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Artigos São Paulo / NOVEMBRO 2015 1 Artigo publicado na Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT. Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho (Coord.). Editora Fórum, n. 77, p. 33-53, Novembro/2015. Autor: Fabiana Carsoni Alves F. da Silva Luciana Ibiapina Lira Aguiar ANÁLISE DO ALCANCE DA IMUNIDADE PREVISTA NO ART. 149, §2º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL À LUZ DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO “RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO” NA TRIBUTAÇÃO DO PIS E DA COFINS E DO DECRETO Nº 8426/15 Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar a imunidade da contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) sobre receitas financeiras decorrentes de operações de exportação à luz das decisões nos Recursos Extraordinários nº 606.107 e 627.815, ambos de 2013, que explicitaram a interpretação da Suprema Corte Brasileira acerca da expressão “receitas decorrentes de exportação”, contida no art. 149, §2º, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Trata-se de uma análise relevante e atual em vista da majoração das alíquotas de PIS e COFINS sobre receitas financeiras por meio do Decreto nº 8.426/15.

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São Paulo / NOVEMBRO 2015

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Artigo publicado na Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT. Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho (Coord.). Editora Fórum, n. 77, p. 33-53, Novembro/2015.

Autor: Fabiana Carsoni Alves F. da Silva Luciana Ibiapina Lira Aguiar

ANÁLISE DO ALCANCE DA IMUNIDADE PREVISTA NO ART. 149, §2º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL À LUZ DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A INTERPRETAÇÃO DA EXPRESSÃO “RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO” NA TRIBUTAÇÃO DO PIS E DA COFINS E DO DECRETO Nº 8426/15

Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar a imunidade da contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) sobre receitas financeiras decorrentes de operações de exportação à luz das decisões nos Recursos Extraordinários nº 606.107 e 627.815, ambos de 2013, que explicitaram a interpretação da Suprema Corte Brasileira acerca da expressão “receitas decorrentes de exportação”, contida no art. 149, §2º, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Trata-se de uma análise relevante e atual em vista da majoração das alíquotas de PIS e COFINS sobre receitas financeiras por meio do Decreto nº 8.426/15.

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Palavras-chave: Imunidade. Artigo 149 da CF/88. Receitas decorrentes de exportação. Receitas financeiras. Sumário: 1 Apresentação do tema – 2 A interpretação das leis e, em particular, das imunidades tributárias – 3 Do Recurso Extraordinário nº 606.107/RS – incidência da contribuição ao PIS e da COFINS sobre valores recebidos a título de transferência de ICMS – 4 Do Recurso Extraordinário 627.815/PR – incidência da contribuição ao PIS e da COFINS sobre receitas financeiras de variação cambial decorrentes de operações de exportação – 5 Do Decreto nº 8.426, de 1º.4.2015 – a tributação das receitas financeiras pela contribuição ao PIS e pela COFINS e a imunidade constitucional do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88 – 6 Considerações finais – Referências *********************** ***********************

1. Apresentação do tema A Emenda Constitucional nº 33, de 11.12.2001, ao inserir o

parágrafo 2º no art. 149 da Constituição Federal de 1988, introduziu norma de imunidade1 aplicável às contribuições sociais e às contribuições de intervenção no domínio econômico incidentes sobre as receitas decorrentes de exportação, como é possível extrair da leitura do dispositivo constitucional, in verbis: 1 Não há consenso na doutrina sobre a natureza da imunidade. Bernardo Ribeiro de Moraes chamou-a de “não-incidência juridicamente qualificada”; Ruy Barbosa Nogueira, por sua vez, de “exclusão do poder de tributar”; já Amílcar Falcão falou em “supressão da capacidade impositiva”; enquanto Paulo de Barros Carvalho qualificou-a como a incompetência das pessoas políticas para expedir regras instituidoras de tributos (Cf. CARVALHO. 2004, p. 167 e 181). Não adentraremos nessa discussão. Neste estudo, faremos referência à imunidade como uma limitação à competência impositiva do Poder Público.

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“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, §6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. (...) §2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional n. 33, de 2001) I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; (Incluído pela Emenda Constitucional n. 33, de 2001)”. (Grifos nossos).

Em 2013, duas diferentes decisões do Supremo Tribunal Federal

(STF) analisaram aspectos relacionados à extensão do disposto no referido dispositivo constitucional sob a ótica da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).

A análise do tema volta à tona em função das recentes alterações nas

regras atinentes à contribuição ao PIS e à COFINS apuradas no regime não cumulativo2, mais precisamente a majoração da alíquota dessas contribuições sociais, de 0% para 0,65% e 4%, respectivamente, incidentes sobre receitas 2 Registre-se que as reflexões desse artigo acerca do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88, embora centradas no regime não cumulativo da contribuição ao PIS e da COFINS, a todo rigor, podem também ser de valia para os contribuintes sujeitos à sistemática cumulativa de apuração dessas contribuições, notadamente se eles auferirem receitas financeiras atreladas a operações de exportação de bens e serviços que eventualmente venham a ser qualificadas como “receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica”, nos termos do inciso IV do art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26.12.1977, que define o conceito de receita bruta, base de incidência daquelas contribuições no regime cumulativo (art. 3º da Lei nº 9.718, de 27.11.1988). Contudo, não sendo objeto deste estudo avaliar a extensão do disposto no inciso IV do art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, centraremos nossas reflexões nos limites de aplicação do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88 e do Decreto nº 8.426.

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financeiras, prevista no Decreto nº 8.426, de 1º.4.2015, com alterações promovidas pelo Decreto nº 8.451, de 19.5.20153.

Apesar da majoração da alíquota para as receitas financeiras em

geral, o decreto manteve a alíquota zero da contribuição ao PIS e da COFINS para algumas receitas financeiras, dentre as quais se destacam aquelas decorrentes de variações monetárias, em função da taxa de câmbio, de operações de exportação de bens e serviços para o exterior, nos termos do art. 1º, §3º, inciso I, do Decreto nº 8.426.

Diante desse contexto, o presente artigo se propõe a verificar a

extensão do disposto no art. 149, §2º, inciso I, da CF/88 à luz das decisões do STF proferidas nos Recursos Extraordinários nº 606.107 e 627.815, ambos de 20134, de modo a identificar o campo de aplicação da norma de imunidade e, consequentemente, apontar algumas situações em que receitas de natureza financeira relacionadas a operações de exportações estão abrangidas pela referida norma constitucional, sem a pretensão de esgotar todas as situações em que o art. 149, §2º, inciso I, da CF/88 tem aplicação – até porque o dinamismo das relações de cunho econômico impede tal pretensão.

