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Artigos São Paulo / JUNHO 2016 1 Artigo publicado na Revista Tributária e de Finanças Públicas - RTrib. n. 127. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 101-121, 2016. Autor: Ramon Tomazela Santos OS CONTRATOS DE LICENÇA DE USO DE MARCA E A IMUNIDADE DE PIS E DE COFINS SOBRE AS RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de examinar a incidência de PIS e de Cofins sobre os valores recebidos por sociedade localizada no Brasil, a título de remuneração por contratos de licença de uso de marca celebrado com pessoas jurídicas residentes no exterior. Com base em interpretação ampla das regras de imunidade e na constatação de que os direitos de propriedade industrial são considerados bens móveis para os efeitos legais, o autor defende que os valores recebidos a titulo de licença de uso de marca concedida para uma pessoa jurídica não residente não estão sujeitos à incidência do PIS e da Cofins. PALAVRAS-CHAVE: Imunidade - Exportação – Licença de Uso de Marca - PIS - Cofins. ABSTRACT: This article examines the application of PIS and Cofins on amounts received by a company located in Brazil on account of remuneration for trademark agreement entered into with legal entities domiciled abroad. Based on a broad interpretation of the immunity rules and on the

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Artigo publicado na Revista Tributária e de Finanças Públicas - RTrib. n. 127. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 101-121, 2016.

Autor: Ramon Tomazela Santos OS CONTRATOS DE LICENÇA DE USO DE MARCA E A IMUNIDADE DE PIS E DE COFINS SOBRE AS RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO

RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de examinar a incidência de PIS e de Cofins sobre os valores recebidos por sociedade localizada no Brasil, a título de remuneração por contratos de licença de uso de marca celebrado com pessoas jurídicas residentes no exterior. Com base em interpretação ampla das regras de imunidade e na constatação de que os direitos de propriedade industrial são considerados bens móveis para os efeitos legais, o autor defende que os valores recebidos a titulo de licença de uso de marca concedida para uma pessoa jurídica não residente não estão sujeitos à incidência do PIS e da Cofins. PALAVRAS-CHAVE: Imunidade - Exportação – Licença de Uso de Marca - PIS - Cofins. ABSTRACT: This article examines the application of PIS and Cofins on amounts received by a company located in Brazil on account of remuneration for trademark agreement entered into with legal entities domiciled abroad. Based on a broad interpretation of the immunity rules and on the

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fact that industrial property rights are considered movable properties for legal purposes, the author argues that the amounts derived from trademark agreements signed with companies located abroad are not subject to PIS and Cofins. KEYWORDS: lmmunity - Export – Trademark License Agreement - PIS - Cofins. *********************** ***********************

INTRODUÇÃO O presente artigo versa sobre a possibilidade de incidência do PlS e

da Cofins sobre os valores recebidos por sociedade localizada no Brasil, a título de remuneração por contratos de licença de uso de marca celebrado com pessoas jurídicas residentes no exterior.

Para a análise do tema, o presente estudo tem início com o exame do

âmbito normativo da imunidade outorgada para as receitas de exportação e da isenção concedida pelo legislador ordinário para as receitas decorrentes das operações de (a) exportação de mercadorias para o exterior; e (b) prestação de serviços para pessoa física ou pessoa jurídica residente no exterior, cujo pagamento represente ingresso de dívidas. Em seguida, serão examinadas as regras jurídicas que disciplinam os direitos da propriedade intelectual, a fim de se demonstrar que o contrato de licença de uso de marca é considerado um bem móvel para os efeitos legais, o que permite o seu enquadramento no art. 149, § 2º, I, da CF, que confere imunidade às receitas de exportação.

Por fim, será demonstrado, ainda que brevemente, porque o

contrato de licença de uso de marca não pode ser caracterizado como um serviço prestado para não residentes, para fins de aplicação das isenções de PlS e de Cofins consagradas nas leis ordinárias.

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1. A DESONERAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES DE BENS E SERVIÇOS Como se sabe, o art. 149, § 2º, I, da CF consagra que as contribuições

sociais, as contribuições de intervenção no domínio econômico e as contribuições de interesses das categorias profissionais ou econômicas não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação. Veja-se:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I- não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação.”

No plano da lei ordinária, o art. 5º, I e II, da Lei 10.637, de

30.12.2002, bem como no art. 6º, I e II, da Lei 10.833, de 29.12.2003, estabelecem que o PlS e a Cofins não incidirão sobre as receitas decorrentes das operações de (a) exportação de mercadorias para o exterior; e (b) prestação de serviços para pessoa física ou pessoa jurídica residente no exterior, cujo pagamento represente ingresso de dividas. Veja-se:

“Art. 6.º A Cofins não incidirá sobre as receitas decorrentes das operações de: I - exportação de mercadorias para o exterior; II - prestação de serviços para pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, cujo pagamento represente ingresso de divisas” (grifos do autor).

Antes de seguir para a análise do tema do presente artigo, que versa

sobre o enquadramento de receitas obtidas com a cessão de marca, é preciso apresentar breves considerações gerais a respeito do escopo normativo dos dispositivos legais acima.

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De início, cabe destacar que a Constituição Federal, em seu o art.

149, § 2º, I, outorga imunidade para as receitas decorrentes de exportação, sem mencionar, especificamente, bens, serviços ou direitos. Por outro lado, as leis ordinárias mencionadas acima concedem isenção de PIS e Cofins sobre (a) exportação de mercadorias para o exterior e (b) prestação de serviços para pessoa física ou pessoa jurídica residente no exterior, cujo pagamento represente ingresso de divisas.

Percebe-se, assim, que há uma diferença nos âmbitos normativos da

imunidade e da isenção consagrada nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, sobretudo no que tange à tributação das receitas de prestação de serviços. A Constituição Federal exige a caracterização de uma exportação de serviços para que as respectivas receitas sejam imunes de PIS e Cofins. As leis ordinárias, por outro lado, outorgam isenção para as receitas de qualquer prestação de serviços para não residente, independentemente da caracterização da exportação, desde que o pagamento represente ingresso de divisas.

