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  • 7/24/2019 Artigo - Revista ncora

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    Joo PessoaBrasil |ANO 1 VOL.1 N.1 |JUL./DEZ. 2014 |p. 117 a 154 117RevistaLatino-americana de Jornalismo |ISSN 2359-375X

    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    O escndalo midiatizado como estratgia ideolgica deluta poltica

    Mediatized scandal as ideological strategy in the politicalstruggle

    Francisco Laerte Juvncio MAGALHES1

    1Jornalista. Doutor e mestre em Comunicao e Cultura pela Universidade Federal do Rio deJaneiro (2002 e 1998). professor do Programa de Ps-graduao em Comunicao pelaUniversidade Federal do Piau. Contato: [email protected].

    ResumoNeste trabalho, pretendemos analisar os discursos das revistas Veja, Isto,e poca, publicadas em fevereiro e maro de 2010, acerca do fenmenopoltico/miditico o conhecido Caso Bancoop. Assim denominado pelamdia, o caso Bancoop refere-se a um suposto esquema de triangulao derecursos que teriam sido desviados da Cooperativa Habitacional dos

    Bancrios de So Paulo, para a campanha de Lus Incio Lula da Silva Presidncia da Repblica, nas eleies de 2002; e de Marta Suplicy aogoverno de So Paulo, em 2006, passando por contas pessoais de diretoresdaquela Cooperativa e de dirigentes petistas. Nosso objetivo compreenderos modos de investimento ideolgico nos discursos da mdia, que tendem sdisputas polticas, e, a partir da, estimular o olhar crtico ao consumo decontedos miditicos, com vistas ao exerccio da cidadania e participaopoltica.Palavras-chaveEscndalo midiatizado; Estratgia ideolgica; Jornalismo; Luta poltica.

    AbstractIn this work we intend to analyze the speeches of Veja, Isto and poca,published in February and in March of 2010, about a political mediaphenomenon the well-known Caso Bancoop. Thus named by the media,the Bancoop case refers to an alleged triangulating scheme where resourceswould have been deviated from the Cooperativa Habitacional dos Bancriosde So Paulo, for the presidential campaign of Lus Incio Lula da Silva, in2002, and that of Marta Suplicy to the state government of So Paulo, in2006, passing through personal accounts of that Cooperative directors andPT leaders. Our goal is to understand the modes of ideological investment in

    the discourse of the media, with a view to the political disputes and,thereafter, to stimulate a critical look at the consumption of media contents,aimed at the exercise of citizenship and that of political participation.KeywordsMediatized scandal; Ideological strategy; Bancoop; Political struggle.

    RECEBIDO EM 18 DE JULHO DE 2014ACEITO EM 22 DE NOVEMBRO DE 2014

    http://lattes.cnpq.br/9884506958589514http://lattes.cnpq.br/9884506958589514http://lattes.cnpq.br/9884506958589514http://lattes.cnpq.br/9884506958589514
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    este trabalho, analisamos os discursos das revistas semanais de

    informao acerca do fenmeno poltico/miditico que ficouconhecido como o Caso Bancoop; deste modo, tomamos como eixo

    da anlise dois conceitos fundamentais: o conceito de escndalo eideologia a partir do pressuposto de que o Caso Bancoop constitui-seescndalo com ampla repercusso na mdia, especialmente na revista Vejae nos telejornais da rede Globo, como estratgia ideolgica de lutapoltica. Por conseguinte, temos interesse em verificar os modos de

    subjetivao das prticas jornalsticas das revistas semanais deinformao. O caso Bancoop, assim denominado pela mdia, refere-se aum suposto esquema de triangulao de recursos que teriam sidodesviados da Cooperativa Habitacional dos Bancrios para a campanha doPT, nas eleies de 2002, passando por contas pessoais de diretores daCooperativa e dirigentes petistas.

    A denncia surgiu na mdia a partir de reportagens veiculadas nasrevistas semanais, tendo a revista Vejacomo principal veculo. As matrias

    jornalsticas acusam o ento tesoureiro do PT, Joo Vaccari Neto, de estarenvolvido no desvio de dinheiro da Bancoop. A suspeita a de que partedo dinheiro desviado destinara-se a um suposto caixa dois do Partidodos Trabalhadores, com a finalidade de financiar a campanha eleitoral queelegeu Lus Incio Lula da Silva, presidente do Brasil nas eleies de 2002.O desvio aparece na imprensa em 2006, no por acaso, o ano em queLula disputa a reeleio.

    Em 2010, ano de novas eleies presidenciais, as denncias voltama fazer parte da agenda miditica. Desta vez, ao que tudo indica, o alvoseria a candidatura de Dilma Rousseff Presidncia do Brasil. Os acusadosse defendem, negam a existncia do desvio de dinheiro; contudo, novamos entrar em detalhes sobre acusaes nem defesas; e, menos ainda,no que diz respeito luta judicial, porque a princpio, para este trabalho,isto no o mais importante.

    Por outro lado, vamos, sim, considerar os aspectos discursivos

    miditicos na constituio poltico/ideolgica dos discursos das revistas

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    Programa de Ps-graduao em Jornalismo - UFPB

    semanais de informao, na cobertura jornalstica do que se denominouCaso Bancoop. Embora, a rigor, o caso em si diga respeito a umainvestigao criminal, portanto, situado no campo dos discursos policiais,a sua produo jornalstica se d na interseo dos campos

    poltico/miditico, o que entrelaa modos de constituio dos diferentescampos.

    Tomamos como material de anlise as reportagens publicadas nasrevistas Veja, Isto, epoca, nas edies de fevereiro e maro de 2010:quatro edies da revista Veja(2153, 2155, 2156 e 2157), uma da revistaIsto (2105), duas da revista poca (614 e 617). Apoiamo-nos, comoinstrumental metodolgico, na Anlise de Discurso, a partir de autores

    como Foucault (1985; 1992a; 1992b; 1996), Amosy (2005), Maingueneau(2010), Pinto (1999), Vern (2005), Charaudeau (2006a; 2006b), Courtine(2006; 2009) Fairclough (1995; 1997; 1999; 2001), Bourdieu (1989; 1996;2004), Thompson (1995; 1998; 2002) e Magalhes (2003), alm de outrosque certamente tm importante contribuio para a nossa anlise.

    No primeiro momento, discorremos sobre o quadroterico/metodolgico, em que apresentamos e discutimos categorias deanlise; no segundo momento, apresentamos a descrio do objeto, o

    Caso Bancoop e dos suportes miditicos selecionados para a pesquisa; e,por fim, procedemos anlise. Queremos, deste modo, realizar nossainvestigao e trabalhar os procedimentos analticos, conforme nosrecomenda a Anlise de Discurso, como a compreendemos.

    Recursos analticos da Anlise de DiscursoA Anlise de Discurso constitui-se de um aparato terico

    metodolgico utilizado para pesquisas na rea da linguagem e, como habitual, no campo cientfico, apresenta-se como um tecido bastanteesgarado: so diversas as matrizes tericas que sustentam mtodosdiferenciados, como so tambm muitas as possibilidades de produo desentidos para cada uma das categorias disposio dos pesquisadores.Por isso buscamos fugir de certas visadas que, a nosso ver, de torepetidas, tornaram-se aceitas como verdadeiras e com as quais nocomungamos. Por exemplo, entendemos que no existe o que se tem

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    chamado de AD francesa ou de linha francesa, do modo generalista

    como tem sido referido.Este um tema que poderia nos conduzir a uma longa discusso,

    no entanto, vamos apresentar apenas dois argumentos que consideramosnecessrios:

    (1) H, hoje, na Frana vrias matrizes tericas a respeito daAnlise de Discurso, e cada uma delas tem sua prpriaconceituao, sua aplicao metodolgica, completamenteautnoma, que dista em muito umas das outras, no conseguindoformar um corpora terico coeso e nico ao qual pudssemostomar como referncia daquilo que seria designado uma ADfrancesa.Enfatize-se que, afora autores como Pcheux, Courtine,

    Maingueneau, Charaudeau, dentre outros, existem, ainda, os autores que,mesmo no sendo franceses, podem ser tomados como matrizes tericas,visto que produzem em lngua francesa, com autonomia, riqueza epertinncia terica alm da fundamentao metodolgica especficas,como, por exemplo (s para citar dois dos mais conhecidos), Greimas e

    Vern.(2) Ningum, em s conscincia, pode querer interpretar, porapropriao, o verdadeiro pensamento do outro, uma vez que partede uma aproximao interpretativa que, na maioria das vezes,busca ajustar-se aos seus desejos e as suas necessidades depesquisa. Deste ponto de vista, nosso modelo de entendimento seaproxima de Fairclough (2001), que rene, no mtodo que utilizapara analisar discursos, matrizes tericas como Bakhtin, Foucault,

    Bourdieu, Gramsci e Habermas, dentre outros, e estabelece comestes autores visadas crticas e de apropriao, embora jamaisutilize suas ferramentas de anlise com propsito de sobreposioem sua legtima acepo.Portanto, assim que entendemos a Anlise de discurso; ou seja,

    no nos referimos a nenhuma anlise de discurso francesa, ainda que

    utilizemos autores franceses, e reconheamos toda a sua importncia,pelo que produziram e alguns ainda produzem em lngua francesa,

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    Joo PessoaBrasil |ANO 1 VOL.1 N.1 |JUL./DEZ. 2014 |p. 117 a 154 121RevistaLatino-americana de Jornalismo |ISSN 2359-375X

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    cunhando importantes categorias/lentes com as quais procuramospesquisar a produo, circulao e disputas de sentidos.

