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    Terceirizao: um conceito incontexto

    Fernando Firmo*

    ResumoO mundo do trabalho, especialmente, a terceirizao, ser o foco do presente artigo. A partir

    de dois grupos operrios (funcionrios do quadro xo e funcionrios terceirizados) da antiga

    Companhia de Aos Especiais Itabira, ACESITA, atual Aperam, cuja planta industrial est

    localizada na cidade de Timteo-MG, explicito distintos pontos de vistas e consideraes para

    contextualizar o conceito de terceirizao.

    Palavras-chave

    Trabalho. Terceirizao. Acesita. Etnograa.

    AbstractThe world of work in general and outsourcing in particular will be the focus of this article.

    I intend to unfold different viewpoints and considerations to contextualize the concept

    of outsourcing taking into account two distinct groups of workers (regular employees and

    outsourced employees) of the former Itabira Special Steels Company (Companhia de Aos

    Especiais Itabira), ACESITA, nowadays known asAperam, whose plant is located in the city of

    Timteo, Minas Gerais State.

    KeywordsWork. Outsourcing. Acesita. Ethnography.

    Voos gerais

    A Regio Metropolitana do Vale do Ao, com cerca de 600 mil habitantes,gera mais de 22% do PIB de Minas Gerais1. Trata-se do segundo maior polourbano industrial do estado, atrs apenas da Regio Metropolitana de Belo

    * Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social pela Universidade deBraslia (Braslia/Brasil). E-mail: [email protected].

    1As trs principais cidades do Vale do Ao so Ipatinga (sede da Usiminas), Timteo (sede da

    Acesita) e Coronel Fabriciano. Seu colar metropolitano formado por outros 22 municpios(IBGE, 2010).

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    Horizonte (IBGE, 2010). Localiza-se em uma rea que, embora tivesse sidopalmilhada por exploradores em busca de ouro no perodo colonial,permaneceu pouco ocupada at os anos 1940, quando, aps a chegada dostrilhos da EFVM (Estrada de Ferro Vitria-Minas), teve incio um projeto

    desenvolvimentista (RIBEIRO, 1992). Tal projeto transformou as margensdessa ferrovia e, consequentemente, as margens dos Rios Doce e Piracicaba,na espinha dorsal de uma organizao urbano-industrial, integrando todasas etapas do processo produtivo do ao (mina-ferrovia-usina-porto)2.

    Assim, em 1944, a implantao da Companhia Siderrgica de Aos Especiais deItabira(Acesita), em Timteo, e no ano de 1957 da Usina Siderrgica de MinasGerais (Usiminas), em Ipatinga, provocou um aumento significativo dosfluxos de pessoas, de mercadorias e de conhecimentos na regio do Vale do

    Ao. Esses e outros projetos industriais romperam com o relativo isolamentoregional na primeira metade do sculo XX, lanando-a condio de umadas regies mais industrializadas do pas, inserida em um sistema-mundo deproduo3.

    A companhia Siderrgica Acesita foi fundada com o objetivo de produziraos especiais para o abastecimento do mercado nacional e latino-americano,devido s dificuldades de importao causada pela II Guerra Mundial. Essasiderrgica foi o ltimo empreendimento de Farquhar no Brasil4. Atualmente,ela a nica produtora integrada de aos planos inoxidveis da AmricaLatina. Pensada estrategicamente em termos de sua localizao geogrfica,ainda hoje ela apresenta uma srie de vantagens, tais como a proximidade

    2Ver Apndice A, um mapa da regio.

    3

    Sistema-mundo uma categoria desenvolvida pelo socilogo Wallerstein (1974) paracompreender a mutao da diviso internacional do trabalho, sobretudo a partir do momentoem que a economia poltica europeia, j internacionalizada pelo capitalismo mercantilista,transbordou do seu territrio, expandiu-se de forma vertiginosa e, progressivamente, passou aser hegemnica em escala global.

    4 Percival Farquhar e mais dois brasileiros, Athos de Leme Rache e Amynthas Jacques de Moraes,aplicaram as aes emitidas pelo Governo Federal como indenizao da Minas de Itabira(onde surgiu a Companhia Vale do Rio Doce) na construo de uma usina siderrgica de aosespeciais na regio do Vale do Ao (GAULD, 2006). necessrio uma pesquisa minuciosa dadocumentao relativa construo da Acesita, para identificar com maior clareza a naturezado capital investido na sua construo, pois existem lacunas e contradies na historiografia

    brasileira que trata da origem do capital dessa usina no Brasil. Sobre esse assunto ver, porexemplo, Baeta (1973), Diniz (1981), Gomes (1983) e Gauld (2006).

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    com as fontes de minrio de ferro, de carvo vegetal, queda dgua, estradase portos.

    Mesmo diante de todas essas vantagens, no auge da privatizao noBrasil, a Acesita era uma das empresas que poderia ser includa no grupo

    das que enfrentavam o dilema privatizar ou fechar5

    . s vsperas de suaprivatizao, concretizada em 1992, sua dvida era de US$ 482 bilhes,enquanto seu patrimnio lquido era de US$ 44,5 bilhes. A principal fontede resistncia privatizao veio da comunidade local, e mesmo esses setoresque se engajaram no debate sobre o tema da privatizao (Igreja e sindicato)se viram enfraquecidos diante do predomnio da imagem das estatais comoelefantes brancos, empresas grandes e pesadas cujos gastos no justificavamsua manuteno.

    Seguindo uma tendncia geral, logo aps a sua privatizao, a organizaosocietria da Companhia Acesita apresentava forte participao de bancos efundos de penso, enquanto os empregados da prpria empresa reunidosno CIGA (Clube de Investimento de Empregados da Acesita) conseguiramadquirir 12% das aes.

