artigo revista fgv - distribuição gasolina

25
ISSN 0034.8007 – RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012 Livre concorrência e cláusula de exclusividade nos contratos de distribuição de combustíveis* Free competition and exclusivity clause in fuel distribution contracts Diogo Pignataro de Oliveira** Vinícius Fernandes Costa Maia*** RESUMO O mercado de combustíveis, situado no final da cadeia da indústria do petróleo, etapa esta intitulada de downstream, é formado pelo distribuidor e pelo revendedor varejista que comercializa o combustível ao consumidor final. Há no segmento dos postos revendedores duas figuras em atuação no varejo: o posto “bandeira branca” (sem vinculação à marca de alguma distribuidora) e o posto bandeirado (vinculado a alguma distribuidora). O contrato entabulado entre o distribuidor e o revendedor bandeira contém cláusulas de aquisição mínima de produtos e exclusividade na comercia- lização de combustíveis por um prazo limitado, esta última oriunda da * Artigo recebido em outubro de 2011 e aprovado em novembro de 2011. ** Advogado. Professor assistente I do Departamento de Direito Privado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professor da especialização em direito do petróleo e gás da Universidade Potiguar. Professor da especialização em direito internacional da UFRN. Mestre em direito pela UFRN. Habilitado em direito do petróleo e gás natural pela UFRN/ANP. Presidente da Comissão de Assuntos Energéticos da OAB/RN. *** Advogado. Graduado pela UFRN.

Upload: felipe-ribas

Post on 13-Sep-2015

219 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

artigo sobre exclusividade em contratos de distribuição de combustível

TRANSCRIPT

  • ISSN 0034.8007 rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    livre concorrncia e clusula de exclusividade nos contratos de distribuio de combustveis*Free competition and exclusivity clause in fuel distribution contracts

    Diogo Pignataro de Oliveira**Vincius Fernandes Costa Maia***

    Resumo

    O mercado de combustveis, situado no final da cadeia da indstria do petrleo, etapa esta intitulada de downstream, formado pelo distribuidor e pelo revendedor varejista que comercializa o combustvel ao consumidor final. H no segmento dos postos revendedores duas figuras em atuao no varejo: o posto bandeira branca (sem vinculao marca de alguma distribuidora) e o posto bandeirado (vinculado a alguma distribuidora). O contrato entabulado entre o distribuidor e o revendedor bandeira contm clusulas de aquisio mnima de produtos e exclusividade na comercia-lizao de combustveis por um prazo limitado, esta ltima oriunda da

    * Artigo recebido em outubro de 2011 e aprovado em novembro de 2011.** Advogado. Professor assistente I do Departamento de Direito Privado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professor da especializao em direito do petrleo e gs da Universidade Potiguar. Professor da especializao em direito internacional da UFRN. Mestre em direito pela UFRN. Habilitado em direito do petrleo e gs natural pela UFRN/ANP. Presidente da Comisso de Assuntos Energticos da OAB/RN.*** Advogado. Graduado pela UFRN.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo124

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    regulamentao trazida pela Portaria no 116/2000 da Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis (ANP), alm de poder disciplinar a respeito de diversas outras questes e avenas especficas. O presente trabalho objetiva, sinteticamente, demonstrar que a insero da clusula de exclusividade nos contratos de distribuio no ilegal, nem tampouco bice livre-iniciativa e livre concorrncia. Atravs do estudo comparati-vo entre a legislao sobre o tema, a doutrina e os precedentes jurispruden-ciais, percebeu-se que h uma evoluo de entendimento sobre a clusula de exclusividade, sendo assente, sobretudo, pelo Conselho Administrativo de Defesa Econmica (Cade), que ela s ser considerada ilegal quando tendente a prejudicar a concorrncia. Logo, a clusula de exclusividade, por si mesma, no vedada, sendo sua ineficcia em um contrato condi-cionada anlise judicial abrangente sobre o contrato firmado e as exter-nalidades econmicas envolvidas.

    PalavRas-chave

    Livre concorrncia clusula de exclusividade distribuio de com-bustveis

    abstRact

    The fuel market, situated at the end of the chain of petroleum industry, stage entitled downstream, is formed by the distributor and the retail de-aler who sells the fuel to the end user. There are, in the gas stations seg-ment, two figures at work in retail: the white-flag gas station (without any link to any distributor brands) and the flagged gas station (linked to a distributor). The contract between the distributor and the flagged dealer contains clauses of minimum purchase and exclusivity in the marketing of ful for a limited period, th latter coming from the regulations brought in by Ordinance no 116/2000 by Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis (ANP), yet being able to discipline many other matters and specific covenants. The present paper aims at, briefly, demonstrating that the insertion of the exclusivity clause in contracts of distribution is not illegal, nor obstacle to the free enterprise or free competition. By means of the comparative study of legislation on the subject, legal doctrine and ju-risprudential precedents, it was apprehended that there is an evolution of understanding of the exclusivity clause, being settled, especially by Con-selho Administrativo de Defesa Econmica (Cade), it shall be considered

  • dIogo PIgNataro dE olIvEIra e vINCIuS F.C. maIa | livre concorrncia e clusula de exclusividade 125

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    illegal only when aimed at hampering competition. Therefore, the exclusi-vity clause by itlself is not prohibited, its ineffectiveness in a contract being subject to comprehensive judicial analysis of the agreement executed and economic externalities involved.

    Key-woRds

    Free competition exclusivity clause fuel distribution

    1. Notas introdutrias

    lugar comum se falar na dinamicidade das relaes comerciais atuais e da rapidez com que se efetuam e findam as parcerias, demandando do poder pblico, notadamente, do Poder Judicirio, a prestao de um servio tam-bm eficaz e capaz de garantir certeza e segurana das negociaes entre as pessoas.

    Os indivduos procuram, em justa medida, a garantia da estabilidade de suas relaes e a certeza de seus investimentos, pugnando pela mxima previsibilidade de certas situaes e pelo cumprimento das promessas, da firmarem contratos com a finalidade de assegurar o comprometimento de obrigaes e responsabilidades recprocas, instrumentos vinculantes estes que devem total obedincia ao ordenamento jurdico posto.

    O Estado, assim, deve garantir no somente que as partes tenham liber-dade de contratar, mas tambm oferecer estruturas bsicas para que os con-tratos sejam cumpridos e, se inadimplidos, possam ser cobrados e executa-dos efetivamente. Ademais, tem o Estado o dever de atuar como fiscalizador do mercado quanto observncia das prticas concorrenciais tomadas pelos agentes envolvidos.

    Em termos gerais, os agentes econmicos sucedem de forma a tomar suas decises levando em considerao os custos da transao e a possibilidade de lucro maximizado. Logo, como define Calixto Salomo,1 o resultado dessas resolues depender de diversos fatores, mormente do comportamento dos concorrentes, como prev a teoria dos jogos.

    No mercado de distribuio de combustveis, o chamado downstream que compreende a parte logstica, de transporte de produtos da refinaria at

    1 SALOMO FILHO, Calixto. Regulao da atividade econmica. So Paulo: Malheiros, 2008. p. 55.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo12

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    as bases de armazenamento das distribuidoras para posterior distribuio aos postos revendedores de combustveis , comum a assinatura de contratos de compra e venda de combustveis entre as distribuidoras e os postos reven-dedores com clusula de exclusividade de fornecimento, tendo como uma das contrapartidas existentes a vinculao marca da distribuidora.

    Essa prtica ganhou os contornos atuais com a edio da Portaria no 116/2000 da Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis (ANP), norma que foi responsvel pela mudana de perfil no mercado de distribuio de combustveis, porquanto estimulou a concorrncia, o investi-mento e fortalecimento das marcas, o que se conhece por bandeira.

    No obstante se tratar de mesmo produto (combustveis), com caracters-ticas iguais e definidas pelas normas de qualidade da ANP, as distribuidoras, com o fito de minorar os efeitos da concorrncia e arregimentar clientela, pas-saram a investir no quesito diferenciao.

