artigo flavia revista da espm1

Upload: airton-felix

Post on 01-Mar-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/26/2019 ARTIGO Flavia Revista Da ESPM1

    1/7

    Entrevistas

    OS NOVOSCIENTISTAS

    DO CONSUMOEles esto de olho em voc!

    R E V I S T A D A E S P M A N O 2 1 E D I O 9 8 N 3 M A I O / J U N H O 2 0 1 5 R $ 2 8 , 0 0

    ArtigosArtigos

    Em busca dos cientistas

    do consumoConsumo: proscrito ou prescrito?

    A economia comportamental: umnovo olhar para o ser humano

    Neurocincia do consumo:as fronteiras da pesquisa demercado e suas contribuiespara os mtodos tradicionaisde pesquisa

    O virtual que se tornou real

    A era da neurocincia:

    entenda o crebrodo seu consumidor!

    A plateia invadiu o pal

    O consumo comlinguagem: aqu

    e alm da satisfa

    O marketing nunser uma cinc

    Classe C... de contid

    A vov no mavovozin

    Responsabilidadsocioambiental e consum

    O consumo qnos defi

    Nem garantido, nem caprichosAndr Olivei

    Caadores de emoJanana Brizante

    Manuel Garcia-Garc

    Mais do que produto, nvendemos ponto de vist

    Andrea Salgueiro Cruz LimRede social: o futuro d

    consumo passa por aquDaniel Mill

    O binmio do consumJulio Ribei

  • 7/26/2019 ARTIGO Flavia Revista Da ESPM1

    2/7

    REVISTA DA ESPM

    | MAIO/JUNHO DE 201532

    P

    ense sobre a ltima vez que voc decidiu

    assinar uma revista ou jornal, inscrever-se

    em uma academia, comprar um produto depoupana, plano de sade ou um simples

    televisor. E quando tomou uma deciso pensando no

    bem-estar do prximo, economizou gua ou simples-

    mente respondeu a um favor?

    Voc lembra o que pesou na sua deciso naquele

    momento? Quanto tempo demorou para decidir? O que

    acha que o influenciou bem ali?

    Os economistas comportamentais (tambm chamados

    de cientistas comportamentais) tm abraado o desafio

    de propor uma nova forma de olhar para estas e muitas

    outras perguntas, e buscado um entendimento mais

    profundo das in fluncias comportamentais conscien-

    tes e inconscientes que agem quando fazemos escolhas.

    Mais ainda, como pequenas nuances em um contexto

    podem alterar completamente o resultado at mesmo

    de escolhas simples que tomamos no nosso dia a dia.

    A economia comportamental prope uma viso mais

    realista da natureza humana. Assim, a lm de fornecer

    ferramentas poderosas para entender mais a fundo os

    consumidores, vai mais longe ao investigar fatores como

    bem-estar, o poder dos outros, altrusmo, reciprocidade,

    pobreza, entre outros.

    As suas pesquisas utilizam como ferramenta princi-pal experimentos controlados para observar o compor-

    tamento do ser humano f rente s pequenas variaes

    na forma pela qual uma escolha apresentada, ou em

    seu contexto.

    Para dar uma ideia mais clara do que seria um experi-

    mento, vejamos um caso simples e interessante citado

    pelo professor da Duke University, Dan Ariely, em seu

    livroPrevisivelmente irracional(Editora Campus, 2008).Segundo o autor, a ideia surgiu quando ele notou que

    a revista The Economistestava oferecendo trs opesde assinatura para clientes: uma assinatura digital da

    revista por US$ 59; uma da revista impressa por US$ 125;

    e um combo da assinatura digital e da revista impressa

    por US$ 125. Afinal, por que a The Economistofereceriaa opo apenas com a revista impressa?

    Para entender mais a fu ndo a estratgia, ele convo-

    cou alguns estudantes do MIT para um experimento em

    laboratrio. Separou aleatoriamente dois grupos. Para

    o primeiro ofereceu a verso da prpria The Economistcom as trs opes (digital, impressa e combo). E para o

    segundo grupo retirou a opo do meio, oferecendo ape-

    nas a verso digital e o combo. O resultado foi impres-

    sionante. No primeiro caso, 16% escolheram a opo

    digital e 84% o combo. J no segundo exemplo, em que

    se omitiu a opo do meio, 68% foram para a opo mais

    barata da assinatura digita l e apenas 32% compradores

    escolheram o combo.

