artigo científico a lei complementar n 135 de 04 de junho de 2010 no contexto nacional brasileiro...
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*Glauco Felipe Araújo Garcia é advogado e bacharel em Direito pelo Centro Universitário de
Anápolis – UniEVANGÉLICA.
A LEI COPLEMENTAR Nº 135 DE 04 DE JUNHO DE 2010 NO
CONTEXTO NACIONAL BRASILEIRO
Glauco Felipe Araújo Garcia*
1. Resumo
Este Artigo tem por finalidade desenvolver um estudo mais elaborado sobre os
direitos políticos passivos, ou negativos, que se apresentam como cláusulas de
inelegibilidade estabelecidas pela Constituição da República Federativa do Brasil de
05 de outubro de 1988, tendo sido estendidos pela reforma da Lei Complementar nº
135 de 04 de junho de 2010. O trabalho destina-se, neste padrão, a esforçar-se no
sentido de tornar mais claros os objetivos que levaram o legislador a ampliar as
inelegibilidades, sob um fundo moral, erigido pela cobrança social. Nesse compasso,
a pesquisa empreendida também objetivou apresentar como tal empreitada
normativa passou pelo controle de constitucionalidade, feito em abstrato, no
Supremo Tribunal Federal, por meio de análises dos entendimentos doutrinários e
jurisprudenciais acerca da matéria proposta e suas implicações no mundo político.
Para que a pesquisa atingisse o êxito esperado, a metodologia de trabalho utilizada
foi a de reunião bibliográfica, consistente na análise e exibição do pensamento de
vários autores que escreveram sobre o tema escolhido. Com a análise de todo o
material recolhido, foi possível aclarar a imagem que a LC nº 135/2010 trouxe à
República, asseverando a moralidade no Poder Público.
Palavras-chave: Direito Constitucional, Direito Público, Direito Eleitoral,
Inelegibilidade, Moralidade.
2. Abstract
This article aims to develop a more elaborate study about the passive or negative
political rights, posing as ineligibility clauses established by the Constitution of the
Federative Republic of Brazil of October 5, 1988, having been extended by the
reform of the Complementary Law 135 of June 4, 2010. The work is intended, in
default, to strive towards making clearer the goals that prompted the legislature to
extend the ineligibility under a moral background, erected by social recovery. In this
measure, the research undertaken also aimed to present how such a normative
undertaking passed the control of constitutionality done in abstract, in the Supreme
Court, through analysis of the doctrinal and jurisprudential understandings on the
subject proposal and its implications in the political world. So the research could
reach the expected success, the work methodology used was the combination of
literature, consisting on the display and analysis of the thought of many authors who
have written on the topic chosen. With the analysis of all material collected, it was
possible to clarify the image that the LC n º 135/2010 brought to the republic,
asserting morality into the government.
Key-words: Constitutional Law, Public Law, Electoral Law, Ineligibility, Morality.
3. Introdução
O presente trabalho tem como objetivo geral a análise da Lei
Complementar (LC) nº 135 de 04 de junho de 2010 face à Constituição da República
Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Tal diploma infraconstitucional
acresceu cláusulas de inelegibilidade ao Ordenamento Jurídico brasileiro, alterando
a LC nº 64 de 18 de maio de 1990, e, tais modificações, foram objeto de intensa
polêmica na doutrina e jurisprudência brasileira. Neste sentido, especificamente,
esta pesquisa cuida de analisar a origem e os desideratos da referida norma; os
princípios constitucionais aparentemente controvertidos na mesma; e, por fim,
formula um painel reflexivo acerca do Direito, da ética, da moral e do comportamento
do brasileiro face aos comandos normativos eleitorais.
A realização deste artigo vale-se da utilização do método compilativo,
pinçando tanto os estudos teóricos quanto as leis e as normas em sentido amplo,
bem como a fundamentação jurisprudencial que foi construída no debate
problematizado por este tema.
Perquirir por que razões e com quais justificativas tanto a Suprema Corte
do Brasil quanto o Tribunal Superior Eleitoral assentou à constitucionalidade as
disposições da LC nº 135/2010; Investigar o surgimento deste mesmo objeto
nomológico; Examinar que objetivos teria e se há real possibilidade de efetivar tais
anseios do espírito da norma em tela; Discutir a cultura e a conduta valorativa do
povo brasileiro em confronto com a positivação de cláusulas negativas de direitos
políticos passivos; dentre outras abordagens, são imbricações que justificam e
motivam a linha de trabalho deste Artigo Científico que, honesta e humildemente,
espera contribuir com a academia e com a sociedade.
4. Origem e intenções
Em caráter vestibular, é importante que se registre que falar sobre a
origem é dizer de onde vem, é buscar o surgimento, a fonte, as características
embrionárias da gênese, do início, do começo de qualquer ideia.
Neste sentido, com o auxílio da etimologia, observa-se que a palavra
candidatura deriva de candidato que, por sua vez, do latim, candidus, implica em
branco/brancura. Deocleciano Torrieri Guimarães explica que os candidatos da
Roma Antiga se apresentavam publicamente às pessoas, vestidos somente de toga
branca, com o fito de não levantar a suspeita de trazer dinheiro sob ela para
corromper o povo, comprando-lhe votos ou subornando apoio para a condução da
República (2007, p. 144).
Não apenas no aspecto estrito da palavra candidatura, mas buscando
seus liames semântico e axiológico, vale ressaltar as anotações do professor Paulo
Bonavides, em sua clássica obra Ciência Política, sobre a origem da democracia na
Grécia Antiga, valor fundamental e objetivo da lei em estudo:
[...] os gregos consideravam democracia aquelas formas de governo
que garantissem a todos os cidadãos a isonomia, a isotimia e a isagoria, e fizessem da liberdade e da sua observância a base sobre a qual repousava toda a sociedade política. [...] a isonomia [...] proclamava o gênio político da Grécia a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de grau, classe ou riqueza. Dispensava a ordem jurídica aí o mesmo tratamento a todos os cidadãos, conferindo-lhes iguais direitos, punindo-os sem foro privilegiado. [...] a isotimia abolia a organização democrática da Grécia os títulos ou funções hereditárias, abrindo a todos os cidadãos o livre acesso ao exercício das funções públicas, sem mais distinção ou requisito que o merecimento, a honradez e a confiança depositada no administrador pelos cidadãos. [...] isagoria trata-se do direito de palavra, da
igualdade reconhecida a todos de falar nas assembleias populares, de debater publicamente os negócios do governo [...]. Com a isagoria, exercício da palavra livre no largo recinto cívico que era o
Ágora, a democracia regia a sociedade grega, inspirada já na soberania do governo de opinião. [...] (2010, p. 291, grifos do autor).
Sobre tal legado grego, Carlos Sanchez Viamonte cita as palavras de
Péricles quando comunicou aos heróis da Guerra do Peloponeso o culto da
imortalidade e o sentimento póstumo da Pátria agradecida:
Nosso regime político é a democracia e assim se chama porque busca a utilidade do maior número e não a vantagem de alguns. Todos somos iguais perante a lei, e quando a república outorga honrarias o faz para recompensar virtudes e não para consagrar privilégios. Nossa cidade se acha aberta a todos os homens. Nenhuma lei proíbe nela a entrada aos estrangeiros, nem os priva de nossas instituições, nem de nossos espetáculos; nada há em Atenas oculto e permite-se a todos que vejam e aprendam nela o que bem quiserem, sem esconder-lhes sequer aquelas coisas, cujo conhecimento possa ser de proveito para os nossos inimigos, porquanto confiamos para vencer, não em preparativos misteriosos, nem em ardis e estratagemas, senão em nosso valor e em nossa inteligência. (1959, p. 186).