A análise parte da identificação dos métodos de interpretação das

leis, inclusive das imunidades, seguindo para o exame das referidas manifestações jurisprudenciais. Fixadas as premissas necessárias para a

3 O Poder Executivo tem a prerrogativa de reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não cumulatividade, nos moldes do art. 27, parágrafo 2º, da Lei nº 10.865, de 30.4.2004. Não é objetivo deste estudo analisar a validade do decreto à luz da Lei nº 10.865 e da Constituição Federal, mas apenas compreender a extensão de suas disposições em matéria de exportação 4 Antes dessas decisões, o Pleno do STF julgou os Recursos Extraordinários nº 474.132 e 564.413, ambos de 12.8.2010, nos quais também foi analisada a extensão da imunidade do art. 149, §2º, da CF/88, mas sob a ótica da Contribuição Social sobre Lucro (CSL) e da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF). Não será objeto deste artigo o exame pormenorizado desses julgados. No entanto, adiante faremos referência às citadas decisões no limite necessário a demonstrar que alguns apontamentos feitos nesses julgados também foram importantes para o julgamento dos Recursos Extraordinários nº 606.107 e 627.815.

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interpretação do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88, é feita correlação entre tais manifestações do STF e o entendimento que nos parece adequado dos limites de aplicação do Decreto nº 8.426 e, pois, dos limites da tributação das receitas financeiras atreladas a operações de exportação.

2. A interpretação das leis e, em particular, das imunidades

tributárias A compreensão das leis depende de sua interpretação, de modo que

seu significado seja desenvolvido, extraído, esclarecido e revelado. Da atividade de interpretar resulta a identificação da norma jurídica5.

No desempenho dessa atividade, o intérprete e aplicador da lei não

deve buscar o resultado (ou a norma jurídica) que lhe satisfaça. Deve, isto sim, buscar seu exato conteúdo e extensão, sem o uso da interpretação puramente literal e sem tentar encaixar a todo custo o que não está contido nem na literalidade, nem nas entrelinhas ou no espírito da norma. Nas lições de Carlos Maximiliano (1941, p. 133):

“Cumpre evitar não só o demasiado apego à letra dos dispositivos, como também o excesso contrário, o de forçar a exegese e deste modo encaixar na regra escrita, graças à fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais se apaixonou, de sorte que vislumbra no texto ideias apenas existentes no próprio cérebro, ou no sentir individual, desvairado por ojerizas e pendores, entusiasmos e preconceitos”.

No mesmo sentido e escorado em parecer da lavra de Celso Antônio

Bandeira de Mello, o Ministro Marco Aurélio Mello afirmou, no Recurso Extraordinário nº 166.772/RS, de 12.5.1994, julgado pelo Pleno do STF, que:

“No exercício gratificante da arte de interpretar, descabe “inserir na regra de direito o próprio juízo – por mais sensato que seja – sobre a finalidade que ‘conviria’ fosse por ela perseguida” – Celso Antônio Bandeira de Mello – em parecer inédito. Sendo o Direito uma ciência, o meio justifica o fim, mas não este àquele”.

5 Cf. GRAU. 2006.

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Como, então, o intérprete e aplicador da lei deve proceder para alcançar a norma jurídica em seu adequado significado e extensão? O exame das leis, inclusive tributárias, deve ser feito a partir da observância das seguintes etapas: (i) exame do texto legal, perquirindo o sentido das palavras utilizadas pelo legislador; (ii) busca de uma inteligência do texto que não descambe para o absurdo, ou seja, procurando dar à norma um sentido lógico (interpretação lógica), que harmonize com o sistema em que ela se insere (interpretação sistemática); (iii) compreensão das circunstâncias históricas que cercaram a edição da lei (interpretação histórica), sem descuidar das finalidades a que a lei visa (interpretação finalística ou teleológica)6.

Em acréscimo a essas lições de hermenêutica, não se olvide que, em

matéria tributária, a interpretação da norma não pode ser nem pró-fisco, nem pró-contribuinte, mas pró-lege,7 tendo em vista a necessária obediência ao princípio da legalidade (art. 150, inciso I, da Constituição Federal e art. 97 do Código Tributário Nacional).

As imunidades ainda guardam uma relevante peculiaridade, pois, de

modo geral, estão calcadas em valores sociais, políticos, educacionais, econômicos e culturais de grande relevância8. Daí ser fundamental, na análise das imunidades, a aplicação do método teleológico de interpretação, não somente por constituir lição de hermenêutica largamente recomendada por doutrina e jurisprudência, mas, sobretudo, por garantir os valores supremos que o constituinte prestigiou9.

Para assegurar que os valores de estatura constitucional,

subjacentes à imunidade, sejam preservados, deve-se promover a interpretação da norma constitucional em sua “exata medida”, como afirmou Regina Helena Costa. Isso porque se, de um lado, não se faz possível o uso exclusivo da interpretação literal, já que ele pode ocasionar o indevido estreitamento dos limites da norma, de outro lado, o emprego de interpretação extensiva não pode ser admitido quando abrigar mais do que aquilo que quer a Constituição10. Em 6 Cf. AMARO. 2009, p. 208-209. 7 HENSEL apud NOGUEIRA. 1991, p. 29. 8 BASTOS. 1998, p. 242. 9 MACHADO. 1998, p. 82. 10 COSTA. 2001, p. 117-118.

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qualquer caso, a imunidade “merece ser interpretada generosamente”11 diante dos valores que o constituinte visa tutelar.

Essa orientação no sentido de que as imunidades tributárias sejam

compreendidas a partir dos valores que lhe são subjacentes foi proclamada em diversos julgados do STF, a respeito das mais variadas hipóteses de imunidade, a exemplo do que ocorreu no Recurso Extraordinário nº 221.239/SP, de 25.5.2004, no Recurso Extraordinário nº 221.395/SP, de 8.2.2000, no Recurso Extraordinário nº 327.414/SP, de 7.3.2006, todos da 2ª Turma; e no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 746.263/MG, de 18.12.2012, e no Recurso Extraordinário 202.149/RS, de 26.4.2011, ambos da 1ª Turma, dentre diversos outros em igual sentido.

E não foi diferente quando o STF examinou o art. 149, §2º, inciso I,

da CF/88 nos Recursos Extraordinários nº 606.107 e 627.815. Nesses recursos, o Tribunal asseverou que o referido dispositivo constitucional deve ser entendido a partir do emprego da interpretação teleológica, sem que isto implique elastecê-lo ou restringilo demasiadamente, de forma contrária à sua finalidade, consistente na promoção do desenvolvimento nacional, mediante o fomento das exportações. Deve-se, neste contexto, na análise da referida disposição constitucional, promover sua interpretação compreensiva.

Vejamos, em maiores detalhes, como o STF tratou dessa questão ao

apreciar os Recursos Extraordinários nº 606.107 e 627.815. 3. Do Recurso Extraordinário nº 606.107/RS – incidência da

contribuição ao PIS e da COFINS sobre valores recebidos a título de transferência de ICMS

Julgado pelo Pleno do STF, em 22.5.2013, o Recurso Extraordinário

nº 606.107 analisou a questão da hermenêutica constitucional aplicada ao tema das imunidades.

O caso específico tratou da pretensão do contribuinte, empresa

exportadora, de não ter de lançar, nas bases de cálculo da COFINS e da

11 Ibid. p. 118.

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contribuição ao PIS12, o valor obtido na transferência de créditos de ICMS a terceiros, permitida em razão do benefício de que trata o art. 25, §1º, inciso II, da Lei Complementar nº 87, de 13.9.1996, e da respectiva legislação estadual que o regulamenta, tendo em vista o acúmulo de créditos de ICMS pelos contribuintes eminentemente exportadores.