    Essa presena intensa de grupos institucionais (bancos e institutos depenso somavam mais de 54% das aes) levou presidncia da Acesita

    Wilson Brumer, aps a privatizao6. Com carta branca dos acionistas, Brumerpartiu para a implantao de um programa focado na busca de lucratividadee competitividade internacional. Iniciando pelo que ele considerou a partemais traumtica da reorganizao da empresa, ele determinou o corte de

    5Segundo Lemos & Pires (1992), noutros dois momentos em que foi discutida a privatizao,antes de sua concretizao (1967 e 1981), ela enfrentava tal dilema. Os autores consideramainda que em termos gerenciais a empresa sempre foi instvel, com a indicao do presidenteconstituindo-se num processo complexo, resultado de decises polticas nas quais o Banco doBrasil, seu principal acionista, pouco ou nada influa. Na dcada de 1980, aps a longa gestode Amaro Lanari Guatimosin na presidncia da empresa, a Acesita enfrentou um perodoconturbado, com a rpida sucesso de quatro presidentes em trs anos, o que agravou asdificuldades financeiras que ela enfrentava.

    6Wilson Nlio Brumer fez sua carreira na Vale S.A, onde comeou como tcnico de economia efinanas em 1976, passando a superintendente financeiro em 1984, at chegar a sua presidnciaem 1990, a qual deixou em 1992 para assumir a presidncia da Acesita. Foi diretor da Secretaria

    de Desenvolvimento Econmico de Minas Gerais na gesto de Acio Neves (2002-2006),(Hinchberger, 1995).

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    25% da folha de pagamento, o que significou a demisso quase imediata decerca de 2.000 funcionrios7.

    Para cada demisso realizada pela empresa havia a perda de trs postosde trabalho na cidade. A queda no nmero total de pessoas ocupadas no

    municpio entre os anos 1980 e 1996 foi expressiva, passando de 17.287, em1980, para 12.710 em 19968. Assim, enquanto em 1980 o pessoal ocupado naindstria de transformao correspondia a mais de 53% de todo o pessoalempregado na cidade, em 1996 era pouco superior a 40%, chegando a31% em 2010. Valores que so mais significativos quando se considera queem 1980 o total de empregos na indstria de transformao somava 9.260.Destes, a Companhia Acesita empregava 8.116 pessoas, o que correspondia a87% dos postos na indstria (e 46,6% de todo pessoal ocupado na cidade),

    nmeros que passariam respectivamente para 50,8% no ano da privatizaoe 18,7% em 2010 (IBGE, 2010).

    O problema

    Meu ponto de partida o que chamo de intensificao da terceirizao,iniciada aps a privatizao da Companhia Siderrgica Acesita, atualmente

    consorciada do Grupo Aperam9

    . Essa estratgia possibilitou Acesita

    7Brumer defendia que, em vez de eliminar 2.000 empregos, ns estvamos salvando outros traduolivre (HINCHBERGER, 1995: 12). Segundo Brumer, buscou-se minimizar as consequncias dasdemisses, iniciando-as pelos escales superiores (o nmero de gerentes passou de 230 para 80,o pessoal de escritrio em Belo Horizonte de 550 para 55), institucionalizou-se um programa deincentivos aposentadoria, garantiu-se a continuao do plano de sade por mais um ano e umafirma de recolocao foi contratada. Nesse contexto, o incentivo criao de pequenas e mdias

    empresas ligadas ao ao inox elevou a montagem de 25 (em 1992) para 45 novas empresas, at2010, com aproximadamente 1.200 funcionrios (IBGE, 2010)

    8 A populao de Timteo foi estimada em 81.119 habitantes pelo IBGE no ano de 2010,classificando-se assim como o quadragsimo municpio mais populoso do estado de MinasGerais e o terceiro de sua regio.

    9Aps sua privatizao em 1992, a Acesita sofreu diversas fuses. Em 1998, foi incorporadaao grupo francs Usinor. Cinco anos depois, agregada a Arcelor Mittal; em funo da fusodas empresas Arbed(Blgica), Usinor(Frana) e Aceralia(Espanha). Em 2011 foi anunciado odesmembramento da usinas siderrgicas que produzem aos especiais do Grupo Arcelor Mittal.

    A partir de ento, a antiga Acesita passou a ser o centro do Consrcio Siderrgico Aperam, que

    rene seis plantas no mundo produzindo aos especiais. A Acesita responde por quase 50% daproduo total. http://www.acesita.com.br/

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    transferir s empresas contratadas a responsabilidade sobre a produo demateriais ou sobre a alocao de mo de obra que no fossem essenciais(atividade-fim) siderrgica. Em contraposio, a grande fbrica fordista,que abrigava todas as etapas da produo, a empresa flexvel e enxuta passou

    a se ocupar de funes focalizadas, estratgicas e fundamentais (CASTELLS,1999). No quadro de empregados, passou-se de 10% para 40% a mo de obraterceirizada nos anos subsequentes privatizao.

    A terceirizao de atividades produtivas at os dias atuais representaum desafio para o Direito do Trabalho (CARELLI, 2007). A atualidade dadiscusso sobre sua expanso ou retrao polariza importantes segmentos dasociedade, como intelectuais, trabalhadores, entidades polticas, sindicais,de agncias pblicas e privadas. Na linguagem dos administradores e

    empresrios, a terceirizao caracteriza-se como aumento da competitividadee a expanso dos empregos. J na dos crticos, ela aparece como precarizaodas relaes de trabalho e das condies materiais (salrios e direitos). Parainstituies sindicais, a terceirizao representa a fragmentao do coletivode trabalhadores. Nos meios jurdicos e polticos, a terceirizao defendidapor aqueles que se nutrem de argumentos liberais em prol da intensificaoda flexibilizao das leis, e atacada pela sociologia que a considera um meiopara a precarizao generalizada dos trabalhadores. O debate recente sobrea criao de uma lei que regulamente a terceirizao reacende as disputasem torno da expanso da terceirizao e do refreamento e amenizao deseus impactos atravs da equiparao de direitos coletivos dos empregadosterceirizados em relao aos empregados diretos (CARELLI, 2007).

    O fato de existirem diversas cincias sociais e humanas que, em seusolhares distintos, incluem a terceirizao em seus propsitos investigativos indicativo da complexidade que envolve o tema, no permitindo que essefenmeno social seja reduzido normatizao do Estado pelo seu aparato

    jurdico-institucional ou mesmo por uma ttica de guerrilha travada pelosseus administradores no af de implementar novos modos de gesto doprocesso de produo do trabalho. Tampouco pode ser reduzida a causado trabalho precarizado (ALVES, 1999; DRUCK, 1999; ANTUNES, 2007),transformando os trabalhadores em meras vtimas do modelo de organizaoprodutiva vigente.