    Do mesmo modo, no queremos nos filiar a este ou quele autor.Nosso objetivo analisar discursos, e, neste sentido, tanto recorremos a

    um quanto a outros; diramos, inclusive, que no se encaixamcomo nsem um enquadramento estreito, seja l qual for. Fugimos tambm dasreferncias a um discurso nico, totalizante (anlise dodiscurso). Comoafirma Pinto (1999), preciso no s entender que os discursos soheterogneos, como tambm para fugir das grandes categorias abstratas maneira do estruturalismo, onde o conceito originariamente se forjou.Por isso no utilizamos a expresso Anlise do Discurso, que a

    acepo originria e mais comum ainda hoje. Este um dos pontos decoincidncia com o modo como trabalha Fairclough (2001) que definemelhor quando utiliza a expresso Anlise deDiscurso.

    Discutiremos alguns conceitos considerados fundamentais, tanto doponto de vista terico quanto do ponto de vista pragmtico, da anliseque empreendemos. Iniciamos pelo conceito de escndalo, observandoque a mdia constri os acontecimentos que analisamos sob a perspectivado escndalo.

    O escndalo como uma estratgia ideolgica de lutapoltica

    Para a delimitao dos sentidos a respeito da palavra escndalo,utilizaremos a reflexo de Thompson (2002). Devemos muitos dossentidos que circulam cotidianamente ao universo religioso, no qual estoos sentidos que, historicamente, se originaram nesse campo, e depois

    foram adotados nos campos poltico/miditico e que nos parecem maisprximos ao modo como ainda hoje compreendemos o que seja umescndalo; dito de outro modo, como a mdia, atualmente, investe taissentidos na cobertura de acontecimentos, especialmente, polticos.Thompson (2002, p. 40) atualiza sua reflexo, e diz o seguinte:

    Para sermos mais precisos, sugeriria que, no seu empregocorrente, escndalo se refere primariamente a aes,acontecimentos ou circunstncias que possuem as seguintescaractersticas:

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    1) sua ocorrncia ou existncia implica a transgresso de certosvalores, normas ou cdigos morais;2) sua ocorrncia ou existncia envolve um elemento de segredoou ocultao, mas elas so conhecidas ou firmemente cridas comoexistentes por outros indivduos que no os envolvidos (chamariaa esses indivduos de no-participantes);3) alguns no-participantes desaprovam as aes ouacontecimentos e podem sentir-se ofendidos pela transgresso;4) alguns no-participantes expressam sua desaprovaodenunciando publicamente as aes ou acontecimentos;5) a revelao e condenao das aes e acontecimentos podemprejudicar a reputao dos indivduos responsveis por eles

    (embora isso no seja sempre, ou necessariamente, o caso, comoveremos).

    Interessa-nos, portanto, considerar estes pontos sem que nosdetenhamos nos desdobramentos para os quais apontam e que o autortrata mais detidamente em sua obra. Faz-se necessrio que lembremos,no entanto, que estamos falando de escndalos polticos midiatizados.Reforamos este aspecto por entender que importante para que nogeneralizemos ou, at, recuperemos as questes religiosas a que nosreferimos anteriormente, e que fazem parte da origem do uso do termonestes moldes.

    Temos observado que em perodos eleitorais, especialmente emeleies Presidncia da Repblica, aumentam e se agravam asdenncias acerca de acontecimentos escandalosos. Certamente existemfora dos perodos eleitorais, porm, nos perodos de eleio so maisrecorrentes e mais ostensivos, sem a menor dvida. Cientes disto,

    recortamos o caso Bancoop para a nossa anlise. Como bem mostraThompson (2002), a ocorrncia de escndalos na mdia no de hoje,vem de muito longe. Entretanto, com as caractersticas miditicas daatualidade, com a disponibilidade de recursos tecnolgicos de investigaoe de publicizao, esta matria adquire um alcance bem maior e efeitosmuito mais devastadores.

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    Joo PessoaBrasil |ANO 1 VOL.1 N.1 |JUL./DEZ. 2014 |p. 117 a 154 123RevistaLatino-americana de Jornalismo |ISSN 2359-375X

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    Escndalo: acontecimento midiatizado de produo desubjetividades

    Como acontecimento midiatizado, o escndalo tem uma

    ambivalncia: o acontecimento em si mesmo como um fato escandalosoe, ao mesmo tempo, contaminado pelos discursos miditicos. Ou seja, ofato produzido por um desvio de conduta de um ente pblico j per sioque se poderia considerar um escndalo localizado, na conceituao deThompson (2002, p. 90), algo socialmente deplorvel. E uma vez que estefato ocupa a pauta da imprensa, ou seja, que ele midiatizado, tomaoutra dimenso que diz respeito s prprias caractersticas do modo comoa mdia constitui sua discursividade, amplifica a publicizao:

    1) d a notcia (no caso do rdio e da TV) com chamadas emoutros programas na sua grade de programao; abre espao nacapa e primeira pgina (no caso de revistas semanais e jornais);2) repete com insistncia nas edies seguintes, acrescenta novosngulos, revela novos implicados que fortalecem e alimentam oescndalo de forma cumulativa;3) repercute entre outros suportes miditicos e mdiasconcorrentes, que, por sua vez, pautam o assunto em suas

    diversas edies durante certo tempo, em um processo derepetio exaustivo;4) Cada veculo reverbera as informaes bsicas e insere outrasprprias, decorrentes do trabalho investigativo de seus prpriosprofissionais. Para que se sustente, necessrio que hajarepercusso na sociedade e nos outros meios de imprensa: aestratgia, ento, buscar a opinio de agentes discursivosautorizados e legitimados, competentes (especialistas dos campospoltico, econmico e jurdico) que possam manifestar indignao,apontar prejuzos sociedade, e, enfim, consolidar o

    acontecimento como escndalo. preciso que tenhaconsequncia: em geral, apresentam-se documentoscomprobatrios, simulaes de julgamento com condenaespresumveis e suas respectivas penalizaes.

    Ultimamente tem-se visto no Brasil uma srie de denncias arespeito da conduta de ministros, parlamentares, ocupantes de cargospblicos, que, quase sempre, conduzem os denunciados a renunciar ao

    cargo. Depois disto, como por mgica, o assunto desaparece da pauta

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    miditica e outro iniciado. Ou seja, o tempo de durao do escndalo ,de modo geral, o mesmo em que o implicado resista sua renncia.

    Conforme Thompson (2002, p. 41), as pessoas que se encontram

    no centro do acontecimento se tornam prisioneiras de um processo que muito difcil de ser controlado, e no qual tais tentativas de controle podemfacilmente fracassar. O mais comum que, nessas situaes, haja

    desmentidos, ou, em alguns casos, que os implicados busquem de todasas formas parecer tranquilos, e remetam as investigaes aos rgos decontrole, na tentativa de escapar ao assdio da mdia e ou da renncia.

    O peso subjetivo do escndalo se d em decorrncia do desgastesobre a imagem do sujeito. Imagem esta que tentou construir e preservara duras penas (sem trocadilho). Quanto mais o indivduo carece decredibilidade mais estragos o escndalo pode produzir em sua imagem,aquilo que configura o seu capital poltico.

    O capital poltico uma forma de capital simblico, crditofirmadona crena e no reconhecimento ou, mais precisamente, nasinmeras operaes de crdito pelas quais os agentes conferem auma pessoaou a um objetoos prprios poderes que eles lhes

    reconhecem (BOURDIEU, 1989, p.187).

    Para o poltico que tem como principal capital simblico a suacredibilidade, o escndalo pode significar o fim de sua vida pblica.

    O poder simblico um poder que aquele que lhe est sujeito dquele que o exerce, um crdito com que ele o credita, uma fides,uma auctoritas, que ele lhe confia pondo nele a sua confiana. Eum poder que existe porque aquele que lhe est sujeito cr que

    ele existe (Ibid., 1989, p. 188).

    Ou seja, a delegao concedida sob o pressuposto da confianaesvanece quando rui a imagem de quem detm o poder delegado porconta de seu envolvimento em um desvio de dinheiro, em um escndalode corrupo, quando, enfim, j no mais h confiana do representadoem seu representante. isto que objetiva quem denuncia, que a suadenncia tenha consequncia, sob a alegativa de que, ao denunciar,

    cumpre seu dever de fiscal dos agentes de Estado. Dizendo de outro

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    modo, setores da imprensa, a pretexto de fiscalizar as aes dos polticos,denunciam e amplificam acontecimentos presumivelmente escandalosos.

    Neste ponto, os engendramentos discursivos miditicos entramcomo estratgias ideolgicas de luta poltica, uma vez que pode,

    supostamente, destroar partidos e inviabilizar candidaturas ou provocarderrotas eleitorais, trazendo a tona fatos que escandalizem a sociedade eformem opinio pblica adversa, sejam eles consistentes ou no.

    Ao contrrio do capital pessoal que desaparece com a pessoa doseu portador (embora possa originar querelas de herana), ocapital delegado da autoridade poltica , como o do sacerdote, doprofessor e, mais geralmente, do funcionrio, produto da

    transferncia limitada e provisria (apesar de renovvel, por vezesvitaliciamente) de um capital detido e controlado pela instituio es por ela: o partido que, por meio da ao dos seus quadros edos seus militantes, acumulou no decurso da histria um capitalsimblico de reconhecimentoe de fidelidadee que a si mesmo sedotou, pela luta poltica e para ela, de uma organizaopermanente de membros permanentes capazes de mobilizar osmilitantes, os aderentes e os simpatizantes e de organizar otrabalho de propaganda necessrio obteno dos votos e, poreste meio, dos postos que permitem que se mantenham

    duradoiramente os membros permanentes (BOURDIEU, 1989, p.191).

    No toa que, embora a denncia recaia sobre a ao de umindivduo, a rigor, ela objetiva alcanar, por ampliao de seus efeitos, ainstituio poltica (Partido) a que o agente do escndalo vinculado.Deste modo, muito comum que um escndalo midiatizado seja atribudocomo feito de um partido e no apenas de um militante.