    Nos estudos de economia comportamental, muito

    comum vermos desenhos simples como esse trazerem

    resultados reveladores.

    Nesse caso, por exemplo, as preferncias do indivduo

    so alteradas de forma decisiva, apenas com a adio de

    um novo produto, a assinatura exclusivamente da revistafsica. Extrapolando para diversos outros casos, o que

    vemos que mesmo o indivduo preferindo o produto A

    ao produto B, a adio de um produto C pode fazer com

    que a ordem de preferncia mude completamente e ento

    o produto B seja prefervel ao produto A.

    Esse fenmeno acontece normalmente quando a ter-

    ceira opo dominante de forma assimtrica. A melhor

    Aeconomia comportamental:

    um novo olhar para o ser humanoQual o diferencial que a economia comportamental e suas metodologias trazem para a mesa?Ainda pouco explorada no Brasil, essa rea est cada vez mais consolidada no exterior, comestudos que podem ajudar a melhorar as escolhas do ser humano nas mais diversas esferas

    Por Flvia vila

    CINCIA

  • 7/26/2019 ARTIGO Flavia Revista Da ESPM1

    3/7

    MAIO/JUNHO DE 2015 | REVISTA DA ESPM 33

  • 7/26/2019 ARTIGO Flavia Revista Da ESPM1

    4/7

    CINCIA

    REVISTA DA ESPM

    | MAIO/JUNHO DE 201534

    que B em um atributo, mas no to bom em um segundo

    atributo. E o produto C normalmente chamado de isca,

    pois colocado apenas para deslocar as escolhas entre

    as outras duas opes.

    Como falamos antes, a economia comportamental vai

    muito alm do uso para estratgias de marketing. Nos

    ltimos anos, os seus estudos tm colecionado evidn-

    cias empricas substanciais de que somos muito menos

    racionais do que imaginamos, e que pequenas mudan-

    as, ou at fatores imperceptveis a priori, pelo tomadorde deciso, frequentemente influenciam muito mais do

    que aes custosas baseadas em incentivos financeiros

    ou programas de conscientizao.

    Assim, seja em um contexto de compra ou para pro-

    mover mudanas positivas no dia a dia das pessoas

    que podem gerar mais bem-estar, sade e tranquilidadefinanceira , os estudos da economia comportamental

    movem o nosso olhar para detalhes antes desconsiderados.

    Muitas vezes, pensamos em grandes solues quando

    surge um problema ou quando criamos u m produto,

    mas frequentemente vemos que os melhores resulta-

    dos esto nos detalhes.

    As pesquisas em economia comportamental tm

    mostrado o enorme impacto que podem gerar pequenas

    mudanas das mais diversas formas: no contexto em que

    a escolha est inserida, na forma como ela apresentada,

    evidenciando como os outros agem naquele contexto, se

    fcil ou no tomar aquela deciso, se naquela circuns-

    tncia mais confortvel se manter na opo padro

    ou no status quo, enfatizando o poder do ponto de refe-rncia, dado que nossas escolhas so sempre relativas,

    enquadrando a escolha como perda ou ganho, trazendo

    a deciso para um momento que tentao ainda no est

    na jogada, ou o contrrio, entre outros.Mais ainda, observa-se sistematicamente que as nos-

    sas decises so muito menos deliberativas, lineares e

    Um marco importante para a rea foi a escolha do psiclogo israelense Daniel Kahneman para receber o Prmio Nobelde Economia de 2002 por seus estudos que forneciam uma viso integrada da psicologia na economia

    LATINSTOCK

  • 7/26/2019 ARTIGO Flavia Revista Da ESPM1

    5/7

    MAIO/JUNHO DE 2015 | REVISTA DA ESPM 35

    conscientes do que gostaramos de acreditar. Segundo

    o professor Daniel Kahneman, podemos dividir a nossa

    forma de pensar em dois sistemas: sistema 1 e sistema 2.

    O sistema 1 um pensamento rpido e instintivo, sem

    esforo, emocional, associativo, difcil de controlar. J

    o sistema 2 consciente, exige raciocnio, lento, traba-

    lhoso, usado para tarefas exigentes e complexas. O pon-

    to-chave que a maioria das nossas decises so toma-

    das pelo sistema 1. As pessoas evitam esforo cognitivo

    e muitas vezes confiam em um julgamento plausvel que

    rapidamente vem mente. O sistema 2 preguioso e

    na maioria das vezes no entra na jogada.