    A clusula de exclusividade, assim, no obstante derivada de norma, tem sido discutida judicialmente por ser considerada como supedneo de dese-quilbrio entre as partes contratantes e por dificultar o exerccio da livre con-corrncia.

    Atravs de uma anlise das estruturas do mercado de combustveis, em cotejo com as decises dos tribunais ptrios sobre os contratos de fornecimen-to de combustveis, busca-se no presente trabalho demonstrar que, ao invs de se considerar a clusula de exclusividade como embargo atividade eco-nmica, deve ela ser tida como estimulante racionalizao e eficincia das operaes de compra e venda de combustveis.

    2. o contrato de distribuio de combustveis

    2.1 Da abertura do mercado de combustveis

    A estrutura do mercado de combustveis no Brasil foi marcada por excessiva interveno governamental at a dcada de 1990.2 A partir da,

    2 Foi nesse perodo em que praticamente se iniciou a adoo das polticas econmicas neoliberais no pas; em 1990 o Conselho Nacional do Petrleo foi extinto pelo Departamento Nacional do Petrleo. Bem nos lembra Gilberto Bercovici que a poltica nacional de abastecimento de com-bustveis, antes prevista pelo Decreto no 49.331/1960, foi modificada no sentido de liberalizar os preos dos combustveis e as margens de distribuio e revenda, encerrando a exigncia de volu-mes mnimos de comercializao. O mesmo autor ressalta que com o Plano Real a importao de derivados de petrleo foi liberada, assim como foi garantido o livre acesso a oleodutos, tanques

  • dIogo PIgNataro dE olIvEIra e vINCIuS F.C. maIa | livre concorrncia e clusula de exclusividade 12

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    iniciou-se o processo de desregulamentao, que terminou em 2002 com a transio para a liberao do mercado. A necessidade de se abrir o mercado de derivados de petrleo se fazia premente para acompanhar a tendncia descentralizante das polticas neoliberais adotadas pelo pas, bem como para favorecer a concorrncia e dinamizar um mercado que j apresentava sinais de engessamento.

    H cerca de 10 anos, os postos de combustveis s se constituam atravs de exclusividade com as distribuidoras, o que colocava esses agentes em uma posio privilegiada, vez que poderiam aportar recursos nos mercados mais promissores, negligenciando os mais remotos e com margem menor, j que a expanso para outras reas geraria diferencial logstico capaz de reduzir as margens de lucro.

    O resultado dessa poltica, alm da inibio de novos agentes investi-dores no mercado, era o encarecimento dos combustveis para determinadas regies do pas, em razo do elevado frete, ou mesmo ausncia de abasteci-mento em algumas reas.

    A Lei no 9.478/1997, conhecida como Lei do Petrleo, que instituiu a ANP e trouxe os contornos gerais do mercado, definiu como objetivos da po-ltica energtica nacional (art. 1o): II promover o desenvolvimento, am-pliar o mercado de trabalho e valorizar os recursos energticos; V garantir o fornecimento de derivados de petrleo em todo o territrio nacional, nos termos do 2o do art. 177 da Constituio Federal; IX promover a livre concorrncia.

    V-se que o legislador foi sensvel aos reclames da revenda e tambm dos empresrios nacionais e estrangeiros pela expanso e abertura do mercado, possibilitando iniciativa privada a explorao de um mercado estratgico para o desenvolvimento nacional. de bom alvitre mencionar que a Portaria no 362/1993, editada pelo Ministrio de Minas e Energia (MME), ao revogar o 2o do art. 5o e o inciso VII do art 6o e alterar a redao do art. 5o, transfor-mando seu 1o em Pargrafo nico, da Portaria no 253/1991, do Ministrio da Infraestrutura, criou um novo segmento no mercado de revenda de combus-tveis, os chamados revendedores de bandeira branca.

    Passou-se, assim, a ter um mercado contemplado por dois segmentos: os revendedores que ostentavam alguma bandeira de uma distribuidora (ou

    e terminais, alm de ter sido extinto o mecanismo de equalizao de preos ao consumidor em todo o pas. BERCOVICI, Gilberto. Direito econmico do petrleo e dos recursos minerais. So Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 244.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo128

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    bandeira colorida) e os postos de bandeira branca, que no se vinculavam permanentemente a nenhuma distribuidora em especfico.

    O cenrio diferenciado possibilitou o ingresso de novos investidores no mercado e tambm que vrias distribuidoras se estabelecessem e passassem a atuar em mercados at ento no atrativos para as distribuidoras atuantes. O efeito causado pelo aumento da concorrncia foi deveras positivo e descortinou um mercado at ento empoeirado pelo controle e pela burocracia estatal.

    H de se ressaltar, nesse passo, que a regulamentao do mercado de revenda de combustveis foi normatizada pela Portaria no 116/2000 da ANP. J a atividade de distribuio restou regulamentada pela Portaria ANP no 29/1999 que prev, entre outras disposies, a vedao de venda, por parte da distribuidora, diretamente ao consumidor final.3 A atuao da empresa se efetiva, assim, em regra e na sua maioria, junto aos postos que revendem seu combustvel; entretanto, faz parte do escopo da distribuidora a venda de combustveis a grandes consumidores,4 pontos de abastecimento5 e transpor-tador-revendedor-retalhista.6

    Do narrado, afiguram-se dois cenrios para as distribuidoras: como con-solidar e expandir sua marca e como expandir sua margem atravs da venda aos postos desvinculados.

    2.2 Das estratgias de eficincia das distribuidoras de combustveis

    Conforme dito, pode-se perceber que a estruturao do mercado de re-venda em dois pilares, bandeira branca e bandeira, possibilitou o aumento da

    3 Art. 16-A. O distribuidor somente poder comercializar combustveis automotivos com: I outro distribuidor de combustveis automotivos, autorizado pela ANP, com observncia ao disposto no art. 16-B; II Transportador-Revendedor-Retalhista [TRR] autorizado pela ANP; III revendedor varejista autorizado pela ANP; IV consumidor final que possua equipamento fixo, como, por exemplo, grupo gerador de energia eltrica; ou V consumidor que disponha de ponto de abastecimento localizado em seu domiclio, que atenda legislao vigente. [...]4 Pessoa jurdica que utiliza leo diesel e/ou biodiesel para consumo prprio, na produo de bens ou prestao de servios, e que no o comercializa com terceiros.5 Instalao dotada de equipamentos e sistemas destinados ao armazenamento de combustveis, com registrador de volume apropriado para o abastecimento de equipamentos mveis, veculos automotores terrestres, aeronaves, embarcaes ou locomotivas.6 Pessoa jurdica autorizada para o exerccio da atividade de transporte e revenda retalhista de combustveis, exceto gasolinas automotivas, gs liquefeito de petrleo (GLP), combustveis de aviao e lcool combustvel.

  • dIogo PIgNataro dE olIvEIra e vINCIuS F.C. maIa | livre concorrncia e clusula de exclusividade 129

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    concorrncia e, por conseguinte, permitiu a expanso do mercado de distri-buio. A Portaria no 116/2000, por seu turno, ao regular a revenda varejista de combustveis, previu que os postos que optassem por se vincular a uma marca especfica deveriam somente adquirir e vender combustveis por ela fornecidos, in verbis:

    Art. 11. O revendedor varejista dever informar ao consumidor, de for-ma clara e ostensiva, a origem do combustvel automotivo comerciali-zado.

    [...]

    2o Caso no endereo eletrnico da ANP conste que o revendedor op-tou por exibir a marca comercial de um distribuidor de combustveis lquidos, o revendedor varejista dever:

    I exibir a marca comercial do distribuidor, no mnimo, na testeira do posto revendedor de forma destacada, visvel distncia, de dia e de noite, e de fcil identificao ao consumidor; e

    II adquirir e vender somente combustvel fornecido pelo distribui-dor do qual exiba a marca comercial. [...]

    Tem-se na norma referida a gnese da clusula de exclusividade que , inclusive, a causa na mudana de paradigma da relao entre a distribuidora e os postos revendedores.

