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Artigos São Paulo / SETEMBRO 2018 1 Artigo publicado no livro “Estudos de Direito Tributário 40 anos de Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados”, São Paulo, 2018, p. 107-134. Autor: Fabiana Carsoni Alves F. da Silva O RESULTADO DO SERVIÇO: O PIS/COFINS-IMPORTAÇÃO E O ISS 1. Objetivo do Estudo Sabe-se que, com o advento da Lei n. 10.865, resultante da conversão da Medida Provisória n. 164, de 29.01.2004, e com esteio nos arts. 149, § 2º, II, e 195, IV, ambos da Constituição Federal, foram instituídas duas novas contribuições, incidentes sobre as importações de bens e serviços, denominadas PIS-Importação e COFINS-Importação, doravante designadas simplesmente como PIS/COFINS-Importação. Para os fins deste estudo, é importante verificar o teor do § 1º do art. 1º da Lei n. 10.865, que define o campo de incidência das contribuições em foco na importação de serviços, fazendo-o nos seguintes termos: “Art. 1º Ficam instituídas a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público incidente na Importação de Produtos Estrangeiros ou Serviços – PIS/PASEP-Importação e a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior – COFINS-Importação, com base nos arts. 149, § 2º, inciso II, e 195, inciso IV, da Constituição Federal, observado o disposto no seu art. 195, § 6º.

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São Paulo / SETEMBRO 2018

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Artigo publicado no livro “Estudos de Direito Tributário 40 anos de Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados”, São Paulo, 2018, p. 107-134.

Autor: Fabiana Carsoni Alves F. da Silva O RESULTADO DO SERVIÇO: O PIS/COFINS-IMPORTAÇÃO E O ISS

1. Objetivo do Estudo Sabe-se que, com o advento da Lei n. 10.865, resultante da

conversão da Medida Provisória n. 164, de 29.01.2004, e com esteio nos arts. 149, § 2º, II, e 195, IV, ambos da Constituição Federal, foram instituídas duas novas contribuições, incidentes sobre as importações de bens e serviços, denominadas PIS-Importação e COFINS-Importação, doravante designadas simplesmente como PIS/COFINS-Importação.

Para os fins deste estudo, é importante verificar o teor do § 1º do

art. 1º da Lei n. 10.865, que define o campo de incidência das contribuições em foco na importação de serviços, fazendo-o nos seguintes termos:

“Art. 1º Ficam instituídas a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público incidente na Importação de Produtos Estrangeiros ou Serviços – PIS/PASEP-Importação e a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior – COFINS-Importação, com base nos arts. 149, § 2º, inciso II, e 195, inciso IV, da Constituição Federal, observado o disposto no seu art. 195, § 6º.

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§ 1º Os serviços a que se refere o caput deste artigo são os provenientes do exterior prestados por pessoa física ou pessoa jurídica residente ou domiciliada no exterior, nas seguintes hipóteses: I – executados no País; ou II – executados no exterior, cujo resultado se verifique no País.”

De acordo com esse dispositivo, os serviços provenientes do

exterior, quando prestados por pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior, são alcançados pelas exações em comento: (i) se constituírem serviços executados no Brasil, (ii) ou se constituírem serviços executados no exterior, mas cujo resultado se verifique no Brasil.

Interessa-nos analisar especificamente o significado da expressão

“cujo resultado se verifique no País”, contida no inciso II do § 1º do art. 1º da Lei n. 10.865, a qual tem sido objeto de incessantes debates, desde a edição da Lei Complementar n. 116, de 31.07.2003, que disciplina o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS, e que contém norma semelhante a respeito, não da importação, mas da exportação de serviços, a qual não se submete à incidência do imposto, como seja.

“Art. 2º O imposto não incide sobre: I – as exportações de serviços para o exterior do País; [...] Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior”.

Neste estudo, buscaremos estabelecer critérios para o exame do

termo “resultado”, empregado pela legislação do ISS e do PIS/COFINS-Importação. Após a identificação destes critérios, verificaremos como a jurisprudência, administrativa e judicial, e também o fisco, municipal e federal, têm se posicionado sobre a matéria, analisando se os critérios que julgamos adequados para a compreensão e aplicação das normas de regência daqueles tributos vêm, ou não, sendo observados.

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Iniciemos, então, pela identificação dos critérios para definição do que se deve entender por “resultado”.

2. O “resultado” do serviço como elemento definidor da

hipótese de incidência das contribuições sociais incidentes na importação e da isenção do ISS

O art. 149 da Constituição Federal, no inciso II do seu § 2º, prevê que

as contribuições sociais “incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços”. O inciso III, “a”, do mesmo dispositivo acrescenta que as contribuições incidentes na importação poderão ter alíquotas ad valorem e base de cálculo correspondente ao valor aduaneiro da operação.

Em adição ao art. 149, o art. 195, IV, da Constituição Federal ainda

estabelece que a seguridade social será financiada por contribuições sociais, dentre elas a cobrada do “importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar”.

Com fundamento nos art. 149, § 2º, II e III, “a”, e 195, IV, da

Constituição Federal, a Lei n. 10.865 institui o PIS/COFINS-Importação incidente na importação de bens e serviços.

No que tange aos serviços provenientes do exterior, prestados por

pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior, a tributação abrange: (i) a hipótese de serviços executados no Brasil; e (ii) a hipótese de serviços executados no exterior, mas cujo resultado se verifique no Brasil (§ 1º do art. 1º da Lei n. 10.865).

No tocante ao ISS, o art. 156, § 3º, II, da Constituição, estabelece que

a lei complementar é responsável por “excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior”. A Lei Complementar n. 116, cumprindo esta determinação, definiu que o ISS não incide sobre as exportações de serviços para o exterior do País, não se enquadrando neste conceito o serviço desenvolvido no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior (art. 2º, I e parágrafo único).

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Note-se que a legislação do PIS/COFINS-Importação e do ISS, embora tratando a primeira de importação e a segunda, de exportação, adotou a ideia de resultado como critério definidor da incidência tributária na importação (PIS/COFINS-Importação) ou da exoneração tributária na exportação (ISS). De fato, num e noutro caso, quando o serviço for executado em um país, mas seu resultado se verificar no outro país, as normas tributárias – de incidência ou exonerativa – terão aplicação. Dada a semelhança de critérios, e para evitar repetições, facilitando a leitura e compreensão do que se pretende exprimir ao leitor, ora faremos referência às contribuições sociais, ora ao ISS, ora a ambos, ora à importação, ora à exportação. É que, tanto num como noutro caso, o que buscaremos averiguar é o local do resultado do serviço para efeito da incidência ou da exoneração.

Para iniciarmos essa investigação, é importante destacar que, de

acordo com o art. 594 do Código Civil, o qual disciplina o contrato de prestação de serviços, toda espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição. O serviço, objeto deste contrato, é decorrente de um esforço humano do qual pode resultar um bem material ou imaterial.

A intangibilidade do serviço dificulta a identificação de sua

importação. É que a importação, necessariamente, envolve um movimento de uma localidade a outra. E este movimento nem sempre pode ser aferido com facilidade quando se está diante de uma atividade imaterial ou intangível. Não por outro motivo, o legislador infraconstitucional estabeleceu dois critérios que permitem ao intérprete e aplicador da lei definir a ocorrência do fato gerador: um deles atrelado exclusivamente ao local da execução do serviço (§ 1º, I, do art. 1º da Lei n. 10.865); e outro atrelado ao local da execução do serviço e, também, ao local em que verificado seu resultado (§ 1º, II, do art. 1º da Lei n. 10.865).

O primeiro critério não traz maiores dificuldades ao intérprete e

aplicador da lei. É que, uma vez constatado que o esforço humano da pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior foi praticado no Brasil, haverá importação para os efeitos legais, é dizer, haverá o movimento considerado necessário e suficiente a dar ensejo à incidência do PIS/COFINS-Importação. Já o segundo critério desperta uma série de dúvidas, em função dos incessantes debates em torno do termo “resultado”.

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Para desatar essa controvérsia, é importante recorrermos à noção

etimológica dos termos “importação” e “resultado”, o que faremos com apoio na Lei Complementar n. 95, de 26.02.1998, cujo art. 11, I, “a”, determina que as leis devem ser elaboradas mediante o emprego de palavras em seu sentido comum, quando elas forem de uso corriqueiro, ou no seu sentido técnico, pelo qual são entendidas no campo de atividade especializada a que se referem, quando for o caso. Se as leis devem ser elaboradas em conformidade com essas regras, por decorrência, sua interpretação deve ser guiada pelas mesmíssimas regras1. Vejamos, então, o significado comum e/ou jurídico dos referidos termos.

No Novo Aurélio Século XXI, a palavra “importação” representa: “1.

Ato de importar. 2. Aquilo que se importou. 3. Introdução em um país, estado ou município de mercadorias procedentes de outro; introdução”. E o verbo “importar” significa, dentre outras acepções, “fazer vir de outro país, estado ou município; trazer para dentro”2.

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, na mesma direção,

dispõe que: “Importação – ato ou efeito de importar (trazer de fora) [...] entrada de produtos originários de outro país [...] entrada de produtos de outro estado, município ou região [...] aquisição de (ideias, pessoas, etc.) oriundos de outro país, estado, município ou região [...] tudo aquilo que se manda vir de fora [...]”. No mesmo verbete, diz-se que a palavra significa “trazer para dentro, introduzir [...]”3.