    Porm, um acontecimento social tende a se complexificar, e podepor vezes produzir revezes. A este respeito, Thompson afirma:

    Os escndalos miditicos, em contraposio, tm poucaprobabilidade de se fundamentar apenas, ou com forte nfase, emformas relativamente efmeras de evidncia. Sendo que osescndalos miditicos geralmente se apresentam na imprensa, ouem outros meios, como fatos j conhecidos por outros, e sendoque a apresentao pblica de tais fatos pode acarretar riscos s

    organizaes da mdia (inclusive o risco de calnia). comum que

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    escndalos miditicos envolvam formas de evidncia que sejamfixadas em meios relativamente durveis, desde cartasincriminadoras e fotografias at conversaes registradas emgravador (Thompson, 2002, p. 92).

    Preferimos sempre tratar como escndalos midiatizados em funoda ambivalncia a que me referi anteriormente; no entanto, nas citaes,mantemos o texto do autor que prefere falar de escndalos miditicos. Emnosso entendimento, ao falar sobre escndalos miditicos, estaramos nosreferindo a eventos escandalosos em que a mdia o sujeito e o lugar daao, por isto preferimos tratar como escndalos midiatizados. Estamostratando de fatos ocorridos por sujeitos sociais; no caso deste trabalho,polticos, sindicalistas e empreiteiros, noticiados pelos rgos de imprensa,sob a constituio do escndalo. No desconhecemos, alis, pressupomosque o agente miditico por vezes tem interesses em superdimensionardeterminados acontecimentos, elevando-os categoria de escndalo, esubestimar ou omitir outros, o que torna a mdia um agente polticoimportante nas disputas sociais. Portanto, no h discurso neutro oudesinteressado.

    A respeito do escndalo poltico no universo dojornalismo

    Temos nos referido a escndalos, com certa insistncia, situando-osno campo poltico, por vrios motivos, mas principalmente porque nesteespao que se situa o trabalho de que tratamos aqui. Porm, do mesmomodo que procuramos apresentar uma discusso acerca do escndalomidiatizado, pretendemos discutir um pouco sobre algumas caractersticasdo escndalo poltico.

    No nosso entendimento, o escndalo veiculado na mdia temsempre uma raiz documentada, ou seja, ele provm de um processoinvestigativo com interesses polticos e miditicos. Em outras palavras,no h denncia que no se fundamente em algum tipo de provamaterial. Deste ponto de vista, podemos afirmar que o escndalo polticodecorre de um ou de vrios desvios de conduta, relativos a um indivduo

    ou a uma instituio poltica (partido, rgo pblico). O que pode ocorrer,

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    como dissemos anteriormente, so dimensionamentos maiores oumenores a depender de interesses miditicos que determinem o uso deum acontecimento com algum fim especfico.

    Por outro lado, sabemos que no h apenas um tipo de escndalo

    poltico, h muitos, diversificados; cada um ocorre em circunstncias bemdeterminadas, onde quer que exista atividade humana e prtica poltica.Isto no caracterstica deste ou daquele pas ou daquele povo, deste oudaquele partido ou agente pblico, como, de resto, todos os escndalosque ocorrem em diferentes campos: econmico, religioso, militar etc.

    O lugar do acontecimento jornalstico

    Aqui, seguimos a mesma noo utilizada por Thompson (2002),entendemos o escndalo poltico como aqueles fatos ocorridos no interiordo campo poltico. Certamente, para pensar o que seja o campo poltico,antes, precisamos pensar ou definir o que seja campo. Fundamentamo-nos a partir do conceito de Bourdieu (1996), que define campocomo:

    O campo uma rede de relaes objetivas (de dominao ou desubordinao, de complementaridade ou de antagonismo etc.)

    entre posies [...]. Cada posio objetivamente definida por suarelao objetiva com outras posies ou, em outros termos, pelosistema das propriedades pertinentes, isto , eficientes, quepermitam situ-la com relao a todas as outras na estrutura dadistribuio global das propriedades. Todas as posiesdependem, em sua prpria existncia e nas determinaes queimpem aos seus ocupantes, de sua situao atual e potencial naestrutura do campo, ou seja, na estrutura da distribuio dasespcies de capital (ou de poder) cuja posse comanda a obtenodos lucros especficos [...] postos no campo (BOURDIEU, 1996, p.

    261).

    Para melhor compreenso, vamos tentar situar tal definio a partirdo conceito de formao discursiva (FOUCAULT, 1995). Entendemos oscampos sociais definidos como redes de relaes objetivas que

    configuram espaos sociais de regulao, muito embora se reconhea quetais regulaes no impedem as muitas e constantes disputas porhegemonia no Interior, e mesmo entre os campos. Tais disputas acirram aformao de fronteiras mais ou menos largas, como reas de litgio,

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    rascunhadas como espaos de interseco em que as determinaes edefinies de pertencimento so bastante imprecisas. Tais fronteiras soestabelecidas em decorrncia do maior ou menor fechamento de cada

    campo.Apesar de os campos se intersectarem uns aos outrosconstantemente, h necessidade de que tenham autonomia, embora talautonomia no estabelea linhas de demarcao rgidas nem estveis,conforme nos referimos anteriormente. Como diz Bourdieu (1996, p. 249-250).

    O grau de autonomia do campo pode ser medido pela importncia

    do efeito de retraduo ou de refraoque sua lgica especficaimpe s influncias ou aos comandos externos e transformao, ou mesmo transfigurao, por que faz passar asrepresentaes religiosas ou polticas e as imposies dos poderestemporais (a metfora mecnica da refrao, evidentemente muitoimperfeita, vale aqui apenas negativamente, para expulsar dosespritos o modelo, mais imprprio ainda, do reflexo).

    Na maior parte das vezes, a estratgia de preservao de um

    campo e, consequentemente, da manuteno de sua autonomia se d,exatamente, pelo nvel de opacidade linguajeira com que tenta seproteger. H necessidade de que um indivduo, para penetrar em umcampo tenha que se iniciar em seus ritos de passagem. Sem isto, algumasvezes, o recurso submetido ao instrumento fiscalizador e punitivo deoutros campos que desempenham em cada sociedade esta funo, como,por exemplo, os campos jurdico e militar.

    Uma das propriedades mais caractersticas de um campo o grauno qual seus limites dinmicos, que se estendem to longe quantose estende o poder de seus efeitos, so convertidos em umafronteira jurdica, protegida por um direito de entradaexplicitamente codificado, tal como a posse de ttulos escolares, oxito em um concurso etc., ou por medidas de excluso e dediscriminao tais como as leis que visam assegurar um numerusclausus. Um alto grau de codificao da entrada no jogo vai de parcom a existncia de uma regra do jogo explcita e de um consenso

    mnimo sobre essa regra; ao contrrio, a um grau de codificao

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    fraco correspondem estados dos campos em que a regra do jogoest em jogo no jogo (BOURDIEU, 1996, p. 256).

    As lutas internas e as disputas externas ao campo pem em

    evidncia movimentos de proteo e viglia, mas tambm busca de adesoquilo que o campo oferece como distino e vantagem para novosiniciados. H disputas, mas h tambm investimentos, no sentido de quenovos membros sejam conquistados para fazer o campo crescer. Nestesentido, os campos constituem seus prprios modos de encantamento eseduo; criam, apesar de seus enredamentos, regras que buscamconstruir seus instrumentos de defesa contra os no iniciados, um lugarda promessa que mobiliza os indivduos no interior e em direo ao

    campo, em um jogo no qual se exige conhecer suas regras para que sepossa jog-lo. Conforme Bourdieu:

    Cada campo produz uma forma especfica de illusio, no sentido deinvestimento no jogo que tira os agentes da indiferena e osinclina e dispe a operar as distines pertinentes do ponto devista da lgica do campo, a distinguir o que importante(o queme importa, interest, por oposio ao que me igual, in-diferente). Mas igualmente verdade que certa forma de adeso

    ao jogo, de crena no jogo e no valor das apostas, que fazem comque o jogo valha a pena ser jogado, est no princpio dofuncionamento do jogo, e que a coluso dos agentes na illusioest no fundamento da concorrncia que os ope e que constitui oprprio jogo. Em suma, a illusio a condio do funcionamento deum jogo no qual ela tambm, pelo menos parcialmente, oproduto (BOURDIEU, 1996, p. 258).

    Quer dizer, a illusion ao tempo em que busca constituir as

    condies de oferta de seduo para o campo em questo, um produtode si prpria pelo menos em parte. Evidentemente, este produto daestratgia de adeso que oferta cada campo no constitui apenas umaatrao para que seja jogado o jogo de seduo para o exterior ao campo,mas no seu prprio interior. E o modo como cada membro participantedeste campo se comporta em relao a tal procedimento reconfigura econfirma a estratgia. Um estudante de Medicina que ostenta seuvesturio que o identifica como um futuro mdico joga o jogo da

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    seduo, e consome ele mesmo a illusionque a se cristaliza. Assim ocorrecom outros campos sociais.

    Caractersticas do campo polticoDentre os muitos campos sociais, o campo poltico aquele que

    tem a funo de organizar a sociedade e o Estado, garantindo direito decidadania, constituindo a ordem das representaes e produzindoinstrumentos e leis de regulao social. Neste aspecto, essencialmenteum lugar de tenso.

    O campo poltico, entendido ao mesmo tempo como campo deforas e como campo das lutas, que tem em vista transformar arelao de foras que confere a este campo a sua estrutura emdado momento, no um imprio: os efeitos das necessidadesexternas fazem-se sentir nele por intermdio sobretudo da relaoque os mandantes, em consequncia da sua distncia diferencialem relao aos instrumentos de produo poltica, mantm com osseus mandatrios e da relao que estes ltimos, em funo dassuas atitudes, mantm com as suas organizaes (BOURDIEU,1989, p. 159).