    Considerando-se a existncia de dois segmentos, um com vinculao e outro livre, as distribuidoras passaram a se dinamizar internamente para apresentar preos competitivos, com o fito de atrair o revendedor bandeira branca e, por consequncia, ganhar em volume. Em outra ponta, engendra-ram formas de fortalecer sua marca e agregar servios e utilidade aos pos-tos que optassem por vinculao direta com a bandeira ganhando, assim, em margem de lucro.

    Essa relao, embora parea simples, apresenta efeitos jurdicos com-plexos, notadamente no campo da responsabilidade civil e das relaes de consumo, que tem sido objeto de ateno da doutrina ante a divergncia ju-risprudencial ainda existente sobre a temtica. No obstante tal considerao, o escopo da discusso aqui encetada a anlise da clusula de exclusividade em seu aspecto jurdico e econmico.

    de se dizer, pois, que a relao contratual das distribuidoras com os postos de bandeira branca pontual, cujas transaes no so instrumentali-

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo130

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    zadas em contrato escrito, os pedidos de combustvel so feitos pela via telef-nica, eletrnica ou por representante comercial, cuja nica prova da transao entabulada a fatura ou mesmo o Documento Auxiliar da Nota Fiscal Eletr-nica (Danfe) emitido eletronicamente.

    Em se tratando de postos bandeirados, as distribuidoras utilizam-se dos contratos de fornecimento, que possuem nominao vria, por exemplo, con-trato de promessa de compra e venda mercantil, contrato de fornecimento de combus-tveis, cujo negcio principal a comercializao de combustveis ao revende-dor com exclusividade.

    A contratao se d com o estabelecimento de uma determinada meta de combustveis para a aquisio pelo posto revendedor, de fixao anual ou mensal, a chamada galonagem ou litragem, que determinada em parceria com o posto revendedor de acordo com suas caractersticas e possibilidades.

    Outros pactos adjetos so firmados em conjunto com o referido contrato, alguns contidos no prprio corpo do contrato, como a garantia fiduciria e o comodato de equipamentos para o funcionamento do posto (bombas, tan-ques, cobertura etc.) e de sinalizao (poste emblema, totens, placa de preos etc.), outros por instrumentos apartados, como os mtuos feneratcios, que so muito comuns na atividade, tratando-se de emprstimo, a fundo perdido ou retornvel, para que o revendedor forme seu fundo de comrcio ou mesmo o utilize para efetuar melhorias em seu estabelecimento comercial.

    As distribuidoras tambm costumam firmar com o posto revendedor uma variedade de contratos adicionais e satlites ao principal, de compra e venda de combustveis com exclusividade, como de venda de lubrificante, de licena de marca de loja de convenincia, de adeso a servios financeiros, alm de oferecer outros servios de assessoria jurdica, verificao de qualida-de dos combustveis e treinamentos.

    No incomum, diga-se de passagem, que as distribuidoras ofeream ao revendedor, via contrato de locao ou de arrendamento, o prprio imvel para a operao do posto revendedor,7 vinculado, entretanto, assinatura do contrato de fornecimento com clusula de exclusividade na exibio da marca e aquisio dos produtos.

    7 Com o fito de evitar prticas anticoncorrenciais a ANP, atravs do art. 12 da Portaria no 116/2000, veda ao distribuidor de combustveis o exerccio da atividade de revenda varejista. Assim, a dis-tribuidora de combustveis no pode manter, direta ou indiretamente, postos de combustvel de sua propriedade, ressalvado o chamado posto escola, que um posto destinado ao treinamento de pessoal, com vistas melhoria da qualidade do atendimento aos consumidores.

  • dIogo PIgNataro dE olIvEIra e vINCIuS F.C. maIa | livre concorrncia e clusula de exclusividade 131

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    Ao posto bandeira branca no so oferecidos tais servios, nem tampou-co lhe so inerentes os benefcios que a marca agrega, logo, de se esperar que os preos dos combustveis adquiridos pelo posto bandeira branca sejam mais baratos que os do posto bandeira colorida.

    A anlise repentina de tal alegao pode levar constatao de um falso

    paradoxo, de como um parceiro comercial exclusivo obtm o mesmo produto mais caro do que um parceiro eventual e sem vinculao contratual. No se pode prosperar nesse entendimento.

    Em se tratando de um mesmo produto, com caractersticas iguais, como j se disse alhures, a estratgia de mercado das distribuidoras pela diferen-ciao trazida por sua marca, logo, normal que os custos dessa diferenciao

    sejam repassados ao revendedor, o que corresponde a um preo final por litro

    ou m mais alto do que o repassado ao revendedor bandeira branca.O revendedor sem vinculao marca especfica, por assim dizer, foi o

    principal responsvel pela mudana de contexto no mercado de distribuio de combustveis; por sua causa as distribuidoras passaram a adotar outras estratgias que trouxeram dinamismo ao mercado. Isso no quer dizer, porm,

    que tal segmento tenha causado a supresso dos postos bandeirados. Pelo con-trrio. Na sociedade de consumo as pessoas costumam adjetivar a marca que precede o produto, logo, no raras vezes, o consumidor opta por abastecer em

    postos de vinculao expressa a uma determinada bandeira, da qual detm confiana, a postos de bandeira branca, mesmo diante de preos distintos.

    A clusula de exclusividade, assim entendida, expresso a um s tempo

    de determinao legal, oriunda da Portaria no 116/2000 da ANP, como tam-bm fator que estimula a livre concorrncia. O buslis reside na considerao de que tal disposio contratual possa causar desequilbrio entre os contratan-tes, bem como seja supedneo de retirar do posto revendedor sua liberdade contratual, como se tem visto em alguns precedentes e ser objeto dos tpicos

    doravante discutidos.Por assim dizer, o descumprimento da clusula de exclusividade gera

    consequncias dentro e fora da relao contratual. Os efeitos interpartes ex-surgem da incidncia da clusula penal comezinha aos contratos de distribui-o, alm, claro, de perdas e danos excepcionais, notadamente quando so cotejados os investimentos feitos pela distribuidora e o grau de descumpri-mento da clusula.

    Fora do contrato, interpreta-se a transgresso clusula de exclusividade

    como um ilcito administrativo, a provocar a instaurao de um processo que

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo132

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    pode culminar com a imposio de multa que, nesse caso, pode variar entre R$ 5.000,00 e R$ 1.000.000,00, a teor do art. 3o, III, da Lei no 9.847/1999.

    3. a clusula de exclusividade como fator de estmulo concorrncia

    3.1 Do contrato e sua interpretao

    Para antes de discutir sobre o contrato e seu cumprimento, necessrio se faz conceituar o que obrigao. O vocbulo vem do latim e significa atar, ligar, unir. A concepo jurdica vem sendo construda doutrinariamente, haja vista que o Cdigo Civil ptrio no cuidou de abord-la. Corroboramos com o pensamento de Carlos Roberto Gonalves, quando afirma:

    a obrigao o vnculo jurdico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de deter-minada prestao. Corresponde a uma relao de natureza pessoal, de crdito e de dbito, de carter transitrio (extingue-se pelo cumprimen-to), cujo objeto consiste numa prestao economicamente afervel.8

    Embora muitas vezes esquecido, tal conceito merece fixao, pois se trata de pressuposto necessrio para que se interprete qualquer relao contratual que se forme entre as pessoas.

    A dinmica dos mercados e de suas relaes tem exigido do jurista e do Judicirio a inovao na aplicao da lei e na concepo dos contratos. Tem se falado muito que, a partir da dcada de 1990, o mundo vivenciou um novo paradigma dos contratos, expresso inclusive rejeitada por alguns, entre eles Eros Roberto Grau,9 que concebe os contratos como figuras viabilizadoras da fluncia nas relaes de mercado.

    O contrato, embora vinculado aos limites impostos pela legislao, ins-trumento que comporta grande possibilidade de criatividade. H muito tem se afastado de sua concepo clssica, reconhecendo a possibilidade de sua

    8 GONALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: obrigaes. So Paulo: Saraiva, 2004. p. 15.9 GRAU, Eros Roberto. Um novo paradigma dos contratos? Revista Crtica Jurdica, Curitiba, n. 18, p. 121-130, jun. 2011. p. 126.