Apenas para que fique clara a diferença nos âmbitos normativos da

imunidade e da isenção, pode-se mencionar o caso examinado pela Superintendência Regional da Receita Federal na Solução de Consulta 20/2013, na qual uma pessoa física não residente fica hospedada em hotel no Brasil, efetuando o pagamento das suas despesas com um cartão de crédito internacional. Como a execução e o resultado do serviço ocorrem em território nacional, as receitas obtidas pelo hotel não se enquadram na imunidade, pois não há verdadeira exportação. Porém, por se tratar de serviço prestado à pessoa física não residente, cujo pagamento ocasionou o ingresso de divisas, as receitas obtidas com os serviços de hotelaria estão isentas de PIS e Cofins. Veja-se:

“Exportação de serviços. Hotelaria. Pagamento. Para fins de não incidência de Cofins na prestação de serviços de hotelaria a estrangeiros, considera-se comprovado o ingresso de divisas no pagamento efetuado mediante cartão de crédito internacional emitido no exterior e por meio de cheques de viagem (traveller check), mas não no pagamento em moeda estrangeira, uma vez que ela pode ser adquirida no Brasil, em instituições financeiras e casas de câmbio.”

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Assim, a isenção de PIS e Cofins outorgada pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 não pode ser considerada mera regulamentação da imunidade consagrada no art. 149, § 2º, I, da CF, como pode parecer à primeira vista. Ao contrário, trata-se de isenção concedida pelo legislador no uso de sua competência tributária, o qual, seguindo as suas diretrizes de política fiscal, optou por não exigir a caracterização da exportação de serviços, em razão das dificuldades envolvidas na determinação do país em que se verifica o resultado. Por outro lado, para estimular a balança internacional de pagamentos, exigiu o legislador o ingresso de divisas.

Essa interpretação deflui não apenas da leitura dos textos legais em

exame, mas também da interpretação sistemática da Constituição Federal. De fato, o art. 146, II, da CF é claro ao estabelecer que compete à lei

complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, dentre as quais se destacam as imunidades tributárias.1 Veja-se:

“Art. 146. Cabe à lei complementar: II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.”

Ora, as regras de imunidade, por instituírem limitações ao poder de

tributar, proíbem a tributação de determinadas materialidades, circunscrevendo o exercício da competência legislativa pelos entes federados. Assim, a União Federal não poderia, por meio de lei ordinária, restringir o alcance da imunidade consagrada na Constituição Federal por meio da exigência de comprovação do efetivo ingresso de dívidas no território nacional. 1 Na dicção de Paulo de Barros Carvalho: "O constituinte (...) relacionou o quadro das imunidades na seção destinada às limitações ao poder de tributar, por tratar-se de óbice à atuação do legislador ordinário, impedindo-o de eleger determinadas situações como hipótese de incidência de tributos. Logo, cabendo à lei complementar a regulação das chamadas "limitações ao poder de tributar", somente essa espécie legislativa está autorizada a introduzir normas regulamentadoras das imunidades (...)" CARVALHO, Paulo de Barros. Imunidades Condicionadas e Suspensão de Imunidades - Análise dos Requisitos do Artigo 14 do Código Tributário Nacional Impostos às Instituições de Educação sem fins Lucrativos. ln: PRETO, Raquel Elita Alves (coord.). Tributação Brasileira em Evolução - Estudos em Homenagem ao Professor Alcides Jorge Costa. São Paulo: IASP, 2015. p. 452.

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O art. 146, II, da CF, transcrito acima, é enfático ao estabelecer que

compete à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Ora, sendo a regra de imunidade o exemplo típico de limitação constitucional ao poder de tributar, é evidente que a sua regulamentação apenas poderia ser feita por lei complementar, o que impediria a inclusão do requisito de ingresso de divisas por lei ordinária.

Com base em tais anotações, passa-se a examinar o conteúdo de

cada uma das regras jurídicas em pauta para verificar o possível enquadramento das receitas decorrentes da cessão de marcas para pessoas jurídicas no exterior.

2. O CONTRATO DE LICENÇA DE USO DE MARCA Os direitos relativos à marca são protegidos pelo registro, que

assegura ao seu detentor a propriedade do signo distintivo que a identifica, sob o manto das leis de propriedade industrial (Lei 9.279, de 14.05.1996). Os registros de marca podem ser objeto de contrato de cessão de marca, que implica a transferência da propriedade do seu signo distintivo para terceiros, bem como de contrato de licença de uso de marca, no qual o titular da marca transfere para o terceiro apenas o seu direito de uso.2

A remuneração devida em decorrência da outorga da licença de uso

enquadrasse no conceito geral de royalties previsto no art. 22 da Lei 4.506, de 30.11.1964, que abrange os rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos relativos a marcas de indústria e comércio. Veja-se:

“Art. 22. Serão classificados como royalties os rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos, tais como: (Vide Dec.-lei 2.287/1986) c) uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas de indústria e comércio.”

2 MARCONDES, Rafael Marchetti. A tributação dos royalties. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 66.

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Ao examinar o tema, a Superintendência Regional da Receita Federal (SRRF) da 9ª Região Fiscal, na Solução de Consulta 92, de 23.05.2012, considerou que os royalties cobrados pelo licenciamento ou cessão de direito de uso estão sujeitos à incidência do PIS e da Cofins, diante da impossibilidade do seu enquadramento como operação de exportação ou como prestação de serviços para não residentes. Veja-se:

“Exportação. Software. Royalties. Não incidência. A venda de "software de prateleira" para o exterior constitui exportação de mercadoria, portanto, amparada pela não incidência de Cofins prevista no art. 6º, I, da Lei 10.833/2003. A elaboração de programas de computador sob encomenda para o exterior constitui serviço que, se prestado à pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, cujo pagamento represente ingresso de divisas, estará amparada pela não incidência de Cofins prevista art. 6º, II, da Lei 10.833/2003. Os royalties recebidos do exterior, em pagamento pelo licenciamento ou cessão de direito de uso de programa de computação, não configuram receita de exportação nem de prestação de serviços, de sorte que não se enquadram nas três hipótese de não incidência de Cofins previstas no art. 6º, incs. I a III, da Lei 10.833, de 2003" (grifos do autor).