Ora, esse grupo social que há milênios fundou talares inescusáveis da
democracia ocidental, já primava por um comportamento ético distinto e lídimo de
seus governantes, a fim de que esses passassem mais do que efetividade à
moralidade pública: exemplo e segurança aos cidadãos - quer estrangeiros ou não,
reafirmando e asseverando a transparência, a publicidade e a honestidade. Nesse
sentido votou o ministro relator Luiz Fux, no julgamento das conexas Ações Diretas
de Constitucionalidade (ADC) nº 29, nº 30, e Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
4578: “[...] o princípio da segurança jurídica é compreendido na sua vertente
subjetiva de proteção das expectativas legítimas” (2012, online, grifo nosso). Sucede
que estas expectativas referem-se aquelas que a coletividade tem em relação ao
Poder Público. E, não fosse o bastante, o douto magistrado citou Soren Schonberg,
para definir as implicações jurídicas do que se entende por expectativas:
[...] Uma expectativa é razoável quando uma pessoa razoável, agindo com diligência, a teria em circunstâncias relevantes. Uma expectativa é legítima quando o sistema jurídico reconhece a sua razoabilidade e lhe atribui consequências jurídicas processuais, substantivas ou compensatórias. (2012, online).
São estas expectativas legítimas, ou ainda, legitimadoras de poder que
reforçam o princípio democrático erigido pela célebre frase de Abraham Lincoln: “um
governo do povo, pelo povo e para o povo”. Sobre esta máxima, o professor José
Joaquim Gomes Canotilho aponta que “Ainda hoje se considera esta formulação
como a síntese mais lapidar dos momentos fundamentais do princípio democrático
[...] um modo de justificação positiva da democracia” (2002, p. 285). Portanto,
percebe-se que a LC nº 135/2010 tem o seu surgimento aventado pelo que seja a
própria democracia e pelo espírito republicano. Entretanto, ainda sobre tal elemento
democrático, o magistério lusitano do constitucionalista José Joaquim Gomes
Canotilho cita também a fórmula de Popper: “A democracia nunca foi a soberania do
povo, não o pode ser, não o deve ser” (2002, p. 289) justamente para cunhar a
justificação negativa, ou seja, os mecanismos de limitação prática do poder que
objetiva, sobretudo, proteger instituições políticas das tentações da tirania,
garantindo não apenas as diferenças e as divergências, como também
salvaguardando as minorias.
Adiante com a mesma análise da gênese da lei em estudo, por subsistir
uma situação caótica e tangente à tirania da corrupção, o que rompia com as
expectativas sócio-constitucionais de moralidade e segurança, é que disparou-se, no
final do século XX, na Itália, um marco estatal que ficou conhecido por Operazione
Mani Pulite, ou melhor dizendo, Operação Mãos Limpas.
[...] A independência judiciária, interna e externa, a progressiva deslegitimação de um sistema político corrupto e a maior legitimação da magistratura em relação aos políticos profissionais foram, portanto, as condições que tornaram possível o círculo virtuoso gerado pela operação mani pulite. [...] (MORO, 2012, online).
Segundo o professor Sérgio Moro, em apenas dois anos - 1992 a 1994 -,
foram expedidos 2993 mandados de prisão; 6059 pessoas estiveram sob
investigação, dos quais, 872 empresários, 1978 administradores locais, 438
parlamentares, incluindo quatro ex-primeiros-ministros:
[...] A ação judiciária revelou que a vida política e administrativa de Milão, e da própria Itália, estava mergulhada na corrupção, com o pagamento de propina para concessão de todo contrato público, o que levou à utilização da expressão ‘Tangentopoli’ ou ‘Bribesville’ (o equivalente à ‘cidade da propina’) para designar a situação. [...] (2012, online, grifos do autor).
A Operação Mãos Limpas veio à tona com a queda do muro de Berlim e o
inevitável fechamento e enfraquecimento do que o historiador Eric Hobsbawm
chamou de A Era dos Extremos - porque foi o tempo em que se levava as ideologias
até as últimas consequências e, ao final do século XX, a humanidade já havia visto e
experimentado quase tudo, estafada, cansada, sugada pelos extremismos e
sectarismos não tão distantes: “[...] sem dúvida, houve momentos em que talvez
fosse de esperar-se que o deus ou os deuses que os humanos pios acreditavam ter
criado o mundo e tudo o que nele existe estivessem arrependidos de havê-lo feito.”
(HOBSBAWM, 2012, online). Também adveio, tal emblemática operação, com a
abertura do mercado nacional italiano à nova ordem mundial que se perfazia pelo
bloco econômico da União Europeia, o que descentralizava o poder do governo
local, maximizando a força da iniciativa privada e intensificando o fenômeno do
globalismo e do neoliberalismo, com a flexibilização das fronteiras econômicas:
[...] a integração européia, que abriu os mercados italianos a empresas de outros países europeus, elevando os receios de que os italianos não poderiam, com os custos da corrupção, competir em igualdade de condições com seus novos concorrentes; [...] (MORO, 2012, online).
Tendo sido inspiradora para um país em situação congênere a que
passou a Itália, a Operação Mãos Limpas batizou a LC nº 135/2010, por sua vez,
popularmente conhecida como “Lei Ficha Limpa”. O promotor de justiça de Minas
Gerais Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira delimita que a referida lei teve
enorme repercussão social, além de “[...] conteúdo moralizador e profilático. [...]”
(2013, online). Para Josevando Souza Andrade, magistrado do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado da Bahia que publicou nos Estudos Eleitorais do Tribunal Superior
Eleitoral, a lei em comento fortaleceu o Estado Democrático de Direito, na medida
em que trouxe “reflexões no âmbito social, político e técnico” (2012, online). E, nesta
linha, segundo o magistério do professor Noberto Bobbio, “a democracia é o regime
que, dialética e respeitosamente, admite o seu contrário” (1987, p. 135). Isto porque
se, como visto, a democracia é a base, o pano de fundo da LC nº 135/2010, ao
mesmo tempo, há autores que entendem ser a mesma norma altamente
antidemocrática e, portanto, tirana, ditatorial. Estes enunciados trazidos pela lei
desembocam incontáveis choques, sobretudo quando tocam na delicadeza da
moralidade jurídica, que para Chaim Perelman pode consistir em fundamentar o
juízo moral nos princípios morais ou, noutro giro, fundamentar os princípios no juízo
moral (1996, p. 288). E a problemática se dá pelo fato de que tal perspectiva
fundadora, não pode significar algo subjetivo, vinculado às predileções de qualquer
intérprete. Deve depender de uma base axiológica sob a qual assenta-se o Estado e
suas opções engendradas na respectiva Constituição.
Impulsionado por esse fundo moralizante e revolucionário, no tocante à
preponderância da vida pregressa de candidatos, o Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral (MCCE) recolheu mais de quatro (4) milhões de assinaturas em
todo o Brasil, para abrir o Processo Legislativo por iniciativa popular – que, para
tanto, bastariam um milhão e trezentas mil assinaturas –, logicamente, na Câmara
dos Deputados. O Parlamento brasileiro, por sua vez, preocupado com a pressão
social e as eleições à época tão próximas de serem realizadas, aprovou por
unanimidade o referido projeto de Lei Complementar (2013, online), por razões
óbvias: o teor apelativo, exortador, simbólico, promocional e moralizante da lei em
estudo.
