artigo - a terceirização no setor público

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS FACULDADE DE DIREITO DE ALAGOAS GRADUAÇÃO EM DIREITO ANA AMÉLIA MENDES GALVÃO ARTUR DUARTE PINTO DANYELLE RODRIGUES DE MELO NUNES HELOÍSA MARIA DE FREIRAS MEDEIROS ISADORA COSTA PEDROSA SOUZA LUANA KAREN AZEVEDO SANTA LUIS ANTÔNIO CAVALCANTI FERREIRA LESSA SANTOS ULY DE CARVALHO ROCHA PORTO A TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO

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Page 1: Artigo - A Terceirização no Setor Público

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOASFACULDADE DE DIREITO DE ALAGOAS

GRADUAÇÃO EM DIREITO

ANA AMÉLIA MENDES GALVÃOARTUR DUARTE PINTO

DANYELLE RODRIGUES DE MELO NUNESHELOÍSA MARIA DE FREIRAS MEDEIROS

ISADORA COSTA PEDROSA SOUZALUANA KAREN AZEVEDO SANTA

LUIS ANTÔNIO CAVALCANTI FERREIRA LESSA SANTOSULY DE CARVALHO ROCHA PORTO

A TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO

MACEIÓ2012

Page 2: Artigo - A Terceirização no Setor Público

ANA AMÉLIA MENDES GALVÃOARTUR DUARTE PINTO

DANYELLE RODRIGUES DE MELO NUNESHELOÍSA MARIA DE FREIRAS MEDEIROS

ISADORA COSTA PEDROSA SOUZALUANA KAREN AZEVEDO SANTA

LUIS ANTÔNIO CAVALCANTI FERREIRA LESSA SANTOSULY DE CARVALHO ROCHA PORTO

A TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO

Trabalho apresentado à Faculdade de Direito de Alagoas, como requisito parcial para a obtenção da nota do segundo bimestre da disciplina Direito do Trabalho I.

Orientador: Prof. Dr. João Leite.

MACEIÓ2012

Page 3: Artigo - A Terceirização no Setor Público

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................................... 3

1. A TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO..................................................................41.1. CONCEITO DE “SERVIÇO PÚBLICO”...............................................................................41.2. CONCEITO DE TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO..........................................6

2. HISTÓRICO DA TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO.....................................132.1. ASPECTOS SOCIAIS................................................................................................................. 142.2. ASPECTOS POLÍTICOS.......................................................................................................... 162.3. ASPECTOS JURÍDICOS........................................................................................................... 193. ABORDAGEM JURIDPRUDENCIAL............................................................................243.1. SOBRE A COMPETÊNCIA...........................................................................................244. PESQUISA DE CAMPO – SITUAÇÃO CONCRETA...................................................25CONCLUSÃO....................................................................................................................................... 26

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................27

Page 4: Artigo - A Terceirização no Setor Público

3

INTRODUÇÃO

A evolução dos meios de produção e o surgimento de novos interesses econômicos

trouxeram uma nova roupagem para a prestação de serviços públicos. As políticas neoliberais

advindas nos anos 90 concretizaram um movimento estatal para o enxugamento do quadro de

pessoal. Se antes o Estado obtinha vantagens através de sua autonomia, monopólio e

concentração de poder, agora passa a obter vantagens através da concessão para a gestão

privada dos serviços públicos. Dentre as medidas resultantes dessa nova fase estaria a

massificação desgovernada da terceirização, instituto cujo maior objetivo liga-se à

transferência das atividades de apoio para o setor privado a fim de que os órgãos públicos

pudessem melhor desempenhar suas competências institucionais.

No primeiro capitulo fez-se necessária a compreensão do que seria o setor público e do

próprio fenômeno da terceirização, haja vista o objetivo maior ser facilitar a compreensão

acerca da terceirização no setor público, e não um aprofundamento sobre o fenômeno da

terceirização em geral.

Todo esse movimento descentralizador por parte do Estado trouxe à tona conflitos

normativos, exigindo inovações na interpretação constitucional acerca dos limites da

utilização da terceirização em entes e órgãos públicos, ressaltando-se que o mais importante é

a definição do regime jurídico a que se encontra submetido o ente público tomador de

serviços terceirizados, como veremos no desenvolvimento do trabalho.

Page 5: Artigo - A Terceirização no Setor Público

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1. A TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO

1.1. CONCEITO DE “SERVIÇO PÚBLICO”

O conceito de serviço público facilmente nos remete às atividades exercidas pelo

Estado segundo as exigências de cada povo e de cada época. Na visão de Eros Grau, serviço

público não seria um conceito, mas uma noção de historicidade, uma atividade supostamente

definida pela Constituição como indispensável em determinado momento histórico para a

realização da interdependência social1. No Brasil, a utilização desse termo é ainda mais

abrangente, pois engloba uma concepção leiga de serviço público como toda e qualquer

atividade realizada pela administração pública2.

Quanto ao setor público, ele abrange a chamada a administração direta, que envolve os

órgãos ligados diretamente ao poder central, os quais realizam as atividades e funções do

mesmo, sem delegá-las a pessoas jurídicas, sendo essa administração composta pelos próprios

organismos dirigentes, ministérios e secretarias; e a administração indireta, a qual é composta

por entidades de personalidade jurídica própria, criadas para realizar atividades de forma

descentralizada, envolvendo as autarquias, fundações, empresas nacionais e de economia

mista.

É importante destacar que o Poder Público realiza atividades de diversas esferas e que

o entendimento acerca dos diferentes âmbitos dessas prestações de serviços através da

administração pública nos proporcionará uma compreensão social, política e normativa do

fenômeno da terceirização.

1.1.1 Classificação dos serviços prestados pelo Estado

O conjunto de serviços imprescindíveis para a vida e destinados à satisfação da

coletividade em geral, como o fornecimento de água, energia elétrica e a disponibilização de

transporte urbano, cujas atividades são de competência e obrigação da administração pública,

configuram o que conhecemos pela acepção técnica de serviço público3.

1 SILVA, Patrícia Pinheiro. Terceirização nos Serviços Públicos. Revista Magister de Direito do Trabalho, n. 44, pp. 105/139, set-out/ 2011. Pp. 1072 SILVA, Patrícia Pinheiro. Terceirização nos Serviços Públicos. Revista Magister de Direito do Trabalho, n. 44, pp. 105/139, set-out/ 2011. Pp. 106 e 1073 SILVA, Patrícia Pinheiro. Terceirização nos Serviços Públicos. Revista Magister de Direito do Trabalho, n. 44, pp. 105/139, set-out/ 2011. Pp. 106 e 107

Page 6: Artigo - A Terceirização no Setor Público

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Estabelecida a noção inicial de serviço público, contrapomos a ela outras atividades

essenciais para o completo funcionamento daqueles serviços, mas que configuram-se como

atividades meramente secundárias, doutrinariamente conhecidas como atividades-meio. Para

exemplificar podemos mencionar os serviços de arrecadação de tributos, serviços de arquivo,

serviços de limpeza e serviços de vigilância, que se excluem da esfera nominada de serviços

públicos, sendo apenas atividades-meio. Assim, concluímos através desta distinção que

incumbe ao Poder Público a prestação dos serviços estabelecidos normativamente como

públicos, seja sob forma direta ou sob o regime de concessão (indiretamente).