O pleito do contribuinte havia sido acolhido nas instâncias

inferiores, resumidamente, em função dos seguintes fundamentos: i) os ingressos oriundos da transferência de crédito de ICMS não se compaginam ao conceito de receita; ii) o alcance da imunidade das receitas decorrentes de exportação frente às contribuições sociais e interventivas; e iii) o alcance da imunidade das operações de exportação perante o ICMS.

Ao analisar o tema, a Ministra Rosa Weber confirmou a visão

assentada pelas instâncias inferiores no sentido da existência efetiva de diversos enfoques para o deslinde da questão, todos, nas palavras da Ministra, “convergindo para a mesma solução”.

Não analisaremos o enfoque dado pelo STF e pelas instâncias

inferiores ao conceito jurídico de receita e, pois, ao não enquadramento da transferência de créditos de ICMS neste conceito. Isto porque tal questão transborda os limites do tema objeto deste estudo, porquanto não pautada na

12 Com as alterações promovidas pela Lei nº 11.945, de 4.6.2009, nas Leis nº 10.637, de 30.12.2002, e 10.833, de 29.12.2003, para a inserção do inciso VII e do inciso VI, respectivamente, no parágrafo 3º de seus arts. 1º, passou a existir disposição legal expressa no sentido da não tributação pela contribuição ao PIS e pela COFINS dos ingressos relativos às transferências de créditos de ICMS a terceiros, quando originados de operações de exportação. Trata-se, a todo rigor, de norma de não incidência “didática”, já que os aludidos ingressos não se submetem à tributação pelas contribuições sociais, conforme declarado pelo STF na decisão examinada neste item do presente trabalho. A expressão “não incidência didática” designa a normas de cunho explicativo e declaratório, que veiculam aquilo que já permeia o ordenamento jurídico, ainda que implicitamente, como sucede nos casos de não incidência tributária, cuja aferição é feita a partir do exame da materialidade da hipótese de incidência tributária, independentemente de expressa previsão legal sinalizando que essa ou aquela grandeza não se insere no campo de incidência do tributo. Adotando tal expressão, cite-se, a título ilustrativo, o REsp 815.372/MG, da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (DJ 25.8.2006).

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norma do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88. Assim, cabe-nos apenas examinar os apontamentos feitos pela Corte Suprema acerca dos métodos interpretativos que devem ser empregados na compreensão das normas de imunidade. Eis o que faremos a seguir.

Esclarecendo a técnica de interpretação considerada adequada para

a compreensão das imunidades pela Corte Suprema, a Ministra Relatora assim se pronunciou:

“Nesse diapasão, cabe destacar que esta Suprema Corte, nas inúmeras oportunidades em que debatida a questão da hermenêutica constitucional aplicada ao tema das imunidades, adotou a interpretação teleológica do instituto, a emprestar-lhe abrangência maior, com escopo de assegurar à norma supralegal máxima efetividade”. (Grifos nossos)

Adiante, para justificar e corroborar sua afirmação de que a

Suprema Corte adota interpretação teleológica ao analisar e aplicar normas constitucionais versando sobre imunidade, do que pode resultar, inclusive, a ampliação de seu conteúdo ou da literalidade de suas disposições, a Ministra Relatora citou votos neste sentido, proferidos pelos Ministros Sepúlveda Pertence, Ilmar Galvão, Moreira Alves, Celso de Mello e Gilmar Mendes.

Conquanto todos esses votos contenham preciosas lições,

destacaremos apenas os votos proferidos pelos Ministros Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes dada a relevância de suas ponderações para o tema ora em estudo.

No Recurso Extraordinário nº 217.233, julgado em 14.8.2001 pela

1ª Turma, o Ministro Sepúlveda Pertence, advogando a necessidade de que as normas de imunidade sejam interpretadas de maneira finalística, destacou que:

“(...) é o que se afina melhor à linha da jurisprudência do Tribunal nos últimos tempos, decisivamente inclinada à interpretação teleológica das normas de imunidade tributária, de modo a maximizar-lhes o potencial de efetividade, como garantia ou estímulo à concretização dos valores constitucionais que inspiram as limitações ao poder de tributar”. (Grifos nossos).

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Veja-se que o Ministro, mais do que admitir a ampliação da norma de imunidade resultante de sua interpretação teleológica, afirmou que, por esse mecanismo, as finalidades e os valores tutelados pela CF/88 podem ser concretizados, inibindo-se o poder de tributar nos limites e na extensão desejada pelo constituinte.

Dessa afirmação é possível extrair a função indutora13 da imunidade

das contribuições sociais – e de intervenção no domínio econômico – incidentes sobre as receitas decorrentes de exportações, razão precisa para que as finalidades constitucionais – às quais qualquer imunidade está vinculada – sejam sempre observadas quando de sua interpretação.

Além do voto do Ministro Sepúlveda Pertence no Recurso

Extraordinário nº 217.233, também merece destaque a manifestação do Ministro Gilmar Mendes na qualidade de Relator do Recurso Extraordinário nº 474.132, de 12.8.201014, julgado pelo Pleno do STF, o qual, ao apreciar a norma de imunidade do art. 149, §2º, da CF/88 à luz da CSL e da CPMF, defendeu sua interpretação compreensiva, por meio do emprego do método teleológico, de modo a atender à garantia do art. 3º, inciso II, da CF/88 de desenvolvimento nacional mediante estímulo às exportações. Para chegar a essa conclusão, o Ministro explicou que a interpretação teleológica da norma de imunidade tanto pode ser ampla como restritiva, tudo a depender dos valores preconizados pelo constituinte ao estabelecer aquela limitação à competência impositiva do Estado. Eis o que foi dito na ocasião:

13 Dessa citação é possível extrair com clareza a função indutora da imunidade das contribuições sociais – e de intervenção no domínio econômico – incidentes sobre as receitas decorrentes de exportações, razão precisa para que as finalidades constitucionais, às quais qualquer imunidade está vinculada, sejam estritamente observadas quando de sua interpretação. Lembre-se que as normas tributárias podem ter três principais funções: (i) função fiscal ou arrecadadora; (ii) função social e indutora; (ii) função simplificadora, que visa simplificar a aplicação do Direito Tributário por motivos técnicos ou econômicos. Nesse sentido, vide: SCHOUERI. 2013, p. 36 e 37; e AVI-YONAH. 2006, p. 1-28. 14 O Ministro proferiu esse mesmo voto no Recurso Extraordinário nº 564.413, julgado na mesma data pelo Tribunal Pleno.

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“Não obstante o fato de que, em alguns julgados, este Supremo Tribunal Federal tenha adotado uma interpretação ampliativa das imunidades, de modo a abarcar fatos, situações ou objetos a priori não abrangidos pela expressão literal do enunciado normativo, e, em outros, tenha excluído da regra desonerativa algumas hipóteses fáticas, por intermédio de uma interpretação que se poderia denominar de restritiva, é indubitável que, em todas essas decisões, a Corte sempre se ateve às finalidades constitucionais às quais estão vinculadas às mencionadas regras de imunidade tributária. Tanto para ampliar o alcance da norma quanto para restringi-lo, o Tribunal sempre adotou uma interpretação teleológica do enunciado normativo. (...) Isso porque as regras de imunidade tributária – embora imediatamente prescritivas, impondo aos entes federativos um dever de abstenção legislativa – têm por escopo a consecução de determinadas finalidades ou a preservação de certos valores consagrados no texto constitucional. E somente à luz dessas finalidades e valores, elas devem ser interpretadas. A regra de imunidade não se afigura apenas como simples óbice à imposição de um gravame tributário, mas como a exclusão de uma determinada atividade, situação ou objeto do âmbito da tributação, com vistas ao atendimento de um escopo constitucional”. (Grifos nossos).

