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Editorial

Nos últimos dez anos a educação deixou de ser uma questão meramente nacional para se

constituir em um problema de âmbito internacional. A Organização das Nações Unidas (ONU),

através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), estabeleceu metas1

para os Estados membros2 de investimento nas áreas de ensino (fundamental, médio e superior)

com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais dentro e entre os países.

A educação tornou-se um tema relevante porque se constatou que favorece ao desenvolvimento

social, econômico, político e humano através do aumento do potencial das oportunidades

existentes para: a tomada de decisões durante a vida; o aumento das opções de escolha; a

conscientização política e cidadã; e, o aumento da produtividade e do nível de rendimento

pessoal e familiar. Dentro desta nova perspectiva, a educação passa a ser vista como forma de

“autonomização” das individualidades, pois proporciona a inserção das pessoas de per si num

mundo que se apresenta cada vez mais diversificado e flexível, mas que exige de todos nós

múltiplas habilidades para manuseá-lo de acordo com as nossas expectativas. Ou seja, dentro

desta nova perspectiva, tratar de educação é tratar de novas expectativas para a construção de

um mundo e de uma humanidade melhor para nós e para as gerações seguintes.

Os artigos lançados neste volume expressam esta expectativa de estabelecer à educação um

itinerário para a livre expressão das habilidades e potencialidades. As pesquisas realizadas pelos

docentes e discentes, em consonância com as literaturas e os textos pedagógicos, trazem em

seus conteúdos profícuas construções intelectuais reflexivas que demonstram perfeitamente esta

relação entre educação e autonomia, entre educação e desenvolvimento, entre educação e

produtividade, enfim, entre educação e criatividade.

Professora Dra. Alaíde Barbosa Professor Dr. Valmir Martins Professor Dr. Dequex Silva Jr.

1 As metas estão estabelecidas na Declaração do Milênio firmada pelos Estados membros da ONU em setembro de 2000. Cf. ONU. Declaração do Milênio. Nova Iorque, 6-8 de setembro de 2000. 2 Refere-se mais especificamente aos países com IDH baixo (até 0,499) e médio (entre 0,500 e 0,799).

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SUMÁRIO

LEGISLAÇÃO E TRABALHO INFANTIL...................................................................... Eliete da Silva BARROS FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR NO ESPAÇO ESCOLAR.................. Fabiane dos Reis Rebouças GONZAGA e Teresa Cristina Merhy LEAL CONSTITUIÇÃO E CONCEPÇÕES DE LEITURA: VOZES DE PROFESSORAS...... Carla Verônica Albuquerque ALMEIDA INDISCIPLINA EM SALA: O PAPEL DO PROFESSOR E DO ALUNO..................... Marinalva Mota dos SANTOS e Eliete da Silva BARROS

CONTE UMA HISTÓRIA! ERA UMA VEZ… O MUNDO MÁGICO DA LITERATURA INFANTIL................................................................................................ Edilane Carvalho TELES DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA: MAIS QUE UMA QUESTÃO DE CONHECIMENTO TÉCNICO......................................................................................... Ana Cristina Couto Santos da SILVA e Micael Teixeira CARDOSO TECITURAS IDENTITÁRIAS: DAS EXPECTATIVAS ÀS POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL DOS DISCENTES QUE SE FAZEM PEDAGOGOS... Ednilze Moura RODRIGUES e Diana Leia Alencar da SILVA

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LEGISLAÇÃO E TRABALHO INFANTIL

Eliete da Silva BARROS*

Resumo: Esse artigo se propôs a discutir a legislação referente ao trabalho infantil desde 1824 até os dias atuais. Apresenta os avanços conseguidos a partir da Organização Internacional do Trabalho – OIT, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA de 1990 e do UNICEF. Apresenta o critério utilizado para a existência do programa Bolsa Família e em que medida provocou avanços na compreensão da importância da criança. Quanto à metodologia empreendida, fizemos uso da pesquisa bibliográfica e análise de documentos antigos. A pesquisa conseguiu provar que o Estado sempre se preocupou com a infância e demonstrou isso através da legislação, entretanto a existência da lei, não categoriza cumprimento da mesma e isso está provado nos protestos da sociedade que exigem ação concreta dos governantes para retirar as crianças que ainda trabalham nas lavouras, feiras livres e sinaleiras. Palavras-chave: Infância. Trabalho infantil. Legislação.

Abstract: This paper aimed to discuss the legislation on child labor since 1824 until today. Presents the advances made from the International Labour Organization - ILO, the Statute of Children and Adolescents - ACE 1990 and UNICEF. Presents the criteria for the existence of the Family Grant program and to what extent caused progress in understanding the importance of the child. Regarding the methodology undertaken, we used the literature and analysis of ancient documents. The research was able to prove that the state has always been concerned with childhood and demonstrated this through legislation, however the existence of the law, does not categorize comply with it and this is proved in society protests demanding concrete action from governments to remove children who still working in the farming, free markets and signalman.

Keywords: Childhood. Child labor. Laws.

* Mestre em Ciências Sociais – UFBa; Licenciada em Pedagogia – UFBa; Coordenadora do curso de

Pedagogia da Faculdade Dom Pedro II.

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INTRODUÇÃO

Um levantamento sobre a legislação a respeito do trabalho de crianças e adolescentes

será apresentado a seguir, mas antes, é importante saber que a Convenção dos Direitos

da Criança da Organização das Nações Unidas, de 1989, considera que criança para

efeito de proteção integral, seria toda pessoa na faixa etária de 0 (zero) aos 18 (dezoito)

anos e a adolescência, dos 16 (dezesseis) aos 18 (dezoito) anos de idade. Essa separação

por idade para se entender o que é infância e o que é adolescência definida por essa

convenção, na legislação, não é a mesma antes de 1989 e não se manterá após esse ano.

Isso prova que a legislação atendeu aos ditames da sociedade que historicamente e

socialmente constituída impuseram aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,

alterações na lei que atendessem as necessidades da população. Mesmo na lei, é

possível ratificar a teoria de Leite (2003), quando nos faz compreender que infância está

muito mais ligada a questões culturais e históricas do que as questões biológicas.

RETROSPECTIVA HISTÓRIA DAS LEIS

Segundo Nunes (2003) a primeira lei relativa à infância data de 1824, promulgada pela

Assembléia Nacional que no artigo 179, § 32 “referia-se ao direito do cidadão à

instrução primária gratuita” (p. 112) e esta se repete na sua íntegra na Assembléia

Nacional de 1891.

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No ano de 1854, o Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Município

Neutro, demonstrou que a sociedade se preocupava com a as crianças pobres e as que

andavam na rua, pois “defendeu a criação de entidades profissionalizantes” (CAMPOS

& ALVERGA, 2001, p. 230), como forma de ao garantir o conhecimento de um ofício,

poder possibilitar uma condição social mais digna.

Geralmente alugadas em instituições de caridade e asilos de órfãos, muitas dessas crianças não tinham mais de 10 anos, havendo mesmo inúmeros casos de meninos e meninas de 5 ou 6 anos trabalhando 12 horas diárias, na indústria têxtil. Portanto, o Decreto de 1854 apenas oficializa o quadro em que se encontravam as crianças filhas da pobreza [...] (CAMPOS & ALVERGA, 2001, p. 230-231).

O então presidente da República Deodoro da Fonseca, em 1891, através do Decreto-Lei

nº 1.313, regularizou “o trabalho infantil nas fábricas do Rio de Janeiro, então capital

federal. Critérios como fiscalização, limite de idade, fixação da jornada de trabalho

ficaram manifestos”. (NUNES, 2003, p. 113). A respeito desse decreto, Campos &

Alverga, afirmam que,

A ideologia do trabalho como ‘elemento educativo, formador e reabilitador’, que justificava sua prescrição como alternativa para ‘a vagabundagem’, ajuda a explicar porque o Decreto n. 1.313, de 17 de janeiro de 1891, que ‘estabelecia providências para regularizar trabalho dos menores empregados nas fábricas da Capital Federal’, nunca foi cumprido (2001, p. 231).

Confirmando o que já se sabe, que nesse país questões urgentes são deixadas de lado em

detrimento do que o poder legislativo determina como relevante. O trabalho infantil,

nessa época como pode ser comprovado acima, não fazia parte dos problemas sociais da

época.

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Oito anos depois, o governo que quer se preocupar com a infância cria em 1899, o

Instituto de Proteção e Assistência a Infância no Rio de Janeiro. Uma infância elitizada,

a princípio, para depois ser estendido às camadas populares. Era uma política

assistencialista, segundo Andréa Rodrigues (2003), que atendendo aos pobres e

abandonados, não permitia que se transformassem em indigentes ou, delinqüentes, além

é claro de não acrescer o número de mortos em idade prematura.

Essa política de repressão à delinqüência e mendicância, faz com que o governo, em

1902, a partir de uma reforma do serviço policial federal, criasse colônias correcionais

com a intenção de reabilitar e instruir pelo trabalho, os mendigos espalhados pela

cidade. “A reforma indicava certa preocupação em amenizar os riscos de uma

reprodução social via mendicidade e criminalidade”. (NUNES, 2003, p. 114). Em 1906

é apresentado à Câmara Federal o primeiro projeto de criação de um Juízo de Menores,

o qual só será efetivamente criado em 1923. Estas ações demonstram que a principal

preocupação dos governantes, bem como de toda uma população, composta de

políticos, jornalistas, médicos, era conter o avanço da delinqüência infanto-juvenil.

Entendido está que a legislação procura dar conta da infância pobre e conseqüentemente

dos problemas advindos da mesma – a década de 20 é um exemplo disso –, entretanto,

uma ação, demonstra, através da lei, que o governo e legisladores, está atenta com a

criança e o adolescente que trabalham. Em 1917, uma lei, a 1.801 determinava que 14

anos seria a idade limite e impunha condições para admissão na fábrica e reduzia a

jornada de trabalho para 6 horas. Esta, atuando especificamente sobre o trabalho

infantil, no meio das preocupações com saúde, higiene, mendicância e delinqüência,

coloca o governo em posição de regular e punir ações nessa área.

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A Organização Internacional do Trabalho – OIT, filiada à Liga das Nações, na década

de 20, “começou a aprovar resoluções contra o trabalho infantil até a idade de 15 anos”

(STEARNS, 2006, p.186), e tentou estender esse critério ao mundo todo com discussões

em convenções, que culminaram em resoluções claras contra o trabalho excessivo de

crianças e adolescentes e exigindo que fosse assegurado o direito pleno à educação.

É pauta de discussão, ainda na década de 20, a preocupação com a delinqüência

demonstrada em 1902 e 1906, o que de acordo com Alvim & Valladares, a

questão da infância pobre se torna da alçada jurídica. Dando seqüência a um conjunto de leis voltadas para a regulamentação do menor, os juristas vão se voltar pra os meninos não absorvidos pelo ramo industrial que constituíam um desafio à sociedade urbana emergente quando ‘vadiando’ pelas ruas (1988, p. 6)

Nunes (2003) ratifica Alvim & Valadares acrescentando que era “Uma legislação que

induzia as famílias pobres a controlar com maior atenção seus filhos; caso contrário,

estariam sujeitas a perdê-los”. (p. 115) E é o próprio Nunes que complementa, dizendo,

“A categoria infância é paulatinamente substituída pela de ‘menor’, na base de uma

quantidade de leis, códigos e instituições que se sucedem como se refletissem um non

sense geral no tratamento da questão infantil.” (2003, p. 111).

Entre as ações do Judiciário, é possível citar que em 1921, com a Lei 4.242, o Código

Civil é modificado, considerando como abandonado o menor3 sem habitação certa ou

sem meios de subsistência, o órfão ou sem um responsável apto a cuidar do mesmo.

3 Segundo Cavallieri (1986 apud Alvim & Valladares, 1988, p. 17) “o termo menor é destinado à criança

na perspectiva jurídica e que o define como uma pessoa cuja idade a coloca em posição distinta dos

demais perante a lei”. Dessa forma o termo, segundo Araújo (1984 apud Alvim & Valladares, 1989, p.

17) “não se confunde com outras designações aplicáveis aos não adultos como as palavras ‘jovens’,

‘menino’, ‘criança’”. abandonados nas ruas.

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Já em 1923, finalmente é criado o Juízo de Menores. Este, tem como principais

objetivos, proteger a mão-de-obra infantil que naquele momento era muito utilizada

pelas fábricas e acabar com o caos social provocado pelo alto índice de mendicância e

criminalidade, “jogando” em instituições especializadas os infratores e que porventura

estivessem na rua.

É mister encarar o desafeto da sociedade da época pela rua. “Pensada em oposição ao

espaço familiar, privado, a rua é entendida como locus de não-subordinação à família e

ao trabalho” (ALVIM & VALLADARES, 1988, p. 5). Esta na condição em que é

colocada – como sendo o espaço onde a possibilidade de liberdade/libertinagem,

indisciplina pode ocorrer – vai de encontro à função da família e do trabalho, como

sendo estes, os únicos possíveis de socialização e de manterem as crianças sob a égide

da disciplina e da instrução para uma cidadania plena. Essa certeza impulsiona

governantes, poder judiciário e sociedade de um modo geral, a manter crianças e

adolescentes, fora das ruas (principalmente os das camadas populares, os pobres),

controlados pela “mão protetora” do trabalho, que através das leis instituídas mantém a

ordem e o progresso tão necessários à sociedade capitalista. “Ao ocupar-se do menor, o

Estado integra-o numa ordem que o capacita, em princípio, a exercer uma função social

que poderá resumir-se a suas possibilidades de inserção no mercado de trabalho.”

(NUNES, 2003, p. 137).

Independente de ser ou não trabalhadora, as ações precisam proteger a criança e é assim

que em 1923, formulados por uma organização não-governamental – a International

Union for Child Welfare – foram estabelecidos os princípios dos Direitos da Criança. A

recém-criada Liga das Nações – posteriormente conhecida por Organização das Nações

Unidas, reunida em Genebra no ano seguinte – incorpora e expressa esses princípios, na

primeira Declaração dos Direitos da Criança.

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São quatro os itens estabelecidos: (a) a criança tem o direito de se desenvolver de

maneira normal, material e espiritualmente; (b) a criança que tem fome deve ser

alimentada; a criança doente deve ser tratada; a criança retardada deve ser encorajada; o

órfão e o abandonado devem ser abrigados e protegidos; (c) a criança deve ser

preparada para ganhar sua vida e deve ser protegida contra todo tipo de exploração; (d)

a criança deve ser educada dentro do sentimento de que suas melhores qualidades

devem ser postas a serviço de seus irmãos.

Em 1927, é criado o primeiro Código de Menores, que consolida as leis de assistência e

proteção aos menores. “O espírito do Código se expressa logo no seu 1º Capítulo,

quando diz que o objetivo e o fim da lei é ‘o menor, de um ou de outro sexo,

abandonado ou delinqüente, que tiver menos de 18 anos de idade’” (ALVIM &

VALLADARES, 1988, p. 6). Ainda em 27, é sancionado um decreto, que próximo das

ações governamentais de disciplinarização do trabalho, intentavam afastar a criança

pobre do lazer, vadiagem ou delinqüência, “A criança devia voltar suas energias para o

trabalho de forma rápida, precisa e racional, ou seja, com o total controle sobre suas

paixões e desejos.” (RODRIGUES, 2003, p. 59). O Decreto 17.943 cria a primeira

Consolidação das Leis Trabalhista – CLT. Através desta, determina-se a proibição do

trabalho de crianças com idade inferior a 12 anos e do menor com idade entre 12 e 14

anos, salvo a partir de autorização judicial. A criação da CLT com a respectiva

regulamentação da idade mínima acende a “chama” da responsabilidade dos setores

responsáveis em não permitir que “corra solto” a utilização de mão-de-obra infantil,

entretanto o que se observava, segundo Spindel era que o decreto de 27 e as

Constituições de 34, 36 e 46, por não possuírem um “eficiente sistema fiscalizador e no

contexto de um processo de implantação da infra-estrutura do parque industrial

brasileiro e de intensa industrialização, tais normas foram burladas com freqüência”

(1989, p. 35).

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Não é possível, nesta cronologia referente à legislação, deixar de mencionar os avanços

e retrocessos das Constituições de 34, 37, 46 e 67. Segundo Spindel (1989) a

Constituição de 34, determinava que o limite mínimo de idade para o trabalho seria de

14 anos. “Em 1934, o art. 121 (§ 1º, alínea d) reflete a permanente preocupação com a

necessidade de regular o trabalho de menores. Proíbe o trabalho a menores de 14 anos; o

trabalho noturno a menores de 16 anos; e o trabalho a menores de 18 anos em ambientes

industriais insalubres” (NUNES, 2003, p. 116).

A Assembléia Nacional de 1937 garantiu obrigatoriedade de estudos primário e pré-

vocacional para crianças pobres. O estudo pré-vocacional é uma novidade assegurada

pela Constituição de 1937, e especificamente no que diz respeito a esse estudo, segundo

Nunes, nesta Constituição “evidenciou-se a preocupação do Estado em incorporar no

mercado de trabalho a infância pobre e delinqüente, crescente nas grandes capitais”

(2003, p. 117).

Mantendo esse interesse de controlar a população pobre – vide crianças e jovens – em

1940 é criado o Serviço de Assistência ao Menor – SAM, que subordinado ao

Ministério da Justiça, tinha como objetivo combater e prevenir a criminalidade infanto-

juvenil, a criação desse órgão, “[...] é sem dúvida um indicador de que a questão do

menor saíra dos textos jurídicos para se tornar uma questão nacional” (ALVIM &

VALLADARES, 1988, p. 8).

O SAM foi ápice de um processo de intervenção direta, gestado lentamente a partir da década de 1920. Sua subordinação ao Ministério da Justiça aponta para a prevenção e o combate à criminalidade infanto-juvenil. Transformou-se em modelo para infrações praticadas por menores. Inspiradas no SAM, criaram-se várias instituições para atender crianças pobres. Destaque-se, a infância passou a ser tratada como problema nacional, não mais um fenômeno regional ou específico da capital federal (NUNES, 2003, p. 117).

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A Legião Brasileira de Assistência-LBA de 1942, que segundo Nunes é “um dos

marcos no tratamento da questão do menor pelo Estado, para ocupar-se de filhos dos

integrantes da Força Expedicionária Brasileira que participaram da Segunda Guerra.”

(2003, p. 117) era uma das instituições que se interessavam por crianças e jovens

pobres, e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial-SENAI também tinha esse

foco.

Em meio a tantas normas legais relacionadas à infância, no ano de 1943, o Congresso

Nacional,

redefinia faixas etárias para trabalhadores menores em trabalho insalubre, noturno ou não. O art, 80 considerava o ‘menor aprendiz’ entre 12 e 18 anos. O art. 403 proibia trabalho a menores de 12 anos. O trabalho dos menores de 12 a 14 anos ficava sujeito a condições como garantia de freqüência à escola primária. E o art. 404 vedava o trabalho noturno a menores de 18 anos (NUNES, 2003, p. 118).

Seguindo a linha de qualificar profissionalmente jovens para a indústria, em 1946, são

criados o Serviço Social da Indústria - SESI, Serviço Social do Comércio - SESC e o

Serviço Nacional de Aprendizado Comercial - SENAC. Atitudes como essas, advindas

da iniciativa privada, aliadas às ações governamentais vão conseguir atender a uma

parcela da população jovem – o adolescente com mais de 18 anos – que ao sair da

escola, sem formação específica, ficava à mercê de oportunidades no mercado de

trabalho, já tão inchada pela mão-de-obra adulta, muitas vezes excedente por falta de

emprego.

Enquanto a sociedade brasileira, através das suas constituições intentava regularizar o

trabalho do menor, o mundo se via ao fim da Segunda Guerra Mundial, tendo que

resolver o problema de milhares de crianças órfãs ou deslocadas de seus pais e família.

Nesse ínterim, a ONU resolveu criar um Fundo Internacional de Ajuda Emergencial à

Infância Necessitada. Surge assim, em 11 de outubro de 1946, o Unicef - United

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Nations International Child Emergency Fund, com o objetivo de socorrer as crianças

dos países devastados pela guerra. Em seus primeiros três anos, os recursos do Fundo

foram encaminhados para o auxílio emergencial (sobretudo em alimentos) a crianças

dos 14 países arrasados pela guerra da Europa e da China, como também às crianças

refugiadas da Palestina (1948 a 1952) vítimas da criação do Estado de Israel. Pela

primeira vez tinha-se o reconhecimento internacional de que as crianças necessitavam

de atenção especial.

Na Constituição de 46 são feitas restrições ao trabalho da criança, e mantido o limite de

14 anos de idade para o trabalho. Outras vitórias nesta Constituição dizem respeito a

proibições de ações abusivas quanto ao trabalho do adolescente entre 14 e 18 anos de

idade e discriminação de salários por motivo de idade.

De acordo com Nunes (2003), no Brasil “entre 1948 e 1964, houve um vácuo na

promulgação de normas legais de tratamento das crianças” (p. 118), sendo assim no que

tange à legislação que tentaria proteger a infância e regulamentar o trabalho a que ela

estava exposta só são retomadas em 1964, o ano do golpe militar.

Para o mundo e para o Brasil, o ano de 1959 é significativo para o avanço das

conquistas relativas á infância. Nesse ano, as Nações Unidas proclamaram a Declaração

Universal dos Direitos da Criança, o que provocou um profundo impacto nas atitudes de

cada nação diante da infância. Neste documento, a criança passa a ser considerada, pela

primeira vez na história, prioridade absoluta e sujeito de direito. A Declaração enfatiza a

importância de se intensificar esforços nacionais para a promoção do respeito dos

direitos da criança à sobrevivência, proteção, desenvolvimento e participação,

obrigando os países do mundo a ficarem atentos contra a exploração e o abuso de

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crianças, os quais, deveriam ser severamente combatidos, indo na direção das causas

como forma de evitar conseqüências desastrosas para toda a sociedade.

De 1959 a 1964 são 5 (cinco) anos e apesar do que a Declaração Universal dos Direitos

da Criança preconizou não existem dados de ações pontuais no Brasil, nessa época, para

colocar em prática as decisões que deveriam ser tomadas para assegurar os direitos das

crianças.

No Brasil, crianças e jovens nas ruas eram um problema social que interferia na

dinâmica natural da convivência cotidiana, ou seja, um passo, concreto para a

marginalidade ou delinqüência. Para tentar resolver esse problema e identificando a

ineficiência do SAM, criado em 40, segundo Alvim & Valladares, o governo, em 1964,

através da Lei 4.513 e “dentro de uma perspectiva modernizadora, expressa também em

outros setores da política social (habitação e previdência social), [cria] a Funabem

(Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor)” (1988, p.9). Uma nova proposta foi

implantada com o objetivo de reeducar a criança, proporcionando total apoio à família e

à comunidade, sem que para isso utilizasse como único método o internamento. Era a

forma de o governo reconhecer sua ineficiência até então, oferecendo uma nova solução

para a questão da criança e do adolescente marginalizado. “Esta instituição incorporou o

patrimônio e as atribuições do SAM e passou a exercer papel de órgão central na

formulação de política nacional para o menor, ultrapassando a atribuição de executora

dessas políticas” (NUNES, 2003, p. 119).

Infelizmente, no período de vigência da Constituição de 1967 – em pleno período do

regime militar – a sociedade da época se viu obrigada a efetivamente propiciar

condições de trabalho para a ampliação da massa de trabalhadores, já tão intensa com a

quantidade de adultos no mercado de trabalho. Para atender essa nova perspectiva, uma

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política econômica de arrocho salarial foi implantada, dificultando ainda mais as

possibilidades de sobrevivência dos trabalhadores e suas respectivas famílias. Esse

cenário que ora se apresentava, acelerou a necessidade de que as famílias tivessem um

maior contingente de força de trabalho produtiva. Esse maior contingente estava nas

mãos de filhos e filhas como colaboradores, ou, em muitos casos, os únicos a

sustentaram as famílias.

A concorrência de mão-de-obra, verificada com a ampliação da faixa etária de admissão ao mercado de trabalho, e a vantagem diferencial de salários já descrita em termos da lei 6274/67 combinaram-se em um momento bastante particular do desenvolvimento econômico brasileiro, mais exatamente naquele momento em que se lançavam as bases para a expansão de 1968-73. É bem verdade que para efetivação concreta dos objetivos implícitos nas mudanças da legislação se fazia necessária e urgente uma contrapartida de oferta de força de trabalho nesses grupos etários (SPINDEL, 1989. p. 36-37).

Não é difícil perceber que essa política econômica associada à repressão dos anos de

ditadura militar não possibilitariam o aproveitamento da enorme mão-de-obra da qual o

país dispunha naquele momento. Estava clara a necessidade de fazer o país crescer,

inclusive como forma de “aparecer bem na foto” para o mercado internacional,

utilizando mão-de-obra qualificada, mas principalmente barata, para que a relação

custo/benefício trouxesse lucros para os setores que dirigiam o país. Nessa perspectiva

há um crescimento exagerado da urbanização tendo como conseqüência grave o

aumento dos índices de desigualdade social e de pobreza. Um panorama social tão

excludente e desigual afeta em muito a estrutura social, quiçá a estrutura familiar que se

vê às voltas com um universo em que crianças e adolescentes compreendendo ou não o

que se passava – inclusive essa não era a maior preocupação – é retirado da proteção

familiar em busca da sobrevivência no trabalho, ou o que era mais inquietante, nas ruas.

Como resposta a esse panorama, a Lei 5.274/67 estabelece que a idade mínima para o

trabalho, seja de 12 anos de idade e não mais de 14 anos, além de assegurar que o

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pagamento a trabalhadores infantis, independente se for ou não aprendiz, deva ser

inferior ao salário mínimo4. Está categorizada nesta Constituição a discriminação de

salário por idade na medida em que determina a diferenciação entre trabalhadores

adultos e infantis.

Paralelamente à preocupação do Estado em intervir de forma global, assiste-se nos anos 70 a uma série e outras iniciativas advindas de setores da sociedade também preocupados com a situação a que chegaram a infância e a pobreza no Brasil. Destaca-se sobretudo a preocupação dos juristas que, associando o aumento da criminalidade infanto-juvenil à pobreza, passam a organizar com regularidade, através do Tribunal de Justiça de São Paulo, Semanas de Estudo do Problema do Menor (ALVIM & VALLADARES, 1988, p. 10).

A Constituição de 1974 representa um avanço para as questões ligadas à criança e ao

adolescente que trabalham. Revoga-se a Lei 5.247/67 extinguindo-se assim qualquer

discriminação de salário por idade, bem como pagamento inferior ao salário mínimo,

entretanto a idade mínima para o trabalho de 12 anos é mantida, que em si não

configura um avanço.