Além disso, existe outra classificação importante no que tange a compreensão dos

diferentes papéis assumidos pelos agentes públicos e da terceirização no setor público, à qual

nos delimitamos. Estamos nos referindo às modalidades de gestão do serviço público, que são

três: a gestão estratégica, cujas atividades competem a uma pessoa pública titular do serviço, a

quem é atribuída a capacidade de criar e suprimir o serviço público, bem como a autonomia

para fixar os princípios de organização, controlar a aplicação dos mesmos e sancionar

violações operadas;4 a outra, a gestão operacional, refere-se às atividades de regulação e

otimização nos serviços públicos, seja através da resolução de conflitos, da observância às

tarefas urgenciais ou da escolha por atividades de menor custo; por fim, a gestão material

remete a própria execução material, ou seja, a prestação do serviço em si, que não constitui

um serviço público em sua inteireza, mas sim tarefas anexas a esses serviços5.

Esses níveis de gestão da administração pública distinguem-se respectivamente pelo

nível de autonomia do agente público, pela importância das regulações e otimizações dos

serviços e pela execução das atividades em si. Veremos que eles estão diretamente

relacionados à compreensão da distinção entre regimes da terceirização e de concessão no

setor público.

1.1.2 Breve comentário: a concessão no setor público

Faz-se mister esclarecer que a terceirização no setor público, que estudaremos a

seguir, não se confunde com a chamada concessão do serviço público. As atividades primárias

do Estado, por assim dizer, dividem-se em serviços públicos sociais e serviços públicos

econômicos. Os serviços públicos sociais remetem a direitos disciplinados no art.6º e no

4 SILVA, Patrícia Pinheiro. Terceirização nos Serviços Públicos. Revista Magister de Direito do Trabalho, n. 44, pp. 105/139, set-out/ 2011, p.109.5 SILVA, Patrícia Pinheiro. Terceirização nos Serviços Públicos. Revista Magister de Direito do Trabalho, n. 44, pp. 105/139, set-out/ 2011, p. 109.

Page 7: Artigo - A Terceirização no Setor Público

6

Titulo VIII da Constituição, como a educação, a saúde e a assistência social, sendo a

prestação dos mesmos obrigatória pelo Estado, que o fará como serviço público e sob o

regime de direito público. Contudo, não fica proibida a prestação desses serviços por

particulares, que o exercerão complementarmente e independentemente de delegação6.

Por sua vez, os serviços econômicos, comerciais, ou industriais, que ensejam a

possibilidade de ser explorados com o intuito lucrativo, foram normativamente inseridos

dentre as atividades de exclusiva titularidade Estatal, mas que poderão ser delegados sob o

regime de concessão, conforme o art. 175 da Constituição Federal de 1988 que também

estabelece a obrigatoriedade da licitação. É nesta seara que se aplica o regime de concessão.

A concessão do poder público consiste em uma permissão da administração pública

para que uma atividade nuclear de sua competência passe a ser completamente gerida,

realizada e conduzida por uma empresa cessionária. Uma vez concedida a permissão, essa

empresa responsabilizar-se-á integralmente pela prestação e qualidade do serviço cedido,

absorvendo todo o complexo de atividades indispensáveis a realização do mesmo e

responsabilizando-se nos três níveis da gestão, isto é, assumindo as mesmas prerrogativas do

Poder Público, salvo algumas restrições normativas por questões de segurança.

1.2. CONCEITO DE TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO

Os atos terceirizadores, em si, há muito são utilizados em contratos pactuados pela

administração pública7, contudo, a expressão terceirização é um neologismo criado pela área

de administração, sendo usada para se referir ao fenômeno da descentralização de atividades

de uma empresa para terceiros.

O mecanismo da terceirização consiste em repassar para empresas privadas

especializadas a incumbência da prestação de atividades-meio, executivas ou de apoio, que se

realizarão em áreas internas da administração pública a fim de que os órgãos públicos possam

melhor desempenhar as suas funções principais, ou seja, ao contratar empregados

indiretamente através de uma empresa terceira, cujos funcionários realizarão serviços

específicos para o Poder Público contratante, a administração pública enxugaria seu quadro de

pessoal, descentralizaria as atividades secundarias e otimizaria a execução institucional como

um todo, sendo esses os principais objetivos a serem alcançados através da terceirização.

6 SILVA, Patrícia Pinheiro. Terceirização nos Serviços Públicos. Revista Magister de Direito do Trabalho, n. 44, pp. 105/139, set-out/ 2011, p.120. 7 SILVA, Patrícia Pinheiro. Terceirização nos Serviços Públicos. Revista Magister de Direito do Trabalho, n. 44, pp. 105/139, set-out/ 2011, p.110.

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A atividade contratada será prestada pelo particular IMEDIATAMENTE para a

administração pública e MEDIATAMENTE para a comunidade através do ente público

contratante, beneficiário direto da prestação. Desta forma, trazendo para o mundo jurídico,

Mauricio Godinho Delgado destacaria o fenômeno da terceirização como aquele “pelo qual se

dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria

correspondente” 8. Com isso, entende-se que na terceirização não há a tradicional relação

bilateral característica do modelo empregatício, ocorrendo nela uma relação trilateral, na qual

há um vínculo entre o empregado e a empresa tomadora de serviços (relação econômica de

trabalho); outro vínculo entre o empregado e a empresa terceirizante (relação jurídica

empregatícia); e, por fim, um vínculo entre a empresa terceirizante e a empresa tomadora de

serviços (relação contratual). Nas palavras de Liduína Araújo Campos:

“Na terceirização, verificam-se três tipos de relações jurídicas. A primeira, envolvendo a empresa prestadora dos serviços e a empresa tomadora – no caso, uma relação jurídica de ordem civil; a seguir, têm-se uma segunda relação jurídica, envolvendo o trabalhador e a empresa prestadora – configurando uma relação de emprego; finalmente, existe uma relação de trabalho, que surge do envolvimento entre o trabalhador e a empresa tomadora” 9.

Sendo assim, a empresa tomadora de serviços (Poder Público) não assume a posição

clássica de empregadora, sendo essa posição atribuída à empresa terceirizante, a qual será

responsável por todas as questões trabalhistas relacionadas ao empregado. Logo, a

terceirização tem a natureza jurídica de relação contratual entre a empresa terceirizante e a

empresa tomadora de serviços, na medida em que há acordo de vontades entre elas.

Não obstante a isso, a possibilidade de surgirem problemas trabalhistas decorrentes de

uma má gestão da empresa terceirizante desperta o interesse da doutrina, na exata medida em

que se encontram envolvidas questões principiológicas e de responsabilidade contratual, como

veremos adiante.

1.2.1 A Contratação

Toda a administração pública deve respeito às normas do ordenamento jurídico e aos

princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput,

CF/88). Assim sendo, administração pública só pode estabelecer as suas vontades dentro

8 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11 Ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 435.9 CAMPOS, Liduína Araújo. Terceirização de serviços públicos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, no 190. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1470> Acesso em: 13  ago. 2012.

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daquilo permitido pela lei (principio da legalidade), enquanto que as relações privadas são

norteadas pelo princípio da autonomia da vontade, segundo o qual lhes é permitido fazer tudo

aquilo que a lei não proíbe10.

Podemos observar um reforço especifico aos princípios constitucionais, em sede de

terceirização, no decreto 2.271/9711, no que diz respeito a Impessoalidade  e a Moralidade, a

Legalidade, a Eficiência e a Publicidade:     

Art. 2º A contratação deverá ser precedida e instruída com plano de trabalho aprovado pela autoridade máxima do órgão ou entidade, ou a quem esta delegar competência, e que conterá, no mínimo:        I - justificativa da necessidade dos serviços;        II - relação entre a demanda prevista e a quantidade de serviço a ser contratada;      III - demonstrativo de resultados a serem alcançados em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais ou financeiros disponíveis.