A despeito da interpretação restritiva das autoridades fiscais, a 1.ª

T. Ordinária, da 4.ª Câmara, da 3.ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos (CARF), ao examinar um contrato de licenciamento de uso de software, por ocasião do julgamento do acórdão 3401-002.835, de 11.12.2014, considerou que a isenção de Cofins para receitas de exportação também alcança os valores recebidos a título de royalties, pois não seria lógico restringir o seu alcance aos bens tangíveis. Veja-se:

"Não tributação dos royalties de bem exportado. Exportar tecnologia é exportar produto-serviço. A receita de exportação de tecnologia obtida através de royalties não pode ser incluída na base de tributação da contribuição" (grifos do autor).

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A respeito do julgado acima, cabe esclarecer que os fatos geradores de Cofins em discussão ocorreram na vigência da Lei 9.718, de 27.11.1998, ocasião em que a incidência de Cofins sobre os royalties poderia ser afastada com base na decisão proferida pelo STF no RE 583.235, no qual se declarou a inconstitucionalidade do alargamento das bases de cálculo do PIS e da Cofins, com o consequente reconhecimento de que apenas as receitas decorrentes da venda de mercadorias ou da prestação de serviços poderiam ser oneradas por tais contribuições.

Apesar disso, a turma julgadora acolheu o voto proferido pelo

conselheiro relator Jean Cleuter Simões Mendonça, dando provimento ao recurso voluntário interposto pelo contribuinte com base no argumento de que a isenção de PIS e Cofins não alcança apenas a exportação de mercadorias ou produtos, mas também os negócios jurídicos envolvendo bens intangíveis. É o que se pode extrair da seguinte passagem:

“Primeiramente, creio que os I. Legisladores e Ministros não desejaram restringir o sentido da isenção da receita de exportação somente ao que pudesse se enquadrar perfeita e inequivocamente na definição estrita de mercadoria. Por isso, tenho a convicção que a isenção prevista nos incs. II do art. 14 da MP 2.158-35/2001 tem para o vocábulo mercadoria o mais amplo sentido, abarcando produtos ou coisas dos mais diferentes tipos, tangíveis ou intangíveis, objeto de comércio, mercancia, transação com interesse econômico e jurídico. Também me é evidente que essa isenção alcança as receitas de exportação advindas das mais diferentes modalidades de negócio, e não somente de vendas. Nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, no § 1º do art. 5º e no § 1º do art. 6º respectivos, os I. Legisladores foram mais explícitos: as receitas de exportação de mercadorias não estão no campo de incidência das contribuições. Naturalmente que o vocábulo 'mercadoria', pelos motivos aqui argumentados, é amplo, abrangendo os produtos e coisas que, à primeira vista, pareceria não corresponder à tradicional visão do que é uma mercadoria."

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A bem de ver, a intepretação adotada pelo Carf no julgado acima encontra suporte na ideia de que os direitos relativos à licença de uso de marca, na qualidade de direito pessoal de caráter patrimonial, enquadra-se no conceito de bem móvel por equiparação legal, nos termos do art. 83, III, do CC, a seguir transcrito:

"Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: (...) III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações" (grifos do autor).

Na mesma linha, a Lei 9.279/1996, que regula os direitos e as

obrigações da propriedade industrial, dispõe que o registro de marca é considerado um bem móvel para os efeitos legais, como se pode verificar da leitura conjunta dos dispositivos legais abaixo:

"Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante: (...) III - concessão de registro de marca". “Art. 5º Consideram-se bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de propriedade industrial" (grifo do autor).

Dessa forma, ainda que o acórdão do CARF não tenha examinado o

tema sob a perspectiva acima, é possível constatar que, sob o ponto de vista de direito privado, o direito pessoal de caráter patrimonial detido pela sociedade no Brasil, em razão da licença de uso da marca, deve ser considerado um bem móvel para todos os efeitos legais.

Na qualidade de bem móvel por equiparação legal, a licença de uso de

marca concedida para uma pessoa jurídica não residente poderia ser submetida ao mesmo regime jurídico da exportação de um bem móvel, pois o movimento

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físico de saída da mercadoria do território nacional seria necessário caso o contribuinte no Brasil tivesse cedido o uso de um bem móvel para a parte não residente. Logo, considerando que o direito pessoal sobre a licença de uso de marca é equiparada a um bem móvel para todos os efeitos legais, seria possível sustentar a aplicação das mesmas consequências tributárias para as duas situações.

É curioso notar que a própria SRRF da 7.ª Região Fiscal, na Solução

de Consulta 229, de 03.06.2005, ao tratar da cessão de painéis de publicidade, utilizou a equiparação jurídica apontada acima para sustentar a exigência de retenção da CSLL sobre os valores pagos pelas autarquias, submetendo, portanto, a cessão de direitos pessoais ao tratamento tributário aplicável ao fornecimento de bens. Confira-se a ementa da decisão:

"Ementa: Locação de painel. Fornecimento de bens. Os pagamentos efetuados por autarquias a pessoas jurídicas pela locação de painel de publicidades estão sujeitos à incidência, na fonte, da contribuição social sobre o lucro líquido - CSLL, por se tratar de retribuição pela cessão de direitos pessoais de caráter patrimonial, os quais são considerados bens móveis para os efeitos legais, consistindo, portanto, em remuneração pelo fornecimento de bens" (grifos do autor).

Assim, com base no mesmo raciocínio utilizado pela SRRF na

Solução de Consulta acima, seria possível sustentar que a licença de uso de marca está sujeita ao mesmo regime jurídico-tributário do fornecimento de bens, salvo nos casos em que a lei tributária disciplinou expressamente o seu tratamento tributário.