1 Como observou Ricardo Mariz de Oliveira, mesmo antes da Lei Complementar n. 95, a doutrina e a jurisprudência sempre sustentaram que, na interpretação dos textos legais, as palavras deviam ser entendidas no seu sentido comum, quando fossem de uso corriqueiro, ou no seu sentido técnico, quando referentes a campo de atividade especializada, tendo este preceito de hermenêutica sido transformado em norma para ser obedecida até pelo legislador quando do fazimento das leis por força do art. 11 da Lei Complementar n. 95 (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Cofins-importação e PIS-importação. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, 8º v., p. 408). 2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 1084. 3 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss de língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 1582.

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De Plácido e Silva, em igual sentido, destaca que importação é a “ação de trazer para dentro”, constituindo termo “empregado na terminologia jurídica e comercial para significar a introdução de mercadorias, trazidas por mar, por terra ou por ar, de um país estrangeiro para o território nacional”4.

José Eduardo Soares de Melo define importação, para fins

tributários, como o “Negócio jurídico que tem por objeto a aquisição de bens, mercadorias e produtos estrangeiros; serviços prestados no exterior, por pessoa física ou jurídica, com a finalidade básica de promover o ingresso, ou a utilização, no território nacional”5.

Como se vê, a palavra “importação” carrega a ideia de movimento de

fora para dentro. O fato de o serviço vir de fora para dentro, nos dizeres de Ricardo Mariz de Oliveira, “é aspecto essencial e indissociável da hipótese prevista constitucionalmente, estando, portanto, envolvida a internação do serviço”6.

O movimento de bens corpóreos de fora para dentro do Brasil é

tangível, físico. Por isso é que a constatação de sua importação geralmente não desperta maiores dúvidas.

Já o esforço humano efetuado pelo prestador para a realização do

serviço não é dotado desta tangibilidade. Daí que, para os casos em que a execução serviço ocorre integralmente fora do país, o legislador considerou haver importação quando o resultado da prestação ocorrer no Brasil. Ou seja, o prestador atua no exterior, mas o resultado é verificado pelo tomador no Brasil, sendo este o movimento de fora para dentro necessário à configuração do fato gerador das contribuições incidentes na importação.

4 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 792. 5 MELO, José Eduardo Soares. Dicionário de direito tributário: material e processual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 181. 6 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Cofins-importação e PIS-importação. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, 8º v., p. 407.

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A eleição do critério “resultado” está diretamente associada à ideia de serviço, enquanto atividade produtiva de uma utilidade, isto é, de um resultado útil, desejável, quisto pelo destinatário. O comportamento do prestador de serviço tende a suprir ou preencher a carência, deficiência, lacuna, ou falta sentida pelo tomador7.

O resultado, em seu sentido léxico, designa “1 o que resulta, o que é

consequência, o efeito de uma ação, de um princípio [...]”8. De Plácido e Silva, de maneira semelhante, esclarece que, em sentido comum, resultado é aplicado para exprimir “o efeito ou a consequência de algum fato ou ato: é, assim, o estado a que se chegou ou o que se originou de algum fato ou ato”9.

O resultado do serviço, nessas condições, compreende o efeito, a

consequência, a repercussão, ou a utilidade, provindos do esforço humano do prestador em favor do tomador.

O “resultado”, a que alude a Lei n. 10.865, corresponde à

possibilidade de utilização, pelo tomador localizado no Brasil, do “produto” resultante da execução do serviço. Esta possibilidade não se confunde com a conclusão do serviço. Para que o resultado do serviço se aperfeiçoe, não basta sua execução, mas a entrega do “produto” do serviço em condições de utilização pelo tomador.

Quando o serviço é produzido e utilizado no exterior, esgotando-se

sua fruição em território estrangeiro, é lá que se verifica seu resultado, não havendo que falar, nesses casos, em incidência do PIS/COFINS-Importação.

Ricardo Mariz de Oliveira destaca que “o elemento-chave para a

incidência da contribuição em apreço é a entrada física ou virtual, no território

7 BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na lei. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 36. 8 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss de língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 2443. 9 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 1373.

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brasileiro, do resultado gerado pelos serviços”10. Física ou virtual, porque, como dito acima, alguns serviços geram utilidades materiais (físicas), enquanto outros geram utilidades imateriais (virtuais). Esta entrada, seja física ou virtual, é importante, já que o movimento de fora para dentro do país (importação) é fundamental para a caracterização do fato gerador.

Sem discrepar dessas conclusões, Humberto Ávila afirmou que o

resultado, para fins tributários, deve ser aferido no local em que se faz uso da utilidade do serviço. Mais do que isso, o jurista assentou, ao tratar da norma exonerativa do ISS, que a Lei Complementar n. 116 cindiu o serviço em duas unidades de medida: desenvolvimento e resultado. Quando “o desenvolvimento ocorrer no território brasileiro, mas o seu resultado ocorrer fora dele, a própria Lei Complementar n. 116/2003 já se encarregou de solucionar a dúvida: não se enquadram na regra de isenção os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique; enquadram-se na regra de isenção os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado se verifique no exterior. O destino do resultado atrai a incidência da regra de isenção. Eis o ponto crucial”11.

Na legislação do PIS/COFINS-Importação não é diferente, pois, como

visto, quando o serviço for integralmente executado e fruído no exterior, não haverá tributação; já se o serviço for executado no exterior, mas seu produto for fruído no Brasil, caberá a incidência das contribuições incidentes na importação.

O Conselheiro Alexandre Luiz Moraes do Rêgo Monteiro, no

julgamento do Processo n. 6017.2016/0009988-1, em 18.05.2017, da 4ª Câmara do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo, teceu considerações sobre o que entende por resultado, para efeito da regra exonerativa do ISS, afirmando que o termo deve ser interpretado à luz do “princípio do destino”, acolhido pela nossa Constituição para tributos como ICMS, IPI, ISS e PIS/COFINS, e pelo qual a competência tributária para cobrar tais tributos aloca-se, primariamente, no

10 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Cofins-importação e PIS-importação. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, 8º v., p. 412. 11 ÁVILA, Humberto. Imposto sobre a prestação de serviços de qualquer natureza. Exportação de serviços. Lei Complementar n. 116/2003. Isenção: requisitos e alcance. Conceitos de ‘desenvolvimento’ de serviço e ‘verificação’ do seu resultado. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 134. São Paulo: Dialética, 2006, p. 108.

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país onde ocorre o consumo final, em contraposição ao “princípio do benefício”, acolhido para a tributação da renda auferida por não residentes. Isso, para o Conselheiro, significa dizer que o termo “resultado” deve refletir o local da fruição, é dizer, seu “consumo final”, ou utilidade dos serviços, e não o de sua conclusão, porque, não fosse assim, o legislador sequer precisaria se reportar ao vocábulo “resultado”, bastando se reportar à noção de serviços “desenvolvidos no Brasil”, já contida no texto legal.

Roque Antonio Carrazza, em igual sentido, entende que a expressão

“cujo resultado aqui se verifique”, contida na legislação do ISS, tem a acepção de local onde ocorre ou pode vir a ocorrer a fruição do serviço, isto é, local onde ele é ou pode vir a ser utilizado, ou local em que o tomador puder satisfazer a necessidade que o levou à contratação do serviço, interpretação essa, de acordo com o autor, consentânea com o princípio do destino, segundo o qual a transação internacional deve ser tributada uma só vez, no país do importador, e somente nele12.

Luís Eduardo Schoueri, ao tratar da Lei Complementar n. 116, traz

considerações semelhantes, ao invocar a ideia de resultado como proveito econômico, isto é, local em que o serviço trouxe utilidade. Mas o autor vai além, afirmando que o resultado deve ser verificado à luz da causa do respectivo contrato13.

Para Luís Eduardo Schoueri, a ideia de causa é fundamental para

que se encontre o resultado, pois, se um contrato de prestação de serviços é sinalagmático, o tomador do serviço deve pagar o preço em virtude de uma utilidade que lhe é prometida. O autor arremata dizendo que: “Não é, pois, qualquer vantagem que será suficiente para se considerar o resultado do serviço alcançado no território. Importará investigar aquela vantagem ou proveito que foi o próprio objeto: o que o serviço deveria proporcionar a seu tomador”14.

12 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 1178-1180. 13 SCHOUERI, Luís Eduardo. ISS sobre a importação de serviços do exterior. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 100. São Paulo: Dialética, 2004, p. 47. 14 SCHOUERI, Luís Eduardo. ISS sobre a importação de serviços do exterior. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 100. São Paulo: Dialética, 2004, p. 48.

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É bastante controvertido o conceito de causa jurídica. Em sua acepção subjetiva, causa compreende o fim próximo ou

imediato da conclusão do negócio, ou as representações psicológicas que fazem as partes concluir o negócio, não se confundindo com os fins mediatos ou remotos. Já em sua acepção objetiva, causa representa a finalidade intrínseca do negócio, seu fim econômico-social15.

Do ponto de vista objetivo, pode-se dizer que a função social de

qualquer contrato está ligada à sua causa, o que, nos dizeres de José Carlos Moreira Alves, corresponde à “finalidade econômico-prática a que visa à lei quando cria um determinado negócio jurídico. Assim, por exemplo, na compra e venda, a causa do negócio jurídico é a troca da coisa pelo dinheiro (preço); no contrato de locação, é a troca do uso da coisa pelo dinheiro (aluguel)”16. É um deslocamento patrimonial que justifica outro deslocamento patrimonial17. Na causa há, como ensinou Caio Mario da Silva Pereira, “um fim econômico ou social reconhecido e garantido pelo direito, uma finalidade objetiva e determinante do negócio que o agente busca além da realização do ato em si mesmo”18.