Art. 3º O objeto da contratação será definido de forma expressa no edital de licitação e no contrato exclusivamente como prestação de serviços.

Art. 4º É vedada a inclusão de disposições nos instrumentos contratuais que permitam:       I - indexação de preços por índices gerais, setoriais ou que reflitam a variação de custos;      II - caracterização exclusiva do objeto como fornecimento de mão-de-obra;      III - previsão de reembolso de salários pela contratante;      IV - subordinação dos empregados da contratada à administração da contratante;

Art. 6º A administração indicará um gestor do contrato, que será responsável pelo acompanhamento e fiscalização da sua execução, procedendo ao registro das ocorrências e adotando as providências necessárias ao seu fiel cumprimento, tendo por parâmetro os resultados previstos no contrato.

Art. 7º Os órgãos e entidades contratantes divulgarão ou manterão em local visível e acessível ao público, listagem mensalmente atualizada dos contratos firmados, indicando a contratada, o objeto, valor mensal e quantitativo de empregados envolvidos em cada contrato de prestação de serviços.

A contratação da terceirização formalizar-se-á por meio de um contrato

administrativo, essencialmente adstrito a Lei e a Constituição, para satisfazer as finalidades

estatais. Uma relação trilateral na terceirização licita será formada entre o Estado como

tomador de serviços, a empresa terceirizante como a empregadora do trabalhador, existindo,

por fim, um contrato entre o Estado e a empresa.

A Lei nº 8.666, Lei das licitações e contratos da Administração Pública, que disciplina

o processo de licitação para a terceirização no setor público e estabelece os moldes contratuais

10 SILVA, Patrícia Pinheiro. Terceirização nos Serviços Públicos. Revista Magister de Direito do Trabalho, n. 44, pp. 105/139, set-out/ 2011, p. 118. 11 Brasil.. Decreto n 2.271/97. Disponível em: <<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2271.htm>> Acesso em: 20 ago 2012.

Page 10: Artigo - A Terceirização no Setor Público

9

da terceirização, os quais “regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito

público, aplicando-se-lhes, subjetivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as

disposições de direito privado” 12.

Dentro do âmbito contratual na administração pública, há uma questão polêmica, que

será explanada adiante, no que diz respeito à previsão ou não de responsabilidade estatal

quando a empresa prestadora de serviços é inadimplente em relação as suas obrigações

contratuais na terceirização13. De início, vale expor que os próprios Tribunais Superiores

divergem quando se trata de aferir a responsabilidade do inadimplemento da administração

publica, especialmente por causa do disposto no artigo 71 da referida lei:

Art. 71.  O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.§ 1o  A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis14. (grifo nosso)

1.2.2 O marco normativo

O primeiro marco normativo acerca da terceirização no setor público surgiu em

meados dos anos 60, permitindo a descentralização de algumas atividades do Estado para o

setor privado, consistiu no Decreto de Lei (DL) nº 200/67, que enunciou em seu art.10, §7º 15:

Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.  § 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução 16.

Ao examinarmos esse dispositivo, percebemos a fragilidade nos limites impostos as

atividades passíveis de terceirização (execução indireta), refletindo na promulgação, dez anos

12 VADE MECUM SARAIVA.13 AMORIM, Helder; DELGADO, Gabriela; VIANA, Marcos. Terceirização – Aspectos Gerais . Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário, n. 40, pp. 5/35, jan-fev/ 2011, p. 23.14 Brasil. Lei nº 8.666/96. Disponível em: << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm>> Acesso em: 23 ago 2012.15 AMORIM, Helder; DELGADO, Gabriela; VIANA, Marcos. Terceirização – Aspectos Gerais . Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário, n. 40, pp. 5/35, jan-fev/ 2011, p. 15 e 16.16 Brasil. Decreto-Lei. n 200/60. Disponível em:  << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm>> Acesso em: 20 ago 2012.

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mais tarde da Lei 5.645, que ao contrário daquela, delimitou os parâmetros de contração da

terceirização na administração pública ao exemplificar os serviços passíveis da mesma, que

seriam atividades-meio no contexto dos serviços executados pelos entes estatais17.

A terceirização, em virtude das suas aparentes vantagens, passou a ser incorporada

gradualmente no processo de contratação da administração pública e atingiu elevada

popularidade nesta seara, extrapolando, muitas das vezes, os limites já tracejados pelo

ordenamento jurídico. Deu-se início a um momento de total ilegalidade no setor público em

nome da terceirização, tendo em vista que a mesma passou a ser instituída para além do

âmbito das atividades permitidas (secundárias) e, consequentemente, mergulhou no âmbito da

ilicitude.

Essa distorção na aplicação da legislação federal e de outros preceitos legais, os quais

foram suprimidos em detrimento da utilização disfarçada do regime de terceirização, exigiu

uma reação de evolução e afirmação normativa da terceirização no ordenamento jurídico na

tentativa de estabelecer os limites para a aplicação desse instituto e dirimir as questões

controversas acerca das garantias dos trabalhadores frente às empresas terceirizantes e as

contratantes.

1.2.3 Da licitude e da ilicitude da terceirização

Dessa forma, diante da pressão exercida pelos interesses econômicos e pela própria

doutrina trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) situou a terceirização quanto a

licitude ou não da contratação, fixando como ilícita a terceirização em que o contrato

estabelece a prestação de serviços finalísticos da empresa, ou seja, a realização de serviços

essenciais à dinâmica pública. Já a terceirização lícita no setor público é aquela utilizada pela

administração direta e indireta do Estado, os quais contratam uma empresa para que esta lhe

ofereça funcionários especializados para realização de serviços-meios do âmbito estatal, de

forma que não há nenhuma relação de subordinação e pessoalidade entre o Estado e esses

empregados, ou seja, a terceirização lícita ocorre quando a contratação estabelece a prestação

de atividades-meio meramente periféricas à essência da administração pública e desprovidas

da pessoalidade e da subordinação direta na relação econômica de trabalho.

Na Súmula 331 do TST foram estabelecidas quais seriam as atividades passiveis de

terceirização, isto é, quais são as atividade-meio permitidas. Assim, fixou-se no inciso III que

17 AMORIM, Helder; DELGADO, Gabriela; VIANA, Marcos. Terceirização – Aspectos Gerais . Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário, n. 40, pp. 5/35, jan-fev/ 2011, p. 16.

Page 12: Artigo - A Terceirização no Setor Público

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“Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.”18 (grifo nosso)

No inciso I, entretanto, tem-se que além dessas atividades permitidas, “a contratação

de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o

tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário” 19 (grifo nosso).

Ademais, Godinho expõe que, nas situações configuradoras de atividades ilícitas, o

vínculo aparente entre o empregado e a empresa terceirizante seria desfeito, cedendo espaço

para um vínculo justrabalhista entre o trabalhador e o tomador de serviços20. Logo, ocorreria a

eliminação do vínculo original com a empresa locadora de serviços, passando a existir um

vínculo empregatício entre a empresa tomadora de serviços e o empregado, de forma que,

com fundamento no inciso I da Súmula 331 do TST, constituir-se-ia uma relação bilateral.

Paralelamente as disposições da Súmula 331 do TST, o Presidente da República

sancionou em 1997 o Decreto n. 2.271, substituindo a revogada Lei nº 5.645/70, e segundo o

qual:

§ 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta21 (grifo nosso).

 § 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal22 (grifo nosso).