Nesse caso, por maioria de votos15, prevaleceu o entendimento de

que a norma constitucional somente se aplica às contribuições sociais e interventivas incidentes sobre a receita, e não sobre aquelas cujo substrato econômico seja outro, como a CSL e a CPMF, cujo fato gerador é (ou era) o lucro e as movimentações financeiras, respectivamente.

Registre-se que, ao assim se pronunciar sobre o caso em espécie,

embora tenha trilhado caminho restritivo à imunidade, o Tribunal o fez reafirmando a interpretação teleológica do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88. Com

15 O Ministro Gilmar Mendes foi vencido na ocasião.

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efeito, entendeu-se que a aplicação da norma de imunidade apenas às contribuições incidentes sobre a receita, a um só tempo, (i) atende à interpretação teleológica daquele dispositivo na medida em que cumpre o desiderato constitucional de fomento às exportações e (ii) também atende à interpretação sistemática da CF/88, porquanto preserva os conceitos de direito privado utilizados pelo texto constitucional16 em seu art. 195 ao tratar das fontes de custeio da Seguridade Social (remuneração, faturamento, lucro, receita, etc.), atentando ao seu sentido técnico e vernacular17.

Pois bem. Retomando o julgamento do Recurso Extraordinário nº

606.107, foi com base em diversas manifestações precedentes do STF, extraídas de julgados colecionados pela Ministra Relatora em seu voto, que se concluiu que, às imunidades constitucionais, deve ser aplicada a interpretação teleológica, de tal sorte que a adoção deste método interpretativo, “ao perquirir sobre a abrangência do instituto, maximize a eficácia da norma constitucional”.

Sobre a questão especificamente analisada no processo, a Ministra

Rosa Weber lembrou que o art. 155, §2º, X, “a”, da CF/88, ao dispor acerca do ICMS, imuniza as operações de exportação e assegura “a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”, o que se dá de forma diversa na regra geral (art. 155, §2º, II, “b”, da CF) que prevê a anulação do crédito relativo às operações anteriores quando a saída se dê sem incidência ou com isenção do tributo. É possível inferir que, em seu entendimento, aquele dispositivo é mais uma prova da finalidade indutora das normas constitucionais que privilegiam as exportações como forma de desenvolvimento nacional, nos seus dizeres, “desonerando, por completo, as mercadorias nacionais do seu ônus econômico e permitindo, dessa forma, que as empresas brasileiras exportem apenas produtos, e não tributos”.

16 Convém lembrar que, nos termos do art. 110 do Código Tributário Nacional, “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”. 17 Em análise sobre a interpretação conferida pelo STF às imunidades, Gustavo Taddeo Kurokawa Rodrigues (2015, p. 90) anotou que a interpretação teleológica e extensiva, em alguns casos, “deve ser freada no momento em que a ampliação da imunidade descaracterizar o conteúdo semântico de conceitos e institutos previstos na Constituição Federal”.

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A par dessa interpretação teleológica e extensiva do art. 155, §2º, X, “a”, da CF/88, a Ministra ainda afirmou que os ingressos provenientes das transferências de crédito de ICMS não configuram receita, mas “mera recuperação do ônus econômico advindo do ICMS”, a qual é assegurada expressamente pelo referido dispositivo constitucional, com a finalidade de desonerar as empresas. Deve-se observar, no entanto, que, ao lado desse argumento, a Ministra Rosa Weber foi contundente em afirmar que:

“Ainda que os valores do ICMS acumulado e transferido a terceiros fossem enquadrados como receita, não poderiam ser considerados na base de cálculo das contribuições PIS e COFINS porque o art. 149, §2º, I, da Constituição Federal, aplicável a todas as contribuições sociais, inclusive às de seguridade social, imuniza as receitas decorrentes de exportação (...). Noutras palavras, as receitas advindas da cessão a terceiros, por empresa exportadora, de créditos do ICMS são imunes, por se enquadrarem como “receitas decorrentes de exportação”. (...) Como a cessão do crédito só se viabiliza em função da exportação e, além disso, está vocacionada a desonerar as empresas exportadoras do ônus econômico do ICMS, as verbas respectivas devem ser qualificadas como decorrentes da exportação para fins de aplicação da imunidade do art. 149, §2º, I, da Constituição Federal”. (Grifos nossos).

A interpretação defendida pela Ministra Relatora é teleológica e

ampliativa. Isto porque, ao admitir, para fins argumentativos, que o ingresso oriundo da transferência de créditos de ICMS seria receita, ela afirmou que a imunidade do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88, aplicável às receitas decorrentes de exportação, abarcaria também operações praticadas no mercado interno, isto é, operações efetuadas com contribuintes do ICMS localizados no mesmo Estado do contribuinte cedente do crédito18. Denota-se que foi admitida a aplicação

18 Em sentido semelhante, há decisões de Tribunais de Justiça (TJ) do país afirmando que toda a cadeia de circulação de mercadorias é beneficiada pela imunidade do ICMS, de que trata o art. 155, §2º, X, “a”, da Constituição Federal, e não apenas a última operação da cadeia, que destina as mercadorias ao exterior. Nesse sentido, cabe citar o acórdão proferido na Apelação Cível nº 1.0003.07.023864/1/001, de 18.8.2011, da 3ª Câmara Cível do TJ/MG, e o acórdão proferido na Apelação Cível nº 0019522-68.2011.8.26.0053, de 19.2.2013, da 2ª Câmara de Direito Público do TJ/SP.

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daquela norma também às receitas não provenientes de remessa de bens e serviços ao exterior, sob o fundamento de que o desiderato constitucional, consistente no estímulo à exportação, deve ser prestigiado, maximizando-se, assim, a eficácia do referido dispositivo, dando-lhe abrangência suficiente para eliminar o ônus econômico do tributo.

De se notar que, ao emprestar interpretação teleológica ao referido

dispositivo constitucional, a Ministra Rosa Weber ampliou consideravelmente o seu alcance, nele abarcando situações enquadráveis além dos limites literais da expressão “receitas decorrentes de exportação”. Essa interpretação, é importante que se diga, buscou dar efetividade à finalidade traçada pela CF/88 ao impor aquela limitação à capacidade impositiva do Poder Público, isto é, buscou concretizar o desejo do constituinte de promover o desenvolvimento nacional mediante o fomento às exportações.

Daí a relevância desse pronunciamento para o estudo a que se

propõe esse trabalho acerca da aplicação do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88 às receitas financeiras oriundas de operações de exportação, dada a extensão conferida pela Suprema Corte à imunidade constitucional prevista no referido dispositivo.