Logo, como observado, as origens da LC nº 135/2010 se resumem às
mesmas contidas no mote da democracia e da república, intencionando moralizar,
transparecer e cuidando de limpar, lavar, refazer o repertório do Poder Público
exercido pela classe política eleita diretamente pelo voto do povo.
5. Identificação dos princípios constitucionais aparentemente controvertidos
no objeto
Antes de adentrar perfunctoriamente nos princípios invocados na tentativa
de obstar a presunção de constitucionalidade da LC nº 135/2010, é preciso
relembrar as elucubrações de Ferdinand Lassalle de 1863, quando apresentou o
trabalho “O Que É Uma Constituição?”. O referido autor defendeu que a Constituição
apresenta um caráter eminentemente sociológico que encontra suporte no que
denominou de “fatores reais de poder” (2012, online). “[...] Para Lassalle, eles
designariam a força ativa de todas as leis da sociedade. Logo, uma constituição que
não correspondesse a tais fatores reais não passaria de simples folha de papel [...]”
(BULOS, 2011, p. 103, grifos do autor). Nesta guisa, Ferdinand Lassalle assevera
que a Constituição está afinada às raízes fincadas nos fatores de poder
predominantes no país.
No caso dos confrontos quanto à constitucionalidade da LC nº 135/2010,
perceber-se-á, então, quais os fatores de poder predominam no Brasil. Com toda a
licença, isso provoca, sobremaneira, os mais distintos discursos ideológicos
estratégicos muito bem dirigidos que, agarrados a um positivismo exacerbado, se
interessam pelas ruínas dos direitos políticos negativos calhados em 2010, e pelo
reinado das possibilidades de legitimação espalhafatosas para com os axiomas do
Estado Constitucional Democrático de Direito. Neste sentido, Konrad Hesse
percebeu que as constituições, dentro de uma dinâmica de um determinado
momento histórico e um estrito contexto político social datados de suas
promulgações ou, simplesmente, criações, estariam limitadas, presas, relacionadas
a este período. E, comentando a obra de Konrad Hesse, o professor Uadi Lammêgo
Bulos destaca:
[...] Daí o conteúdo vago e indeterminado de seus preceitos. Mas isso não significa que elas se esfalecem perante a dinâmica da vida, já que equivalem a uma ordem material e aberta.
Essas idéias, hauridas do espírito arguto de Konrad Hesse, granjearam notório respeito entre os nomes mais expressivos da juspublicística mundial. E faz sentido, pois é indubitável que a função de um texto constitucional escrito é racionalizar, estabilizar e garantir o exercício das liberdades, ao mesmo tempo que erige critérios para limitar as mazelas do processo político.
Disso exsurge a força normativa da constituição que, ao atuar diretamente na realidade histórica, pretende atribuir ao texto supremo efetividade ou eficácia social. (2011, p. 109, grifo nosso).
Bem por isso, a lei vem fechar o conceito na hipótese e no consequente,
dando sentido ao texto, conforme os fatores reais de poder e engendrando critérios
para limitar as mazelas do processo político.
O conceito de princípios é muito bem descrito por Celso Antônio Bandeira
de Melo:
Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. [...] (2012, p. 545-546).
Por óbvio, os princípios constitucionais aparentemente controvertidos no
objeto nomológico em comento tem mera aparência de contradição, pois devem ser
interpretados conforme o princípio da unidade da Constituição, de modo a
resguardar a Carta Maior e seus valores, a partir de técnicas de interpretação que
sopesem e dirimam os conflitos levantados. E é claro que a Teoria Geral do Direito
tem passado por intensas modificações nos últimos 50 anos, e uma destas é a
ampliação da natureza jurídica dos princípios. Daniel Sarmento fala em
reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua
importância no processo de aplicação do Direito (2013, online). De modo que, se
antes os princípios importavam apenas como complemento à lacuna sistêmica
jurídica, hoje, na verdade, compõe verdadeira norma propriamente dita.
Neste coro, para o professor Lênio Streck, é bem verdade que os
princípios, depois de Jürgen Habermas e Émile Durkheim, tornaram-se normas.
Mas, isso não implica dizer que perderam seu caráter deontológico (ciência do dever
ser). O referido doutrinador aponta uma crise hermenêutica no Sistema brasileiro,
vez que os hermeneutas atuais do Brasil vem fazendo verdadeiros “[...] standards
jurídicos, construídos de forma voluntarista por juristas descomprometidos, em sua
maioria, com a deontologia do direito (lembremos: princípios são deontológicos e
não teleológicos!). [...]” (2012, online, grifo do autor). É bem por isso que este
trabalho se ocupará de analisar tão somente os princípios apreciados pela Suprema
Corte quando da discussão da (in)constitucionalidade da LC nº 135/2010, não se
estendendo às tantas criações inesgotáveis da doutrina e da jurisprudência afetas à
nova produção da principiologia jurídica brasileira.
Nas ADCs nº 29 e nº 30, ADI nº 4578, bem como nos Recursos
Extraordinários (RE) com matéria similar, por exemplo os mais repercutidos: RE
630.146/DF, caso Joaquim Roriz; e, RE nº 631.102/PA, caso Jader Barbalho, os
postulantes arguiram pela inconstitucionalidade da LC nº 135/2010, elencando uma
possível ofensa aos princípios: (i) do devido processo legislativo
(inconstitucionalidade formal por ofensa à bicameralidade legislativa); (ii) da
irretroatividade das leis; (iii) da intangibilidade do ato jurídico perfeito; (iv) da
imutabilidade da coisa julgada; (v) da proporcionalidade; (vi) da razoabilidade; (vii)
da soberania popular; (viii) da segurança jurídica; (ix) da anualidade eleitoral; (x) do
devido processo legal; (xi) da presunção de inocência (MORO, 2011, online).
Com relação ao princípio do devido processo legislativo, tem-se que o
mesmo certifica que as regras de elaboração da lei devem ser sempre observadas,
sob pena de ilegalidade ou inconstitucionalidade formal. No ponto, o devido
processo legislativo desenvolve a bicameralidade no Processo Legislativo do
Congresso Nacional, explicada nas palavras do professor Alexandre de Morais:
[...] O poder Legislativo Federal é bicameral e exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos deputados e do Senado Federal, diferentemente dos estaduais, distritais e municipais, onde é consagrado o unicameralismo (CF, arts. 27, 29 e 32). O bicameralismo do Legislativo Federal está intimamente ligado à escolha pelo legislador constituinte da forma federativa de Estado, pois no Senado Federal encontram-se, de forma paritária, representantes de todos os Estados-membros e do Distrito Federal, consagrando o equilíbrio entre as partes contratantes da Federação. [...] (2011, p. 430-431).