1.2.4 In foco: Súmula 331 do TST

Para fixar a controvérsias acerca das obrigações trabalhistas do Poder Público no

âmbito da terceirização, o TST editou a já citada Sumula 331, segundo a qual, uma vez que o

poder público contratante configura-se como o responsável direto pela gestão dos

trabalhadores e dos serviços contratados, o mesmo responderia subsidiariamente pelas 18 Súmula 331 TST.19 Súmula 331 TST.20 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11 Ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 452.21 Brasil.. Decreto n 2.271/97. Disponível em: <<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2271.htm>> Acesso em: 20 ago 2012.22Brasil. Constituição Federal do Brasil. Decreto n 2.271/97. Disponível em:  <<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2271.htm>> Acesso em: 20 ago 2012.

Page 13: Artigo - A Terceirização no Setor Público

12

obrigações trabalhistas quando houver o inadimplemento por parte do empregador

terceirizante, salvo quando o poder público não tiver participado da relação processual e

também não constar no título executivo judicial.

Em relação à terceirização ilícita, é importante destacar que a constituição de 1988

definiu que, para o exercício de cargo público, é imprescindível a prévia aprovação em

concurso público de provas ou de provas e títulos (art. 37, II, CF/88), sendo nulo o ato de

admissão que não observe este requisito. Complementando a Constituição, a Súmula 331 do

TST afirma que a contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera

vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta ou indireta. Logo, essas

medidas trazem a tona grandes problemas relacionados à terceirização ilícita no setor público,

pois, para que se estabeleça a relação entre o empregado e a empresa tomadora dos serviços,

que é o Estado, deveria ter o trabalhador passado por um concurso público.

Há calorosos debates na doutrina e jurisprudência sobre o assunto, sendo a maioria

adepta da concepção que preza que os direitos do trabalhador não podem ser suprimidos e

discriminados pela terceirização ilícita, de forma que uma Constituição que prega a igualdade,

a função social do trabalho, entre outros princípios, não poderia permitir tamanho descaso

com os trabalhadores. Assim, os partidários desse seguimento pregam que a empresa

terceirizante deve responder primariamente pelas obrigações trabalhistas, contudo, o Estado,

sempre que houver culpa in vigilando, deve responder subsidiariamente pelas obrigações,

quando a empresa contratada for inadimplente e ele for parte da relação jurídica processual.

Nesse sentido, dispõe o inciso IV da Súmula 331 do TST:

IV - o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

A atual disposição do STF sobre o tema, em contrapartida ao inciso IV da Sumula 331

do TST, advoga que cada caso deve ser analisado individualmente a fim de que se possa aferir

a responsabilidade subsidiária, ou não, do Poder Público. Retificando tal responsabilidade, o

TST fixou que só deverá ser atribuída a responsabilidade subsidiária nos casos em que se

comprovar ausente a fiscalização contratual por parte do Poder Público. O STF manteve a sua

decisão que estabelece a análise de cada caso. O assunto ainda não esta pacificado e os

processos em que esteja presente tal controvérsia encontram-se sobrestados.

Page 14: Artigo - A Terceirização no Setor Público

13

2. HISTÓRICO DA TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO

O mundo de hoje, a sociedade e as relações de emprego vêm sofrendo constantes

transformações. Desde as Revoluções Industriais, as Guerras Mundiais, o fenômeno da

Globalização, o desenvolvimento do Terceiro Setor e a expansão da tecnologia e da

informação, passou-se a exigir do ser humano uma postura diferente da que vinha sendo

adotada. Maior racionalidade, maior objetividade, maior eficácia, maior celeridade, maior

praticidade e menor burocracia são as exigências que insistem em ser cobradas em cada um e

por cada um nesse novo paradigma. No Setor Público, essas transformações e exigências não

são diferentes.

Ao se analisar esse novo paradigma, observam-se "novas formas de gestão e

organização do trabalho", inspiradas no Toyotismo, que têm na terceirização uma de suas

principais práticas23. Imprime-se um caráter flexível à gestão, que se desobriga de tudo que é

fixo, rígido ou estável, através dos diferentes "usos" da força de trabalho. Daí a transferência

das responsabilidades de gestão para um terceiro24.

Como consequência, essa transferência desresponsabiliza a empresa contratante

quanto aos direitos dos trabalhadores em todos os níveis, ao mesmo tempo em que fragmenta

os coletivos de trabalho e os joga em condições precárias de trabalho, de saúde e de emprego,

instituindo estatutos diferentes e, em geral, criando um manto de invisibilidade sobre esses

trabalhadores. Processo permitido pelo grau de flexibilização das legislações trabalhistas e

pelo - cada vez mais frágil - papel do Estado na fase atual do capitalismo25.

Como bem sintetizam Graça Druck e Tânia Franco, “a terceirização permite visualizar

o ‘lugar’ em que se evidencia a associação entre flexibilização e precarização:  a organização

do trabalho” 26.

Diante disso, a terceirização pode ser abordada como um Fato Social, como um Fato

Político ou como um Fato Jurídico. É isso a que nos dispomos a seguir.

23 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 7. 24 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 7.25 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 7.26 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 7.

Page 15: Artigo - A Terceirização no Setor Público

14

2.1. ASPECTOS SOCIAIS

Em 2007, quase um terço da força humana disponível para o trabalho, em escala

global, ou se encontrava exercendo trabalhos parciais, precários, temporários, ou já

vivenciava a barbárie do desemprego. Mais de um bilhão de homens e mulheres padeciam as

vicissitudes do trabalho precarizado, instável, temporário, terceirizado, quase virtual, dos

quais centenas de milhões tinham seu cotidiano moldado pelo desemprego estrutural27. Essa

situação está se intensificando cada vez mais e enfrentando problemas no âmbito social,

político e jurídico.

Como bem assevera Ricardo Antunes, “cada vez menos homens e mulheres trabalham

muito” 28 e “cada vez mais homens e mulheres trabalhadores encontram menos trabalho” 29.

Trata-se de um ritmo e intensidade que se assemelham ao período anterior ao capitalismo,

referente à gênese da Revolução Industrial, caracterizado por uma redução do trabalho

estável, uma herança da fase industrial que conformou o capitalismo do século XX 30.

Contudo, como os capitais não podem eliminar completamente o trabalho vivo, conseguem

reduzi-lo em várias áreas e ampliá-lo em outras, como se vê pela crescente apropriação da

dimensão cognitiva do trabalho31. Ao mesmo tempo, essa massa de trabalhadores que

encontram menos trabalho se esparrama pelo mundo em busca de qualquer labor, constituindo

uma crescente tendência de precarização do trabalho em escala global, na qual a ampliação do

desemprego estrutural é a sua manifestação mais virulenta32.

O que vem ocorrendo com essas transformações no âmbito social não é o fim do

trabalho, mas sim uma nova polissemia do trabalho. Ele vem adquirindo uma nova

morfologia, uma nova forma de ser. De um lado, o operariado industrial e rural clássicos estão

em processo de encolhimento. De outro lado, os assalariados de serviços, os novos

27 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 13.28 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 13.29 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 13 e 14.30 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 13.31 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 13.32 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 13 e 14.

Page 16: Artigo - A Terceirização no Setor Público

15

contingentes de homens e mulheres terceirizados, subcontratados, temporários, que se

ampliam33.

A necessidade de elevação da produtividade dos capitais vem ocorrendo através de

reorganização sócio técnica da produção, da redução do número de trabalhadores e da

intensificação da jornada de trabalho dos empregados. Empresas tradicionais passaram a

buscar, além de isenções fiscais, níveis mais rebaixados de remuneração da força de trabalho,

combinados com uma força de trabalho sobrante, sem experiência sindical e política, pouco

ou nada taylorizada e fordizada e carente de qualquer trabalho34.