  • dIogo PIgNataro dE olIvEIra e vINCIuS F.C. maIa | livre concorrncia e clusula de exclusividade 133

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    inovao e adaptao. Como j mencionado em linhas anteriores, o contrato de fornecimento de combustveis contrato atpico por sua natureza, vez que neles esto insertas disposies a respeito da compra e venda de combust-veis, do comodato de equipamentos, de mtuo feneratcio etc.

    No que pertine marca da distribuidora, muito se assemelha a um con-trato tpico de franquia comercial. Adotando o conceito de Fran Martins10 e de Nelson Abrao,11 temos que a franquia caracteriza-se pelo liame entre fran-queador (marca) e franqueado (empresrio), no qual aquela concede o direito de uso de marca e produtos, bem como assistncia quanto aos meios e mto-dos para viabilizar a explorao dessa concesso, sem que haja entre ambas vnculo de subordinao.

    No caso das distribuidoras de combustvel, tal disposio decorre de obe-dincia ao art. 11, da Portaria no 116/2000 da ANP.12

    de se destacar que desde a edio da referida portaria houve notvel esforo por parte do Ministrio Pblico e do Procon do estado de So Pau-lo para que a referida exclusividade fosse declarada inconstitucional. Des-taque-se a propositura das Aes Civis Pblicas de no 2001.70.01.008206-8 e 2003.70.01.000145-4, perante a justia federal do Paran, que embora tenham obtido sucesso na obteno da liminar pela retirada de eficcia da clusula de exclusividade, foram inexitosas quando da prolao da sentena de mrito.13

    10 MARTINS, Fran. Contratos e obrigaes comerciais. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 221.11 ABRO, Nelson. A lei da franquia empresarial (n. 8.955 de 15.12.1994). Revista dos Tribunais, So Paulo, ano 84, v. 722, p. 25-39, dez. 1995. p. 27.12 A disposio de vinculao exclusiva do posto revendedor distribuidora no novidade do mercado de combustveis. Muito embora a Lei no 9.478/1997 nada tenha disposto a esse respeito, o 2o da Portaria Minfra no 253/1991 j trazia essa objeo atividade de revenda; todavia, definia que os postos deveriam necessariamente operar sob uma bandeira. No obstante a Portaria do MME no 362/1993 tenha revogado tal disposio, criando a figura do posto bandeira branca, a Portaria MME no 61/1995, em seu art. 11, repristinou a obrigatoriedade de exclusividade em caso de vinculao distribuidora especfica, todavia, em convivncia com o mercado bandeira bran-ca, que no existia at 1993, o que foi revogado pela Portaria MME no 9/1997, mas repetido pela Portaria ANP no 116/2000, que vigora at hoje.13 A sentena que julgou improcedentes as aes baseou-se, em grande medida, na impossibilida-de de o Poder Judicirio assentar-se como interventor da economia. Desse modo, cabe o destaque da seguinte passagem da sentena prolatada pelo juiz federal Rogrio Cangussu Dantas Cachi-chi: O normal que o mercado dite suas prprias regras a fim de que a concorrncia prevalea de fato e de direito livre. Qual a justificativa para uma imposio judicial de preos em substituio eventual combinao entre concorrentes? Ambos produzem perniciosos e inconstitucionais efeitos. O mercado no deve ser gerido pelo juiz, mas por suas prprias condies. (...) Donde o excesso na interferncia judicial, com foros de dirigismo econmico, poder provocar efeito indesejado de imiscuir-se o juiz em seara que no lhe prpria. Tamanha ingerncia merece ser evitada, pois, mngua de solo firme ou revelia de todo o contexto econmico, acaba no s por beneficiar interesses privados de distribuidoras no presentes no feito e de postos de bandeira branca, como tambm por embotar a naturalidade do mercado. No se me entremostra natural,

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo134

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    O dirigismo contratual, bastante presente na poca em que o mercado de distribuio e revenda era controlado pelo Estado, deu lugar a uma crescente abertura e liberdade para os agentes econmicos. Todavia, por se tratar de atividade de relevo econmico e de grande interesse pblico, passou a ser regulada e fiscalizada por rgo pblico autnomo e independente, criado justamente para tal finalidade, a ANP, sucessor do Departamento Nacional de Combustveis (DNC).

    A revenda, nesse contexto, conquistou ampla margem de discusso sobre os seus contratos e sua forma de atuao, podendo associar-se a uma distri-buidora ou no. Diante do grande nmero de distribuidoras em atuao no Brasil,14 o empresrio poder escolher uma que mais se adapte s suas neces-sidades e que mais lhe traga benefcios, o que, por certo, fator de estmulo concorrncia, pois as distribuidoras buscaro a conquista de mercado ofere-cendo vantagens competitivas.

    A contratao, assim, envolve diversos aspectos que so ponderados tan-to pela distribuidora quanto pelo dono do posto de combustveis. Como o produto possui a mesma constituio ditada pelas normas da ANP, tem-se que os quesitos diferenciao (por parte da distribuidora) e localizao (por parte do revendedor) iro pesar sobremaneira na escolha. Ter margens me-lhores um posto revendedor bem localizado, com grande volume e com a pos-sibilidade de agregar servios ao estabelecimento, bem como ser escolhida a distribuidora que apresentar um maior mix de produtos ofertados, bem como preo e condies de pagamento diferenciados.

    Hoje as distribuidoras costumam oferecer, alm do trivial do mercado (combustveis, lubrificantes e convenincia), outros servios como seguro de veculos e predial, servios financeiros atravs de cartes vinculados, cursos de gesto empresarial, alm de condies elsticas de pagamento.

    Essa mudana de faceta no mercado, que ocasionou uma maior injeo de concorrentes, bem como a outorga de liberdade de contrato ao posto re-vendedor, retirou o conceito de hipossuficincia15 muitas vezes aplicado s

    muito menos salutar, a judicializao do mercado, o que, sim, representaria uma ameaa livre concorrncia e a direitos do consumidor em flagrante ofensa aos desgnios constitucionais.14 Segundo dados do Anurio Estatstico 2010 da ANP (), tm-se no Brasil, em atuao, 142 distribuidoras de combustveis.15 A questo da hipossuficincia tem causado discusses acaloradas entre os doutrinadores ptrios. O ministro Jos Delgado (2004, p. 4) considera que a definio de hipossuficincia no prescinde da concretizao da relao de consumo como uma viso limitada, uma vez que nem sempre o consumidor necessariamente a parte mais fraca da relao. Sem embargo de tais consideraes, pensamos que a hipossuficincia necessita de prvia existncia de relao de consumo.

  • dIogo PIgNataro dE olIvEIra e vINCIuS F.C. maIa | livre concorrncia e clusula de exclusividade 135

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    relaes entre a revenda e a distribuio, notadamente, quando no se est diante de relao tpica de consumo. Nesse sentido tem-se amparado o Supe-rior Tribunal de Justia (STJ),16 sendo repetido pelos tribunais ptrios.

    No se quer dizer, contudo, que aos referidos contratos no se ape o de-ver de se respeitar os princpios mais bsicos do direito contratual, com relevo ao princpio do equilbrio econmico que, no esclio de Orlando Gomes,17 re-presenta primordialmente o fundamento de duas figuras previstas no Cdigo Civil, a leso e a reviso ou resoluo do contrato por excessiva onerosidade superveniente.

    possvel, pois, falar que os auspcios do sculo XX trouxeram uma nova conotao ao princpio da fora obrigatria dos contratos, que sofreu sensvel restrio, uma vez que possvel que o Estado corrija distores que ocorram no curso da relao contratual, uma vez caracterizada a fuga dos fins contra-tuais, afastada de sua funo social, termo sobre o qual o Cdigo Civil, em seu art. 421,18 assenta os limites dos ajustes entre particulares.