Dessa forma, os projetos de Lei Complementar que iniciados na Câmara
dos Deputados, necessariamente, porque tem iniciativa exógena ao Congresso
Nacional, são revisados pelo Senado Federal. Tal estrutura revisional também é
aplicada às emendas parlamentares a qualquer projeto de lei, exceto aquelas cujo
teor seja meramente redacional. Estas disposições coadunam-se à dicção dos
artigos 134 e 135 do Regimento Comum do Congresso Nacional, Resolução nº 1 de
11 de agosto de 1970, abaixo transcritos:
Art. 134. O projeto de lei, aprovado em uma das Casas do Congresso Nacional, será enviado à outra Casa, em autógrafos assinados pelo respectivo Presidente. Parágrafo único. O projeto terá uma ementa e será acompanhado de cópia ou publicação de todos os documentos, votos e discursos que o instruíram em sua tramitação. Art. 135. A retificação de incorreções de linguagem, feita pela Câmara revisora, desde que não altere o sentido da proposição, não constitui emenda que exija sua volta à Câmara iniciadora.
Sobre tal princípio do bicameralismo, no caso da Lei Complementar nº
135/2010, obviamente, antes de sancionada, houve uma considerável polêmica
quando no projeto, pela Casa Revisora, o Senador Francisco Dornelles (PP-RJ)
apresentou emenda alterando os tempos verbais da propositura legal em cinco
distintas situações. Em todas elas, alterou-se as expressões “tenham sido
condenados” pela frase “que forem condenados”, nas alíneas “e”, “h”, “j”, “l” e “n” do
art. 1º da LC nº 64/1990. Em verdade, seriam Emendas meramente redacionais,
entretanto, as alegações de inconstitucionalidade aduziram que houve ofensa ao
sentido da proposição, alterando os efeitos da Lei, que, pelas novas conjugações
verbais, deveriam ser considerados retroativos. Conseguintemente, se houve
alteração no sentido do texto-lei, o mesmo deveria ser submetido, mais uma vez, à
Câmara dos Deputados, casa originária, sob pena de violação ao devido processo
legislativo, o que acarretaria a inconstitucionalidade formal à LC nº 135/2010. No
ponto, sobre este imbróglio, prevaleceu o cauteloso e pormenorizado voto do
ministro Ricardo Lewandovski que, no RE nº 630.147 esclareceu:
Para descobrir o sentido e o alcance dessa emenda de redação, é preciso fazer uma reflexão a respeito da técnica hermenêutica, pois não existe norma em si mesma considerada, senão aquela que é interpretada pelo aplicador do Direito. O primeiro método de interpretação para compreender-se o significado de uma norma jurídica é o gramatical ou filológico. Nessa perspectiva, ao examinar a questão sob exame, Carlos Vogt, eminente Professor Titular de Linguística, área de semântica, da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, concluiu o seguinte: “[...] ‘os que forem condenados’ é um enunciado de compreensão e não de extensão. Define, pelo predicado que enuncia, o universo compreensivo dos que nele se incluem pela qualidade de ‘ser condenado’, de maneira conceitual e, nesse sentido, intemporal. Não é um enunciado descritivo, isto é, não inclui por enumeração, no conjunto dos ‘condenados’, os indivíduos que a ele pertencem, mas sim o faz por atribuição da qualidade enunciada no predicado ‘ser condenado’. Daí a forma condicional de sua enunciação: em sendo condenado, a qualquer tempo, seja ontem,
hoje, ou amanhã, o indivíduo pertence, por compreensão atributiva ao conjunto dos que são definidos pelo enunciado ‘os que forem condenados’ e, portanto, compreendidos pela abrangência da lei”. [...] Assim, por tratar-se de mera emenda de redação, forçoso é concluir que o texto não sofreu nenhuma modificação em seu sentido original, pois se tal fosse o caso, o projeto teria sido devolvido à Câmara dos Deputados. (2013, online).
O princípio da irretroatividade das leis é outro aspecto levantado, por sua
vez, no mérito das Ações e recursos submetidos à apreciação do Supremo Tribunal
Federal (STF), gerando divergências quanto à constitucionalidade da LC nº
135/2010, e a aplicação de seus efeitos. O conceito legal da irretroatividade pode
ser extraído do Decreto Lei nº 4657, de 04 de setembro de 1942, da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, quando em seu art. 6º pontua que “[...] a
Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito
adquirido e a coisa julgada.”. Ora, consiste em não atribuir os efeitos de uma nova
legislação aos atos jurídicos realizados no passado, quando não contrariam tais
novas consequências calhadas pela norma recém criada. O rol dos direitos e
garantias fundamentais também insculpiu o princípio da irretroatividade no art. 5º,
inciso XXXVI da Carta Maior: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada”. Porém, apesar de estar contido no texto constitucional e
também em uma lei que disciplina, genericamente, as normas do Direito Brasileiro,
tal princípio pode ser mitigado em matérias específicas. É o caso de um outro
comando constitucional do mesmo art. 5º, mas no inciso XL: “a lei penal não
retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Eis ai o que a sábia doutrina de Fernando
Capez chamou de princípio da retroatividade benigna (2008, p. 157).
De fato, a irretroatividade das leis, bem como a intangibilidade do ato
jurídico perfeito e a imutabilidade da coisa julgada, são objetos de exaustivos debate
quando das análises da LC nº 135/2010, sobretudo, quanto à alínea “k” que
considera inelegível os mandatários que:
Art. 1º [...]. I - [...]; k - [...] renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período
remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura; [...]
Note-se que a renúncia de mandato em decorrência de representação ou
petição capaz de ocasionar uma cassação, antes de 2010 não surtia os efeitos da
inelegibilidade. Tão logo, a partir de 2010, renúncias desta estirpe, realizadas em
período anterior à vigência e eficácia da LC nº 135, teriam essa força de
inelegibilidade? O ministro Luiz Fux entendeu que sim, amparado por Joaquim José
Gomes Canotilho, observando que, na Teoria Geral da Norma, há dois tipos
retroatividade: a própria ou autêntica; e a imprópria ou inautêntica. Na primeira
espécie de retroatividade, a norma possui eficácia retroativa, gerando efeito sobre
situações passadas, atingindo relações jurídicas estabelecidas no passado. Na
segunda espécie de retroatividade, a inautêntica, também chamada de
retrospectividade, a norma jurídica editada atribui efeitos futuros a situações ou
relações já existentes. O primeiro caso de retroatividade (própria ou autêntica) é
vedado no Brasil. O segundo caso, o da retrospectividade, é permitido e acolhido
pelo tribunal, com vistas à fundamentação de sua Excelência, o ministro relator Luiz
Fux:
[...] A aplicabilidade da Lei Complementar nº 135/10 a processo eleitoral posterior à respectiva data de publicação é, à luz da distinção supra, uma hipótese clara e inequívoca de retroatividade inautêntica, ao estabelecer limitação prospectiva ao ius honorum (o direito de concorrer a cargos eletivos) com base em fatos já ocorridos. A situação jurídica do indivíduo – condenação por colegiado ou perda de cargo público, por exemplo – estabeleceu-se em momento anterior, mas seus efeitos perdurarão no tempo. Esta, portanto, a primeira consideração importante: ainda que se considere haver atribuição de efeitos, por lei, a fatos pretéritos, cuida-se de hipótese de retrospectividade, já admitida na jurisprudência desta Corte. (2012, online).
No ponto, o eminente ministro Luiz Fux ainda avalia que não há que se
falar em direito adquirido à candidatura, tendo em vista que o processo eleitoral se
dá justamente pela adequação daquele que se propõe a ser candidato no regime de
regras e condições para o exercício do direito político passivo (2011, online).
Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade também são
aventados quando se discute a constitucionalidade da LC nº 135/2010.
Necessariamente porque muito embora não encontrem expressa citação no texto
constitucional brasileiro, são limites à interpretação da norma, como entende o prof.
Fredie Didier Jr. (2008, p. 36), sem prejuízo, portanto, de trazer à tona o § 2º do art.
5º, CF.: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais [...]” (grifo nosso). O professor Juarez Freitas diria que o princípio da
proporcionalidade implicaria no fato de que o Estado não deve agir com demasia,
com excesso, nem tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus
objetivos (1997, p. 56). Aprofundando, Humberto Bergmann Ávila ressalta que
[...] pode-se definir o dever de proporcionalidade como um postulado normativo aplicativo decorrente da estrutura principal das normas e da atributividade do Direito e dependente do conflito de bens jurídicos materiais e do poder estruturador da relação meio-fim, cuja função é estabelecer uma medida entre bens jurídicos concretamente correlacionados. [...] (2012, p. 175).
Com os olhos voltados à análise da LC nº 135/2010 e uma suposta
violação à proporcionalidade, o eminente ministro Dias Toffoli durante a exposição
do voto do ministro Gilmar Ferreira Mendes, aproveitou o ensejo para relembrar que
a edição da LC nº 5 de 29 de abril de 1970, era extremamente restritiva ao espaço
democrático da cidadania diante das razões históricas e, obviamente,
antidemocráticas, do momento em que foi editada (2012, online). Pra causar o
espanto peculiar do contexto da ditadura militar no Brasil, no referido diploma legal:
[...] existia previsão que tornava inelegíveis candidatos que tivessem denúncia recebida por crime contra a lei de segurança nacional, contra a administração pública etc. (Art. 1º, I – São inelegíveis, para qualquer cargo eletivo: n) os que tenham sido condenados ou respondam a processo judicial, instaurado por denúncia do Ministério Público recebida pela autoridade judiciária competente, por crime contra a segurança nacional e a ordem política e social, a economia popular, a fé pública e a administração pública, o patrimônio ou pelo direito previsto no art. 22 desta lei complementar, enquanto não absolvidos ou penalmente reabilitados). Na época da ditadura, surgiram inúmeros processos cíveis e criminais visando exclusivamente tornar inelegíveis alguns candidatos. Nesta época, em 23 de setembro de 1976, o TSE, por voto de desempate (4 votos a 3), declarou a inconstitucionalidade da alínea n desta lei complementar, por ferir o princípio da inocência. O STF, contudo, por escassa maioria, derrubou o entendimento do TSE, alegando, em suma, que o princípio da inocência é aplicado apenas na esfera penal. [...] (CERQUEIRA, 2013, online).
Nesta linha, na LC nº 5 de 29 de abril de 1970, e no entendimento que
sob ela assentou-se o STF, após o advento da Constituição Federal de 1988, havia
flagrante inobservância ao princípio da proporcionalidade. De modo que, por se
tratar de matéria congênere, pesquisadores e juristas apontam que a LC nº
135/2010, na alínea m, não seria destoante aos austeros objetivos legais e
antidemocráticos de 1970. O professor Ruy Samuel Espíndola rechaça dizendo que
pode haver muitas decisões administrativas que não observam as garantias
constitucionais, e, portanto, seria altamente antiquado atribuir a processos
disciplinares o que chamou de força derrogadora de direitos (2013, online).
Contudo, o ministro Carlos Ayres Britto, defensor da constitucionalidade
da LC nº 135/2010 em sua totalidade, ressalvou que a própria lei permite que o
Judiciário, através de qualquer juiz monocrático, possa suspender o ato
administrativo ou classista que acarrete a inelegibilidade a terceiro, principalmente
se naquele houver sobressaltada discrepância às garantias constitucionais que, por
terem eficácia irradiante, devem ser observadas em toda e qualquer situação
jurídica, estendendo-se a todos os ramos do Direito (2012, online). Neste ínterim, a
proporcionalidade não estaria atacada, com destaques para alínea “k”, que prevê a
inelegibilidade ao ato de renúncia para afugentar de representação ou petição que
possa acarretar cassação e, de consequência, a negativação do direito político
passivo.
Suscitado nos debates sobre a (in)constitucionalidade da lei em questão,
o princípio da segurança jurídica versa sobre uma higidez, uma firmeza, uma
estabilidade do Ordenamento Jurídico, que passa ao Estado e aos seus cidadãos
não apenas a sensação, mas a certeza de um sistema que não se coaduna a riscos,
perigos ou dubiedades. Para o doutrinador Uadi Lammêgo Bulos, tal princípio
materializa-se “[...] mantendo estruturas e competências, com vistas à defesa da
ordem jurídica [...]” (2011, p. 125). No entanto, com a alteração do rol de direitos
políticos negativos, percebe-se uma modificação nas estruturas, admissível, desde
que respeite os preceitos que disciplinam tais alterações, contidos na própria ordem
jurídica.
Por sua vez, princípio da anualidade eleitoral foi extremamente
preponderante no tocante a aplicabilidade da LC nº 135/2010 para as eleições
daquele mesmo ano. O art. 16 da Carta da República de 1988 preconiza que: “[...] A
lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não
se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência” (grifo
nosso). O problema instalou-se porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido
naquele ano pelo ministro Ricardo Lewandowiski entendeu que a referida lei deveria
produzir seus efeitos para a eleição do mesmo ano em que foi publicada, qual seja,
2010. Necessariamente justificando que o princípio da anualidade pretende apenas
uma antecedência para evitar surpresas nas regras da disputa eleitoral. Para os
eminentes ministros Ricardo Lewandowiski e Ayres Britto, tal antecedência teria sido
observada, pois a publicação da Lei Complementar data de 04 de junho do mesmo
ano, anterior, inclusive, às convenções partidárias (2012, online). Na Suprema Corte,
tal tese não prosperou, pelo voto de desempate proferido pelo ministro Luiz Fux:
‘[...] É aplicar, como naquela ocasião, a literalidade do art. 16 da Constituição Federal, de modo a que as inelegibilidades por instituídas pela nova lei sejam aplicáveis apenas às eleições que ocorram mais de um ano após a sua edição, isto é, a partir das eleições de 2012. [...]’ (2012, online, grifo do autor).
Na ADI nº 4578, a autora, a Confederação Nacional das Profissões
Liberais (CNPL), arguiu como objeto de inconstitucionalidade, a alínea “m” da LC nº
135/2010, sob o argumento de que esta ofenderia expressamente o parâmetro
constitucional do devido processo legal, insculpido no art. 5º, inciso LV da
Constituição Federal, transcrevendo-se: “[...] Art. 5º [...]; LV - aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...]”.
Erigido pelo episódio histórico da Carta Magna de 1215, no qual o rei João Sem
Terra pactuou com senhores feudais ingleses o jargão no taxation without
representation, ou seja, não haveria recolhimento tributário sem prévia comunicação
e discussão com os sujeitos passivos, os contribuintes, no caso, os senhores
feudais, o princípio do devido processo legal instaura, naquele momento, uma
exigência documental, submetida ao prestígio de donatários de terra
representativos, que mais tarde fundariam a concepção básica parlamentar,
rebuscando os modelos clássicos de governo da antiguidade grecorromana (LENZA,
2009, p. 5). Tal princípio evocado estaria sendo pisado pela LC nº 135/2010, sob a
escusa de que haveria um direito adquirido à elegibilidade, e que esse direito não
poderia ser obstado sem a observância a um devido processo legal, no qual
prevalecesse a ampla defesa e o contraditório. Pois bem, tal tese não prosperou no
julgamento em tela, porque entendeu-se que a elegibilidade não é direito subjetivo
do indivíduo e, de consequência, não estaria a mercê de toda a processualística e
suas dissidências. Do contrário, é direito que, para o seu exercício, exige manifesto
preenchimento a requisitos éticos e elementares.