Como explica Ricardo Antunes,

Várias fábricas de calçados, por exemplo, transferiram-se da região de Franca, no interior do Estado de São Paulo, ou da região do Vale dos Sinos, no Estado do Rio Grande do Sul, para Estados do Nordeste, como o Ceará e Bahia e hoje começam a pensar em transferir parcela de sua produção para o solo chinês35.

Frente a esta contextualidade, pode-se constatar uma nítida ampliação de modalidades

de trabalho mais desregulamentadas, distantes da legislação trabalhista, gerando uma massa

de trabalhadores que passam da condição de assalariados com carteira para trabalhadores sem

carteira assinada36.

Em plena era da informatização do trabalho, do mundo maquinal e digital, estamos

conhecendo a época da informalização do trabalho, dos terceirizados, precarizados,

subcontratados, flexibilizados, trabalhadores em tempo parcial37.

Onde havia uma empresa concentrada, agora há várias pequenas unidades interligadas

pela rede, com número muito mais reduzido de trabalhadores e produzindo muitas vezes

mais38. Gasta-se menos; produz-se mais e mais rápido.

Diante disso tudo, também são observadas outras tendências: o aumento significativo

do trabalho feminino que atinge mais de 40% da força de trabalho (cujo salário médio está em

torno de 60% do salário dos homens); a exclusão dos jovens; a exclusão dos trabalhadores

33 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 14.34 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 15.35 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 15.36 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 16.37 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 15.38 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 17.

Page 17: Artigo - A Terceirização no Setor Público

16

considerados idosos pelo capital, com idade próxima de quarenta anos; e a inclusão precoce e

criminosa de crianças39.

Em suma,

é neste quadro, caracterizado por um processo de precarização estrutural do trabalho, que os capitais globais estão exigindo também o desmonte da legislação social protetora do trabalho. E flexibilizar a legislação social do trabalho significa, não é possível ter nenhuma ilusão sobre isso, aumentar ainda mais os mecanismos de extração do sobretrabalho, ampliar as formas de precarização e destruição dos direitos sociais que foram arduamente conquistados pela classe trabalhadora, desde o início da Revolução Industrial, na Inglaterra, e especialmente pós-1930, quando se toma o exemplo brasileiro40.

Desemprego ampliado, precarização exacerbada, rebaixamento salarial acentuado,

perda crescente de direitos, esse é o desenho mais frequente da nossa classe trabalhadora41.

Essas são as transformações sociais que impulsionaram e caminham paralelamente às

transformações políticas.

2.2. ASPECTOS POLÍTICOS

Enquanto se sabe que houve uma série de transformações sociais que culminaram com

o fenômeno da terceirização, é importante ainda observar os reflexos que tais manifestações

tiveram no âmbito político de nosso País, o que, por sua vez, terminou por mover o nosso

Poder Legislativo e Judiciário a regulamentar a prática da terceirização, que antes era vedada.

Tudo isso teve início com o fenômeno do neoliberalismo, do estado-mínimo, que

buscava reduzir ao máximo a intervenção do Estado nos aspectos sociais e econômicos.

Deveria ele limitar-se a exercer atividade que fossem exclusivamente de competência estatal

(conceito este até hoje não pacífico dentre os estudiosos), como seriam os exemplos da

atividade jurisdicional, legislativa, etc. Todas as outras atividades deveriam ser deixadas para

a iniciativa privada42.

Este pensamento tornou-se muito mais concreto com a crise da década de 80, que

atingia as principais economias desenvolvidas. Dentre diversos estudos realizados na época

para apontar possíveis soluções para a tal crise, venceu a teoria de que isso seria decorrente da

39 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 19 e 20.40 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 17.41 DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia. A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 15.42 REIS, Fátima dos. A reforma do Estado brasileiro no período de 1995 a 2002: reconfiguração da administração e dos serviços públicos e seus reflexos na Universidade Federal de Goiás-UFG. Goiânia: Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 2011, p. 3-5.

Page 18: Artigo - A Terceirização no Setor Público

17

forma como o Estado intervia na economia, ampliando cada vez mais sua participação. O

Estado estaria gastando muito. A solução para este problema foi justamente a que explicamos

anteriormente, qual seja, a adoção da política do estado-mínimo, limitando ao máximo a

intervenção do Estado, transferindo algumas atividades para a iniciativa privada ou para o

chamado setor público não-estatal, incluídas no campo do “terceiro setor”43.

Nesse passo, dividiam-se as áreas de atuação do Estado em três: as atividades

exclusivas do Estado; os serviços sociais e científicos do Estado; e a produção de bens e

serviços para o mercado. Vê-se claramente que, dentre essas áreas, a primeira é aquela que

deveria continuar sob o domínio exclusivo do Estado. Já os serviços sociais não teriam razão

para permanecer dentro do Estado, mas devido ao seu caráter social, sendo muitas vezes

fortemente subsidiadas pelo Estado, não deveriam também ser privatizadas. Estas atividades

deveriam ser deixadas para o chamado “terceiro setor”. A última área de atuação, por sua vez,

deveria ser totalmente abandonada pelo Estado44.

Contudo, dentro das atividades exclusivas do Estado, haveriam aquelas pertencentes

ao chamado “núcleo estratégico”, à “média administração pública do Estado”, e às “atividades

ou serviços auxiliares” (que compreenderiam serviços de limpeza, segurança, manutenção,

transporte, etc.). Estas últimas, embora inseridas dentro das atividades exclusivas do Estado,

também não deveriam ser exercidas pelo Estado, devendo então ser terceirizadas. Surgia

assim uma espécie de duplo regime dentro da administração pública: os funcionários públicos,

regidos pelo seu respectivo regime, e o dos funcionários terceirizados, que seriam submetidos

ao regimento da CLT45.

No Brasil, este movimento começou a ganhar força com o governo de Fernando Collor

de Mello, que iniciou um processo de reforma administrativa. Contudo, após deposto, seu

sucessor, Itamar Franco, não prosseguiu com tais projetos. A dita reforma só foi retomada, e

até intensificada, com Fernando Henrique Cardoso, que continuou com a propaganda negativa

43 BRASIL, MTE. Relatório Técnico - O Processo de Terceirização e seus Efeitos sobre os Trabalhadores no Brasil. Disponível em: <<http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BAAF91A9E060F/Prod03_2007.pdf>>. Acesso em: 19 ago 2012, p. 23.44 BRASIL, MTE. Relatório Técnico - O Processo de Terceirização e seus Efeitos sobre os Trabalhadores no Brasil. Disponível em: <<http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BAAF91A9E060F/Prod03_2007.pdf>>. Acesso em: 19 ago 2012, p. 23 e 24.45 BRASIL, MTE. Relatório Técnico - O Processo de Terceirização e seus Efeitos sobre os Trabalhadores no Brasil. Disponível em: <<http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BAAF91A9E060F/Prod03_2007.pdf>>. Acesso em: 19 ago 2012, p. 25.

Page 19: Artigo - A Terceirização no Setor Público

18

iniciada por Collor contra os servidores públicos, taxando-os de incompetentes, improdutivos

etc.46.

Uma das características mais marcantes do governo FHC foram as privatizações de

diversas empresas públicas - cuja mais emblemática foi a da empresa Vale do Rio Doce -, que

contribuíam para a lógica que à qual já nos referimos em linhas acima, qual seja, deixar para o

Estado somente as funções que lhe são exclusivas, sendo as outras exercidas por particulares,

regradas, por sua vez, através das leis da economia.

