planejamento de alta qualidade, que reflete tanto a capacidade do negcio quanto a do mercado, o comprometimento das pessoas responsveis pela implementao estratgica e a profunda compreenso d estratgias em todos os nveis da organizao. Tendo como base uma pesquisa realizada por Wall com mais de cem executivos membros de equipes e profissionais de recursos humanos em empresas inovadoras de diferentes setores de atividade foram identificadas diferentes formas de aumentar o envolvimento dos empregados, tornando essas empresas mais flexveis e competitivas.

    4.2 CONSTRUINDO A VISO E A MISSO DA ORGANIZAO

    A gesto estratgica de uma empresa condicionada, fundamentalmente, pela viso dos atores organizacionais envolvidos no processo. Fato comum ao tratar de estratgia, o tema tem sido usado com diferentes significados e entendimentos. Uma referncia conceitual importante para entender a viso da organizao foi proposta por Collins e Porras (2000