artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/nart.16... ·...

30
Artigos São Paulo / OUTUBRO 2018 1 Artigo publicado no livro “Estudos de Direito Tributário - 40 anos de Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados”, São Paulo, 2018, p. 189-211. Autor: Marcos Engel Vieira Barbosa UTILIZAÇÃO DA PROVA COLHIDA DE FORMA ANTECIPADA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução A administração do “tempo do processo” vem ganhando cada vez mais importância no direito processual moderno. Não se pode mais aceitar que as partes aguardem o rito do processo comum e se conformem com a morosidade do Judiciário para obter a tutela jurisdicional, ainda que de cognição parcial e não exauriente. A sociedade moderna, dinâmica, massificada, com todas as suas particularidades que transcendem o campo da dogmática jurídica, não pode ficar refém da segurança desejável ao amadurecimento do processo para ter uma resposta sobre relações jurídicas controvertidas cada vez mais complexas. Como bem lembrou Marinoni “O tempo do processo deve ser visto como um ônus, devendo ser dividido entre as partes para que a jurisdição possa se desincumbir do seu dever de prestar a tutela jurisdicional de forma isonômica” 1 . Assim, por mais importante que seja aguardar o tramite processual na busca pela segurança de uma decisão justa e adequada, jamais poderá ser a segurança da decisão o único objetivo do processo, até porque a verdade absoluta é inalcançável. Ao se debruçar sobre o tema, Miguel Reale concluiu que a verdade é algo imprestável e inatingível, chegando até mesmo a formular o 1 MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 11.

Upload: nguyenphuc

Post on 16-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

1

Artigo publicado no livro “Estudos de Direito Tributário - 40 anos de Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados”, São Paulo, 2018, p. 189-211.

Autor: Marcos Engel Vieira Barbosa UTILIZAÇÃO DA PROVA COLHIDA DE FORMA ANTECIPADA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL)

1. Introdução A administração do “tempo do processo” vem ganhando cada vez

mais importância no direito processual moderno. Não se pode mais aceitar que as partes aguardem o rito do processo comum e se conformem com a morosidade do Judiciário para obter a tutela jurisdicional, ainda que de cognição parcial e não exauriente.

A sociedade moderna, dinâmica, massificada, com todas as suas

particularidades que transcendem o campo da dogmática jurídica, não pode ficar refém da segurança desejável ao amadurecimento do processo para ter uma resposta sobre relações jurídicas controvertidas cada vez mais complexas. Como bem lembrou Marinoni “O tempo do processo deve ser visto como um ônus, devendo ser dividido entre as partes para que a jurisdição possa se desincumbir do seu dever de prestar a tutela jurisdicional de forma isonômica”1.

Assim, por mais importante que seja aguardar o tramite processual

na busca pela segurança de uma decisão justa e adequada, jamais poderá ser a segurança da decisão o único objetivo do processo, até porque a verdade absoluta é inalcançável. Ao se debruçar sobre o tema, Miguel Reale concluiu que a verdade é algo imprestável e inatingível, chegando até mesmo a formular o 1 MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 11.

Page 2: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

2

conceito de quase verdade2. No campo do Direito Tributário, Marco Aurélio Greco, fazendo referência a estudo sobre as Contribuições, elenca três tipos de verdade, a revelada, a descoberta e a constituída, lembrando, ainda, os ensinamentos de Umberto Eco no sentido de que uma afirmação é considerada verdadeira desde que verossímil e não seja possível demonstrar sua erronia3.

Ciente das dificuldades enfrentadas pelos jurisdicionados e atento

aos anseios da processualística moderna, o legislador do Novo Código de Processo Civil aperfeiçoou de forma satisfatória os procedimentos até então existentes que visavam tutelar de forma adequada e tempestiva os direitos. E foi além, incorporou ao ordenamento técnicas processuais há muito defendidas pela doutrina com o objetivo de permitir a racional distribuição do tempo no processo.

É nesse contexto que se insere o estudo sobre o direito à produção

antecipada da prova. A primeira questão que surge quando se pretende examinar esse tema é exatamente a de identificar a razão que o torna pertinente e relevante para o Direito Tributário. Isso porque, se toda pretensão levada a juízo decorre de fatos que deverão não só ser expostos de forma adequada e lógica, mas também comprovados, a fim de demonstrar a verdade ou, ao menos, a verossimilhança das alegações, em que a prova no âmbito do processo tributário apresentaria diferenças em relação à prova atinente a outros ramos do Direito? Teria a prova colhida de forma antecipada alguma vantagem para o processo de natureza fiscal?

Para responder a tais questionamentos não será necessário repetir

conceitos fundamentais que embasam a teoria geral da prova. Cumpre, isto sim, focar a atenção nos aspectos específicos que circundam a produção antecipada de prova no âmbito do processo tributário, mais especificamente da ação probatória autônoma regulamentada pelo CPC/15 nos arts. 381 a 383, e procurar mostrar as diversas faces dessa questão, bem como os desafios postos ao aplicador e ao intérprete. Mas, antes disso, não podemos nos furtar a tecer breves considerações a respeito do status constitucional que o Texto Maior conferiu ao direito probatório. 2 REALE, Miguel. Verdade e conjectura. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983, p. 17 e 18. 3 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições – uma figura sui generis. São Paulo: Dialética, 2000, p. 31.

Page 3: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

3

2. Breves comentários sobre o direito fundamental à prova O preceito constitucional da inafastabilidade da jurisdição está

contido no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, e foi reproduzido no art. 3º do CPC/2015, de modo a reforçar que a tutela jurisdicional deve ser prestada de forma eficaz a fim de que o Poder Judiciário possa viabilizar a realização do direito material reservado às partes.

Contudo, para que tal garantia constitucional seja exercida de forma

plena, deve-se garantir aos jurisdicionados todos os meios adequados para a instrução processual, a qual só será possível na sua completude se dermos ao direito à prova o tratamento de direito fundamental, derivado do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva4.

A importância do direito à prova é de tal ordem que Cassio

Scarpinella Bueno conceitua prova de forma abrangente como sendo “tudo que puder influenciar, de alguma maneira, na formação da convicção do magistrado para decidir de uma forma ou de outra, acolhendo, no todo ou em parte, ou rejeitando o pedido do autor”5.

Segundo Ricardo Mariz de Oliveira, “prova é o meio instrumental de

levar ao conhecimento do juiz o fato sobre o qual ele deve se pronunciar, para aplicar ou não a esse fato o direito cabível segundo a hipótese de incidência da norma jurídica em torno da qual as partes litigam”6. Esse é o conceito que adotamos, pois a prova está relacionada com os fatos, cabendo ao demandante ou demandado utilizar de todos os meios ou elementos que influenciem a

4 Nesse sentido, MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas de processo civil. São Paulo: Malheiros. 1999, p. 258-259; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2014, v. 2, p. 17 e 18; CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 166. 5 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 2, t. I, p. 261. 6 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. A prova em questões tributárias. MACHADO, Hugo de Brito (coord.). São Paulo: Malheiros, 2014, p. 565.

Page 4: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

4

formação da convicção do juiz a respeito de determinados pontos ou questões de fato carreadas ao processo pelos interessados ou de ofício pelo próprio juiz7.

O direito constitucional de produzir prova não está adstrito na

garantia de acesso à Justiça, mas também encontra guarida nos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88). Diferente não poderia ser, na medida em que buscar a tutela jurisdicional não se restringe a simplesmente levar ao Poder Judiciário as alegações. Deve-se garantir o direito de provar os fatos por todos os meios necessários, principalmente em um modelo processual como o nosso, em que o juiz deve formar o seu convencimento para decidir com base nas provas constantes dos autos (art. 371 do CPC/2015)8.