Neste ponto, é importante destacar que a exegese exposta acima

encontra respaldo na intepretação teleológica3 da imunidade prevista no art.

3 A respeito da interpretação teleológica, Tercio Sampaio Ferraz Jr. ensina: "Em suma, a intepretação teleológica ou axiológica ativa a participação do intérprete na configuração do sentido. (...) Assim, entende-se, não importa a norma, ela há de ter, para o hermeneuta, sempre um objetivo que serve para controlar até as consequências da previsão legal(...)" (FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito - Técnica, Decisão e Dominação. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 254).

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149, § 2º, I, da CF, que consagra o princípio do destino no ordenamento jurídico brasileiro, para fins de tributação do comércio internacional de bens e serviços.4

De fato, o Poder Constituinte, ao conceder imunidade às receitas de

exportação, consagrou o principio do destino para a tributação do comércio internacional, segundo o qual os bens e serviços devem ser submetidos à incidência dos impostos indiretos apenas no país de consumo. Assim, de acordo com o princípio do destino, as exportações devem ser desoneradas, ao passo que as importações devem ser submetidas à tributação, a fim de que todos os bens e serviços consumidos no mesmo país fiquem sujeitos à mesma carga tributária, sem qualquer distinção ou discriminação baseada em sua origem.5

Merece destaque, neste sentido, a lição de Luís Eduardo Schoueri:

“Assim, a imunidade às exportações se explica a partir da decisão do constituinte brasileiro - seguindo tendência universal - de o país adotar, em suas relações internacionais, o princípio do destino na tributação do consumo. (...)

4 Nas palavras de Valcir Gassen, professor da Universidade de Brasília (UnB): "(...) Em termos de competência tributária, como expressão da soberania, o oposto ao princípio da origem é o princípio do destino. Esta opção, em termos das relações comerciais entre os Estados, implica que o Estado de destino dos bens e serviços tem a competência para fazer com que incidam sobre eles os tributos a considerar. (...) A implementação do princípio do destino estabelece, por um lado, que os bens e serviços que serão destinados ao consumo interno em um Estado serão tributados, por outro, que os bens e serviços destinados à exportação serão isentos" (GASSEN, Valcir. Tributação na origem e destino - tributos sobre o consumo e processos de integração econômica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 137). 5 Segundo Aliomar Baleeiro, em obra atualizada por Misabel Machado Derzi: "A implementação do princípio do destino, apenas iniciada com o IPI, retomava o seu curso, que iria se completar com a Emenda Constitucional nº 42/2003. Em mercados ainda não integrados, como é o caso do comércio exterior, a regra deverá ser a tributação no destino, ou seja, exoneração das exportações e sistemática tributação das importações (...)" (BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 293).

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Noutras palavras, a imunidade das exportações, juntamente com a possibilidade de se tributarem as importações, nada mais faz que instituir, em âmbito nacional, o critério do destino. É, assim, imunidade que apenas conforma a própria competência tributária.”6

Note-se que, no ordenamento jurídico brasileiro, a tributação sobre

o consumo é integralmente orientada pelo principio do destino, desde a Constituição Federal até as leis complementares e as leis ordinárias que disciplinam o tema. Veja-se:

- EC 3, de 17.3.1993 - estabelece que a Lei Complementar pode

excluir a incidência do ISS nas operações de exportação de serviços para o exterior (art. 156, § 3º, II).

- EC 33, de 11.12.2001- outorga imunidade de contribuições

sociais sobre as receitas decorrentes de exportação (art. 149, § 2º, I).

- EC 42, de 19.12.2003 - prevê a possibilidade de cobrança de

PIS e Cofins na importação de bens ou serviços. - LC 116 - trata da possibilidade de incidência do ISS sobre “o

serviço proveniente do exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País” (art. 1, § 1.º).

- LC 116/2003 - prevê que não incide ISS sobre as exportações

de serviço. - Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 - estabelecem que o PIS e a

Cofins não incidem na exportação de bens e na prestação de serviços para não residentes, cujo pagamento represente ingresso de divisas.

- Lei n. 10.865, de 30.4.2004 - incide PIS e Cofins na importação

de bens e serviços do exterior (art. 1.º). 6 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 405-406.

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Diante disso, percebe-se que o princípio do destino deve orientar a

interpretação teleológica do art. 149, § 2º, I, da CF, bem como das leis ordinárias que disciplinam o assunto.7

Ora, aplicando o raciocínio acima aos contratos de licença de uso de

marca, constata-se que a tributação deve ocorrer no país em que a marca será utilizada/consumida pelos contratantes, em linha com o princípio do destino.

É justamente por isso que, no âmbito da União Europeia, o contrato

de licença de uso de marca celebrado com parte residente no exterior não está sujeito à incidência do VAT (Value Added Tax), justamente em razão da consagração do princípio do destino.

De fato, o art. 24 da Diretiva do VAT8 adota um conceito residual de

serviço, que abrange qualquer negócio jurídico que não represente o fornecimento de bens (Supply of services' shall mean any transaction which does not constitute a supply of goods). Em seguida, o art. 25 (a) da Diretiva do VAT menciona, em caráter exemplificativo, que a cessão de uso de bens intangíveis será considerada um serviço para fins de incidência do VAT.

Adiante, ao tratar das exportações, o art. 146 da Diretiva do VAT

estabelece que os Estados Membros devem conceder isenção de VAT para as exportações de serviços em geral, o que inclui os contratos de licença de uso de marca (the supply of services, including transport and ancillary transactions, but excluding the supply of services exempted in accordance with Articles 132 and 135, 7 Para Douglas Yamashita, o princípio do destino também serve para concretizar o princípio da capacidade contributiva. Veja-se: "Ora, justamente porque restringe a tributação internacional de mercadorias e serviços exclusivamente ao país de destino, evitando assim a dupla tributação internacional dessas mercadorias e serviços, uma vez por tributos na exportação e uma segunda vez por tributos sobre a subsequente importação, o princípio do destino realiza o princípio da capacidade contributiva". (YAMASHITA, Douglas. Direito Tributário - uma visão sistemática. São Paulo: Atlas, 2014, p. 210). 8 Council Directive 2006/112/EC, of 28 November 2006. Disponível no endereço: [http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri="OJ:L:2006:347:0001:O118:en:PDF]. Acesso em: 01.03.2016.