    Em funo desse ltimo ponto, a terceirizao aparece sempre vinculada precarizao do trabalho na obra de especialistas, bem como fala de lderessindicais e trabalhadores. Desde o incio dos anos 1990, a terceirizao foialvo de pesquisas que intentavam medir seu poder devastador nas relaes de

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    trabalho. Dentre os efeitos da vulnerabilidade do trabalho apontados nessaspesquisas estavam contrataes ilegais, sem registro em carteira; reduo debenefcios sociais e dos salrios e diminuio da parte fixa dos rendimentose ampliao da parte varivel. Os trabalhadores estariam sujeitos a ambientes

    de trabalho precrios em relao sua sade e segurana, jornadas maisextensas, desqualificao profissional e dificuldade de organizao social,que leva dificuldade de reivindicar melhoria dos direitos e dos salrios(DIEESE, 2008).

    Distancio-me dessas teorias sociais na medida em que entendo aterceirizao como um fenmeno mltiplo e variado. O processo sem dvidatrouxe precarizao, mas em escalas distintas. Por isso, ela no foi e igualpara todos: suas consequncias, embora nefastas para muitos trabalhadores,

    apresentam nveis bastante diferenciados. Atribuir o adjetivo precrioaos trabalhadores terceirizados indistintamente perigoso na medida emque alguns deles sequer consideram sua situao enquanto tal, ou, se aconsideram precria, tm a conscincia de que ela no idntica de outrostrabalhadores subcontratados.

    Particularmente nesta pesquisa, que tem como foco de anlise umaindstria siderrgica, o processo terceirizante, para aqueles trabalhadoresque poca da expanso da terceirizao gozavam de empregos comcobertura social plena, resultou em demisso sem reintegrao ao mercadode trabalho; em demisso e recuperao total (como trabalhador diretode outras empresas) ou demisso e recuperao parcial dos direitos (nacondio de trabalhador terceirizado). importante lembrar que muitasdiferenas em direitos e benefcios entre trabalhadores do quadro e aquelesterceirizados permanentes esto asseguradas mais por clusulas introduzidasem acordos e convenes coletivas (conquistas histricas) do que pela lei, jque em tese ambos esto cobertos pela CLT.

    H casos em que a terceirizao desejada pelos prprios trabalhadores.Funcionrios qualificados, com alto nvel de instruo, em grandescapitais como Belo Horizonte, podem optar conscientemente pela figurada terceirizao do tipo contratao de trabalhador com personalidade

    jurdica. Embora essa situao represente apenas uma minoria detrabalhadores com alto nvel de instruo e que vive em trnsito , ela uma possibilidade de apreciao da terceirizao que diverge das anlisestradicionais. Ento a questo : para trabalhadores que optam pela condiode terceirizado, adequado utilizarmos a categoria precarizado? Paraquais tipos de trabalhadores a terceirizao consiste em precarizao? O

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    trabalhador terceirizado invariavelmente inferior ao trabalhador direto emtodos os aspectos segundo a sua concepo?

    Associado importncia desse acrscimo terico que pretendo trazer aodebate sobre a terceirizao, essencial definir qual o tipo de terceirizao

    que est em pauta, uma vez que, dada a abrangncia de casos que o termodesigna, no possvel generalizar a partir de situaes particulares. O tipode terceirizao em foco aqui se caracteriza pela: i) terceirizao de atividadesanteriormente vinculadas ao quadro da contratante que tiveram na ediodo enunciado n 331 do TST sua legalidade assegurada; ii) contratao deempresas prestadoras de servio especializadas para atuarem na planta fabrilda contratante, especialmente no desempenho de atividades de manuteno;iii) anlise de funes terceirizadas que exigem, em geral, uma escolarizao

    de nvel tcnico ou superior; iv) vnculo de formalidade pelo contrato detrabalho por tempo indeterminado.Fao aqui algumas constataes importantes sobre esse fenmeno social

    uma vez que alguns trabalhos que mencionam a terceirizao acabam portratar esse tema de maneira homognea e simplificadora. De maneira similar,h uma associao recorrente e socialmente vulgarizada entre terceirizao einformalidade ou terceirizao e trabalho temporrio. Alm desses tipos deterceirizao (muitas ilcitas), ela comporta a possibilidade de um contratoformal padro, por tempo indeterminado. O estgio de desenvolvimento dasrelaes entre as empresas terceirizadas e seus trabalhadores bem como ograu da especializao do servio contratado geram diferenas na extensodos benefcios e, consequentemente, nas condies dos terceirizados.

    Partindo dessas constataes, a anlise sobre terceirizao que empreendoaqui procura explicitar, sobretudo, a heterogeneidade de suas formas. Porisso, importante reter o fato de que esse fenmeno social mltiplo tantonas formas em que ela se apresenta como nas consideraes dos trabalhadoressobre seu carter: heterogneo na forma e contedo. Nesse sentido, minhapesquisa de campo sobre trabalhadores industriais aponta casos quepossibilitam maior complexificao da viso sociolgica sobre a terceirizao.Na anlise do material, notrio o fato de que o lugar de onde se fala orientaa interpretao do processo e da prtica: se a fala de dentro ou de forada condio de terceirizado; se ela emitida por terceirizados desta oudaquela empresa; e, por fim, se quem fala um trabalhador terceirizado queparticipa do quadro da empresa (a Acesita) ou no. Antes de descrever taissituaes sociais, que problematizam a definio de terceirizao encontradana sociologia do trabalho (tradicional), fao alguns comentrios de ordem

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    metodolgica para que os leitores entendam o contexto no qual coleteios dados.