Esse é o motivo pelo qual no Estado de Direito o jurisdicionado deve

ter garantido o direito da análise de qualquer lesão ou ameaça de direito pelo Poder Judiciário, com a garantia da ampla defesa e contraditório às partes do processo, o que só será possível com o reconhecimento do direito constitucional à prova. Atento a essa questão, o legislador ordinário manteve, no art. 369 do CPC/2015, a redação do Código revogado no sentido de que as partes têm o direito de empregar todos os meios legais para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido e influir eficazmente na convicção do juiz9.

7 Além do conceito de prova, o próprio entendimento sobre o objeto da prova é dissonante na doutrina, mas não possui reflexos práticos. Por esse motivo, para o objeto do presente estudo cabe apenas pontuar as divergências existentes, conforme nos ensina Daniel Amorim A. Neves: “Há controvérsia a respeito do que seja exatamente o objeto da prova, entendendo parcela da doutrina que são os fatos, enquanto outra parcela entende que são as alegações de fato. Para a segunda corrente doutrinária, o fato ocorreu ou não, existe ou não, enquanto a veracidade atinge exclusivamente as alegações de fato, que podem ser falsas ou verdadeiras” (Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 650-651). 8 Conforme lembrado por CAMBI, Eduardo, citado por DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de (op. cit., p. 17), o direito pátrio incorporou o direito à prova de tratados internacionais: (i) a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), incorporado pelo Decreto n. 678/69, no seu art. 8º; (ii) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, incorporado pelo Decreto n. 592/92, no seu art. 14.1, alínea “e”. 9 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, v. 2, p. 253.

Page 5: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

5

3. Ação probatória no CPC/73 e a controvérsia quanto a sua

autonomia Tecidas as considerações necessárias a respeito da importância da

prática dos atos processuais no tempo adequado e da relevância da obtenção da tutela jurisdicional efetiva no contexto do direito à prova como corolário dos direitos fundamentais, cabe agora adentrar na inovação empreendida pelo novo códex processual, o qual reconheceu o direito autônomo à prova mesmo sem o requisito da urgência10, direito esse que já vinha sendo aceito pela jurisprudência e defendido pela doutrina há muito tempo11.

Em regra, a produção da prova em sentido estrito é realizada na

chamada fase probatória ou instrução probatória, após a fase postulatória e o saneamento do processo. Em momento subsequente ocorre a valoração da prova pelo juízo para a aplicação do direito material ao caso concreto.

Contudo, sob a égide do CPC/73, na parte reservada às cautelares

típicas, havia a previsão das ações probatórias, as quais estavam vinculadas a um processo principal e serviam para assegurar a colheita da prova que corria o risco de perecer ou de que pudesse ser dificultada pelo transcurso do tempo. Exemplos clássicos são a oitiva de testemunha em grave estado de saúde e perícia sobre avarias a bem imóvel que está em vias de ser reparado.

Dessa forma, o Código revogado trazia dispositivos específicos para

a chamada “cautelar” de produção antecipada de prova nos arts. 846 a 851, visando à produção de prova oral ou pericial. Havia também previsão para a ação de justificação nos arts. 844 e 845, medida processual que tinha por objetivo apenas constituir e documentar prova testemunhal12.

10 YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 419. 11 Sobre o assunto, NEVES, Daniel Amorim Assunção. Ações probatórias autônomas. São Paulo: Saraiva, 2008; YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso, v. 2, p. 243-265. 12 Nos arts. 844 e 845 do CPC/73 também havia a previsão da ação cautelar de exibição de coisa ou documento.

Page 6: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

6

Para a ação de justificação, o requisito da urgência, típico do

Processo Cautelar, era dispensável, pois, como dito, sua função não era assecuratória da prova, mas meramente constitutiva de documento a ser utilizado em demanda futura. Por esse motivo, a doutrina majoritária reconhecia o caráter satisfativo dessa medida, chegando a identificar nela traços de jurisdição voluntária como bem alerta Fredie Didier Jr. ao citar Ovídio Baptista, Galeno Lacerda e Alberto Álvaro de Oliveira13.

No que tange à ação de produção antecipada de prova do Código de

1973, a sua natureza cautelar sempre foi controvertida, havendo doutrinadores que defendiam a cautelaridade desse tipo de ação como Luiz Fux14 e Nelson Nery Jr.15 e posições contrárias como a de Fredie Didier Jr., in verbis16:

“A visão que parece mais apropriada, entretanto, é no sentido de que ambas as medidas – produção antecipada de provas e justificação – não são propriamente cautelares e não pressupõem, necessariamente, a demonstração do perigo da demora (urgência) para serem admissíveis. São, pois, satisfativas do chamado direito autônomo à prova, direito este que se realiza com a coleta da prova em típico procedimento de jurisdição voluntária. Essa conclusão serve mesmo para quem defenda que, ao menos na produção antecipada de prova, o perigo é pressuposto – o fato de pressupor perigo não é suficiente para tornar o direito afirmado um direito à cautela”.

13 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil, v. 2., p. 244-245. SILVA, Ovídio A. Baptista de. Do processo cautelar. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 471. OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de; LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, v. 8, t. 2, p. 311. 14 FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 1633-1634. 15 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 960. 16 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil, v. 2, p. 247.

Page 7: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

7

O ponto fulcral da controvérsia sobre a natureza cautelar das ações probatórias do Código revogado está calcado no fato de que os defensores da cautelaridade pressupunham a necessidade de demonstração do perigo da demora e a admitiam apenas como medida preparatória de uma futura ação principal, sendo que os defensores da segunda corrente já reconheciam o direito autônomo à prova sem a necessidade do requisito da urgência. Ou seja, não partiam da premissa de que essa ação seria utilizada apenas na hipótese de risco de perecimento da prova, mas afirmavam que essa medida probatória poderia ser utilizada antes da ação principal e também incidentalmente, antes da fase instrutória, para que o requerente da prova pudesse antever as reais chances de êxito em futura demanda de certificação do direito material ou buscar uma autocomposição. Além disso, caso a prova colhida de forma antecipada fosse desfavorável ou parcialmente favorável, a ação judicial de cognição exauriente poderia não ser proposta, pelos menos nos moldes originários.

De tudo o quanto já foi dito linhas acima, a corrente defensora da

autonomia das ações probatórias é a mais condizente com os desígnios constitucionais e com os novos rumos da processualística moderna. O apego a rigorismos formais e à literalidade das regras processuais deve ser flexibilizado, sempre que possível, na busca por uma solução célere, justa e adequada ao ordenamento jurídico.

4. Ação probatória no novo CPC 4.1. Notas introdutórias Foi com o espírito inovador e visando a redução de litígios que o

Novo Código de Processo Civil encampou as vozes da doutrina defensora da autonomia das ações probatórias, quebrando o paradigma da clássica visão de que a prova é dedicada unicamente ao juiz, transferindo a todos os atores do processo a destinação dos elementos que formam a convicção sobre o direito material a ser aplicado.

Assim, no Código atual não há mais previsão das cautelares típicas.

Contudo, a ação probatória teve a sua autonomia consagrada nos arts. 381 a 383, de modo que o requerente poderá lançar mão dessa ação para a produção de qualquer tipo de prova e não só a oral ou pericial como ocorria no Código

Page 8: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

8

revogado. Cabe observar que a prova exclusivamente documental deve ser pleiteada por meio da ação de exibição17.