Assim, na perspectiva objetiva, a causa, enquanto função econômico-

social do negócio jurídico, constitui critério objetivo, que não se confunde com o motivo do ato, o qual é de ordem subjetiva, isto é, representa o íntimo daqueles que celebram o contrato, a razão pessoal para a feitura da avença. É oportuno, nesse ponto, novamente invocar o magistério de José Carlos Moreira Alves, que, em outro estudo, distingue a causa dos motivos para a celebração do negócio jurídico, destacando que os motivos podem ser variados, nunca interferindo com a causa do negócio, que é objetiva: 15 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 364. 16 ALVES, José Carlos Moreira. As figuras correlatas da elisão fiscal. Revista Fórum de Direito Tributário, n. 1. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 12. 17 AZEVEDO, Antonio Carlos Junqueira de. Natureza jurídica do contrato de consórcio. Classificação dos atos jurídicos quanto ao número de partes e quanto aos efeitos. Os contratos relacionais. A boa-fé nos contratos relacionais. Contratos de duração. Alteração das circunstâncias e onerosidade excessiva. Sinalagma e resolução contratual. Resolução parcial do contrato. Função social do contrato. Revista dos Tribunais, v. 832, São Paulo, p. 129, 2005. 18 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 345, v. I, 1986.

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“A causa de um negócio jurídico difere dos motivos que levaram as partes a realizá-lo. Com efeito, a causa se determina objetivamente (é a função econômico-social que o direito objetivo atribui a determinado negócio jurídico); já o motivo se apura subjetivamente (diz respeito aos fatos que induzem as partes a realizar o negócio jurídico). No contrato de compra e venda, a causa é a permuta entre a coisa e preço (essa é a função econômico-social que lhe atribui o direito objetivo; essa é a finalidade prática a que visam, necessária e objetivamente, quaisquer que sejam os vendedores e quaisquer que sejam os compradores); os motivos podem ser infinitos (assim, por exemplo, alguém pode comprar uma coisa para presentear com ela um amigo). [...] A distinção entre causa e motivo é importante porque, em regra, a ordem jurídica não leva em consideração o último”19.

A despeito de a análise da causa objetiva dos contratos contribuir

para a definição do local do resultado do serviço, ela não é bastante para solucionar a questão.

De fato, a causa – do ponto de vista exclusivamente objetivo – é

critério insuficiente para definir o local do resultado do serviço. Ainda assim, sua identificação é um dos passos necessários à compreensão dos fatos e, de conseguinte, à averiguação do local em que a utilidade do serviço é passível de fruição.

Para entender o porquê a causa objetiva não é bastante para

desvendar o resultado dos negócios jurídicos, vejamos alguns exemplos. Nos serviços jurídicos, a causa objetiva do contrato consiste na

obrigação de entregar a consultoria jurídica ou defender os interesses do cliente em processo administrativo ou judicial, mediante o pagamento do respectivo preço. A execução total das tarefas pode ocorrer no exterior. Não haverá incidência do PIS/COFINS-Importação? Depende. De fato, depende das razões da contratação. Essas razões não provêm da lei, ou da função econômico-social do contrato. Provêm, isso sim, dos interesses das partes, ou melhor, da utilidade específica pretendida pelo tomador, da razão que o conduziu a efetivar a contratação do serviço. 19 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 151.

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Assim, se o tomador encomendar a consultoria jurídica para auxiliá-

lo na tomada de decisão de investimento direto no exterior (abertura de sociedade operacional, por exemplo), a utilidade daquele serviço será trazida ou movimentada do exterior para o Brasil. Note-se: não é necessário verificar se o tomador, de fato, efetuou o investimento. Basta averiguar o efeito imediato buscado pelo tomador ao contratar o serviço. Este efeito imediato, no caso ora narrado, corresponde ao fornecimento de informações jurídicas relevantes e necessárias à tomada de decisão a respeito do investimento (por exemplo, benefícios e malefícios de determinadas estruturas societárias; regime fiscal em vigor; custos de abertura e manutenção de entidade no exterior etc.).

Se, por outro lado, a defesa do tomador ocorrer em processo

administrativo ou judicial em trâmite no exterior, com o objetivo de impedir sua condenação ao pagamento de perdas e danos em ação indenizatória, a serventia deste serviço ocorrerá no exterior20.

Em ambos os casos, a causa objetiva do contrato de serviços

jurídicos é aferível, atendida, no exterior. No entanto, na primeira situação, a utilidade do serviço, para seu destinatário, não se completa no exterior, mas no Brasil, onde ele poderá fazer uso das avaliações jurídicas e tomar suas decisões.

Outro exemplo ilustra essa dicotomia entre causa objetiva e

utilidade. Suponha-se que empresa de comunicação residente no Brasil seja contratada para realizar a filmagem de comercial, no Brasil, a ser utilizado, é dizer, a ser reproduzido somente no exterior, mais precisamente no país de localidade do tomador do serviço21. A causa do contrato, qual seja, entrega de serviço de assessoria de imprensa, mediante o pagamento do respectivo preço, verifica-se no Brasil. Mas o efeito imediato do serviço, diferentemente, ocorre no

20 Nesse sentido: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Cofins-importação e PIS-importação. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes questões atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, 8º v., p. 413. 21 Situação idêntica à relatada acima foi enfrentada no Processo n. 6017.2016/0016862-0, de 11.05.2017, pela 4ª Câmara do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo. Por maioria de votos, manteve-se a cobrança do ISS, sob a alegação de que não haveria exportação, dado que o “interesse econômico” da contratação verificar-se-ia no Brasil.

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exterior, pois o comercial produzido pela empresa brasileira não possui nenhuma serventia no Brasil, já que se destina a uso, fruição, no exterior. Há, nesta situação, exportação para os fins da norma exonerativa do ISS. A conclusão seria diversa se a produção do comercial fosse contratada por empresa não residente, e se sua execução e reprodução ocorressem no Brasil, pois, neste caso, a utilidade seria consumida no país, não ocorrendo, assim, exportação para os fins do art. 2º, I, da Lei Complementar n. 116.

Veja-se que a perquirição da causa objetiva tem a função de dar

encaminhamento à definição do local do resultado em algumas contratações, mas nem sempre é suficiente para desatar as controvérsias em torno do assunto. É necessário, também, investigar a motivação do tomador, indo além, portanto, de critérios puramente objetivos de interpretação e aplicação da norma.

O motivo, como explica Ricardo Mariz de Oliveira, “embora origem

(motivador) da vontade e determinante para a intenção, é de foro íntimo e, via de regra, não interfere com a qualificação ou a validade dos atos ou negócios jurídicos”22. No mesmo sentido, Orlando Gomes afirmou que: “Os motivos íntimos que acionam a vontade das partes são, de regra, irrelevantes, nada tendo a ver com o problema da causa. Interessa-se a ordem jurídica, entretanto, pelo propósito dos contratantes [...]”23.

Note-se que ambos os autores, ao tratarem da irrelevância do

motivo, empregaram as expressões “via de regra” ou “de regra”. O uso destas expressões encontra justificativa no fato de que o ordenamento jurídico, em alguns casos, e excepcionalmente, atribui relevância ao motivo. É o que revela, por exemplo, o art. 140 do Código Civil, segundo o qual o falso motivo vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante do negócio.

22 OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Reflexões sobre a vontade, a intenção e o motivo (e objeto e causa) no mundo jurídico). In: PARISI, Fernanda Drummond; TÔRRES, Heleno Taveira; MELO, José Eduardo Soares de (Coord.). Estudos de Direito Tributário em homenagem ao Professor Roque Antonio Carrazza: Planejamento tributário e sanções tributárias; administração tributária e Direito Processual Tributário. São Paulo: Malheiros, 2014, v. 3, p. 145. 23 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 372.

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A legislação do PIS/COFINS-Importação e do ISS também sobreleva os motivos. Com efeito, no plano do PIS/COFINS-Importação e do ISS-Exportação, o exame dos motivos pode contribuir para equacionar a identificação do local do resultado do serviço, é dizer, do local em que a prestação se tornou útil, proveitosa, surtiu efeitos ao tomador24, porque, como visto até aqui, esta análise requer perquirição do propósito, desejo ou interesse do tomador.

E, nesse passo, tornam-se importantes as proposições dos autores

que enxergam a causa por um viés subjetivo, ou seja, que investigam o fim próximo ou imediato da conclusão do negócio, ou as representações psicológicas que fazem as partes conclui-lo.

Em uma perspectiva subjetiva, alude-se à “causa concreta”. Como

explica Fábio Piovesan Bozza, diferencia-se causa abstrata (função econômico-social ou fim do ato) da causa concreta (fim prático ou resultado almejado pelas partes)25. No contrato de locação de imóvel, a causa abstrata consiste na cessão do espaço mediante retribuição (alugueres), enquanto a causa concreta pode consistir, em exemplo dado por Antonio Junqueira de Azevedo, no interesse do locatário em acompanhar o cortejo de coroação do rei inglês Eduardo VII da sacada do imóvel locado. Com o cancelamento do cortejo por motivos de segurança nacional, o negócio jurídico deixa de cumprir sua causa concreta e, pois, sua função social prática, em ofensa ao art. 421 do Código Civil26.