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where these are directly connected with the exportation or importation of goods covered by Article 61 and Article 157(1)(a)).

Vale esclarecer que não se pretende, com as considerações acima,

invocar normas jurídicas existentes no direito comparado para a interpretação do ordenamento jurídico brasileiro sem a observância das infindáveis diferenças entre os direitos positivos dos países envolvidos.9 Ao contrário, o comentário acima tem o singelo objetivo de demonstrar que o princípio do destino, que atualmente é adotado pela ampla maioria dos países no comércio internacional de bens (materiais e imateriais) e serviços oferece suporte para a construção jurídica aventada acima.

Em suma, com essa breve incursão no direito comparado, à luz das

regras do VAT adotadas na União Europeia, pretende-se evidenciar que o resultado atingido com a linha de interpretação exposta acima não é apenas uma consequência impensada do conceito de bem móvel por equiparação legal existente no Código Civil, mas sim uma construção jurídica compatível com o princípio do destino, consagrado pelo Poder Constituinte.

Por fim, vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, de longa

data, interpreta as imunidades tributárias pelo método teleológico e sempre de forma ampla e extensiva, a fim de que não se restrinja indevidamente o seu alcance, buscando dar efetividade plena aos valores constitucionais que a mesma pretende proteger.10 Dessa forma, a Corte Suprema não hesita em estender as regras de imunidades tributárias para situações que, embora não abrangidas pela literalidade textual do enunciado normativo, estão contempladas pela 9 Não se pode esquecer, em qualquer referência ao direito comparado, do preciso alerta de Ricardo Mariz de Oliveira: "Como bem sabem todos os juristas, não é possível simplesmente importar preceitos do Direito de outros países, para aplicá-los aqui sem uma análise crítica e comparativa das diferenças entre o regime jurídico do país de origem e o nosso" (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Norma Geral Antielusão. Revista Direito Tributário Atual, n. 25. São Paulo: Dialética, 2011, p. 133). 10 Como leciona Humberto Ávila: "A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem normalmente aplicado as normas relativas à imunidade, de modo teleológico, no sentido de examinar os fins subjacentes às normas constitucionais, de sorte a abranger na imunidade os fatos necessários à garantia dos fins públicos referentes às imunidades" (ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 210).

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finalidade da regra exonerativa consagrada na Constituição Federal. Para tanto, a ampliação do alcance da regra que limita o poder de tributar deve estar sempre atrelada à maximização da proteção aos valores prestigiados pelo Poder Constituinte.11

Nesta linha, merece destaque a declaração de voto de lavra do

Ministro Gilmar Ferreira Mendes, em julgamento do Plenário do STF, realizado nos autos do RE 474.132/SC (j. 12.08.2010), na qual se expôs, com precisão e pertinência, o entendimento do STF sobre a importância do método teleológico para a interpretação das imunidades tributárias. Confira-se:

“(...) as regras de imunidade tributária - embora imediatamente prescritivas, impondo aos entes federativos um dever de abstenção legislativa - têm por escopo a consecução de determinadas finalidades ou a preservação de certos valores consagrados no texto constitucional. E somente à luz dessas finalidades e valores, elas devem ser interpretadas. A regra de imunidade não se afigura apenas como simples óbice à imposição de um grava tributário, mas como a exclusão de uma determinada atividade, situação ou objeto do âmbito da tributação, com vistas ao atendimento de um escopo constitucional.”

É bem verdade que o próprio Pretório Excelso, em determinados

julgados, impôs um limite à interpretação ampla e extensiva das imunidades tributárias, cujo resultado não poderá transpor o valor semântico das prescrições exonerativas. Assim, a determinação do alcance finalístico da imunidade tributária não pode desvirtuar o real significado dos conceitos e 11 Não se pode esquecer o alerta de Ricardo Lobo Torres: "A interpretação das imunidades fiscais não apresenta especificidade nem possui métodos diferentes dos que prevalecem na intepretação do direito tributário ou do direito constitucional, que, por seu turno, se integram no próprio processo hermenêutico das manifestações do espírito humano. Tem, contudo, algumas peculiaridades, pela sua ligação íntima com a intepretação dos direitos da liberdade, posto que, como se viu, a imunidade é a exteriorização ou a forma de validade dos direitos fundamentais diante do poder tributário" (TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume III - Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidade e Isonomia. 3. ed. Rio de janeiro: Renovar, 2005, p. 106).

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institutos previstos na Constituição Federal. Essa corrente exegética, que limita o papel do julgador na interpretação das imunidades tributárias, foi bem exposta pelo Ministro Marco Aurélio, no julgamento do RE 166.772/RS, cuja ementa segue a seguir transcrita:

“Interpretação - Carga construtiva - Extensão. Se é certo que toda interpretação traz em si carga construtiva, não menos correta exsurge a vinculação à ordem jurídico-constitucional. O fenômeno ocorre a partir das normas em vigor, variando de acordo com a formação profissional e humanística do intérprete. No exercício gratificante da arte de interpretar, descabe 'inserir na regra de direito o próprio juízo - por mais sensato que seja- sobre a finalidade que "conviria" fosse por ela perseguida' - Celso Antonio Bandeira de Mello - em parecer inédito. Sendo o Direito uma ciência, o meio justifica o fim, mas não este àquele. Constituição - Alcance político - Sentido dos vocábulos - Interpretação. O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos consagrados pelo Direito (...).”12