As discussões doutrinárias sobre a natureza cautelar desse tipo de

ação perderam o sentido de existir, pois o CPC/2015 tratou dessa medida na Seção II do capítulo “Das Provas” apenas como produção antecipada de prova sem qualquer alusão ao processo principal e sem a necessidade de comprovação da urgência. Além disso, o Código atual unificou o procedimento da justificação e da produção antecipada, no que merece nossos aplausos, pois os procedimentos eram muito similares.

Antes de adentrarmos nas hipóteses legais de cabimento previstas

no novo diploma processual, cabe observar que o objetivo da ação de produção antecipada da prova é apenas e tão somente a colheita da prova. Não compete ao juiz reconhecer que os fatos foram provados ou tecer considerações a respeito das relações jurídicas oriundas de fatos jurídicos. O que importa para essa ação é a certificação da produção regular da prova, ficando a valoração para o momento oportuno em outra ação judicial, se houver necessidade de sua propositura18.

4.2 Hipóteses de cabimento Conforme mencionado linhas acima, a produção antecipada de

provas está regulamentada nos arts. 381 a 383 do CPC/2015, não havendo mais que se falar em Processo Cautelar, até porque o novo Código extinguiu as cautelares típicas, mas manteve no inciso I do art. 381, a previsão da urgência (periculum in mora), característica marcante da antiga “cautelar” probatória para a produção de prova pericial ou oral. Por meio desse inciso foi mantida a hipótese de cabimento quando houver fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação.

17 A ação de exibição de documento ou coisa perdeu sua natureza cautelar e passou a ser prevista apenas no rol de meios de prova, conforme alerta DIDIER JR., Fredie. Produção antecipada da prova: novo CPC doutrina selecionada. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 3: processo de conhecimento, provas, p. 530. 18 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015, v. 2, p. 137.

Page 9: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

9

No inciso subsequente há a previsão de admissão quando a prova a ser produzida de forma antecipada for suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito. Essa é a principal inovação dessa parte novo Código, pois dá-se autonomia absoluta à produção da prova e quebra-se o antigo paradigma formado na doutrina clássica no sentido de que o juiz seria o único destinatário da prova produzida.

Sobre possibilidade de pacificação por meio da antecipação da

produção da prova, Flávio Luiz Yarshell é preciso ao dizer que “Quanto maior o nível de esclarecimento das partes acerca dos fatos, tanto maior a chance de uma composição consciente. Se o Estado estimula soluções alternativas, ele próprio deve dar meios adequados para que isso ocorra; e a antecipação da prova é disso um bom exemplo”. E complementa o ilustre professor com a vivência prática ao ressaltar que:

“a obtenção de solução negociada entre as partes tem sempre um custo. Se a autocomposição fosse algo fácil de atingir, seria de se presumir que determinado tema sequer chegasse ao Judiciário. [...] A superação do estado de beligerância e a identificação dos pontos comuns que permitam a superação do litígio envolvem empenho e, em sentido amplo, alguma forma de investimento19”.

Na prática, a novidade legislativa incentiva a propositura da ação

probatória autônoma na esperança de que as partes busquem a autocomposição sem que o Judiciário tenha que resolver os conflitos por meio de uma ação de cognição. Essa é a orientação que constava na Exposição de Motivos do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil20 e foi concretizada nos §§ 2º e 3º do art. 3º do CPC/2015, ao disporem que o Estado promoverá, sempre que possível, solução consensual dos conflitos; e que a conciliação, mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. 19 Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1099. 20 O item 2 do Anteprojeto é claro ao dispor que: “Pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que produzirá efeito o seu resultado. Deu-se ênfase à possibilidade de as partes porem fim ao conflito pela via da mediação ou da conciliação. Entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz”, p. 22 (https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf).

Page 10: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

10

A última hipótese de cabimento da produção antecipada de prova

diz respeito ao prévio conhecimento dos fatos que possam justificar ou evitar o ajuizamento de ação (inciso III do art. 381). Como se vê, a prova aqui também é destinada às partes para que estas possam elaborar a ação em que se pleiteará o bem da vida ou o direito controvertido de forma adequada e lastreada em prova mínima. Sob outra óptica, pode-se dizer que a produção da prova antecipada permite às partes e aos operadores do direito formar a convicção de que futura ação seria inviável ou até temerária.

O § 1º do art. 381 dispõe a respeito do arrolamento de bens como

uma quarta hipótese de cabimento da ação probatória autônoma. Esse dispositivo trata o arrolamento de bens com a finalidade de documentação e não a prática de atos de apreensão. De acordo com Didier Jr.21, o legislador, ao dar ao arrolamento a finalidade exclusivamente probatória, incorporou proposta defendida por Yarshell em obra dedicada ao tema. Essa ação poderá ser muito utilizada em casos que se buscam provas sobre bens que integram uma universalidade, como, por exemplo, nas demandas de inventário e partilha ou até mesmo nas discussões sobre animais que compõem o rebanho ou livros do acervo de uma biblioteca.

Trazendo esses conceitos para o campo do processo tributário, na

parte final deste estudo apresentaremos outras situações em que a produção antecipada de prova poderá ser útil à concretização do direito material, seja para viabilizar a obtenção de uma tutela provisória sem a necessidade de garantia, seja para apresentar um pedido líquido de modo a se evitar a fase de liquidação judicial, seja para a prévia análise das chances de êxito com vistas a eventual autocomposição ou, ainda, para se evitar o ajuizamento injustificado de uma ação.

4.3 Competência O art. 381 afastou as dúvidas até então existentes a respeito do foro

competente para processar e julgar a ação probatória, estabelecendo em seu § 2º que o foro para a sua propositura pode ser o do local onde a prova deva ser 21 DIDIER JR., Fredie. Produção antecipada da prova. Novo CPC doutrina selecionada, Salvador: Juspodivm, 2015, v. 3: processo de conhecimento, provas, p. 530.

Page 11: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

11

produzida ou o do domicílio do réu. Há, portanto, um verdadeiro foro concorrente à escolha do requerente, o que é criticado por parte da doutrina22 e ponderado por Didier Jr. no sentido de que “o direito de escolha do juízo competente deve ser exercido conforme os princípios da competência adequada e da boa-fé processual”23. As críticas são pertinentes, mas o legislador foi coerente com a opção pelo caráter autônomo da ação probatória ao desvincular a produção da prova à futura demanda.

Independentemente das controvérsias existentes, no Processo

Tributário essa discussão não é tão relevante, pois a propositura de ações de rito comum no foro do domicílio do réu é uma prática comum entre os tributaristas, valendo ressaltar que, de acordo com as regras de competência para o ajuizamento de execuções fiscais, a Fazenda Pública goza de uma certa liberdade de escolha. Portanto, no momento da propositura da ação antecipatória de provas nem sempre será possível prever se a defesa do contribuinte será exercida por meio de ação de rito comum ou mediante a apresentação de embargos à execução. Além disso, não podemos nos esquecer de que, nas ações mandamentais, o foro competente é o da autoridade coatora.

Seja como for, o § 3º consagra o entendimento de que a ação

antecipada de prova não previne a competência do juízo para a ação que venha a ser proposta. Ou seja, a futura ação de cognição não ficará adstrita ao foro em que a prova foi produzida, seguindo as regras gerais de competência territorial. Essa opção legislativa merece críticas, pois seria saudável, econômico e até mesmo mais eficaz concentrar a discussão de mérito no juízo que certificou a regularidade da prova colhida. Desta forma, evitam-se eventuais discussões sobre a regularidade do procedimento, confere-se mais racionalidade ao procedimento e preserva-se a competência do juiz que primeiro teve contato com a prova colhida, o qual, em tese, estaria mais bem preparado para a solução da lide (princípio do juiz imediato).