Em 1976, a Câmara dos Deputados instaurava a primeira Comissão Parlamentar de Inquérito do Menor (CPI do Menor). A síntese dos trabalhos pode demonstrar a defasagem do Código de Menores, criado em 1929, então em vigor. Insistia-se na prioridade que deve ser outorgada ao menor pelo Estado. O resultado da CPI consubstancia-se em 1979: o Congresso Nacional promulga a Lei nº 6.697, que cria o novo Código de Menores [...] (NUNES, 2003, p. 119)

Apesar da criação do novo Código do Menor ser um avanço, ele se volta muito mais

para o menor infrator do que para o menor trabalhador, dando continuidade à política

social desenvolvida a partir da criação da Funabem. Esta lei, assim como a 4.513/64,

4 A CLT no Art. 80 já determinava que o menor aprendiz deveria receber salário inferior ao mínimo, a

Constituição de 1967 amplia o alcance da lei.

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“buscam assegurar assistência à infância e à juventude em ‘situação irregular’ por meio

de medidas preventivas e terapêuticas.” (Idem, ibidem, p. 128)

A Constituição de 1988 determinava que o trabalho infantil só seria permitido a partir

dos 14 anos de idade em paralelo com a obrigatoriedade da educação escolar até esta

idade, entretanto a Emenda Constitucional nº 20, publicada no final de dezembro de

1988, modifica o art. 7º da CF, proibindo o trabalho de menores com idade inferior a 16

anos de idade. Segundo Grunspun,

A aprovação da emenda aconteceu dentro do contexto das votações pela aprovação da Reforma Previdenciária (Seguro Social). O objetivo do aumento da idade mínima para o trabalho, foi adequar a idade e aposentadoria às novas regras da Reforma, uma vez que uma pessoa que inicia suas atividades laborativas aos 14 anos de idade, ao fim de 35 anos de trabalho se aposentaria aos 49 anos de idade, ficando fora das novas determinações (2000, p. 70).

Apesar do fim não parecer muito ético, ou seja, não havia um interesse direto em acabar

ou pelo menos melhor regulamentar o trabalho infantil e sim não pagar aposentadoria a

um contingente significativo da população em idade ativa de trabalho, ao menos,

indicava a necessidade de re-pensar a situação do menor que em plena idade de

produção intelectual estaria utilizando energia física/manual em tarefas ainda não

condizentes com o amadurecimento cognitivo. Adolescentes com idade entre 14 e 16

anos são enquadrados em trabalhos educativos, com apenas 4 horas diárias – sem

prejuízo para a educação escolar – e ficam sob a coordenação das entidades

pertencentes ao sistema S (SESI, SENAI, SESC e SENAC). Segundo Grunspun, essas

entidades não estavam preparadas para o enorme contingente de adolescentes, que sem

um trabalho efetivo, não possuíam vale-alimentação e outras vantagens de um

trabalhador registrado, tornando assim um peso para as famílias que durante dois anos

teriam que sustentá-los.

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A Constituição de 1988 é um avanço no que tange à necessidade de se respeitar a

criança e regulamentar o trabalho a que ela é submetida e se associa aos direitos

assegurados pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, realizada

em 1989, promovida pela Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos e baseada

nos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) nos Direitos da

Criança (1959). Marco nas ações em favor da infância em todo o mundo, importante se

faz elencar os principais direitos consagrados por esta Convenção,

A Convenção define como criança qualquer pessoa com menos de 18

anos de idade (artigo 1), cujos 'melhores interesses' devem ser

considerados em todas as situações (artigo 3). Protege os direitos da

criança à sobrevivência e ao pleno desenvolvimento (artigo 6), e suas

determinações envolvem o direito da criança ao melhor padrão de

saúde possível (artigo 24), de expressar seus pontos de vista (artigo

12) e de receber informações (artigo 13). A criança tem o direito de

ser registrada imediatamente após o nascimento, e de ter um nome e

uma nacionalidade (artigo 7), tem o direito de brincar (artigo 31) e de

receber proteção contra todas as formas de exploração sexual e de

abuso sexual (artigo 34).

A Declaração dos Direitos da Criança e a Convenção das Nações Unidas sobre esses

direitos tiveram forte impacto internacional junto aos governos nacionais. Depois delas

foram convocadas outras reuniões internacionais para cuidar de graves problemas

contemporâneos que afetam a vida e o desenvolvimento de milhões de crianças em

todas as partes do mundo, como o Congresso Mundial contra a Exploração Sexual

Comercial de Crianças (Estocolmo, 1996), a Conferência de Cúpula sobre o Trabalho

Infantil (Oslo, 1997), o Encontro de Cúpula Asiático sobre os Direitos da Criança e os

Meios de Comunicação (Manila, 1996). Durante o Encontro Mundial de Cúpula pela

Criança, realizado em 1990, o Unicef, que então completava 50 anos, estabeleceu suas

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metas para o ano 2000, dentre elas inscreve-se a proteção à criança e ao jovem em

conflito com a lei, a garantia do desenvolvimento integral da criança, o apoio à família e

o esforço contínuo no sentido de introduzir em cada nação uma distribuição de recursos

mais eqüitativa.

O grande mérito desta convenção é exigir que famílias, sociedades, governos e a

comunidade internacional empreendam ações visando o cumprimento dos direitos de

todas as crianças de maneira sustentável, participativa e não discriminatória. Isto

significa que as crianças mais pobres, mais vulneráveis, e geralmente as que são

totalmente esquecidas em todas as sociedades, ricas e pobres, devam ter prioridade

absoluta na destinação de recursos e esforços.

Em 13 de julho de 1990 é promulgada a lei 8.069 que institui o Estatuto da Criança e do

Adolescente, conhecido socialmente como ECA. Documento significativo ao reunir os

avanços da Constituição Federal de 1988 e assegurar os direitos das crianças adquiridos

a partir da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, segundo Corrêa

& Gomes, o ECA causou uma revolução no direito infanto-juvenil “A opção do

legislador pela proteção integral, quando alude, em seu art. 1º, à ‘proteção integral à

criança e ao adolescente’, contrapõe-se à doutrina do Direito Titular do Menor

(legislação anterior)” (2003, p. 52).

Elaborado para substituir a doutrina da ‘situação irregular’ pela doutrina sociojurídica de proteção integral proposta pela ONU, o Estatuo pretendeu reconhecer a vulnerabilidade da criança e do adolescente e o dever de assegurar-lhes proteção moral, física e psíquica. À luz da ‘proteção integral’, o Estatuto redefine os direitos da criança e do adolescente e os deveres da sociedade, da família e do Estado para com eles (NUNES, 2003, p. 120)

O ECA substitui o antigo Código de Menores – inspirado na Doutrina Titular do Menor

– que não fazia distinção entre o menor abandonado e o menor infrator, colocando

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ambos em situação irregular por estarem na rua, tomando-se como base que

independente da situação eram seres privados de direitos. Entender essa distinção faz

com que sob o enfoque doutrinário, se compreenda que “o menor nunca pode estar em

situação irregular, pois ele não é mero objeto de decisão judicial, mas, na verdade, um

sujeito de direitos.” (CORRÊA & GOMES, 2003, p. 52).

Está-se indicado com o ECA que o menor esteja ele mendigando, furtando ou

trabalhando nas ruas, antes corre um risco social por não terem sido assegurados os seus

direitos por lei, de educação, saúde, moradia, etc, devendo o Estado, órgãos

responsáveis e famílias responder por tal omissão. Direitos esses assegurados no Artigo

227 da Constituição Federal:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e agressão (1988, p 91).

Partindo dessa prerrogativa da lei, o ECA, em seu artigo 2º determina que criança é todo

aquele indivíduo com idade inferior a 12 anos e adolescente quem tem entre 12 e 18 anos,

dessa forma não se leva em consideração os aspectos psicológico e social para determinar a

separação entre crianças e adolescentes, assim como assegura proteção a todos independente

de cor, idade, classe social, sexo, religião ou grupo étnico.

A concepção jurídica – fruto de hábitos e costumes sociais – da criança e do adolescente transforma-se com o Estatuto. Se antes de 1990 o menor era considerado apenas quando em situação irregular e na condição de objeto de medidas judiciais, ulteriormente passa a ‘sujeito de direitos’, na condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Dessa maneira, registraram-se mudanças no processo judicial, no funcionamento do magistrado (NUNES, 2003, p. 127)

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Ações conjuntas de governo, organizações não governamentais, grupos religiosos e

sociedade civil foram fundamentais para que a Constituição Federal e o Estatuto da

Criança e do Adolescente fossem efetivamente colocados em prática.

Nesse ínterim, não se pode deixar de afirmar que o Estatuto da Criança e do

Adolescente (Lei 8069/90), e todas as ações posteriores à sua implementação, não só

promoveram mudanças de conteúdo, método e gestão no panorama legal e nas políticas

públicas que tratam dos direitos da criança e do adolescente, constituindo-se num novo

mecanismo de proteção, como também criaram um sistema abrangente e importante na

defesa dos direitos da infância, inclusive aos que se referem ao mundo do trabalho.

Como decorrência das postulações do ECA, estruturou-se ao longo da década dos anos noventa, uma rede de instituições com papéis definidos em suas esferas específicas para atenção à infância e adolescência, como os Conselhos de direitos – Municipais, Estaduais e Nacional – e os Conselhos Tutelares (FERREIRA, 2001, p. 216).

Para tanto a lei de nº 8.242, de 12 de outubro de 1991, criou o Conselho Nacional dos

Direitos da Criança e do Adolescente (o Conanda), com o objetivo principal de

impulsionar a implantação do ECA no país e consequentemente fazer valer os artigos da

CF/88 que tratam dos direitos das crianças e em 1992, o Brasil passa a integrar o

Programa Internacional para Erradicação do Trabalho Infantil – IPEC que efetiva ações

contra o trabalho infantil.

Ainda dando continuidade a ações contínuas de proteção à infância, em 1993, a Lei nº

8.642 criou o Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e Adolescente

(Pronaica), para articular e integrar ações de apoio à criança e adolescente, sob a

coordenação do Ministério da Educação.

No ano de 1994 “foi criado e instalado o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação

do Trabalho Infantil, sob a coordenação do Ministério do Trabalho com o apoio do

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Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)” (CARVALHO & RAMOS, 2003,

p. 8). Como todas as leis e ações do governo e da sociedade civil, a intenção do fórum

“era prevenir e erradicar o trabalho infantil, dando cumprimento à legislação que proíbe

o trabalho abaixo dos 14 anos...” (Idem, ibidem, p. 8)

A atuação da sociedade contra o trabalho infantil foi possível de ser percebida em

função de várias denúncias, fazendo com que em 1995, segundo Carvalho & Ramos se

destacasse “a atuação das Delegacias Regionais do Trabalho em todo país” (2003, p. 8).

Como resultado das denúncias da sociedade e da ação das delegacias “foram criadas

Comissões de Combate ao Trabalho Infantil e de Proteção ao Trabalho do Adolescente,

que logo passaram a realizar um diagnóstico preliminar dos focos de trabalho das

crianças e adolescentes em vários Estados.” (2003, p. 8).

Em 1996, o governo federal criou o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil,

conhecido como PETI, que tinha como principal “objetivo eliminar em parceria com os

diversos setores dos governos estaduais e municipais e da sociedade civil, o trabalho

infantil em atividades perigosas, insalubres e degradantes” (KASSOUF, 2004, p. 81). À

época da sua implantação, o PETI visava o atendimento às famílias mais pobres e

excluídas socialmente e que tivessem “renda per capita de até 1/2 salário mínimo, com

filhos na faixa etária de 7 a 14 anos que trabalham em atividades dessa natureza” (2004,

p. 81).

A promulgação da lei 10.097/2000, segundo Kassouf, possibilitou mais um avanço na

regulamentação do trabalho infantil, pois altera a redação de alguns artigos do Capítulo

IV da CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas, dentre os quais a autora cita:

Artigo 402: Considera-se menor para os efeitos desta Consolidação o trabalhador de quatorze até dezoito anos.

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Artigo 403: É proibido qualquer trabalho a menores de 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Parágrafo único: O trabalho do menor não poderá ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitem a freqüência à escola (2004, p. 17)

Uma outra ação implementada pelo governo como programa social em atendimento às

questões da infância que trabalha foi o Bolsa Escola, em abril de 2001, através da lei nº

10. 219 que o institui em âmbito federal.

Por meio dessa lei, o governo federal passou a apoiar programas municipais de garantia de renda mínima, desde que associadas a ‘ações socioeducativas de apoio aos trabalhos escolares, de alimentação e de práticas desportivas e culturais em horário complementar ao das aulas’, que, de alguma forma, incentivem a permanência da criança na escola, durante o maior tempo possível (KASSOUF, 2004, p. 82)

Ou seja, um dos principais objetivos do programa era reduzir a incidência de trabalho

infantil, mantendo as crianças na escola, a partir da diminuição da pobreza através da

ajuda financeira governamental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A legislação e os programas sociais implementados pelo governo, demonstram que o

país está atento ao grave problema do trabalho infantil, entretanto existir a lei não

denota cumpri-la e isso está claro em função dos inúmeros protestos da sociedade civil

acerca do tema e da incidência ainda significativa de crianças que fora da idade

permitida, estão nas lavouras, feiras livres, sinaleiras, etc em condições indignas de

vida, trabalhando para ajudar no sustento próprio e das suas respectivas famílias.

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Está claro que é preciso sempre valorizar as leis promulgadas e principalmente cumpri-

las. Criança é sinônimo de base e uma boa base promove excelentes avanços em todos

os setores da sociedade: econômico, político, cultural e principalmente humano.

Referências

ALVIM, Maria Rosilene Barbosa & VALLADARES, Lícia do Prado. Infância e sociedade no Brasil – uma análise da literatura. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, ANPOCS, 26: 3-37, 2. sem. 1988. CARVALHO, Inaiá Mª Moreira de & RAMOS, Alba Regina Neves. A experiência do PETI na Bahia. In: CARVALHO, Inaiá Mª Moreira de & MAIA, Sylvia Mª dos Reis (orgs.). Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI – Trajetória e Beneficiários no Estado da Bahia. Série Estudos e Pesquisas: Salvador, 2003. _____. Algumas considerações finais. In: CARVALHO, Inaiá Mª Moreira de & MAIA, Sylvia Mª dos Reis (orgs.). Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI – Trajetória e Beneficiários no Estado da Bahia. Série Estudos e Pesquisas: Salvador, 2003. CORRÊA, Claudia Peçanha & GOMES, Raquel Salinas. Trabalho Infantil : as diversas faces de uma realidade. Petrópolis-RJ: Viana e Mosley, 2003. FERREIRA, Marcos Artemio Fischborn. Trabalho infantil e produção acadêmica nos

anos 90: tópicos para reflexão. Universidade de Santa Cruz do Sul: Estudos de

Psicologia, 2001, 6(2), 213-225.

GRUNSPUN, Haim. O Trabalho das crianças e dos adolescentes. São Paulo: LTr, 2000. KASSOUF, Ana Lúcia. O trabalho de crianças e adolescentes no Nordeste do Brasil. Brasília: OIT, 2004. NUNES, Brasilmar Ferreira. Sociedade e infância no Brasil. Brasília: UNB, 2003. SPINDEL, Cheywa R., Crianças e Adolescentes no Mercado de Trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1989.

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FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR NO ESPAÇO

ESCOLAR5

Fabiane dos Reis Rebouças GONZAGA*

Teresa Cristina Merhy LEAL**

Resumo: O presente artigo objetiva proporcionar uma reflexão sobre a importância da formação

continuada do professor no espaço escolar. A princípio preocupa-se com o entendimento do

termo formação continuada, em seguida apresenta a possibilidade de contribuição da formação

continuada para a existência de um professor reflexivo, capaz de realizar mudanças eficazes

para a melhoria do ensino, finaliza explanando sobre as vantagens da formação no espaço

escolar.

Palavras-chave: Formação continuada. Espaço escolar. Professor.

5 Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Dom

Pedro II, como parte dos requisitos para obtenção do título de licenciando em Pedagogia, novembro

de 2009.

* Discente do 7º semestre do Curso de Pedagogia da Faculdade Dom Pedro II.

[email protected].

** Mestranda em Família e Contemporaneidade – linha de pesquisa Família e Subjetividade pela UCSAL;

Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela FBB; Graduada em Pedagogia pela FEBA; Formação

em Psicologia pelo NPSB; Estudos em Psicanálise pela SEDES; Professora e Coordenadora de Estágio

Supervisionado da Faculdade Dom Pedro II. E-mail; [email protected]. Salvador-Brasil

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Introdução

Este artigo enfatiza de forma sucinta a reflexão sobre a importância da formação continuada de

professores no espaço escolar.

No contexto atual da educação brasileira, de modo geral, aos professores é dada oportunidade de

participar de encontros de formação continuada fora do ambiente escolar, e infelizmente, muitas

vezes, não estabelecem relação com a realidade vivida, por conseqüência, nem sempre são

colocadas em prática no cotidiano escolar.

No espaço de trabalho, dificilmente é efetivada a oportunidade da formação continuada. No

entanto, nesse local a formação é diferenciada, existe maior possibilidade de estabelecer

ligações com a prática, favorecendo ao docente constituir-se como um profissional autônomo,

que constrói conhecimento, que compreende sua ação pedagógica e dialoga com ela. “Os

profissionais da educação, em contato com os saberes sobre a educação e sobre a pedagogia,

podem encontrar instrumentos para se interrogarem e alimentarem suas práticas, confrontando-

os.” (PIMENTA, 2008, p. 26)

Defende-se aqui a relevância da formação continuada no espaço escolar como uma estratégia

para o investimento na qualidade do ensino, a luz de teóricos conceituados, haja vista que a

temática em destaque tem promovido estudos, debates e reflexões nos vários âmbitos

educacionais, provocada pela demanda sócio educativa da atualidade .

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Formação do Professor

O homem é um ser social, histórico e cultural que ao longo de sua vida se apropria de saberes.

Esses saberes se constituem de suas vivências em sociedade. Vygotsky (1994) nos apresenta

essa concepção de homem ao declarar que o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque

forma conhecimentos e se constitui a partir de relações intra e interpessoais.

Com base nas premissas vygotskianas percebe-se que o homem está em constante processo de

construção de conhecimento, porque é um ser que se forma em contato com a sociedade,

portanto, um ser em constante formação. E nessa perspectiva pode-se entender formação como

construção de si, a partir de saberes e experiências de vida em sociedade.

Portanto, para discorrer sobre a temática formação continuada de professores no espaço escolar,

acredita-se na importância de refletir inicialmente sobre o conceito da palavra formação.

Entende-se por formação a constituição de si através do conhecimento construído, considerando

mudanças sociais, tecnológicas, econômicas, políticas e educacionais. É um processo, pois

ocorre de forma continuada. E a constituição do professor, assim como em qualquer processo de

formação profissional, também se constitui dessa forma, começa com os estudos na graduação e

continua com a prática no cotidiano de serviço.

O docente coloca em prática as teorias aprendidas, começa a refletir sobre as práticas,

estabelecendo relações com as mesmas, dialoga com colegas de serviço, trocando saberes e

experiências, possibilitando a construção de novos conhecimentos. Para Nóvoa “O aprender

contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: a própria pessoa, como agente, e a escola,

como lugar de crescimento profissional permanente” (2002, p.23).

Percebe-se que o educador está sempre se formando e que o seu espaço de serviço, a escola,

deve assegurar-lhe momentos para a troca e ampliação de conhecimentos com os colegas. E

nesse sentido, Pimenta afirma que:

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[...] não podem ser negligenciados os saberes construídos na

experiência cotidiana da trajetória pessoal de vida social e cultural de

formação e particularmente de trabalho profissional, os quais moldam

a identidade do repertório de saberes disponíveis (2004, p. 23)

Portanto, de acordo com as palavras da autora, faz-se necessário um investimento continuo de

trocas de experiências para fomentar um pensar reflexivo, que segundo Larrosa (2000)

oportuniza a auto-observação e a observação mútua, as quais abrem possibilidades de

aprendizagens que se constituem como parâmetros normativos implícitos na formação do

professor.

Formação Continuada

Tema que vem sendo motivo de discussões, pela comunidade científica, nos simpósios,

congressos, conferências, seminários e pesquisas, desde as últimas décadas do século XX. Só

nesse período é que começa a se falar desse assunto no Brasil, devido ao avanço do

conhecimento na sociedade.

Assim, a formação inicial passa a não ser mais compreendida como início e fim de uma

organização da vida profissional. Na concepção de Rodrigues e Esteves, “A formação não se

esgota na formação inicial, devendo prosseguir ao longo da carreira, de forma coerente e

integrada [...]” (1993, p.41). Portanto, ao considerar e debater sobre o assunto passa-se a

entender que o docente só se constrói enquanto profissional a partir de estudos contínuos

articulados com as suas experiências cotidianas.

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A formação continuada está explícita na idéia da valorização do magistério, segundo a Lei de

Diretrizes e Bases (LDB) n. 9394/96, art. 67º, incisos II e V, que tratam especificamente do

aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado

para esse fim, como também do período reservado a estudos, planejamentos e avaliação,

incluído na carga de trabalho.

Vale ressaltar que no Título VI, parágrafo único, da referida lei, “A experiência docente é pré-

requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das

normas de cada sistema de ensino.” Evidenciando a valorização dos saberes e experiência

docente para a profissão na história da formação do educador (LDB n.9394/96)

Portanto, a formação continuada tem sido enfatizada como uma das possibilidades para se

desenvolver a autonomia intelectual dos profissionais da educação, tendo como conseqüência a

melhoria do pensar, sentir e fazer da ação pedagógica, consequentemente nos avanços da

qualidade de ensino.

O Professor Reflexivo

O professor ao longo da história foi concebido como repetidor de conteúdos curriculares, “[...]

mero aplicador de valores, normas, diretrizes [...]” (PIMENTA, 2008, p. 29) totalmente

dependente das imposições do sistema educativo. Porém, o problema do fracasso escolar fez

com que essa questão fosse repensada. Passa-se a perceber a necessidade de se fornecer uma

nova formação docente que ofereça “[...] aos professores os meios de um pensamento autônomo

e que facilite as dinâmicas de formação auto participada” (PIMENTA apud NÓVOA, 2008,

p.29). Sugere-se a constituição de um profissional reflexivo.

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Pimenta traz ainda que:

As investigações sobre o professor reflexivo, ao colocarem os nexos

entre formação e profissão como constituintes dos saberes específicos

da docência, bem como as condições materiais em que se realizam,

valorizam o trabalho do professor como sujeito das transformações

que se fazem necessárias na escola e na sociedade (2008, p.30)

Ora, a autora chama atenção para um pensar reflexivo diante de uma sociedade que passa por

transformações constantes, e cabe ao professor acompanhar essas transformações. Deve-se,

portanto, estar atento ao novo que surge a todo instante, e inferir as mudanças da sociedade à

sua prática docente, que também sofrerá mudanças. Neste sentido, torna-se relevante o

investimento na formação do profissional da educação para um trabalho diferenciado e

transformador.

De acordo com Nóvoa, “A formação docente concebe-se como uma intervenção educativa, e é

solidária dos desafios de mudança das escolas e dos professores” (2002, p.56). Porém, para que

haja mudança na prática, faz-se necessário que o espaço escolar proporcione momentos de

formação continuada, fundamentados por uma tendência crítico-reflexiva, que contribua para o

desenvolvimento de uma autonomia profissional. Essa tendência compreende o docente como

independente, autônomo, corroborando para a

[...] valorização do desenvolvimento pessoal-profissional dos

professores e das instituições escolares, uma vez que supõe condições

de trabalho propiciadoras da formação como contínua dos professores,

no local de trabalho, em redes de autoformação [...] (PIMENTA,

2008, p. 31).

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É possível compreender que a formação docente crítico-reflexiva considera o constante estágio

de constituição dos educadores, e viabiliza a troca de experiências e a ressignificação

permanente da prática e do ser professor.

Isto posto, percebe-se que um educador reflexivo está suscetível a mudanças. Passa a ter um

olhar crítico sobre a sociedade, torna-se ativo e compreende-se como essencial para favorecer,

por meio da educação, transformações. Perde a postura ingênua, porque sente a necessidade de

repensar sua prática. Consciente, conhecendo o que faz, e em constante mudança na sua prática,

trabalha com prazer. Cada vez mais se apropria do fazer pedagógico, porque os encontros de

formação proporcionam renovação permanente.

A formação contínua no espaço escolar conduz o docente a transformar sua prática e a

solucionar problemas, além de detectá-los. O que não quer dizer que não terá mais problemas,

mas implica admitir que o professor reflexivo tem subsídios para reconhecer os desafios e

enfrentá-los. O sofrimento e o sentimento de angústia de muitos profissionais frente aos

desafios são minimizados, e até sanados, pois a aprendizagem contínua dá meios para entender

o problema que está em sua sala de aula, compreendê-lo, ou buscar compreensão sobre os

porquês de cada caso. “A formação de professores reflexivos compreende um projeto humano

emancipatório” (PIMENTA, 2008, p.31)

De acordo com Nóvoa, o profissional reflexivo é maduro para pesquisar teorias que possam lhe

trazer explicações e soluções, e para dialogar com os colegas sobre seus problemas, haja vista

que “produções de práticas educativas eficazes só surgem de uma reflexão da experiência

pessoal partilhada entre os colegas” (1996, p. 30).

Muitos problemas enfrentados pelo professor, também fazem parte da realidade das outras salas

de aula. Sendo assim, juntos eles buscarão soluções, a partir das teorias aprendidas ao longo da

sua formação/trajetória de estudos e de novas teorias que, consequentemente, a partir das suas

vivências e necessidades promoverão novos debates sobre o que ainda desconheçam.

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Neste sentido, Libâneo afirma que:

[...] a formação continuada pode possibilitar a reflexividade e a

mudança nas práticas, ajudando os professores a tomarem consciência

das suas dificuldades, compreendendo-as e elaborando formas de

enfrentá-las. De fato, não basta saber sobre as dificuldades da

profissão, é preciso refletir sobre elas e buscar soluções, de

preferência, mediante ações coletivas.

(2004, p. 227)

Outrossim, o educador reflexivo constrói sua prática considerando o contexto sócio-político da

sociedade em que sua escola está inserida, em que o estudante está inserido, sua ação em sala de

aula condiz com a realidade e necessidades dos estudantes. Busca conhecer a si mesmo e depois

conhecer o outro. Ele tem segurança no que está fazendo, tem consciência do seu fazer

pedagógico.

Alarcão (2001) contribui com esta discussão ao apresentar-nos o professor reflexivo, como

sendo o profissional que pensa no que faz, que seja comprometido com a profissão e sente-se

autônomo, capaz de tomar decisões e ter opiniões.