Por fim, o princípio da presunção de inocência (ou não culpa), levantado
como aparentemente controvertido na LC nº 135/2010 é um tanto quanto curioso,
pois no julgamento em questão, foi causador de uma revisão de jurisprudência da
Suprema Corte. Primeiramente, é importante consignar a previsão internacional
deste instituto, mormente o texto da Convenção Americana de Direitos Humanos, o
conhecido “Pacto de San Jose da Costa Rica”, firmado em 22 de novembro de 1969,
do qual o Brasil é signatário, tendo o promulgado na forma do Decreto nº 678 de 06
de novembro de 1992. Transcrevendo-se o que traz a lume: “[...] 8.2. Toda pessoa
acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se
comprove legalmente sua culpa [...]” (2013, online).
Diferentemente da Convenção Internacional, mas quase no mesmo teor,
o arrimo do constituinte pátrio, no art. 5º, inciso LVII da Carta Mãe preconiza: “[...]
Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado em sentença penal
condenatória; [...]” (grifo nosso). O doutrinador Rogério Sanchez Cunha (2013,
online) enumera que o primeiro desdobramento deste princípio é o de que qualquer
restrição à liberdade do acusado somente se admite após a condenação definitiva,
ao não ser que a prisão provisória seja imprescindível à instrução criminal, nos
termos do art. 312 do Código de Processo Penal, Decreto Lei nº 3.689 de 03 de
outubro de 1941. Outra consequência deste princípio alinhavada pelo mesmo autor
é a de que cumpre à acusação o dever de demonstrar a responsabilidade subjetiva
do réu, provando a materialidade e autoria do crime, não cabendo ao acusado
provar a sua inocência. No mesmo ínterim, a condenação tem que derivar da
certeza do julgador, consagrando o brocardo in dubio pro reo, ou, melhor dizendo,
havendo dúvida, julgar em favor do réu.
O processualista penal Nestor Távora alerta que até o marco do trânsito
em julgado, que trata-se do esgotamento de todas as vias de recurso no processo
penal, o réu deve ser considerado presumivelmente inocente, ou não culpável,
cabendo à acusação todo o lastro probatório que demonstre a materialidade e
autoria do crime. E, não obstante, o mesmo jurisconsulto citando George Sarmento
destaca que houve a necessidade de:
[...] cristalizar a presunção de inocência como um direito fundamental multifacetário, que se manifesta como regra de julgamento, regra de processo e regra de tratamento [...] criando um amplo espectro de garantias processuais que beneficiam o acusado durante as investigações e a tramitação da ação penal [...] (2010, p. 50-51, grifo
nosso).
Neste diapasão, é justamente onde reside a revisão da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, no tocante à amplitude da presunção de inocência. Até
então, prevalecia o entendimento do ministro Celso Antônio Bandeira de Mello, que
em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 144, decidiu
pela eficácia irradiante e horizontal da presunção de inocência, para além dos
espaços do processo penal apenas (2013, online).
Nesta toada, o relator da ADI nº 4578, ADC nº 29 e nº 30, o ministro Luiz
Fux, chamou de overruling, ou seja, o fim de uma regra, ou a virada de uma regra, a
proposta de revisão de jurisprudência que utilizara para divergir da interpretação
dada à presunção de inocência ou não culpabilidade na aludida ADPF do parágrafo
anterior. Para o eminente ministro relator, o momento histórico da referida Arguição
remetia-se a um período pós-ditatorial muito recente, consoante a
imprescindibilidade de elevar ao máximo, as garantias da democracia que insurgia
em face de um período arbitrário da história brasileira, 1964-1985. Contudo, ressalta
Luiz Fux, que o momento histórico brasileiro contemporâneo ao seu voto é assaz
louvavelmente outro, no qual as instituições democráticas, já consolidadas, fazem
um apelo pela moralização da política e pela probidade no manusear da coisa
pública. Tão logo, com vistas ao que chamou de “[...] incongruência sistêmica ou
social [...]” (2012, online), caberia a relativização da presunção de inocência para
fins eleitorais, antes considerada absoluta. Nestes termos, foi seguido pela maioria
do colegiado da mais alta corte da República, que afastou a aplicação da presunção
de inocência ou não culpa para o processo eleitoral e, sobretudo, quando acolhe os
critérios de inelegibilidade constados da redação da LC nº 135/2010.
6. Direito, ética, moral e o comportamento brasileiro frente aos comandos
normativos eleitorais
A propedêutica jurídica leciona que o direito, bem como a moral, são
instrumentos de controle da sociedade, que existem, num conceito durkheimiano,
para manter a ordem (NADER, 2010, p. 53). Todavia, para muitos doutrinadores,
direito e moral não se confundem, estabelecendo-se entre estes, algumas diferenças
a serem enfrentadas.
O professor Paulo Nader leciona que existem as normas jurídicas e não
jurídicas. Estas, do campo moral, e aquelas relativas ao Direito, produto de uma
atividade legislativa, e positiva do Estado. Estabelecendo as diferenças entre Direito
e Moral, o magistério supracitado pugna que o Direito é objetivo; a moral subjetiva; o
Direito subordina-se ao comando estatal; a Moral subordina-se tão somente à
coletividade e às convicções das pessoas; o Direito, se violado, contrai sanções
efetivas a serem impostas pelas instituições públicas; a Moral, se atropelada, pode
vir a ser submetida a uma reprimenda social, que não aquelas oriundas da atividade
do Estado; o Direito é norma bilateral; a Moral é regra unilateral; O Direito é norma
que sucede fenômeno exterior; a Moral não é cogente e não dispõe de punição; o
Direito é sancionado ou promulgado; a Moral é elemento formado a partir de uma
cultura, de uma axiologia intersubjetiva das comunidades (2010, p. 53). Por outro
lado, o jurisfilósofo Eduardo Carlos Bianca Bittar, professor da tradicional Faculdade
do Largo do São Francisco da Universidade de São Paulo (USP), enfatiza que há,
nesse paralelo entre Direito e Moral quase uma antinomia, um paradoxo, uma ampla
antítese:
[...] o Direito possui como características: a heteronomia; a coercibilidade; a bilateralidade [...] Unilateralidade, incoercibilidade e autonomia seriam as notas essenciais da moral, significando exatamente o oposto do indicado anteriormente como características do Direito. [...] (2011, p. 519-520).
Destarte, o grande perigo que existe em delinear, destrinchar, esmiuçar e,
por fim, diferenciar Direito e Moral insurge da hipótese dessa separação solver um
Direito imoral, enquanto a moral não seria, por si só, objeto essencial, predecessor,
requisito, e constitutivo do Direito. Tão logo, o Doutor Eduardo Bittar insiste na
intensa intimidade do Direito com a Moral, obstando a argumentação nazista
proferida em quase todos os julgamentos do Tribunal de Nuremberg que ousou
alegar a licitude e, portanto, moralidade do genocídio de judeus, por haver previsão
legal que todo o serviço público nacional alemão devia hierarquia e obediência,
atendo-se somente à tarefa do cumprimento de ordens, não importando quais
fossem elas e que objetivos tivessem, vez que decorriam da presunção de
legitimidade da própria lei alemã (2011, p. 521).