O § 4º do art. 381 generalizou a regra então existente para a ação de

justificação (art. 15, II, da Lei n. 5.010/66) ao estabelecer que ao juízo estadual 22 NEVES, Daniel A. Assunção. Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 678. 23 DIDIER JR., Fredie. Produção antecipada da prova: novo CPC doutrina selecionada. Salvador: JusPodivm, 2015, v. 3: processo de conhecimento, provas, p. 534.

Page 12: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

12

compete a produção antecipada de prova requerida em face da União, de entidade autárquica ou de empresa pública federal se, na localidade, não houver vara federal.

Sobre essa opção do Código atual, Yarshell24 chama a atenção para o

fato de que o critério eleito pelo legislador faz sentido na hipótese em que há aproximação entre o juízo e a fonte da prova, mas causa uma certa perplexidade quando o réu escolhe o foro a seu bel-prazer. Além disso, o referido autor alerta para o fato de que a opção legal extrapola a exceção contida no § 3º do art. 109 da Constituição Federal25.

4.4 Procedimento e pedido de produção antecipada de prova A ação probatória autônoma possui um procedimento muito simples

e nem poderia ser diferente, pois, conforme mencionado linhas acima, visa apenas a colheita da prova, não devendo o juiz se manifestar a respeito das relações jurídicas envolvidas no fato probando. Compete ao juiz apenas verificar se a prova foi regularmente produzida. A valoração será feita pelas partes e, se for necessário, pelo juiz em outra lide que verse sobre o direito material.

A cognição é tão reduzida que o § 4º do art. 382 chega a limitar a

interposição de recurso contra as decisões proferidas ao longo do processo, salvo na hipótese de decisão que indeferir totalmente a prova pleiteada. Obviamente essa norma não deve ser interpretada de forma literal, mas sim compreendida de maneira sistemática com o ordenamento. Caso haja a necessidade de discussão com relação aos aspectos meramente processuais, eventual recurso deve ser admitido, sob pena de afronta ao princípio do contraditório, o qual representa valor caro para o direito processual e que o legislador procurou preservar ao longo de todo o Código.

24 YARSHELL, Flávio Luiz. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1095. 25 “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...] § 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.”

Page 13: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

13

O art. 382, caput, estabelece que cabe ao requerente da medida

apresentar as razões que justificam a necessidade de antecipação da prova e mencionar com precisão os fatos sobre os quais a prova há de recair, de modo que o pedido seja determinado. Em que pese o silêncio da lei, é recomendável que o requerente especifique na inicial as provas que pretende produzir, arrolando as testemunhas, se for prova testemunhal e, sendo pericial, já apresente os quesitos e o assistente técnico.

No mesmo processo, os interessados poderão apresentar pedido

contraposto, desde que relativo ao mesmo fato ou relação jurídica, salvo se a produção conjunta acarretar excessiva demora (§ 3º do art. 382 do CPC/2015). Este dispositivo ilustra bem a duplicidade peculiar da ação probatória a que se referiu Yarshell e foi bem lembrada por Didier Jr.26, na medida em que o processo poderá interessar ao autor e ao réu, independentemente da posição em que se inserem na demanda. Nessa perspectiva, importante lembrar que a prova produzida poderá prejudicar ou beneficiar os interessados, total ou parcialmente, o que incentivará uma solução consensual do litígio.

Após o término da produção da prova, será proferida sentença

homologatória em que se fixará a condenação a respeito das despesas processuais, as quais serão suportadas pelo requerente27. Contudo, se houver alguma resistência por parte do demandado, este deverá ser condenado em honorários sucumbenciais.

Proferida e publicada a sentença, a qual – frise-se – não poderá

valorar a prova ou tecer considerações a respeito do direito material envolvido, os autos permanecerão em cartório durante um mês para extração de cópias e certidões pelos interessados e, posteriormente, serão entregues ao promovente da medida (art. 383 do CPC/2015).

26 DIDIER JR., Fredie. Produção antecipada da prova: novo CPC doutrina selecionada. Salvador: JusPodivm, 2015, v. 3: processo de conhecimento, provas, p. 532-539. 27 Havendo outros interessados e considerando que a ação probatória possui traços de jurisdição voluntária, as despesas processuais deverão ser rateadas, nos termos do art. 88 do CPC/2015.

Page 14: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

14

Nos processos em que a Fazenda Pública é parte, a defesa é realizada pelas Procuradorias, cuja organização normalmente é descentralizada em departamentos regionais que nem sempre trocam informações a respeito dos processos em curso. Por esse motivo, existe o risco de a ação ser promovida no local de produção da prova e a demanda principal ser ajuizada na capital do Ente Público. Nesse cenário, caso a prova seja desfavorável ao contribuinte, ainda assim este deverá comunicar a existência da ação probatória na demanda principal, sob pena de desrespeito à boa-fé processual (art. 5º do CPC/201528), podendo o autor, inclusive, ser condenado em litigância de má-fé por sua conduta desleal (art. 80, V e VI, do CPC/201529).

5. Oito vantagens e um inconveniente Traçado o panorama básico que informa o debate sobre a

antecipação da produção da prova por meio de ação probatória autônoma prevista nos arts. 381 a 384 do CPC/2015, cabe agora examinar os oito pontos mais sensíveis quando se trata da colheita de prova antecipada a ser utilizada em Processo Tributário ( judicial ou administrativo).

5.1. Análise prévia das reais chances de êxito Conforme visto acima, a busca pelo prévio conhecimento dos fatos é

uma das hipóteses para o ajuizamento da ação probatória como forma de aparelhar a pretensão principal. Assim, em processos que envolvem relações jurídicas de natureza tributária em que a solução da lide não esteja adstrita à matéria de direito, o conhecimento dos fatos e, consequentemente, das provas apresentadas em juízo é fundamental para o desenvolvimento da petição inicial com argumentos jurídicos alinhavados na prova pré-constituída, evitando-se, assim, a propositura de causas temerárias e sem lastro probatório mínimo.

Além disso, o risco de se vislumbrar novos argumentos após a

instrução probatória fica reduzido, valendo ressaltar que, de acordo com o art. 28 “Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.” 29 Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: [...] V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidente manifestamente infundado.”

Page 15: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

15

329 do CPC/2015, o autor poderá aditar a inicial, alterar o pedido ou a causa de pedir, independentemente do consentimento do réu, somente até a citação. Com a concordância do réu, as mencionadas alterações poderão ser realizadas até a fase de saneamento do processo.

Ademais, produzida a prova antecipada e não tendo o seu resultado

sido totalmente favorável aos interesses do autor, cabe a este desenvolver novos argumentos, requerer a produção de outras provas na demanda principal ou alterar os fundamentos da ação para adequá-los aos fatos, sob pena de não lograr êxito ao final.

A própria demonstração financeira da empresa autora pode ser

afetada, principalmente se for empresa de capital aberto com ações listadas em bolsa de valores. Isto porque, de acordo com as regras contábeis, se as chances de êxito forem possíveis ou prováveis, não será necessário contingenciar o valor discutido, o que pode alterar substancialmente o resultado financeiro dependendo dos valores envolvidos no processo.