A formação continuada no espaço escolar fará o professor refletir sobre seus encontros e

desencontros, relatar suas práticas e os problemas que enfrentar para outros profissionais que

poderão ajudá-lo a partir dos seus saberes, que, somados aos saberes e experiências dos demais

professores, formam uma gama importante de conhecimento que enriquece a todos.

Pimenta (2004) traz importante contribuição nesse sentido quando afirma que a formação

contínua deve contribuir para por de pé redes de relações e de solidariedade, que abram novos

espaços de cooperação. Descreve ainda que o investimento nos estudos e na aprendizagem

contínua é um momento decisivo de afirmação das escolas e dos profissionais que nelas atuam.

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Desta forma, pensar em formação continuada em serviço para o desenvolvimento profissional

dos professores envolve pensar experiências cotidianas coletivas e individuais, com o intuito de

socializar e discutir a trajetória profissional, a prática pedagógica, suas condições de trabalho,

enfim, sua identidade profissional.

Conforme Libâneo,

[...] o professor deve ser visto, numa perspectiva que sua capacidade

de decidir, confrontando suas ações cotidianas com as produções

teóricas, rever suas práticas e as teorias que as informam, pesquisando

a prática e produzindo novos conhecimentos para a teoria e a prática

de ensinar [...] assim, as transformações das práticas docentes, só se

efetivam na medida em que o professor amplia sua consciência sobre

a própria prática, da sala de aula e da escola como um todo, o que

pressupõe os conhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade

(2002, p.42)

Portanto, o referido autor ratifica a importância de estudos teóricos para uma constante reflexão

critica da pratica docente, e isto implica na leitura consciente da ação do professor na práxis

pedagógica.

Escola - espaço de plena formação

Vive-se hoje numa sociedade cada vez mais diversa, com muitas incertezas, pois mudanças

estão sempre ocorrendo, e com informações que se propagam velozmente, desconstruindo

verdades existentes. Nesse contexto tão complexo e conflituoso é que a instituição escolar está

inserida, tendo que acompanhar todos os movimentos dessa sociedade, e ainda favorecer o seu

desenvolvimento a partir da produção de conhecimento.

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Alarcão (2001) apresenta “a escola como uma organização em desenvolvimento e em

aprendizagem que, à semelhança dos seres humanos, aprende e desenvolve-se em interação”

(2001, p. 27). A escola em sua essência é uma instituição viva, dinâmica, o processo de

desenvolvimento e aprendizagem que ela vive é fruto de uma dinâmica protagonizada por todos

que nela atuam. Por trás do trabalho de cada um, existe um objetivo em comum, e nenhum

profissional pode trabalhar isolado dos demais, ou do contexto em que a escola se insere.

Tem-se, portanto, um trabalho em conjunto, cabendo aos dirigentes escolares estimular e

favorecer ações visando à integração e desenvolvimento de todos. Ações com o objetivo de

incentivar “a participação, co-participação, o diálogo, a reflexão, a iniciativa, a experimentação”

(ALARCÃO, 2001, p, 26) dos envolvidos no processo educativo. Como resultado dessas ações,

a escola terá profissionais autônomos, capazes de constituir a instituição como um espaço de

plena formação.

Considerações Finais

Verifica-se no presente estudo que as discussões sobre a formação continuada do professor no

espaço escolar, oferecem elementos para subsidiar o entendimento de que é urgente que a escola

se entenda como espaço de formação não só do aluno, mas, de todos os profissionais, e em

especial do professor, pois é ele o protagonista da educação mais cobrado pela sociedade, para a

melhoria da qualidade do ensino.

Vale destacar que de acordo com Nóvoa (2001) as práticas de formação continuada devem ter

como pólo de referência as escolas. E afirma ainda que são as escolas e os professores

organizados em serviço, que podem decidir quais são os melhores meios, os melhores métodos

e as melhores formas de assegurar esta formação. Com isso percebe-se a presença de um

professor-reflexivo nesse espaço. Um sujeito ativo, autônomo no seu campo profissional, capaz

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de construir sua própria formação, e, consequentemente, dar novos significados à sua prática

pedagógica.

Compreende-se, portanto, a urgência de se tornar a escola um espaço de formação continuada,

já que está sendo vista como uma instituição que precisa de mudanças para atender às

necessidades da sociedade. O que reforça Alarcão (2001), quando chama a atenção de que não

se pode esquecer a dimensão ética, humana, valorativa e interpessoal da escola, para que ela

assuma sua função plena, centrada no todo e nas reais necessidades que emergem no contexto

social.

Por fim, pensar a formação continuada do professor em serviço é “pensar em qualidade de

ensino é pensar também em qualificação docente” (PIMENTA, 2008, p. 58) e a escola é a

instituição apropriada para propor e favorecer a constituição do professor como profissional da

educação de excelência.

Referências

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Editora, 2001.

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de 1996. Estabelece diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União de 23 de

dezembro de 1996.

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2000. Capítulo 3. LARROSA, Jorge. Tecnologias do Eu e Educação p. 35 a 86.

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perspectivas de mudanças. In: PIMENTA, Selma Garrido (org.). Pedagogia e Pedagogos:

caminhos e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2002.

_______. Organização e Gestão da Escola – Teoria e Prática. Goiânia: Alternativa, 2004.

NÓVOA, António. Formação de Professores e Trabalho Pedagógico. Lisboa-Portugal:

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_______. O professor pesquisador e reflexivo. Entrevista concedida em 13 de setembro 2001.

Disponível em http:/www.tvbrasil. com.br/ salto/estrevista/ antonio_novoa.htm. Acessado em

21 de novembro de 2009.

PIMENTA, Selma Garrido (org.). Saberes Pedagógicos e Atividade Docente. São Paulo:

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RODRIGUES, Ângela; ESTEVES, Manuela. A análise de necessidades na formação de

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VYGOTSKY, L. S. (Tradução José Cipolla Neto). A formação social da mente. São Paulo:

Martins Fontes, 1994.

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CONSTITUIÇÃO E CONCEPÇÕES DE LEITURA:

VOZES DE PROFESSORAS.

Carla Verônica Albuquerque ALMEIDA*

Resumo: Este artigo é parte de uma pesquisa que investigou a influencia da leitura na formação

de um grupo de professoras que se constituíram leitoras nas décadas de 30 e 40. Tem como

proposta, apresentar um breve panorama da evolução da leitura, refletindo sobre as novas

feições adquiridas no decorrer do tempo. Reflete ainda sobre as concepções de leitura e as

possibilidades transformativas advindas do ato de ler, pois a leitura é uma forma de expressão

cultural, motivadora do interesse do leitor e propulsora do seu crescimento intelectual, crítico e

social, pois através dela, o sujeito conhece aos outros e se conhece, se integra a novos universos

de sentido, abre e amplia perspectivas pessoais.

Palavras-Chave: Livro. Leitura. História. Professoras.

* Mestre em Família e Contemporaneidade – linha de pesquisa Família e Subjetividade pela UCSAL;

Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela UNEB; Formação em Psicomotricidade pela SBP;

Licenciada em Pedagogia pela UCSAL; Professora da Faculdade Dom Pedro II e Faculdade de Tecnologia

e Ciência. E-mail; [email protected] Salvador-Bahia.

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Toda história de leitura supõe, em seu princípio, esta liberdade do

leitor que desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende impor.

Mas esta liberdade leitora não é jamais absoluta. Ela é cercada por

limitações derivadas das capacidades, convenções e hábitos que

caracterizam, em suas diferenças, as práticas de leitura. Os gestos

mudam segundo os tempos e lugares, os objetos lidos e as razões de

ler. Novas atitudes são inventadas, outras se extinguem. Do rolo

antigo ao códex medieval, do livro impresso ao texto eletrônico,

várias rupturas maiores dividem a longa história das maneiras de ler.

Elas colocam em jogo a relação entre o corpo e o livro, os possíveis

usos da escrita e as categorias intelectuais que asseguram sua

compreensão (CHARTIER, 1999, p.77)

A gênese da leitura

Na epígrafe deste texto, Chartier (1999), nos chama atenção para aspectos ligados a história da

leitura e formas de ler, reconhecendo seus usos, decodificações e representações que foram

ganhando novas feições no decorrer do tempo devido às práticas sociais e ao desenvolvimento

das técnicas responsáveis pela reprodução do material escrito.

Desde as primeiras culturas, partindo das tabuinhas de barro, chegamos ao livro em forma de

rolo, texto disposto em um pergaminho que o leitor segurava com as mãos para realizar a

leitura. Os textos eram manuscritos horizontalmente no rolo, distribuídos em colunas e

armazenados nas bibliotecas dos grandes palácios ou em complexos que entraram para a

história. Posteriormente, com a evolução da escrita e da leitura, em detrimento do livro em

forma de rolo, surge uma nova forma de leitura e escrita chamada códice que consiste em:

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[...] folhas de papiro dispostas em cadernos que se assemelhavam ao

livro moderno [...]. As folhas eram dobradas um certo número de

vezes, o que determinava o formato do livro. Os cadernos formados a

partir das folhas dobradas eram montados, costurados uns aos outros e

finalmente encadernados (CHARTIER, 2002, p. 23).

Considerado como nova materialidade da escrita, o códice permitiu aos leitores uma

nova forma de lidar com o texto, tornando mais fácil e agradável a sua manipulação,

além de reduzir os custos de fabricação pela possibilidade de utilização de frente e verso

da página e redução das margens, o que permitiu uma maior quantidade de textos ser

compilada em volumes menores.

Segundo Chartier (2002), na Antiguidade o leitor realizava a leitura para os outros e para si

mesmo em voz alta. Essa forma de leitura permitia um maior entendimento por parte do leitor e

a comunicação do texto aos que não sabiam decifrá-lo, no caso, a maior parte da população. A

leitura associava texto, voz, declamação, escuta e compreensão.

Desde a Antiguidade, ler em voz alta tem basicamente dois propósitos.

De um lado uma função pedagógica: demonstrar que se é um bom

leitor, lendo em voz alta, constitui um ritual de passagem obrigatório

para os jovens que exibem seu domínio de retórica e do falar em

público. Por outro lado um propósito literário: ler em voz alta é para o

autor, colocar um trabalho em circulação, “publicá-lo” (CHARTIER,

2002, p. 21-22).

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Percebe-se então a dupla função da leitura em voz alta: passar informações sobre aquilo que

estava escrito àqueles que não sabiam decifrá-lo e socializar os indivíduos em torno dos livros,

seja na intimidade familiar ou na convivência letrada.

É interessante perceber a sobrevivência dessa prática na fala de algumas das professoras

entrevistadas, como Z.G.C. que lia para o pai um jornal que ele, apesar de analfabeto, assinava

“e que vinha falando de chuva, de preço de gado, de preço de feijão, das coisas do sertão”.

Assim como nos tempos antigos, o ato de saber ler dava legitimidade e reconhecimento social

aos que conseguiam decifrar os manuscritos. Z.G.C demonstra ainda hoje a satisfação que sentia

ao reunir ao seu redor as pessoas para as quais lia, principalmente o irmão mais velho que

morava em outra cidade e vinha passar as férias em casa:

a novidade maior que eu tinha para apresentar não era as bonecas,

porque ele não gostava das minhas bonecas, era o que...ler pra ele

escutar e aí eu criei o gosto pela leitura e até hoje eu sou uma leitora

assídua de jornal, eu não durmo sem ler jornal todos os dias (Z.G.C.).

A dificuldade de decodificação decorrente da precariedade da escrita e da inexistência de uma

política de Estado voltada para a educação, algo que só veio a acontecer na modernidade, constituiu-

se como fator preponderante para a realização da leitura em voz alta. A voz do leitor era colocada a

serviço do texto escrito, dando-lhe sentido. Esta modalidade de leitura estendeu-se até o século XVI

dando lugar a partir daí à prática da leitura silenciosa concomitantemente à prática da leitura em voz

alta. De acordo com Chartier (2002), a leitura em voz alta permanecia como uma prática freqüente,

pois era uma das formas fundamentais de sociabilidade familiar, erudita, mundana ou pública. Ler e

ouvir eram praticamente sinônimos.

Para Chartier (2002, p. 23) a passagem da leitura oral para a visual foi uma das múltiplas

revoluções pelas quais passou a história da leitura.

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O aparecimento da modalidade de leitura visual, silenciosa, foi uma

conquista gradativa, que podemos dividir em três períodos decisivos:

o abandono da leitura oralizada e a adoção da leitura em silêncio

ocorreu, durante os séculos IX e XI, no interior dos mosteiros

medievais; no séc. XIII a nova modalidade de leitura foi difundida no

mundo universitário; finalmente, durante a metade do século XIV, a

nova maneira de ler ganhou o círculo da aristocracia laica (FREITAG,

2005, p.15).

Durante muito tempo, a leitura ficou atrelada e a serviço do clero, mas em meados do século

XVI, com o aumento das atividades comerciais e manufatureiras, que provocou o crescimento

das zonas urbanas, a igreja começou a perder, pouco a pouco, o poder sobre o ensino. A escrita

avançou além dos limites da igreja, chegando também ao alcance dos leigos.

Na passagem da oralidade para a leitura silenciosa, foi decisiva a facilidade de impressão

desenvolvida após o aprimoramento dos tipos móveis por Gutemberg. Além de possibilitar uma

maior produção de material para leitura, o impresso deu ao leitor a chance de recolhimento e

individualismo no ato de ler. Se na Idade Média, os livros eram produzidos de maneira artesanal

pelos monges copistas nos mosteiros, com a prensa de Gutemberg a confecção de um livro

tornou-se mais rápida e mais barata. E não apenas o livro, mas também folhetos e panfletos que

alcançavam um número bem maior de leitores, além de estimular os não-letrados a aprender a

ler. Sobre estas mudanças, Dias aponta:

[...] a comunicação escrita e o modo de transmissão dos textos

sofreram profundas mudanças com a imprensa. A quantidade de livros

e cópias produzidos aumentou significativamente, e o leitor passou a

ter maior acesso a teorias e conhecimentos, antes restritos aos mestres

encarregados de interpretar os manuscritos e repassar seu conteúdo

aos discípulos (DIAS, 1999, p. 26).

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O acesso de todos à cultura escrita passa a ser uma necessidade com o desenvolvimento

econômico. A burguesia pressionava por mais escolas e por um ensino mais moderno, mais

prático e voltado para as necessidades cotidianas. Ao contrário das escolas católicas,

extremamente voltadas para o ensino especulativo, as escolas burguesas tinham currículos

voltados a disciplinas que possibilitassem aos seus filhos o controle e a administração dos seus

negócios.

A partir do século XVI, a Reforma protestante deu novo impulso à expansão da leitura. O

conhecimento dos textos bíblicos levou a uma pressão dos reformadores pela alfabetização da

população que se concretizou na criação de intuições educacionais, como escolas primárias,

liceus e universidades. Nesse contexto, as mulheres tiveram maior acesso ao estudo formal,

ainda que sua formação estivesse restrita a conhecimentos mais voltados para seu papel de

esposa e mãe condutora da formação moral de sua família.

No século XVII, as leituras se diversificaram e deixaram de ser apenas voltadas a conteúdos

sacros. Houve uma invasão de obras profanas, formando dois tipos de leitores representantes de

duas concepções de leitura: um, de resistência da tradição oral que faz do livro de leitura

elemento de coesão familiar, leituras sacras feitas oralmente no coletivo, a voz velada da escrita;

o outro, do leitor solitário e silencioso, a escrita como uma linguagem para os olhos.

Entre os séculos XVII e XVIII, os Iluministas trazem o ideal de igualdade e a crença no poder

progressista da ciência e a expansão do conhecimento, investe na educação das massas, em

busca de uma sociedade mais justa. A prática da leitura silenciosa e individual foi consolidada,

o que possibilitava certa intimidade, uma relação mais livre e secreta com o escrito. O livro

torna-se um grande companheiro do leitor nas horas de solidão. “[...] o leitor individual insinua

seus significados e objetivos dentro do texto de outrem. Cada leitor individual tem meios

silenciosos e invisíveis de subverter a ordem dominante da cultura de consumo” (LYONS,

1999, p.11).

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No século XIX, apesar do formato do livro estar cada vez mais padronizado, com distribuição

mais ampla e preço mais barato, a prática da leitura como atividade social persiste,

especialmente nas camadas populares, pois, “[...] a leitura constituía uma experiência mais

privada para o pequeno número de pessoas cultas que podiam se dar ao luxo de comprar livros”

(DARNTON, 1996, p.158).

A partir daí, o livro passou a ser considerado como produto cultural, com uma grande expansão

da produção para o público, com interesses variados para todas as classes sociais. Isso implicou

num aumento significativo dos livros nas áreas técnicas e científicas, sendo o grande sucesso da

época a popularização do romance e do jornal, com elevado número de leitores.

Sobre a leitura de jornais, nossas professoras remetem com muita freqüência a esse hábito

familiar realizado principalmente pelos pais que, mesmo sem muita instrução formal, eram

leitores assíduos dos periódicos baianos. Antes mesmo de ter acesso ao livro, as entrevistadas já

estavam familiarizadas com os jornais, até pelo habito de ler para seus pais, hábito este que

persistiu até a idade adulta. “O projeto de uma sociedade letrada, a valorização da leitura como

sinal de instrução e como forma de socialização, em meados do século, são valores que

percorrem essa sociedade” (MOYSÉS, 1995, p. 53).

O analfabetismo ainda se apresentava como um problema premente no século XX. Contudo, os

índices de alfabetização cresciam lentamente, passando a leitura a ser mais valorizada e

reconhecida.

A alfabetização é concebida como conhecimento básico, necessário a

todos num mundo em transformação em sentido amplo, é um direito

humano fundamental. Em toda a sociedade, a alfabetização é uma

habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o

desenvolvimento de outras habilidades. Existem milhões de pessoas, a

maioria mulheres, que não têm a oportunidade de aprender (...). A

Alfabetização tem também o papel de promover a participação em

atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além de ser

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requisito básico para a educação continuada durante a vida

(DECLARAÇÃO DE HAMBURGO, 1999, p.23).

Percebemos que existia ainda um abismo entre o projeto de civilização letrada e sua

concretização, já que uma boa parte da sociedade não possuía acesso à instrução básica.

Devemos também estar atentos para a sociedade altamente industrializada do século XX na qual

a qualificação profissional em busca de alta produtividade exigia um nível intermediário de

conhecimento, o que levará à criação de políticas públicas de acesso à educação básica.

Com a evolução da sociedade, da ciência e da tecnologia, a comunicação através da escrita sofre

modificações, ampliando-se a cada dia, de acordo com as vivências e experiências advindas da

sociedade de informações, a demanda em relação à capacidade de leitura aumenta

proporcionalmente. Para Chartier (2002), esta revolução da leitura veio redefinir concepções de

escritor e leitor e de todos os instrumentos usados até então para caracterizar o mundo escrito.

Devemos pensar que nós estamos às vésperas de uma mudança

semelhante e que o livro eletrônico substituirá ou já substituindo o

codex impresso tal como nós o conhecemos em suas diversas formas:

livro, revista, jornal? Mas o mais provável para os próximos decênios

é a coexistência, que não será necessariamente pacífica, entre duas

formas do livro e os três modos de inscrição e de comunicação de

textos: o manuscrito, o impresso, o eletrônico. Esta hipótese é sem

dúvida mais razoável que as lamentações sobre a irremediável perda

da cultura escrita ou os entusiasmos sem prudência que anunciam a

entrada imediata de uma era da comunicação (CHARTIER, 2002, p.

10).

De acordo com Chartier, caminhamos para a coexistência de formas diferentes de

comunicação de textos cuja convivência será conflituosa por conta de diversos fatores,

inclusive os interesses econômicos que definirão qual formato predominará para as

gerações futuras. Entre o abandono do livro, como tem sido conhecido desde a

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modernidade e a adesão encantada com a tecnologia dos e-books, o maior desafio é o

desenvolvimento de competências que permitam transitar entre as variadas formas de

escrita atualmente disponíveis.

Traçando concepções sobre leitura

No decorrer de sua trajetória de vida, o sujeito constrói ativamente seu saber, sendo o livro um

dos instrumentos possibilitadores dessa construção por ser uma das mais importantes expressões

da cultura humana. Nesse universo, a leitura configura-se como uma prática social que

possibilita ao indivíduo entrar em contato com informações e concepções construídas por outros

e também por ele mesmo, referentes à realidade, o que pode vir a colaborar para um processo de

desenvolvimento da humanidade, mas também, dependendo de qual grupo social tenha seu

controle, funcionar como mecanismo de controle e opressão. Neste último caso, o propósito de

encantar e possibilitar a “entrada” em outros universos que a leitura possui perderia o sentido.

Longe de serem escritores, fundadores de um lugar próprio, herdeiros

dos servos de antigamente, mas agora trabalhando no solo da

linguagem, cavadores de poços e construtores de casas, os leitores são

viajantes; circulam nas terras alheias, nômades caçando por conta

própria através dos campos que não escreveram [...] (CERTEAU,

1998, p. 129).

Considerada por alguns autores como fator relevante para o desenvolvimento social, a leitura se

reveste como ferramenta essencial ao processo civilizatório e, conseqüentemente, para o

desenvolvimento social, apresentando-se em todas as épocas e em lugares distintos sob diversas

dimensões, rompendo paradigmas através dos tempos. Sobre esse aspecto, Zilberman (2000, p.

90) enfatiza que “a literatura se produz em nome dela, porque seu efeito é esse: compete-lhe a

emancipação da humanidade de suas amarras naturais, religiosas e sociais, papel que se efetiva

por conseqüências da leitura“.

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A importância da leitura na ampliação de apreensão do mundo e construção de mecanismos de

transformação pode ser apreendida na fala das entrevistadas. Perguntada sobre qual o significado

da leitura, a professora E.M.S. evidencia o quanto ler foi fundamental para enriquecer sua

experiência de vida. Nascida numa família pobre, começou a trabalhar muito cedo, criança ainda,

ajudando a mãe nas tarefas da sobrevivência cotidiana, o que, segundo ela, ofuscou um pouco

“aquele sonho de criança, aquele mundo maravilhoso e fantástico” da infância. Por isso, uma

relação mais próxima com os livros só foi estabelecida já na idade adulta, por conta das exigências

de sua profissão, daquele momento de sua vida como educadora na qual precisou aprofundar os

conhecimentos adquiridos na faculdade “porque, a gente passa pela escola e a escola não nos

prepara para sermos profissionais, a escola nos prepara pra ter um diploma e sair dela dizendo: eu

tenho uma formação” (E.M.S).

A partir daí, sua relação com a leitura se intensificou, ultrapassando os limites da qualificação

profissional e se tornando uma experiência pessoal única. Para ela, a leitura abre:

as nossas comportas pra ver o mundo com todas as belezas e

diversidades que ele tem. Quando você lê, você sai de si e entra num

universo, um universo que é múltiplo, que é bonito, que tem, é...

Dentro dessa diversidade um conteúdo fantástico que a gente ainda

não foi capaz de apreender, de compreender, mas que a leitura vai lhe

dando passos e passos para que você chegue lá (E.M.S.).

A professora M.C.G. também considera o ato de ler uma forma de expansão de conhecimento.

No seu caso, a apreensão da leitura deu-se antes mesmo de seu ingresso na escola, já que sua

relação com os livros foi construída ao longo da primeira infância graças ao estímulo paterno.

Desde então, a leitura constituiu-se também em estratégia de ampliação de horizontes e

aquisição de conhecimento: “a gente conhece, a gente busca o conhecimento através da leitura,

a gente sai da ignorância, só na leitura é que se encontra o caminho real de todas as situações.”.

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Para a professora M.L.S. “a leitura é formativa, a leitura ajuda você a formar opinião, a mudar

de opinião, a leitura também ajuda na profissão, no conhecimento e a palavra exata é formação,

a leitura forma o sujeito, né?”

São muitos os aspectos que entram em consideração para conceituar a leitura e suas

implicações; eles enlaçam questões teórico-epistemológicas de interpretação e abordam a

produção de sentido em práticas sociais, políticas, culturais, históricas e éticas nitidamente

imbricadas no tecido da vida social. Por isso, tratar a leitura sob estes diversos aspectos ainda é

uma complicada tarefa.

O conceito de leitura tem sido ampliado nos últimos anos, já que outrora era considerada como

recurso de decodificação de mensagem. A ampliação desse conceito conduziu a leitura a se

tornar um dos elementos essenciais para a formação integral dos indivíduos.

A leitura vem se constituindo como fonte de preocupação de diversos autores e estudiosos que

se debruçam em suas pesquisas com diferentes recortes teóricos e objetivos para desvendar suas

diversas nuances e aprofundar seus estudos. Motivada, relatada, descrita, por vezes recusada,

ora exaltada, denunciada como uma forma de opressão e controle ou de liberdade de

pensamento e autonomia crítica, a leitura aparece nas falas de nossas professoras com variadas

facetas. M.C.S. afirma que só no início da idade adulta pode “experimentar” o gosto pela leitura

já que sua relação com os livros na escola foi cerceada pela influência religiosa. Aluna de escola

confessional católica, a leitura para ela:

era só obrigação de nota, de saber, de aprender...Os livros eram

escolhidos pelas freiras que diziam: isso não pode...isso não pode...Era

uma censura, e então...ela dava uma relação de livros que a gente

podia...e tinha aqueles livros que a gente não podia nem olhar o

titulo... (M.C.S.).

Além das limitações impostas pela escola, cuja biblioteca só era de acesso livre às “meninas

mais adiantadas”, a falta de condições econômicas de sua família impossibilitava a aquisição

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de obras não acessíveis na escola, já que “os livros que a gente tinha eram os livros que meu pai

comprava no colégio pra série seguinte” (M.C.S.).

Dessa forma, a leitura na infância e na escola para M.C.S. foi uma forma de controle e opressão

da liberdade de escolha das obras a serem lidas, permeada pela ideologia religiosa. Aliada a

isso, as questões econômicas que impossibilitaram uma presença mais constante do livro no

contexto doméstico.

Ao contrário, F.L.B. teve no livro um companheiro constante na sua casa de menina nascida

numa família de classe média. A professora não conheceu o pai e cresceu cercada de mulheres

independentes como a mãe, que trabalhava fora, e uma tia médica. Tia, aliás, de quem recebia

um conselho que moldou sua construção enquanto leitora: “uma tia que eu tinha que era

professora. Era médica, as ensinava e ela era quem me dava muito livro e dizia: Leia, toda vez

que você tiver sem ter o que fazer, pegue um livrozinho de história e leia”.

E assim, para seguir o conselho da tia, a menina ia longe: “[...] e quando eu era pequena eu era

capaz de andar uma milha pra pedir um livro emprestado pra ler. (risos). Entendeu?”