Apenas para ilustrar a aplicação prática do limite a ser observado na

interpretação das imunidades tributárias, basta lembrar que, no julgamento do RE 474.132/SC, ao examinar o alcance da imunidade conferida às receitas de exportação pelo art. 149, § 2º, I, da CF, o Pretório Excelso considerou que, a despeito do claro objetivo do texto constitucional de estimular o desenvolvimento da economia nacional, não seria possível estender a desoneração para a contribuição social sobre o lucro líquido ( CSLL), em virtude da discrepância entre os conceitos de receita de exportação e lucro, ainda que, economicamente, o último seja eventualmente obtido a partir dos ingressos originários de receita de exportação.13

12 RE 166772, rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 12.05.1994, DJ 16.12.1994. 13 Confira-se o seguinte trecho do voto do então Ministro Ayres Britto: "Ora, se é assim - eu espero não estar equivocado-, no art. 149, as receitas oriundas da exportação não se confundem com o lucro que venha a ser; eventualmente, ocasionalmente obtido a partir dos ingressos originários de receita de exportação, mas a se definir mediante a consideração de outros elementos. O lucro é um outro momento, a compreender, claro, o ingresso, mas incorporando a exclusão de custos, a exclusão de despesas. E ambas as grandezas se prestam autonomamente como fato de gerador de tributo".

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Com base na jurisprudência do STF examina acima, pode-se dizer, em caráter geral, que a imunidade tributária deverá ser interpretada de forma teleológica, admitindo-se a ampliação e a extensão do escopo normativo da regra exonerativa para que se possa conferir máxima efetividade aos valores constitucionais prestigiados pelo Poder Constituinte na norma imunizadora,14 sem, contudo, desvirtuar o conteúdo semântico dos preceitos, conceitos e institutos previstos na própria Constituição Federal.

No caso específico das receitas de exportação, sabe-se que o inc. I,

do § 2º, do art. 149 da CF foi introduzido pela EC 33 /200lcom o propósito de consagrar o princípio do destino e, com isso, promover o desenvolvimento da economia nacional por meio da desoneração das operações de exportação. Assim, a situação examinada no presente estudo, relativa ao contrato de licença de uso de marca, pode ser enquadrada no escopo normativo da regra de imunidade por meio de interpretação teleológica do seu alcance.

Além disso, no caso específico ora examinado, não há o

desvirtuamento de conceitos utilizados na Constituição Federal, tendo em vista que o art. 149, § 2º, I, da CF, ao consagrar a imunidade, menciona que as contribuições sociais "não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação". Logo, o texto constitucional não menciona a exportação de mercadorias ou produtos, o que poderia restringir o alcance da imunidade. Ao contrário, o Poder Constituinte utilizou o termo exportação de forma abrangente, o que garante a necessária amplitude na concretização do princípio do destino.

Por tais razões, pode-se assentar que, como os direitos de

propriedade industrial são considerados bens móveis para os efeitos legais, a licença de uso de marca concedida para uma pessoa jurídica não residente está

14 Como ensina Roberto Ferraz: "Não faz sentido pretender que a boa interpretação de uma disposição constitucional de imunidade seja vista de maneira a dar-lhe pouca ou nenhuma eficácia, a depender das circunstãncias. Ora, nenhum dispositivo constitucio aplinal, especialmente os que estabelecem imunidade, pode ser visto dessa maneira; pelo contrário, sua intepretação sempre deverá levar à sua plena aplicação" (FERRAZ, Roberto. "A Não-cumulatividade nas Contribuições PIS/Cofins e as Exportações". Revista Dialética de Direito Tributário nº 154. São Paulo: Dialética, 2008, p. 107).

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submetida ao mesmo regime jurídico da exportação de um bem móvel, o que afasta a incidência do PlS e da Cofins sobre as receitas em questão.

Como visto acima, essa construção jurídica encontra respaldo na

intepretação teleológica da imunidade prevista no art. 149, § 2 º, I, da CF, que consagra o princípio do destino no ordenamento jurídico brasileiro, para fins de tributação do comércio internacional de bens e serviços.

3. A CARACTERIZAÇÃO DA LICENÇA DE USO DE MARCA COMO

UMA ATIVIDADE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS Feitas as considerações gerais acima, é importante demonstrar,

ainda que brevemente, porque o contrato de licença de uso de marca não pode ser caracterizado como um serviço prestado para não residente, para fins de aplicação das isenções de PIS e de Cofins consagradas nas Leis. 10.637/2002 e 10.833/2003.

A dúvida deriva da constatação de que a LC 116, de 31.07.2003, ao

listar os serviços sujeitos à incidência do ISS, menciona expressamente, em seu item 3.02, a cessão de direito de uso de marcas. Veja-se:

“3.02 - Cessão de direito de uso de marcas e de sinais de

propaganda”. A despeito da posição adotada pelo legislador na LC 116/2003,

deve-se destacar que o conceito de serviço adotado para fins de ISS não é automaticamente transponível para a intepretação das leis que tratam do PIS e da Cofins.

Com efeito, o art. 156, II, da CF, ao tratar da discriminação das

competências impositivas, dispõe que “Compete aos Municípios instituir impostos sobre: serviços de qualquer natureza (...) definidos em lei complementar”.

Assim, o Poder Constituinte outorgou competência ao legislador

complementar para definir os serviços que estão sujeitos à incidência do ISS, sendo que o uso da expressão "serviços de qualquer natureza", ainda que não autorize o desvirtuamento de conceitos utilizados pelo texto constitucional na

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atribuição de competências, para alcançar atividades que não caracterizam verdadeira prestação de serviço, acaba conferindo maior amplitude semântica para a definição dos serviços que estão sujeitos à incidência do ISS.

Por outro lado, com relação ao PIS e à Cofins, a Constituição Federal

menciona, em seu art. 149, § 2º, II, bem como no art. 195, IV, apenas "importação de serviços", sem utilizar a expressão "de qualquer natureza", tampouco outorgar competência para a sua definição mediante lei complementar.