24 É o que defende, por exemplo, Gustavo Brigagão, para quem: “O conceito de ‘resultado’ do serviço, repito, está diretamente relacionado com o aspecto subjetivo: intenção do seu tomador ao contratá-lo, o benefício que ele visa ao requerer a prestação do serviço” (BRIGAGÃO, Gustavo. ISS não incide sobre exportação de serviços. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jul-31/consultor-tributario-iss-nao-incide-exportacao-servicos>. Acesso em 19.01.2017). 25 BOZZA, Fábio Piovesan. Planejamento tributário e autonomia privada. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 118-133. 26 AZEVEDO, Antonio Carlos Junqueira de. Palestra sobre negócio jurídico indireto, proferida na Mesa de Debates do Instituto Brasileiro de Direito Tributário em 04.05.2006. Disponível em: <http://www.ibdt.com.br/2006/integra_04052006.htm>.Acesso em 15.02.2016.

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Orlando Gomes propôs, em substituição às teorias subjetivas e objetivas da causa, uma teoria intermediária, chamada de dualista. Para ele, os subjetivistas estão muito aferrados a preconceitos psicológicos, em busca da “razão determinante” da vontade de contratar; ao passo que os objetivistas, vendo que a noção subjetiva de causa carrega uma dificuldade em separar-se o aspecto psicológico da motivação subjetiva do ato, acabam por confundir causa com conteúdo do negócio jurídico. Por esta razão, o autor propôs uma análise intermediária, ou dualista, porque, segundo ele, o propósito negocial da realização dos negócios jurídicos (ou seu aspecto funcional) tem importância fundamental, já que tais negócios constituem instrumentos da vida econômica, de modo que se faz necessário avaliar se o interesse que as partes pretendem alcançar é digno de tutela jurídica. Na teoria dualista, adota-se a causa típica dos objetivistas, sem desprezar-se, por completo, a noção subjetiva, já que a função econômico-social de cada tipo de negócio jurídico tem de ser examinada à luz do resultado visado pelas partes ao celebrá-lo27.

Tanto para a teoria dualista como para a teoria da causa concreta, o

“resultado”, o “propósito”, ou o “interesse” das partes devem compor a investigação da causa dos negócios jurídicos. É justamente este “resultado”, este “propósito”, este “interesse” que a legislação do PIS/COFINS-Importação e do ISS prestigiam, determinando sua perquirição para definir a incidência, ou não, das contribuições na importação de serviços executados no exterior, ou para efeito de exoneração, ou não, do imposto sobre serviços executados no Brasil. Assim, conquanto as representações psicológicas, como regra, não sejam importantes para a ordem jurídica, no plano do PIS/COFINS-Importação e do ISS, elas assumem um papel fundamental, enquanto critério definidor da ocorrência do fato gerador ou da caracterização da exoneração.

Daí que, embora o motivo das partes, como regra, não interfira na

validade dos negócios jurídicos, na seara do PIS/COFINS-Importação e do ISS, ele funciona como elemento de verificação da ocorrência do fato gerador ou da caracterização da exoneração e, mais, como elemento de interpretação do contrato, capaz de contribuir para a identificação do local da utilidade do serviço, isto é, do local em que o resultado é passível de fruição por seu tomador.

27 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 376.

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Contudo, não é qualquer motivo que pode ser considerado na definição do fato gerador do PIS/COFINS-Importação e da isenção do ISS.

Motivo, para aqueles fins, deve ser entendido como o fim ou

consequência imediata do negócio jurídico, não abrangendo o fim remoto ou secundário28. Assim, no serviço de pintura de obra, o fim imediato do negócio é o recebimento do quadro elaborado pelo artista. Se o destinatário tiver por fim mediato obter lucro com esta obra, seja revendendo-a no país, seja expondo-a em galeria mediante retribuição, esta é uma consequência remota do negócio, que não interfere na análise do local do resultado. Não fosse assim, todo e qualquer serviço contratado junto a terceiro no exterior fatalmente teria alguma repercussão no país e, pois, seria reputado como “importado”.

O resultado, como se vê, está vinculado ao proveito desejado pelo

tomador quando da contratação do serviço. Este proveito deve ser aferido em cada situação concreta, a partir do exame da causa jurídica (objetiva) do negócio celebrado (critério objetivo), seguido da análise do motivo imediato do tomador (critério subjetivo).

Trata-se de buscar, em qualquer caso, o que se pode denominar

“resultado-utilidade”. Nesse passo, é precisa e oportuna a distinção trazida por Sergio

André Rocha sobre duas teorias que se apresentam na tentativa de definir o “resultado”, a saber: a teoria do “resultado-utilidade”, a qual considera o local onde se fará uso da utilidade; e a teoria “resultado-consumação”, a qual considera o local onde ocorre a consumação material29.

Para nós, a segunda teoria não é suficiente para definir o conceito de

resultado, além de ser incompatível com a interpretação literal e sistemática do § 1º do art. 1º da Lei n. 10.865. É que, fosse importante somente o local da 28 Essa ideia de motivo imediato está associada à teoria dualista ou ao conceito de “causa concreta” (fim prático ou resultado almejado pelas partes), que se diferencia da “causa abstrata” (função econômico-social ou fim do ato), analisada linhas atrás. 29 ROCHA, Sergio André. O resultado do serviço como elemento da regra de incidência do PIS/Cofins-Importação e da regra exonerativa do ISS sobre exportações. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 155. São Paulo: Dialética, 2008, p. 111-112.

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execução e finalização do serviço, bastaria o legislador ter limitado a incidência tributária à hipótese do inciso I (serviços importados “executados no País”). Contudo, o legislador foi além, estabelecendo que também há importação quando a execução é completada no exterior, mas o resultado é fruído no Brasil.

Assim, a teoria “resultado-utilidade” é aquela que se mostra

compatível com a normatização do PIS/COFINS-Importação e do ISS. O “resultado” é a utilidade que o serviço visa criar, é a obtenção do produto da prestação do serviço, é a constatação da própria existência perfeita e acabada deste, entregue para consumo e utilização pelo respectivo destinatário do serviço30. É, portanto, sua consequência imediata e, para fins de incidência do PIS/COFINS-Importação, deve verificar-se dentro do País, não bastando, para os mesmos fins, a mera obtenção de um benefício indireto, tal como futuro aumento das vendas do tomador do serviço, por conta de um serviço que lhe foi prestado no exterior (importação).

Portanto, haverá incidência do PIS/COFINS-Importação se o serviço

realizado se tornar apto a cumprir as funções a que se destina no Brasil ou, em outros termos, se aqui puder ser fruído. Por sua vez, o ISS não será devido se a utilidade do serviço verificar-se fora do território nacional.

Em resumo, na definição do resultado, assim entendido como

“resultado-utilidade”, o intérprete e aplicador da lei deve avaliar: – a causa objetiva (ou abstrata) do negócio jurídico; – o motivo (ou fim) imediato do negócio jurídico; – o local em que os efeitos (fim imediato) do serviço podem ser

fruídos, ou em que a atividade contratada tem utilidade para o tomador; e

30 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Cofins-importação e PIS-importação. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, 8º v., p. 411.

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– a existência de movimento da referida utilidade de fora para dentro do Brasil, na importação, e de dentro para fora, na exportação.

A adoção desses critérios não torna a avaliação do tema menos

tormentosa. Isso porque, sendo necessário recorrer a elementos subjetivos, a avaliação acaba resvalando em juízos de valor, que podem variar. Trata-se, de qualquer modo, de critérios que buscam orientar a atividade do aplicador e intérprete do art. 1º, § 1º, II, da Lei n. 10.865 e do art. 2º, I e parágrafo único, da Lei Complementar n. 116.

Na atualidade, o que se vê é a ausência de uma orientação clara,

firme e uniforme em torno da interpretação e aplicação desse dispositivo legal. É bem verdade que houve uma tentativa de afastamento, no plano

legal, da teoria “resultado-consumação” para o ISS. Essa tentativa ocorreu por meio do projeto que resultou na promulgação da Lei Complementar n. 157, de 29.12.2016, a qual inseriu diversas alterações na Lei Complementar n. 116. No referido projeto, havia disposição no sentido de que, para efeito da norma exonerativa, “o local onde os resultados do serviço são verificados independe do local onde o serviço é realizado”, sendo necessário, em qualquer caso, o ingresso de divisas no país. Ocorre que a tentativa de equacionar a divergência em torno do tema não prosperou, eis que a disposição constante do projeto não foi, afinal, convertida em lei31.

Portanto, as divergências e os debates em torno do tema persistem.

E as manifestações das autoridades administrativas e da jurisprudência, tanto administrativa, como judicial, são díspares, assentadas que estão em critérios distintos, o que contribui para a insegurança do tema.

31 Gustavo Brigagão afirmou que a referida alteração foi retirada do projeto durante sua tramitação no Senado Federal, “deixando essa discussão ao sabor das oscilações jurisprudenciais”, cenário esse que, segundo o autor, associado à ineficiência legislativa, equivale à inexistência de normas, em franco prejuízo e insegurança aos contribuintes (BRIGAGÃO, Gustavo. Oscilação jurisprudencial do ISS se alia à ineficiência legislativa. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-mar-15/consultor-tributario-oscilacao-jurisprudencial-iss-alia-ineficiencia-legislativa>. Acesso em 23.07.2017).

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Eis o que será analisado a seguir. 3. Manifestações das autoridades fiscais e da jurisprudência

administrativa e judicial Mesmo após mais de dez anos da edição da regra exonerativa do ISS

e da norma de incidência do PIS/COFINS-Importação sobre a exportação e a importação de serviços, respectivamente, não há consenso em torno da interpretação do termo “resultado”.

Nas manifestações encontradas sobre o tema, vê-se a adoção ora da

teoria do “resultado-consumação”, ora da teoria do “resultado-utilidade”. Isso revela a dificuldade de aplicação do art. 1º, § 1º, II, da Lei n.