Além de “andar uma milha” até a biblioteca do ICEIA, a menina ainda recebia da tia livros de

presente,

aqueles livrinhos pequenos... “A borboleta amarelinha”..., eram livros

assim...a “Serpente negra”... Eram livros pequenininhos assim... que se lia

num instante, mas eram muito importantes. E eu não perdia esses livros

todos de histórias, assim que eu lia (F.L.B.).

As histórias de vida reveladas nas entrevistas deixam claro que as leitoras não colhem um

resultado dado pelo texto, mas o produz, tendo em vista toda sua historicidade, conhecimentos e

ideologias. O ato de ler é, dessa forma, puramente dialógico, e caracteriza-se por uma situação

de interação verbal, isto é, o sujeito interage com o texto, resgatando tudo que conhece, as

outras leituras realizadas, para a construção do sentido. E na busca pela significação, os leitores

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se orientam não apenas por seus objetivos e necessidades, mas também por suas experiências de

vida, seus conhecimentos anteriores sobre o mundo, e ainda sobre a língua e a escrita, como no

caso do reconhecimento instantâneo e global das palavras ou de sua decodificação. São

conhecimentos como estes que permitem aos leitores a realização de várias estratégias de leitura

que fazem parte das práticas histórico-sociais como previsão, inferências, através das quais a

significação será produzida.

Segundo Pinto (2001, p. 71), “a prática de leitura é compreendida como uma prática

sociocultural de uma dada sociedade, em um determinado momento histórico”, ou seja, os

processos de leitura e escrita são práticas socioculturais que se realizam por intermédio das

relações entre os sujeitos, possuindo um papel importante para as relações de poder e da própria

construção de identidade dos sujeitos.

Um dos aspectos relacionados à prática de leitura é a construção de sentidos. De acordo com

Soares (2004, p. 52-60), a prática de leitura é o ato de ler que é compreendido em seu sentido de

produção de significados e, por essa razão, abarca as possibilidades de utilização de diversas

linguagens. Considera que o gosto pela leitura se constrói por meio de um longo processo em

que os sujeitos desejantes encontram nela uma possibilidade de interlocução com o mundo:

a leitura se trata de uma janela por onde acessamos séculos de

conhecimento. Ler, entender, refletir, transformar. O livro é o

passaporte para aprender a ler o mundo, viabiliza conquistas

individuais e coletivas, inspira transformações e dão voz às

idéias (HAMMOUD, 2003, p. 12).

Para compreendermos melhor como a leitura pode ser definida, Lopes (1998) nos remete a três

concepções. Inicialmente, a leitura é concebida como decifração da escrita a partir da

identificação de sinais gráficos, do som e do sentido. Em uma segunda concepção, a leitura

deixa de ser um objeto mecânico, extrapolando o processo de decifrar a escrita, tornando-se uma

ação cognitiva através da qual extraímos o sentido do texto. E, finalmente, considera a leitura

como um fenômeno social, vista como um processo de interpretação. Ler é interpretar com os

próprios olhos, a partir de uma perspectiva e da experiência pessoal.

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Semelhante concepção transparece na fala da professora N. S. S. que ainda tem o livro infantil

“João e Maria” como uma obra marcante na sua vida e atribui esse significado a sua própria

infância. Nascida numa cidade do interior, peregrinou com a mãe e com a irmã até Feira de

Santana, cidade mais desenvolvida, em busca de tratamento para a grave doença materna. Em

Feira, a mãe faleceu, deixando as duas meninas sob a responsabilidade de uma madrinha. A

partir daí, a condição de orfandade, solidão e abandono levaram a menina a se identificar com

os órfãos do livro dos irmãos Grimm, o que ela acaba reconhecendo já na maturidade, durante a

entrevista, ao ser perguntada sobre o livro que mais marcou sua vida:

A história de Joãozinho e Maria. (risos) Porque eu acho que até hoje

ela ainda, ela ainda vive não é isso? Essa, essa história de João e

Maria tinha muita coisa a ver comigo, da pobreza da fome que

passavam... Então ela, ela tinha uma identidade comigo, esta história.

(N.S.S.).

Sobre as diversas possibilidades que o texto nos apresenta, nossas educadoras são enfáticas ao

afirmar que a leitura é indispensável na construção de um sujeito autônomo capaz de

transcender os limites dos códigos lingüísticos ao possibilitar a aquisição de diferentes pontos

de vista e alargamento de experiências: “não pode ser só a leitura do livro didático, a leitura da

escola, a leitura do mundo, é necessário que a leitura tenha uma razão, uma função social, que

torne o indivíduo mais crítico e mais autônomo frente a sociedade.” (Z.G.C.).

Eu sempre achei que a leitura e a escrita são muito importantes na

nossa vida porque você fazendo leitura você está lendo o mundo.

Quem lê e quem lê interpretando está fazendo a leitura de mundo.

(N.S.S.).

As reflexões de Freire (2006) e de Silva (2002) são pioneiras ao afirmarem que a leitura não é

“decodificação” da escrita e que a mesma não é um processo que se inicia e acaba de maneira

pontual no momento da alfabetização. A leitura se dá a partir da decodificação e interpretação

de muitas outras linguagens que não apenas o registro escrito da língua materna.

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Freire, em A importância do ato de ler, apresenta a sua própria experiência de aprendizagem da

leitura e aponta para a relevância de uma prática leitora anterior à alfabetização: a “leitura de

mundo”. “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não

possa prescindir da continuidade da leitura daquele” (FREIRE, 2006, p. 11).

Diante das grandes transformações que a sociedade vem sofrendo em sua estrutura social,

cultural, econômica e política, a prática de leitura desenvolvida pelo professor tem grande

relevância para a formação do sujeito como cidadão crítico e autônomo, capaz de atuar na

sociedade, de maneira a transformá-la. Para que esta metamorfose se efetive, importante se faz

proporcionar momentos de reflexão e discussão, como salienta a professora e orientadora

educacional C.L.P. ao buscar através de atividades com seus alunos,

levá-los a refletir, em cima daquilo que estava sendo discutido, e era

isso que eu queria... eu queria alunos reflexivos... que soubessem

questionar, um questionamento consciente... não questionar por

questionar! E eu tava conseguindo isso, então, é...eu procurava levar

muito eles a isso, através... de diversificadas atividades (C.L.P.)

Nossas entrevistadas são unânimes em afirmar que o binômio família-escola é imprescindível

para a formação de uma geração de leitores, pois “o fato da leitura ligar-se muito intimamente

ao projeto educacional e à própria existência do indivíduo” (SILVA , 1981, p. 45), revela que o

ato de ler deve fazer parte do cotidiano do sujeito, levando-o a compreensão e ao conhecimento

de outros mundos e outras idéias.

Com relação ao núcleo familiar, a pressão que uma sociedade cada vez mais competitiva tem

exercido sobre as famílias, nem sempre tem permitido que a leitura desfrute de espaço

privilegiado como muitas vezes ocupou na vida de nossas entrevistadas, principalmente na

infância. Filhas de uma geração na qual a participação da mulher no mercado de trabalho era

bem menos expressiva, ainda que a lida doméstica lhes tirasse muitas horas a serem degustadas

em atividades voltadas a seu desenvolvimento intelectual e até mesmo a auto-realização,

percebemos a preocupação com a influência da família na formação de uma nova geração de

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leitores e leitoras. Tarefa que muitas buscam exercer em lugar de pais e mães por desfrutarem,

no caso das aposentadas, de tempo livre na companhia de seus netos e netas, como E. M. S., que

estimula seu neto de seis anos nas leituras em casa, junto à família, reproduzindo papéis que

foram de seus próprios pais.

Sobre a prática cultural da leitura, Chartier chama atenção para o fato que

[...] cada leitor, a partir de suas próprias referências, individuais ou

sociais, históricas ou existenciais, dá um sentido mais ou menos

singular, mais ou menos partilhado, aos textos de que se apropria.

Reencontrar esse fora-do-texto não é tarefa fácil, pois são raras as

confidências dos leitores comuns sobre suas leituras (CHARTIER,

1996, p. 20-21).

Nesse sentido, pode-se dizer que a leitura é uma prática cultural. Através da linguagem ocorrem

as representações e os pensamentos, donde se entende que a prática cultural implica no traço

singular que cada indivíduo atribui à leitura: emoção, paixão, desejo, interesses e também o

caráter técnico.

Fica claro nas nossas entrevistas, os múltiplos significados da leitura. Segundo V.R.V.,

professora do ensino fundamental entrevistada na escola onde trabalha há oito anos, a prática da

leitura possibilita transcender os limites do cotidiano. Para ela, a leitura é uma viagem, “uma

viagem maravilhosa!!! Você viaja por dentro de uma pessoa, você viaja para outros lugares.

Você viaja, viaja, viaja, de qualquer forma você viaja.”.

A Professora E. M. C., aposentada após 31 anos de magistério dedicados a alfabetização, define

a leitura como “o alimento para a alma, alimento para o cérebro”. Ao definir a leitura, ela deixa

claro que “a leitura enriquece a alma, enriquece o conhecimento”. A professora atribui à pratica

da leitura o enriquecimento do vocabulário, a ampliação do conhecimento e conclui afirmando

categoricamente que “a pessoa que não lê é um surdo, um cego, a pessoa que não lê não... não

cresce na vida!”.

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Sendo a leitura um fenômeno dinâmico, a sua prática pressupõe um ir além do texto, da

linguagem que ele expõe. A leitura é “um processo permanente de constituição e reintegração,

dependente das constelações de interesse em que os indivíduos que o produzem estão inseridos”

(FREITAG, 2005, p. 15). Daí o ato de reflexão, de crítica e de reconstituição entre o leitor e o

texto constituem-se como aspectos de produção de conhecimento.

Face ao que foi apresentado, percebe-se que a leitura tem sido fonte de estudos e discussões

sobre diferentes vertentes ainda que esteja carente de maiores aprofundamentos e investimentos

na busca de uma saída para a crise em que se encontra. Caracterizada como a principal forma de

construção de opiniões, é emergente a criação de políticas sociais e educacionais mais

contundentes, voltadas para a elevação do grau de letramento da população, e,

consequentemente, a inserção de um indivíduo mais crítico na sociedade.

Considerações Finais

Ao longo da história, a leitura apresenta várias nuances e desempenha diversos papéis

constituindo-se como um elemento que vem influenciando o desenvolvimento do

homem, tornando-se uma das grandes responsáveis pelas transformações ocorridas na

sociedade.

Os olhares diferenciados para as diversas formas de informação que chegam são frutos de uma

sociedade e sujeitos plurais. Estas informações têm significados e significantes próprios a cada

sujeito que, ao interagir com o meio social, estabelece condições específicas para seu

entendimento dessas informações e determina como se relacionar com os outros sujeitos

inseridos nessa dinâmica que é a vida.

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Neste contexto, a leitura configura-se como um instrumento, um ato que possibilita ao

sujeito a abertura para o mundo. A cada inserção nas páginas dos livros, o sujeito

emerge-se vendo o universo interior e exterior com mais claridade. A leitura constitui-se

como a principal forma de se construir opiniões próprias, de estabelecer vínculos e

fornecer embasamento, possibilitando a construção de sentido, nos impulsionando a

pensar, a projetar um agir e a efetivar ações reflexivas e distintas.

Entendemos que as experiências que os sujeitos adquiriram com as leituras realizadas

no decorrer do seu desenvolvimento serão determinantes no seu desempenho e na

aprendizagem em geral, bem como inserção social. Por isso, essas experiências

precisam ser interessantes, válidas e agradáveis de modo que o sujeito sinta que vale a

pena se esforçar para aprender a ler. O processo inicial de reconhecimento de palavras

se converte em uma leitura de conteúdos significativos e ocupará um lugar importante

na vida do mesmo.

Referências

CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: as artes do fazer. Petrópolis, Vozes, 1998.

CHARTIER, Roger. A Aventura do livro : do leitor ao navegador. São Paulo: Editora UNESP/

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DARNTON, Robert. A leitura rousseauista e um leitor “comum” no século XVIII. In: Roger

Chartier (org.). Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.

DIAS, Claudia Augusto. Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais. Revista Ciência da

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FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 22. ed. São

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FREITAG, Bárbara. Dialogando com Jurgen Habermas. Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro,

2005.

HAMMOUD, Alex. É preciso ler para ser feliz. A Gazeta Opinião. Foz do Iguaçu, 30

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LOPES, Luiz Paulo. Oficina da Lingüística Aplicada: a natureza social e educacional dos

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INDISCIPLINA EM SALA: O PAPEL DO PROFESSOR E DO ALUNO

Marinalva Mota dos SANTOS*

Eliete da Silva BARROS**

Resumo: Atualmente a indisciplina tornou-se um dos problemas mais preocupantes no contexto

escolar. E um dos aspectos onde podemos perceber a concretização desta afirmação, está na

relação entre docente, discente e da família. Diante desta realidade este artigo se propõe a

discutir sobre indisciplina e o papel de cada indivíduo dentro desta questão, muito visível e

presente no cotidiano escolar, causando interferências danosas no processo de ensino

aprendizagem. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, a partir da leitura de textos

e de livros trabalhados durante o período da graduação.

Palavras Chave: Indisciplina – Professor – Aluno – Escola.

* Licenciada em Pedagogia - Faculdade Dom Pedro II.

** Mestre em Ciências Sociais – UFBa; Licenciada em Pedagogia – UFBa; Coordenadora do curso de

Pedagogia da Faculdade Dom Pedro II.

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Introdução

As situações de conflitos ou de desconforto que acontecem na escola, tais como: conversas

paralelas e a falta de interesse dos alunos, que dificultam a ocorrência da aula, vêm sendo de

maneira generalizada, definida com a terminologia indisciplina. Mas o que vem a ser

indisciplina? De acordo com o dicionário Aurélio (1989) é a: “Falta de disciplina;

desobediência”.

Compreender a indisciplina no ambiente escolar (principalmente na sala de aula) é vital, uma

vez que os problemas nas relações humanas interferem na apreensão dos conteúdos e,

conseqüentemente, na aprendizagem significativa. Sendo assim a fim de melhorar as relações

entre professor e alunos e sua relevância para o processo ensino-aprendizagem trataremos dos

papéis dos educando e educadores. Norteando a prática educativa, perpassando por atitudes

proativas e pela relação educador - educando numa abordagem humanista.

Indisciplina

É grande o desafio que os educadores têm encontrado em relação à indisciplina em sala de aula,

tanto na particular quanto na pública. Esta questão de indisciplina tem sido debatida nos

congressos pedagógicos, a mesma tem ocupado cada vez maior, do cotidiano escolar no país.

Atualmente, a escola vive uma situação de tensão e conflitos permanentes que rodeada de

problemas destacando-se entre a falta de limites dos alunos, tem sido principal alvo de discussão

entre diversos educadores.

É importante ressaltar, incluindo brigas corporais, agressividades, pais usuários de drogas e

níveis socioeconômicos e cultural menos favorecidos são fatores que aumentam o risco para

piora do quadro e futuro desenvolvimento do transtorno de conduta na adolescência.

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Entretanto, outras crianças são agressivas e rejeição no grupo de amigos de escola, salas de

aulas superlotadas, professores despreparados, negligentes, inábeis para lidar com situações-

problema, com dificuldade em aplicar a disciplina e em lidar com alunos com problemas

comportamentais em sala de aula podem favorecer o surgimento ao transtorno.

.

A indisciplina se manifesta no corredor, durante os intervalos, na sala de aula, nas visitas, nos

eventos da escola, na entrada e na saída conversas paralelas, na dispersão durante a aula.

Através da não participação, quando usa boné, quando sujam as cadeiras e paredes etc. Segundo

Vasconcelos,

Todas as manifestações perturbam o educador e toda a conjuntura

escolar, mas se compararmos esta indisciplina com indisciplina social,

como fome, mortalidade infantil, desemprego, corrupção, assalto,

seqüestro, neonazismo, violência no trânsito, pichações, depredações,

lixo no chão, extermínio de crianças, impunidade, etc., a indisciplina

escola não parece tão grave (2000, p. 15).

A indisciplina na sala de aula

O relacionamento entre professor e aluno perpassa por aspectos que influencia na aprendizagem

do aluno. Entre estes aspectos destaca-se uma das maiores queixas dos profissionais da

educação ao longo dos anos: a falta de interesse dos alunos e a dificuldade destes educadores em

transmitir conteúdos programados para o ano letivo, como é necessário dentro do currículo de

uma determinada série.

A falta de interesse e compromisso que os alunos apresentam com aprendizado, a postura desses

na sala de aula, os xingamentos, agressões verbais e até físicas que ocorrem nas salas de aula

constantemente é na maioria das vezes resultado de uma participação da família junto ao

contexto escolar. Essas dificuldades de relacionamento, a postura agressiva apresentada pelos

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alunos tem crescido nos últimos tempos e com isso dificultando o aprendizado nas instituições.

A questão da indisciplina nas escolas é antiga. Foucault (1987) em seu livro Vigiar e Punir

descreve as regras nas escolas. No inicio do Século XVII, a indisciplina nas escolas era imposta

como forma de adestramento, técnica usada com o objetivo de obter maior controle dos alunos.

A indisciplina é uma técnica específica uma forma de se obter um poder absoluto, tornando o

individuo um objeto, instrumento de fácil manipulação. Mas sua precisão depende de uma

vigilância constante, não por livre e espontânea vontade e sim por imposição de um individuo

sobre outro. De acordo com a Revista Nova Escola (01/2002):

A discussão sobre a indisciplina na sala de aula também passa pela

diferença entre autoridade e autoritarismo. A autoridade é algo que se

constrói, ou seja, ter autoridade é diferente de ser autoritário. Atitudes

ameaçadoras e promessas de castigos são inúteis. O estudante precisa

aprender a noção de limites e para isso é necessário que eles percebam

que para todos os seres humanos sem exceção há direitos e deveres.

Essas discussões têm crescido entre os docentes no sentido de esclarecer até que ponto a

indisciplina interfere e atrapalha o aprendizado e se apenas os alunos de são responsáveis pela

bagunça e falta de interesse nas salas de aula. Na reportagem, um profissional expressa que o

professor não pode se colocar na mesma posição do jovem, encarando a indisciplina como

agressão pessoal. Ele precisa agir com firmeza. Precisa desempenhar seu papel mostrando mais

disponibilidade para o diálogo sobre objetivos e limitações, mostrando ao aluno o que a escola e

a sociedade esperam dele.

Candau organizadora do livro Rumo a uma Nova Didática, cita na mesma entrevista alguns

professores de diferentes instituições com problemas de indisciplina na sala de aula:

Uma certa ordem que temos que ter dentro da sala de aula e na vida

também. Ordem em termos de comportamento e organização. A

indisciplina na sala é essencial para que haja o bom desempenho no

aprendizado dos alunos e no trabalho dos professores (1990, p. 17).

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Candau (1990), ainda faz referência a Freinet (1987), e propõe uma educação direcionada para o

trabalho respeitando as diversidades e os interesses dos alunos. Estes deverão realizar seus

trabalhos segundo as necessidades escolares e comunitárias. Para Freinet (1987), a indisciplina é

um instrumento dinâmico. É equilíbrio na ação harmoniosa no gesto de comunhão no trabalho.

O papel do professor

É notório que o processo educativo não começa na escola e sim no ambiente onde o sujeito

interage inicialmente com outras pessoas, a família. No entanto, é na instituição escolar e

através das relações interpessoais que os indivíduos adquirem habilidades e competências que

contribuirão diretamente para o desenvolvimento da aprendizagem. Segundo Barone,

[...] devemos considerar que a aprendizagem tem papel fundamental

na construção do sujeito humano, que ela se dá sempre pela

intermediação de uma outro, primeiro pela mãe, lugar de excelência,

depois pelos demais representantes da cultura, como por exemplo, a

comunidade na qual vive e na escola (2002, p. 61).

Portanto, destaca-se que na instituição escolar, é de suma importância o papel que o professor

exerce como facilitador da aprendizagem. Partindo disso, surge a necessidade do professor levar

em consideração alguns fatores essenciais na sua postura, tais como: respeitar o aluno como

pessoa, para que seja respeitado; manter relação cordial com os educandos; criar clima

prazeroso a fim de que as aulas não sejam monótonas; levar em consideração aspectos

cognitivos e afetivos como algo preponderante na aquisição do saber, durante todo processo;

utilizar métodos e didáticas inovadoras e lúdicas; trabalhar os conteúdos programáticos

relacionando-os com a vida prática, resgatando conhecimentos prévios.

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Assim sendo, salienta-se que o educador precisa ter uma visão macro, entendendo que diversos

fatores (bio-psico-social) interferem na dinâmica do ensino e da aprendizagem.

[...] a nossa autonomia reside em conhecer racionalmente as leis,

compreender que elas representam a ordem das coisas do mundo

físico. Por conseguinte, a educação moral não deve se restringir a uma

aula específica, mas deve estar presente a todo o momento, estar

integrada a toda vida escolar, pois ela é ela é parte de toda trama

coletivo (LA TAILLE, 1992, p. 57).

Acostumamos a um trabalho bem definido cujo norteasse na transmissão de conhecimento,

atualmente os professores se vêem diante de uma situação totalmente nova, embora muitas

vezes reconheçam a necessidade de redimensionar o seu trabalho e buscar novas bases para o

ensino, vias de regra encontram-se despreparados, mal informados e sem condições de sozinhos,

enfrentarem tantos desafios.

As pressões são muitas e eles vêem de vários fatores de um lado, dos pais, que por não

compreenderem exatamente o que está acontecendo exigem do professor resposta que ele não

está preparado para dar, de outro lado, da sociedade que o responsabiliza por todos os males

sociais exigindo do professor e da escola soluções para os inúmeros problemas sociais.

Assim o professor acaba se tornando o responsável de todo o insucesso e incapacidade escolar.

Por outro lado, isso tudo acaba gerando no professor um sentimento de culpa, que irá constituir-

se em um elemento a mais para que ele perca a sua identidade.

Esse estado de desconforto e incapacidade que toma conta do professor associa-se às condições

de baixo salário e desprestigio social e, conseqüentemente, na sua baixa auto-estima e

desmotivação. Outra dificuldade com que se deparam os educadores decorre do fato de que a

educação esteve sempre atrelada a modelos tradicionais organizacionais ultrapassados e

totalmente inadequados a realização dos seus objetivos.

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É importante que se considere ainda nessa questão de mudanças no trabalho docente, que são

muitos e variados os fatores ou forças que pressionam o professor, deixando cada vez mais

confuso em relação ao seu papel; de um lado há a inibição educativa de outros agentes sociais,

sobretudo a família que se desobriga cada vez mais de sua responsabilidade nesse processo

transferido-a para a escola.

O papel político do educador

O educador do desempenho do seu papel na práxis precisa conhecer a realidade na qual atua.

Precisa compreender a sociedade em que vive, através de sua história, sua cultura, suas relações

de produção, suas perspectivas de transformação ou reprodução.

O educador precisa ter comprometimento político para direcionar suas ações nas realizações de

seus objetivos, seja pela permanência de uma sociedade com suas desigualdades ou para que

esta sociedade se modifique.

[...] o professor precisa se transformar num tutor eficiente de atividade

de grupo devendo demonstrar a importância prática do assunto a ser

estudado, deve transmitir o entusiasmo pelo aprendizado, a sensação

de que aquele conhecimento fará a diferença na vida dos alunos, Ele

deve transmitir força e esperança, a sensação de que aquela atividade

está dando a vida de todos e não simplesmente preenchendo espaços

em seus cérebros (LAJOLO, 1999. p.5).

Conforme denotado na história da educação, no Brasil houveram algumas tendências que

tornaram-se urgente na práxis pedagógicas de educadores. Estas tendências são: redentoras (vê a

educação com objetivo de adaptar o individuo à sociedade). Reprodutora (vê a educação como

reprodução social) e Transformadora (vê a educação como instrumento de transformação

social).

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[...] o educador necessita preparar-se, estar ciente de seus desejos, de

seus estados de ânimo, de suas coerências e de suas responsabilidades,

ser amoroso em primeiro lugar consigo mesmo, o que significa

reconhecer–se, acolher-se, nutrir-se, sustentar-se e confrontar-se a si

mesmo (LUCKESI, 2003, p.69).

O educador precisa está cônscio de si, precisa refletir sobre sua práxis: Será que as aulas que eu

realizei foram bem conduzidas, seja em termo de conteúdo, de metodologia didática, de

relacionamento com os educandos? Será que o espaço e o tempo foram adequados para a

aprendizagem? Será que o material didático utilizado foi adequado para que a aprendizagem

desse determinado conteúdo acontecesse?

A busca dessas respostas possibilitará que o mesmo possa criticamente descobrir como orientar

o seu trabalho na formação de cidadãos críticos, ativos e criativos. Para Luckesi,

[...] o educador necessita preparar-se, estar ciente de seus desejos, de

seus estados de ânimo, de suas coerências e de suas responsabilidades,

ser amoroso em primeiro lugar consigo mesmo, o que significa

reconhecer–se, acolher-se, nutrir-se, sustentar-se e confrontar-se a si

mesmo (2003, p.69).

O papel do aluno

O educando é um ser que como foi dito anteriormente vai alicerçando a sua criticidade e

autonomia com base nas situações de aprendizagem adquiridas no local onde vive na escola e na

sociedade.

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Entretanto, para que tais “aprendizagens” aconteçam de forma relevante para a vida como um

todo, é necessário que o sujeito seja autor e ator do palco do conhecimento. Atuando em

parceria com o educador na construção do saber. Para isso, pode-se dizer que ao educando cabe:

respeitar o professor para ser respeitado; estabelecer boas relações com professores e colegas;

interagir e participar das aulas com afinco; estudar, pesquisar, tornando-se responsável também

pelo processo educativo que está inserido.

Pois com o passar dos anos, surge um educando que está cônscio de suas necessidades

educativas. Não estamos mais diante dum alunado que permitia que o professor fosse mero

reprodutor de conhecimento. Agora estamos numa era onde o aluno participa da construção do

seu conhecimento.

Sendo assim, o educando pode contribuir na aquisição de conhecimentos por usar sua

autonomia para sugerir tipos de aulas e de avaliações diferenciadas para o educador; utilizar

seus conhecimentos prévios para ilustrar e enriquecer as aulas. Pois para o educando consciente

o professor não é dono do saber e está em constante aprendizagem juntamente com os alunos.

No que tange ao papel do aluno é importante salientar que este também deve entender que o

professor é um ser humano vivenciando nuances nos campos bio-psico-sociais, sendo assim,

passa por alterações de humor e muitas vezes de personalidades.