Feito o exame do Recurso Extraordinário nº 606.107, passemos a

examinar o Recurso Extraordinário nº 627.815. 4. Do Recurso Extraordinário 627.815/PR – incidência da

contribuição ao PIS e da COFINS sobre receitas financeiras de variação cambial decorrentes de operações de exportação

O julgamento do Recurso Extraordinário nº 627.815, de 23.5.2013,

tratou de analisar a imunidade sobre as receitas advindas de variação cambial relativa a operações de exportação. O contribuinte deu início à lide ao impetrar Mandado de Segurança com o objetivo de resguardar seu direito à desoneração do recolhimento da contribuição ao PIS e da COFINS, com fulcro no art. 149, §2º, inciso I, da CF/88.

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Em seu voto, a Ministra Rosa Weber, também relatora do caso, pontuou que a discussão cingia-se a definir se “as receitas das variações cambiais ativas podem ser consideradas como receitas decorrentes de exportação, de modo a atrair a aplicação da regra de imunidade e afastar a incidência do PIS e da COFINS”. A resposta foi positiva. Vejamos o porquê.

A variação cambial (variação monetária em função da taxa de

câmbio) foi assim definida no voto da Ministra Relatora:

“Variações cambiais constituem atualizações de obrigações ou de direitos estabelecidos em contratos de câmbio. Estão compreendidas entre dois grandes marcos: a contratação (fechamento) do câmbio, com a venda, para uma instituição financeira, por parte do exportador, da moeda estrangeira que resultará da operação de exportação; e a liquidação do câmbio, com a entrega da moeda estrangeira à instituição financeira e o consequente pagamento, ao exportador, do valor equivalente em moeda nacional, à taxa de câmbio acertada na data do fechamento do contrato de câmbio”. (Grifos nossos).

A explicação já demonstra a existência de uma operação subjacente

à exportação, qual seja, a compra e venda de moeda estrangeira, necessária à liquidação da exportação. E a Ministra deixa ainda mais clara a sua conclusão:

“De fato, o contrato de câmbio constitui negócio inerente à exportação, estando diretamente associado aos negócios realizados em moeda estrangeira. Consubstancia etapa inafastável do processo de exportação de bens e serviços, pois todas as transações com residentes no exterior pressupõem a efetivação de uma operação cambial, consistente na troca de moedas: o exportador vende a divisa estrangeira que receberá do comprador à instituição financeira autorizada a operar com câmbio, a fim de receber o pagamento em moeda nacional. Noutras palavras, o exportador está obrigado a celebrar o contrato de câmbio, pois não se permite que receba o pagamento em moeda estrangeira”. (Grifos nossos).

Nessa situação, como apontado no mencionado voto, as variações

cambiais ativas que dão origem a receitas financeiras são consequência direta de operações de venda de bens e/ou serviços para o exterior, qualificando-se,

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portanto, como “receitas decorrentes de exportação”, nos termos e para os efeitos do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88. Citando novamente o voto do Ministro Gilmar Mendes no RE nº 474.132, a Ministra transcreveu a seguinte passagem, que bem fundamenta a lógica constitucional da imunidade sob análise:

“Cumpre salientar que o texto constitucional não estabelece, como suporte fático da regra desonerativa, as receitas decorrentes da operação mercantil de compra e venda, mas as “receitas decorrentes de exportação”, na quais obviamente se incluem as decorrentes das variações cambiais”.

Por fim, a Ministra fecha seu voto enfatizando que o termo

“decorrentes”, empregado pelo art. 149, §2º, inciso I, da CF/88, não é desprovido de utilidade. Muito pelo contrário: ele revela a amplitude da desoneração que se pretendeu dar às exportações de bens e serviços. Eis o que foi dito na ocasião:

“Corrobora, por fim, o presente posicionamento, o fato de a imunidade em questão não ser concedida apenas às “receitas de exportação”, senão às “receitas decorrentes de exportação” (art. 149, §2º, I). O adjetivo “decorrentes” confere maior amplitude à desoneração constitucional, suprimindo do alcance da competência impositiva federal todas as receitas que resultem da exportação, que nela encontrem a sua causa, representando consequências financeiras do negócio jurídico de compra e venda internacional; evidencia, por consequência, a intenção, plasmada na Carta Política, de se desonerarem as exportações por completo, a fim de que as empresas brasileiras não sejam coagidas a exportarem os tributos que, de outra forma, onerariam as operações de exportação, quer de modo direto, quer indireto”. (Grifos nossos).

Tem razão a Ministra ao assim se pronunciar. O termo decorrer (do

latim decurrere) significa tudo que corre, que passa ou que sucede e, na terminologia jurídica, é empregado para significar o que é consequente ou que proveio da prática de um ato ou da ocorrência de um fato19. Ou seja, decorrer é “ter origem em, proceder, derivar”20. O art. 149 determina serem imunes as receitas decorrentes de exportação, e não as receitas de exportação. Apesar de

19 Cf. SILVA. 1967, p. 482. 20 HOUAISS; VILLAR. 2004, p. 922.

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parecer sutil, a diferença é relevante, por denotar que a imunidade deve ser compreendida de forma ampla, não estando sua aplicação restrita somente às receitas oriundas da remessa de bens ou prestação de serviços ao exterior. Na verdade, a imunidade alcança não apenas essas receitas, como aquelas acessórias ou correlatas a ela. Se a interpretação teleológica do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88, admitida pelo STF, já permitia essa conclusão, certamente ela ganha reforço pela própria redação do dispositivo constitucional, cuja maior abrangência, revelada pelo uso do termo “decorrentes”, não é despropositada.

Essas considerações sobre a interpretação das normas de

imunidades em geral e sobre a norma do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88, em particular, traçam as balizas necessárias para o estudo a que o presente trabalho se propõe acerca da imunidade de receitas financeiras oriundas de operações de exportações no que tange à contribuição ao PIS e à COFINS. É o que faremos a seguir.

5. Do Decreto nº 8.426, de 1º.4.2015 – a tributação das

receitas financeiras pela contribuição ao PIS e pela COFINS e a imunidade constitucional do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88

Buscando equacionar as contas públicas, foi publicado, em

1º.4.2015, o Decreto nº 8.426, que reestabeleceu21 para 0,65% e 4%, respectivamente, as alíquotas da contribuição ao PIS e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas sujeitas, inclusive parcialmente, ao regime de apuração não cumulativo. Esse novo decreto revogou o anterior (Decreto nº 5.442, de 9.5.2005), que reduzia as alíquotas das contribuições para zero22, sendo estabelecido que a nova disposição regulamentar produza efeitos a partir de 1º.7.2015.

A despeito da determinação no sentido de que as receitas

financeiras voltem a ser tributadas pelas contribuições sociais, o Decreto nº 8.426, após alteração promovida pelo Decreto nº 8.451, de 19.5.2015, passou a prever algumas hipóteses para as quais a alíquota zero acabou sendo mantida, 21 Não ocorreu um restabelecimento integral, vez que as alíquotas continuam menores do que os percentuais legais. 22 O Decreto nº 5.442 apenas excepcionava os juros sobre o capital próprio da redução a zero das alíquotas das contribuições sociais.