10.865 (PIS/COFINS-Importação) e do art. 2º, I, parágrafo único, da Lei Complementar n. 116, de 31.07.2003 (ISS), assim como revela a insegurança jurídica que o tema traz.

Nos tópicos seguintes, veremos em maiores detalhes a posição

controvertida já manifestada sobre o assunto, o que faremos de forma segregada por teoria, na tentativa de tornar a exposição mais didática. Sem prejuízo, faremos também algumas considerações sobre a causa objetiva e o motivo dos negócios jurídicos.

3.1 Teoria “resultado-consumação” O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 831.124/RJ32, analisando a

acepção semântica da palavra “resultado” para fins de incidência do ISS na exportação de serviços, considerou que o resultado do serviço de reparo de turbina de aeronave considera-se verificado, ocorrido, no local onde se conclui a execução de tal serviço, sendo importante buscar, para este fim, “o objetivo da contratação, ou seja, o seu resultado, que é o efetivo conserto do equipamento”. Se o conserto ocorreu no território brasileiro, como se deu no caso então examinado, de conseguinte, o resultado é verificado no País.

32 Rel. Min. José Delgado; 1ª Turma; DJ 25.09.2006.

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No bojo do referido acórdão, o Ministro Relator destacou que o resultado consiste na consequência, no efeito, do serviço. Ainda, afirmou também o Ministro Relator que se tratando do conserto de aeronaves e de seus equipamentos, aquelas características atinentes ao resultado do serviço se fazem presentes no local em que se “inicia, desenvolve e conclui a prestação de todo o serviço” e, ainda, onde se concretiza o objeto da contratação. Confira-se:

“Segundo os nobres doutrinadores retrocitados, considerada a acepção semântica, “resultado” é consequência, efeito, seguimento. Assim, para que haja efetiva exportação do serviço desenvolvido no Brasil, ele não poderá aqui ter consequências ou produzir efeitos. A contrário senso, os efeitos decorrentes dos serviços exportados devem-se produzir em qualquer outro País. É necessário ter-se em mente, portanto, os verdadeiros resultados do serviço prestado, os objetivos da contratação e da prestação. No caso examinado, verifica-se que a recorrente é contratada por empresas do exterior e recebe motores e turbinas para reparos, retífica e revisão. Inicia, desenvolve e conclui a prestação de todo o serviço para o qual é contratada dentro do território nacional, exatamente em Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, e somente depois de testados, envia-os de volta aos clientes, que procedem à instalação nas aeronaves. Importante observar que a empresa não é contratada para instalar os motores e turbinas após o conserto, hipótese em que o serviço se verificaria no exterior, mas, tão-somente, conforme já posto, é contratada para prestar o serviço de reparos, retífica ou revisão. Portanto, o trabalho desenvolvido não configura exportação de serviço, pois o objetivo da contratação, ou seja, o seu resultado, que é o efetivo conserto do equipamento, é totalmente concluído no território brasileiro”.

Em que pese o Superior Tribunal de Justiça tenha afirmado que o

resultado é a consequência, o efeito, ou o seguimento do serviço, a conclusão adotada decorreu, essencialmente, da identificação do local em que se completou execução do serviço, e não do local em que ele se tornou passível de fruição, já que o Ministro Relator considerou relevante o fato de que a pessoa

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jurídica “inicia, desenvolve e conclui a prestação de todo o serviço” no Brasil. Adotou-se, portanto, a teoria do “resultado-consumação”. Se o Tribunal tivesse encampado a teoria “resultado-utilidade”, certamente a conclusão seria em sentido diverso, de vez que, como explicou Sergio André Rocha, “a utilidade do serviço prestado verifica-se apenas no exterior, já que, desacopladas da respectiva aeronave, as turbinas não servem ao seu propósito”33.

É bem verdade que, de acordo com o Ministro Relator, “a empresa

não é contratada para instalar os motores e turbinas após o conserto, hipótese em que o serviço se verificaria no exterior”. A causa objetiva da contratação, como se nota, consiste no desencaixe financeiro do tomador em contrapartida da retífica ou da revisão das turbinas, não alcançando sua instalação na aeronave. Mas e quanto à utilidade, ao proveito, ou ao motivo imediato do serviço? Ele ocorre no Brasil? Não. O resultado é verificado no exterior.

Nesse sentido, o Ministro Teori Albino Zavascki, em voto vencido

proferido no mesmo caso, afirmou que, muito embora o conserto e o teste de funcionamento das turbinas ocorressem no Brasil, a utilidade do serviço prestado só seria aferida quando o tomador recebesse e instalasse aqueles bens em sua aeronaves localizadas no exterior. Veja-se:

“Penso que não se pode confundir resultado da prestação de serviço com conclusão do serviço. Não há dúvida nenhuma que o serviço é iniciado e concluído aqui. Não há dúvida nenhuma que o teste na turbina faz parte do serviço. O fato de ser testado aqui foi o fundamento adotado pelo juiz de Primeiro Grau e pelo Tribunal para dizer que o teste é o resultado. Mas essa conclusão não é correta: o teste faz parte do serviço e o serviço é concluído depois do teste. Depois disso, a turbina é enviada ao tomador do serviço, que a instala no avião, quando então, se verificará o resultado do serviço. O resultado, para mim, não pode se confundir com conclusão do serviço. Portanto, o serviço é concluído no País, mas o resultado é verificado no exterior, após a turbina ser instalada no avião”.

33 ROCHA, Sergio André. O resultado do serviço como elemento da regra de incidência do PIS/Cofins-Importação e da regra exonerativa do ISS sobre exportações. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 155. São Paulo: Dialética, 2008, p. 114.

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Com apoio na referida decisão e, pois, na teoria “resultado-consumação”, a 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, na Apelação n. 0135126-81.2007.8.26.0000, de 30.08.2012, que o serviço de consultoria desenvolvido e concluído dentro do território nacional não é exportado, sendo passível de incidência do ISS.

O Parecer Normativo SF n. 2, de 26.04.2016, do Secretário de

Finanças e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de São Paulo, na tentativa de equacionar o tema à luz da legislação do ISS, adotou a teoria do “resultado-consumação” em acepção bastante restritiva, ao considerar que “resultado” é a mera execução do serviço, sendo irrelevante o local em que seu benefício é fruído ou passível de fruição. Veja-se:

“Art. 1º Considera-se ‘resultado’, para fins do disposto no parágrafo único do artigo 2º da Lei n. 13.701, de 24 de dezembro de 2003, a própria realização da atividade descrita na lista de serviços do artigo 1º da Lei n. 13.701, de 24 de dezembro de 2003, sendo irrelevante que eventuais benefícios ou decorrências oriundas dessa atividade sejam fruídos ou verificados no exterior ou por residente no exterior. § 1º O resultado aqui se verifica quando a atividade descrita na referida Lista de Serviços se realiza no Brasil. § 2º Não se considera exportação de serviço a mera entrega do produto dele decorrente, tais como relatórios ou comunicações, bem como procedimentos isolados realizados no exterior que não configurem efetiva prestação dos serviços no território estrangeiro”.

Os equívocos desse ato normativo são de clareza solar. Não à toa, ele

restou revogado meses depois pelo Parecer Normativo SF n. 4, de 09.11.2016. Ocorre que o novo parecer normativo não resolveu a questão.

Em seu art. 1º, o Parecer Normativo SF n. 4 afirma que o serviço

considerar-se-á exportado quando a pessoa, o elemento material, imaterial ou o interesse econômico sobre o qual recaia a prestação estiver localizado no exterior, não sendo relevante a entrega do respectivo produto ao destinatário final ou de outras providências complementares.

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Ao determinar que o intérprete e aplicador da lei identifique a localidade do elemento, seja ele material ou imaterial, ou que identifique o interesse econômico, ou a localidade da pessoa sobre a qual o serviço recai, o Parecer Normativo SF n. 4 invoca critérios de grande vagueza, que podem abarcar conclusões as mais variadas.

A expressão “interesse econômico” é a que mais parece se

aproximar da teoria “resultado-utilidade”. No entanto, o ato normativo determina que outros elementos sejam analisados (elemento material ou imaterial ou pessoa), o que dificulta a identificação do critério que deve nortear a aplicação da norma exonerativa. No mais, a ressalva feita pelo Parecer Normativo SF n. 4, em sua parte final, é digna de críticas, na medida em que, a depender do resultado útil, do propósito ou do interesse do tomador, a não entrega do produto no exterior impedirá que o serviço contratado surta os efeitos desejados no momento da contratação. Portanto, como a entrega do produto pode corresponder ao fim ou motivo imediato da contratação, sua verificação não pode ser descartada de forma geral e abstrata, como fez o referido ato normativo, sob pena de desprezo da teoria “resultado-utilidade”.

Por isso, embora louvável a atitude do Secretário de Finanças e

Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de São Paulo de revogar o Parecer Normativo n. 2 meses após sua edição, o fato é que o novo parecer continua despertando dúvidas, não tendo consolidado uma linha interpretativa coerente e compreensível o bastante.