    , portanto, tambm, o lugar, por essncia, de exerccio de poder.O lugar das relaes entre mandantes e mandatrios, de representantes erepresentados, enfim, das disputas simblicas e da viabilidadeorganizacional.

    O campo poltico o lugar em que se geram, na concorrnciaentre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos polticos,

    problemas, programas, anlises, comentrios, conceitos,acontecimentos, entre os quais os cidados comuns, reduzidos aoestatuto de consumidores, devem escolher, com probabilidadesde mal-entendido tanto maiores quanto mais afastados esto dolugar de produo (Id. ibid.).

    A estrutura hierarquizada do campo poltico confunde-se com adistribuio dos poderes institucionais da sociedade, de tal modo que aelite poltica , ao mesmo tempo, representao da elite social; tem a

    mesma conformao e defende os mesmos interesses. Por isso mesmo

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    Joo PessoaBrasil |ANO 1 VOL.1 N.1 |JUL./DEZ. 2014 |p. 117 a 154 131RevistaLatino-americana de Jornalismo |ISSN 2359-375X

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    este apontamento de Bourdieu para a meno a cidados comuns, como

    um estatuto de reduo no condicionamento social ao estatuto deconsumidor, decorrente de seu afastamento dos centros de deciso e

    da posse dos meios de produo de bens.

    O campo, no seu conjunto, define-se como um sistema de desviosde nveis diferentes e nada, nem nas instituies ou nos agentes,nem nos actos ou nos discursos que eles produzem, tem sentidoseno relacionalmente, por meio do jogo das oposies e dasdistines (BOURDIEU, 1989, p. 185).

    A autonomia dos campos, conforme visto, embora no seconstituindo em fronteiras bem definidas, marca de modo bastantediferenciado um campo do outro, a depender do nvel de opacidade ou detransparncia de cada um. O campo poltico tem como principalcaracterstica ser tambm um campo de produo e reproduo ideolgicae:

    A autonomizao do campo de produo ideolgica acompanhada, sem dvida, de uma elevao do direito de entradano campo e, em particular, de um reforo das exigncias em

    matria de competncia geral ou mesmo especficas o quecontribui para explicar o aumento de peso dos profissionaisformados nas escolas e mesmo nas escolas especializadas [...] emdetrimento dos simples militantes (BOURDIEU, 1989, p. 171).

    As principais foras que se digladiam no interior do campo poltico,onde cada uma delas faz parecer que detm as diretrizes mais acertadaspara a conduo da sociedade em direo ao futuro, organizam-se de tal

    modo que a diversidade de partidos fortes seja inviabilizada. Por vezeseste mesmo grupo se fragmenta em mais de um partido, simulaprogramas diferenciados, que, ao fim, sustentam-se nos mesmospreceitos ideolgicos. mais comum que apenas duas grandes legendassejam fortes o suficiente para conquistar a adeso do eleitor, e constituir obloco hegemnico de poder. Cabe aos partidos mais fracos a oportunidadede composio para partilhar o poder e suas benesses. Por outro lado, opartido forte, como centro organizador de poder, se fortalece ainda mais

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    arregimentando em torno de si foras diversas que objetivam constituir obloco hegemnico.

    As estratgias ideolgicas discursivas no jornalismoDesenvolvemos a nossa anlise tomando os discursos das revistas

    semanais, ideologicamente orientados, no recorte em que trabalhamos,tendo em vista as disputas eleitorais na campanha Presidncia daRepblica de 2010. Neste sentido, entendemos que as ideologias so, aomesmo tempo, os sentidos produzidos nas relaes de poder e osmecanismos scio-histricos que engendram a sua produo.

    As ideologias assentam-se e sustentam prticas discursivas quenaturalizam as relaes de poder, por um lado, de modo a tentar impedirque grupos hegemnicos percam sua hegemonia; e, por outro lado, quese intensifiquem as lutas simblicas no sentido das disputas porhegemonia. Isto significa que as ideologias compem o tecido social emseus diversos nveis e em suas diversas posies. Bakhtin nos diz que noh signo que no seja ideolgico. Os sentidos circulantes e em disputaofertam-se em essncia os engendramentos ideolgicos que os produzem.

    A esse respeito, Fairclough (2001, p. 116/117) diz que so:

    trs importantes asseres sobre ideologia. Primeiro, a asserode que ela tem existncia material nas prticas das instituies,que abre o caminho para investigar as prticas discursivas, comoformas materiais de ideologia. Segundo, a assero de que aideologia interpela os sujeitos, que conduz concepo de queum dos mais significativos efeitos ideolgicos que os lingistasignoram no discurso (segundo Althusser, 1971, p. 161, n. 16), a

    constituio dos sujeitos. Terceiro, a assero de que osaparelhos ideolgicos de estado (instituies tais como aeducao ou a mdia) so ambos locais e marcos delimitadores naluta de classe, que apontam para a luta no discurso e subjacente aele como foco para uma anlise de discurso orientadaideologicamente.

    Nesta perspectiva, entendemos a mdia como aparelho ideolgico,evidentemente no de Estado, dado que a mdia pblica ou estatal tem

    vnculos em sua lgica de produo com a esfera privada, mas porque os

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    Joo PessoaBrasil |ANO 1 VOL.1 N.1 |JUL./DEZ. 2014 |p. 117 a 154 133RevistaLatino-americana de Jornalismo |ISSN 2359-375X

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    interesses ideolgicos se situam neste espao, na defesa da iniciativaprivada e do mercado. Fairclough (2001) entende que as ideologias sosignificaes como construes da realidade, do mundo fsico, por meiodas relaes sociais, em que as identidades se forjam. Do mesmo modoque so construdas em vrias dimenses das formas/sentidos das

    prticas discursivas e que contribuem para a produo, a reproduo ou atransformao das relaes de dominao (2002, p. 117).

    Para este autor, as ideologias que constituem as prticasdiscursivas so naturalizadas e se transformam em senso comum,estabilizando os sentidos de verdade. Contudo, entende que a

    transformao aponta a luta ideolgica como dimenso da prtica

    discursiva, uma luta para remoldar as prticas discursivas e as ideologiasnelas construdas no contexto da reestruturao ou da transformao dasrelaes de dominao (Id. ibid.).

    No h discurso desinteressado, como no h discurso inocente.Todos os discursos pleiteiam, em ltima instncia, conquistar a adeso dooutro (PINTO, 1999). E conquistar a adeso no significa apenas ter ooutro como aliado, mas persuadir o outro a concordar com a viso arespeito do mundo, das coisas e das relaes; a associar-se perspectiva

    de manter ou mudar o status quo.O exerccio de poder nas sociedades modernas est, cada vez mais,

    baseado na ideologia, e, mais particularmente, atravs do trabalhoideolgico no territrio da linguagem. A linguagem o principalinstrumental e lugar de trabalho das ideologias. Ideologias entendidas,aqui, como o meio por excelncia de produo de consenso(FAIRCLOUGH, 1996).

    Enfatize-se que a mdia no apenas funciona como um espao devisibilidade dos embates sociais, mas tambm ela prpria atua comoagente ideolgico, porque est nas mos de grupos empresariais quepertencem e conformam uma elite poltica que tem interesses bastantedemarcados socialmente nas disputas por hegemonia. O perodo eleitoralrepresenta, por assim dizer, o momento em que os lugares de poder estoem jogo. E a mdia participa e defende seus interesses polticos, a partirdas candidaturas com as quais se afina ideologicamente.

    Mais do que isto, tal participao significa a produo de discursosde qualificao dessas candidaturas e a desqualificao dos adversrios, a

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    pretexto de informar jornalisticamente a sociedade dos fatos polticos deatualidade.

    Campo e prticas polticasQueremos entender a poltica no apenas no plano formal das

    representaes, em que se localizam as funes sociais que atuam pordelegao coletiva, a pretexto de interpretar os anseios e as necessidadesdo poder concedente dos cidados. Queremos pensar as prticas polticas,ao mesmo tempo, como aquelas que se inserem em um campo de trocassociais, no qual o poder concedente de representaes tambm detentor

    de legitimidade poltica.Neste sentido, no h como deixar de fora ningum que atuepoliticamente, quer sejam os ocupantes de funes delegadas ou oscidados simples, na condio de que so eles ou elas quem detm opoder de escolha, de delegao. O eleitor um agente politicamenteconstitudo, to legtimo e atuante quanto o parlamentar ou o governanteque elege.

    Pensamos que no mais h como alimentar a viso paternalista que

    visa enxergar sempre o eleitor como uma vtima da vontade dos agentesformais da poltica. Eleitor e eleito nunca devem ser simplificados narelao vtima e algoz; trata-se de uma viso ideolgica que desejamanter a situao de ignorncia cultural e poltica acerca da importnciade sua funo e do papel que cumpre representar no jogo das relaespolticas.

    Tambm acreditamos que a linguagem se constitui em continente econtedo poltico. Neste aspecto, no h como separar linguagem e ao

    poltica como o faz Charaudeau (2006), dado que as aes polticas seefetivam, a rigor, por atos de linguagem. Sabemos que o poder coercitivo,que utiliza a fora fsica se diferencia do poder que se constitui e seefetiva pelas aes simblicas. Contudo, mesmo o poder da fora brutaque atua a partir da ao fsica rico em contedo simblico, produzefeitos de sentidos que o remetem ao territrio da linguagem.Simpatizamos com o modo como Fairclough define discurso:

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    Joo PessoaBrasil |ANO 1 VOL.1 N.1 |JUL./DEZ. 2014 |p. 117 a 154 135RevistaLatino-americana de Jornalismo |ISSN 2359-375X

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    Proponho considerar o uso de linguagem como forma de prticasocial e no como atividade puramente individual ou reflexo devariveis situacionais. Isso tem vrias implicaes. Primeiro,implica ser o discurso um modo de ao, uma forma em que aspessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre osoutros, como tambm um modo de representao(FAIRCLOUGH,2001, p. 90-91, grifos nossos).