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dentre elas aquela relativa à variação cambial proveniente de operações de exportação de bens e serviços, como seja:

“Art. 1º Ficam restabelecidas para 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 4% (quatro por cento), respectivamente, as alíquotas da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS incidentes sobre receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativa das referidas contribuições. (...) §3º Ficam mantidas em zero as alíquotas das contribuições de que trata o caput incidentes sobre receitas financeiras decorrentes de variações monetárias, em função da taxa de câmbio, de: (Incluído pelo Decreto n. 8.451, de 2015) I – operações de exportação de bens e serviços para o exterior; e (Incluído pelo Decreto n. 8.451, de 2015) (...)” (Grifos nossos).

A disposição acima transcrita não contempla qualquer benesse do

Poder Executivo. É que as variações cambiais de operações de exportação estão fora da competência impositiva da União, tendo em vista a imunidade de que gozam, como reconhecido pelo STF no Recurso Extraordinário nº 627.815 analisado anteriormente. Portanto, o dispositivo revela certa atecnia, pois não se pode reduzir a zero a alíquota das contribuições sociais quando o ente tributante sequer tem autorização constitucional para tributar aquele substrato econômico.

Com efeito, a previsão de alíquota zero pressupõe que haja fato

gerador, ou seja, pressupõe que o suporte fático (fato imponível) encontra-se no campo da hipótese de incidência tributária23, não sendo definitivamente este o 23 Lembramos as palavras de Geraldo Ataliba (1981), que conceitua hipótese de incidência como “a descrição legislativa (necessariamente hipotética) de um fato cuja ocorrência in concretu a lei atribui a força jurídica de determinar o nascimento da obrigação tributária”.

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caso das situações inseridas no campo das imunidades. A imunidade tributária implica a impossibilidade do nascimento da obrigação tributária; portanto, não há necessidade de previsão normativa ou mesmo em lei ordinária para isentar ou excluir situações que não fazem parte da hipótese de incidência por vontade do constituinte24. O art. 1º, §3º, inciso I, do Decreto nº 8.426, neste contexto, é norma meramente didática, pedagógica, a qual, em última análise, resguarda a limitação à competência impositiva da União, prevista no art. 149, §2º, inciso I, da CF/88, por meio de instrumento normativo estabelecido pelo próprio Estado25, conferindo segurança ao contribuinte exportador para seguir não tributando as receitas financeiras decorrentes de variação cambial de exportações.

Mas estariam somente as receitas decorrentes de variação cambial

de operação de exportação não sujeitas à tributação pela contribuição ao PIS e pela COFINS? Ou as receitas financeiras em geral decorrentes de exportação estariam abrangidas pela imunidade prevista no art. 149, §2º, inciso I, da CF/88?

Essas perguntas ganham relevo na realidade empresarial e devem

ser respondidas, para os fins deste trabalho, à luz de operações estritamente

24 É comum ver-se na legislação ordinária normas de “isenção” (ou de “alíquota zero”) em relação a fatos já protegidos pela imunidade. É o caso da imunidade ora analisada. As Leis nº 10.637, de 30.12.2002, e 10.833, de 29.12.2003, em seus arts. 5º e 6º, respectivamente, “isentam” da contribuição ao PIS e da COFINS as receitas decorrentes de exportação de mercadorias para o exterior e de prestação de serviços para pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, cujo pagamento represente ingresso de divisas. Especificamente sobre as receitas oriundas de exportação de serviços, note-se que a legislação ordinária contempla restrição não contida no texto constitucional: exige-se, para a não tributação, o ingresso de divisas. Esta restrição deve ser vista com ressalvas, não somente pela interpretação teleológica que se deve emprestar ao art. 149, §2º, inciso I, da CF/88, conforme demonstrado acima, mas, sobretudo, porque outras normas flexibilizaram essa regra cambial, a exemplo da Lei nº 11.317, de 28.11.2006, a qual permitiu a manutenção de recursos relativos ao recebimento de exportações no exterior para sua utilização em finalidades específicas (ex. pagamento de prestadores de serviços também no exterior, investimentos, aplicações financeiras, sendo expressamente vedada a utilização desses recursos para a realização de empréstimos ou mútuo de qualquer natureza), ficando o exportador brasileiro sujeito ao preenchimento da Declaração sobre a Utilização dos Recursos em Moeda Estrangeira Decorrentes do Recebimento de Exportações (DEREX). 25 ÁVILA. 2004, p. 71.

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relacionadas ao recebimento de créditos de exportação bastante frequentes, tais como pré-pagamento de exportações (PPE), o Adiantamento de Contrato de Câmbio (ACC), o Adiantamento sobre Cambiais Entregues (ACE) e o “câmbio travado”, também conhecido como “trava de câmbio”. Estariam as receitas financeiras oriundas dessas operações abarcadas pela imunidade constitucional ou tal conclusão importaria promover a extensão indevida da garantia do art. 149, §2º, da CF/88, transbordando os valores por ele tutelados? Para responder a essa indagação, é importante que façamos breve incursão no conceito de algumas dessas operações atreladas às exportações. Vejamos.

Em linhas gerais, o PPE consiste na captação de recursos em moeda

estrangeira, junto à instituição financeira ou ao próprio importador no exterior, com o objetivo de financiar os custos de produção da mercadoria a ser exportada. Segundo Eduardo Fortuna, o PPE é uma alternativa ao ACC, que, da mesma forma, visa à obtenção antecipada de recursos sem que se incorra em uma dívida de natureza financeira, correspondendo ao pagamento antecipado da exportação pelo importador26. O PPE também pode decorrer de um adiantamento feito por uma instituição financeira, situação que deve observar todos os normativos emitidos pelo Banco Central do Brasil27, mas que mantém como característica a vinculação direta dos recursos recebidos à operação de exportação.

Assim, o PPE caracteriza-se pelo recebimento antecipado de

recursos financeiros, antes do embarque da mercadoria, com a vinculação do compromisso financeiro assumido à exportação da mercadoria. Como o contrato é estabelecido em moeda estrangeira, o passivo decorrente do PPE fica sujeito à flutuação do câmbio até a liquidação da operação, disto podendo resultar receita financeira pela variação cambial da operação. Tanto assim que, em qualquer situação, a exportação (embarque das mercadorias) deve ocorrer em até 360 dias, contados da data da contratação de câmbio e, em não ocorrendo, a operação original (pagamento antecipado de exportação) deve ser convertida em investimento ou empréstimo28.

26 FORTUNA. 2008, p. 435. 27 Originalmente a Carta-Circular nº 2.180, de 14.07.1991, alterada pela Circular nº 2.231, de 25.09.1992 e outras alterações posteriores. 28 Op. cit., p. 436.

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A trava de câmbio, por sua vez, consiste em operação de câmbio futuro, que, nos dizeres de Eduardo Fortuna, pode ser explicada da seguinte forma:

“O exportador fecha o câmbio com o banco antes de embarcar a mercadoria, mas não recebe em troca o valor equivalente em Reais. Em vez disso, venderá ao banco para a liquidação futura os dólares oriundos da exportação. (...) No momento em que se faz a trava, fixa-se a taxa de conversão da moeda estrangeira, o que significa que o exportador perderá a correção cambial do período”29.