No artigo O Neoconstitucionalismo no Brasil: Riscos e possibilidades, de
Daniel Sarmento, há a acertadíssima observância de que até mesmo os positivistas,
na atual conjuntura jurídica, reconhecem a imbricação da moral e do Direito como
fenômeno inarredável:
[...] Ao reconhecer a força normativa de princípios revestidos de elevada carga axiológica, como dignidade da pessoa humana, igualdade, Estado Democrático de Direito e solidariedade social, o neoconstitucionalismo abre as portas do Direito para o debate moral. É certo que aqui reside uma das maiores divergências internas nas fileiras do neoconstitucionalismo. De um lado, figuram os positivistas, como Luigi Ferrajoli, Luiz Prietro Sanchís, Ricardo Guastini e Suzana Pozzolo, que não aceitam a existência de uma conexão necessária entre Direito e Moral, mas reconhecem que pode haver uma ligação contingente entre estas esferas, sempre que as autoridades competentes, dentre as quais se inclui o poder constituinte originário, positivem valores morais, conferindo-lhes força jurídica. Do outro, alinham-se os não-positivistas, como Ronald Dworkin, Robert Alexy, Carlos Santiago Nino e seus seguidores, que afirmam que Moral e Direito têm uma conexão necessária, e aderem à famosa tese de Gustav Radbruch, de que normas terrivelmente injustas não têm validade jurídica, independentemente do que digam as fontes autorizadas do ordenamento. Dentre estes autores, há quem insista na idéia de que o Direito possui uma ‘pretensão de correção’, pois de alguma maneira é da sua essência aspirar à realização da justiça. [...] (2013, online, grifos do autor).
Sobre esta intersecção entre Direito e Moral, Eduardo Bittar compila
situações exemplificativas de estreita ligação e expressa previsão no Ordenamento
Jurídico brasileiro, que dão um fundo jusnaturalista para o sistema em vigor: (i) a
dívida de jogo, que por ter um objeto ilícito, não encontra na escada ponteana o
plano de validade consolidado, sendo juridicamente inexigível, restando somente
uma obrigação moral; (ii) o incesto não é tipificado como crime no Código Penal
pátrio, mas é altamente expurgável pela moral coletiva; (iii) a boa fé objetiva, da qual
é erigida uma série de presunções nas relações civis, na teoria geral dos negócios
jurídicos; (iv) a perda do poder familiar dos pais, caso procedam ao arrepio da moral,
mormente o exarado no art. 1.638 do Código Civil brasileiro, Lei nº 10.406 de 10 de
janeiro de 2002; (v) o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,
Decreto Lei nº 4.657 de 04 de setembro de 1942, que permite à judicatura a
aplicação dos princípios gerais do direito, quando a norma for omissa, tendo aqueles
implicação ética: neminem laedere, do latim, a ninguém lesar, suum cuique tribuere,
melhor dizendo, dar a cada um o que é seu, honeste vivere, viver honestamente; (vi)
no mesmo artigo do diploma supracitado, insta que o magistrado pode aplicar os
costumes para solucionar a demanda; e, (vii) o princípio da moralidade pública,
insculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988. Para o jusfilósofo
supra evocado:
[...] Aqui se comprova a relevância do princípio moral para a própria organização, manutenção e credibilidade cívica dos serviços públicos. O que é moralmente recomendável tornou-se juridicamente exigível do funcionalismo público. [...] (2011, p. 521).
Dando continuidade à análise proposta, o termo ética, por seu turno,
origina do grego ethos, e implica uma tradução do sentido de pele (2013, online).
Portanto, ético é aquilo que está na pele, ou que se traz nesse tecido protetor e
elástico do organismo humano. Por esta ótica, o conceito de ética está ligado ao
hábito, ao comportamento, à repetitiva, reiterada ação humana, a ponto de
determinar o modo de agir do indivíduo, sua cor, sua textura (BITTAR, 2011, p. 542).
Pelo que se percebe, a LC nº 135/2010 é fruto de uma crise ética na coisa
pública brasileira, algo sucedido das fundamentações dos votos de alguns ministros
do Supremo, em especial, Luiz Fux e Ayres Britto (2012, online). Todavia, vinculado
ao conceito comportamental da ética, convém anotar que apesar da existência de
uma moral comum, uma reação esperável do homem médio a situações adversas
do moralmente recomendável, incide um comportamento cultural do brasileiro que
repisa os versos de Chico Buarque: “[...] Não existe pecado do lado debaixo do
equador [...]” (2013, online).
Neste esteio, para enrobustecer o perfil pacifista, desinteressado, passivo,
controvertido e estranho do brasileiro, a Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP) (2013, online), em pesquisa publicada em agosto de 2011, aponta
que nos últimos dez anos foram desviados cerca de 720 bilhões de reais dos cofres
públicos do Brasil. Isto representa um desperdício oscilando entre 50 e 85 bilhões de
reais anualmente, o que é muito maior do que as previsões orçamentárias de vários
entes federativos, como, exemplificativamente, o Estado de Goiás. Os dados
levantados pela FIESP não auferiram quanto custou, na última década, ao erário, a
manutenção dos órgãos técnicos de fiscalização como os Tribunais de Contas, quer
da União, dos Estados ou dos Municípios. Ora bem, mesmo com todo esse aparato
fiscalizador, não há na coisa pública brasileira uma segurança mínima da destinação
dos recursos públicos, haja vista que todo esse dinheiro resvalou-se pelo tempo, e, a
própria Controladoria Geral da União publica gráficos mostruários da probabilidade
de um funcionário corrupto ser condenado: de menos de 5% (HERNANDES, 2013,
online). Não obstante, a possibilidade desse mesmo agente cumprir pena de prisão
é quase zero. Por último, dos recursos desviados, apenas 8% deles retornam aos
cofres públicos.
Por esta esteira, é assustador que, no Brasil, ainda haja tanta discussão
quando há singelos apelos, acenos, gestos populares pela moralização da coisa
pública. Em sua defesa no fatídico RE nº 631.102, o senador Jader Barbalho, até
então banido pela LC nº 135/2010, chegou a questionar a legitimidade democrática
do referido diploma (2012, online). Para o senador, a taxada lei ficha limpa precisaria
de apenas um milhão e quatrocentas mil assinaturas. Numericamente, tal norma
estaria aquém de si, haja vista que foi endossado por um milhão setecentos e
noventa e nove mil, setecentos e sessenta e dois votos. Tal famigerada comparação
seria ainda mais procedente se considerados os números do Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), que, sobre o produto das eleições
de 2010, a 52ª legislatura da Câmara dos Deputados, aponta a verdadeira
dificuldade que o eleitor brasileiro tem de renovar os seus representantes. A
despeito da insatisfação geral com as políticas públicas, e com os escândalos cada
vez mais latentes, 54% dos parlamentares foram reeleitos para mais um mandato na
referida Casa dos representantes do povo (2013, online).