    Mas no basta apenas isto, necessrio que se observe que osdiscursos tm nuances diferenciadas em suas diversas concepes, porisso no se deve pensar nem referir-se a um discurso, mas a diversosmodos de constituio discursiva. Vejamos alguns aspectos que podemosreferir aos discursos pertencentes a certo campo social, como, por

    exemplo, os discursos mdicos. O que define e identifica uma matriaenunciativa como relacionada discursividade de um campo determinadoso os seus modos de regulao, as referncias externas e internas a queremete, o lugar e as condies de sua produo, as subjetividades e assuas modalidades enunciativas, em ltima instncia, a ordem de discursoque define os contornos de tal campo. Mas h tambm os discursos queconstituem as identidades de pessoas fsicas e ou jurdicas, em que ascaractersticas de pertencimento so muito mais restritas em um primeiromomento.

    Deste ponto de vista, estabelecemos uma diferena com aconcepo de assujeitamento e de um dos aspectos de esquecimento aque se referiu Pcheux e Fuchs (1997, p.168-169). Aqui o sujeitoenunciador tem responsabilidade acerca do que diz, ele se ajusta sregras do dizer do campo, do tempo e da sociedade em que se insere,tenha ou no conscincia disto. Ele aciona investimentos de sentido que o

    definem como sujeito e o identificam socialmente e em relao com ooutro, seu prximo mais prximo. Divide com a sociedade os seusacionamentos e a herana lingustica que estrutura a sua fala e faz valeros sentidos que aciona.

    Com relao ao segundo esquecimento, que tem a ver com osnveis de transparncia dos discursos, concordamos inteiramente comPcheux (1988), o indivduo no consegue fazer-se entendercompletamente como imagina. Na concepo de Foucault (1993), como

    uma espcie de terceiro esquecimento, o sujeito no pode dizer o que

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    quer em qualquer lugar nem na hora em que achar que deve. Ele constrangido pelas regras e ritos sociais e no pode se sobrepor nemviolar tais regulaes, sob pena de ser marginalizado ou penalizado.

    O discurso moldado e restringido pela estrutura social no sentidomais amplo e em todos os nveis: pela classe e por outras relaessociais em um nvel societrio, pelas relaes especficas eminstituies particulares, como o direito ou a educao, porsistemas de classificao, por vrias normas e convenes, tantode natureza discursiva como no discursiva, e assim por diante(FAIRCLOUGH, 2001, p. 91).

    Sem dvida, os discursos tm em si marcas que podemperfeitamente revelar as condies gerais de sua produo, desde ostraos de suas regulaes socioculturais quanto aos investimentossubjetivos e identitrios, e o tempo e os lugares social e topolgico. Osdiscursos polticos, nos quais agentes polticos mais ou menos atuantesestabelecem novas normas de conduta e de ao social, tm porexcelncia o carter de produzir mudanas sociais. Novamente, trazemosFairclough para nossa discusso, quando ele afirma:

    Trs aspectos dos efeitos construtivos do discurso. O discursocontribui, em primeiro lugar, para a construo do quevariavelmente referido como identidades sociais e posies desujeito para os sujeitos sociais e os tipos de eu (ver Henriqueset ali., 1984; Weedon, 1987). [...] Segundo, o discurso contribuipara construir as relaes sociais entre as pessoas. E, terceiro, odiscurso contribui para a construo de sistemas de conhecimentoe crena (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91).

    a partir desta compreenso que tratamos os discursos em anlisee que efetivamente examinamos. Ou seja, atentamos para algumas daspossibilidades de engendramento das matrias discursivas, observando osaspectos de constituio e ao dos discursos, no que concerne aos seusaspectos subjetivos, relacionais e de construo de conhecimento ecrena.

    Investimentos ideolgicos de sentido na revista Veja

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    Joo PessoaBrasil |ANO 1 VOL.1 N.1 |JUL./DEZ. 2014 |p. 117 a 154 137RevistaLatino-americana de Jornalismo |ISSN 2359-375X

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    A campanha de 2010 foi caracterizada, para quem se lembra, comoa campanha em que a chamada grande mdia investiu pesado na vitriade Jos Serra (PSDB), e, consequentemente, na derrota de Dilma Rousseff(PT). Dentre os veculos que mais se empenharam nestes objetivos

    destacam-se a revista Veja(edies impressas e on-line), o Sistema Globode Rdio, Jornal, Revista (edies impressas e on-line) e TV (sistemaaberto e por assinatura), os jornais Folha de So Pauloe o Estado de SoPaulo(edies impressas e on-line), alm da Rede Bandeirantes de TV erdio.

    Em meio chamada grande mdia, foram produzidas matrias nosentido oposto, isto , em apoio candidatura de Dilma Rousseff, a

    revista Carta Capital (edies impressas e on-line) e a Rede Record deTeleviso.

    Os discursos da VejaA revista Veja constri o seu aparato discursivo ideologizado, e

    toma diversos temas, tais como: os bastidores da "aclamao" da ministrada Casa Civil, Dilma Rousseff, como pr-candidata do PT s eleiespresidenciais de outubro deste ano, quando os brasileiros iro s urnas

    escolher o sucessor do presidente Lula; as comparaes entre Brasil eEstados Unidos; insinuaes acerca de possveis relaes entre o PT(governo Lula) e as organizaes guerrilheiras da Colmbia, as FARC; asrelaes de Lula com Hugo Chavez, presidente da Venezuela, e mais doque as relaes do Brasil e Cuba, o caso da morte do prisioneiro polticocubano numa greve de fome s vsperas da visita de Lula aquele pas.

    Alm disto, uma declarao de Lula em que ele teria comparado osprisioneiros polticos de cuba a bandidos comuns do Brasil. E, comocontraponto, matrias acerca da candidatura de Jos serra sob doispontos de abordagens: 1) acerca da demora de Serra em assumir acandidatura; 2) um forte investimento na possibilidade de trazer AcioNeves, ento governador de Minas Gerais, para assumir o lugar de vice nachapa do PSDB. Tudo isto, apenas nesses dois meses (fevereiro e maro),num perodo anterior ao processo eleitoral.

    No decorrer da campanha outros temas serviram aos objetivos

    polticos da revista. Tudo muito interessante e muito instigante, masvamos parar por aqui, haja vista que sequer damos conta de uma anlise

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    que envolva todas estas temticas, tampouco poderamos estender para operodo eleitoral.

    Do material colhido no decorrer da campanha, procedemos a um

    recorte muito pequeno em que pudemos verificar, como exemplo, osinvestimentos ideolgicos de sentido, com base nos discursos das revistassemanais de informao que adotaram a postura de produzir sentidosacerca da eleio e ou dos candidatos, nos meses de fevereiro e maro de2010; a cobertura do que ficou conhecido como Caso Bancoop,

    anteriormente referido. Das revistas semanais em anlise, a Vejapublicouquatro edies tratando desta temtica.

    Na edio 2155, de 10 de maro de2010, j na carta ao leitor, a revista trazum texto referindo- se ao Caso Bancoop,cujo ttulo O pr-mensalo do PT. Nestetexto, a reprter Laura Diniz apresentadacomo uma profissional aguerrida, sob aalegativa de que h seis meses elaacompanha as investigaes do Ministrio

    Pblico paulista sobre a Bancoop. Vejaesclarece:

    Esse caso vinha sendo esquadrinhado pelo promotor Jos CarlosBlat desde junho de 2007. Ele envolve desvio de dinheiro doscooperados e de fundos de penso de empresas estatais injetadona cooperativa. Os recursos originalmente destinados

    aquisio de casas prprias para os cooperados foramdesviados de forma cruel e criminosa. Diversasparticularidades do ao episdio a dimenso de escndalopoltico nacional(VEJA, 10 mar. 2010, grifos nosso).

    O texto pesa nos adjetivos quando trata de qualificar tanto o desviode recursos da Cooperativa quanto os agentes presumivelmenteenvolvidos no caso. Aponta culpados: (homens de dinheiro do PT),apresenta provas e indica culpados (Como mostra a reportagem que

    comea na pgina 70, o inqurito indica que parte dos recursos

    Figura 01:Veja edio2155/Capa

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    desviados ilegalmente abasteceu a campanha presidencial deLula em 2002).

    E assume a defesa de Jos Serra, que teria sido vtima de dossiselaborados, certamente, por petistas ( possvel, ainda, que uma poro

    da bolada apreendida com os famosos "aloprados" aquela que seriautilizada para pagar o dossi fajuto contra Jos Serra em 2006 tenha sua origem nos cofres da Bancoop). Valida sua discursividade apartir de impresses atribudas ao Ministrio Pblico e ataca os petistas,tachando-os de profissionais do crime (Para o Ministrio Pblico, oesquema traz digitais amadorsticas, pr-mensalo, antes de os petistasprofissionalizarem seu caixa dois com a ajuda do notrio Marcos

    Valrio.) (VEJA, 10 mar. 2010, grifo nosso).Faz referncia ao perodo eleitoral em que se avizinha paralamentar que os envolvidos ainda ocupem postos de comando do PT:

    s vsperas de uma eleio presidencial das mais decisivas paraos rumos do pas, em relao qual o Tribunal Superior Eleitoralacaba de dar mais transparncia s contribuies financeiras paraas campanhas, espantoso constatar que pessoasapontadas no inqurito como suspeitas do desvio de

    dinheiro da Bancoop continuem a ocupar lugar dedestaque nos escales do PT (VEJA, 10 mar. 2010, grifonosso).

    Por fim, aponta culpados, no se esquecendo de lembrar o vnculode um deles com a campanha de Dilma Rousseff:

    Entre elas esto Ricardo Berzoini, ex-presidente do partido, eJoo Vaccari, escolhido pelo presidente Lula para sertesoureiro da campanha de Dilma Rousseff. de perguntarse, com personagens dessa estirpe solta e em cargosdecisivos no campopetista, existe a mnima possibilidade de acampanha presidencial de 2010 ser financiada de maneira limpa(VEJA, 10 mar. 2010, grifo nosso).