    Dessa forma, ao entender melhor como todos esses

    fatores, muitas vezes ignorados, influenciam as nossas

    escolhas, podem-se construir estratgias de marketing

    mais efetivas, assim como produtos e aes que real-mente ajudam os indivduos a fazer as melhores esco-

    lhas, maximizando o seu bem-estar.

    Nesse contexto, surge a economia comportamental

    e seus estudos experimentais para oferecer uma forma

    diferente de olhar para os indivduos (e consumidores).

    No h dvida de que muitos dos seus conceitos j tenham

    sido aplicados h anos na rea de marketing e publicidade.

    Porm suas metodologias e abordagem sistemtica trazem

    novas perspectivas para a construo de estratgias mais

    efetivas ao reunir diversos fatores cruciais que agem num

    momento de deciso, em um mesmo campo de pesquisa.

    Uma nova forma de observarA economia comportamental, em seu cerne, uma cin-

    cia experimental, por isso muitas vezes somos chama-

    dos de cientistas de jaleco branco, no muito diferente

    daqueles que vemos manipulando vrios compostos

    qumicos em um laboratrio.Experimentos nas cincias comportamentais podem

    ser conduzidos em laboratrio, em campo (no mundo

    Considerado um dos pais da economia comportamental, o economista Richard Thaler autor deNudge o empurropara a escolha certa(Editora Elsevier, 2008), um dos livros que so referncia no assunto

    LATINSTOCK

  • 7/26/2019 ARTIGO Flavia Revista Da ESPM1

    6/7

    CINCIA

    REVISTA DA ESPM

    | MAIO/JUNHO DE 201536

    real), com ferramentas da neurocincia, entre outros.

    Outras ferramentas, como surveyse big data, podemser usadas de forma complementar ou separadamente,

    para enriquecer os dados e aumentar seu nvel de pre-ciso e alcance.

    Em linhas gerais, em um experimento testam-se diver-

    sos cenrios, simultaneamente, com indivduos escolhi-

    dos de forma aleatria no grupo que se quer investigar.

    Sempre que possvel, so utilizados grupos de controle

    que no sofrem qualquer tipo de interveno.

    Alm disso, usualmente manipula-se apenas uma vari-

    vel, ou pouqussimas, entre os diferentes cenrios testados

    com o objetivo de isolar o efeito que est sendo estudado.

    Muitos so tambm incentivados financeiramente para

    tornar a deciso o mais real possvel. Um bom experimento

    requer um desenho e planejamento criterioso, assim como

    a adoo de alguns protocolos no s no desenho, como

    tambm na conduo e avaliao de resultados.

    A ascenso da reaNas ltimas duas dcadas, a economia comportamen-

    tal e suas aplicaes empricas tm vivido seu auge,

    ganhando cada dia mais destaque, tanto no meio aca-

    dmico quanto em reas como marketing, sustentabi-

    lidade e polticas pblicas.

    Apesar de os primeiros estudos sobre o que atual-

    mente chamamos de economia comportamental teremsurgido na segunda metade do sculo 20 e continuarem

    a ser amplamente analisados at hoje, vrios fatores tm

    contribudo para a ascenso dessa rea.

    Um marco importante para a rea foi a escolha do psi-

    clogo israelense Daniel Kahneman para receber, ao

    lado do economista Vernon Smith, o Prmio Nobel de

    Economia de 2002 por seus estudos que forneciam uma

    viso integrada da psicologia na economia e utilizavam

    uma abordagem experimental. Tambm importante

    foi a premiao de Vernon Smith por consolida r o uso

    de experimentos em laboratrio como ferramenta paraestudos empricos em economia, principalmente para

    mercados e leiles.

    Outro divisor de guas foi o lanamento de livros did-

    ticos e acessveis sobre os estudos da rea, que alcana-

    ram rapidamente as listas de mais vendidos. Encabeam

    a lista:Rpido e devagar duas formas de pensar(EditoraObjetiva, 2012), escrito pelo prprio Kahneman, que pode

    ser considerado uma das grandes referncias que temos

    atualmente sobre o assunto;Nudge o empur ro paraa escolha certa(Editora Elsevier, 2008), do economistaRichard Thaler, da University of Chicago (considerado

    tambm um dos pais da economia comportamental)

    e do advogado Cass Sunstein, da Harvard Law School;

    ePrevisivelmente irracional(Editora Elsevier, 2008), deDan Ariely, professor da Duke University, que com

    uma abordagem divertida e irreverente foi a porta de

    entrada para muitos leigos e amantes da rea, tanto no

    mundo dos negcios quanto em reas no diretamente

    relacionadas.