Além de não dirimir as controvérsias relacionadas à interpretação

do art. 2º, I e parágrafo único, da Lei Complementar n. 116, o referido ato normativo não rechaçou, por completo, a teoria “resultado-consumação”. Prova disso pode ser colhida no art. 2º do Parecer Normativo SF n. 4. Este dispositivo não permite que se trace um critério claro sobre o conceito de “resultado”. Mas, nele, é possível verificar a adoção da teoria “resultado-consumação” em algumas situações, quando aquele dispositivo afirma que não configuram exportações as seguintes hipóteses:

– para os serviços de informática e congêneres, se o sistema,

programa de computador, base de dados ou equipamento estiver vinculado a pessoa localizada no Brasil (teoria

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“resultado-consumação”): ora, o local físico da base de dados, dos equipamentos, ou do sistema não é suficiente para definir o resultado, fazendo-se necessário identificar a localidade em que os serviços de informática são passíveis de fruição pelo tomador, ou são úteis a seus interesses. Neste sentido, decidiu a 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo ao considerar que banco de dados hospedado no país, mas acessado no exterior, configura exportação para efeito da regra de exoneração do ISS (Apelação n. 0212939-53.2008.8.26.0000, de 1º.03.2012); e

– para os serviços de pesquisas e desenvolvimento, se a base

pesquisada se encontrar em território nacional (teoria “resultado-consumação”): ora, não basta analisar a localidade da base pesquisada, pois, mesmo que ela esteja no Brasil, a utilidade da pesquisa poderá se verificar somente no exterior (caso de pesquisas com plantas amazônicas, para a fabricação de produtos farmacêuticos cujo desenvolvimento restou autorizado somente no exterior). Na Apelação n. 1009239-95.2013.8.26.0053, de 02.06.2015, da 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, entendeu-se que a pesquisa clínica de produtos farmacêuticos, medicamentos e produtos relacionados à saúde iniciada no Brasil e remetida ao exterior para que a matriz da pessoa jurídica residente pudesse dar continuidade ao desenvolvimento dos testes tinha sua utilidade constatada em território estrangeiro.

Por derradeiro, cumpre registrar que o art. 2º do Parecer Normativo

SF n. 4 dispõe que o serviço de administração de fundos quaisquer, de consórcio, de cartão de crédito ou débito, de carteira de clientes e de cheques pré-datados não se reputa exportado quando houver investimento ou aquisição no mercado nacional. Aqui, a despeito de o ato normativo não adotar, com clareza, nem a teoria “resultado-consumação”, nem a teoria “resultado-utilidade”, ele parece confundir motivo mediato com motivo imediato.

Isso porque, mesmo não havendo efetivos investimentos e

aquisições no mercado nacional, poderá haver exportação do serviço acima

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aludido, se a administração gerar qualquer utilidade no exterior. Imagine-se, por exemplo, que a gestão no território nacional permita ao tomador no exterior analisar a prosperidade de seus negócios no país, contribuindo, assim, em sua tomada de decisão – a qual pode ou não gerar investimentos ou aquisições. Trata-se do motivo imediato, que conduz o tomador a contratar o serviço. Este é o elemento necessário e suficiente para a definição da exportação, não cabendo ao intérprete e aplicador da lei buscar os motivos mediatos, os fins secundários ou remotos do negócio jurídico, como o são os efetivos investimentos e aquisições.

Não obstante essas críticas ao art. 2º do Parecer Normativo SF n. 4,

as dificuldades em torno dos serviços de administração não se restringem à temática dos motivos do negócio jurídico. Tanto é assim que, no processo administrativo n. 2014-0.294.383-7, a 2ª Câmara Julgadora do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo decidiu, em 23.06.2015, a partir da teoria “resultado-consumação”, e não dos critérios traçados no art. 2º do Parecer Normativo SF n. 4, que “a determinação do resultado do serviço é medida por conta da efetiva prestação do mesmo, que ocorre no Brasil, indubitavelmente, vez que os ativos e a administradora do fundo, com sede e seus funcionários, estão aqui”.

Como se vê, a despeito de a teoria “resultado-consumação” não

expressar a correta interpretação do art. 1º, § 1º, II, da Lei n. 10.865, tampouco do art. 2º, I e parágrafo único, da Lei Complementar n. 116, ela vem sendo adotada em algumas decisões judiciais e administrativas, bem como em manifestações do fisco. No mais, constata-se que o fim imediato dos negócios não foi averiguado nas decisões ou atos normativos mencionados linhas atrás34, em que pese constitua elemento fundamental para a aplicação das normas em apreço, isto é, elemento de verificação da ocorrência do fato gerador do PIS/COFINS-Importação e elemento definidor da aplicação da regra exonerativa do ISS.

Vejamos, agora, as decisões proferidas em abono da teoria

“resultado-utilidade”. 34 Embora, como dito, a expressão “interesse econômico”, empregada pelo Parecer Normativo SF n. 4 constitua um indicativo de que o motivo imediato dos negócios deva ser buscado para a identificação do local de ocorrência do resultado do serviço.

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3.2 Teoria “resultado-utilidade” A teoria “resultado-utilidade” foi adotada pela Solução de Consulta

n. 447, de 24.12.2010, em que a 8ª Região Fiscal concluiu não incidir PIS/COFINS-Importação na remessa de valores destinados a pagar serviços de propaganda no exterior por entender que o resultado se verificou no exterior. No caso, as ações de promoção e divulgação deram-se no exterior, logo, a utilidade do serviço contratado deu-se por inteiro fora do país.

No âmbito do contrato de representação comercial, também há

pronunciamentos no sentido da aplicação da teoria “resultado-utilidade”. Veja-se.

Na representação comercial, como ensina Waldirio Bulgarelli, a

retribuição depende da “efetiva realização dos negócios, e recebimento, ou não, pelo representado, dos valores respectivos”35. Isso é o que consta, também, do art. 714 do Código Civil, o qual, na disciplina do contrato de agência ou distribuição, estabeleceu que “o agente ou distribuidor terá direito à remuneração correspondente aos negócios concluídos dentro de sua zona, ainda que sem a sua interferência” (destacou-se). Somente dessa maneira, cumpre-se a função social, ou a causa objetiva, desses contratos, a qual consiste na realização de certos negócios, em zona determinada, por representante nomeado pelo interessado, mediante retribuição pela efetiva venda da coisa negociada (art. 710 do Código Civil).

Assim, pode-se dizer que o resultado do contrato de representação

comercial é a aproximação do importador no exterior e do exportador no Brasil, completando-se pela obtenção do pedido, que se concretiza no exterior. Deveras, o serviço se completa no exterior com a localização, pelo agente, do adquirente da exportação brasileira. Este, e somente este, é o resultado, entendido como consequência direta e imediata da prestação do serviço de representação comercial.

35 BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 506.

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O fato de o exportador beneficiar-se do serviço, mediante a conclusão da venda no exterior, não é elemento relevante, por não corresponder à consequência direta e imediata da prestação. Trata-se de efeito mediato do serviço, devendo-se desprezar quaisquer efeitos secundários ou indiretos do serviço para análise da caracterização do resultado36, como destacado no tópico 2.

A propósito do tema, Ricardo Mariz de Oliveira esclareceu que o

agenciamento é concluído no exterior, não havendo resultado no Brasil, sendo irrelevante o fato de o pedido do importador ser aceito pela exportadora nacional, mediante atuação do agente com preços e condições preestabelecidos pela exportadora, bem como irrelevante o recebimento do pedido pelo agente para fechar o contrato de venda, ou o fato de o agente encaminhar o pedido para aceitação pela exportadora37. Estas são questões secundárias, que não interferem na aplicação do art. 1º, § 1º, II, da Lei n. 10.865, tampouco na definição do fim imediato do negócio.

Esse entendimento foi manifestado diversas vezes pelo fisco federal,

consoante retratam, por exemplo, as Soluções de Consulta n. 7, de 11.01.2010, da 7ª Região Fiscal; 265, de 29.07.2010; 325, de 11.09.2008; 103, de 18.04.2008; 131, de 07.05.2008, da 8ª Região Fiscal; 159, de 23.04.2007; 366, de 07.11.2006; 280, de 05.09.2006; 140, de 11.04.2006; 141, de 11.04.2006; 49, de 03.02.2006; e 90, de 11.03.2005, todas da 9ª Região Fiscal; e 136, de 07.08.2007; 145, de 17.08.2007; 197, 198, 199, 200 e 201, todas de 29.11.2006, da 10ª Região Fiscal38.

36 TROIANELLI, Gabriel Lacerda; GUEIROS, Juliana. O ISS e exportação e importação de serviços. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (coord.). ISS. LC 116/2003. Curitiba: Juruá, 2004, p. 202. 37 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Cofins-importação e PIS-importação. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes questões atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, 8º v., p. 343 38 No entanto, na Solução de Consulta COSIT n. 51, de 19.01.2017, o fisco federal alterou sua posição sobre o tema, o que fez confundindo fim imediato com fim mediato, ao afirmar que: “A verificação do resultado no País tem como pressuposto a ocorrência de ganho econômico no território nacional”.

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Em igual sentido, manifestaram-se os Acórdãos n. 3302-001.927, de 30.01.2013, da 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara, e 3102-002.144, de 26.2.2014, da 2ª Turma Ordinária da 1ª Câmara, ambos da 3ª Seção do CARF, que concluíram pela não incidência do PIS/COFINS-Importação sobre as comissões devidas na intermediação de vendas na exportação, encampando, assim, a teoria “resultado-utilidade”39-40.

A mesma teoria foi adotada no Agravo em Recurso Especial n.

587.403/ RS, de 18.10.2016, no qual a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Gurgel de Faria, entendeu que a confecção de projetos de engenharia a serem utilizados em país estrangeiro constitui exportação de serviços, para efeito de aplicação da regra exonerativa do ISS.