Desta forma, é importante, que haja sempre diálogo a fim de que o ensino e a aprendizagem não

sejam comprometidos por situações “extra escolares”, pois segundo FURTH (1995, p.18),

sabemos que os sujeitos antes de serem educandos ou educadores, são seres humanos, dotados

de angustias, anseios e desejos subjetivos. Sendo que cada um precisa ser respeitado na sua

individualidade se estruturando num processo de negociação entre as múltiplas referencias que

compõem o conjunto de representações de cada individuo no processo.

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Considerações finais

Nos últimos anos verificamos um desgaste muito grande nas relações interpessoais entre

professores e alunos. A este desgaste, atribuímos como fator prejudicial ao processo ensino-

aprendizagem.

Em outras palavras: “A facilitação da aprendizagem significa baseia-se em certas qualidades de

comportamentos que ocorrem no relacionamento pessoal entre o facilitador e o aprendiz”

(ROGERS, 1969. p. 101).

A sala de aula é o espaço no qual o professor e alunos se encontram e interagem em torno do

conhecimento. Essa interação, que constitui a dinâmica na sala de aula, é em grande parte

decorrente da forma como o professor vê o processo de ensino-aprendizagem.

Vale ressaltar também que é sublime que o professor seja um eterno estudioso, no intuito de que

saiba que direção e/ou tendência a seguir, orientando o seu trabalho, permeando a criatividade e

a autonomia dos alunos.

A idéia que tinha no passado, de alunos como pessoas fácies de serem moldadas e dirigidas a

partir do exterior não existem mais. Ao educando, cabe entender que também é o autor do seu

conhecimento. Porém, precisa estruturar um processo de negociação com seu mestre,

compreendendo e respeitando tanto a sua individualidade quanto a do professor, a fim de que as

relações entre estes sejam cordiais dentro e fora da sala de aula, beneficiando diretamente o

ensino-aprendizagem.

Se antes aprendizagem era vista como produto exclusivo do comportamento do professor e da

metodologia ensino adotado, atualmente se entende que a motivação pode ser utilizada de forma

a driblar as dificuldades de aprendizagem.

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Entretanto quando as aulas têm um atrativo a mais, tanto os alunos como os professores dão o

melhor de si, procurando superar a fadiga, as tensões emocionais, os problemas com

indisciplina, a aprendizagem pouco significativa e/ou eficiente, dentre outros.

As contribuições dos próprios alunos são valorizadas como: seus conhecimentos, capacidades,

habilidades, sua percepção da escola e do professor e suas expectativas e atitudes diante do

ensino.

A importância do diálogo também é notória quando há conflitos por que os indivíduos colocam

os seus pontos de vista (sem, no entanto, colocar o seu acima do outro), demonstrando que se

pode ter acordos, dando vazão a sugestões e críticas construtivas, mostrando ao educador que

pode exercer a sua autoridade sem autoritarismo.

Na nova realidade, o professor tem de lidar em sala de aula, com seus alunos respeitando suas

individualidades, uns são mais sensatos, outros mais difíceis, uns desistem, outros resistem, mas

pouco a pouco vão se apropriando dos ensinamentos da escola partindo, do que já conhecem, e

deste ponto constroem seus conhecimentos.

Os alunos não constroem sozinhos seus conhecimentos. A construção da aprendizagem acontece

na interação mantida com seus professores e colegas. Compete ao professor à ajuda necessária

na apropriação dos conteúdos escolares, mas isto vai depender da forma como o aluno é

percebido e conduzido. Por isso, é sempre necessário que o professor e aluno analisem a sua

postura em sala de aula e que o mestre receba apoio pedagógico e/ou psicopedagógico a fim de

que saiba lidar com os inúmeros conflitos que causam e que são causados pela indisciplina.

É importante e essencial à ajuda do professor na aprendizagem do aluno, a sua ajuda também

pode ser transitória á medida que o aluno ganha na percepção do professor, autonomia e

responsabilidade para aprender, isto vai acontecer se realmente houver relações interpessoais

satisfatória que facilitem essa dinâmica.

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Na superação destas situações, deve-se promover uma relação aberta na qual o conhecimento é

construído pela interação professor-aluno, com uma prática transformadora, desmistificadora e

questionadora.

A coerência, o equilíbrio na postura do olhar e escutar, a aprendizagem concretiza a práxis

educativa, denotando uma segurança da opção filosófica sob o qual se assenta a concepção do

ensinar e do aprender.

Referências

BARONE, L. M. C. Algumas contribuições da Psicanálise para a Avaliação

Psicopedagógica. Local: Ática, 2002.

CAUNDAU, Vera Maria. Rumo a Uma Nova Dialética. Petrópolis: Vozes, 1990.

FOUCAUT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.

FURTH, Hans G. Conhecimentos Como Desejo: um ensaio sobre Freud e Piaget. Porto

Alegre: Artes Médicas, 1995.

LA TAILLE, Yves de. Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias Psicogenéticas em Discussão. São

Paulo: Summus, 1992.

LAJÓLO, Marisa. Do Mundo da Leitura Para a Leitura do Mundo. 4. Ed. São Paulo: Ática,

1999.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1990 (Coleção

Magistério – 2º Grau – Série Firmação do professor).

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MAGALHÃES, Lucila Rupp de. Aprendendo a lidar com gente: Relações Interpessoais no

cotidiano. Salvador – Bahia, casa da Qualidade. EDUFBA- Editora da Universidade Federal da

Bahia, 1999.

REVISTA CONSTRUIR NOTÍCIAS, nº. 17 _ Ano 03 julho/agosto 2004. p. 15 a 17.

REVISTA DE EDUCAÇÃO CEAP Março 92, nº. 12, p.28 a 40.

REVISTA NOVA ESCOLA , Janeiro e Fevereiro, 2002, p.16 a 19.

ROGERS, Carl R. Liberdade para aprender. Tradução de Edgar Godoy da Mata Machado e

Mauro Paulo de Andrade, Prefácio do prof. Rui Miranda, 4 ed., Belo Horizonte, Interlivros,

1969.

VASCONCELOS, Celso dos Santos. Disciplina: construção da disciplina consciente e

interativa em sala de aula e na escola, 11, ed. 2000.

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CONTE UMA HISTÓRIA!

ERA UMA VEZ… O MUNDO MÁGICO DA LITERATURA INFANTIL

Edilane Carvalho TELES*

Resumo: Este artigo tem como escopo refletir a importância da leitura e do reconto de histórias

desde os primeiros anos de vida; despertar o interesse de pais e professores sobre a influência

destes para o desenvolvimento emocional e cognitivo infantil. Pretende ainda, analisar alguns

estudos de psicanálise dos contos de fadas que enfatizam as contribuições da literatura para o

ciclo de vida do sujeito, em especial, através das histórias e reconto em voz alta. Por fim, traça

aspectos práticos das situações formativas e vivências nas quais a leitura pode e deve ser

realizada, contribuindo com a elaboração de idéias e a construção do diálogo instaurado entre os

pais e professores com as crianças.

Palavras-Chave: Literatura infantil. Leitura em voz alta. Psicanálise dos contos de fadas.

Desenvolvimento infantil. Práticas de leitura.

* Mestranda em Educação e Contemporaneidade (UNEB – Universidade do Estado da Bahia), Master

(Mestrado Profissionalizante) em Tecnologias e Comunicação Multimídia (Universidade de Turim/Itália).

Pedagoga (UNEB), Especialista em Metodologia do Ensino, Pesquisa e Extensão científica (UNEB),

Especialista em Novas Tecnologias da Comunicação e Informação em Educação (UNEB), Professora de

Graduação da Dom Pedro II, Fundação Visconde de Cairu (FVC), Faculdade da Cidade de Salvador (FCS) e

Tutora a distância (UNEB); Professora da Pós-graduação da UNIFACS e Fundação Visconde de Cairu

(FVC). Consultora em Formação de Professores. E-mail: [email protected]

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1. Com uma história damos voz às nossas emoções

Diz um provérbio Siberiano: Se não conheces as árvores te perderás nos bosques, mas se não

conheces as histórias te perderás na vida. Faça um salto em seu passado, tente perceber em que

momento a literatura começou a fazer parte da sua vida. Espera-se, que no processo de

formação, esse encontro tenha sido prazeroso e despertado o desejo crescente de revivê-lo, no

qual, a magia das histórias tocam os sentidos e recessos do coração, deixando viva a “chama”6

nas histórias de vida.

Era uma vez… quantas vezes ouvimos esta frase com o coração exultante e olhos brilhantes! Em

cada um de nós há uma história e uma relação diversa com a leitura e o reconto. Qual foi a

primeira história lida ou ouvida? Viajamos o mundo inteiro através da leitura, entretanto, apesar

de ter tido uma história de amor com a leitura que floreou ainda na infância, observo que muitos

não compartilham tal experiência e opinião, tampouco, continuam com este percurso de prazer e

descoberta. É pensando no despertar da leitura e do reconto de histórias como proposta

importante do processo de formação do sujeito, que convido à reflexão do significado da

literatura no início do processo de vida.

Quem teve o prazer de viver a experiência de uma leitura compartilhada com uma criança, não

tem a necessidade de nenhuma explicação para compreender a grandeza deste ato tão simples e

o quanto é “grande a troca de sensações fortes” materializadas na comunicação do adulto que

lê para uma criança que escuta. A magia deste momento, naturalmente, é elevadíssima na

relação direta pais-filhos, que gera-se também na relação adulto-criança nos vários casos

possíveis (animador-grupo, professor(a)-classe, tio(a)-sobrinho, pais-filhos, avós-netos).

A literatura infantil dá voz à imaginação e aos sentimentos daqueles que escutam como daqueles

que recontam. No espaço da escola a exploramos de diferentes formas, seja com oficinas,

6Como elemento motivador do interesse e desejo do sujeito.

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histórias lidas, narradas ou dialogadas, este tema que também faz parte do universo de

professor, é um saber que vai muito além do espaço escolar; o ato de ler, contar/recontar e

escutar histórias faz parte de nossas vidas.

Da história oral tradicional, com o advento da escrita e posteriormente da imprensa, contar

histórias consolidou a forma consistente de guia, arte, emoções, sentimentos que já existiam,

adquirindo uma maior dimensão, ampliando assim a sua capacidade mágica de transformar

vidas, de enriquecer, de viajar sem sair do lugar, de aprender sem memorizar, de viver

experiências que não são nossas, mas do outro e que conhecendo, passam a ser nossas também.

Este texto pretende ser um despertar para o prazer de contar e ouvir histórias, ir além do ato de

comunicar, criar um espaço (nas escolas, em casa, no parque, na biblioteca) onde se toca não só

com as mentes, mas também com o coração, como diz o ideograma japonês SAKU TAKU NO-

KI, « tocar » o momento onde prende vida as histórias de vida.

SAKU TAKU NO-KI (assim diz a transcrição gráfica do ideograma)

identifica o instante no qual a galinha e o pinto batem com o bico ao

externo e ao interno do ovo tocando o mesmo ponto rompendo a

casca. Este instante, mágico, vibrante, intenso foi comparado àqueles

nos quais prendem vida as histórias. Antes de “nascer”, de fato, as

histórias se encontram em dois diferentes lugares: um físico que se

pode tocar e conhecer, o outro, profundo e secreto que está nos

recessos do coração. Para que uma história tenha início é necessário

que estes lugares se encontrem7 (MERLETTI, 1998, p.9).

7SAKU TAKU NO-KI (cosí suona la trascrizione gráfica dell'ideogramma) identifica l'attimo in cui la gallina

e il pulcino picchiettando con il becco all'esterno e all'interno dell'uovo toccano lo stesso punto e

frantumano il guscio. Le storie prendono vita allo stesso modo. Si trovano in due diversi luoghi: uno

fisico che si può toccare e conoscere, l'altro, profondo e segreto, sta nei recessi del cuore. Perché una

storia abbia inizio è necessario che questi due luoghi si incontrino.

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Criar um fio imaginário de amor entre uma mãe e um filho, entre um contador de histórias e

aquele que escuta. Contemos uma pequena história: Um adolescente problemático e órfão que

vivia com um tio pelo mundo, durante a sua existência quotidiana, tentava lembrar sua mãe e

não conseguia, tinha passado tanto daquele tempo que era somente uma recordação longe,

daquela que lhe deu a vida. Sempre insistindo com o tio para saber de sua mãe, este não tinha

tempo, tampouco paciência de recontar sobre sua irmã que lhe deixou um filho para criar. Um

dia, em uma das cidades de passagem com seu tio, ele entrou em uma biblioteca, ali tinha

alguém lendo para um grupo de crianças, no primeiro momento sentiu como se o mundo tivesse

parado, seu coração que palpitava, era aquele livro! Aquela capa era aquela história que a sua

mãe em uma época remota lia todas as noites antes de dormir, ficou ali a escutar aquele

reconto. Depois de tantas cidades, tantas livrarias, tantas bibliotecas em busca, finalmente

tinha encontrado aquele livro, aquela história que lhe lembrava a sua mãe. A bibliotecária leu

a história e vendo que aquele adolescente não se movia, não ia embora, mesmo quando todos já

tinham saído, não viu outra saída que continuar lendo e quando parou, ele perguntou se podia

pegar emprestado aquele livro, quando saiu com o “seu” livro nas mãos, ela soube que aquele

livro não mais voltaria, tinha encontrado seu verdadeiro “dono”.8

À medida que construímos nossa relação com o mundo, nos ligamos afetivamente àquilo que

nos é mais significativo, valorizar estes aspectos à criança lhes dar força e suporte para criar as

estruturas afetivas e cognitivas, fundamentais para o seu desenvolvimento. Ler a história

“preferida” aos nossos alunos, filhos, sobrinhos, dá um efeito “balsâmico” às nossas mentes,

reforça nossa relação, dá a liberdade de colher o significado da história que nos toca, nos diverte

e dá “asas” à nossa imaginação. Refletindo a nossa “realidade” cotidiana questiono: a literatura

infantil faz parte de nossas vidas? Os pais lêem aos seus filhos? Como a escola vê a literatura?

Como uma tecnologia que favorece a aprendizagem? Ou, dá o seu “real” valor, aquele mágico

que vai além do aprender, que toca as mentes, os sentimentos e as emoções?

8Reconto de uma história oral.

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Ler o mundo é um ato natural, entretanto, no mundo das palavras, não é somente um dever da

sociedade letrada, mas um direito de todos. É uma pena que em nosso país existam ainda tantos

sujeitos, aos quais, foram negados o direito de aprender a ler, não somente decodificar símbolos,

mas, ler, degustar, deliciar-se com as histórias que nossas mentes conseguem criar e registrar em

forma de livro.

Por que ler, contar, narrar? Do ponto de vista do desenvolvimento infantil, recentes pesquisas

científicas9 demonstram que o ler em voz alta, com certa continuidade, às crianças em idade

pré-escolar há uma positiva influência seja do ponto de vista relacional (é uma oportunidade de

relação entre criança e pais) e do ponto de vista cognitivo (se desenvolve melhor e mais

precocemente a compreensão da linguagem e a capacidade de leitura); além disso, se consolida

na criança o hábito de ler, graças à relação estabelecida anteriormente. Assim,

[…] o significado mais profundo do conto de fadas será diferente para

cada pessoa, e diferente para a mesma pessoa em vários momentos de

sua vida. A criança extrairá significados diferentes do mesmo conto de

fadas, dependendo de seus interesses e necessidades do momento.

(BETTELHEIM, 1996, p.20-21).

Contar histórias é outro ato natural nas relações humanas, estamos sempre contando histórias,

de nós, dos outros, do mundo, inventadas, vividas, de pescador… o belo não é somente criá-las,

mas também compartilhá-las. Contar e ouvir tem um efeito de construção e crescimento de

nossa visão de mundo que não conseguimos medir, vai muito além de nossa compreensão, é tão

natural que não pensamos o quanto essas duas ações cotidianas do ato de comunicar possam

enriquecer o próprio mundo.

A estimulação e o sentido de proteção geram na criança o prazer de sentir-se ao lado do adulto

que reconta histórias desde o primeiro ano de vida e compartilhar o prazer de reconto é

incomparável. O benefício (MERLETTI, 2001) que a criança atrai da leitura em voz alta, em

família e idade pré-escolar, favorece o sucesso escolar quando as crianças iniciam a confrontar- 9Ferraris (2005); Merletti (2001).

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se com a linguagem escrita através do contato cotidiano com a leitura mediada pelos pais e pela

escola. A qualidade destas experiências precoces, influem sobre a linguagem e sobre a

capacidade de compreender a leitura de um texto escrito ao entrar na escola. A incapacidade de

ler é uma das causas das dificuldades que levam à frustração e à redução da auto-estima, o que

contribui com o aumento do risco de abandono escolar. A dificuldade de ler e escrever é um

problema que recai principalmente às crianças que pertencem a famílias em condição sócio-

econômica desfavorável e contribuindo a incrementar o ciclo de pobreza. Como afirma

Bettelhein,

[…] se as crianças fossem criadas de um modo que a vida fosse

significativa para elas, não necessitariam ajuda especial…deduzir

quais as experiências na vida infantil mais adequadas para promover

sua capacidade de encontrar sentido na vida… nada é mais importante

que o impacto dos pais e outros que cuidam da criança; em segundo

lugar vem nossa herança cultural, quando transmitida à criança da

maneira correta. Quando as crianças são novas, é a literatura que

canaliza melhor este tipo de informação (2002, p.4).

Assim, promover a leitura nos ambientes formativos, da casa até a escola, ampliando-se pelos

ambientes freqüentados por “todos” como parques, bibliotecas, entre outros, contribuirá com

uma maior tutela da criança, ampliando em nome do seu direito de ser protegido não só das

doenças e da violência, mas também da falta de adequadas ocasiões de desenvolvimento afetivo

e cognitivo. A leitura e/ou reconto de histórias é um excelente meio para alcançar este objetivo.

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2. Conte outra vez!

Desde sempre os contos de fadas “universais”10 por sua complexidade mágica fazem sonhar e

trepidar as crianças de todo o mundo porque falam uma linguagem universal: aquela dos afetos

e sentimentos, iguais em qualquer época e em cada geração. Inúmeras versões foram criadas,

mas a essência permaneceu. Estas histórias que tanto encantam a todos, são um excelente meio

pelo qual os pais, avós, professores, cuidadores têm à disposição para comunicar-se com a

criança em maneira muito profunda. Através destas, as crianças resolvem conflitos internos,

reconhecem sentimentos, atitudes, organizando e compreendendo o mundo que as cercam

(FERRARIS, 2005; BETTELHEIM, 1998, MERLETTI, 2001, 2003).

Segundo Ferraris (2005), a valorização das histórias, em especial dos contos de fadas

contribuem positivamente com o desenvolvimento crianças. Os contos de fadas ajudam-nas a

traduzirem em imagens concretas as emoções e sentimentos que para estas, são difíceis de

reconhecer, difíceis de expressar. O medo, o ciúme, a rivalidade, o sentimento de inferioridade,

de perda, enfim, o grande desafio que é crescer. Nestas, as mensagens e conteúdos das histórias

narradas são explícitas e implícitas ao mesmo tempo, há sempre um duplo nível de

interpretação: as crianças sabem observar o que lhes serve naquele momento e o usam como

uma “cura”11. Sobre isso, afirma,

10

Refiro-me aos contos de fadas e histórias clássicas mais conhecidas e difundidas em nosso ambiente

(Perrault, Irmãos Grimm, Andersen), deixamos aberto também um espaço para tantas outras histórias

que podem não serem clássicas do ponto de vista histórico, mas que podem ser clássicas para nós,

como as histórias do sítio do pica-pau amarelo, cheias de intertextualidade, originalidade e raízes. O

incrível é que cada experiência há seu contexto e suas histórias. Entretanto, ressalto que os estudos aos

quais, são baseadas este texto referem-se aos contos de fadas clássicos.

11 Alguns psicólogos utilizam os livros para “curar” crianças com distúrbios vários, esta técnica centrada

no uso de histórias publicadas, leva o nome de biblioterapia. A intenção principal destas óperas é de

propor um modelo comportamental positivo e fornecer exemplos realísticos de como superar as

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A linguagem metafórica e mágica dos contos de fadas consente de

alcançar a mente e o coração das crianças, de responder às suas

questões sobre os temas fundamentais da existência e da relação com

os outros, de « curar » em modo leve os seus medos e inseguranças12

(Idem, 2005, p.68).

Como por exemplo, a bruxa de Branca de neve, que segundo uma leitura da psicanálise

representa o lado “mau” da mãe. “Através da metáfora, a criança explora os próprios

sentimentos em relação à figura materna, seu sentir-se malvado por aversão em qualquer

momento “detestada” ou por ter sentido raiva dela” (Idem). Segundo estes estudos,

A criança sente qual dos contos de fadas é verdadeiro para sua

situação interna no momento (com a qual é incapaz de lidar por conta

própria) e também sente onde a estória lhe fornece uma forma de

poder enfrentar um problema difícil. Mas, com freqüência, este

reconhecimento é imediato, adquirindo a partir da audição do conto de

fadas pela primeira vez. Para tal, alguns elementos do conto são bem

estranhos – como deve ser para falar às emoções profundamente

escondidas. (BETTELHEIM, 1996. p. 61).

Destaca-se ainda, que só escutando repetidamente um conto de fadas, tendo tempo e

oportunidades de interação e reflexão com estas, demorando nas suas narrativas é que a criança

será capaz de,

[...] aproveitar integralmente o que a estória tem a lhe oferecer com o

respeito à compreensão de si mesma e de sua experiência de mundo.

Só então as associações livres da criança com a estória fornecem-lhe o

dificuldades da vida, estes estudos não são limitados aos contos de fadas, mas à vasta gama de histórias

publicadas, principalmente àquelas de abordagem positiva frente aos dilemas da vida.

12 Il linguaggio metaforico e magico della fiaba consente di ragiunggere la mente e il cuore dei bambini,

di rispondere ai loro quesiti sui temi fondamentali dell’esitenza e del rapporto con gli altri, di “curare” in

modo lieve le loro paure e insicurezze (FERRARIS, 2005, p, 68).

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significado mais pessoal, e assim ajudam-na a lidar com problemas

que a oprimem (Idem, p.74).

Basta pensar as inúmeras vezes que as crianças pediram para repetir a mesma história, como um

canto, uma mensagem ao seu íntimo. As mensagens dos contos de fadas tem muitos

significados, como por exemplo, a historia de Chapeuzinho Vermelho que no seu ir e vir pela

floresta, ensina que devemos estar atentos aos estranhos, ou ainda, como nos Três Porquinhos,

que desperta a compreensão para o que não sejamos preguiçosos. Através destas, a criança

aprende mais sobre os problemas internos dos sujeitos e de si mesma. Os contos de fadas, ao

contrário dos mitos que são taxativos e sugestivos em suas mensagens, oferece àquele que

escuta, a possibilidade de observar e espelhar o próprio comportamento frente aos dilemas da

vida. Assim,

Enquanto diverte a criança, o conto de fadas a esclarece sobre si

mesma, e favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece

significado em tantos níveis diferentes, e enriquece a existência da

criança de tantos modos que nenhum livro pode fazer justiça à

multidão e diversidade de contribuições que esses contos dão à vida

da criança (Idem, p. 20).

Não é necessária uma formação para iniciar ler ou recontar histórias às crianças, independente

da formação que temos, para a criança o mais importante é que seja feito com amor, a voz da

mãe, do pai, do professor há uma função insubstituível. Obviamente, se seguimos alguns

critérios para a leitura, a escolha do livro, a escolha do melhor momento (tranqüilo), do espaço,

poderá e muito favorecer este encontro. Para uma maior conscientização da leitura, ou seja, da

promoção de boas leituras, é fundamental informar-se, criar situações e projetos que possam

difundir informações sobre o argumento, dialogando para ampliar a formação de todos aqueles a

que interessam-se sobre leitura com crianças. Os espaços mais propícios para esta formação

seriam: as escolas e projetos desenvolvidos pela biblioteca incentivando a leitura e formação

para a leitura em especial às crianças nas oficinas de leitura, encontro para pais e professores,

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encontro com autores entre tantas outras possibilidades, além dos cursos de formação para

professores, focalizando uma formação específica.

3. Leitura e reconto com as crianças

É bem verdade que para iniciar, basta ler ou recontar uma história que toque os nossos corações

e mente (não há sentido ler uma história qualquer!), mas para que seja estimulada ao máximo a

vantagem que a literatura nos dá em âmbitos afetivos e cognitivos, a formação faz-se necessária,

afinal, não há uma educação melhor sem a formação contínua. Segundo Bettelheim,

Para que uma estória realmente prenda a atenção da criança, deve

entretê-la e despertar sua curiosidade. Mas para enriquecer sua vida,

deve estimular-lhe a imaginação: ajudá-la a desenvolver seu intelecto

e a tornar claras suas emoções; estar harmonizada com suas

ansiedades e aspirações; reconhecer plenamente suas dificuldades e,

ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam

(Idem, 1996, p.13).

Todos nós seguimos os padrões e publicações favorecidos pela mídia sem perceber que quando

contamos uma história a uma criança que ainda não sabe ler, nossa escolha recai em nossos

preferidos, nos clássicos, passamos da promoção do livro como mero objeto de papel impresso a

“médium13” afetuoso, a momento de vida.

A qualidade destas experiências precoces influi sobre a linguagem da criança e sobre a sua

capacidade de compreender a leitura de um texto escrito ao entrar pela primeira vez na escola.

Uma criança que vive em um ambiente que estimule os sentidos, a sua criatividade, rico de

diálogos e comunicação será mais propícia a participar destas atividades naturalmente, pois já

fazem parte de seu universo.

13

Meio

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A dificuldade de ler e escrever atinge um grande número de crianças, principalmente nas classes

carentes, problema de larga dimensão em nosso país. Estas crianças que em sua maioria

pertencem as famílias em condições sócio-econômica desfavoráveis, no mundo letrado exigem

da escola uma urgente e necessária revisão dos “seus princípios” educativos, pois, diante desta

grande dificuldade, “não fazer nada” irá contribuir com o aumento da pobreza e da barreira que

bloqueiam esses cidadãos, negando-lhes não só o direito à educação, ao mundo letrado, mas

também à magia da literatura e de seus benefícios.

Refletindo a dimensão e a complexidade que é o nosso país, podemos promover a leitura nos

ambientes, partindo de casa, entretanto, deparamos com o problema do analfabetismo, e a falta

de solução imediata para este problema de grande dimensão que não exclui a ampliação e o

melhoramento de nossa qualidade de vida, por que é disso que se trata principalmente aquela

das crianças e se possível daquelas que mais precisam.