    Na mesma edio, a matria de capa tem como ttulo A casacaiu, embora com menos palavras e menos esclarecedor, o sentido omesmo da chamada de capa. Esta expresso geralmente empregadaquando uma prtica condenvel descoberta, expondo quem a praticava

    s escondidas. Ou seja, o esquema de desvio de dinheiro da Cooperativa

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    foi, ento, descoberto, descobrindo-se por via de consequncia osimplicados.

    J no texto de abertura, fica patente o tom opinativo da revista em

    toda a matria (O Ministrio Pblico quebra sigilo da Bancoop edescobre que dirigentesda Cooperativa Habitacional dos Bancrios deSo Paulo lesaram milhares de associados, para montar umesquema de desvio de dinheiro que abasteceu a campanha deLula em 2002 e encheu os bolsos de dirigentes do PT. Eles sacaramao menos 31 milhes de reais na boca do caixa).

    A imagem mostra Vaccari sobreum monte de cdulas, numa montagemfeita em computao grfica (AgnciaGlobo), com o objetivo de no apenasdizer, mas mostrar. Neste caso, aimagem fotojornalstica perde o seuefeito referencial de prova doacontecimento, e adquire o efeitoconceitual de fundo semntico (VERN,

    2005). Contudo, o mais curioso, que alegenda aponta para aparncias, a partir da barba de Vacari Neto com oseu antecessor (Malheiro), como se desviasse a ateno do leitor para umaspecto, ao mesmo tempo, referencial e conceitual.

    A matria da Veja aponta nmeros, respaldando-se em dados doMinistrio Pblico, argumenta, mostra imagens, e, recorrentemente,lembra o vnculo de Vaccari, a quem acusa de ser o responsvel pelodesvio de dinheiro da Banccop, com a campanha de Dilma Rousseff

    (Vaccari acaba de ser nomeado o novo tesoureiro do PT e, comotal, deve cuidar das finanas da campanha eleitoral de DilmaRousseff Presidncia). Aponta vnculos com o ento presidente Lulae com o Partido dos Trabalhadores (Em depoimento ao MP, Robertoafirmou que Malheiro, o ex-presidente morto da Bancoop, entregavaenvelopes de dinheiro diretamente a Vaccari, ento presidente doSindicato dos Bancrios e indicado como o responsvel pelorecolhimento da caixinha de campanha de Lula). Detalhe

    Figura 02:Veja Edio 2155Montagem sobre foto Jose MeirellesPassos/ Ag. O Globo.

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    O escndalo midiatizado como estratgia ideolgica de luta poltica

    Joo PessoaBrasil |ANO 1 VOL.1 N.1 |JUL./DEZ. 2014 |p. 117 a 154 141RevistaLatino-americana de Jornalismo |ISSN 2359-375X

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    importante, a caixinha no para a campanha, mas de Lula (VEJA, 10mar. 2010, grifo nosso).

    prprio das prticas jornalsticas o uso do discurso autorizado; ouseja, recorrer a especialistas, autoridades e ou a testemunhos para dar

    credibilidade a suas matrias. Neste aspecto, o Ministrio Pblico oprincipal autorizador dos discursos de Veja na constituio desseescndalo. Alm disso, recorre a peritos e a vtimas do esquema decorrupo que denuncia, e produz os efeitos de sentido de verdadesustentvel, de vitimizao, e principalmente de suspeita, a respeito daidoneidade dos operadores da campanha de Dilma Roussef e deculpabilidade do presidente Lula, que faz as escolhas sem levar em conta

    a honestidade de seus escolhidos (Ao indicar pessoalmentealgumcom o pronturio de Joo Vaccaripara tomar conta das finanas doPT e da campanha eleitoral de Dilma Rousseff, o presidente Lulasinaliza que, ao contrrio do resto do Brasil, no est nem um poucoempenhado em colaborar na faxina.) (VEJA, 10 mar. 2010, grifonosso).

    Em outro momento, relaciona o caso a outros escndalosmidiatizados como o conhecido caso dos aloprados, sob a mesma

    estratgia:

    Outro frequente agraciado com cheques da Bancoop tornou-se nacionalmente conhecido na esteira de um dos ltimosescndalos que envolveram o partido. Freud "Aloprado"Godoyex-segurana das campanhas do presidente Lula,homem "da cozinha" do PTe um dos pivs do caso da compradofalso dossicontra tucanos na campanha de 2006 (VEJA, 10mar. 2010, grifo nosso).

    Ressalte-se a nfase na falsidade do dossi a respeito de Jos Serraque referido. Este recurso anafrico que recupera uma informaoanterior e a atualiza bastante utilizado pelos discursos sobre oescndalo, como forma de manter a informao sempre atualizada nopercurso discursivo da leitura. Neste caso, o recurso empregado tantopara a defesa do candidato tucano Jos Serra, presumvel vtima domencionado dossi, quanto para denunciar os operadores da campanha

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    da candidata do Partido dos Trabalhadores Presidncia da RepblicaDilma Rousseff.

    A tese que se sustenta a de que o Caso Bancoop seria uma

    espcie estgio preparatrio para o escndalo do Mensalo, caso assimconhecido, e que diz respeito a um suposto esquema de pagamento dequotas mensais a parlamentares, pelo governo Lula, entre 2005 e 2006,para a aprovao de matrias de interesse daquele governo. Este casoteve ampla repercusso miditica, e envolveu polticos de vrios partidos,tendo como consequncia a cassao de mandatos e a renncia de vriosparlamentares. O caso julgado pelo STF condenou doze dos vinte e cincoimplicados, inclusive, o ex-ministro Jos Dirceu, acusado de chefiar oesquema.

    Na edio 2156, de 17 demaro de 2010, Veja estampa emsua capa a estrela do PT em 3D,reverberada, o que faz com que oespao de visualidade da capa sejapredominantemente vermelho. Sobre

    a estrela, v-se o nmero trezeinscrito na estrela do PT, com umdetalhe: sobre o algarismo trs,reescrito com giz branco, um dois,seguido de um smbolo deporcentagem, formando, ento aleitura do percentual 12%. Abaixo,um bloco de texto, alinhado

    esquerda, em que se entremeia afoto em tamanho trs por quatro dosenhor Joo Vaccari Neto.

    Acima, em caixa alta, o ttulo, A CONEXOBANCOOP/MENSALO. Abaixo, direita da foto, o texto, em amarelo,Ele cobra 12% de comisso para o partido (assim mesmo,aspeado, simulando declarao de outra pessoa. Inclusive, o pronomeEle tem uma ambivalncia: ao mesmo tempo remete imagem da

    fotografia imagem de Vaccari, e a algum que tenha dado tal

    Figura 03:Veja Edio 2156/Capa

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    Joo PessoaBrasil |ANO 1 VOL.1 N.1 |JUL./DEZ. 2014 |p. 117 a 154 143RevistaLatino-americana de Jornalismo |ISSN 2359-375X

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    declarao). Abaixo, outro texto diz que uma testemunha-chave daJustia revela como o tesoureiro Vaccari desviava dinheiro grossopara o mensalo. (VEJA, 17 de maro de 2010, grifo nosso).

    Na matria de capa, o ttulo O pedgio do PT, ou seja, a revista

    atualiza os sentidos do percentual de 12%, estampado na capa, e afirmaque este percentual seria uma espcie de pedgio cobrado pelo partidoaos empresrios, inclusive, com os que trabalham nos empreendimentosda Cooperativa Habitacional dos Bancrios de So Paulo.

    A imagem recortada no percentual 12% a de Vaccari, a outra, aolado, a do corretor de cmbio Lcio Funaro, que, em depoimentossigilosos Procuradoria-Geral da Repblica, teria dado a declarao quese encontra aspeada na capa.

    Esta imagem, na matria, vem com a seguinte legenda o elo

    perdido do mensalo. Ora, a expresso elo perdidodesigna, na histria

    da cincia, uma parte da histria humana ou do mundo sobre a qual nose conhece nada, e que, uma vez conhecida, esclarecia muita coisa acerca

    Figura 04: O ELO PERDIDO DO MENSALOO corretor de cmbio Lcio Funaro prestou seis depoimentos sigilosos Procuradoria-Geral da Repblica, nos quais narrou como funcionava aarrecadao de propina petista nos fundos de penso: "Ele(JooVaccari, esq.) cobra 12% de comisso para o partido.

    Foto: Wladimir de Souza/Dirio de So Paulo e Srgio Lima/Folha Imagem.

    Veja Edio 2156/Infogrfico

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    dessa histria. Seria, ento, o conhecimento a respeito dos mecanismosde funcionamento do caso Bancoop que viria esclarecer a origem e algica de funcionamento do Mensalo. O cerne da argumentao que a

    matria vai procurar desenvolver a de que Vaccari seria um dosoperadores mais importantes do Mensalo.

    evidente que a Vejano assume a autoria da tese, mas diz que ainvestigao do Ministrio Pblico descobriu:

    O novo tesoureiro do PT, Joo Vaccari Neto, uma peamais fundamental do que parece nos esquemas dearrecadao financeira do partido. Investigado pelo

    promotor Jos Carlos Blat por suspeita de estelionato,apropriao indbita, lavagem de dinheiro e formao dequadrilha no caso dos desvios da Cooperativa Habitacional dosBancrios de So Paulo (Bancoop), Vaccari tambm

    personagem, ainda oculto, do maior e mais escandalosocaso de corrupo da histria recente do Brasil: omensalo - o milionrio esquema de desvio de dinheiro pblicousado para abastecer campanhas eleitorais do PT ecorromper parlamentares no Congresso(VEJA, 17 de marode 2010, grifo nosso).