    Em campo

    Desembarquei na estao de Timteo, no incio de julho de 2010, devido oportunidade que tive de integrar-me a equipe de um projeto que na ocasionecessitava de um cientista social, a fim de realizar um trabalho de camposobre os modelos de organizao produtiva implantados nas indstriassiderrgicas da regio do Vale do Ao10. O contexto do trabalho de campodeixou-me satisfeito desde o incio, pois era uma oportunidade de rever

    problemas tericos j pesquisados por mim. Com o trmino do projeto deiincio a uma nova empreitada etnogrfica (1/2011 a 1/2012) centradaem apenas uma fbrica, uma cidade-industrial: a Acesita em Timteo.

    Durante os primeiros meses do trabalho de campo, ainda pelo projeto,a busca por entrevistados rendeu-me sucessivos fracassos. O grande desafioao investigar trabalhadores industriais foi convenc-los a ceder parte deseus tempos livres. No incio sentia a inquietao de meus entrevistados eo clima tenso que cercava essas entrevistas11. Para um empregado, no caso

    terceirizado, que trabalha no sistema de rodzio (semanalmente alteram-se os turnos de trabalho) ou em um turno fixo, no caso de um empregadodireto (a fbrica funciona 24 horas em trs turnos), possuindo apenas umafolga semanalmente, o tempo livre muito precioso. Por isso, a resistnciados trabalhadores em ced-lo mais do que compreensvel.

    Como antroplogo encontrava-me em uma difcil situao. De um lado,eu compreendia perfeitamente a recusa dos operrios diante de inmerostemas que eles precisavam conciliar ou resolver em seus dias de folga:

    tarefas civis, necessidades familiares e afetivas, entre outras tantas coisas. De

    10 Timteo cortado pela Estrada de Ferro Vitria-Minas (EFVM), por isso, o municpio agraciado com uma das poucas linhas de trem que trafega passageiros de Vitria-ES a Belo-Horizonte-MG e vice-versa. Essa linha sai diariamente s sete da manh de ambas as estaes,fazendo oito paradas ao longo de seu trajeto.

    11 Nessas primeiras entrevistas o corpo agitado, pernas e mos num movimento frentico,

    os olhos pregados no relgio, eram alguns dos sinais que demonstravam esse desconforto,sobretudo, se a conversa avanava por mais de uma hora.

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    outro, minha compreenso poderia invalidar minha pesquisa, pois acessaros trabalhadores tornava-se quase impossvel. Tentei diversos caminhos,como, por exemplo: i) entrevist-los via empresa, o que tambm fracassou,em partes; ii) passei a frequentar os pontos de lazer dos trabalhadores; iii)

    realizei algumas entrevistas no sindicato local. Meus primeiros contatoscom os trabalhadores se deram atravs da Acesita, ainda pelo projeto depesquisa. Os trabalhadores ativos, ao conversarem comigo (algum enviadopela diretoria da empresa), sempre me indicavam, justificando a falta detempo para conversar, seus pais e avs como os melhores interlocutores.

    J no sindicato da cidade diferentemente da empresa que proibia queas entrevistas fossem feitas no horrio de trabalho, permitindo-me apenasalgumas visitas ao interior da siderrgica, sempre acompanhadas por um

    tcnico e, no mximo, estabelecendo um contato superficial com os operrios sempre tive uma boa recepo, e os diretores faziam questo de incentivaros demais trabalhadores a contribuir com a pesquisa, fornecendo-me umaentrevista. Depois de um tempo, percebi que as entrevistas produzidas nolocal, na maioria dos casos, estavam enviesadas pela questo da militnciasindical, sobrando pouco espao para as discusses sobre, digamos, oprocesso de trabalho em si. Portanto, urgia a necessidade de encontrar umcanal de pesquisa fora da fbrica e fora do sindicato.

    No incio de meu projeto de investigao, entrevistar aposentadosera apenas uma das etapas. Depois do pouco xito em iniciar a pesquisacom os trabalhadores ativos, decidi alugar uma casa no bairro queconcentra o maior percentual de operrios aposentados pela empresa.Uma guinada no trabalho de campo aconteceu aps essa mudana deendereo e consequentemente de foco. Assim que passei a residir nessebairro, no tardou para que eu me inserisse em uma atividade frequentadaexclusivamente pelos antigos operrios da usina: as aulas de teatro oferecidaspela Associao dos Aposentados da Acesita12. Para cada senhor do grupode teatro que eu entrevistava e me tornava mais prximo, dezenas de outrosoperrios que trabalharam ou ainda estavam em atividade surgiam comopossveis sujeitos de pesquisa. Pouco a pouco, a partir de atores-chave (quefaziam parte do grupo teatral), mapeei suas redes de parentesco e amizade

    12Uma amiga apresentou-me a dois senhores que faziam parte do grupo de teatro. Estes, por sua

    vez, foram meus padrinhos na Associao de Aposentados da Acesita e no Grupo de TeatroMelhor Idade.

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    ligadas ao trabalho na usina. Esse pequeno grupo de teatro, que compostode cinco homens e seis mulheres, mostrou-me um universo de mais de 100pessoas a serem entrevistadas localizadas na cidade e noutros lugares do pas(como Volta Redonda-RJ, Companhia Siderrgica Nacional CSN; Vitria,

    Companhia Siderrgica Tubaro CST) e do mundo, como a Argentina ea Espanha. Vale destacar o quo distinto tentar estabelecer contatos tendocomo credenciais instituies de ensino e tendo um amigo como mediadorque lhe indica quem entrevistar. Algo tipo: vai casa do fulano e diz que foio Rui da Aciaria quem lhe mandou l. Ou: fala com o meu menino e meuneto que trabalham l que fui eu quem lhe mandou pra conversar com ele(dois operrios aposentados me indicando outros entrevistados).

    Na lista de entrevistados, sobre o tema da terceirizao, constam

    trabalhadores jovens e maduros, sindicalistas, trabalhadores de diferentesempresas terceirizadas e da Acesita, chefes e subordinados, trabalhadoresaposentados e calouros. O roteiro de perguntas girava em torno dosseguintes pontos: diferenas entre trabalhadores da Acesita e das empresasterceirizadas que atuam dentro da usina; avaliao do atual estatuto detrabalhador terceirizado; alguns desdobramentos histricos da terceirizaoe da condio de trabalhador terceirizado; relao entre trabalhadoresdo quadro direto e indireto entre si; e, por fim, expectativas de empregoe trabalho. A partir das minhas observaes no interior da usina, quandode minhas visitas guiadas, e do material coletado, por meio das entrevistascom mais de 20 funcionrios de trs grandes prestadoras da Acesita (deservios no interior da fbrica), alm de outros 20 empregados do quadrodireto, ocupando postos de operadores a gerentes de produtividade nasduas situaes trabalhistas , tento refrigerar essas teorias sociolgicas queassociam terceirizao e precarizao do trabalho indiscriminadamente.