Ainda com relação a este ponto, importante ressaltar que o patrono

da causa poderá orientar o seu cliente de forma segura, sem o risco de os envolvidos serem surpreendidos com provas desfavoráveis produzidas ao longo da demanda principal, o que poderá alterar a probabilidade de êxito para o bem ou para o mal.

5.2 Autocomposição Com a produção antecipada da prova, as partes interessadas

poderão avaliar com maior precisão as chances de êxito em futura lide, com todas as consequências mencionadas linhas cima. Porém, talvez a vantagem mais relevante do ponto de vista econômico diga respeito à possibilidade de autocomposição antes da propositura de uma ação judicial.

Ao tratar dessa forma de solução de conflitos sem a interferência do

estado-juiz, Daniel Amorim A. Neves30 esclarece que a autocomposição é gênero, do qual a transação, a submissão e a renúncia são espécies. Vejamos: 30 NEVES, Daniel A. Assunção. Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 5.

Page 16: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

16

“Na transação há um sacrifício recíproco de interesses, sendo que cada parte abdica parcialmente de sua pretensão para que se atinja a solução do conflito. Trata-se do exercício de vontade bilateral das partes, visto que quando um não quer dois não fazem a transação. Na renúncia e na submissão o exercício da vontade é unilateral, podendo até mesmo ser consideradas soluções altruístas do conflito, levando em conta que a solução decorre de ato da parte que abre mão do exercício de um direito que teoricamente seria legítimo. Na renúncia, o titular do pretenso direito simplesmente abdica de tal direito, fazendo-o desaparecer juntamente com o conflito gerado por sua ofensa, enquanto na submissão o sujeito se submete à pretensão contrária, ainda que fosse legítima sua resistência”.

Trazendo esses conceitos para o Direito Tributário, cabe destacar

que a transação é um instituto eminentemente do Direito Privado, estando disciplinada no art. 840 da Lei n. 10.406/2002 (Código Civil) nos seguintes termos: “É lícito aos interessados prevenirem, ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”.

Todavia, a transação também encontra previsão no Direito Público

como uma das causas de extinção do crédito tributário, aí incluídos, portanto, o principal e os seus acessórios ( juros e multa), sendo tratada pelo CTN em seu art. 171, que dispõe:

“Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário. Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso”.

Como se pode perceber, são três os principais pressupostos para a

realização da transação em matéria tributária: (i) lei autorizadora, (ii) a existência de concessões mútuas, e (iii) que essas concessões impliquem a (de)terminação do litígio.

Page 17: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

17

A despeito de a transação estar prevista expressamente no CTN como uma das formas de extinção do crédito tributário, há muito se debate na doutrina acerca da compatibilidade do referido instituto com o Direito Tributário, visto que uma das partes do litígio é o ente público e o objeto do litígio possui natureza, a priori, indisponível.

Aqueles que compartilham deste entendimento sustentam, dentre

outros argumentos, que o instituto da transação aplicado em matéria tributária ofende os princípios da legalidade, da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, da eficiência administrativa, da segurança jurídica e da impessoalidade.

Já os que defendem ser perfeitamente legal e constitucional a

aplicação do instituto em matéria tributária alegam, em suma, que (i) a transação encontra previsão expressa no CTN como uma das causas de extinção do crédito tributário, (ii) o princípio da legalidade não seria violado, na medida em que o próprio CTN exigiu a edição de uma lei autorizando a realização da transação, (iii) a adoção de tal instituto, ao conferir certa discricionariedade à Administração Pública para solucionar conflitos, possibilita maior eficácia no que diz respeito à satisfação do crédito tributário, desde que respeitado sempre o interesse público, (iv) a celebração da transação é melhor do que a rigidez de uma decisão judicial, que muitas vezes não reflete a melhor técnica tributária ou é imprecisa, (v) a decisão judicial, mesmo quando adequada, pode ser de difícil execução, e (vi) a transação é uma ferramenta importante contra a morosidade na resolução de litígios, haja vista a existência de inúmeros recursos que apenas se prestam a procrastinar o pagamento de tributos.

Na prática, a transação em matéria tributária ainda não é muito

utilizada no país (ou ao menos não se é dada a devida publicidade às legislações pertinentes), tendo sido identificada a sua regulamentação em poucos Estados brasileiros. Já no âmbito federal, a matéria é objeto do Projeto de Lei n. 5.082/2009, conhecido como Projeto de Lei Geral das Transações, em trâmite perante o Congresso Nacional.

De todo modo, a despeito da “escassez” em sua implementação e da

controvérsia existente, não se pode admitir que a transação em matéria tributária seja proibida, dado que o referido instituto está expressamente

Page 18: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

18

elencado no art. 171 do CTN como uma das formas de extinção do crédito tributário. Mas, apesar de não vedada, compartilhamos do posicionamento de que a transação tributária somente poderá ser efetivada caso exista lei autorizativa31, pois este instituto se submete ao subprincípio da reserva da lei tributária, insculpido no art. 97 do CTN, consectário dos princípios da legalidade e da segurança jurídica.

Ainda no que tange às concessões que podem ser feitas por parte do

Fisco, cabe aqui destacar a possiblidade de a transação implicar não apenas a redução do débito, mas também o seu parcelamento, sempre observado o interesse público e os demais princípios que norteiam o Direito Administrativo e Tributário.

Além disso, a concessão de parcelamento no bojo da realização da

transação pode ser implementada em concomitância com o instituto da remissão que, por sua vez, está prevista no art. 150, § 6º, da CF/88 e disciplinada no art. 172 do CTN, como perdão do crédito tributário, podendo este incluir ou não o próprio tributo32.

Feitas as ressalvas e considerações pertinentes sobre a transação e

remissão em matéria tributária, cabe observar que a prova produzida de forma antecipada pode viabilizar a autocomposição do Estado com contribuinte que não se sentir confortável com a prova produzida de forma antecipada, pois esta poderá não ser tão favorável quanto se esperava ou a própria qualidade da prova pode não conferir a segurança desejável para ingressar em juízo.

Assim, partindo-se do pressuposto de que a transação e remissão

não possam ser implementadas por falta de regulamentação ou outro motivo 31 Cumpre esclarecer nesse ponto, que a doutrina a respeito do tema se encontra dividida quanto à necessidade de ser a lei autorizativa uma lei complementar ou ordinária, sendo que os que defendem a necessidade de lei complementar entendem que a transação tributária enquadrar-se-ia no conceito de normas gerais em matéria tributária, de que trata o art. 146, III, da Constituição Federal (CF). Na prática, contudo, o que se tem são leis ordinárias regulando o instituto da transação nos Estados de Minas Gerais e Santa Catarina e um Projeto de Lei também ordinária em âmbito federal. 32 A remissão, assim como a transação, também pressupõe lei autorizativa, à luz da qual a autoridade administrativa concede, por despacho fundamentado, remissão, total ou parcial, do crédito tributário.

Page 19: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

19

legal, ainda que o contribuinte conte com relevantes fundamentos jurídicos para a defesa de seu pleito, por conveniência financeira ou até por uma decisão pessoal, opta-se pela renúncia/submissão para afastar os ônus sucumbenciais que podem chegar até 20% do valor envolvido (art. 85, § 2º, do CPC/2015). Portanto, considerando a possibilidade de autocomposição, a produção antecipada da prova poderá evitar o ajuizamento de ações temerárias ou com baixas chances de êxito, proporcionando ao contribuinte outros meios para a solução de conflitos com o Fisco.