Foram propostas também a possibilidade de demissão do funcionário público por

necessidade da administração, o fim do regime jurídico único para todos os servidores, e a

flexibilização da sua estabilidade47. Dessa forma, buscava-se fazer o Estado economizar,

diminuindo o número de servidores públicos, bem como os custos com os mesmo. E, nesse

ponto, muito útil era à reforma administrativa a contratação de terceirizadas no setor público,

uma vez que não geraria vínculo empregatício com a Administração Direta, não constituindo,

assim, mais um funcionário público. É fácil evidenciar o intuito de controle de gastos ao

observarmos as disposições do art. 19 da Lei nº 101/2000, que limita as despesas com pessoal

da união, Estados e municípios48.

Essa reforma na administração, contudo, não se ateve somente ao plano político. A

rigor, foi necessária uma nova construção legislativa e jurisprudencial para respaldar a prática

da terceirização no setor público, que, porquanto já tivesse sido ilegal, agora era uma

realidade inegável, e necessitava urgentemente de regularização para evitar maiores danos aos

trabalhadores de tais empresas - danos estes que serão explorados posteriormente neste

trabalho. É justamente sobre essa nova regulamentação, e como esta se desenvolveu

juntamente às mudanças políticas descritas, que trataremos agora.

46 MASCARENHAS, Ângela Cristina Belém Apud REIS, Fátima dos. A reforma do Estado brasileiro no período de 1995 a 2002: reconfiguração da administração e dos serviços públicos e seus reflexos na Universidade Federal de Goiás-UFG. Goiânia: Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 2011, p. 2 e 3.47 BRASIL, Mare, apud, REIS, Fátima dos. A reforma do Estado brasileiro no período de 1995 a 2002: reconfiguração da administração e dos serviços públicos e seus reflexos na Universidade Federal de Goiás-UFG, p. 7.48 REIS, Fátima dos. A reforma do Estado brasileiro no período de 1995 a 2002: reconfiguração da administração e dos serviços públicos e seus reflexos na Universidade Federal de Goiás-UFG, p. 12.

Page 20: Artigo - A Terceirização no Setor Público

19

2.3. ASPECTOS JURÍDICOS

Como vem sendo visto, a terceirização constitui uma possibilidade estabelecida para a

redução da participação do Estado49. A terceirização consiste na possibilidade de contratar

terceiro para a realização de atividades que não constituem o objeto principal da empresa.

Essa contratação pode envolver tanto a produção de bens, como de serviços, como ocorre na

necessidade de contratação de serviços de limpeza, de vigilância ou até de serviços

temporários50.

O crescimento desmesurado do Estado, que caracterizou o século passado e o início

deste, gerou um intervencionismo que procurava suprir a ausência de participação da

iniciativa privada e, por outro lado, implementá-la, de modo a desenvolver o papel sócio-

assistencial. Essa atuação sem limites provocou uma reação nos detentores do capital, fazendo

germinar a busca de alternativas no Direito Privado para tratar problemas da administração

pública51.

O neoliberalismo consiste precisamente na ideia de restringir a atividade do Estado, ao

extremamente mínimo necessário, deixando o exercício da atividade econômica para a

iniciativa privada52.

Para dar início à explanação histórico-política da terceirização, é importante esclarecer

que a ideia da intermediação da mão-de-obra foi repelida em 1° de março de 1848, a França

haveria abolido o merchandising, o qual consistia precisamente na intermediação de mão-de-

obra, sob o argumento de que, não sendo o trabalho mercadoria, descaberia a sua

intermediação53. 

A Segunda Guerra Mundial trouxe a noção de desverticalização da indústria bélica,

fenômeno que guarda exata simetria com a terceirização54.

49 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A Terceirização no Setor Público. Disponível em: << http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art10.html>>. Acesso em: 30 jul. 2012.50 MARTINS, Sérgio Pinto. A terceirização e o Direito do Trabalho. São Paulo: Malheiros, 1995, apud, FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A Terceirização no Setor Público. Disponível em: << http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art10.html>>. Acesso em: 30 jul. 2012.51 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A Terceirização no Setor Público. Disponível em: << http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art10.html>>. Acesso em: 30 jul. 2012.52 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A Terceirização no Setor Público. Disponível em: << http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art10.html>>. Acesso em: 30 jul. 2012.

53 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A Terceirização no Setor Público. Disponível em: << http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art10.html>>. Acesso em: 30 jul. 2012.54 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A Terceirização no Setor Público. Disponível em: << http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art10.html>>. Acesso em: 30 jul. 2012.

Page 21: Artigo - A Terceirização no Setor Público

20

No Brasil, foi seguida a mesma trilha que condenava a intermediação da mão-de-obra,

até meados da década de 1960, quando, pelos Decretos-lei n° 1.212 e 1.216 nasce a

possibilidade da contratação de serviços de segurança bancária55.

Mais tarde, copiando uma recém-editada Lei francesa, o Brasil permite a contratação

do trabalho temporário, nos moldes da Lei 6.019, de 3 de janeiro de 1974, e nessa linha

evolutiva, a Lei 7.102, a qual revogando o Decreto-Lei 1.034/69 melhor disciplinou a

contratação de empresas de segurança56.

A Justiça do Trabalho, buscando assegurar a plenitude dos direitos trabalhistas repeliu

diversas iniciativas de terceirização, evitando com isso o aviltamento da mão-de-obra. O

Tribunal Superior do Trabalho declarava que permitir a terceirização significaria acolher um

intermediário na relação de emprego, que unicamente se remuneraria de parcela do salário já

aviltado57.

Nessa dimensão, a terceirização que se efetiva no estabelecimento da empresa que

pretende ver sua atividade terceirizada, ou que gerência diretamente o grupo de trabalho, foi

atrofiada.  Sempre se admitiu, contudo, a terceirização dos serviços de vigilância e

conservação conforme retrata o enunciado n° 256 da jurisprudência uniforme do C. Tribunal

Superior do Trabalho, que estabelecia que:

256. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis n° 6.019, de 3 de janeiro de 1974, e 7.102, de 20 de junho de 1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços.

O verdadeiro marco evolutivo da terceirização tem raízes no Dec.-lei 200/67, o qual,

no art. 10, § 7°, recomendava a terceirização, nos seguintes termos: 

Capítulo III - da descentralizaçãoArt. 10. A execução das atividades da administração Federal deverá ser amplamente descentralizada. § 7°. Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a administração procurará desobrigar-se da realização material das tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução. 

55 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A Terceirização no Setor Público. Disponível em: << http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art10.html>>. Acesso em: 30 jul. 2012.56 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A Terceirização no Setor Público. Disponível em: << http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art10.html>>. Acesso em: 30 jul. 2012.57 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A Terceirização no Setor Público. Disponível em: << http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art10.html>>. Acesso em: 30 jul. 2012.

Page 22: Artigo - A Terceirização no Setor Público

21

A Justiça Federal trilhou o mesmo entendimento, consagrando a súmula n° 214 do

Tribunal Federal de Recursos que dispõe:

A prestação de serviços em caráter continuado, em atividades de natureza permanente, com subordinação, observância de horário e normas da repartição, mesmo em grupo-tarefa, configura relação empregatícia.

Como bem explica Jorge Ulisses,

a origem do problema estava, pois, na possibilidade da administração contratar mediante o regime da Consolidação das Leis do Trabalho que, ao contrário do que hoje alguns pretendentes à reforma do Estado sustentam, não é o regime jurídico adequado para reger as relações de trabalho dos servidores públicos. [...] A deformação jurídica da intervenção desmesurada e abusiva, e a aplicação inconsequente da CLT, que lamentavelmente hoje se assiste pretender ressuscitar, foram e são a causa de grandes conflitos jurídicos58.