    Nesse sentido, merece destaque o trabalho de Norberto Hallwass,19 para quem a obedincia ao princpio da funo social do contrato nada mais que a limitao da vontade individual das partes contratantes em contraponto prevalncia do bem-estar coletivo.

    Como demonstra Floriano Peixoto de Marques Neto,20 tem-se um largo e crescente campo em que o atendimento dos interesses dos particulares nada mais do que a consagrao do interesse pblico. Dessa forma, muitas vezes, a prpria lei pode consagrar dois interesses pblicos aparentemente coliden-tes, cabendo ao aplicador do direito a anlise daquele que prevaleceria sobre os demais. A interveno econmica, por exemplo, necessria para a garan-tia do interesse pblico, todavia, se exercida de forma arbitrria, colide fron-talmente com um interesse pblico mais importante, o da livre concorrncia.

    O contrato de compra e venda mercantil, nesse entendimento, seria como todos os outros contratos, passvel de interveno estatal caso verificada a

    16 Sobre o tema recomendamos a leitura dos julgados: REsp 933627/CE; REsp 858239/SC; REsp 475.220/GO; REsp 188.947/PR; REsp 262.620 RS. 17 GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 68.18 Art. 421. A liberdade de contratar ser exercida em razo e nos limites da funo social do contrato.19 HALLWAS, Norberto. Principiologia contratual no estado democrtico e social de direito: limites e possibilidades da interveno estatal nos contratos. Dissertao (mestrado em direito) Univer-sidade do Vale do Rio dos Sinos, So Leopoldo. 2007. p. 34.20 MARQUES NETO, Floriano Peixoto de. Regulao estatal e interesses pblicos. So Paulo: Malhei-ros, 2002. p. 152.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo13

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    impossibilidade de seu cumprimento ou o distanciamento de seus fins, com o enriquecimento de uma parte em detrimento do empobrecimento de outra. Nesse caso, estar-se-ia diante da possibilidade de reviso do contrato ou mes-mo pela sua resoluo.

    No o entendimento de Ricardo Hasson Sayeg,21 que em sua tese de doutoramento considera que a clusula de exclusividade por si s est eivada

    de ilegalidade, em primeiro plano, porque no h permissivo legal que a am-pare, em segundo lugar, porque ela responsvel por retirar eficcia de um

    direito fundamental,22 trazido pelo art. 170, IV, da Constituio Federal, o da livre concorrncia.

    No se pode considerar ilegal a clusula de exclusividade, pois, como j se disse, ela decorre de obrigao h muito preconizada pela ANP e por

    seus predecessores, como no h que se falar em ofensa ao princpio da livre concorrncia, uma vez que a exclusividade contratada constitui medida que a

    um s tempo fomenta a concorrncia como tambm garante a qualidade dos

    produtos e servios oferecidos ao consumidor.Alm do mais, ainda que no houvesse texto legal preconizando tal for-

    ma contratual, no haveria bice ao agente privado em utiliz-la, uma vez que

    a liberdade de contratar tem o sentido de viabilizar os efeitos da propriedade

    privada. Assim, so livres as partes para criar as regras de suas relaes, res-peitados, claro, os limites prprios da legislao e dos princpios ticos.

    Em um contrato como o firmado entre distribuidora e postos de com-bustveis, com obrigaes dinmicas, permitida a reviso e interpretao de suas disposies; todavia, defeso ao empresrio fugir do vnculo de exclu-sividade, sem cumprir sua obrigao e aquisio da quantidade de produtos

    21 SAYEG, Ricardo Hasson. Aspectos contratuais da exclusividade no fornecimento de combustveis au-tomotivos. So Paulo: Edipro, 2002. p. 172.22 Como bem nos coloca Gilmar Mendes (2009, p. 266), outras foras sociais podem trazer ao indivduo vrios constrangimentos. O mesmo autor assume que de grande complexidade tal aferio, haja vista que a liberdade tambm corresponde possibilidade de se vincular, o que importa aceitar limitao no mbito protetor dos direitos fundamentais. Daniel Sarmento, sobre a questo de se verificar a aplicabilidade da eficcia horizontal dos direitos fundamentais, consi-dera que um dos parmetros a serem relevados na questo diz respeito assimetria de poder na relao entre as partes. Para ele, ainda que as relaes sejam tendencialmente iguais, os direitos fundamentais incidem para impor um mnimo de respeito dignidade da pessoa humana. SAR-MENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relaes privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 332. O STF j teve oportunidades de se manifestar sobre o tema. No Recurso Extraordinrio de no 161243/DF, de relatoria do ministro Carlos Velloso, o tribunal reconheceu a aplicao do direito fundamental igualdade salarial em uma relao trabalhista.

  • dIogo PIgNataro dE olIvEIra e vINCIuS F.C. maIa | livre concorrncia e clusula de exclusividade 13

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    avenada ou adimplir a multa rescisria, sob pena de incorrer nas cominaes do instituto da responsabilidade civil.

    3.2 Das escolhas dos agentes econmicos

    Os agentes econmicos no exerccio de sua atividade se relacionam com aqueles parceiros que mais lhes sejam viveis e que maximizem sua possibilida-de de lucro. A tomada de deciso um processo complexo na cadeia econmica e envolve diversos aspectos at que seja efetuada a contratao. Por exemplo, antes que uma distribuidora aporte capital (material e imaterial) em um posto revendedor so analisados os vieses do empreendimento como a localizao do estabelecimento comercial, o fluxo de veculos, a credibilidade do empresrio, o rating de pagamentos, ocasio em que se elabora uma proposta de viabilidade comercial que definir se o investimento ser rentvel ou no.

    Da mesma maneira ocorre com o empresrio da revenda varejista que buscar associar-se a uma distribuidora que lhe oferea as melhores vanta-gens: mais prazo para pagamento dos combustveis adquiridos, mtuo finan-ceiro, equipamentos, reformas no posto etc.

    Tal anlise decorre das prticas comerciais cotidianas. Todos os dias o indivduo depara-se diante de vrios caminhos e escolhe aquele que traz os melhores benefcios.

    Em uma relao bilateral em que h um objetivo comum, a maximizao dos lucros, muitas vezes, as partes tm de moderar seus propsitos para que as parcerias se efetivem, como bem demonstra Heron Begnis e colaborado-res,23 quando dizem que ao perseguir seus objetivos individuais, seria com-preensvel que indivduos e firmas se comportassem de forma oportunista, porm isto levaria a um resultado coletivo subtimo.

    Dessa forma, percebe-se que o comportamento oportunista24 deveras prejudicial a uma relao comercial, vez que tornar inqua a parceria. Dis-

    23 BEGNIS, H.S.M. et al. Confiana, comportamento oportunista e quebra de contratos na cadeia produtiva do fumo no sul do Brasil. Revista Gesto e Produo, So Carlos, v. 14, n. 2, p. 314, maio/ago. 2007.24 Calixto Salomo considera ultrapassada a teoria clssica que trata o contrato como a representa-o de interesses contrapostos entre credor e devedor. Para o autor, o contrato s tem sentido l-gico e teleolgico enquanto disciplina criadora de convergncia de interesses das partes. A efic-cia de um contrato, dessa maneira, estaria predisposta ao cooperativismo contratual, devendo o instrumento ser uma relao de vontades individuais das partes, mas permeado por dispositivos que tutelassem um interesse maior, o do objeto contratual. Salomo Filho, Regulao da atividade econmica, op. cit., p. 209.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo138

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    corre o mesmo autor que para evitar esse tipo de comportamento os agentes econmicos procuram reduzir o nvel de incerteza das operaes atravs da utilizao de mecanismos de credibilidade e controle.25

    A razo de ser da clusula de exclusividade , em primeira anlise, ins-trumento prprio da regulao do mercado, haja vista que garante ao consu-midor a informao precisa da origem do combustvel adquirido,26 podendo demandar da distribuidora que comercializou o combustvel, como tambm instrumento de controle da agncia reguladora sobre os combustveis for-necidos, sua quantidade e por quem, o que auxilia ainda na gesto tributria do Estado.