A título de reflexão, as palavras de Thomas Jefferson poderiam fazer
algum sentido para o fechamento deste trabalho: “[...] Se os homens são puros, as
leis são desnecessárias; se os homens são corruptos, as leis são inúteis! [...]” (2012,
online). Tão logo, é impossível constatar se a LC nº 135/2010, suas implicações,
seus debates, sua incidência, suas pesquisas tenham alguma serventia para o
contexto histórico, político, social e cultural do Brasil, no invólucro da cultura moral
tão controvertida da cosmologia axiológica nacional.
Tais conclusões são conforme o estudo do antropólogo Roberto Damatta,
em “O que faz o brasil Brasil?”, pinçando abaixo, elementos da identidade cultural
brasileira:
[...] Por tudo isso, somos um país onde a lei sempre significa o ‘não pode!’ formal, capaz de tirar todos os prazeres e desmanchar todos os projetos e iniciativas. De fato, é alarmante constatar que a legislação diária do Brasil é uma regulamentação do ‘não pode’, a palavra ‘não’ que submete o cidadão ao Estado sendo usada de forma geral e constante. Ora, é precisamente por tudo isso que conseguimos descobrir e aperfeiçoar um modo, um jeito, um estilo de navegação social que passa sempre nas entrelinhas desses peremptórios e autoritários ‘não pode!’. Assim, entre o ‘pode’ e o ‘não pode’, escolhemos, de modo chocantemente antilógico, mas singularmente brasileiro, a junção do ‘pode’ com o ‘não pode’. Pois bem, é essa junção que produz todos os tipos de ‘jeitinhos’ e arranjos que fazem com que possamos operar um sistema legal que quase sempre nada tem a ver com a realidade social [...]. (1986, p.82, grifos do autor).
Enrobustecendo, Ironildes Bueno e Rogério Lustosa, já falando sobre o
grande problema que a LC nº 135/2010 buscou combater (a corrupção), já apontam
que:
“[...] Se apenas o Estado fosse corrupto, a engrenagem da corrupção não marcharia: é preciso que os políticos encontrem parceiros na sociedade civil. [...] Na verdade, como costumeiramente se diz na também corrompida vizinha Argentina, a corrupção é como o tango: é preciso mais de um para dançá-lo. [...]” (2011, p. 20).
Eis ai a suposta necessidade do resguardo, da tutela normativa estatal
cuidando de proteger o povo e o Estado inclusive de si mesmos, impondo uma carga
de valores muito mais complexa e historicamente conquistada, fitando preservar o
decoro, a decência, o pudor, a educação, a formação, a segurança jurídica e,
sobretudo, a dignidade, buscando eliminar esta fusão bagunçada do “não pode” com
o “pode”, adequando à realidade social pátria o mínimo esperável e recomendável
de seus representantes, uma vida pregressa compatível com probidade com a qual
deveriam, em tese, exercer os cargos eletivos a que se propuserem ocupar.
7. Conclusão
A Lei Complementar nº 135/2010 vem ao encontro da avidez e do clamor
popular pela moralização da coisa pública no Brasil, em um momento peculiar da
história da democracia brasileira. Acrescendo cláusulas de inelegibilidade no
ordenamento jurídico pátrio, nos termos do art. 14, § 9º da Carta da República de
1988, tal norma inovou nos requisitos do exercício dos direitos políticos passivos.
No tocante à suas fontes, ou origens, a referida norma encontra arrimo no
próprio espírito democrático, que é traduzido pela participação popular nas decisões
do organismo social politicamente estruturado (o Estado), também através de atos
de publicidade, transparência e, sobretudo, garantindo-se a todos a presunção da
honestidade dos governantes.
Muito bem intencionada, portanto, no escopo de moralizar a coisa pública
e enrijecer os requisitos para a ocupação de cargos eletivos, a reforma que a lei em
estudo trouxe ao Ordenamento foi altamente rebatida por divergências de todos os
lados: doutrina ou jurisprudência. De modo que levantou-se uma série de aparentes
contradições das normas e preceitos constitucionais parâmetros, face à LC nº
135/2010. Tendo que solver estas incompatibilidades hipotéticas, à luz da segurança
jurídica e, pelo prisma teórico do princípio da unidade da Constituição e do Sistema
Normativo, os intérpretes maiores do Estatuto Político Brasileiro de 1988 apreciaram
a matéria tanto em sede de controle abstrato (por meio da ADI 4578 e ADCs 29 e
30), quanto também em controle difuso (ao exemplo dos REs nº 630.146/DF; e nº
631.102/PA). Na oportunidade, o Supremo assentou
à constitucionalidade a LC nº 135/2010, asseverando sua presunção vertical de
compatibilidade com a Constituição Federal de 1988, com as ressalvas de sua
aplicação somente a partir das eleições de 2012, nos termos do art. 16 da Lei Mãe.
Muito embora seja pacífico que a democracia materializa-se pelo respeito
à vontade popular, é importante destacar que, por outro lado, o espírito democrático
se assevera quando as leis, já positivadas, não passam pelo esvaziamento de
eficácia, ainda que contrariem os interesses da maioria. Nesta toada, por mais que a
vontade do povo seja pela eleição de um candidato obstado por cláusula de
inelegibilidade, a pretensão popular pode abster-se, pois inexiste um direito
adquirido à candidatura. Para propor-se ao exercício do comando do Estado (o
governo), deve o cidadão que pretende passar pelo crivo das urnas, adequar-se ao
sistema eleitoral, ajustando-se às exigências de valores e galhardos constitucionais
embutidos nas cláusulas de inelegibilidade da recém reformada LC nº 64/1990.
Considerando a mutabilidade constante do direito, é através dos embates
desenvolvidos pelos escritores contemplados neste trabalho que caminha-se para
encontrar a forma mais justa e confiável que, por hora, consideram a LC nº 135/2010
plenamente constitucional, por decisão do Supremo Tribunal Federal, passível de
revisão pela própria Corte.
Sucede que, por fim, o Direito, a ética e a moral são institutos diferentes,
mas, estreitamente correlacionados. De modo que a ética pode ser determinante ao
conteúdo positivado pelo Estado (o Direito), principalmente porque esta se refere ao
comportamento, à conduta dos indivíduos. Assim, é de se concluir que o Direito é
produto ético de conteúdo moral, não importando se esta moral está ou não
coadunada a pressupostos sensíveis de humanidade. Logo, sob as lentes do
neoconstitucionalismo e do neopositivismo, a moral e o Direito não podem ser
dissociados, razão pela qual a LC nº 135/2010 é mais um ponto de intersecção entre
eles: o que se recomenda moralmente passa a ser exigido juridicamente.
Na mesma linha, ocorre que, o comportamento do brasileiro não é tão
simples e adequado à fria negativa da interpretação das leis. Por se tratar de um
povo cuja cosmologia axiológica é altamente vulnerável e isto se reflete em simples
hábitos/práticas do cotidiano, a aplicação da LC nº 135/2010 fica a mercê de cada
caso concreto, com suas peculiaridades subjetivas que suplantam a objetividade da
norma. Tanto que a própria lei faculta a um magistrado a possibilidade de
flexibilização das regras de inelegibilidade, sob a conveniência e oportunidade da
discricionariedade deste dispositivo que, em tese, deve ser utilizado como objeto de
transformação política, social e cultural.
Espera-se que os contornos definidos por esta pesquisa possam
contribuir ao desenvolvimento das relações humanas em sociedade.
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