Sob uma nova ordem constitucional, o enunciado 256, transcrito, foi revisto pelo

enunciado n° 331, com a seguinte redação:

331. Contrato de prestação de serviços - legalidade - revisão do enunciado n° 256. I - a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (lei n° 6.019, de 3 de janeiro de 1974). II - a contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, inc. II, da Constituição da República).III - não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n° 7.102, de 20 de junho de 1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados - atividades-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

Promovida essa mudança na jurisprudência, não mais existia o perigo do

reconhecimento judicial da relação de emprego com o Estado diante da terceirização.

Longe de pôr fim às divergências jurídicas, surge um impasse que já dura mais de um

ano entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST). No

começo de março de 2012, esse impasse levou à paralisação de milhares de processos

trabalhistas que tratam da "responsabilidade solidária" da administração pública em relação

58 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A Terceirização no Setor Público. Disponível em: << http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art10.html>>. Acesso em: 30 jul. 2012.

Page 23: Artigo - A Terceirização no Setor Público

22

aos direitos de funcionários de empresas terceirizadas. Por esse critério, se a empresa privada

não pagar seu empregado, o órgão público que a contratou é o responsável59.

Segundo uma pesquisa realizada esse ano, só no TST, tramitam 10 mil processos sobre

o tema. Todos estão com o julgamento suspenso. Segundo magistrados, milhares de ações em

andamento nos demais tribunais trabalhistas também foram prejudicados60.

O problema começou no fim de 2010, quando o Supremo questionou a aplicação de

uma súmula do TST que estabelecia a responsabilidade solidária do poder público nos casos

de terceirização. Desde então, o TST alterou o texto da súmula, mas ministros do Supremo

continuaram a questionar seu teor. As súmulas do TST abordam detalhamento de direitos

trabalhistas que não estão previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Elas não

são vinculantes, ou seja, a aplicação não é obrigatória para outras instâncias da justiça

trabalhista. No entanto, as súmulas servem de base para a decisão dos magistrados trabalhistas

em todo o país61.

Diante disso, expõe-se uma linha do tempo ilustrativa sobre a terceirização no Setor

Público, transcrevendo uma publicação de Assis Ribeiro, do G1:

Período Inovação

1988O artigo 37 da Constituição Federal autoriza contratação pelo setor público de trabalhadores

sem concurso público desde que constatada a "necessidade temporária de excepcional

interesse público".

1993

A Lei de Licitações autoriza a contração pelo setor público de empresas privadas para

prestação de serviços e diz que, no caso de inadimplência, a administração pública não é

responsável pelo pagamento dos encargos trabalhistas da empresa contratada. No mesmo ano,

TST edita a súmula 331 que autoriza a terceirização para "atividades- meio". Exemplo: a

contratação por uma estatal de energia de empresas privadas para prestação de serviços de

limpeza e de vigilância.

1997Decreto estabelece que a terceirização na administração pública direta (ministérios) é

permitida em serviços como conservação, limpeza, segurança e vigilância. Diz que a

59 RIBEIRO, Assis. IMPASSE NA JUSTIÇA PARALISA AÇÕES SOBRE TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO. Disponível em: <<http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/justica-acoes-sobre-terceirizacao-no-setor-público-emperram>>. Acesso em: 30 jul. 2012.60 RIBEIRO, Assis. IMPASSE NA JUSTIÇA PARALISA AÇÕES SOBRE TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO. Disponível em: <<http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/justica-acoes-sobre-terceirizacao-no-setor-público-emperram>>. Acesso em: 30 jul. 2012.61 RIBEIRO, Assis. IMPASSE NA JUSTIÇA PARALISA AÇÕES SOBRE TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO. Disponível em: <<http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/justica-acoes-sobre-terceirizacao-no-setor-público-emperram>>. Acesso em: 30 jul. 2012.

Page 24: Artigo - A Terceirização no Setor Público

23

administração pública deve acompanhar os contratos, mas não define responsabilidade em

caso de inadimplência.

2000TST altera súmula 331 para estabelecer que a administração pública tem "responsabilidade

subsidiária" (é corresponsável) no caso de a empresa terceirizada não pagar os direitos de seus

trabalhadores.

2010

Em fevereiro, Supremo reconhece "repercussão geral" em relação à responsabilidade

subsidiária no setor público. Isso significa que, quando o assunto for julgado pelo STF - o que

ainda não aconteceu -, a decisão valerá para todos os processos na Justiça sobre o tema. Em

novembro, o plenário do STF decide que o TST não pode aplicar a responsabilidade

subsidiária a todos os processos e que a análise deve ser caso a caso. O argumento é o de que a

súmula 331 fere o previsto na Lei de Licitações. Desde então, ministros do Supremo passam a

dar decisões contrárias à súmula do TST.

2011

TST altera de novo, em maio, a súmula 331 para se adequar à decisão do Supremo e diz que

somente há responsabilidade subsidiária da administração pública quando houver falta de

fiscalização no contrato com a terceirizada. Em setembro, a ministra do STF Cármen Lúcia

afirma que o TST descumpriu decisão da Suprema Corte porque somente alterou a súmula,

sem julgar caso a caso, conforme o STF havia determinado. Em dezembro, o recurso que

definirá rumo dos processos trabalhistas sobre o tema passa para a relatoria da ministra Rosa

Weber, em razão da aposentadoria de Ellen Gracie. O processo está parado desde então.

2012 Em 8 de março, o TST decide suspender o andamento de todos os processos sobre

responsabilidade subsidiária de ente público até que o Supremo analise o caso. A juíza

Erotilde Ribeiro dos Santos Minharro, do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-

SP), afirma que a paralisação dos processos é uma medida de "cautela" 62.

3. ABORDAGEM JURIDPRUDENCIAL

62 RIBEIRO, Assis. IMPASSE NA JUSTIÇA PARALISA AÇÕES SOBRE TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO. Disponível em: <<http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/justica-acoes-sobre-terceirizacao-no-setor-público-emperram>>. Fonte: Constituição, Lei 8.666/93, Anamatra, TST e STF. Acesso em: 30 jul. 2012.

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O exame da jurisprudência, enquanto uma norma geral aplicável a todas as hipóteses

similares e idênticas, resultante da aplicação de normas a casos semelhantes, se faz

imprescindível para a análise de qualquer tema dentro do Direito. Nesse passo, a proposta

deste capítulo é complementar o que já foi dito nos anteriores através de uma análise atenta

acerca das principais decisões existentes no cenário jurídico brasileiro acerca da utilização de

mão-de-obra terceirizada pelo setor público.

3.1. SOBRE A COMPETÊNCIA

Dentro desta discussão, podemos ainda citar dois conceitos importantes para nosso

estudo: o de regime celetista, o qual é regido pelas normas da CLT e em que há formação de

relação de trabalho, como é o caso dos trabalhadores terceirizados, e o regime estatutário,

aquele em que o servidor público encontra seus direitos e deveres em leis municipais,

estaduais ou federais. Neste último caso não há que se falar em relação de trabalho.

Já está sedimentado na jurisprudência o entendimento de que cabe à Justiça do

Trabalho julgar as ações que tenham como partes os trabalhadores terceirizados, seus

contratadores e os órgãos da administração pública, haja vista haver formação de uma relação

de trabalho.

Com efeito, no julgamento da ADIn nº 3395, em que se reconheceu a incompetência

da Justiça do Trabalho para julgar causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários,

o Ministro Cezar Peluso destacou em seu voto:

o Supremo Tribunal Federal já decidiu, no julgamento da ADI nº 492 (el. Min.

Carlos Velloso, DJ de 12.03.93), ser inconstitucional a inclusão, no âmbito de

competência da Justiça do Trabalho, das causas que envolvam o Poder Público e

seus servidores estatutários. A razão é porque entendeu alheio ao conceito de

“relação de trabalho” o vínculo jurídico de natureza estatutária, vigente entre os

servidores públicos e a Administração.