5.3. Obtenção de tutela provisória, sem a necessidade de

garantia O Código atual consagrou o instituto das tutelas provisórias, que,

nos termos do art. 294, caput, podem ser de urgência (cautelar ou antecipada) ou de evidência. Os requisitos para a concessão das tutelas de urgência encontram-se positivados no art. 300, quais sejam: (i) a probabilidade do direito que se visa tutelar; (ii) o perigo de dano ou resultado útil do processo e, ainda, a (iii) reversibilidade do provimento antecipado.

A tutela de evidência é anunciada no art. 294 e sistematizada no art.

311, de modo que passa a ter aplicação expressa às relações jurídicas que não demandem ritos ou atos diferenciados para análise e satisfação do direito material levado à apreciação do Poder Judiciário, valendo ressaltar que a concessão da tutela de evidência prescinde da demonstração do perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo. Basta que o requerente da medida demonstre que o seu pedido se enquadra entre um dos incisos do art. 311 e apresente as provas das alegações de fato e da demonstração de probabilidade do direito pleiteado.

Pressupostos semelhantes são adotados pelos procedimentos

especiais como, por exemplo, art. 7º da Lei n. 12.016/2009, que exige para a concessão de medida liminar em mandado de segurança a demonstração do periculum in mora e o fumus boni iuris.

Ainda que na petição inicial estejam demonstrados o cumprimento

de todos os requisitos legais para a concessão de medidas liminares em geral, não é raro nos depararmos com decisões judiciais que indeferem o pedido sob a

Page 20: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

20

alegação de que, em que pesem os argumentos apresentados, a matéria é controvertida e depende do resultado das provas a serem produzidas ao longo da ação ou que o ato administrativo que se pretende anular goza de presunção de legalidade e veracidade, motivo pelo qual a única forma de suspender a exigibilidade do crédito tributário é por meio da realização de depósito judicial no valor integral do débito discutido. Essa é uma situação típica vivenciada pelos advogados tributaristas que militam no contencioso judicial.

Para contornar ou minimizar o risco de decisões como essa, a

produção de prova antecipada é uma boa alternativa não só para se evitar a necessidade do depósito judicial ou o oferecimento de contracautela (fiança bancária ou seguro garantia judicial), cuja obtenção nem sempre é viável junto às instituições financeiras e, ainda que seja, o custo de sua manutenção é elevado, mas também para reduzir o tempo de tramitação do processo, pois a prova já colhida perante o Poder Judiciário não necessitará ser renovada na ação principal.

5.4. Formulação de pedido líquido A produção antecipada de prova também poderá viabilizar a

formulação na petição inicial de pedido líquido, mediante a quantificação realizada em perícia. Isto porque, dependendo da natureza da discussão judicial, não há alternativa para apurar o valor discutido se não for por meio de uma perícia contábil, a qual poderá ser realizada na fase instrutória ou no momento da liquidação da sentença.

Essa questão se torna relevante nos impostos não cumulativos em

que não há legislação adequada das Unidades Federadas ou interesse que a compensação entre débitos e créditos se opere na esfera administrativa. Ainda que seja cabível a compensação perante o Fisco, o risco de discussão com relação às formalidades documentais pode gerar multas pela compensação indevida de parte do crédito e até a formação de um novo contencioso de natureza administrativa. Diante disso, dependendo do caso concreto, a melhor alternativa seria a da liquidação judicial.

Cabe observar que o objetivo da liquidação é complementar a

decisão ilíquida com o elemento faltante, no caso, o quantum debeatur. Assim,

Page 21: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

21

em que pese o procedimento de liquidação se tratar de uma fase do processo, o autor deverá impulsionar o feito por meio de requerimento nos autos da ação em que conste pedido específico de quantificação do valor do crédito reconhecido por decisão transitada em julgado, momento em que o juiz dará início a uma nova atividade cognitiva com a observância do contraditório.

É nesse momento processual que se decidirá se a liquidação será

realizada por arbitramento ou por procedimento comum33. Na primeira modalidade as partes serão intimadas34 a apresentar pareceres e documentos elucidativos e, se for o caso, nomear perito para a produção de laudo contábil, nos termos do art. 509, I, c/c art. 510 do CPC. No procedimento comum, a Fazenda Pública será intimada a apresentar contestação no prazo legal (art. 509, II, c/c art. 511 do CPC).

Como se vê, a liquidação de sentença é como se fosse uma nova ação

de cognição restrita, pois não se poderá discutir o que já fora decidido na sentença liquidanda35. De todo modo, a fase de liquidação é demorada e demanda a produção de prova técnica (perícia), apresentação de pareceres e demais documentos que embasem o pedido de quantificação dos valores discutidos.

Quantificados os valores e encerrada a fase de liquidação, inicia-se

uma nova etapa processual, denominada cumprimento de sentença, para a execução da decisão que reconheceu a obrigação da Fazenda Pública de pagar quantia certa. Nessa etapa ainda devem ser observadas as regras constantes dos arts. 534 e 535 do CPC, podendo a Fazenda Pública apresentar defesa e recursos com base nas matérias previstas nos incisos do art. 535.

33 Independentemente da forma de liquidação requerida pelas partes (arbitramento ou procedimento comum) é o juiz que decidirá a forma mais adequada, pois não está vinculado ao pedido das partes (REsp 1.590.902/SP, Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. em 26.04.2016). 34 Não se trata de citação porque não há a instauração de um novo processo. A ação continua com a nova fase de liquidação. 35 Art. 509, § 4º, do CPC: “Na liquidação é vedado discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou”.

Page 22: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

22

Portanto, a única forma de efetivar o direito no tempo desejado é produzindo a prova antecipada a fim de viabilizar que a sentença de mérito se manifeste sobre o valor líquido apontado na inicial. Caso contrário, não restará alternativa a não ser percorrer o longo caminho da liquidação, seguida da fase do cumprimento de sentença (execução).

5.5. Formação de prova pré-constituída A própria estratégia processual poderá sofrer reflexos com a adoção

da produção antecipada de provas. Dependendo do lastro probatório existente, por exemplo, a parte poderá optar por ajuizar uma ação anulatória, com pedido de tutela provisória, na tentativa de suspender a exigibilidade do crédito tributário sem que haja a necessidade de apresentação de garantia ou, não sendo esse o caso, aguardar o ajuizamento da execução fiscal para garantir o juízo por meio das modalidades previstas nos arts. 9º e 11 da Lei n. 6.830/80 e, posteriormente, apresentar embargos à execução fiscal.

Outra alternativa que se apresenta viável com a produção de prova

pré-constituída por meio da ação probatória é a utilização do mandado de segurança, cuja vocação constitucional para servir como instrumento de defesa dos contribuintes em face dos abusos praticados pelo Poder Público é manifesta36.

Dessa feita, a ação mandamental, segundo previsão do art. 5º, LXIX,

da Constituição, destina-se a proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, desde que haja prova documental pré-constituída indispensável à instrução da petição inicial. A ausência ou deficiência da prova 36 Ao conceituar o mandado de segurança James Maris é preciso ao dizer que este “é instituto processual de raiz constitucional em norma de eficácia absoluta plena, com natureza jurídica de garantia individual, destinado à proteção das prerrogativas do indivíduo ou de coletividade em face do Estado, de atuação necessariamente célere e eficaz, que colima a correção jurídica de abusos do Poder Público iminentes (função preventiva) ou já perpetrados (função repressiva), por agente coator ou autoridade coatora, cometidos diretamente ou por interposta pessoa física ou jurídica, não estancáveis por habeas corpus ou habeas data, ilimitável e incondicionado a qualquer espécie de contracautela, senão pelos pressupostos constitucionais específicos” (Direito processual tributário brasileiro: (administrativo e judicial). 8. ed. São Paulo: Dialética, 2015, p. 590).