    Nesse sentido, procurei compreender, atravs das entrevistas e de minhasobservaes, o tipo de representao que os trabalhadores diretos e indiretosda Acesita fazem em relao situao uns dos outros, em relao a suaprpria situao e ao trabalho que executam tanto num passado recentecomo nos tempos atuais.

    A hierarquia das cores

    Na poca em que os uniformes dos trabalhadores da Acesita eram iguais, ocapacete era o artficede diferenciao hierrquica. Embora sua utilidade

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    estivesse estritamente vinculada s atividades no interior da siderrgica, aexistncia de uma cultura local de reconhecimento da Companhia Acesitae de seus trabalhadores fazia do capacete branco um smbolo com alto graude prestgio e statusdentro e fora da fbrica. Um entrevistado (aposentado)

    me disse que o orgulho em exibir um capacete de chefe da Acesita na cidadeera tamanho que, mesmo fora do expediente de trabalho, era comum autilizao do equipamento. Andar com o capacete branco que representavao desempenho de cargos de chefia no interior de lojas ou pelo centroda cidade era uma prtica comum e conhecida. Os capacetes brancos, emcontraste com os azuis dos demais operrios, denotavam uma situao dedistino pblica.

    Atualmente, alm dessa distino, acrescente-se o fato de que no interior

    da siderrgica (e fora dela) o uniforme se destaca como uma primeiraimpresso visual da maneira como os trabalhadores esto situados nahierarquia do processo de produo fabril13. A implicao desse fato paratrabalhadores terceirizados pesquisados (que executam atividades no choda fbrica como ajudantes, por exemplo) sua localizao em uma posiona base do processo produtivo, ou seja, um lugar para onde vrias ordensconvergem, sem dela irradiarem. o uniforme que define os limites dacirculao no interior da usina. Como apontou Dias (2010) em sua dissertaosobre a terceirizao recente na Companhia Siderrgica Nacional, CSN,

    Volta Redonda-RJ, existem critrios hierrquicos ou situacionais para ocompartilhamento de locaes na siderrgica responsveis pela criao deilhas de exclusividade e de segmentao profissional, definidas pela cor douniforme e do capacete.

    possvel definir os seguintes tipos de segmentao de espaos desociabilidade dentro da empresa: aqueles que selecionam trabalhadoresda Acesita e terceirizados em instalaes separadas e organizadashierarquicamente, tais como vestirios, cozinhas e salas; aqueles deconvivncia comum, como os refeitrios que renem trabalhadores de cadaum desses grupos independentemente da hierarquia; e dentro das reas detrabalho da empresa h espaos em que os trabalhadores se encontram, eoutros onde a entrada vedada a trabalhadores que no fazem parte do

    13

    O uniforme bege uma marca dos operrios diretos desde os anos 1970. Os terceirizados,desde o incio dos anos 1990, circulam no interior da usina com uniformes azuis.

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    quadro direto. A segmentao das locaes internas vinculadas ao tempodo no trabalho, isto , de lugares e tempos que propiciam contatos maisestreitos e formas de identificao, so muito limitadas. Os momentos dedescontrao entre os trabalhadores esto restritos s reas de sociabilidade

    definidas segundo critrios hierrquicos14

    .Saliento tambm o fato de que a distino nas locaes destinadas atrabalhadores terceirizados e diretos implica, quase sempre, precariedadedas instalaes dos primeiros comparativamente s dos segundos.

    Vrios operrios (terceirizados que executam funes de baixo escalo)mencionaram a diferena no conforto das salas dos trabalhadores diretos equipadas com ar-condicionado e dos vestirios extremamente limpos.Os vestirios dos prestadores de servios foram, na maior parte das vezes,

    considerados precrios, e suas salas qualificadas como inferiores. Esse grupode trabalhadores terceirizados de baixo escalo afirmou sequer desfrutar deuma sala onde tenha um caf. Em certa medida, a condio material quecircunda o ambiente de trabalho desse tipo de operrio terceirizado produze refora discriminaes dos trabalhadores que pertencem ao quadro fixo.No entanto, para aqueles trabalhadores terceirizados que possuem alto graude instruo, e, geralmente, so os supervisores dos pees das empresascontratadas pela Acesita, essa situao distinta. Um grupo de engenheiros(j aposentados) que conheci prova disso. Uma entrevista coletiva querealizei com quatro engenheiros (amigos desde a infncia) j aposentadospela Acesita mostrou-me como reingressaram para um ambiente de trabalhodo qual nunca saram. Esses senhores maduros, que hoje ainda trabalham nointerior da fbrica, mas agora na condio de terceirizados (e expertises), almde aumentarem seus salrios e subirem na hierarquia fabril, podem exigir daempresa contratada melhores condies de trabalho. Eles reconhecem ascondies inferiores dos terceirizados, mas se recusam a nela permanecerem.Ouvi de um dos engenheiros:

    14Por exemplo, aps o almoo, funcionrios de empresas terceirizadas procuram uma sombrapara descansar nos arredores do restaurante. J os funcionrios do quadro fixo da empresa (como uniforme bege em contraste com o uniforme azul dos terceirizados) rapidamente ocupamtoda a rea de lazer dos trabalhadores equipada com pequenas choupanas de palha, sala de

    jogos com sinuca e pingue-pongue, e alguns bancos de madeira embaixo de rvores. Pareceexistir certo respeito daqueles operrios que so terceirizados em no utilizar esses espaos.Sobre esse fato um entrevistado comentou comigo: o cara que no faz parte da empresa

    terceirizado, quando ele entra a rapaziada j repassa como funciona. O cara no pode chegar eir l usar nosso espao na usina, cada macaco no seu galho, entende?