    A revista traz para a cena discursiva as imagens de Delbio Soarese de Jos Dirceu, como se eles estivessem diretamente envolvidos no casoBancoop. Afirma que Vaccari chama Delbio de professor, mas no dizque sua profisso a de professor no interior do Estado de Gois. Querdizer, a estratgia discursiva perceptvel, cujo interesse o de vincularum escndalo a outro; e, mais do que isto, tratar os personagensvinculados ao PT como bandidos.

    Na frase, por exemplo, em que Vaccari chama Delbio deprofessor, o efeito de sentido no apenas de que h um envolvimentoentre ambos, mas principalmente o de que aquele aprendeu com este amaestria dos desvios de dinheiro pblico. Isto, por si s, indicia ou indicaque o Mensalo teve uma espcie de estgio de aprendizado, um Pr-Mensalo, referido no ttulo da matria publicada na edio 2155,

    referida anteriormente. Acrescente-se, tambm que isto est dito em umtexto legenda que ladeia a foto, entre aspas, e que cita Lcio Funaro, ouseja, trata-se de discurso relatado, marcado. Vejafora a barra quando,

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    Joo PessoaBrasil |ANO 1 VOL.1 N.1 |JUL./DEZ. 2014 |p. 117 a 154 145RevistaLatino-americana de Jornalismo |ISSN 2359-375X

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    a despeito de falar da indicao de Vaccari para a Tesouraria dacampanha do PT Presidncia da Repblica, traz a imagem de DilmaRousseff.

    O texto legenda desta imagem diz o seguinte: O PATROCINADORo presidente do PT, Jos Eduardo Dutra, indicou Vaccari para tesoureiro

    do partido na campanha presidencial da ministra Dilma Rousseff, emboradirigentes da sigla tenham tentado vetar o nome do sindicalista, por eleter "telhado de vidro." (VEJA, 17 de maro de 2010, grifo nosso).

    O patrocinador seria, ento, o presidente do PT, Jos EduardoDutra. O telhado de vidro de Vaccari seria a prpria histria de desvio dedinheiro da Banccop, ainda no pblica, mas conhecida de dirigentespetistas, o que recomendaria mal, inclusive, a indicao a tesoureiro dacampanha de Dilma. Tudo isto serve como argumento, como prova deverdade nos discursos acerca do escndalo construdo por Veja.

    A matria detalha passagens de encontros entre parlamentares,publicitrios, sindicalistas, empresrios e dirigentes petistas, como, porexemplo, dar publicidade aos mecanismos de funcionamento do Mensalo,apontar nomes, lugares, descrever cenas e dilogos como se, por meiodos depoimentos colhidos, pudesse constituir-se enunciador onipresente eonisciente. No apenas testemunha porque esteve nos lugares descritos,

    como sabe tudo a respeito de todo o acontecimento, conhece os seuscenrios, as personagens, onde, como e quando as cenas aconteceram:

    Figura 05: O PATROCINADORO presidente do PT, Jos Eduardo Dutra ( direita), indicou Vaccari paratesoureiro do partido na campanha presidencial da ministra Dilma Rousseff (esquerda), embora dirigentes da sigla tenham tentado vetar o nome dosindicalista, por ele ter "telhado de vidro".

    Veja Edio 2156.

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    De acordo com o relato do corretor, Delbio indicou Joo Vaccaripara abrir-lhe algumas portas. Para marcar a primeira conversacom Vaccari, Funaro ligou para o celular do sindicalista. O

    encontro, com a presena do deputado Costa Neto, deu-sena sede da Bancoop em So Paulo, na Rua Lbero Badar.Na conversa, Vaccari contou que cabia a ele intermediar operaes

    junto aos maiores fundos de penso - desde que o interessadopagasse um porcentual para o partido (PT), taxa que variavaentre 6% e 15%, dependendo do tipo de negcio, dos valoresenvolvidos e do prazo. E foi didtico: Funaro e Valdemardeveriam conseguir um parceiro e uma proposta de investimento.Em seguida, ele se encarregaria de determinar qual fundo de

    penso se encaixaria na operao desejada. O tesoureiroadiantou que seria mais fcil obter negociatas na Petros ou naFuncef.(VEJA, 17 de maro de 2010, grifo nosso).

    Outro ponto que valida o depoimento de Dilson Funaro quandoVejarevela que que ele utiliza o segredo dos documentos para proteger asua integridade fsica (O segredo em torno desses depoimentos tamanho que Funaro guarda cpia deles num cofre no Uruguai. "Se algoacontecer comigo, esse material vir a pblico e a Repblica

    cair", ele disse a amigos).O peso de tal ameaa consiste, visivelmente,em artifcio retrico para comprometer Lula no esquema. Ora, umaameaa de ruir a Repblica , declaradamente, uma ameaa derevelaes que implica o presidente no enredo.

    Veja tambm autentica os depoimentos (Funaro dizia averdade. Seus depoimentos, portanto, ganharam em credibilidade.Foram aceitos pela criteriosa Procuradoria-Geral da Repblica como

    provas fundamentais para incriminar a quadrilha do mensalo).Apresenta provas e emite opinies a respeito:

    Cheques moda petista.VEJA obteve imagens de cheques quemostram a suspeitssimamovimentao bancria da Bancoop).Entrevista testemunhas (O empreiteiro conta como emitiu notasfrias a pedido dos diretores da cooperativa, e ouviu que odinheiro desviado seria destinado s campanhas de Lula Presidncia, em 2002, e de Marta Suplicy prefeitura de

    So Paulo, em 2004(VEJA, 17 de maro de 2010, grifo nosso).

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    Joo PessoaBrasil |ANO 1 VOL.1 N.1 |JUL./DEZ. 2014 |p. 117 a 154 147RevistaLatino-americana de Jornalismo |ISSN 2359-375X

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    Por fim, mais uma vtima apresenta seu depoimento:

    TENHO 68 ANOS E MORO DE FAVOR - Comprei umapartamento em So Paulo, paguei os 78 000 do contrato,mas s ergueram duas das trs torres prometidas. A minha parouno meio. Eles queriam mais 30 000 reais, mas eu no tinha maisde onde tirar dinheiro. Queria jogar uma bomba na Bancoop.Hoje, ainda moro de favor na casa da minha sogra, paraescapar do aluguel (Clvis Pardo, 68 anos, aposentado)(VEJA, 17 de maro de 2010, grifo nosso).

    Na edio 2157, de 24 de maro de 2010, o Caso Bancoop sequer citado na capa. No entanto, a revista publica uma matria seguindo a

    mesma linha acusatria da edio anterior. O eixo da matria , ainda,desacreditar Joo Vaccari Neto que ocupa a funo de tesoureiro dacampanha de Dilma Roussef Presidncia da Repblica para, por via deconsequncia, desacreditar a prpria candidata e a sua campanha. Amatria tem como ttulo O PT continua dando de ombros... Querdizer, apesar da gravidade das denncias a respeito de Vaccari, o PT nod a mnima. O tom inicial da matria o de ironia e de ataques a Jos

    Dirceu, que, a pretexto de comemorar seu aniversrio, declarara apoio aVaccari:

    Na noite da ltima tera-feira, o lobista e deputado cassadoJos Dirceu, acusadopela Procuradoria-Geral da Repblica decomandar a organizao criminosa do mensalo, runoSupremo Tribunal Federal por corrupo ativa e formao dequadrilha, celebrou seus 64 anos numa alegre festa emBraslia. Dirceu, o perseguido, aproveitou a tertlia paraanunciar sua enigmtica convico de que ser absolvido noSTF e props um brinde especial ao novo tesoureiro doPT, Joo Vaccari Neto, apontado como um dos operadoresdo mensalo petista e, tambm, como responsvel pordesfalques milionrios na Cooperativa Habitacional dosBancrios de So Paulo, a Bancoop. "Vamos defender nossosamigos dessas denncias infundadas", arengou o petista,observado de perto pelo presidente do Senado, Jos Sarney, epelo senador Renan Calheiros, ambos do PMDB, polticosretos que, como Dirceu, conhecem bem esse tipo de

    denncia infundada (VEJA, 24 de maro de 2010, grifo nosso).

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    A insatisfao gerada em razo do pouco caso do PT a respeito

    das denncias a Vaccari incomoda sobremodo Veja:

    As declaraesno convescote de Dirceu demonstram que o PTresolveu aplicar no caso de Vaccari a mesma tticabelicosa que adota desde o comeo do governo Lulasempreque surgem evidncias de malfeitorias cometidas peloscompanheiros. uma estratgia rudimentar, na qual o partidose defende to somente atacando os autores dasdenncias ou, ainda, o mensageiro delas: "a mdiagolpista". Essa atitude prepotente, de deprezo aos demais

    protagonistas do jogo democrtico, serve ao propsitopoltico de interditar o debate e a validade de quaisquer

    investigaes, ignorando, assim, a substncia objetiva dasprovas apresentadas ao pblico (VEJA, 24 de maro de 2010,grifo nosso).

    A matria, diferentemente das anteriores, parece muito mais umamgoa de Veja, por conta de suas denncias no terem produzidonenhuma alterao na vida particular de Vaccari nem nas decises do PT,de mant-lo na Tesouraria da campanha. Reclama que Vaccari no

    respondeu como devia s acusaes. Em uma legenda sob uma fotografiade Vaccari, a insatisfao declarada (NEM A- O tesoureiro do PT, JooVaccari, no se deu ao trabalho de responder s denncias). A isto,a revista chama de soberba (Apesar da soberba petista, a oposioconseguiu, na semana passada, aprovar a convocao de Vaccari paradepor numa CPI do Senado) (VEJA, 24 de maro de 2010, grifo nosso).