    Assim, nos ltimos anos, comeamos a vivenciar aconsolidao da rea internacionalmente. Um exemplo

    foi o World Development Report 2015, do Banco Mundial,intituladoMind, Society and Behavior, que foi totalmentededicado economia comportamental e experimental em

    pases em desenvolvimento. Outro exemplo foi a dimenso

    que oBehavioural Insights Team (BIT) fundado em 2010na Inglaterra e ligado diretamente ao governo tomou ao

    propagar o uso de experimentos nas polticas pblicas.

  • 7/26/2019 ARTIGO Flavia Revista Da ESPM1

    7/7

    MAIO/JUNHO DE 2015 | REVISTA DA ESPM 37

    Dinmica que serviu de inspirao para a fundao de

    diversos grupos de pesquisa similares em todo o mundo.

    J na rea de negcios, renomadas consultorias e

    agncias de publicidade tm adotado, publicamente,

    seus conceitos e ferramentas. Novas consultorias espe-

    cializadas so criadas a todo instante. E grandes empre-

    sas tm investido em reas exclusivamente com essefoco. Alm disso, atualmente, as principais universi-

    dades do mundo oferecem programas especficos de

    economia comportamental, diversos laboratrios de

    pesquisa foram criados em grandes centros. Observa-

    se uma exploso de papers em peridicos renomados,

    e suas teorias esto em rpida evoluo.

    No entanto, nem tudo so flores... A rea ainda apre-

    senta grandes desafios a serem superados. Transformar

    resultados rigidamente controlados em solues apli-

    cveis no mundo real nem sempre fcil. Um debate

    sempre presente se resultados de experimentos em

    laboratrio, ou em campo, podem ser transpostos parao mundo real. Alm disso, a implementao de labora-

    trios e departamentos com esse foco requer um inves-

    timento considervel e profissionais ainda ra ros no

    mercado para gerar resultados confiveis e replicveis.

    Se nos Estados Unidos e na Europa onde a rea

    est no auge e bem mais consolidada essas questes

    e barreiras de entrada ainda so um desafio, o cenrio

    fica ainda mais crtico quando falamos de pases como

    o Brasil, onde a rea praticamente desconhecida e h,

    ainda, uma enorme dificuldade em angariar fundos para

    laboratrios e estudos experimentais.

    Mesmo com grandes desafios, a rea cresceu a passos

    largos na ltima dcada e est cada vez mais consoli-dada, tanto na academia quanto no mundo dos negcios.

    Por ser uma rea relativamente nova, pequenos ajustes

    ainda esto em andamento. Um deles, por exemplo, a

    proposta de ampliar o alcance da atividade e de seus pro-

    fissionais ao denominar seus estudos no apenas beha-vioural economics, mas algo mais amplo como behaviou-ral science. Essa discusso tem ganhado fora, lideradatambm pelo prprio Daniel Kahneman, e vamos pre-

    senciar o seu desenrolar nos prximos anos.

    Apesar de ser uma discusso, sem dvida, plausvel ejustificvel, o publicitrio Rory Sutherland, um defensor

    apaixonado da rea, observa que, no obstante as diver-

    gncias, o uso do termo behavioural economics um timocase de rebrandingque deu certo e, com certeza, propiciouque seus estudos entrassem em meios que at ento eram

    inalcanveis, ao serem vinculados com a economia.

    Aproveito assim a oportunidade para deixar um con-

    vite. Independentemente da denominao, economistas

    comportamentais, cientistas comportamentais, psic-

    logos comportamentais, advogados comportamentais,

    un-vos, pois evidncias no faltam que, pases comoo Brasil, que tm pouqussimo conhecimento sobre a

    rea, tero ainda muito a se beneficiar com seus estu-

    dos e aplicaes, em todas as esferas.

    Flvia vilaProfessora do curso de economia comportamental EAD

    da ESPM, fundadora do site economiacomportamental.org

    e da InBehavior Pesquisa e Insights

    LATINSTOCK

    A economia comportamental prope uma viso maisrealista da natureza humana. Alm de fornecer ferramentaspoderosas para entender o consumidor, ela vai mais longe aoinvestigar fatores como bem-estar, altrusmo e reciprocidade