Quanto à escolha de livros, é difícil orientar-se no vasto panorama da atual produção editorial

para selecionar aqueles que têm mais qualidade e que são adaptados às crianças, o número

disponível é muito grande. Por isso, é interessante recorrer a especialistas para construir essa

rede de Ariana, elaborando uma lista com livros interessantes, devemos lembrar que antes de ler

uma história, devemos conhecê-la, não há sentido ler uma história que não gostamos, a menos

que seja uma solicitação, um pedido, ler sem vontade é uma barreira no despertar para a leitura.

Além disso, devemos também fazer um esforço para ler as histórias preferidas da criança

mesmo que já tenhamos lido milhões de vezes e não agüentemos mais, nestes momentos,

estamos dando prazer a elas e isso é igualmente importante também para nós. Durante a escolha

dos livros, é importante que estes ajudem ao contador, desvincular-se no labirinto das histórias e

a entrar no mundo secreto das crianças: um mundo de emoções, jóias, medos, fantasias, afetos,

descobertas, pequenos e grandes eventos que acompanham o extraordinário e difícil caminho do

crescimento.

Ao contar histórias à criança, é importante seguir sua orientação, a forma como esta reage à

história nos dá indício de que acertamos ou não na escolha.

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[…] cada estória tem significados em muitos níveis. Que estória é

mais importante para uma criança específica numa idade específica

depende inteiramente de seu estágio psicológico de desenvolvimento e

dos problemas que mais pressionam no momento (BETTELHEIM,

1996, p.23).

Porque ler em voz alta (MERLETTI, 2003):

� porque cria o hábito de ouvir;

� aumenta o tempo de atenção;

� aumenta o desejo de aprender a ler;

� é uma experiência muito prazerosa para o adulto e a criança;

� acalma, dá segurança e consola;

� reforça a ligação afetiva e cognitiva entre aquele que ler e quem escuta.

Quando ler com nossas crianças. Pode-se reservar à leitura um momento particular do dia, como

por exemplo, antes de dormir à tarde ou noite, depois da refeição, ou talvez, escolhendo

momentos durante os quais ambos são mais tranqüilos. O momento é estabelecido com o

contato diário com a criança.

Com as crianças muito pequenas, existem alguns critérios a observar (MERLETTI, 2003), como

por exemplo, se a criança se agita ou é inquieta não insistir, escolher livros adaptados e um

momento e espaço tranqüilo, a leitura é um convite, ao compartilhamento de algo prazeroso,

portanto, iniciamos como um jogo e/ou um diálogo com a criança. Tendo estes estudos como

referência, damos algumas sugestões para compartilhar os livros com as crianças:

� escolher um lugar confortável para sentar;

� recitar ou cantar músicas do livro preferido;

� eliminar as outras fontes de distração: televisão, rádio, estéreo;

� segurar o livro em modo que a criança possa ver as páginas claramente;

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� indicar-lhe as figuras, falar-lhe; quando será maior, solicitar sua participação,

indicando figuras…

� ler com participação, criar as vozes dos personagens e usar a mímica para

recontar a história;

� variar o ritmo de leitura: mais lento ou mais rápido;

� fazer-lhes perguntas: O que você pensa que acontecerá depois?

� deixar que a criança faça as perguntas e aproveite a ocasião para responder

também outras perguntas;

� solicitar à criança que reconte a história; lembrar que isto acontecerá por volta

dos 3 anos;

� deixar a criança escolher o livro para ser lido;

� reler os seus livros preferidos;

� levá-lo a biblioteca para participar de encontros ou simplesmente em um lugar

acolhedor e com uma vasta escolha de livros;

� podemos aproveitar os momentos de espera – durante uma viagem, sala de

espera do médico, uma fila em um órgão público, ou seja, usar os momentos

disponíveis, nos quais estamos em calma e esperando para aproveitar dos prazeres da

leitura - dar prazer e passa o tempo;

É importante recordar que se amamos a leitura, a criança provavelmente, a amará também. Não

podemos despertar o prazer do outro quando não acreditamos e não sentimos prazer em ler e em

estar coletivamente. Para estimular os sentidos é importante também colocar à disposição da

criança o maior número de livros possíveis, a variedade abre muitas possibilidades, pode ser

ampliada criando o hábito de freqüentar a biblioteca, que é um espaço por excelência para a

leitura, mas que precisa ser mais freqüentado, uma forma seria a própria biblioteca promover a

leitura, esperando que pais e filhos a percebam como espaço de encontro e prazer.

Para quem entra nesta aventura, pais, professores ou quem mais quiser se encaminhar no mundo

dos livros para crianças como operadores de leitura, oficinas e encontros, é vivamente

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aconselhável experimentar, também muito simplesmente, a ler com as crianças, que é diverso de

ler às crianças. A técnica, importantíssima de qualquer modo, verá por si, provando e

reprovando, escutando e escutando a si mesmo, lendo e relendo para si e para os outros.

A leitura é também um meio para reforçar o êxito de uma ligação segura nos primeiros anos de

vida que é essencial para o crescimento das competências da criança em todos os campos,

porque influem sobre a maturação cerebral, sobre conexões neurológicas e sobre os processos

mentais. Além disso, a leitura em voz alta é considerada uma ação de revisão no confronto do

abandono escolar e dos problemas de comportamento. Essa atitude, determina a experiência de

aprendizagem da mesma leitura que marca o destino da carreira escolar da criança.

Crianças que podem vivenciar uma exposição à leitura diária e constante no tempo, chegam à

primeira série com uma maior capacidade e conhecimentos basilares para a futura decodificação

das palavras; isto permitirá a estes aprender a ler e escrever com maior facilidade. Numerosas

pesquisas têm demonstrado como o nível de habilidade de leitura encontrado ao final do

primeiro ano de escola elementar seja fortemente correspondente nos anos com uma maior

habilidade a ler textos escritos.

É evidente, portanto, que quanto mais sejam ligados à infância, o desenvolvimento das

competências lingüísticas, confidência para a leitura, a propriedade da linguagem da criança e a

capacidade de manter a atenção e a concentração aumentam o nível de auto-estima e a

segurança em si mesma.

4. Conclusão em aberto

As idéias, aqui expostas, consistem em apreender o prazer e o desejo pela leitura através deste

gesto de amor: um adulto que lê uma história e uma criança que escuta. Lewis Carroll chama

esta ação de “presente de amor”; “Criança da pura fronte sem névoas E sonhadores olhos de

espanto! Embora o tempo seja veloz E meia vida separa você e eu Seu adorável sorriso bem

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certo saudará O presente de amor de um conto de fadas”. (C.L.Dodgson (Lewis Carroll, em

Através do espelho) in: Bettelheim, (1996, p.35).

Existe um livro para cada criança, o início pode acontecer de diversas formas, esse encontro

mágico e fascinante (ou não) dependerá não só dos estímulos, mas também de cada criança,

somos seres singulares e as nossas respostas frente aos estímulos e situações cotidianas (da

vida), dependerá de cada um diversamente e também do contexto no qual é inserido.

Normalmente as crianças são encantadas por um adulto que lê ou reconta uma história. Para

contar e encantar não é necessária nenhuma técnica especial (se bem, que o conhecimento

destas enriquece e muito o momento de contar histórias e em se tratando do ambiente formativo

estabelecido e organizado para tal, como é o caso da escola, o estudo de técnicas e

aprofundamentos acerca da literatura infantil é necessária, para não dizer obrigatória), ao

contrário, contar histórias ao próprio filho é um ato de amor, basta a voz da mãe ou do pai para

iniciar e apreciar. Este empenho dever ser feito conscientemente, escolher os livros com cuidado

para cada criança, a cada momento.

Acrescentamos que, conhecer a literatura acerca deste argumento, além da pesquisa dos livros

de histórias em biblioteca e livrarias, facilita e muito o incentivo à leitura e reconto de histórias,

pois, ao escutar e ampliar a visão já aguçada pelo amor e carinho verso a criança, passamos a

fazer com mais critério e responsabilidade. É incrível como a simples ação de colocar uma

criança sobre os joelhos e ler uma história possa desencadear a magia, a fantasia que vai além de

ler, contar ou escutar, dar sentido e significado à vida.

Em nossa história de vida, desde criança se formaram muitas histórias, passeamos por muitas

tramas, ficamos aqui como a “Filha da floresta”14. Observando e procurando os possíveis

caminhos para as respostas que buscamos, para que possamos criar situações que ampliem o uso

da literatura infantil nas vidas das crianças, que possamos contar e recontar, velhas histórias,

clássicas, novas, inventadas, reformuladas, mas sempre com sentimento, com amor. Deixamos

14

História que marcou minha infância de De Tales C. de Andrade de 1967, coleção de 6 histórias.

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aberto o diálogo com o decálogo de uma das principais autoras que deu suporte ao tecer deste

texto.

Decálogo-filastrocca15

Fala, canta e sorria ao teu filho, desde quando vem ao mundo: a tua

voz o acaricia, o conforta, o circunda.

15

Parla, canta e sorridi al tuo bambino, fin da quando viene al mondo: la tua voce lo accarezza, lo

conforta, lo circonda

Parla, canta, sorridi al tuo bambino, fin da quando viene al mondo: ripeti per lui filastrocche e parole.

Aspetta, con calma, che lui ti risponda.

Parla, canta, sorridi al tuo bambino. Con libri illustrati spalancagli un mondo: viaggia con lui, tra

parole e colori, ti ascolterà con crescente attenzione

Parla, canta, sorridi al tuo bambino. Trasforma il suo mondo in piccole storie: fagli capire, con gesti e

parole, la tenerezza dell' essere insieme

Parla, canta, sorridi al tuo bambino. Leggigli i libri che ama di più.

Le storie che ascolta lo portano in volo, gli danno parole che non conosceva, gli mettono in fuga i

mostri più cupi, gli portan risposte a mille perché.

Parla, canta, sorridi, racconta, leggi ogni giorno al tuo bambino. Digli così quanto bene gli vuoi, fagli

un regalo che dura per sempre.

Siamo nati per leggere, ma prima ancora per ascoltare: leggi ogni giorno una storia al tuo

bambino.

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Fala, canta e sorria ao teu filho, desde quando vem ao mundo: repete

para ele palavras. Espera, com calma, que ele te responda.

Fala, canta, sorria ao teu filho. Com livros ilustrados lhes abrirá um

mundo: viaja com ele, entre palavras e cores, te escutara com

crescente atenção.

Fala, canta, sorria ao teu filho. Transforma o seu mundo em pequenas

histórias:

faça-lhes entender, com gestos e palavras, a importância de estar

junto.

Fala, canta, sorria ao teu filho. Leia os livros que mais ama.

As histórias que escuta o faz voar, lhes dão palavras que não

conhecia, colocam em fuga os monstros mais tenebrosos, lhes trazem

respostas a mil porquês.

Fala, canta, sorria, reconta, leia todos os dias ao teu filho. Diga-lhe

assim quanto bem você lhe tem, faça um presente que dura para

sempre.

Somos nascidos para ler, mas antes para escutar: leia todos os dias

uma história ao teu filho.

(Rita Valentino Merletti: disponível no site

http://www.aib.it/aib/npl/piemonte.htm3, 03/07/2006 0.15).

A leitura é a atividade humana que mais se aproxima ao mundo simbólico do sujeito. Leia em

alta voz, conte muitas histórias, transmita a quem você ama, através da leitura e do reconto, a

teia necessária para não se perder nos bosques ou nas florestas e desta forma, abrir passagens

nos labirintos da vida por onde se possa passar. Permita-se sonhar.

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5. Bibliografia

BETTELHEIM, Bruno. Psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

CHIARIONI, Tullia. Ti Racconto una Fiaba… La narrazione come percorso interculturale.

Roma: Carocci Faber, 2005.

D’ORSI, Laura. Con una fiaba dai voce alle sue emozioni, Em: Io e il mio Bambino, Anno 22,

numero 269, dez. 2005, Milao: Sfera Editore. P 68-70.

FERRARIS, Anna Oliveiro. Prova con una storia: Non mangia, non dorme, ha paura…Il

Racconto giuto per ogni piccolo, grande problema. Milao: Fabbri Editore, 2005.

MERLETTI, Rita Valentino. Leggere ad alta voce. Milano: Arnoldo Mondadori, 2000.

. Libri e lettura da 0 a 6 anni. Milano: Arnoldo Mondadori, 2001.

. Racconti (di)versi. Appunti e spunti sul leggere poesia ai bambini. Milano:

Arnoldo Mondadori, 2000.

. Raccontar storie. Milano: Arnoldo Mondadori, 1998

RODARI, Gianni. Grammatica della fantasia. Introduzione all'arte di inventare storie.

Einaudi Ragazzi, 1999.

5.1 Meio eletrônico

http://www.natiperleggere.it/ ou http://www.aib.it/aib/npl/npl.htm3 - Projeto para a leitura às

crianças desde o primeiro ano de vida- difundido na Itália com o nome Nati per leggere.

03/07/2006.

http://www.reachoutandread.org/ - “Reach out and read” - construído em torno à específica

profissionalidade do pediatra. 03/07/2006.

MERLETTI, Rita Valentino. Decálogo-filastrocca. Disponível no site

www.aib.it/aib/npl/piemonte.htm3, 03/07/2006).

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DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA: MAIS QUE UMA QUESTÃO DE CONHECIMENTO TÉCNICO

Ana Cristina Couto Santos da SILVA*

Micael Teixeira CARDOSO**

Resumo: A contemporaneidade caracteriza-se por um período marcado por mudanças no pensar o mundo local e global, na forma de produção e difusão de informação e conhecimento. A universidade instituição social responsável pela produção e difusão do conhecimento deve enquadrar-se nesta nova conjuntura. Assim, a formação do docente universitário deve ser repensada como uma ação que tem por base o conhecimento técnico e o pedagógico, com o objetivo de favorecer a aprendizagem e formação dos discentes de uma maneira mais cidadã. Palavras-chave: Aprendizagem. Contemporaneidade. Conhecimento técnico. Conhecimento pedagogico. Docência universitária. Formação.

* Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia, Bacharela em Comunicação Social com

habilitação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Católica do Salvador, Especialista em Administração e Desenvolvimento de recursos Humanos pela Fundação Visconde de Cairu, mestranda em Ciência da Educação pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, professora das disciplinas Estágio Supervisionado I e II, Didática II, Fundamentos e Metodologia da Geografia do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Dom Pedro II. **

Licenciado em Educação Física pela Universidade Católica do Salvador, Especialista em psicomotricidade Clínica e Educacional peã Universidade Estadual da Bahia, professor de Educação Física da Fundação Bradesco (Salvador), Professor das disciplinas Estágio Supervisionado I, Corporeidade Jogos e Recreação, Arte-Educação do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Dom Pedro II.

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Introdução

A Contemporaneidade16, estudada e analisada por autores como Santos (2001) e

Giddens (1991, 2002), caracteriza-se como um período marcado por mudanças no

pensar o mundo local e global, na forma de produção e difusão de informação e

conhecimento, na comunicação entre as pessoas, provocadas pela transição do

paradigma newtoniano-cartesiano para emergente, sistêmico, holístico. Ou seja, é a

passagem de pensar e agir pautados nas certezas absolutas e inquestionáveis, da

fragmentação para o pensar e agir embasados na totalidade, na inter-relação e na

complexidade.

Nesta perspectiva, exige-se da educação a responsabilidade de oferecer a formação

integral17 dos sujeitos. O ensino deve ter como foco principal a aprendizagem. Aos

docentes cabe um repensar sobre o seu fazer pedagógico, como forma de romper com o

modelo tradicional, em que existe uma passividade do aluno e uma atividade do

professor. A este profissional cabe o entendimento de que “a educação é uma forma de

intervenção no mundo” (FREIRE, 2001, p. 110).

Neste contexto, a universidade18 contemporânea exerce um papel fundamental na

construção de uma nova forma de pensar, agir, sentir neste novo design da sociedade,

uma vez que é a instância da educação responsável por preparar profissionais para

16 Alguns autores chamam de pós-modernidade ou modernidade tardia, como é o caso de Hall e Giddens. Nós adotaremos o termo contemporaneidade ao nos referirmos ao período atual da sociedade. 17 Entendo formação integral como aquela que favorece ao desenvolvimento sócio-cultural, cognitivo, afetivo e também do corpo físico, como forma de tornar os sujeitos mais satisfeitos em suas necessidades. 18 Utilizaremos universidade referindo-nos a ensino superior.

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enfrentar as incertezas, os desafios do mundo do trabalho em prol de uma melhor

qualidade de vida.

Entretanto, é preciso que os professores universitários tornem-se “profissionais

reflexivos sobre suas próprias ações pedagógicas.” (EYNG, ENS e JUNQUEIRA, 2003,

p. 48). É o momento de repensar o ser professor, as suas práticas, os processos

formativos e os espaços de formação e atuação como forma de atender as exigências

geradas pela contemporaneidade.

Schön considera o profissional reflexivo como aquele que supera a racionalidade

técnica, ou seja, a “epistemologia da prática derivada da filosofia positivista, construída

nas próprias fundações da universidade moderna” (2000, p. 15). Afirma ainda:

A racionalidade técnica diz que os profissionais são aqueles que solucionam problemas instrumentais, selecionando os meios técnicos mais apropriados para propósitos específicos. Profissionais rigorosos solucionam problemas instrumentais claros, através da aplicação da teoria e da técnica derivadas de conhecimento sistemático, de preferência científico (2000, p. 15).

Quanto a introdução nas discussões sobre a formação de profissionais da epistemologia

da prática, Pimenta e Ghedin (2005) apontam que esta foi a base ao que se

convencionou denominar de professor pesquisador. Atrelado a esta concepção de

professor, vieram a tona,

[...] questões organizacionais, o projeto pedagógico das escolas, a importância do trabalho coletivo, as questões referentes à autonomia dos professores e das escolas; as condições de trabalho, de carreira, de salário, de profissionalização de professores; a identidade epistemológica (quais saberes lhes são próprios?); os processos de formação dessa identidade, incluindo a vida, a história, a trajetória pessoal e profissional; as novas (e complexas) necessidades colocadas às escolas (e aos professores) pela sociedade contemporânea das novas tecnologias, da informação e do conhecimento, do esgarçamento das relações sociais e afetivas, da violência, da indisciplina, do desinteresse pelo conhecimento, gerado pelo

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reconhecimento das formas de enriquecimento que independem do trabalho; das novas configurações do trabalho e do desemprego, requerendo que os trabalhadores busquem constantemente re-qualificação através de cursos de formação contínua etc. (2005, p. 21).

Libâneo, tratando sobre a reflexividade do professor, apresenta dois tipos. A

reflexividade neoliberal baseada no positivismo, no neopositivismo, no tecnicismo,

“cujo denominador comum é a racionalidade instrumental” (2005, p. 62). O outro tipo

trata-se da reflexividade crítica pautada na hermenêutica, na Teoria da ação

comunicativa de Habermas. A seguir quadro comparativo entre a neoliberal e a crítica.

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Características comuns do contexto • Alteração nos processos de produção decorrente dos avanços científicos e tecnológicos • Estreita ligação ciência-tecnologia • Reestruturação produtiva • Intelectualização do processo produtivo

• Empoderamento dos sujeitos – Flexibilidade profissional

Reflexividade crítica

Reflexividade neoliberal (linear, dicotômica, pragmática)

Características do professor crítico-reflexivo • Fazer e pensar, a relação teoria e

prática • Agente numa realidade social

construída • Preocupação com a apreensão

das contradições • Atitude e ação críticas frente ao

mundo capitalista e sua atuação • Apreensão teórico-prática do real • Reflexividade de cunho

sociocrítico e emancipatório Orientações teóricas

Marxismo/neomarxismo

• Construtivismo histórico-cultural ou socioconstrutivismo ou interacionismo sociocultural

Reconstrucionismo social

• Reflexividade crítica

Fenomenologia • Apreensão subjetiva do real • Reflexividade hermenêutica

Características do professor reflexivo

• Fazer e pensar, relação entre teoria e prática

• Agente numa realidade pronta e acabada • Atuação dentro da realidade instrumental • Apreensão prática do real • Reflexividade cognitiva e mimética

Orientações teóricas

• Paradigma racional-tecnológico • Cognitivismos • Ciência cognitiva e teoria do

processamento da informação • Pragmatismo • Tecnicismo • Construtivismo piagetiano

Libâneo, 2005, p. 63.

Nesta discussão sobre o professor reflexivo, é importante que consideremos que “a

experiência docente é espaço gerador e produtor de conhecimento, mas isso não é

possível sem uma sistematização que passa por uma postura crítica do educador sobre

as próprias experiências” (PIMENTA E GHEDIN, 2005, p. 135). Além do

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conhecimento da experiência a identidade do professor se constrói em um tripé de

saberes: a experiência, o conhecimento e pedagógicos.

Feitas estas considerações, ressaltamos que neste artigo a nossa proposta é discutir, ou

melhor, refletir sobre a formação dos docentes profissionais19, como contribuição para a

discussão de que todo professor, independente do nível de atuação (Educação Básica ou

Educação Superior) deve ter sua formação construída em pressupostos técnicos,

científicos e pedagógicos.

Breve histórico da docência universitária no Brasil

A docência universitária brasileira iniciou-se de forma embrionária20 no período

colonial, por volta de 1540, quando a Companhia de Jesus, responsável pela educação

dos colonos, oferecia também nos Colégios os cursos de Teologia e Artes (Filosofia).

A docência dos jesuítas, neste período, era baseada na filosofia escolástica, tendo como

fundamento “a concepção do homem como criação divina, de passagem pela Terra e

que deve cuidar em primeiro lugar, da salvação da alma e da vida eterna.” (ARANHA,

1996, p. 72). Seguiam a pedagogia do Ratio Studiorum.

Embasada no Ratio atque Instituto Studiorum como plano de estudos, o método de

ensino escolástico constitui-se de quatro fases: a leitura (lectio), o comentário (glossa),

as questões (quaestio) e a discussão (disputatio). Trata-se de uam educação livresca,

acadêmica, universalista e aristocrática, pautada na unidade de professor e também da

matéria.

19 Denominamos docente profissional os profissionais liberais em exercício docente no Ensino Superior. 20 Consideramos forma embrionária, pois o ensino superior na condição de Faculdade, Universidade só foi implantado no Brasil a partir da chegada da corte portuguesa ao país.

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O conhecimento tomado como algo posto, indiscutível, pronto e acabado, devia ser... repassado, e a memorização era concebida como operação essencial e recurso básico de ensino e aprendizagem. O material de ensino era comum a todas as escolas jesuíticas, independentemente do país em que se encontravam, e estava contido no documento chamado Ratio Studiorum, cabendo aos professores apenas cumpri-lo (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p. 146).

O objetivo do ensino jesuítico era salvar almas. Por isso a formação e

personalidade de cada professor (sacerdote) eram fundamentais para a eficácia do

método. A função da ação docente era a transmissão do conteúdo determinado no Ratio

Studiorum, através de um modelo de exposição, que segundo Pimenta e Anastasiou

(2002), era uma aula expositiva quase palestra, acompanhada de exercícios que seriam

resolvidos pelos alunos e utilizavam a avaliação como uma forma de controle rígido e

preestabelecido. As autoras afirmam ainda que:

Nas escolas jesuíticas, efetivou-se a manutenção de um modelo único, com controle rígido dentro e fora da sala de aula, e uma hierarquia de organização de estudos. Como resultado, o aluno passivo e obediente, que memoriza o conteúdo para a avaliação, numa estrutura rígida de funcionamento do processo de ensino-aprendizagem. (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p. 147).

Segundo estas autoras, no modelo jesuítico de ensino superior, a ação docente era a de

transmitir o conhecimento indiscutível, pronto e acabado para os alunos, que deveriam

ser acompanhados pelos professores (sacerdotes).

A docência do ensino superior com base nos dogmas jesuíticos foi superada a partir da

introdução das idéias do racionalismo iluminista, em meados do século XVIII, período

em que ocorreram transformações políticas, econômicas e culturais. Vale lembrar que o

Iluminismo “consistia na celebração da razão em oposição a qualquer religião revelada,

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consistente com a fé na ordem racional do mundo, a exaltação da ciência experimental e

da técnica.” (CUNHA, 2007, p. 44), opondo-se à visão de ciência da Igreja Católica.

Neste período, há a sobreposição do antropocentrismo ao teocentrismo. O homem passa

a se preocupar mais com o mundo material e objetivo do que com o celestial. Torna-se

mais observador e racional. A Revolução Científica, provocada pelas descobertas de

Galileu Galilei, de Nicolau Copérnico e de Isaac Newton, também contribuiu para esta

mudança de paradigma.

Segundo Capra,

Nos séculos XVI e XVII, a visão de mundo medieval, baseada na filosofia aristotélica cristã, mudou radicalmente o mundo. A noção de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo como máquina, e a máquina do mundo tornou-se a metáfora dominante da era moderna. Essa mudança radical foi realizada pelas novas descobertas em física, astronomia e matemática, conhecidas como Revolução Científica e associadas aos nomes de Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e Newton (1996, p. 34).

No campo das idéias, foi René Descartes que revolucionou o mundo moderno com o

método do pensamento analítico. Esta nova forma de pensar, segundo Descartes,

consiste em compreender o todo a partir da compreensão das partes.

Descartes introduziu o racionalismo21, base filosófica do período moderno, com a sua

frase “Penso, logo existo” - cogito, ergo sum . Em Discurso do Método, seu trabalho

mais conhecido, mostra que o homem possui três tipos de idéias: as adventícias, aquelas

originadas das sensações, percepções, lembranças, que vêm a partir de uma experiência

sensorial ou sensível das coisas a que se referem; as fictícias, aquelas criadas em

fantasia e imaginação, compondo seres inexistentes com partes de idéias adventícias que 21 Assim chamado porque considera somente razão fonte do conhecimento verdadeiro, e esta, descarta a experiência sensível, mas a controla.

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estão na memória e por último as inatas, são aquelas inteiramente racionais e, segundo

ele, o homem já nasce com elas.

Aliado ao racionalismo, o positivismo, doutrina iniciada por Auguste Comte, introduz a

compreensão do indivíduo como aquele que passa por “diversos estágios até o estado

positivo, que se caracteriza pela maturidade do espírito humano.” (ARANHA, 2006, p.

205). Segundo Cunha (2007) o positivismo ao combater o catolicismo, defendia o

ensino livre de qualquer privilégio, ou seja, qualquer pessoa poderia ensinar qualquer

coisa a quem quisesse, e contestava o poder da universidade controlada pela Igreja.

Com conhecimentos disseminados pela Revolução Científica e pela Revolução das

idéias deu-se início a um novo período da história do pensamento educacional e,

logicamente, universitário no mundo.

Como afirmam Filho Almeida e Santos (2008), o olhar renascentista introduziu no

mundo universitário a ciência da natureza e do mundo físico, antes visto como campo

de conhecimento da filosofia natural, e desta maneira “o ensino de disciplinas

científicas começou a se organizar dentro das universidades, na nova Faculdade de

Filosofia.” (FILHO ALMEIDA E SANTOS, 2008, p. 87).