Daí decorre que a posição adotada pelo STF no RE 592. 905-SC, no

qual se definiu a possibilidade de incidência do ISS sobre as operações de arrendamento mercantil, em razão da adoção de um conceito amplo de serviços de qualquer natureza, não pode ser automaticamente estendido para o PIS e Cofins, pois os pressupostos constitucionais envolvidos são distintos.

Tanto é assim que o próprio voto proferido pelo Min. Eros Grau,

relator do pressuposto, menciona a expressão "de qualquer natureza" como justificativa para a adoção de uma interpretação ampla do conceito de serviços, desvinculada do direito privado. Veja-se:

"Em síntese, há serviços, para os efeitos do inc. III do art. 156 da Constituição, que por serem de qualquer natureza, não consubstanciam típicas obrigações de fazer. Raciocínio adverso a este conduziria à afirmação de que haveria serviço apenas nas prestações de fazer, nos termos do que define o direito privado. Note-se, contudo, que afirmação como tal faz tábula rasa da expressão 'de qualquer natureza', afirmada no texto da Constituição" (grifos do autor).

É bem verdade que o próprio STF, no julgamento do RE 626. 706/SP

colocou limites à liberdade do legislador complementar para definir os serviços sujeitos ao ISS, ao afastar a sua incidência na locação de bens móveis. Neste julgado, a Corte Suprema asseverou que a mera existência de previsão legal expressa na LC 116/2003 não é suficiente para caracterizar determinada atividade como autêntica prestação de serviços, principalmente quando se tem

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em mente que diversas atividades listadas nesta lei não constituem verdadeira prestação de serviço.15

O raciocínio desenvolvido pelo STF encontra fundamento na noção,

consagrada no próprio art. 110 do CTN,16 de que o texto constitucional não pode ser interpretado a partir da lista de serviços contida na legislação infraconstitucional, sob pena de se inverter a hierarquia do ordenamento jurídico. Tanto é assim que, no julgamento do antigo RE 116.121-3/SP, que versava sobre incidência de ISS sobre a locação de bens móveis, sob a égide do antigo Dec.-lei 406, de 31.12.1968, o Pretório Excelso firmou a seguinte posição:

“Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável - art. 110 do CTN.”

De qualquer forma, independentemente da discussão em relação ao

conceito de serviço na outorga de competência tributária aos Munícipios, o que se deve assentar, para o enfoque do presente trabalho, é que, mesmo nos casos em que o STF adotou uma interpretação ampla para os serviços sujeitos ao ISS,17 não se pode estender automaticamente o mesmo raciocínio para o PIS e a Cofins.

Diante disso, constata-se que, no que tange ao ISS, o Poder

Constituinte conferiu maior liberdade ao legislador infraconstitucional, pois a lei complementar pode, também, definir o campo de incidência dos impostos, a fim de evitar conflitos de competência, como prevê o art. 146, lll, da CF. Veja-se:

15 Na mesma linha, cite-se a proposta de Súmula Vinculante 31, de 04.02.2010, segundo a qual "É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS sobre operação de locação de bens móveis". 16 Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. 17 Como exemplo, vide o RE 547.245-SC, de 02.12.2009, examinado acima.

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"Art. 146. Cabe à lei complementar: III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes" (grifos do autor).

Entretanto, no que diz respeito ao PIS e à Cofins, como a lei

complementar não definiu o seu campo de incidência, deve-se entender que o legislador infraconstitucional deve seguir, estritamente, o conceito de serviços previsto no direito privado.

A constatação acima é importante porque o conceito de serviços do

direito privado depende da observância dos seguintes pressupostos: (a) a prestação de serviços deve configurar uma obrigação de fazer; (b) não alcança os serviços que a pessoa executa em benefício próprio (auto serviço); (c) não alcança o serviço de caráter dependente (i.e. os serviços prestados por empregados a seus empregadores); (d) não alcança os serviços gratuitos ou de cortesia (i.e. o serviço deve ser executado com o objetivo de lucro).18

Pelo exposto, percebe-se que não é possível estender,

automaticamente, decisões da Receita Federal do Brasil sobre o PIS e Cofins para o ISS, bem como decisões do Conselho Municipal de Tributos ou da Fazenda Municipal para o PIS e Cofins, tendo em vista que os tributos em questão estão pautados por pressupostos distintos. 18 Aires F. Barrelo acrescenta que não se pode conceber, como compreendidos na expressão "serviços de qualquer natureza", substratos econômicos ou materialidades que integram as hipóteses de incidência de outros tributos discriminados no texto magno, como os serviços tributados pelo ICMS ("serviços de transporte imerestadual e illtermunicipal e de comunicação"), os serviços sujeitos à tributação pelo TPl ("serviço de industrialização"), as atividades financeiras passiveis de tributação pelo lOF ("serviços financeiros''), bem como os serviços públicos e as relações de trabalho e emprego. Essas restrições, extraídas da própria Carta Magna, formam um arcabouço referencial que circunscreve a competência imposi.tiva e o exercido da atividade legiferante pelos entes federados (BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na Lei. 2. ed. São Paulo: 2005, p. 27-28, 35-36, 120).

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A maior·prova da afirmação acima é que a própria Coordenação-

Geral do Sistema de Tributação (Cosit), órgão responsável pela uniformização da interpretação da legislação tributária federal, na Solução de Divergência 11, de 28.04.2011, assentou o entendimento de que os valores relativos aos royalties não estão sujeitos à incidência do Pise da Cofins cobrados na importação de bens e serviços do exterior. Veja-se:

"Ementa: Royalties. Não haverá incidência da Cofins-Importação sobre o valor pago a título de royalties, se o contrato discriminar os valores dos Royalties, dos serviços técnicos e da assistência técnica de forma individualizada. Neste caso, a contribuição sobre a importação incidirá apenas sobre os valores dos serviços conexos contratados. Porém, se o contrato não for suficientemente claro para individualizar estes componentes, o valor total deverá ser considerado referente a serviços e sofrer a incidência da mencionada contribuição. Porém, se o contrato não for suficientemente claro para individualizar estes componentes, o valor total deverá ser considerado referente a serviços e sofrer a incidência da mencionada contribuição" (grifos do autor).