Na análise do tema, afirmou-se, corretamente, que o resultado de

um projeto de engenharia não está vinculado à efetiva realização da obra no exterior. A confecção do projeto de engenharia é suficiente para dar ensejo à ocorrência do fato gerador do ISS. A construção da respectiva obra também pode ensejar a tributação. Trata-se de hipóteses fáticas distintas, ambas sujeitas à incidência do ISS.

39 Apesar de ter adotado critérios distintos para a solução do tema, o já citado Parecer Normativo SF n. 4 estabeleceu que não se considera exportação o serviço de intermediação e de apoio técnico, administrativo, jurídico, contábil e comercial, se uma das partes intermediadas, os respectivos bens ou os interesses econômicos estiverem localizados no Brasil. Essa orientação é discutível, uma vez que se vale de elementos nem sempre suficientes para a identificação do local do resultado. 40 Em sentido oposto, cite-se a Apelação Cível n. 70046023594, na qual a 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 07.12.2011, analisando o contrato de representação comercial na perspectiva do ISS e, pois, da exportação, concluiu que: “o resultado – a utilidade do serviço – não se verifica no Brasil, mas no exterior, pois é a empresa estrangeira que obtém o proveito do serviço, exportando seus produtos ao Brasil; e o faz, e este é o ponto, ao usufruir do serviço prestado – e exportado – de uma representante comercial brasileira”. O mesmo entendimento foi adotado na Apelação Cível n. 825.340.5/5-00, da 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgado em 03.12.2009. Todavia, também em matéria de ISS, mas no sentido da incidência do ISS sobre o mesmo serviço, cabe citar a Solução de Consulta SF/DEJUG n. 15, de 02.04.2012, do Município de São Paulo, e Recurso Ordinário n. 2014-0.119.752-0, julgado em 13.09.2014 pela 2ª Câmara Julgadora do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo.

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O acórdão prosseguiu sua análise, suscitando um critério objetivo para aferição do local do resultado em serviços dessa natureza. De fato, o acórdão sugeriu que se verifique, em cada caso, a norma técnica utilizada pelo prestador de serviço. Veja-se:

“Nessa linha, o serviço de elaboração de projetos de engenharia poderá ser enquadrado na hipótese de não incidência do inciso I do art. 2º da LC n. 116/2003 quando a realização do trabalho, obrigatoriamente, observar técnicas, regras e normas estabelecidas no País estrangeiro, independentemente da forma de execução do projeto. É que, nesse caso, embora o projeto tenha sido finalizado em território nacional, não se tem dúvidas de que o contratante estrangeiro está interessado, especificamente, na importação do serviço a ser prestado pela pessoa brasileira para, posteriormente, executá-lo”. (destaque do original).

O uso de normas estrangeiras na confecção do projeto serve de

indicativo de que o serviço só terá serventia no exterior, e não no Brasil, a revelar que seu resultado não se verifica no país, é dizer, a revelar que o fim ou motivo imediato da contratação só poderá ser cumprido no exterior, e não no Brasil. Mas, para solucionar o caso sob discussão, o acórdão suscitou um derradeiro critério, que está atrelado ao motivo do negócio jurídico. Com efeito, o acórdão concluiu ser necessário investigar a intenção do tomador, como se infere do excerto abaixo reproduzido:

“O que importa, portanto, é constatar a real intenção do adquirente/contratante na execução do projeto no território estrangeiro, de tal sorte que, quando o projeto, contratado e acabado em território nacional, puder ser executado em qualquer localidade, a critério do contratante, não se estará diante de exportação de serviço, mesmo que, posteriormente, seja enviado a País estrangeiro, salvo se dos termos do ato negocial se puder extrair a expressa intenção de sua elaboração para fins de exportação.

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O resultado do projeto de engenharia, assim, não é a obra correlata, mas a sua exequibilidade, conforme a finalidade para que foi elaborado. Portanto, à luz do parágrafo único do art. 2º, I, da LC n. 116/2003, a remessa de projetos de engenharia ao exterior poderá configurar exportação quando, do seu teor, bem como dos termos do ato negocial, puder-se extrair a intenção de sua execução no território estrangeiro. Na hipótese, o Tribunal consignou que as provas dos autos revelaram a finalidade de execução do projeto em obras que só poderiam ser executadas na França (“Elaboração das Plantas de execução do muro cilíndrico de proteção do reservatório de gás liquefeito de petróleo naval TK1, a ser construído na cidade de Gonfreville – LOrcert, França...” “...e dimensionamento dos blocos de estacas do edifício principal do centro cultural, Centre Pompidou a ser construído na cidade de Metz, França e a modelagem em elementos finitos da fachada principal de dito centro...”), razão pela qual deve ser mantido”.

O resultado do serviço de confecção de projeto de engenharia,

segundo o acórdão, é identificado no local em que ele pode ser executado. Constatado que, no caso então analisado, a obra descrita no projeto só poderia ser executada na França, concluiu-se que seu proveito, sua utilidade, foi verificado no exterior.

Muito embora o acórdão tenha buscado identificar o local em que se

manifesta a utilidade do serviço, alinhando-se, assim, à teoria do “resultado-utilidade”, parece-nos que ele acabou confundindo o local da fruição dos benefícios do projeto com o local de execução da obra projetada. Explica-se.

Os benefícios de um projeto arquitetônico ou de engenharia podem

ser usufruídos no exterior, mesmo que a respectiva obra seja executável no Brasil, já que o serviço contratado não compreende a efetiva execução da obra. Imagine-se que o projeto tivesse sido contratado para que destinatário do serviço pudesse avaliar suas características e, assim, escolher entre a execução da obra no Brasil, no Peru ou na Argentina. Neste caso, o serviço revelaria sua utilidade no exterior, mesmo que, futuramente, a respectiva obra fosse executada no Brasil, na medida em que a utilidade do esforço humano estaria no

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exterior, isto é, a repercussão do serviço ocorreria em solo estrangeiro, mediante o fornecimento de dados técnicos necessários à apreciação, pelo tomador, das características do projeto, auxiliando-o na tomada de decisão.

Isso mostra que, na análise do “resultado” do serviço, é necessário

buscar o interesse, o fim imediato, ou o propósito do tomador. Esse aspecto foi destacado na Apelação n. 0038110-

26.2011.8.26.0053, de 14.08.2014. Neste julgado, a 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou que o conceito de “resultado” não pode ser compreendido como consumação do serviço, mas no sentido de “fruição”, verificando-se o local de aproveitamento, efeito ou proveito econômico do serviço, para o que se faz necessário investigar “o objeto do contrato e a finalidade do serviço para o tomador (aspecto subjetivo)”.

O acórdão, como se vê, afirmou ser importante o exame da causa

objetiva e do motivo dos negócios jurídicos. Assentado nesta premissa, e analisando os serviços de pesquisas e estudos clínicos para o desenvolvimento de novos produtos por empresas de um mesmo grupo situadas no exterior, o acórdão concluiu que “a fruição do serviço prestado (que nada mais é do que a utilização deste para o invento de novas fórmulas, criando o medicamento, que seria o resultado-fim) só pode se dar no exterior, devido à cláusula de exclusividade”, que garantia ao tomador o uso exclusivo dos resultados oriundos deste serviço. Por este motivo, concluiu o acórdão haver exportação de serviço para efeito de ISS41.

Também encampando a teoria “resultado-utilidade”, vide as

decisões abaixo, todas elas a propósito da norma exonerativa do ISS:

41 Em situação bastante semelhante, a 1ª Câmara Julgadora do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo, no Processo Administrativo n. 20147-0.206.218-0, entendeu haver exportação de serviços, qualificadora da não incidência do ISS, quando o prestador brasileiro realiza pesquisas em território nacional para utilização da matriz norte-americana em eventual desenvolvimento de remédios e tratamentos para doenças, o que se comprova pela cláusula de exclusividade e sigilo das informações. A utilidade da pesquisa é usufruída no exterior, pelo beneficiário ou tomador do serviço, verificando-se o movimento de dentro para fora do país (exportação).

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– serviços de pesquisas para dar suporte à tomadora situada no

exterior em seu processo de decisão para investimento em plantios de eucalipto e estabelecimento de fábrica de celulose no Brasil: há exportação, pois, apesar de os estudos serem desenvolvidos em território nacional, “seu resultado útil se concretizará em Portugal, onde as suas conclusões serão avaliadas pelos empresários interessados no investimento” (Apelação Cível e Reexame Necessário n. 1.147.364-2, de 06.05.2014, da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná). Quer dizer, o fim imediato, ou o propósito do negócio, para o tomador, verificar-se-á no exterior, ocorrendo o movimento de dentro para fora do país necessário à caracterização da exportação do serviço;

– serviço de assessoria comercial a empresa estrangeira, capaz

de viabilizar, futuramente, a compra de calçados pela tomadora situada no exterior: há exportação, pois “em que pese o serviço seja prestado em território brasileiro, [...] o resultado imediato da prestação aconteceu nos Estados Unidos, para a empresa contratante que, diante das informações obtidas pelo serviço prestado no Brasil, efetuou a negociação de compra de mercadorias para revenda, de acordo com a realidade de seu mercado. Tão-somente a empresa americana usufruiu das informações repassadas pela apelada, em solo americano diga-se de passagem” (Apelação Cível n. 70050862630, de 12.12.2012, da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul). O serviço de assessoria, embora concluído em território brasileiro, é passível de fruição, ou gera seus efeitos, no exterior, porquanto auxilia a tomada de decisão por parte do tomador estrangeiro (fim imediato). Há, pois, o movimento de dentro para fora do país e a utilidade no exterior, necessários à configuração da exportação. Cabe destacar que a efetiva compra de mercadorias pela empresa norte-americana não é relevante para a definição da exportação, na medida em que constitui fim mediato, remoto, que não interfere na análise em foco;