As idéias kantianas chegam ao Brasil por intermédio dos aristocratas, funcionários da

alta hierarquia e jovens que só tinham como alternativa de ensino superior a

Universidade de Coimbra, já reestruturada pela Reforma Pombalina.

Pombal reestruturou a Universidade de Coimbra administrativa e academicamente,

afastando a Companhia de Jesus e substituindo o estudo da filosofia e de letras pelo

estudo das línguas modernas - o francês, o inglês e o italiano - bem como das ciências –

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matemática e física, das ciências da natureza e de disciplinas técnicas como estatística,

hidrostática, hidráulica, arquitetura civil e militar.

A reforma da Universidade de Coimbra, de 1770, é a mais conhecida medida de reforma educacional de Pombal. Às suas quatro faculdades maiores, de Teologia, Cânones, Direito e Medicina, foram acrescentadas as de Matemática e de Filosofia, destinada esta ao ensino das ciências naturais. O conhecimento da natureza, baseado na observação, em vez de deduzido do pensamento dos sábios antigos, transformou-se na principal atividade não só da Faculdade de Filosofia, mas também das de Direito e de Medicina. Essa reforma, em Coimbra, ‘foi a destruição da velha Universidade, com seus colégios conventuais e o seu ensino imobilizado e imobilizante, e a criação da Universidade Moderna, muito mais aberta a toda luza que vinha dos países de Newton, Descartes, Boerhave – ao mesmo tempo que lucidamente atenta, pela primeira vez, a muitos aspectos da vida nacional.’ (CUNHA, 2007, p. 51).

Segundo Romanelli, a Reforma Pombalina ocasionou um desmantelamento do sistema

administrativo de ensino.

A uniformidade da ação pedagógica, a perfeita transição de um nível escolar para outro, a graduação, foram substituídas pela diversificação das disciplinas isoladas. Leigos começaram a ser introduzidos no ensino e o Estado assumiu, pela primeira vez, os encargos da educação (2000, p. 36).

A partir de 1808, com a transferência do Rei e da corte portuguesa para o Brasil, se fez

necessário organizar administrativamente à Colônia. Foram criados, com a autorização

do príncipe regente, D. João, os cursos superiores não teológicos, com sentido

profissional prático nas áreas de engenharia civil e militar, médica, agricultura e

economia. “A primeira instituição de ensino superior do Brasil foi a Escola de Cirurgia

do Hospital Real Militar, fundada na Bahia em 1808. [...]. No mesmo ano, nove meses

depois, foi fundada uma instituição similar no Rio de Janeiro [...].” (FILHO ALMEIDA

E SANTOS, 2008, p. 93-4).

A criação de outras instituições acadêmicas – Medicina, Leis, Engenharia e Belas Artes

– só aconteceu após a independência do Brasil, em 1822, mas, ressaltamos que a

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predominância do modelo português de universidade escolástica permaneceu e só na

primeira república (1889) é que a substituição deste pelo modelo francês de liceu e

école supérieure. Este último predominou até aproximadamente a década de 30, já no

século XX.

Como afirma Cunha (2007), estas instituições de ensino superior objetivo era formação

de burocratas para o Estado e especialista na produção de bens simbólicos, e, como

subproduto, a formação de profissionais liberais22. Esta iniciativa marca oficialmente o

início, de fato, do ensino superior brasileiro.

Inicialmente, a universidade brasileira seguia o modelo jesuítico, após o movimento

iluminista e a reforma pombalina adotou o modelo francês, cuja concepção de

universidade é de uma organização responsável pela formação de burocratas para o

desempenho das funções do Estado. É o modelo de uma organização não universitária,

escolas isoladas, centralizador e fragmentado, porém profissionalizante, centrada em

cursos e faculdades.

A partir de então, a concepção pedagógica base da docência passa a ser a:

[...] inspirada no Verdadeiro método de estudar, do Padre Luiz Antônio Verney. Esse autor inspirou-se nos pensadores que elaboravam as bases da ideologia da sociedade capitalista, principalmente John Locke. Na Educação de Locke, no Método de Verney [...], o conhecimento não deve ser retirado dos livros nem das pessoas consideradas sábias, mas da natureza. Suas leis devem ser estudadas não só para aumentar o conhecimento sobre o mundo e sobre o homem, como também para permitir maior eficiência na sua exploração. [...] (CUNHA, 2007, p. 57).

22 Eram os profissionais que podiam se estabelecer e vender seus serviços a quem os procurassem. Enquadram-se neste grupo os engenheiros, os médicos, os advogados, os arquitetos, os agrônomos, os químicos etc. Esta expressão surge em virtude da defesa dos positivistas pelo exercício livre de todas as profissões, independentemente de qualquer título escolástico, acadêmico ou outro.

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Entretanto, ressaltamos que a mudança no pensar não resultou na mudança no modus

faciendi da docência universitária, permanecendo a mesma forma de ensino – aula

expositiva, quase palestra, o professor o transmissor do conhecimento e o aluno um

expectador. Continua-se com um ensino magistrocêntrico. Como asseguram Pimenta e

Anastasiou:

Com respeito à sala de aula, esse modelo não altera as características próprias do modelo jesuítico. A forma pela qual se efetiva a relação entre professor, aluno e conhecimento se mantêm. O professor é o transmissor do conhecimento e, no estudo de obras clássicas, a aceitação passiva das atividades propostas, a importância da memorização do conteúdo pelo aluno como sua obrigação primordial, a força da avaliação como elemento essencialmente classificatório são características do ensino na universidade. Reforçam-se aí, elementos do ensino jesuítico, que refletem aquele conjunto de valores e atendem aos objetivos napoleônicos, em que o processo de “condicionamento” pretendido é preservado com uma metodologia tradicional, com uma pedagogia de manutenção, não havendo intencionalidade para a criação de conhecimento (2002, p. 150).

Para Masetto (2003a), o modelo francês não foi transplantado na sua totalidade, mas nas

suas características de escola autárquica com uma supervalorização das ciências exatas

e tecnológicas e a conseqüente desvalorização da filosofia, da teologia e das ciências

humanas.

Assim, a docência universitária era exercida por profissionais bem sucedidos no

mercado de trabalho, conhecedores do “como fazer”. O ensino nestas instituições tem

um caráter técnico, ou seja, de transmissão de conhecimentos e experiências

profissionais por um professor que sabe e conhece para um aluno que não sabe e não

conhece.

Já o modelo alemão introduziu no ensino superior brasileiro, no século XX,

principalmente na década de 40, com o desenvolvimento industrial e econômico do

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país, a pesquisa científica, pois a sua finalidade é a resolução de problemas. Nesta

estrutura de universidade surge uma nova forma de docência – o docente-pesquisador.

Este modelo alemão de universidade foi criado, no século XIX, no período iluminista,

por Wilhelm von Humboldt, quando era ministro da Instrução da Prússia. A idéia de

Humboldt de universidade, como nos conta Cambi (1999), era o lugar onde o docente

orientava as pesquisas realizadas pelo aluno.

Este trabalho deve inspirar-se na “unidade da ciência” e encontra no empenho individual o momento essencial e qualificante, já que a ‘aula coletiva’ não é senão um “aspecto secundário’ da vida universitária, ao passo que é essencial “que se viva uma série de anos para si e para a ciência, em estreita comunhão com pessoas de igual idade e animadas dos mesmos interesses e com a consciência de que no mesmo lugar existe um certo número de homens perfeitamente cultos que se dedicam apenas á ampliação e à exaltação da ciência (CAMBI, 1999, p. 423).

O modelo de universidade humboltiana a investigação científica é que define o eixo de

integração do ensino superior e o credenciamento do que pode ou não ser ensinado nas

universidades, sendo a pesquisa a base da verdade para o ensino das faculdades.

Segundo Filho Almeida e Santos, “a reforma humboltiana foi a maneira que a

universidade encontrou de trazer para dentro de si quase que um mandato institucional e

político sobre a produção da ciência.” (2008, p. 89).

Em relação à docência universitária, segundo Pimenta e Anastasiou (2002), o modelo

alemão promoveu a união de professor/professor e professor/aluno através da pesquisa,

nos institutos, que tinha por objetivo a formação profissional e nos centros de pesquisa,

que se destinavam ao desenvolvimento da ciência em prol do desenvolvimento do país.

Numa proposta em que ‘o professor não existe para o aluno, mas ambos para a ciência’, fica estabelecida uma forma de relação em parceria na direção da construção do conhecimento em que não prevalece tanto a figura do professor transmissor como uma metodologia tradicional autoritária, centrada no saber docente a ser

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transmitido. Um novo papel é solicitado ao aluno na direção da construção do conhecimento, que se entende estar em movimento e transformação. Nesse contexto deve, ao menos, coexistir uma pedagogia da transformação (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p. 151).

O modelo alemão de universidade predominou no Brasil até a deflagração, na década de

60, da ditadura militar. Esta mudança no regime político do Brasil provocou mudanças

em todas as instâncias do estado brasileiro. No âmbito educacional, a publicação da Lei

5.540/68, que promoveu a reforma universitária e resultou em mudanças significativas

no ensino superior. Houve uma separação entre pesquisa e ensino. À graduação coube a

responsabilidade de formação dos quadros profissionais, reforçando o caráter

profissionalizante do modelo francês. À pós-graduação coube a responsabilidade da

pesquisa.

Sobre a reforma universitária ocorrida em 68, Aranha afirma:

[...] a definitiva implantação da pós-graduação, com cursos de mestrado e doutorado, recebeu significativo apoio a partir da década de 1970, por fundamentar a concepção de desenvolvimento nos governos militares. Apesar desse propósito inicial, esses cursos expandiram-se, garantindo o desenvolvimento da pesquisa e melhorando a qualificação dos professores universitários (2006, p. 317-8).

De acordo com Pimenta e Anastasiou (2002), as mudanças ocorridas no final da década

de 60 foram resultado dos acordos MEC/USAID23, preparatórios para o período da

chamada universidade funcional, “etapa de um caminho de transformação da concepção

23 MEC/USAID. Foram acordos firmados entre as duas instituições para o desenvolvimento da educação brasileira.

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da universidade como ‘instituição social’ para uma concepção de ‘universidade

organizacional’.” (2002, p. 152).

Para Gadotti (2003), com a estrutura implantada no país, determinada pela Lei 5.540/68,

nasce uma universidade autoritária, a serviço do capitalismo americano. Segundo este

autor, a Reforma desta época adotou o modelo americano de universidade com sistema

de créditos, dois níveis de pós-graduação (mestrado e doutorado), regime de tempo

integral e de dedicação exclusiva, exame vestibular unificado e classificatório. Esta

estrutura permaneceu até o fim do período da ditadura militar.

A democracia brasileira promulgou a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDBN) – Lei 9.394/96, cuja finalidade da educação superior é criar e

sistematizar, através do ensino, pesquisa e extensão, novos conhecimentos, reorganizar

e difundir conhecimentos já existentes, formar profissionais e preparar pessoas para a

educação permanente.

Quanto à formação docente, a nova LDBN determina o locus de formação do docente

universitário, explicitado no Título VI, art. 66:

Art. 66 A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.

O resultado desta determinação foi um aumento na procura por cursos de pós-graduação

por profissionais liberais, como via de acesso ao magistério superior, uma vez que foi

também crescente o número de instituições de ensino superior (IES) em todo país.

Apesar de já haver uma grande quantidade de profissionais com a titulação exigida pela

LDBN, os problemas de caráter didático-pedagógico continuam a acontecer. As IES

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convivem com problemas referentes à avaliação, relacionamento professor/aluno,

didática. Isto nos conduz a uma reflexão, que faremos no tópico a seguir, referente à

identidade, saberes e espaços formativos do docente do ensino superior.

A seguir, trataremos sobre os conhecimentos necessários para o exercício da docência

universitária.

Docência Universitária: muito mais que conhecimento técnico

Vasconcelos (2000) explicita que a preocupação com a formação pedagógica do

docente universitário vai além do domínio de técnicas metodológicas ou do

conhecimento de diferentes abordagens de ensino. Entretanto, demonstra sua

inquietação, ou talvez seja, indignação, em relação à entrada de profissionais liberais no

campo da docência universitária, apenas com o conhecimento técnico da disciplina que

irá ministrar aulas.

Também concordando com Vasconcelos, autores como Pimenta e Anastasiou (2002),

Masetto (2003a, 2003b), Veiga (2000, 2005) pesquisam sobre a formação do docente

universitário. O olhar clínico deles busca dar conta de quais as características que

tornam um profissional liberal (contador, administrador, bibliotecário, analista de

sistema, economista etc.) em professor e também em qual contexto dar-se-á a formação

deste profissional para o exercício do magistério no ensino superior.

Na contemporaneidade, a formação do docente para o ensino superior deve transcender

a visão fragmentada do conhecimento, a disciplinaridade e a supervalorização do

conhecimento técnico da disciplina a ser ministrada. Este profissional necessita

compreender que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades

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para a sua produção ou a sua construção.” (FREIRE, 1996, p. 25). Ao docente do

ensino superior cabe a percepção de que

[...] desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado (FREIRE, 1996, p. 25).

Assim, acreditamos que a docência no ensino superior deve ser embevecida do espírito

socrático expresso na frase “Só sei que nada sei”. Desta forma, podemos entender que o

ato de ensinar na universidade deve ser exercido sob o enfoque do conhecimento como

provisório, relativo e histórico. Assim, sob a ótica do paradigma da complexidade, se

provoca nos docentes a busca de uma prática docente para além da fragmentação e da

reprodução do conhecimento. Para além do conhecimento técnico, uma prática que

entenda o ensino como produção do conhecimento que:

[...] propõe enfaticamente o envolvimento do aluno no processo educativo. A exigência de tornar o sujeito cognoscente valoriza a reflexão, a ação, a curiosidade, o espírito crítico, a incerteza, a provisoriedade, o questionamento, e exige reconstruir a prática educativa proposta em sala de aula (BEHRENS, 2005, p.55).

Este profissional, ao pensar a sua prática docente, deverá ter em mente o “para quê” o

“para quem”, o “onde” e o “o quê” ensinar, como também “o quê sabem os alunos”, “o

que querem os alunos”, “que tipo de sociedade quer no futuro”, “qual o sentido de

aprender”, além de entender como se dá o processo de aprendizagem em adultos.

Na verdade, o docente universitário terá que ter competência técnica, ou seja, o

conhecimento específico da disciplina que irá ministrar, mas também a competência

pedagógica, isto é, o conhecimento referente ao processo ensino-aprendizagem.

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Vasconcelos (2000), tratando sobre a formação do docente do ensino superior, afirma

que a universidade como lócus de formação dos quadros profissionais de nível superior,

tem como função, portanto, a formação dos seus docentes, tendo em vista questões do

conhecimento técnico, mas também conhecimentos referentes ao processo ensino-

aprendizagem. Afirma ainda:

[...] fundamental importância de levar o docente universitário,..., a refletir sobre sua prática profissional enquanto professor. Suas facilidades e limitações, bem como as de seus alunos, devem ser analisadas no sentido de buscar o entendimento necessário da sua própria ação. Por que ensina, para que ensina e para quem ensina são questões básicas que, se respondidas, levarão imediatamente a outras perguntas decorrentes e absolutamente necessárias: como se aprende, quando se aprende e de que forma melhor se aprende? (2000, p.21).

Na docência universitária é importante que entre o professor e o discente não haja falhas

de comunicação, expressas em falas discentes como “o professor sabe mas não sabe

passar o conteúdo” ou “ o professor não tem didática” expressas na fala dos docentes

como “os alunos não estudam, por isso não conseguem ter boas notas na avaliação”.

O docente universitário deve compreender que aprendizagem é resultado de uma

interação dialógica e saudável, de forma a provocar mudança de comportamento tanto

do docente como do discente.

Desta forma, pensar o processo ensino-aprendizagem como ato comunicativo é

compactuar com a visão de Sousa quando afirma que:

Aprender e ensinar constituem duas actividades muito próximas da experiência de qualquer ser humano: aprendemos quando introduzimos alterações na nossa forma de pensar e de agir, e ensinamos quando partilhamos com o outro, ou em grupo, a nossa experiência e os saberes que vamos acumulando (2003, p. 35) (grifo nosso).

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Considerar o ensino como sinônimo de partilhar é entendê-lo como uma ação muito

mais ampla do que apenas a transmissão, apresentação ou explicação do conteúdo a ser

discutido na disciplina. O ato de ensinar passa a ter a preposição com ao invés de para.

Ou seja, docente e discente colocam-se na condição de ensinantes e aprendentes, sendo

os dois participantes ativos do processo de construção de conhecimento. Para tanto, é

preciso que o docente universitário entenda o ensinar como um verbo de ação e

possuidor de duas dimensões – a da utilização intencional, a intenção de ensinar, e a de

resultado, a efetivação da meta pretendida (a aprendizagem).

Assim, docência e discência se completam, caminham juntas no processo ensino-

aprendizagem. Como diz Freire (1996, p. 25-6), “quem ensina aprende ao ensinar e

quem aprende ensina ao aprender... Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa.”

Sob este ângulo, para o exercício da docência universitária é importante não apenas a

competência técnica, mas também a pedagógica, a científica e a humana. A

competência pedagógica, porque compreende os conhecimentos referentes ao ensino e a

educação. Com este conhecimento, a docência torna-se muito mais que o “saber dar

aula”. Como afirma Vasconcelos (2000), o ensino sob esta ótica contempla também

questões do planejamento de ensino visto como um todo. Diz a autora:

É da competência pedagógica que surge, naturalmente, o comprometimento com as questões do ensino e da Educação. È quando se trabalha a formação pedagógica do professor que se dá a ele o tempo, absolutamente indispensável, para ‘pensar’ a Educação: seus objetivos, seus meios, seus fins, seu raio de influência, seu envolvimento com a sociedade, seu compromisso com todos os alunos que pela escola passam (2000, p. 31).

Ao pensarmos sobre a competência pedagógica, devemos ampliar a sua abrangência. Na

nova conjuntura complexa, em teia, a competência pedagógica tem o significado de

“fazer aula”, propriamente dito, ou seja, o momento de encontro entre os protagonistas

(docente e discente) do processo de ensinagem, mas também as ações que precedem

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este momento. É exercer a docência universitária dentro do contexto da complexidade,

considerando as implicações geradas pela visão de totalidade, e que docente e discente,

ambos, são os atores daquele processo.

Para uma prática pedagógica inovadora no ensino superior é necessário que o docente

universitário supere a idéia de, como diz Masetto (1998, p.11), “quem sabe,

automaticamente, sabe ensinar”. Ou seja, é preciso que o professor se conscientize de

que:

[...] a docência, como a pesquisa e o exercício de qualquer profissão, exige capacitação própria e específica. O exercício docente no ensino superior exige competências específicas, que não se restringem a ter um diploma de bacharel, ou mesmo de mestre ou doutor, ou, ainda, apenas o exercício de uma profissão (MASETTO, 1998, p. 11) (grifo nosso).

Nesta discussão sobre a docência no ensino superior, é preciso entender que assim como

o médico, o engenheiro, o advogado, o enfermeiro, o economista, o contabilista etc.

precisam de uma formação específica para atuar como tal, também o docente

universitário necessita agregar à sua formação profissional à formação para a docência.

Ou seja, a docência exige conhecimentos específicos para um exercício reflexivo,

crítico e comprometido com a formação cidadã do discente.

É claro que a docência no ensino superior, assim como em outros níveis de ensino,

exige conhecimentos específicos sobre o processo ensino-aprendizagem. Hoje,

devemos, como docentes universitários, entender que o objetivo central do ensino é a

aprendizagem dos discentes, isto é, ter o entendimento de que o nosso trabalho deve

privilegiar o processo ensino–aprendizagem, enfatizando a construção e produção e não

apenas a transmissão de conhecimentos. Assim, ao prepararmos as nossas aulas nos

faremos a seguinte pergunta, como sugere Masetto (1998), “o que meus alunos

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precisam aprender para se tornarem cidadãos profissionais competentes numa sociedade

contemporânea?”.

Desta forma, estaremos produzindo uma prática docente cuja finalidade é à

aprendizagem significativa. Isto é, promoveremos a autonomia do discente de forma

que ele se sentirá seguro e desafiado para buscar novos conhecimentos. Nesta

perspectiva, ocorre uma superação de uma prática pedagógica que valoriza apenas o

“escutar”, “ler”, “decorar” e “reproduzir”.

É importante que o docente universitário introduza a sua performance a cooperação, a

solidariedade, a compreensão, a parceria, o diálogo, como diz João Cabral de Melo Neto

em texto “Tecendo a manhã”

Um galo sozinho não tece uma manhã; Ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele; E o lance a outro; de um outro galo; Que apanhe o grito que um galo antes; E o lance a outro; e de outros galos; Que muitos com muitos outros galos se cruzem; Os fios de sol de seus gritos de galo; Para que a manhã, desde uma teia tênue,Se vá tecendo, entre todos os galos; E se encorpando em tela, entre todos; Se erguendo tenda, onde entrem todos; Se entretendendo para todos, no toldo; (a manhã) que plana livre de armação; A manhã, toldo de um tecido tão aéreo; Que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Referências

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CAMBI, Franco. História da pedagogia. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 1999.

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CUNHA, Maria Isabel da (Org.). Reflexões e práticas em pedagogia universitária. São Paulo: Papirus, 2007. EYNG, Ana Maria; ENS, Romilda Teodora; JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo (Orgs.). O tempo e o espaço na educação: a formação do professor. Curitiba: Champagnat, 2003. FILHO ALMEIDA, Naomar de. e SANTOS, Boaventura de Sousa. A universidade no século XXI: para uma universidade nova. Coimbra: Almedina, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 19 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001. GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Trad. Raul Fiker. 6 ed. São Paulo: UNESP, 1991. GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. LIBÂNEO, José Carlos. “Reflexividade e formação de professores: outra oscilação do pensamento pedagógico brasileiro?” In: PIMENTA, Selma Garrido e GHEDIN, Evandro (Orgs). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2005. MASETTO, Marcos (Org.). Docência na universidade. 6 ed. São Paulo: Papirus, 1998. MASETTO, Marcos T. Competências pedagógicas do professor universitário. São Paulo: Summus, 2003b. SOUSA, Óscar C. de. “Aprender e ensinar: significados e mediações”. In: TEODORO, António e VASCONCELOS, Maria Lucia (orgs.). Ensinar e aprender no ensino superior: por uma epistemologia da curiosidade na formação universitária. São Paulo: Cortez, 2003. PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2002. PIMENTA, Selma Garrido e GHEDIN, Evandro (Orgs). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2005. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 24 ed. Petrópolis: Vozes, 2000. SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000. SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2001. VASCONCELOS, Maria Lucia Marcondes Carvalho. A formação do professor do ensino superior. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 2000.

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TECITURAS IDENTITÁRIAS:

DAS EXPECTATIVAS ÀS POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO PROFI SSIONAL DOS

DISCENTES QUE SE FAZEM PEDAGOGOS

Ednilze Moura RODRIGUES*

Diana Leia Alencar da SILVA**

Resumo: A tecitura da identidade profissional de cada discente que se faz pedagogo implica em

um processo de reconhecimento desse, antes de tudo, como pessoa humana. Nesse caminho, o

sujeito se transforma social, cultural e profissionalmente, mudando a sua forma de sentir e

pensar o mundo. Isso foi o que percebemos durante a nossa trajetória em um curso de

Pedagogia. Resta, ao final, investigar qual identidade prevalece ao final dessa etapa de vida,

algo pretendido através do presente trabalho, que teve como objetivo refletir sobre a importância

da formação inicial para a consolidação da identidade profissional dos pedagogos em formação.

Especificamente, objetivou-se identificar, com base na legislação vigente, o campo de atuação

do Pedagogo; explicitar os elementos constituintes da identidade do pedagogo e por fim,

analisar as percepções e expectativas dos alunos concluintes do curso de Pedagogia da

instituição X, do 2º semestre de 2009, em relação à profissionalização possibilitada pelo curso.

Metodologicamente trabalhou-se com um estudo de caso pautando nos estudos Gil (2002),

analisando-se qualitativamente as informações coletadas através de questionários com questão

abertas e fechadas. Os resultados permitiram concluir que o curso de Pedagogia, vem sofrendo

mudanças em seu percurso histórico, expressas por alterações nas legislações que o ampara e

fundamenta. Foi visto também que a despeito do lócus do curso em questão continuar sendo a

formação de profissionais para a educação, o campo atual de trabalho do pedagogo é amplo,

* Licenciada em Pedagogia pela Faculdade Dom Pedro II.

** Professora orientadora da Faculdade Dom Pedro II; Mestrado em Desenvolvimento Humano e

Responsabilidade Social pela Fundação Visconde de Cair; Especialista em Educação de Jovens e Adultos

pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB); Graduada em Pedagogia (UNEB); Licenciada em Letras.

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ultrapassando os limites dos muros escolares. Verificou-se também que a opção pelo curso está

entrelaçada e é influenciada pela história de vida de cada aluno que se faz pedagogo e que a

expressiva maioria dos concluintes ainda opta pela área da educação. Por fim, concluímos que o

curso em pauta possibilita aos discentes delinearem a

sua identidade profissional, uma vez que todos os licenciandos entrevistados além de

explicitarem claramente sua opção na área da Pedagogia, registraram a sua intenção de

prosseguirem estudando, através de especializações na área

escolhida.

Palavras-chave: Pedagogia. Identidade. Profissionalização.

Introdução

No caminho que percorre durante a sua formação pessoal e profissional cada pessoa humana se

transforma e modifica o contexto onde se insere, ainda que essas mudanças nem sempre sejam

visíveis à maioria das pessoas. Nesse caminho, projetos de vida são repensados, valores éticos e

estéticos fortalecidos e sonhos são recoloridos, por vários caminhos, inclusive pela educação,

dando sentido à própria existência de cada ser. Isso foi o que percebemos durante a nossa

trajetória em um curso de Pedagogia. Resta, ao final, investigar qual identidade prevalece ao

final dessa etapa de vida, algo pretendido aqui.

A metodologia utilizada foi a abordagem qualitativa, por meio de estudo de caso

coletivo24, sendo para tal, seguidas as fases para o desenvolvimento de estudo de caso

apontadas por Gil (2002).

24

De acordo com Gil (2002, p. 139) o estudo de caso do tipo coletivo tem como propósito estudar

características de uma população, tornando possível aprimorar o conhecimento acerca do universo a

que pertencem os sujeitos estudados.