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    O terceirizado cho de fbrica, suas condies de trabalho soinferiores se comparamos com o mesmo funcionrio do quadrodireito, mas pro pessoal mais qualificado j mudamos muita coisa:frequentamos as mesmas salas dos empregados diretos, usamos osmesmos vestirios, comemos a mesma comida, e ainda ganhamosmais. Pra chegar onde eu estou hoje na empresa [terceirizado],eu ainda demoraria mais dez anos se ainda estivesse na Acesita e,ainda sim, tem sempre um ou outro engenheiro (novinho) queacha que pode mais do que eu s porque ele do quadro fixo, usao uniforme da empresa.

    Mais uma vez o uniforme um apriorstico que delimita um campode possibilidades definido dentro das relaes dirias travadas entre osindivduos no interior da empresa. Tanto para trabalhadores da Acesita comode empreiteiras, ele tem a dupla funo de indiferenciar visualmente paradentro do coletivo e diferenciar para fora do grupo. As relaes de podere mando interno aos grupos no so mecanicamente depreendidas pelouniforme, mas o externo o . Inerente a essas classificaes est a prpriadefinio da conduta na interao com o outro (indivduo ou grupo).

    Vrias entrevistas so exemplos da importncia da identificao visual pelouniforme como orientadora de um scriptpara as relaes dentro do ambientede trabalho e, por vezes arbitrariamente, fora dele.

    O interior da fbrica

    Assim, levando em considerao que os trabalhadores terceirizados nocompem um grupo homogneo como o senso comum acadmico nos fazcrer, no ignoro o fato de que as categorias de trabalhadores terceirizadose trabalhadores da Acesita conformam, grosso modo, uma ideia emborasimplificada da organizao e da percepo do interior da siderrgica.

    No intento com isso afirmar que os trabalhadores terceirizados seenxergam como iguais, ou que se veem como grupo, mas que compartilhamintimamente, mesmo que nem sempre o declarem, o sentimento de umacondio semelhante: a de no serem os donos da casa. Ao contrrio doempregado da Companhia Acesita, que trabalha diariamente nas instalaesde sua contratante, o trabalhador terceirizado pesquisado contratado poruma empresa que o aloca em unidades produtivas de outra(s) empresa(s).

    Visto de longe, o interior da usina siderrgica entendido segundo

    essa primeira grande diferenciao. Logicamente, dentro desses estatutos

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    englobantes, muitas outras identidades se constroem. Embora essa diferenaprimordial entre trabalhadores da empresa e trabalhadores subcontratadosse faa presente, existem outros nveis e escalas de identidades vinculadastanto s empresas contratantes particulares quanto rea da fbrica em que

    se trabalha e s funes desempenhadas na cadeia produtiva.Nesta parte, reuni e confrontei relatos (dados) de empregados da Acesitae de empresas subcontratadas (em conjunto), com o intuito de compreenderuma polarizao frequente nas anlises sociais recentes sobre o mercadode trabalho: a discusso que divide trabalhadores do quadro direto dasempresas e trabalhadores terceirizados, como trabalhadores centrais eperifricos ou trabalhadores estveis em contraposio aos terceirizadosprecarizados.

    Essa tem sido uma polarizao constante nos estudos sociolgicos sobretrabalho, mas tambm um tipo de leitura que se faz quando se reduz apreciso da lente de anlise pois o grupo de operrios terceirizados abrangeestatutos distintos. As questes que priorizei nesta seo giram em torno dosseguintes temas: a representao do trabalhador terceirizado sobre o ofcioe o perfil do trabalhador da Acesita e vice-versa; os sentidos conferidos condio de trabalhador do quadro direto, e at que ponto trabalhar naempresa contratante visto como um horizonte desejvel e em que sentidono o .

    Uma das primeiras caractersticas que, se no define (categoricamente)trabalhadores terceirizados e trabalhadores da Acesita dentro do processoprodutivo ao menos os identifica majoritariamente, consiste no fato de quetrabalhadores da Acesita, em geral, esto alocados na operao das mquinase da produo, na gerncia e na administrao produtiva, enquantotrabalhadores terceirizados, permanentes, que trabalham na linha produtiva,dividem-se, na atualidade, em prestadores de servios de manuteno(preventiva e corretiva), embalagens, limpeza e conservao. A Acesitadispe de um quadro prprio, reduzido historicamente, de funcionrios demanuteno.

    Simplificadamente, era com base na classificao trabalhadores daAcesita/trabalhadores de operao que a maioria dos operrios terceirizadosque entrevistei enxergava os do quadro direto quando faziam menes aotrabalho deles. Essa diviso de papis e funes na escala produtiva entretrabalhadores de manuteno e trabalhadores de operao guarda umprimeiro campo de disputas e diferenas latentes.

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    A diviso de tarefas de operao e de manuteno cria uma primeiraimpresso da carga e da qualidade do trabalho que se desempenha, deum lado operacional e de outro manual. Dessa forma, cabe aos operriosterceirizados da manuteno (de baixo escalo) a parte do processo produtivo

    mais pesada, suja e insalubre, como afirmou um jovem que acabou deingressar na Acesita como peo de uma empresa terceirizada. Enquanto ostrabalhadores de operao trabalham em salas refrigeradas, o trabalhadorterceirizado (peo, cho de fbrica) faz o trabalho braal e transita muito emreas que so ambientes demasiadamente quentes e barulhentos.

    Comparando com um funcionrio efetivo, aquele engenheiro aposentadoque ocupa uma posio superior na empresa terceirizada me disse que umterceirizado trabalha mais que um funcionrio do quadro direto da Acesita.

    Seu colega afirmou que, mesmo quando se tinha um efetivo de trabalhadoresde manuteno no quadro fixo da empresa, eles no pegavam os pioresservios. Eram sempre os terceirizados chamados a entrarem nas operaesmais sujas e arriscadas. Implcita nas justaposies entre trabalhadores da

    Acesita e trabalhadores terceirizados, estava uma associao recorrente entretrabalho pesado e trabalho/trabalhador terceirizado. O trabalho intensose assoma ao trabalho extensivo requerido aos trabalhadores terceirizadosna poca dosparadese daspreventivascontra acidentes que consistem nasuspenso temporria da produo em determinadas reas para promovermanuteno e/ou limpeza dos equipamentos.