    Sob outra tica, a clusula de exclusividade funciona como um instru-mento de controle por parte da distribuidora sobre o andamento da parceria com o revendedor e o retorno do investimento, haja vista que com a exclusi-vidade geralmente so contratadas metas de aquisio de determinada quan-tidade de combustveis.

    Caso inexistisse a expresso da exclusividade, a incerteza da operao seria imensa, pois na possibilidade de o revendedor poder comercializar produtos de outras distribuidoras ainda que ostentasse a marca de uma especfica, ele optaria naturalmente por atuar com preos spot,27 j que as margens de lucro poderiam ser maximizadas em razo da diferena de preo encontrada entre os preos do combustvel oferecido no mercado bandeirado e no bandeira branca.

    A clusula de exclusividade, assim, no pode ser considerada reserva de mercado, nem mesmo se concebe demonizar a distribuidora por se utilizar

    25 Todos os anos, o Banco Mundial publica o chamado Doing Business (), que consiste em um estudo sobre a regulamen-tao dos negcios em vrias economias. So levados em considerao diversos aspectos para se ranquear um pas: quantidade de procedimentos para se abrir e fechar uma empresa, quantidade de procedimentos para a obteno de alvar de construo, facilidade na obteno de crdito, quantidade de impostos e o nmero de procedimentos para se exigir o cumprimento do contrato. Sobre esse ltimo ponto, destaque-se o dado de que no Brasil so necessrios, em mdia, para a execuo judicial de um contrato, 45 procedimentos, o tempo mdio de 616 dias e, ainda, um custo de 16% do valor do contrato para conseguir sua execuo. Tais aspectos colocam o Brasil na 127a posio, abaixo de economias como as de Kosovo, Jordnia, Knia e Kuwait, e demonstram que ainda difcil fazer negcios no pas, sobretudo, quando o ambiente regulatrio no promo-ve o funcionamento dos negcios.26 Cumpre lembrar que a Portaria ANP no 116/2000, com o fito de garantir o direito informao ao consumidor, determinou que o revendedor varejista dever expor, de forma clara e ostensiva, a origem do combustvel comercializado.27 Na maior parte das vezes os postos bandeirados gozam de benefcios creditcios junto dis-tribuidora. Logo, podem adquirir combustveis a crdito, para pagamento futuro ou de forma parcelada, da uma das razes pela diferena de preo praticado. No mercado bandeira branca, prevalecem as aquisies spot, ou seja, a preo do dia, fixado e pago na data da negociao.

  • dIogo PIgNataro dE olIvEIra e vINCIuS F.C. maIa | livre concorrncia e clusula de exclusividade 139

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    de sua previso em contrato. A aferio de sua legalidade, embora bastante questionada, tem sido objeto de paulatina acomodao por parte do Judici-rio no sentido positivo. O STJ j teve a oportunidade de pronunciar-se sobre o tema,28 cabendo o destaque de Recurso Especial de no 188.947, de relatoria do ento ministro Carlos Alberto Menezes Direito, cuja ementa aclara:

    4. No h razo alguma para configurar, no caso, abuso de poder eco-nmico, medida que os contratos feitos sob a cobertura constitucio-nal, legal e regulamentar no caracterizam domnio de mercado nacio-nal ou eliminao total ou parcial da concorrncia. Todas as empresas que operam sob o regime de exclusividade de bandeira podem adotar o mesmo sistema contratual, no estando, no caso, configurada a con-corrncia desleal.

    Faz-se necessrio enquadrar o contrato como celebrado de boa-f por am-bas as partes, todas com capacidade de celebrar pactos obrigacionais, com pleno consentimento dos obrigados e com objeto inteiramente lcito. No obs-tante tal situao, existem quatro princpios sob os quais repousa o Direito dos Contratos, quais sejam, o da autonomia da vontade, o do consensualismo, o da fora obrigatria e o da boa-f,29 que consubstanciam por demais a pactua-o firmada entre distribuidora e postos de combustveis.

    O contrato de compra e venda de produtos derivados de petrleo e l-cool hidratado comum entre esses agentes, com clusula de exclusividade, no contraria nenhum desses princpios citados, pelo contrrio, os segue fielmente.

    H sempre que se ressaltar a importncia da autonomia da vontade, haja

    vista que os agentes econmicos tomam suas decises com base em cenrios de ganhos e no de perdas; logo, o contrato firmado entre as partes s se efe-tiva com a clusula de exclusividade, porque assim desejam reciprocamente, porque assim vislumbram por convenincia e interesse comercial. Isto porque a Portaria no 116/2000 da ANP expressamente estipula que os revendedores varejistas para atuarem em tal segmento devem faz-lo sob a forma de com-prar exclusivamente combustveis de uma nica distribuidora, no caso dos postos bandeirados, ou ento no optar por exibir nenhuma bandeira, se

    28 Ver Re. Esp. no 475.220-GO; Re. Esp. no 858.239-SC e RMS 16585.29 Gomes, Contratos, op. cit., p. 35.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo140

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    registrando na ANP como posto bandeira branca, podendo, assim, adquirir combustveis de qualquer distribuidora.

    Podemos tomar como ponto de partida hermenutica do dispositivo sua literalidade. Verifica-se em sua parte primeira que a adoo das insgnias co-merciais de uma distribuidora em seu estabelecimento uma opo do reven-dedor e no uma imposio. No se trata mais de um requisito para operar no mercado de revenda de combustveis a ostentao da marca comercial de uma distribuidora, tal como ocorria nos tempos de vigncia do Decreto no 538/1938, quando a competncia regulatria do mercado de combustveis per-tencia ao extinto Conselho Nacional do Petrleo.

    Logo, quando um posto revendedor opta por ostentar as insgnias comer-ciais de uma determinada distribuidora, realiza tal ato de forma voluntria, de sorte que a clusula de exclusividade no lhe imposta como conditio sine qua non para operar no mercado. Ao contrrio, trata-se de uma aceitao vo-luntria perpetrada pelo revendedor, que, em troca da fidelidade bandei-ra da distribuidora qual anui, recebe as benesses j relatadas, bem como se beneficia do respeito comercial que a marca da distribuidora possui no mercado.

    A clusula de exclusividade inserta nos contratos de compra e venda no somente legal do ponto de vista do direito da concorrncia, como tambm seu descumprimento faz exsurgir para a distribuidora o direito de exigir a mantena da exclusividade contratada. Em anlise de recurso de apelao, o Tribunal de Justia mineiro julgou legtima a pretenso da distribuidora em instalar medidores de vazo para averiguar o cumprimento da exclusividade contratada, cujo acrdo merece destaque:

    AO COMINATRIA CONTRATO MISTO DE FORNECIMEN-TO DE COMBUSTVEL, LUBRIFICANTES E COMODATO CLU-SULA DE EXCLUSIVIDADE FORA OBRIGATRIA DOS CON-TRATOS SENTENA REFORMADA. Se a parte celebra contrato contendo clusula que prev a compra exclusiva do produto fornecido pela contratada fica obrigada ao seu cumprimento, tendo em vista o princpio da fora obrigatria dos contratos. Comprovado o descum-primento do contrato de prestao de servios pela empresa adquirente dos combustveis, resta justificado o pedido de instalao de medidores das bombas de combustveis.

    [TJ/MG 14a Cm. Cvel Apel. Cvel 1.0145.06.327142-6/004 Rel. des. Antnio de Pdua j. 25/9/2008]

  • dIogo PIgNataro dE olIvEIra e vINCIuS F.C. maIa | livre concorrncia e clusula de exclusividade 141

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    O mercado de combustveis, cedio, apresenta nvel concorrencial dos mais altos. No se pode, assim, conceber que agentes econmicos quedem-se hipossuficientes quando da contratao que redunda no processo de emban-deiramento do posto revendedor. A exclusividade, derivada primeiramente de norma legal, meio que a distribuidora possui de proteger seu capital e obter o retorno do parceiro comercial; seu descumprimento legitima preten-ses contra o devedor da obrigao.