Trata-se de uma forma de venda de moeda estrangeira a termo

possível para os exportadores que não tenham necessidade de adiantamento de caixa. A instituição financeira operadora de câmbio utiliza-se de suas linhas externas de pré-financiamento a exportação, vendendo as divisas no mercado de câmbio pronto para gerar Reais, constituindo, portanto, uma fonte de captação de recursos. Como os reais captados não precisarão ser entregues ao exportador, a instituição financeira poderá aplicar esses recursos, recebendo juros em função dessa aplicação financeira, os quais são repassados ao exportador (líquidos de eventuais custos e do spread da instituição financeira, de acordo com os termos negociados) em forma de prêmio da operação de trava pela não disponibilização imediata dos recursos.

Considerando-se toda a regulação do mercado de câmbio brasileiro,

vê-se que o PPE e a trava de câmbio são operações só possíveis para um exportador, por deverem ser lastreadas por contratos mercantis de exportação a prazo. Em outras palavras, quaisquer variações patrimoniais nascidas a partir dessas duas modalidades de operações de câmbio decorrem da exportação ou da necessidade de recebimento da receita de exportação. Sem a primeira (exportação), a segunda (PPE ou trava de câmbio) nem mesmo pode existir.

Deve-se ressaltar que, apesar de conterem elementos negociais

específicos, essas operações, em sua finalidade, não são distintas do contrato de 29 Ibid. p. 434.

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câmbio propriamente dito, que se caracteriza por ser um “instrumento firmado entre o vendedor e o comprador de moeda estrangeira, no qual são estabelecidas as condições sob as quais se realiza a operação de câmbio. Como exemplos dessas condições estão os nomes do comprador e do vendedor, a moeda negociada e a taxa de câmbio”30.

O mesmo pode ser dito (i) em relação ao ACC, que consiste em

antecipação parcial ou total da moeda nacional relativa ao preço da moeda estrangeira vendida ao banco autorizado a operar no mercado de câmbio, pelo exportador, para entrega futura, feita antes do embarque da mercadoria ou da prestação do serviço e (ii) em relação ao ACE, que, em termos gerais, também constitui adiantamento de recebível de exportação, mas cuja concessão ocorre após o embarque da mercadoria ou a prestação do serviço31.

Pois bem. A partir dessas colocações e considerando a interpretação

teleológica dada pelo STF ao art. 149, §2º, inciso I, da CF/88 nos Recursos Extraordinários nº 606.107 e 627.815, pode-se afirmar que a imunidade é aplicável também às receitas auferidas em função da trava de câmbio, do PPE, do ACC, do ACE e de outras que também se enquadrem no conceito de “decorrentes da exportação”, assim entendidas como aquelas que só passam a existir em função da exportação32.

No entendimento da Corte Suprema, o art. 149, §2º, inciso I, da

CF/88 abarca todas as receitas que resultem da operação de exportação e que nela encontrem a sua causa, representando consequências financeiras e 30 BACEN. Glossário. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/glossario.asp?Definicao=453&idioma=P&idpai=GLOSSARIO>. Acesso em: 3 ago. 2015. 31 Nos termos do art. 65 da Circular nº 3.691, de 16.12.2013, do BACEN, “o adiantamento sobre contrato de câmbio constitui antecipação parcial ou total por conta do preço em moeda nacional da moeda estrangeira comprada para entrega futura, podendo ser concedido a qualquer tempo, a critério das partes”. 32 A manifestação do STF ocorreu sob a sistemática de recursos repetitivos (art. 543-B do Código de Processo Civil), não dotados de efeitos “erga omnes”. Apesar disto, por força do art. 62, §2º, do Anexo II do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), aprovado pela Portaria MF nº 343, de 9.6.2015, as decisões proferidas pelo STF e pelo Superior Tribunal de Justiça na sistemática dos chamados “recursos repetitivos” devem ser reproduzidas pelos conselheiros.

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correlação com o negócio jurídico em questão. Em outras palavras, decidiu a Suprema Corte Brasileira que o art. 149, §2º, inciso I, da CF/88 tem por função imunizar todas as receitas decorrentes da exportação, e não apenas as receitas de exportação (operação mercantil) propriamente ditas33, o que evita que transações nascidas exclusivamente da necessidade de exportar acabem por gerar custos tributários (ou ônus econômico) para o exportador que ameacem reduzir a competitividade global brasileira, em ofensa ao art. 3º, inciso II, da CF/88, o qual estabelece que é objetivo da República Federativa do Brasil a garantia do desenvolvimento nacional, além de ferir tendência universal de adoção do princípio do destino na tributação do consumo nas relações internacionais34.

Extrai-se das decisões analisadas neste estudo que a intenção da

Constituição Federal é a de desonerar as exportações por completo a fim de que as empresas brasileiras não sejam coagidas a “exportar tributos”. Esta é a interpretação teleológica e compreensiva da norma, que se amolda aos valores tutelados constitucionalmente. O limite que o aplicador da norma encontra é a garantia de que os conceitos de direito privado utilizados pelo texto constitucional sejam preservados, em seu sentido técnico e vernacular.

A aplicação da norma contida no art. 149, §2º, inciso I, da CF/88 às

receitas oriundas da trava de câmbio, do ACC, do ACE e do PPE, por exemplo, além de atender àquele limite, está amparada na própria literalidade do dispositivo constitucional, porque, como acertadamente reconheceu o STF no Recurso Extraordinário nº 627.815, a imunidade abrange não somente as 33 Cumpre registrar que a variação do preço ocorrida entre a data do faturamento e a data do embarque da mercadoria constitui receita de exportação. Neste sentido, há uma série de decisões proferidas na esfera administrativa, inclusive da Câmara Superior de Recursos Fiscais, como se verifica no acórdão CSRF/02-02814, de 16.10.2007, em que a 2ª Turma, com acerto, fez a seguinte distinção: “(...) a legislação (Portaria MF 356/88) (...) já determina que a receita de exportação seja apurada segundo o câmbio vigente na data do embarque; assim, qualquer ‘variação’ havida entre o fechamento anterior do cambio e a data da efetiva saída da mercadoria já deve ser reconhecida contabilmente como receita de exportação. Por outro lado, se o fechamento do contrato de câmbio se deu após o embarque da mercadoria, a diferença porventura verificada no câmbio da data do embarque (ainda componente da receita de exportação) e o da data do fechamento do contrato deve ser reconhecida como variação cambial, ativa ou passiva conforme o caso”. 34 Cf. SCHOUERI. 2011, p. 451.

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receitas de exportação, mas também as receitas decorrentes de exportação, inclusive aquelas de natureza financeira. Assim, abarcar aquelas operações na imunidade não vulnera o sentido técnico e vernacular da expressão “receitas decorrentes de exportação”, tampouco sua literalidade.

Observe-se que tal entendimento também encontra guarida no

espírito da norma imunizante, que tem como valor fundamental o fomento às exportações em benefício do desenvolvimento nacional. Ora, no mundo contemporâneo, as operações são estruturadas de forma complexa, de modo a reduzir riscos empresariais, otimizar a utilização de recursos e, assim, aumentar a eficiência.