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115

O texto foi organizado em três seções: na primeira, conceitua-se pedagogia e pedagogo, reflete o

campo de atuação dos pedagogos e curso de pedagogia e o mercado de trabalho na atualidade;

na segunda trata-se da educação e construção de identidades, refletindo-se, para tal, sobre a

identidade profissional do pedagogo e sobre os elementos identitários da pedagogia; e por fim,

apresenta-se a partir de uma pesquisa realizada em uma turma de concluintes do curso de

Pedagogia, as percepções e expectativas dos discentes acerca do curso.

Espera-se com o trabalho contribuir, ainda que modestamente, para a compreensão da profissão

de Pedagogia e do processo de formação da identidade profissional dos sujeitos que por esse

ofício optam.

O campo de atuação do Pedagogo

No momento atual, vem se ampliando a discussão sobre a área de atuação do pedagogo. Nessas

discussões, evidencia-se cada vez mais a premência de uma formação para esse profissional que

contemple também aspectos que ultrapassam a docência.

Mas o que significa ser um pedagogo? Qual o seu campo de atuação? E como se apresenta o

mercado de trabalho pra esses profissionais? Essas serão as questões discutidas nas seções a

seguir.

Pedagogia e Pedagogos: Conceituação

No campo de trabalho do pedagogo a priori, a educação é entendida como um processo

contínuo do aprender e ensinar, no ato de educar. Segundo Aranha, a educação não é a simples

transmissão da herança dos antepassados, mas o processo pelo qual também se torna possível a

gestação do novo e a ruptura com o velho. Ainda diz:

A educação é um conceito genérico, mais amplo, que supõe o

processo de desenvolvimento integral do homem, isto é, de sua

capacidade física, intelectual e moral, visando não só a formação de

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116

habilidades, mas também do caráter e da personalidade social (2002,

p. 50-51).

De acordo com Farias et al (2009, p. 56), a educação tem um importante papel na formação

humana, na constituição de homem critico e autônomo.

Isso porque tem o papel de intervir na preparação desse homem comprometido com o projeto

de transformação da sociedade e como sujeito histórico, ao longo de sua escolaridade.

De acordo com Brandão:

A educação continua o trabalho da vida, instalando-se no domínio

eminentemente humano de trocas: de símbolos, de intenções, de

padrões de cultura e de relações de poder, devendo assumir, sempre a

perspectiva de continuidade ao desenvolvimento de homens e

mulheres, fazendo-os evoluir, tornando-os mais humanos (1981 apud

FARIAS et AL, 2009, p. 57).

A educação está envolvida com a questão política, econômica e social de cada indivíduo. Sendo

assim a educação não pode ser considerada como um mero veículo transmissor, mas também

como um instrumento de reflexão critica cultural adquirida com os novos valores. Libâneo diz

que:

[...] a educação corresponde, pois, a toda modalidade de influencia e

inter-relações que convergem para a formação de traços de

personalidade social e do caráter, implicando uma concepção de

mundo, idéias, valores, modo de agir que se traduzem em convicções

ideológicas, morais, políticas, princípios de ação frente a situações

reais e desafios da vida pratica. Nesse sentido, educação é instituição

social que se ordena no sistema educacional de um país num

determinado momento histórico (1994, p. 22-23).

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Para esse autor, a educação interfere na formação de cada individuo influenciando nas questões

políticas, sociais, econômicas e culturais, de forma que não pode ser considerada como um

simples transmissor, mas também como um objeto de estudo da Pedagogia como uma ação

educativa.

Para Ghiraldelli Junior (2007, p. 2), a palavra “pedagogia” em um sentido lato25, é um campo de

conhecimentos que abriga o que chamamos de “saberes da área da educação” – como a filosofia

da educação, a didática, a educação e a própria pedagogia, tomada então em sentido estrito.

Ainda de acordo com Ghiraldelli Junior (2007, p. 2), a pedagogia está ligada às suas origens na

Grécia antiga. Nesse espaço e tempo histórico, aquele que os gregos antigos chamava de

“pedagogo” era escravo que levava a criança para o local da relação ensino-aprendizagem; não

era exclusivamente um instrutor, ao contrário, era um condutor, alguém responsável pela

melhoria da conduta geral do estudante, moral e intelectual:

O escravo pedagogo tinha a norma para a boa educação; se, por acaso,

precisasse de especialistas para a instrução – e é certo que precisava –,

conduzia a criança até lugares específicos, os lugares próprios para o

“ensino de idiomas, de gramática e cálculo”, de um lado, e para a

“educação corporal”, de outro ( GHIRALDELLI Junior, 2007, p. 2)

Para Aranha (2002, p. 151), o pedagogo estabelece objetivos realizáveis, busca os meios para

atingi-los, verifica a sua eficácia, revê os processos utilizados. Só dessa forma a educação se

torna instrumento real de transformação.

Concordando com a autora o que se pode perceber é que o pedagogo não é um mero condutor,

vai muito além desse conceito; ele também educa utilizando a educação como objeto de

transformação social e intelectual.

25

Lato do Lat. Latu; adj., largo; dilatado; extenso; duplo. DICIONARIO..., 2009.

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Campo de Atuação dos Pedagogos

A formação do pedagogo está voltada, conforme as Diretrizes Curriculares para o Curso de

Pedagogia, (BRASIL, 2006), à formação inicial para o exercício da docência na Educação

Infantil e nos anos iniciais do Ensino fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade

Normal, e em curso de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em

outras áreas nas quais sejam previstas conhecimentos pedagógicos, inclusive em áreas

relacionadas à educação informal.

Já se pode perceber, a partir do exposto, o caráter abrangente da Pedagogia na esfera da

educação. Ao contrário da maior parte das licenciaturas, que direcionam a ação dos

profissionais para uma determinada área do conhecimento, o Pedagogo tem diante de si um

campo aberto a múltiplas possibilidades, podendo atuar desde a docência à coordenação.

Para possibilitar ao pedagogo atuar em diferentes espaços da educação as Diretrizes em pauta

assim sinalizam em seu artigo 3º:

O estudante de Pedagogia trabalhará com um repertório de

informações e habilidades composto por pluralidade de

conhecimentos teóricos e práticos, cuja consolidação será

proporcionada no exercício da profissão, fundamentando-se em

princípios de interdisciplinaridade, contextualização, pertinência e

relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética.

No artigo 4º o caráter abrangente da profissão aqui em pauta é mais uma vez ressaltado e

ampliado. Isso porque neste artigo é afirmado que o pedagogo pode ainda atuar em atividades

relacionadas a planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos

e experiências educativas não-escolares e produção e difusão do conhecimento científico-

tecnológico do campo educacional em contextos escolares e não escolares (BRASIL, 2006).

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Fonseca (2006) sinaliza que nos últimos anos, tem se tornado cada vez mais freqüente o apelo

ao caráter multidimensional da pedagogia, como campo de conhecimento, e, por conseguinte, a

reivindicação de seu alcance a diversas esferas da prática social. Assim afirma:

Cada vez mais ganha relevo o discurso que busca apontar e justificar a ampliação dos espaços de atuação profissional do pedagogo, para além do ambiente escolar [...] é assim, por exemplo, que tem sido destacada a presença deste profissional nas empresas, envolvido em tarefas de seleção e treinamento de recursos humanos e no desenvolvimento de competências profissionais requeridas pelos processos de reestruturação do trabalho e da produção. Igualmente, aponta-se a presença do pedagogo nos meios de comunicação, atuando em atividades de consultoria na formulação de campanhas informativas e materiais de conteúdo educativo. Da mesma forma, assinala-se a participação do profissional da pedagogia, no campo da assessoria educativa a atividades desenvolvidas por movimentos sociais, organizações não governamentais, instituições públicas, etc. Mais recentemente, a emergência de experiências educativas em modalidades não presenciais, especialmente aquelas mediadas pelas novas tecnologias, tem sido apontada como mais um espaço que se abre ao exercício profissional do pedagogo (FONSECA, 2006, p. 1).

A ação do pedagogo, portanto, ultrapassam as paredes da escola. É este um profissional,

conforme explicitado por Fonseca, habilitado a trabalhar em diversos campos do mercado,

inclusive muitos não relacionados diretamente à educação formal.

De acordo com Silva (2008,) o caráter polivalente do curso de pedagogia vem está em sintonia

com lógica do mercado de trabalho atual. Isso porque esse exige um trabalhador que tenha

múltiplos conhecimentos, uma visão generalizada do processo de produção, além de interesse e

disposição para uma formação continuada, na perspectiva de aprendizagem permanente para o

trabalho.

Verifica-se, assim, que possibilidades para o pedagogo, em termo de mercado profissional, são

animadoras. Quer seja pelas diretrizes, que abre um leque de probabilidades para a

profissionalização em pedagogia, considerando que os pedagogos podem atuar em ambientes

formais ou não formais de educação, quer seja pela demanda atual do mercado, que exige

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formações com visões menos restrita do processo de produção, o campo de trabalho aparenta ser

promissor. Ao pedagogo, nesse universo de possibilidades, resta definir sua opção e a sua

identidade profissional, conforme discutido a seguir, para bem atuar no campo escolhido.

Da identidade ao fazer do Pedagogo

De acordo com Papi (2005), a identidade profissional é uma construção que se processa durante

toda a vida o sujeito. Iniciada na etapa de escolha da profissão, de acordo com essa autora,

amplia-se ao longo da formação inicial e da vivência do profissional nos diferentes espaços

institucionais onde esse desenvolve sua profissão. É nesse movimento, que o pedagogo, um

educador em essência, cria-se e recria-se a cada momento, dando sentido a sua ação de ser e

estar no mundo.

Norteada pelos saberes profissionais e pelos valores de ordem ética e deontológica26, a

identidade profissional do educador é influenciada pela individualidade e interação de cada

professor com os grupos sociais com os quais se relaciona. Como esclarece Farias et al (2009, p.

58) “esses universos distintos, mas articulados pela pessoa do professor, matizam e ampliam as

experiências que o constituem como sujeito único, mas plural por abrigar modos diversos de

“estar” no mundo” .

26

O termo Deontologia surge das palavras gregas “déon, déontos” que significa dever e “lógos” que se

traduz por discurso ou tratado. Sendo assim, a deontologia seria o tratado do dever ou o conjunto de

deveres, princípios e normas adotadas por um determinado grupo profissional. Disponível em:

(http://servidor3fes. br//disciplina/dir/eti/%E9tica%20e%20deontologia%20introdu%E7%E3o.doc -).

Acesso em: 27 de out. de 2009.

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Vale lembrar que a despeito das possibilidades do pedagogo atuar em diversificados campos de

trabalho, sua ação é essencialmente educativa. É nesse sentido que Papi (2005) esclarece que o

fato desse ser um dos principais agentes da formação dos alunos faz com que a qualidade dos

resultados da aprendizagem seja inseparável da qualificação, da competência e por via de

conseqüência, da identidade docente desses. Daí porque, ao ver de Libâneo, “a construção e o

fortalecimento da identidade profissional precisam fazer parte do currículo e das práticas de

formação inicial e continuada” (2001, p. 65).

Farias et al (2009), identifica a influência de três elementos no processo de constituição da

identidade dos profissionais que se fazem educadores: a história de vida, a formação e a prática

pedagógica. Esses elementos, por sua vez, representariam duas dimensões envolvidas no

processo de socialização através do qual o individuo se torna educador: a pessoal e a

profissional.

Ainda de acordo com Farias et al (2009) a primeira das dimensões refere-se a influencia de

elementos de natureza biográfica no modo como cada educador se forma profissionalmente; a

segunda destaca a formação e suas relações com os saberes e experiências relacionadas à práxis.

A história de vida refere-se às vivências do sujeito na família, nos grupos sociais com os quais

interage e às diversas experiência desse no mundo e com o mundo. Essa história evidencia que

cada profissional “como qualquer pessoa, tem uma história própria, traz as marcas do tem em

que vive, dos lugares e das condições concretas de sua existência” (FARIAS et al, 2009, p. 60-

61).

Farias et al (2009, p. 66-67) explica que a o segundo dos três elementos - a formação - diz

respeito a um processo “inacabado, com lacunas, mas profundamente comprometido com a

maneira de ler, explicar e intervir no mundo”. O último elemento – a pratica pedagógica –

refere-se ao processo de tomada de decisões do educador, quase sempre apoiadas nos nas

crenças, valores e normas do seu grupo.

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Da enumeração e descrição dos elementos identitários relacionado por Farias et al (2009) é

possível constatar esses, a despeito de não serem únicos, são de especial relevância para o

processo de constituição de identidade do pedagogo. Isso porque, a nosso ver, tanto a história de

vida quanto as experimentações e vivências propiciadas pela formação e pela prática

profissional, tem implicações na formação da identidade desses pedagogos, ou seja, na

construção identitária dos que se fazem pedagogos, conforme pode ser percebido no resultado

da pesquisa apresentada na seqüência.

Profissionalização em Pedagogia: percepção e expectativas dos

pedagogos em formação

Após a realização dos estudos teóricos, foi efetuada uma pesquisa para investigar as percepções

e expectativas dos alunos do 7º semestre do curso de Pedagogia da instituição X. A cada aluno

foi entregue um questionário com 8 questões fechadas e 12 questões abertas.

As questões fechadas visavam levantar as informações necessárias para se traçar o perfil do

grupo. Já as questões abertas permitiram identificar a visão do grupo sobre o curso de

Pedagogia, assim como apurar suas expectativas iniciais e atuais em relação à formação que

estavam concluindo. Os resultados, analisados qualitativamente são apresentados a seguir.

Caracterização do Público Pesquisado

Na caracterização foi indagado ao grupo sobre sexo, cor, estado civil, números de filhos, renda

individual, profissão atual e faixa etária e a formação acadêmica.

Com relação ao sexo, o grupo revelou a predominância de mulheres, pois 90% dos alunos

pesquisados são do sexo feminino.

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Observa-se também que 60% (Figura 2) dos participantes se afirmam como de cor negra. Dentre

os demais, 30% se dizem pardos27 e 10% brancos. Com esses dados verifica-se que a maioria

dos alunos é de cor negra enquanto a minoria é de cor branca.

0

10

20

30

40

50

60

Cor

Gráfico 2 – Cor dos Participantes

.

Na questão do estado civil a pesquisa revelou que 50% dos entrevistados são casados; 30% são

solteiros e 20% são separados. Indagados sobre o número de filhos, 40% do grupo afirmou

possuir 01 filho; 30% disse não ter filhos. Os 10% restantes dos entrevistados revelou possuir de

2 a 4 filhos. Neste caso percebe-se que há certo equilíbrio na questão da natalidade dentre os

participantes.

Com relação à renda mensal, conforme evidenciado no gráfico a seguir, 50% dos entrevistados

não a declararam; dos demais, 30% afirmam que recebem de R$800,00 a R$965,00, 15% diz

que se enquadra na faixa de R$1000,00 a R$2000,00 e 5% diz receber aproximadamente

R$500,00.Verifica-se que a renda salarial desses futuros pedagogos hoje situada na faixa salarial

entre 1 a 2 salários mínimos.

27

Pardo adj. 1.Que é de cor escura, entre o branco e o preto; 2. de cor pouco brilhante, entre o amarelo

e o castanho; sm 3. mulato. DICIONARIO..., 2009

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124

05

101520253035404550

Renda Individual

Gráfico 5 – Renda Individual

Em relação à profissão atual, no total dos pesquisados 95% dos entrevistados disse exercer a

profissão de professor, enquanto 5% trabalham em área não-escolar.

A analise da idade dos entrevistados revelou que 40% do grupo tem idade superior a 40 anos.

Dos demais, 30% estão na faixa de 36 a 40 anos; 20% na faixa de 25 anos e 10% estão na faixa

de 26 a 35 anos.

Em síntese, a analise dos dados revelou que o grupo de Pedagogia abordado no presente

trabalho tem o seguinte perfil: predominância do sexo feminino, negros, casados, com mais de

40 anos, com uma quantidade de 1 a 2 filhos atuante na área de educação na profissão de

professor percebendo em média 2 salários mínimos, embora já tendo alguns exercendo a

profissão de coordenador. Nota-se o que têm mais em comum, e que nos chamou atenção, é

construção de identidade profissional ao longo do curso na busca de profissionalização na

perspectiva de atuar em diversos campos de trabalho.

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História de vida e a busca pelo curso de Pedagogia

Como visto no decorrer deste artigo, os elementos que compõem a identidade profissional dos

educadores – história de vida, formação e prática docente- tem papel de destaque no processo de

escolha e de formação dos educadores. A pesquisa realizada com o grupo de licenciados que

estão concluintes do curso de Pedagogia ratifica esta constatação, conforme pode ser constatado

nas respostas sobre os motivos da escolha do curso:

O que me motivou escolher o curso de pedagogia foi a

obrigatoriedade da Lei de Diretrizes e Base em relação ao curso de

magistério (Depoente1);

[...] a principio a exigência do nível superior e a certeza de que seria

um passo para a minha pós-graduação em Matemática (Depoente2).

A despeito da diversidade presente nas respostas, as informações contidas nestas atestam que

todas as escolhas estão relacionadas a um dos três elementos relacionados à formação da

identidade docente: os relatos dos depoente1 e 2 nos reportam para questões vistas em seções

anteriores com relação a formação de professores conforme a lei vigente para a qualificação do

profissional em educação, com um diferencial do depoente 2 que já pensava fazer uma

especialização.

Demonstrando sintonia com as demandas atuais, da profissão e mostrando conhecimento sobre

as possibilidades de atuação do pedagogo para além da escola, os depoentes assim revelaram:

Minhas expectativas iniciais em relação ao curso era estudar tudo

sobre a nova educação e suas perspectivas (Depoente1);

Minha expectativa inicial foi estudar para atuar em outras áreas que

não fosse professor (Depoente2);

[...] adquirir subsídio para minha formação (Depoente3);

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126

Minha expectativa inicial foi que o curso iria oferecer aprimoramento

para meu trabalho (Depoente4).

É importante destacar que nem todas as escolhas pela profissão estavam atreladas ao desejo de

atuar na docência. Veja o que os depoentes revelaram:

Minha expectativa atual em relação ao curso é sair da faculdade com

uma experiência ampliada com relação à educação brasileira

(Depoente1);

[...] possibilidades de novas descobertas, apenas o inicio (Depoente2);

[...] ampliar cada dia o meu conhecimento, terminar o curso e fazer

pós-graduação (Depoente3);

[...] atuar em muitas áreas profissionais, não só escolares

(Depoentes4).

Em relação ao ser pedagogo, os depoentes assim disseram:

Ser pedagogo é fazer uma leitura de mundo (como diz Freire),

respeitando as diferenças com uma postura crítica analisando o ser de

maneira completa e não fragmentada – o pedagogo ver o mundo com

sentimento de que pode melhorar as relações do mundo (Depoente1);

Ser pedagogo é está em contínua pesquisa para obter conhecimento

constante (Depoente2);

[...] dividir conhecimentos e aprender novas experiências

(Depoente3);

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[...] buscar novos conhecimentos para vencer desafios que envolva

educação (Depoenrte4).

O que se pode perceber é que a concepção atual dos depoentes sobre o que é ser pedagogo em

nada lembra o conceito que se tinha na Grécia sobre esse profissional. O grupo aponta através

dos depoimentos não só amorosidade em relação à profissão escolhida, mas a percepção do

papel estratégico que o pedagogo pode desempenhar nas organizações humanas.

Em relação às expectativas à atuação profissional, os depoentes revelaram conhecimento sobre a

amplitude do seu campo de atuação:

Como pedagogo poderei atuar profissionalmente como orientadora,

coordenadora, supervisora, gestora etc. (Depoente1);

[...] professora, coordenadora, diretora, consultora empresarial

(Depoente2);

[...] de acordo com a Lei, nos espaços escolares e não-escolares

(Deoente3);

Como pedagogo poderei atuar como coordenadora, também na área de

recursos humanos e relações interpessoais (Depoente4);

[...] consultora, coordenadora: pedagógica, empresarial e hospitalar

(Depoente5).

Com relação às implicações do curso para a melhoria da qualidade de vida profissional e

pessoal de cada um, os alunos assim disseram:

O curso de Pedagogia me possibilitou melhorar na minha prática em

as de aula (Depoente1);

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[...] ampliar meus conhecimento e melhor salário (Depoente2);

[...] a trabalhar na área de coordenação e buscar novos horizontes

(Depoente3);

[...] a atuar como coordenador pedagógico levando em consideração a

aquisição da ampliação de conhecimentos em torno da educação

desenvolvendo trabalhos e como consultora no setor de

desenvolvimento pessoal (Depoente4);

[...] criar e mediar mine palestra, cursos de formação continuada; após

a conclusão do curso (Depoente5).

Verifica-se nos depoimentos, considerando as discussões sobre identidade profissional ao longo

deste trabalho que o grupo não fica neutralidade nem tão pouco na imparcialidade, em se

tratando de suas opções. Os depoentes já revelam escolham, inclusive dentre do universo

educacional:

Pretendo após concluir o curso, trabalhar como pedagogo na área não

– escolar (Depoente1);

[...] passar em concurso público (Depoente2);

[...] como psicopedagoga após especialização (Depoente3);

[...] professora de Jovens e Adultos – EJA (Depoente4);

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129

Pretendo após concluir o curso, trabalhar como coordenadora

pedagógica ou gestora na área escola (Depoente5).

No que diz respeito às insatisfações referentes ao curso de Pedagogia, os depoentes afirmam:

Se pudesse mudaria no curso de Pedagogia a abrangência às

disciplinas que envolva o espaço não – escolar (Depoente1);

[...] o sistema de avaliação (provas) (Depoente2);

[...] implantaria o incentivo a pesquisa recomendando para o curso de

Pedagogia pela necessidade de pessoas envolvidas com o processo de

ensino aprendizagem no campo de trabalho (Depoente3).

Como se pode ver, diante dessas insatisfações desses depoentes no que diz respeito ao curso de

Pedagogia á a necessidade de se contemplar no curso de forma mais forte as outras dimensões

da profissão.

Indagados sobre suas dificuldades durante o curso, alguns depoentes revelam que poderiam tê-

las desde que:

Aprenderia melhor durante o curso se tivesse mais tempo para a

leitura e melhores condições financeira para investir em cursos

(Depoente1);

[...] se o curso fosse mais prolongado, como o de medicina e direito

(Depoente2);

[...] se tivesse mais tempo para estudar (Depoente3);

[...] se fosse pelo turno da manhã (Depoente4).

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Observando os relatos que foram permeando as respostas, pode-se constatar a satisfação e a

importância atribuída pela maioria dos depoentes à sua formação profissional.

Recomendo o curso de Pedagogia, pois nos possibilita perspectiva de

transformação (Depoente1);

[...] para quem ama educar, porque possibilita um aprendizado

significativo (Depoente2);

Não recomendo porque a instituição não valoriza o curso, nem quem o

faz (Depoente3);

[...] é o melhor curso em humanas (Depoente4);

Não recomendo o curso de Pedagogia a quem não for audacioso (a) e

não tem compromisso profissional e ético (Depoente5);

Sim, todo professor deve está se qualificando, principalmente através

da academia (Depoente6).

Com relação à continuidade dos estudos, o grupo assim revelou:

Pretendo continuar a estudar após concluir o curso porque estarei na

pós-graduação da EJA e Psicopedagogia (Depoente1);

Pretendo continuar estudando, porque quem atua na área de educação

deve está sempre atualizando com as mudanças que haverão de surgir

(Depoente2);

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[...] com certeza, o estudo amplia o conhecimento e nos torna mais

sensível para compreender o mundo e as relações nele existente

(Depoente3);

[...] preciso de uma pós-graduação em Gestão, ou Recursos humanos

(Depoente4);

Pretendo continuar a estudar porque tenho um sonho (Depoente5);

O próximo curso que farei será Pedagogia Hospitalar (Depoente6);

[...] pós em Matemática e na seqüência doutorado (Depoente7);

[...] será pós-graduação em Gestão de pessoas (Depoente8);

O próximo curso farei mestrado na área de Educação Infantil ou

especialização em Metodologia do ensino superior, para trabalhar na

orientação e ajudar novos profissionais (Depoente9);

[...] especialização em Educação de Jovens e Adultos (Depoente 10);

Farei o curso de Jornalismo, adoro me comunicar (Depoente 11);

Farei especialização em Psicopedagogia (Depoente8).

Considerando as respostas dos depoentes nessa questão, verifica-se que os futuros profissionais

têm expectativas de continuarem buscando novos conhecimentos, investindo cada vez mais na

mudança profissional.

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Os resultados evidenciam que a exemplo desta autora, os alunos do curso renovaram ao longo

da sua trajetória os seus propósitos iniciais hoje já ampliados pelo desejo de continuar

estudando. Evidenciam, também, através desta escolha, os reflexos positivos do curso, pois a

maioria, além de revelar interesse em sua área profissional, percebe sua formação como

importante, ainda que criticamente aponte falhas possíveis de serem superadas no curso em

questão.

Considerações Finais

Propomo-nos através desse artigo a refletir sobre a importância da formação inicial para a

construção da identidade profissional dos discentes que se fazem pedagogos, com base na

legislação vigente. Não foi esta uma investigação fácil, pois esta autora, por estar embrenhada

no universo pesquisado, necessitou de não por poucas vezes, procurar se afastar das suas

próprias sensações e percepções, no intuito de melhor analisar as respostas dos pesquisados.

A pesquisa mostrou um rico e diversificado campo de trabalho para o pedagogo, evidenciando

que sua atuação pode se dar tanto no âmbito da docência ou não. A despeito disso, mostrou que

a atuação desse profissional está relacionada à ação educativa, ainda que essa não ocorra no

âmbito da educação formal. Viu-se também a necessidade de se trazer a pauta de discussão a

questão da identidade do pedagogo, principalmente porque os elementos que a compõe norteiam

em grande parte a ação desse.

As informações dos sujeitos pesquisados revelaram, dentre outros, a maturidade do grupo e a

ratificação do intento inicial, ao buscar o curso, a amorosidade da maioria pela profissão e a

influência da história de vida, da formação e da prática na constituição da identidade: as

expectativas iniciais da maioria dos discentes que se fazem pedagogos, era concluir o curso

superior pelo motivo de já ter o curso de magistério (95%). Mais ainda, revelou futuros

profissionais atentos à demanda do seu tempo, pois esses 95% não percebem o fim do curso

como o fim da sua formação: a maioria pretende continuar a estudar.

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Nossa pretensão não é concluir esse trabalho, mesmo porque o discente que se faz pedagogo,

em sintonia com as demandas do seu tempo, está em constante mudança. Assim, deixo em

aberto os caminhos para investigação da identidade desse profissional que se forma e reforma a

cada dia, em contextos profissionais diversos. Os resultados de novos olhares certamente

auxiliarão aos que já optaram pela profissão, e mais ainda aos que estão pensando em escolhê-

la.

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