[...]

Na oportunidade, sustentou o Min. MOREIRA ALVES: “o texto constitucional, a

meu ver, só se aplica à relação de trabalho propriamente dita, e, portanto, aos

entes públicos quando há relação de trabalho como sucede com referência a

empregos temporários” (grifo nosso)63.

63 STF. Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade 3.395-6/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO, j. em 05.04.2006, DJ de 10.11.2006, p. 285

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3.2. SOBRE O CADASTRO DE RESERVA E A EXISTÊNCIA DE EMPREGADOS

TERCEIRIZADOS

A princípio, cumpre salientar que o STJ não reconhece a existência de direito líquido e

certo nos casos em que os candidatos pertencentes ao cadastro de reserva pleiteiam a

contratação alegando que há empregados terceirizados exercendo funções que supostamente

deveriam exercer. Todavia, essa controvérsia não está totalmente pacificada, uma vez que o

mesmo tribunal reconhece a existência de direito líquido e certo quando há contratação de

terceirizados após a formação do cadastro de reserva. Entretanto, ainda assim, os candidatos

só teriam direito a nomeação dentro do limite de vagas ofertadas em edital.

Nesse sentido, assimila a jurisprudência:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO.

FISCAL AGROPECUÁRIO FEDERAL. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE

INTERESSE DE AGIR. REJEIÇÃO. CONTRATAÇÃO PRECÁRIA DENTRO

DO PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME. PRETERIÇÃO. NÃO-

OCORRÊNCIA. SEGURANÇA DENEGADA.

[...]

2. Não é a simples contratação temporária de terceiros no prazo de validade do

certame que gera direito subjetivo do candidato aprovado à nomeação. Impõe-

se que se comprove que essas contratações ocorreram, não obstante existissem

cargos de provimento efetivo desocupados.

3. Se a Administração preencheu as vagas existentes de cargos de provimento

efetivo de acordo com a ordem classificatória do concurso público e, além disso,

contratou terceiros de forma temporária, presume-se que há excepcional

interesse público a demandar essa conduta, razão por que não se pode entender

tenha atuado de forma ilegal ou mediante abuso de poder. (grifo nosso)

4. Segurança denegada.64

3.3. SOBRE A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA

Em que pese ser aceita a teoria da responsabilidade objetiva do Estado pelo Direito

brasileiro, uma das maiores discussões frente aos direitos trabalhistas refere-se, justamente, à

responsabilidade ou não da Administração na terceirização lícita quanto às verbas trabalhistas

não pagas por empresa por ela contratada.

64 STJ. 3ª TURMA. Mandado de Segurança 13.823/DF, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, j. em 12.05.2010

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O famigerado debate, consoante já elucidado em linhas acima, crava-se, basicamente,

no questionamento acerca do limite de tal responsabilidade, isto é, se deveria ou não o Poder

Público responder por qualquer fato ou ato, comissivo ou omissivo no qual esteja envolvido,

direta ou indiretamente65.

Inúmeras são as demandas que tramitam na Justiça do Trabalho em que se discute tal

questão. As decisões dos tribunais trabalhistas, a princípio, respaldavam-se na Súmula 331 do

TST, a qual dispunha acerca da legitimidade dos entes públicos enquanto responsáveis

subsidiários nos já referidos casos.

Formava-se o entendimento jurisprudencial de tal forma:

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA- ENTE PÚBLICO Reconhece-se como parte legítima para figurar no pólo passivo da relação processual o tomador do serviço do qual é pretendida a responsabilidade subsidiária, consoante jurisprudência pacificada na Súmula 331, IV, do TST. Não há como prevalecer o disposto no § 1º do art. 71 da Lei nº 8666/93 para afastar a responsabilidade por débitos trabalhistas da empresa contratada.§ 1º718666 (1291006620075200006 SE 0129100-66.2007.5.20.0006, Data de Publicação: DJ/SE de 10/11/2008) (grifos nossos)

ILEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO.O nosso sistema processual encampa a teoria da asserção, em razão da qual o simples fato de constar na petição inicial da ação o responsável pelos créditos vindicados é o quanto basta para conferir ao demandado legitimidade para figurar no pólo passivo da ação trabalhista. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ENTE PÚBLICO TOMADOR DE SERVIÇOS. Cabe ao ente público observar a idoneidade econômico-financeira da empresa prestadora de serviço, além de velar, após a celebração do contrato, pela correta aplicação da legislação celetária. Não tendo assim procedido, deve responder, de forma subsidiária, pelo pagamento dos encargos trabalhistas devidos aos empregados contratados em decorrência do pacto celebrado com a empresa prestadora de serviços, ante a ocorrência de culpa "in eligendo" e "in vigilando", na forma entabulada peloart. 186, do Código Civil. Vistos, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO em que são partes o ESTADO DO MARANHÃO (recorrente), INSTITUTO SUPERIOR DE ADMINISTRAÇÃO E ECONOMIA - ISAE e LARLÔ ANTONIO MACEDO ANDRADE NASCIMENTO (recorridos).186Código Civil (422200701216002 MA 00422-2007-012-16-00-2, Relator: ILKA ESDRA SILVA ARAÚJO, Data de Julgamento: 14/07/2009, Data de Publicação: 01/09/2009) (grifos nossos)

Entretanto, Supremo Tribunal Federal, posteriormente, passou a dar decisões

contrárias a dita súmula, a qual não tem, pois, efeito vinculante. O fundamente do STF para

tanto residia no fato de que a Súmula 331 feria o previsto na Lei de Licitações.

O TST, após tais acontecimentos, alterou seu entendimento, editando a súmula em

voga e restringindo a responsabilidade subsidiária da administração pública apenas aos casos

em que houver falta de fiscalização no contrato com a terceirizada.

65 MENDES, Gilmar Ferreira. Perplexidades acerca da responsabilidade civil do Estado: união “seguradora universal”? Revista Jurídica da Presidência da República. Brasília, v. 2, n. 13, jun. /1999.

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Evidente resta, pois, a dimensão do problema, que não se restringe a discussões

meramente acadêmicas, alcançando, inclusive, o próprio núcleo do interesse público66. Nesse

sentido, o TST decidiu suspender o andamento dos processos que versem sobre a

responsabilidade subsidiária de ente público. O objetivo da instância trabalhista é, a rigor,

esperar uma análise minuciosa por parte do Supremo para, enfim, poder haver uniformização

quanto às decisões tomadas a esse respeito.

4. PESQUISA DE CAMPO – SITUAÇÃO CONCRETA

66 Artigo do Gilmar Mendes

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CONCLUSÃO

Os contratos administrativos entre entidades públicas e terceiros, que se enquadram

como prestação de serviços ou terceirização, devem atender ao interesse público que por via

deles será satisfeito. Cumpre a administração pública observar a existência do objetivo de

atender ao bem comum que justifique, de fato, a contratação da prestadora de serviços.

Apenas tal objetivo permitira ao Estado optar pela terceirização, pois, a eficiência de uma

atividade não é mensurada somente pela redução de custos que a mesma proporcionara, mas

principalmente pela melhor forma de atender ao interesse social.

Se, por um lado, a terceirização levanta a bandeira da otimização da maquina do

administrativo, por outro, deve-se salientar que por intermédio da terceirização o capital

estatal organizou-se estrategicamente para defender os interesses do mercado em privilegio

das restritas camadas empresariais da sociedade, preconizando um caráter patrimonialista

entre o Estado e as elites econômicas.

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