Vale dizer que, para que haja uma exportação, outras operações

podem ser (e são) necessárias, como é o caso do contrato de câmbio para recebimento dos reais correspondentes ao montante em moeda estrangeira ou mesmo de outros contratos financeiros que estão diretamente associados à existência da exportação. Assim, é possível que a pessoa jurídica aufira receitas financeiras, além da variação cambial (ex.: prêmio), em decorrência da forma eleita para a liquidação da operação de exportação, estando, também nestes casos, sob a proteção do comando constitucional que imuniza as “receitas decorrentes de exportação”.

A despeito do que se disse até aqui, o CARF manifestou-se no

sentido de que as receitas de variação cambial em contratos de PPE não estariam abrangidas pela norma de imunidade. Com efeito, o Acórdão nº 3403-003601, de 26.2.2015, da 3ª Turma Ordinária, 4ª Câmara, 3ª Seção do CARF, analisando variações monetárias oriundas de contratos de ACC e PPE, afirmou que:

“De fato, os valores estão relacionados, em sua maioria, às receitas de exportação, mas, como ressaltado logo acima, com ela não se confundem, pois constituem variações monetárias dessas receitas ou de obrigações vinculadas à exportação, e por esse motivo não se enquadram como receita de exportação propriamente dita, mas sim como receita financeira. Por essa razão não venho [sic] como cobrir como [sic] o manto da imunidade relativa às receitas de exportação, receitas financeiras, ainda que tais receitas estejam direta ou indiretamente vinculadas à exportação”.

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A decisão parece ir de encontro ao entendimento do STF

manifestado nos Recursos Extraordinários analisados, em especial o de nº 627.815, e demonstra que a interpretação do conteúdo finalístico da imunidade às receitas decorrentes das exportações ainda está longe de ser pacífica, apesar dos contundentes precedentes.

Para arrematar nossas reflexões sobre a escorreita interpretação do

art. 149, §2º, inciso I, da CF/88, é importante registrar que a interpretação teleológica ora defendida não se choca com o princípio da solidariedade, segundo o qual a Seguridade Social deve ser financiada por toda a sociedade (art. 195, caput, da Constituição Federal). Diz-se isto, porque, (i) ao sopesar valores e garantias, o constituinte optou por abrandar o princípio da solidariedade, sem suprimir sua aplicação, de tal sorte a fomentar as exportações e o conseguinte desenvolvimento nacional; (ii) o contribuinte beneficiado pela imunidade do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88 não deixa de contribuir para a Seguridade Social, dado que ela é financiada por contribuições sociais incidentes sobre diversas fontes (folha de salários e demais rendimentos do trabalho, receita, faturamento, lucro, etc., nos termos do mesmo art. 195).

Sobre a impossibilidade de aplicação irrestrita do princípio da

solidariedade, o Ministro Joaquim Barbosa, analisando a aplicação do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88 à CPMF e à CSL, no já citado Recurso Extraordinário nº 564.413, afirmou que o modelo solidário de custeio da Seguridade Social não chancela todo e qualquer aumento da tributação, sendo possível considerar que a criação de mecanismos destinados a sustentar condições justas de competitividade no mercado internacional atende ao fortalecimento da arrecadação assistencial e previdenciária tanto quanto o aumento da base de contribuintes ou das receitas tributáveis.

6. Considerações finais Este estudo teve por objetivo verificar a extensão do disposto no art.

149, §2º, inciso I, da CF/88 à luz das decisões do STF proferidas nos Recursos Extraordinários nº 606.107 e 627.815, ambos de 2013, de modo a identificar o campo de aplicação da norma de imunidade e, assim, apontar algumas situações

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em que receitas de natureza financeira relacionadas a operações de exportações estão abrangidas pela referida norma constitucional.

A análise pormenorizada dos Recursos Extraordinários relatados

pela Ministra Rosa Weber demonstra a acertada interpretação teleológica que busca o fundamento da imunidade, qual seja, o prestígio ao estímulo à exportação por meio da mitigação de incidências tributárias, em harmonia com o desenvolvimento nacional, preconizado pelo art. 3º, inciso II, da CF/88.

Os contornos da expressão “receitas decorrentes de exportação”,

utilizada pelo constituinte, foram definidos nos julgamentos dos STF, prestigiando as técnicas de hermenêutica. Dessa forma, vê-se que a não tributação pela contribuição ao PIS e pela COFINS das receitas financeiras vinculadas a operações de exportação não deve se limitar à hipótese de variações cambiais positivas de operação de exportação.

De fato, pelos fundamentos destacados nos julgados dos Recursos

Extraordinários nº 606.107 e 627.815, todas as receitas que estejam vinculadas e que só tenham existência em função da celebração da operação de exportação devem estar abrangidas pela imunidade, como acontece, por exemplo, com as receitas financeiras auferidas nas operações de PPE, trava de câmbio, ACC e ACE, as quais têm por prerrequisito a existência e a relação direta com operações de exportação, podendo ser interpretadas como “receitas decorrentes de exportação” e, portanto, inseridas no conjunto de hipóteses protegidas pela imunidade constitucional.

A questão ganhou relevo nos últimos tempos, tendo em vista que o

Decreto nº 8.426 majorou as alíquotas do PIS e da COFINS para as receitas financeiras em geral, mantendo-as a zero somente em relação àquelas decorrentes de variações monetárias, em função da taxa de câmbio, de operações de exportação de bens e serviços para o exterior. Ou seja, a manutenção da alíquota a zero deu-se em extensão reduzida se comparada à norma imunizante do art. 149, §2º, inciso I, da CF/88. Apesar disto, o contribuinte segue com a proteção da imunidade tributária, que lhe assegura a não tributação das receitas correlatas e atreladas a operações de exportação, inclusive receitas financeiras, pois esta é a interpretação adequada do referido dispositivo constitucional.

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Analysis of the constitutional exemption prescribed by article 149, §2nd of the Brazilian Constitution taking into account decisions of the Brazilian Supreme Court. Interpretation of the expression “revenue deriving from export” to the extent of PIS and COFINS taxation and Federal Decree n. 8426/15 Abstract: This paper aims to examine the constitutional exemption of social contribution taxes (PIS and COFINS) on financial revenues deriving from export operations, considering decisions in Extraordinary Appeals 606107 and 627815, both of 2013, in which STF pronounced its interpretation regarding the expression “revenue deriving from export”, used by art. 149 of CF/88. It is a relevant and contemporary analysis in view of the increase of PIS and COFINS rates on financial revenue through Decree 8426/15. Keywords: Constitutional exemption. Article 149 CF/88. Revenue deriving from export. Financial Revenue. Referências AVI-YONAH. The Three Goals of Taxation. NYU Tax Law Review, v. 60, p. 1-28, 2006. Disponível em: <http://repository.law.umich.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1039&context=articles>. Acesso em: 14 jul. 2015. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário: de acordo com Emenda Constitucional n. 42, de 19.12.03. São Paulo: Saraiva, 2004. BASTOS, Celso Ribeiro. Imunidade tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Imunidades tributárias: pesquisas tributárias: nova série. n. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais/Centro de Extensão Universitária, 1998.

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