Page 23: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

23

pode inviabilizar a utilização dessa medida, pois no procedimento sumário do mandado de segurança não há previsão de dilação probatória, razão pela qual toda a atividade probatória deve, em regra, exaurir-se no momento da impetração.

As provas tidas como indispensáveis ao manejo do writ serão

aquelas capazes de dar confiabilidade ao argumento de liquidez e certeza do direito invocado pelo impetrante, o que demonstra a necessidade de se estabelecer logo na petição inicial o vínculo entre as alegações de fato e os documentos que serviram de suporte para a propositura da medida.

Além de a prova pré-constituída viabilizar a utilização da via

mandamental, que é considerada por muitos como a “ação tributária por excelência”, pode ensejar, no âmbito da ação de execução fiscal, a defesa do executado pela chamada exceção de pré-executividade. Esse tipo de defesa foi fruto de construção doutrinária para combater a legitimidade do título executivo ou de seus requisitos sem que haja a necessidade de garantia do juízo.

Justamente por se tratar de medida sem previsão legal expressa, sua

aceitação encontra obstáculos na jurisprudência em função das prerrogativas dos créditos tributários da Fazenda Pública. Não nos alongaremos sobre as diversas facetas desse meio de defesa alternativo por não ser o objeto central do presente estudo, mas o importante é destacar que a matéria veiculada na exceção de pré-executividade deve ser de ordem pública e possível de ser conhecida de ofício pelo juiz, independentemente de dilação probatória, de modo a ilidir a presunção de liquidez e certeza do título executivo. Essa questão foi, inclusive, objeto do enunciado da Súmula 393/STJ: “A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício e que não demandem dilação probatória”.

Em síntese, pode-se concluir que a utilização da ação probatória

autônoma antes do início da demanda principal pode alterar a estratégia processual anteriormente traçada e viabilizar a utilização de procedimentos especiais como o mandado de segurança e exceção de executividade, os quais restringem atos processuais tendentes a desvendar fatos por meio da produção de provas.

Page 24: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

24

5.6. Produção de qualquer tipo de prova Nos subtópicos anteriores dissemos que a ação antecipada de prova

poderá ser utilizada para a formação de prova pré-constituída a fim de, dentre outros motivos, facilitar a obtenção de liminares sem a necessidade de apresentação de garantia e também para viabilizar a utilização da ação mandamental e exceção de pré-executividade. Todavia, não tratamos do tipo de prova que poderá ser produzida no bojo da ação probatória.

Por esse motivo, não podemos deixar de chamar a atenção para o

fato de que diferentemente da previsão legal contida no código revogado, que permitia a produção antecipada apenas de prova oral e pericial, a ação probatória autônoma do CPC/2015 não faz qualquer restrição nesse sentido. Portanto, qualquer prova que se mostre relevante e útil para a causa pode ser antecipada na busca pela adequada aplicação do Direito e também pela pacificação das partes envolvidas.

Ainda que não seja comum em processos que envolvem causas

tributárias, meios alternativos de prova como a testemunhal podem ser de grande utilidade para a demonstração da responsabilidade tributária do administrator ou para a correta delimitação de responsabilidades nos casos em que se discute a dissolução irregular de sociedades com fins de responsabilização de seus representantes legais. Essa estratégia processual também poderá ser apresentada para demonstrar planejamentos tributários lícitos, legalidade do aproveitamento de ágio, comprovação do local da efetiva prestação de serviço, responsabilidades no campo previdenciário, dentre tantas outras discussões corriqueiras no campo do Direito Tributário.

5.7. Possibilidade de utilização no curso de processo

administrativo fiscal A antecipação probatória foi tratada até este momento do estudo

sempre com o objetivo de aparelhar futura demanda judicial principal em que se irá discutir o direito material com ampla carga cognitiva. Contudo, como não há nenhuma limitação temporal relativa a essa antecipação, até porque, como dito, a prova colhida tem como destinatário não só o juiz, mas também as partes, vislumbramos a possibilidade jurídica de produzir a prova antecipada antes de

Page 25: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

25

iniciado o processo administrativo fiscal ou até durante o seu curso. Ressalte-se que as autuações fiscais, em geral, são precedidas de procedimentos fiscalizatórios nem sempre céleres. Alguns podem durar anos antes que o lançamento seja realizado pela autoridade fiscal competente. É nesse momento que se justifica a propositura da ação probatória autônoma, pois a prova colhida poderá ser utilizada para instruir futura impugnação ou até após a fase recursal.

É fato que no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos

Fiscais (CARF) a juntada de provas após a impugnação administrativa, em geral, é tolerada pelos julgadores administrativos como bem ressaltado por Ricardo Mariz de Oliveira37 em artigo destinado às discussões sobre o processo administrativo fiscal, no Simpósio Nacional de Direito Tributário do Centro de Extensão Universitária (CEU):

“Na generalidade dos casos, a jurisprudência administrativa tem aplicado tais normas com correção e tempero, pois, por um lado, somente tem admitido juntada de provas posteriores à impugnação, pelas autoridades fiscais, mediante abertura de vista ao contribuinte, para se manifestar sobre elas, e, por outro lado, em nome do princípio da verdade material que preside o lançamento tributário e o processo administrativo, tem admitido a juntada de documentos pelos acusados mesmo em fases da instância recursal, assim como tem determinado a realização de diligências sobre fatos ou circunstâncias a respeito dos quais não tenha havido anterior prova adequada38.”

Mais adiante, Ricardo Mariz de Oliveira pondera os limites em que a

prova poderá ser apresentada no âmbito dos processos administrativos federais, ensinamentos esses que também são aplicáveis aos processos administrativos fiscais estaduais e municipais: 37 OLIVEIRA, Ricardo Mariz; FAJERSZTAJN, Bruno; SILVA, Fabiana Carsoni Alves Fernandes da. Questões controvertidas no processo administrativo fiscal – CARF. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Questões controvertidas no processo administrativo fiscal – CARF. 18. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, v. 18, p. 368-419. 38 Não podemos deixar de mencionar que com a nova composição do CARF a juntada de provas no curso do processo administrativo tem-se mostrado tormentosa para os contribuintes, mas ainda assim os ensinamentos do mencionado autor continuam válidos e atuais.

Page 26: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

26

“Neste sentido, mesmo indo além dos rígidos limites da norma do art. 16 do Decreto n. 70235, pode-se sustentar com segurança que a apresentação de provas em qualquer fase do processo, caso necessárias a demonstrar a verdade dos fatos relevantes conforme o desenrolar das várias etapas processuais, e desde que não seja praticada com o intuito de obter qualquer vantagem maliciosa, deve ser aceita como imperativo da consecução do objeto maior das regras processuais, que é instrumentalizar a correta aplicação das normas substantivas pertinentes ao crédito tributário em discussão. Pode-se mesmo afirmar que a mencionada postura jurisprudencial não representa oposição aos frios limites contidos no art. 16, mas sua aplicação “cum grano salis”, e com fundamento em princípios que são superiores às simples normas particulares, até mesmo porque iluminam a sua interpretação e aplicação.”

Infelizmente o cenário positivo encontrado no CARF não é a

realidade dos demais Tribunais Administrativos, em especial, no Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT/SP), cujo o entendimento dominante é restritivo com relação à juntada de prova no curso do processo, o que comprova a falta de compreensão do ordenamento, dos desígnios constitucionais e, principalmente, do princípio da verdade material que deve nortear o processo administrativo.