Com base na posição da Cosit, a Superintendência Regional da

Receita Federal (SRRF) da 8ª Região Fiscal, ao examinar diversos casos envolvendo os royalties cobrados em razão de contratos de licença de uso de programa de computador, considerou que os valores em questão não estão sujeitos à incidência de Pise Cofins na importação, justamente por não caracterizarem uma autêntica prestação de serviços. Como exemplo, confira-se a ementa da Solução de Consulta 133, de 10.06.2011:19

"Ementa: Cofins-importação. Royalties (Contratos de Licença de Uso de Programa de Computador - Software). Reforma parcialmente a Solução de Consulta SRRF DISIT 8. ª RF 46 de 2007, em razão do entendimento adotado na Solução de Divergência Cosit 11 de 2011. Não haverá incidência da Cofins-Importação sobre o valor pago a titulo de Royalties, se o contrato discriminar os valores dos Royalties, dos serviços técnicos e da assistência técnica de forma individualizada. Neste caso, a

19 No mesmo sentido, vide: Solução de Consulta 132, de 10.06.2011, e Solução de Consulta 134, de 10.06.2011.

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contribuição sobre a importação incidirá apenas sobre os valores dos serviços conexos contratados. Porém, se o contrato não for suficientemente claro para individualizar estes componentes, o valor total deverá ser considerado referente a serviços e sofrer a incidência da mencionada contribuição." (grifos do autor).

Examinando especificamente os royalties devidos em razão de

contrato de licença de uso de marca, a Cosit, no julgamento da Solução de Consulta 71, de 10.03.2015, considerou que os valores em questão não caracterizam contraprestação por serviço prestado, o que afasta a possibilidade de cobrança do PIS e da Cofins incidentes na importação de serviços. Confira-se a ementa da decisão:

"Ementa: Royalties. Pagamento a residente ou domiciliado no exterior. Licença de uso de marca ou patente. Serviços vinculados. O pagamento, o crédito, a entrega, o emprego ou a remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior, a título de royalties, por simples licença ou uso de marca, ou seja, sem que haja prestação de serviços vinculada a essa cessão de direitos, não caracterizam contraprestação por serviço prestado e, portanto, não sofrem a incidência da Contribuição para o Pis/Pasep-Importação. Entretanto, se o documento que embasa a operação não for suficientemente claro para individualizar, em valores, o que corresponde a serviço e o que corresponde a royalties, o valor total da operação será considerado como correspondente a serviços e sofrerá a incidência da contribuição. Ao fundamentar sua decisão, a Cosit afirmou textualmente que "na cessão de direito de uso não se visualiza a presença de obrigação de fazer, que caracteriza a prestação de serviços, a qual é realizada com emprego de força humana que presta a realização, transformando materiais e situações. Portanto, royalties caracterizam-se como obrigação de dar, e não de fazer, não se caracterizando como prestação de serviços."

O mesmo entendimento prevaleceu em diversas Soluções de

Consulta proferidas pela SRRF da 8. ª Região Fiscal, segundo a qual royalties decorrentes de contrato de licença de uso de marca não caracterizam

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contraprestação por serviço prestado. Apenas para ilustrar, transcreve-se a ementa da Solução de Consulta 121, de 29.05.2013:20

"Ementa: PIS/Pasep-importação. Pagamento a empresa domiciliada no exterior. Licença de uso de marca ou patente. Serviços vinculados. O pagamento, o crédito, a entrega, o emprego ou a remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior, a título de royalties, por simples licença de uso de marca ou patente, isto é, sem a prestação de serviços vinculados a essa cessão, não caracterizam contraprestação por serviço prestado. Portanto, caso não haja prestação de serviços vinculada à cessão, os valores antes referidos não sofrerão incidência do PIS/Pasep- Importação" (grifos do autor).

A rigor, a interpretação que vem sendo adotada pela Administração

Tributária está correta, pois o contrato de licença de uso de marca não caracteriza uma atividade material de prestação de serviços. Em vista disso, a interpretação jurídica mais adequada para o caso examinado no presente estudo reside na caracterização do contrato de licença de uso de marca como um direito pessoal de caráter patrimonial, que deve ser considerado um bem móvel por equiparação legal, nos termos do art. 83, III, do CC.

CONCLUSÕES Com base nas considerações acima, pode-se concluir que: - os direitos de propriedade industrial são considerados bens

móveis para os efeitos legais, conforme prescreve o art. 5.º da Lei 9.279/1996; - na qualidade de bem móvel por equiparação legal, a licença de uso

de marca concedida para uma pessoa jurídica não residente poderia ser submetida ao mesmo regime jurídico da exportação de um bem móvel;

- o CARF, ao examinar um contrato de licenciamento de uso de

software, por ocasião do julgamento do acórdão 3401-002.835, de 11.12.2014, considerou que a isenção de Cofins para receitas de exportação também alcança 20 No mesmo sentido, vide: Solução de Consulta 78, de 27.03.2013; Solução de Consulta 263, de 20.10.2011; Solução de Consulta 37, de 24.02.2011.

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os valores recebidos a título de royalties, pois não seria lógico restringir o seu alcance aos bens tangíveis;

- a exegese exposta acima encontra respaldo na interpretação

teleológica da imunidade prevista no art. 149, § 2º, I, da CF, que consagra o princípio do destino no ordenamento jurídico brasileiro, para fins de tributação do comércio internacional de bens e serviços;

- aplicando o princípio do destino aos contratos de licença de uso de

marca celebrados pela sociedade residente no Brasil, constata-se que a tributação deve ocorrer no país em que a marca será utilizada/consumida pelos contratantes;

- por fim, o STF, de longa data, interpreta as imunidades tributárias

pelo método teleológico e sempre de forma ampla e extensiva, a fim de que não se restrinja indevidamente o seu alcance, buscando dar efetividade plena aos valores constitucionais que a mesma pretende proteger.

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