    A diferena entre parades e preventivas reside no fato de que,no primeiro caso, a limpeza e a manuteno exigem uma suspensogeneralizada das mquinas, mobilizando um nmero maior de trabalhadoresde manuteno permanente, juntamente com trabalhadores temporrios demanuteno em atividades com carga de trabalho intensiva e extensivamenteexcessivas; enquanto, no segundo caso, a manuteno especifica e astarefas so realizadas apenas por trabalhadores de manuteno permanentes(da Acesita e tambm das prestadoras de servios). Preventivas so aesregulares15. Parades ocorrem com menor frequncia.

    A associao generalizante na fala dos trabalhadores terceirizados,entre operadores de mquinas/ trabalhadores da Acesita, propiciava umanova leitura dos terceirizados sobre o emprego na empresa contratante.

    15Essa ao, geralmente, acontece a cada 15 dias na Laminao, Aciaria e Alto-Forno.

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    Como mencionei, embora a manuteno no seja atributo exclusivo dasempresas terceirizadas, a operao realizada unicamente por trabalhadoresdo quadro fixo e, portanto, em muitos momentos, apareceu como se fossedefinidora de todo o contingente da Acesita. Desta forma, trabalhadores da

    Acesita trabalhadores de operao foram designados, repetidas vezes,como apertadores de botes por diferentes grupos de terceirizados. Umadas zonas de atrito latente entre trabalhadores da Acesita e terceirizadosseria (segundo entrevistados terceirizados) o conhecimento do processoprodutivo, retomando um antigo dilema entre tcnicos e engenheiros

    vividos nos anos 1960 e 1970. Segundo um engenheiro que trabalhaatualmente como empregado terceirizado da Acesita, o trabalhador diretoest ultraespecializado na sua funo de apertador de botes. J o trabalhador

    de manuteno (do quadro fixo ou terceirizado) conhece o funcionamentode todas as mquinas da rea em que trabalha.Nesse contexto, os trabalhadores da Acesita seriam arredios em aceitar

    explicaes ou ensinamentos por parte de trabalhadores terceirizados e, istoseria, para terceirizados, uma das razes da hostilidade entre trabalhadoresdas duas grandes categorias classificatrias16. Essa associao do trabalhadordo quadro fixo como trabalhador de operao e sua acomodao alienante funo de apertador de botes era recorrente e trazia em seu bojo outros tiposde crticas, como passividade, obedincia cega e a postura de resignao, emcontraposio aos trabalhadores das firmas contratadas. Essa diferenciaoapareceu de maneira categrica na definio de terceirizados (pelos prpriosterceirizados) como atores grevistas e lutadores, e trabalhadores da Acesitacomo mais acomodados. Mais curioso que esse mesmo discurso tambmaparecia, recorrente e frequentemente, na fala de trabalhadores do quadrofixo para design-los em contraposio aos terceirizados, acomodados epassivos. Um funcionrio do quadro direto apontou para a deficincia daqualidade dos servios de manuteno acarretados pela terceirizao. Porum lado, entre os trabalhadores diretos da Acesita em geral com maistempo de servio h um consenso de que os trabalhadores das empresasprestadoras de servios so menos qualificados. Por outro lado, trabalhadoresde empresas terceirizadas, com larga experincia, acreditam que a funo

    16

    Hostilidade sustentada, por exemplo, no depoimento do engenheiro aposentado queregressou Acesita, aps aposentar-se por meio de uma empresa terceirizada.

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    de manuteno (como no caso dos engenheiros que retornaram Acesitacomo empregados terceirizados) lhes confere um saber privilegiado dofuncionamento geral da usina e das mquinas.

    Independentemente da funo ou da empresa em que se trabalha, a

    busca contnua e incessante pela qualificao profissional a bandeiraideolgica eficientemente incutida entre os trabalhadores. Neste sentido, ostrabalhadores da rea de manuteno e, por conseguinte (e principalmente),operrios terceirizados de baixo escalo, veem vantagens ao desempenharemuma funo suja, porm verstil. Para esses operrios, a manutenoconstitui um campo em que se tem uma profisso, enquanto que umadas caractersticas enrijecedoras da operao parece vinculada sua baixa

    versatilidade empregatcia. J o trabalho de manuteno ainda oferece

    maiores possibilidades de aprendizagem e de reciclagem profissional, bemcomo o domnio de uma tcnica.De modo geral, os trabalhadores terceirizados se autoapontaram como

    os profissionais que executam atividades pesadas. Essa peculiaridadeassociada ao perfil desses operrios se deve execuo de atividades demanuteno e qualidade de trabalhador contratado de manuteno, paraonde so dirigidas, pragmaticamente, as tarefas mais insalubres e perigosas.O trabalhador de manuteno da Acesita foi mencionado poucas vezes, jque o quadro de manuteno da contratante considerado pequeno emrelao ao das empresas terceirizadas, e pelo fato de esses trabalhadoresatuarem muito mais na fiscalizao de terceirizados do que na execuo deservios e de reparos. possvel associar a designao de tarefas com maiorpericulosidade a trabalhadores terceirizados a uma estratgia da empresacontratante para repassar para as empresas terceirizadas o nus com osacidentes de trabalho (DRUCK, 1999).

    Portanto, nas entrevistas desses trabalhadores, a diviso entre operaoe manuteno acentuou uma dualidade (entre operador e mantenedor)que, de um lado, situava o grupo de trabalhadores diretos da Acesita comopraticantes de funes relativamente mais tranquilas, acomodantes erepetitivas (apertar botes), em contraposio ao grupo terceirizado, que sedefinia, em geral, como empenhado em atividades mais rduas epesadas, mascapazes de agregar continuamente novos tipos de conhecimentos. Porm,de outro lado, os trabalhadores da Acesita veem esses operrios terceirizadoscomo menos qualificados e, portanto, inferiores na escala de poder dahierarquia fabril. Mais ainda, os veem sem autonomia poltica e por isso sem

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    compromisso com o coletivo e acomodados quanto s mobilizaes sindicaise grevistas. Curiosamente, em relao a esse ltimo ponto, vimos que osterceirizados tambm pensam a mesma coisa dos empregados diretos.