    3.3 Do posicionamento do Cade sobre a Clusula de Exclusividade

    O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrncia, formado pela Secretaria de Acompanhamento Econmico (Seae), pela Secretaria de Direito Econmico (SDE) e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econmica (Cade), tem a fun-o de fiscalizar os mercados e evitar que se promovam condutas anticompe-titivas em suas mais diversas formas. O mercado em debate, por negociar pro-dutos de utilizao geral, sendo base para quase todas as atividades humanas, costumeiramente est em evidncia quando o assunto concorrncia e preos.

    Como j foi tratado anteriormente, o mercado de distribuio de combus-tveis marcado pela homogeneidade do produto, tendo como consequncia uma variao muito baixa de preos, o que tem levado, muitas vezes, a alega-es de cartelizao no mercado.

    preciso estabelecer uma premissa de que, no obstante os agentes eco-nmicos praticarem preos semelhantes, no quer dizer que h a necessria formao de cartel. de bom alvitre afirmar que para o produto adquirido pelas distribuidoras praticamente s existe um fornecedor, que trabalha com preos semelhantes a todos aqueles a que vende o combustvel.

    As distribuidoras, aqui se falando de mais de uma centena, representam em termos de postos bandeirados 56,2% do mercado,30 enquanto o mercado

    30 Ainda que haja muitos agentes econmicos atuando no mercado de distribuio, ele bastante concentrado entre as quatro maiores distribuidoras: BR (17,9%), Ipiranga (15,1%), Raizen (9,7%) e Alesat (3,6%), conforme dados fornecidos pelo Anurio Estatstico 2010 da ANP (). Essa questo da concentrao do mercado em poucos agentes, so-bretudo, quando se trata de recursos que demandam uma infraestrutura especfica, como no caso da explorao dos servios de gua e luz, cuja insero de demais agentes econmicos do mesmo nicho invivel, os chamados monoplios necessrios, j foi objeto de farto estudo. No que diz respeito ao mercado de combustveis, no h que se falar na doutrina da essencial facilities, com ex-

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo142

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    bandeira branca que representa o restante movimenta o mercado spot. A mar-gem de preo entre postos bandeira branca e bandeirados diferenciada para a distribuidora, como j se disse anteriormente; logo, ainda que o mercado bandeira branca represente boa parte do movimento das distribuidoras, so os postos bandeirados que garantem uma rentabilidade maior, seja pela mar-gem de lucro em si, seja pela garantia de compra oferecida nos contratos.

    A clusula de exclusividade se insere nesse contexto econmico, no qual se precisa atender a maximizao dos lucros com a otimizao das estratgias de vendas diante da concorrncia. A distribuidora procura oferecer quele que se franqueia de sua marca uma srie de benefcios que agregam valor no s ao combustvel, mas outros benefcios ao estabelecimento comercial. Conte-se tambm que o posto revendedor bandeirado aproveita-se das campanhas publicitrias efetuadas pela distribuidora. A contrapartida da padronizao de marca , portanto, o contrato com a reserva da exclusividade.

    Costuma-se dizer que a verticalizao do mercado, vedada pelo art. 21, XI, da Lei no 8.884, encontra-se perfeitamente constituda quando efetuada a leitura dos contratos formulados entre as distribuidoras e os postos revende-dores. Tal concluso no merece guarida quando da detida leitura do artigo mencionado. Veja-se:

    Art. 21. As seguintes condutas, alm de outras, na medida em que con-figurem hiptese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infra-o da ordem econmica:

    [...]

    XI - impor, no comrcio de bens ou servios, a distribuidores, varejistas e representantes, preos de revenda, descontos, condies de pagamen-to, quantidades mnimas ou mximas, margem de lucro ou quaisquer outras condies de comercializao relativas a negcios destes com terceiros;

    ceo do mercado de gs, como nos indica Luciana de Gis, que considera possvel a aplicao do princpio do open access, trazido do direito norte-americano, que preconiza o acesso a demais em-presas no mercado da infraestrutura essencial utilizada pelo operador principal (GIS, Luciana Figueira de. A gnese do princpio do open access a gasodutos no Brasil. In: CONGRESSO BRASI-LEIRO DE P&D EM PETRLEO E GS, 3., Salvador, 2005. Anais... So Paulo: Instituto Brasileiro de Petrleo e Gs, 2005. p. 7). A distribuio de combustveis prescinde do princpio do open access j que uma distribuidora concorrente pode armazenar combustveis em base de armazenagem de outras distribuidoras, como preconiza o inciso II, do art. 10 da Portaria no 202/1999 da ANP.

  • dIogo PIgNataro dE olIvEIra e vINCIuS F.C. maIa | livre concorrncia e clusula de exclusividade 143

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    bem verdade que no contrato firmado entre as distribuidoras e os postos

    revendedores h disposta clusula de exclusividade, muitas vezes determi-nando a aquisio mnima mensal de combustveis, sendo o preo determina-do pela distribuidora quando da aquisio do combustvel pelo revendedor. Tais pressupostos, no entanto, no so caractersticas da malfadada restrio vertical de mercado.31

    O inciso anteriormente referenciado bem claro em seu incio quando utiliza o verbo impor. No mercado de distribuio de combustveis no

    podemos falar de imposio porquanto os revendedores possuem ampla li-berdade contratual e podem contar com os servios de vrios agentes, vincu-lando-se, por fim, com aquele que mais lhe beneficia. Na esteira do afirmado,

    destacamos a Resoluo do Cade no 20/1999, que prev:

    As restries verticais so anticompetitivas quando implicam a criao de mecanismos de excluso dos rivais, seja por aumentarem as barrei-ras entrada para competidores potenciais, seja por elevarem os custos

    dos competidores efetivos, ou ainda quando aumentam a probabilida-de de exerccio coordenado de poder de mercado por parte de produ-tores/ofertantes, fornecedores ou distribuidores, pela constituio de mecanismos que permitem a superao de obstculos coordenao

    que de outra forma existiriam.

    A verticalizao , assim, necessria, como medida de segurana da dis-tribuidora para ter retorno de capital tangvel e intangvel investido no posto revendedor, bem como medida para conter e evitar o free-riding.32 Desde que no seja meio de restringir a entrada de novos distribuidores no mercado, nem permita o desrespeito aos direitos do consumidor pela abusividade na

    31 As prticas restritivas verticais, no entendimento do Cade (Resoluo no 20/1999), consistem em restries impostas por produtores/ofertantes de bens ou servios em determinado mercado de origem sobre mercados relacionados verticalmente a montante ou a jusante ao longo da cadeia produtiva mercado alvo.32 O termo free-riding pode ser traduzido como carona. Constitui-se em um fenmeno percebido quando uma empresa rival beneficia-se de investimentos (ex.: marketing) realizados por outra empresa, sem, contudo, incorrer em custos para isso. A clusula de exclusividade entraria nesse contexto para restringir a atuao dos free-riders. Por exemplo, caso no existisse a exclusividade nos contratos de distribuio de combustveis, a distribuidora colocaria sua imagem no posto re-vendedor, investiria no estabelecimento, agregaria clientela pelos servios e marketing oferecidos e, na hora da compra do combustvel, o posto revendedor buscaria no mercado o concorrente da distribuidora que apresentasse o preo mais barato.

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo144

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    fixao dos preos, a clusula de exclusividade no por si s ilcita e poten-cialmente ofensora livre concorrncia.

    verdade que a arma que liberta a que aprisiona. A clusula de exclu-sividade, se adotada pela distribuidora de forma abusiva, pode ter como re-sultado o sufocamento da margem de lucro do revendedor e, por via conexa, o aumento abusivo do preo final ao consumidor, alm de impedir a dissemi-nao da concorrncia. Todavia, no mercado tratado, perceptvel que tais efeitos s podem ser percebidos minimamente e de forma pontual.

    Interessante destacar que a Companhia de Bebidas das Amricas (Ambev)

    foi protagonista de um dos processos mais conhecidos na atualidade porque foi condenada pelo Cade ao pagamento de multa milionria. preciso, antes de relembrar o caso para o qual a empresa foi condenada a pagar multa, re-meter-se at o ano 1999, quando a Antarctica e a Brahma submeteram ao Cade

    as intenes de se associarem, o que culminou com o Ato de Concentrao no 08012.005846/1999-12.