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– serviços de inspeção e análise de cargas destinadas ao

exterior: não há exportação, eis que “o resultado útil não se dá no exterior, porque, finalizada a análise e inspeção, a certificação é aqui emitida, ou seja, em território nacional” (Apelação Cível n. 1.368.730-0, TJPR, 3ª Câmara Cível, Rel. Rogério Coelho, julgado em: 22.09.2015)42;

– serviços de agenciamento marítimo e serviços portuários: não

há exportação, pois tais serviços “são realizados, concluídos e produzem seus efeitos no próprio Porto, ainda que, ao fim e ao cabo, prestem-se a viabilizar a continuidade da viagem em águas estrangeiras. O que interessa para fins de incidência do ISS, portanto, é o resultado imediato do serviço, a este atrelado e não o resultado mediato, que é permitir a navegação e a consecução da atividade-fim da embarcação, esta sim realizada no exterior do país” (AC 924.495-9, TJPR, 2ª Câmara Cível, Rel. Juíza Josély Dittrich Ribas, julgado em: 12.03.2013). O acórdão, como se vê, distingue, acertadamente, fim imediato de fim mediato;

– serviços relacionados à tecnologia da informação (suporte,

parametrização, administração de servidores etc.): no acórdão proferido no Processo n. 6017.2016/0029007-7, em 06.04.2017, pela 4ª Câmara do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo, entendeu-se estar caracterizada a exportação dos serviços, em proveito de empresas do mesmo grupo econômico, situadas no exterior, pois a equipe destacada pela empresa brasileira para a prestação de tais serviços atuava no sentido de atingir interesses econômicos ou mesmo bens (servidores, plataformas de sistemas etc.) “localizados no exterior, de tal sorte que os serviços por ela prestados, à luz do princípio do destino, deveriam ser entendidos como tendo resultado ou fruição no exterior”;

42 No mesmo sentido, cite-se o acórdão proferido na Apelação Cível n. 1.368.730-0, TJPR, 3ª Câmara Cível, Rel. Rogério Coelho, julgado em: 22.09.2015.

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– serviços de assessoria de imprensa: no acórdão proferido no Processo n. 6017.2016/0016862-0, de 11.05.2017, 4ª Câmara do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo, concluiu-se pela exportação de serviços prestados ao escritório regional da empresa tomadora, localizado no Panamá. Os serviços teriam por escopo o preparo de um manual de procedimentos de comunicação para padronizar e divulgar, nos principais países da América Latina, a notícia do patrocínio da marca Gillette ao clube de futebol Barcelona, organizando, também, uma coletiva de imprensa na Espanha com a presença de jornalistas da América Latina. A 4ª Câmara entendeu que “o bem imaterial (interesse econômico) sobre o qual recaíram as ações promocionais foi o patrocínio da marca Gillette ao clube sediado na Espanha”, bem assim que “o resultado da assessoria de imprensa acerca do lançamento do patrocínio também ocorreu na Espanha, onde se realizou o evento”;

– assessoria e consultoria financeira e de gestão de carteira de

investimentos: há exportação de serviço, mesmo que o prestador situado no Brasil execute toda a tarefa no território nacional, já que a utilidade proveniente desse esforço humano só poderá ser fruída no exterior43 (Apelação n. 0057880-

43 Em igual sentido, na Apelação n. 0022905-83.2013.8.26.0053, de 11.09.2014, a 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que a gestão de carteira de títulos e valores mobiliários, de fundos de investimento ou outros ativos, feita a tomador situado no exterior, produz no exterior os benefícios ou aproveitamento do serviço prestado no Brasil. A 1ª Câmara Julgadora do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo também decidiu neste sentido, afirmando que, nos serviços de consultoria prestados a fundo de investimento no exterior, “É natural que haja a contratação, por parte do fundo offshore, seja de consultores ou de gestores de carteiras de investimentos nacionais, quando essas carteiras são compostas de ativos brasileiros, dada a expertise apresentada por esses consultores ou gestores em relação ao conhecimento do mercado brasileiro de ativos. Como expus acima, entendo que o resultado do serviço, sendo a utilidade do mesmo, localiza-se na pessoa do beneficiário imediato dessa utilidade. Caracteriza-se como tal, portanto, aquele que contrata o consultor, ou seja, o fundo offshore ou seu representante”.

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68.2012.8.26.0053, da 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo)44; e

– serviços de consultoria financeira, que compreendam serviços

de pesquisa, projeções ou previsões sobre uma sociedade, setor da economia ou economia específica: há exportação, quando as atividades forem desenvolvidas a tomador localizado no exterior que fará proveito da utilidade dos serviços fora do Brasil (Apelação n. 001549775.2012.8.26.0053, de 14.05.2015, da 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo).

A menção a esses julgados denota que, embora eles tenham adotado

a teoria “resultado-utilidade”, afastando, assim, as inconsistências da teoria “resultado-consumação”, nem sempre há preocupação em distinguir-se fim imediato de fim mediato, ou seja, nem sempre se vê a importância do primeiro e a irrelevância do segundo para o desate da questão em apreço. Isso confirma o que já se disse neste estudo sobre a não adoção, até os dias atuais, de critérios uniformes e claros para o equacionamento do assunto. 44 Gabriel Lacerda Troianelli e Juliana Gueiros, a propósito dos serviços de análise e projeções financeiras, afirmaram que a utilidade ocorre no exterior, pois é lá que o investidor estrangeiro pode tomar sua decisão sobre onde aplicar seus recursos: “quaisquer outros resultados do serviço de análise financeira, o investimento seja no Brasil, seja na China, ou a aplicação dos recursos no mercado imobiliário, são resultados mediatos, posteriores, indiretos, que não têm qualquer relevância na análise sobre se há ou não exportação de serviço” (TROIANELLI, Gabriel Lacerda; GUEIROS, Juliana. O ISS e exportação e importação de serviços. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coord.). ISS. LC 116/2003. Curitiba: Juruá, 2004, p. 202). Neste mesmo sentido, manifestou-se o Conselheiro Relator, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo Monteiro, no acórdão proferido no Processo n. 6017.2016/0029007-7, em 06.04.2017, pela 4ª Câmara do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo, ao afirmar que: “os serviços prestados para a tomadora nos Estados Unidos tinham por finalidade a aferição, consolidação e análise das demonstrações financeiras e demais documentos financeiros de subsidiárias do grupo, reportando-as em formato padronizado para a tomadora. A finalidade do serviço, portanto, era de permitir à tomadora uma visão macro dos serviços prestados pelo grupo, e das iniciativas e objetivos em cada local específico para auxiliar na tomada de decisão pelos controladores”, a revelar que a utilidade do serviço ocorria no exterior, não havendo, assim, incidência do ISS. Contudo, a incidência do tributo foi mantida por falta de prova do local do interesse econômico sobre o qual recai a prestação.

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4. Conclusão A eleição do critério “resultado”, pela legislação do PIS/COFINS-

Importação e do ISS-Exportação, não foi aleatória. O “resultado” está diretamente associado à ideia de serviço, enquanto atividade da qual decorre uma utilidade, um resultado útil, desejável, quisto pelo destinatário. O resultado do serviço, neste contexto, compreende o efeito, a consequência, a repercussão, ou a utilidade, provindos do esforço humano do prestador em favor do tomador.

Ocorre que a identificação do local em que se verifica o resultado,

para efeito da incidência do PIS/COFINS-Importação e da exoneração do ISS, é tormentosa. Isso porque tal averiguação envolve elementos de índole objetiva e também subjetiva. De fato, na definição do resultado, o intérprete e aplicador da lei deve avaliar:

– a causa objetiva (ou abstrata) do negócio jurídico; – motivo (ou fim) imediato do negócio jurídico; – o local em que os efeitos (fim imediato) do serviço podem ser

fruídos, ou em que a atividade contratada tem utilidade para o tomador; e

– a existência de movimento da referida utilidade de fora para

dentro do Brasil, na importação, e de dentro para fora, na exportação.

Veja-se: não cabe ao intérprete e aplicador da norma investigar o

local de execução do serviço, ou verificar se fins remotos ou secundários do negócio foram atingidos. Cabe-lhe, isso sim, perquirir o “resultado-utilidade”, trilhando o caminho acima descrito de identificar a causa objetiva do negócio e o fim imediato do tomador, isto é, identificar a função econômico-prática da prestação de serviço, dada pela lei, e o local em que a utilidade contratada se torna útil ao tomador, constatando-se, a partir daí, a existência ou não de um movimento da referida utilidade de fora para dentro do Brasil, na importação, ou de dentro para fora, na exportação.

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Com a proposição acima, sabe-se que as dúvidas decorrentes da

interpretação do termo “resultado” não serão extirpadas, dada a variedade e complexidade dos casos que envolvem prestação de serviços com tomadores ou prestadores não residentes e, principalmente, dada a dificuldade de identificação dos elementos subjetivos (fim imediato) dos negócios em geral. Ainda assim, o presente estudo endereça um caminho a ser seguido pelo intérprete e aplica dor da norma em toda e qualquer avaliação sobre o tema. Espera-se, com isso, que as divergências jurisprudenciais sobre o critério adequado de compreensão da matéria sejam eliminadas, encampando-se o que acima foi dito sobre a correta interpretação do art. 1º, § 1º, II, da Lei n. 10.865 e do art. 2º, I e parágrafo único, da Lei Complementar n. 116.