    Contudo, para no dizer que no falaram da candidata, DilmaRousseff, surge uma declarao a ela atribuda, no meio daargumentao, sem mais nem menos, a no ser para Vejarevelar que seinclui entre os adversrios de Dilma ("O pessoal est tentando trazer2005 para a eleio de 2010. Acho pouco eficaz", disse a ministraDilma Rousseff. Por "pessoal", entenda-se adversrios. Porm, aoeleger Vaccari como o novo tesoureiro do partido, foi o PT que levou omensalo para o corao da campanha da ministra).

    O certo que ela est se referindo convocao de Vaccari, para

    depor em uma CPI; mas a convocao consequncia das denncias de

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    Veja. Se Veja quem faz as denncias e insiste na histria, tambmestaria tentando trazer o debate do Mensalo para as eleies de 2010,segundo Dilma. No cremos que Vejaqueira isentar-se das denncias. Sea revista conclui que o pessoal citado por Dilma constitui seus adversrios

    na campanha, ento Veja um deles. Parece-nos um ato falho.

    Os discursos da revista IstoChama-nos a ateno o fato de que, no mesmo perodo, para a

    revista Isto, no seja o Caso Bacoop que tem destaque na pauta dosescndalos polticos, mas o envolvimento do ex-prefeito de Belo Horizontee coordenador da campanha de Dilma Rousseff, Fernando Pimentel, que,segundo declara revista, estaria envolvido com o Mensalo. Istopublica o tal envolvimento em mais de uma edio, no perodo recortadopara esta pesquisa (fevereiro e maro de 2010). Faz acusaesserissimas, apresenta documentao, engendra estratgia muitosemelhante de Veja, s que quase ignora o Caso Bancoop, e centra aateno em Pimentel. Mas a motivao, ao que tudo indica, a mesma, ade mostrar o caso como um escndalo em que o PT e seusdirigentes esto envolvidos, embora cite tambm, no decorrer das

    matrias, os mensales do PSDB e do Democratas, alm de jogar suspeitasobre o coordenador da campanha de Dilma Rousseff, lanando, emconsequncia, dvidas tambm sobre a idoneidade acerca dascompanhias de Dilma e de sua campanha.

    Portanto, como o foco desta pesquisa o Bancoop, no vamosutilizar os discursos de Isto, acerca de Pimentel. A revista est includana pesquisa porque teria iniciado a srie de denncias acerca do desvio dedinheiro da Cooperativa dos Bancrios de So Paulo, em uma edio de

    2006, conforme j nos referimos anteriormente.

    Os discursos da revista pocaA revista poca, em sua matria acerca do Caso Bancoop e nas

    edies veiculadas no perodo definido, supramencionado, como recortetemporal desta pesquisa, assume a postura de opinar sobre osescndalos, com a mesma visada ideolgica, inclusive, com opinies

    negativas a respeito do PT, de Lula, e da dvida acerca da capacidade deDilma, apresentada como uma candidata despreparada, uma criao do

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    presidente Lula. No entanto, tambm no tem a mesma contundncia deVeja.

    A novidade, conforme dito anteriormente, que pocatrata como

    envolvidos no mesmo pacote de escndalos: Jos Dirceu, Joo VaccariNeto e Fernando Pimentel. Trata-os como responsveis por colocar o PTem um lugar de suspeio. Com todos eles articulando aes condenveis;deste modo, possvel que a candidatura de Dilma Rousseff no sesustente, como podemos ver a seguir.

    Ttulo da matria (poca, fev./mar. 2010):

    Os esqueletos do PT. A bancarrota de Cooperativa

    habitacional tira tesoureiro do partido da campanha deDilma Rousseff. Dilma Rousseff assumiu a candidatura doPT ao Palcio do Planalto h duas semanas. Mesmo nessecurto perodo, ela e o partido foram obrigados a defenderJos Dirceu, seu antecessor na Casa Civil, Fernando Pimentel,ex-prefeito de Belo Horizonte, e o sindicalista Joo Vaccari Netodas acusaes de trfico de influncia, desvio irregular derecursos e gesto fraudulenta, respectivamente. Os trsintegram a cpula do partido ou o comando da campanha de

    Dilma.O caso mais recente o de Vaccari, escolhido tesoureiro do PTcom a bno de Lula. At o comeo da semana passada,ele era cotado para comandar tambm as finanas da campanhade Dilma. Hoje, est fora dos planos para a arrecadao derecursos.O estrago poltico, no entanto, j est consumado. Obombardeio recente, com base em suspeitas que datam doperodo anterior indicao de Dilma ao posto de pr-candidata,suscitou no ncleo mais prximo da chefe da Casa

    Civil dvidas e temores: quantos esqueletos do PT podem serretirados do armrio para assustar o eleitor at o final dacampanha? A julgar pela vida pregressa do PT e pelosproblemas da oposio, que acompanha a alta de Dilma naspesquisas, as projees so sombriaspara ela.Com tantas suspeitas, surgiu entre os petistas a ideia debuscar algum fora do partidopara comandar a arrecadaoda campanha. Diante do bom relacionamento desenvolvido pelogoverno Lula com as grandes empresas nacionais, a maiorcredencial do escolhido para a misso ser a capacidade demanter distncia dos escndalos insepultos do PT.

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    Esta uma temtica que ainda tem muito a ser dita. De todomodo, esperamos que a leitura deste artigo provoque crticas e novasanlises, o que, certamente, contribuir para maior reflexo a respeito do

    jornalismo que a mdia produz, e, acima de tudo, sobre osengendramentos ideolgicos acionados a pretexto de produzir informao.

    Consideraes finaisEntendemos que a atualizao das denncias que resultam do

    escndalo do Caso Bancoop faz parte de uma estratgia organizada pelamdia com objetivos polticos: objetivo ltimo de inviabilizar a eleio de

    Dilma Roussef Presidncia da Repblica. Atemo-nos anlise dosdiscursos produzidos pelas revistas aqui em pauta, e ao fato de como taisdiscursos se constituem em instrumentos ideolgicos com vistas formao de uma opinio pblica antiLula, antiDilma e antiPT.

    Embora se saiba que Vaccari teria um vnculo com a campanha deDilma Rousseff, por que ele ocuparia a Tesouraria da campanha? Pelarecorrncia ao uso da imagem da candidata nas matrias sem que elaprpria estivesse implicada no caso? H tambm a insistncia em

    questionar os rumos da campanha e de insinuar fracassos da candidatura.Tudo isso representa ndice significativo do que estamos a afirmar. Veja,inclusive, chega a se incluir, discursivamente, entre os adversrios deDilma.

    Mais do que isto, como referimos na Introduo, o escndalo aquiem foco apenas parte desta estratgia. H, a partir de certa altura dosacontecimentos, uma vinculao, como tambm ocorre com as dennciasa respeito de Fernando Pimentel e o escndalo do Mensalo.

    De um ponto de vista mais exato, diramos que a quantidade dematrias e sua extenso, o tom agressivo e acusatrio que encontramosem Veja, nos levam a concluir que esta revista toma a frente de outras naao do embate ideolgico, sem nenhuma cautela com relao linhajornalstica que adota. notria a decepo quando percebe que asdenncias por ela publicadas no alcanam o resultado que esperava.

    O fato de considerar soberba a postura indiferente do Partido dos

    Trabalhadores parece-nos revelar certa fragilidade, ou imaturidadepoltica, antes de comprometimento editorial. Na mesma edio, Veja

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    publica uma longa matria sobre o caso Banccop, inclusive, com chamadade capa. Alm desta, publica tambm matrias acerca das relaes doBrasil com a Venezuela, com Cuba; aponta possibilidade de o Brasil ter

    vnculo com as FARC (grupo guerrilheiro colombiano) etc. Um materialdiscursivo, pesado, de artilharia ideolgica contra o PT e Lula, com vistasao comprometimento da candidatura Dilma Rousseff.

    A revista Isto cumpre este papel de modo menos enftico.Tambm ataca, e enfileira-se a outros meios de comunicao, engajadosem jogar dvida sobre a candidatura de Dilma Rousseff, principalmentequando procura alcanar Fernando Pimentel, coordenador da campanhade Dilma; ao mesmo tempo, refere-se tambm ao Mensalo do PSDB, emMinas Gerais, ao mensalo do Democratas, em Braslia, e no parece fazercampanha por Jos Serra. Parece-nos apresentar uma discursividade maisafeita ao que seria a imparcialidade jornalstica, embora no incorramosna ingenuidade de afirmar que a revista consiga tal nvel de neutralidade.

    Por sua vez, Isto aponta coisas que no esto nem na revista Vejanem na revista poca, mas sim para os partidos de oposio.Encontramos em uma de suas edies apenas um infogrfico, com um

    texto bem resumido sobre o Caso Bancoop, embora indique neste grficoque foi quem primeiro denunciou o Caso Bancoop, que tem tratado destetema em outras edies, e fornece datas entre outras referncias.

    Por fim, alguns pontos nos chamam a ateno na anlise dasmatrias enunciativas de poca. Primeiro, a consistncia da informao deque o prprio presidente Lula teria comprado um apartamento pelaBancoop e ainda no o teria recebido. Veja faz referncia a este fato,porm, de modo passageiro, e no o esclarece. Outro dado diz respeito ao

    fato de que a justia de So Paulo, como informa poca, exigiu que opromotor Blat apresentasse provas mais concretas para justificar obloqueio dos bens da Bancoop e a quebra de sigilo bancrio e fiscal deVaccari. Este um dado apagado das matrias da revista Veja.

    RefernciasAMOSSY, Ruth (Org.). Imagens de si no discurso: a construo do

    ethos. So Paulo: Contexto, 2005. 205p.

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    Joo PessoaBrasil |ANO 1 VOL.1 N.1 |JUL./DEZ. 2014 |p. 117 a 154 153RevistaLatino-americana de Jornalismo |ISSN 2359-375X

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  • 7/24/2019 Artigo - Revista ncora

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