    Na ocasio, embora tenha o Cade reconhecido que a operao tinha fora efetivamente de comprometer o regular andamento do mercado, os ganhos obtidos com a fuso das empresas seriam favorveis ao mercado em si e aos consumidores. A operao foi aprovada com algumas restries, entre elas a vedao da imposio de clusula de exclusividade aos pontos de revenda, ressalvadas as hipteses de: a) quando os investimentos e benfeitorias forem

    equivalentes participao preponderante na formao dos ativos do ponto

    de venda; e b) quando do interesse do ponto de venda e a critrio deste.Em 2004, a Schincariol representou contra a Ambev (Processo Adminis-

    trativo no 08000.003805/2004-10) alegando que os programas de fidelizao T Contigo e Festeja promovidos por esta empresa, atravs de pontuao aos pontos de venda em troca de descontos e brindes, estavam promovendo um desequilbrio no mercado, pois era exigida uma velada exclusividade aos pontos de venda, o que impedia o acesso dos concorrentes na venda de cerve-jas queles estabelecimentos participantes do programa.

    Conforme o voto do relator Fernando de Magalhes Furlan, para que uma restrio vertical seja crvel em termos econmicos, ela deve gerar rendas ou promover a extrao de rendas de terceiros. (...) necessrio que, ao menos potencialmente, essa ao gere reduo de bem-estar social.

    O programa de fidelidade da Ambev, concluiu-se, trazia efeitos negati-vos economia, pois impediria a competitividade, ainda que os concorrentes

    obtivessem maior eficincia, pois os pontos de venda seriam forados a aderir

  • dIogo PIgNataro dE olIvEIra e vINCIuS F.C. maIa | livre concorrncia e clusula de exclusividade 145

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    ao programa sob pena de terem de adquirir produtos mais caros do que seus concorrentes.

    Do caso narrado, pode-se extrair a baliza do Cade no que tange clusula

    de exclusividade. Para o rgo, a conquista de mercado decorre de um pro-cesso natural, resultante da maior eficincia do agente econmico em relao

    a seus concorrentes. Nessa senda, necessria uma releitura do 4o, do art. 170, da Constituio Federal. Quando a norma encerra que a lei reprimir o

    abuso do poder econmico que vise dominao dos mercados, eliminao

    da concorrncia e ao aumento arbitrrio dos lucros, no quer dizer, necessa-riamente, que tais prticas sejam ilcitas de per se.

    importante atentar-se para o vocbulo abuso. Quer dizer que a

    clusula de exclusividade pode ser medida que atente dominao de mer-cado, no por isso seja ilcita. A ilicitude residir se essa medida protetiva causar efeitos nocivos ao mercado, sobretudo, quando impea a entrada de novos agentes no mercado e que torne impossvel a manuteno da avena pelo cliente.

    Para o Cade a clusula de exclusividade somente ser vedada quando constatado, atravs de processo regular, conforme disposies da Resoluo Cade no 20/1999, que o mercado est sendo negativamente afetado por sua insero nos contratos entre distribuidores e revenda.

    4. consideraes finais

    A clusula de exclusividade prevista nos contratos de compra e venda mercantil firmados entre as distribuidoras de combustvel e a revenda varejis-ta quando da opo pela marca (processo de embandeiramento) deriva, pois, da Portaria no 116/2000 da ANP. Tal dispositivo visa, em primeiro lugar, a pro-teo do consumidor, j que esto presentes no mercado tanto revendedores bandeirados quanto bandeira branca.

    A proteo e o desenvolvimento da marca envolvem uma srie de cuida-dos e investimentos por parte da distribuidora que aporta no posto que opta por exibir seus signos, capital material e imaterial, requerendo em contrapar-tida a aquisio de certo volume de combustveis e que os mesmos sejam ad-quiridos exclusivamente da distribuidora contratada.

    Ficou demonstrado que na revenda varejista quase a metade dos pos-tos revendedores opta por no se associar a uma distribuidora especfica, en-

  • rEvISta dE dIrEIto admINIStratIvo14

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    quanto as distribuidoras, em vultoso nmero, dividem-se entre o restante do mercado.

    O ambiente concorrencial do segmento marcado por ampla oferta de contratao. A homogeneidade do produto comercializado fora o distribui-dor a inovar e apresentar ao mercado diferencial, alm do preo, para que o varejo o prefira aos demais concorrentes.

    O resultado dessa diferenciao tambm um preo maior para o re-vendedor bandeirado em relao ao preo do revendedor bandeira branca, todavia, compensado ao revendedor pelo acrscimo em vendas que a marca gera, bem como com os servios adicionados no estabelecimento comercial, de acordo com o mix oferecido pela distribuidora.

    A competitividade no mercado no resta afrontada pela clusula de ex-clusividade contida nos contratos efetuados com os postos bandeirados; ela promove, em primeiro plano, o equilbrio financeiro do distribuidor, garantin-do o controle da parceria e retorno do investimento, e permite que se evite o free-riding e outras prticas tendentes a desequilibrar a harmonia do mercado.

    O Cade posiciona-se favoravelmente clusula de exclusividade, vis-lumbrando seus aspectos positivos, desde que o fim por ela atingido no configure abuso por parte do estipulante, como forma de dominao inde-vida de mercado, com prejuzo ao parceiro comercial, aos demais concor-rentes e ao consumidor.

    Referncias

    ABRO, Nelson. A lei da franquia empresarial (n. 8.955 de 15.12.1994). Revista dos Tribunais, So Paulo, ano 84, v. 722, p. 25-39, dez. 1995.

    BEGNIS, H. S. M. et al. Confiana, comportamento oportunista e quebra de contratos na cadeia produtiva do fumo no sul do Brasil. Revista Gesto e Produo, So Carlos, v. 14, n. 2, p. 311-322, maio/ago. 2007.

    BERCOVICI, Gilberto. Direito econmico do petrleo e dos recursos minerais. So Paulo: Quartier Latin, 2011.

    CADE. Guia prtico: a defesa da concorrncia no Brasil. So Paulo: CIEE, 2007.

    DELGADO, Jos Augusto. Hipossuficincia de uma das partes na relao de con-sumo com pessoas jurdicas. Disponvel em: . Acesso em: 11 abr. 2011.

  • dIogo PIgNataro dE olIvEIra e vINCIuS F.C. maIa | livre concorrncia e clusula de exclusividade 14

    rda revista de direito administrativo, rio de Janeiro, v. 259, p. 123-147, jan./abr. 2012

    GIS, Luciana Figueira de. A gnese do princpio do open access a gasodutos no Brasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE P&D EM PETRLEO E GS, 3., Salvador, 2005. Anais... So Paulo: Instituto Brasileiro de Petrleo e Gs, 2005. p. 441-446.

    GRAU, Eros Roberto. Um novo paradigma dos contratos? Revista Crtica Ju-rdica, Curitiba, n. 18, p. 121-130, jun. 2011.

    GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

    GONALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: obrigaes. So Paulo: Saraiva, 2004.

    HALLWAS, Norberto. Principiologia contratual no estado democrtico e social de direito: limites e possibilidades da interveno estatal nos contratos. Disser-tao (mestrado em direito) Universidade do Vale do Rio dos Sinos, So Leopoldo. 2007.

    MARQUES NETO, Floriano Peixoto de. Regulao estatal e interesses pblicos. So Paulo: Malheiros, 2002.

    MARTINS, Fran. Contratos e obrigaes comerciais. 14. ed. Rio de Janeiro: Fo-rense, 1996.

    MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2009.

    SALOMO FILHO, Calixto. Regulao da atividade econmica. So Paulo: Malhei-ros, 2008.

    SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relaes privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

    SAYEG, Ricardo Hasson. Aspectos contratuais da exclusividade no fornecimento de combustveis automotivos. So Paulo: Edipro, 2002.