Seja como for, com a utilização da ação probatória autônoma,

ocorrerá a formação de prova nova, não havendo motivos plausíveis para a sua não aceitação pelos julgadores administrativos, devendo obviamente ser respeitado o contraditório com a abertura de vista às autoridades fiscais para manifestação sobre a prova nova juntada aos autos.

5.8. Não há risco de concomitância A discussão a respeito do reconhecimento da concomitância entre o

processo administrativo e judicial não é nova e sua origem está no art. 38, parágrafo único, da Lei n. 6.830/80, segundo o qual a propositura, pelo contribuinte, de ação judicial importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto.

Page 27: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

27

O mencionado dispositivo está alinhado com as regras processuais

não só porque a discussão sobre a mesma questão de fato e de direito no âmbito administrativo e judicial implica sobrecarga da máquina estatal, mas também porque essa concomitância geraria decisões conflitantes, as quais devem ser evitadas ainda que o provimento judicial prevaleça sobre o administrativo.

Em 2007, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, nos autos

do Recurso Extraordinário 234.798/RJ, analisou o art. 38, parágrafo único, da Lei n. 6.830/80, tendo sido decidido pela sua constitucionalidade ao fundamento de que a renúncia à esfera administrativa não importa ofensa ao direito constitucional de petição, ante o princípio da inafastabilidade da jurisdição já referido na parte introdutória deste estudo.

Feito esse registro, é preciso observar que o referido dispositivo não

fornece os elementos necessários para a correta identificação da concomitância. No entanto, essa questão para fins deste estudo não é tão relevante, pois é evidente que a ação probatória autônoma não pode ser considerada concomitante com o processo administrativo, ainda que a prova produzida perante o Judiciário seja destinada ou utilizada no processo administrativo. Os pedidos e as causas de pedir das duas ações são totalmente distintos, valendo reiterar que na ação probatória compete ao juiz apenas certificar a regularidade da colheita da prova, não podendo este tecer considerações a respeito do direito material39.

5.9. Demora do Poder Judiciário Desde que a controvérsia não se restrinja a matéria eminentemente

de direito e havendo a necessidade de produção antecipada de prova para a comprovação das alegações de fato, a ação probatória autônoma tal como prevista no código atual é cabível e deve ser estimulada a sua propositura por tudo o quanto exposto neste texto. 39 Para o aprofundamento do tema da concomitância, recomendamos a leitura do artigo elaborado por Fabiana Carsoni em conjunto com Ricardo Mariz de Oliveira e Bruno Fajersztajn (SILVA, Fabiana Carsoni Alves Fernandes da; OLIVEIRA, Ricardo Mariz; FAJERSZTAJN, Bruno. Questões controvertidas no processo administrativo fiscal – CARF. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Questões controvertidas no processo administrativo fiscal – CARF. 18. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, v. 18, p. 368-419).

Page 28: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

28

Por esse motivo, nos oito subtópicos anteriores demonstramos as

vantagens da utilização da ação de antecipatória de produção de prova para o processo tributário (administrativo e judicial). Todavia, não apontamos nenhuma desvantagem, até porque não localizamos nenhuma questão que pudesse afastar a aplicação dessa medida para os processos de natureza tributária.

No entanto, não podemos deixar de registrar que as ações ajuizadas

perante o Poder Judiciário costumam demorar anos, quiçá décadas, para o desfecho final. Esse “inconveniente” é contornável pela própria simplicidade do procedimento e também pelo fato de que o contraditório é reduzido pela ausência de valoração da prova pelo juízo. Inclusive, há a criticada previsão no art. 382, § 4º, do CPC/2015 de que não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra a decisão que indeferir totalmente a produção da prova. Esse dispositivo foi analisado na parte procedimental deste estudo, mas serve para ilustrar a vontade do legislador de conferir simplicidade e celeridade na produção da prova antecipada para que esta ação possa ser utilizada antes da propositura da ação principal.

6. Conclusão Normalmente a questão da administração do “tempo do processo” é

avaliada em decisões lastreadas em cognição não exauriente, que antecipam ao autor o acesso ao bem da vida por conta da evidência de seu direito e da presença do periculum in mora. No entanto, diversos atos processuais praticados pelas partes também devem ser pensados e refletidos levando em consideração o tempo. É chegada a hora de uma modificação da forma de se pensar os atos processuais e o momento da produção da prova é um exemplo disso.

Por esse motivo, apresentamos logo no início do presente estudo

considerações a respeito do “tempo do processo”, as quais são aplicáveis não só às liminares, mas também aos atos processuais como um todo e, em especial, à produção da prova. Em seguida, tratamos do direito fundamental à prova, questão essa de suma importância para a correta compreensão das ações probatórias.

Page 29: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

29

Isso porque, sob a égide do Código Buzaid, a natureza da ação de produção de prova antecipada era controvertida, havendo estudiosos que defendiam a sua predominância cautelar e acessória de um processo principal e, por outra perspectiva, havia os defensores da autonomia das ações probatórias sem o requisito do periculum in mora.

O CPC/2015, influenciado pelas vozes de parte da doutrina e

jurisprudência, elimina as restrições até então existentes e consagra a autonomia da produção da prova, desvinculando-a de um processo principal e exclui a exigência da urgência. Além disso, rompe o paradigma da doutrina clássica no sentido de que a prova é destinada unicamente ao juiz ao prever nos incisos I e II, do art. 381 que a produção antecipada da prova será admitida nas hipóteses de: (i) viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflitos; e (ii) promover que o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de futura ação judicial de cognição exauriente.

Dessa forma, a prova antecipada também é destinada às partes para

que possam avaliar a probabilidade de êxito de eventual ação, inclusive para uma solução consensual de conflitos, que é uma das questões muito incentivadas pelo legislador desde a Exposição de Motivos do Anteprojeto do Novo código. Nesse contexto, após a análise dos requisitos formais e procedimentais, apresentamos oito vantagens para a utilização da ação antecipatória de prova no Processo Tributário, quais sejam: (1) facilitar a análise prévia das reais chances de êxito em futura demanda; (2) viabilizar a autocomposição; (3) auxiliar a obtenção de tutela provisória sem a necessidade de apresentação de garantia; (4) possibilitar a formulação de pedido líquido; (5) permitir a formação de prova pré-constituída a ser utilizada em procedimentos especiais como mandado de segurança e exceção de pré-executividade; (6) admitir a produção de qualquer tipo de prova sem as restrições até então existentes; (7) possibilitar a utilização da prova antecipada no curso de processo administrativo fiscal; (8) não gerar o problema da concomitância entre as esferas administrativa e judicial.

Sem a ambição de esgotar as possibilidades de utilização dessa ação

probatória, os exemplos citados foram apresentados na esperança de fomentar o debate para que outras possibilidades de utilização surjam, o que certamente ocorrerá com a absorção pelos operadores do direito das novas regras processuais.

Page 30: Artigos - marizadvogados.com.brmarizadvogados.com.br/_2017/wp-content/uploads/2018/10/NArt.16... · TRIBUTÁRIO (ADMINISTRATIVO E JUDICIAL) 1. Introdução. ... conceitos fundamentais

Artigos

São Paulo / OUTUBRO 2018

30

Por fim, não podemos deixar de chamar a atenção para o fato de que

a ação probatória repaginada pelo novo código contribui para a superação do estado de beligerância em que vivemos e também para a redução das demandas levadas à apreciação do Poder Judiciário.