    Transitando

    Primeiramente, agrupei os trabalhadores terceirizados de um lado e ostrabalhadores da Companhia Acesita de outro para fins analticos. Agora, importante salientar que essas no so categorias engessadas. Existe,notoriamente, um trnsito contnuo tanto da condio de trabalhadorterceirizado para a condio de trabalhador da Acesita, bem como o

    contrrio. Na leitura de Dias (2010:54): fazer o trnsito em direo a umdesses dois polos quase sempre propicia leituras maniquestas. Da Acesitapara uma prestadora de servios significaria uma dilapidao da condio dotrabalhador, assim como o inverso seria considerado uma melhora em todosos sentidos.

    No entanto, contrariamente a essa tese, uma parte dos entrevistados(ex-funcionrios da Acesita) declararam satisfao com os empregos e comos cargos que ocupam, atualmente, nas empresas prestadoras de servios

    Acesita, embora esta ltima condio tenha sido fruto de demisso ou deaposentadoria. Empregados que amargaram longos anos de servio contnuona Acesita em funes imutveis e perderam a perspectiva de cresceremprofissionalmente na empresa encontraram nas firmas terceirizadas apossibilidade de ocupar cargos de hierarquia e salrios mais elevadosdo que quando pertenciam ao quadro da contratante, como no caso dosquatro engenheiros aposentados que hoje integram o quadro das empresasterceirizadas com melhores salrios e posies na hierarquia fabril.

    Ao trabalhar esse tema, percebi que a categoria terceirizado englobadiferentes tipos profissionais. Por exemplo, quando penso nos trabalhadoresque se enquadram na condio de migrantes da Acesita para as contratadas,os entrevistados esboam um perfil muito parecido: todos possuemaproximadamente 40 anos ou mais; trabalharam na usina por mais de 10 (dez)anos e ocupam cargos de chefia nas empresas terceirizadas como tcnico,mestre, supervisor e coordenador. Alm disso, em comum eles possuemexperincia profissional duradoura na manuteno da Acesita. O know-how

    adquirido no perodo em que eram empregados diretos provavelmente atuou

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    como um respaldo para que eles adentrassem o quadro das prestadoras deservios e ocupassem cargos superiores aos desempenhados na Acesita.

    Na contramo, alguns entrevistados que passaram de terceirizadas paraa Acesita so trabalhadores mais jovens e encararam a mudana como uma

    ascenso social e profissional importante em suas vidas. A contratao detrabalhadores das prestadoras de servios tem sido o expediente mais utilizadopela Acesita para arregimentar em seus quadros funcionrios acostumadoscom a cultura da fbrica (em muitos casos, costume que uma herana dospais e avs) e nela treinados s expensas pelas subcontratadas. Na condiode ajudantes e/ou auxiliares de uma prestadora de servios, o trnsitopara a Acesita inegavelmente traz benefcios a esse perfil de trabalhador(geralmente, no incio de suas carreiras, trabalhando como ajudantes), em

    questo de salrios, direitos e status.No minha pretenso com essa anlise defender a tese de que aterceirizao no causou uma precarizao, e sim dizer que essa mesmaprecarizao no deve ser vista como geral. Atravs do discurso detrabalhadores que integram o chamado centro em relao periferia, possvel complexificar ainda mais a discusso sobre o tema e tentar entendersob quais condies a passagem para o centro vantajosa, e em quemedida a permanncia na periferia desejada pelo trabalhador. Assim,me pergunto: que expectativas e possibilidades em relao condio detrabalhador terceirizado e trabalhador direto caracterizam a atual realidadedo mercado de trabalho?

    O emprego na Acesita, embora tratado por muitos entrevistados comoiluso, ainda est carregado de forte apelo entre aqueles que nuncaparticiparam de seus quadros. No obstante o fato de grande parte dostrabalhadores terem, de maneira quase unnime, mencionado a Acesitacomo j era ou no mais mesma, para muitos terceirizados que ocupamfunes menos prestigiadas na hierarquia das terceirizadas a contratanteemerge como esperana de melhores condies de salrios e benefcios,bem como de statussocial e empregatcio.

    Como foi mencionado, a passagem pelos quadros da Acesita confere aotrabalhador um valor tanto dentro como fora da empresa, na cidade e em seucomrcio, ou mesmo junto a outros empregadores. Para aqueles trabalhadoresque depositam na Acesita o horizonte de seus anseios numa epistemologiada esperana (MYAZAKI, 2004), o emprego na terceirizada representa um

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    primeiro passo rumo concretizao de seu ideal17. Assim, a maior parte dostrabalhadores terceirizados entrevistados adentrou o mercado de trabalhoem uma lgica j reestruturada e, portanto, acredita que, embora o servionas empresas terceirizadas seja mais penoso, a terceirizao caracteriza

    uma importante via de acesso ao mundo do trabalho na siderurgia e para aconcretizao dos sonhos, de seus projetos de futuro.Certa vontade de passar para a Acesita vincula-se a um tipo especfico de

    trabalhador: jovem, com perspectiva de reconhecimento social e crescimentoprofissional, desempenhando cargos de baixo nvel hierrquico nasterceirizadas. Uma vez que esses trabalhadores parecem representar muitosdos casos, a sua situao generalizada, deixando de fora experinciasdiferentes. Essa tese, embora simplificada, parece ser uma perspectiva que

    caracteriza um perfil majoritrio de trabalhadores de empresas terceirizadas.Todavia, dentre os entrevistados que experimentaram a transio do ladoinverso, a prestadora de servios apresenta aspectos positivos e, at mesmo,

    vantagens.Outra caracterstica marcante em seus discursos o olhar sobre a diferena.

    Como ex-trabalhadores de empresas terceirizadas, os entrevistados queadentraram nos quadros fixos da Acesita carregam em seus discursos uma

    viso mais solidria condio daqueles que um dia foram companheirosde insgnia. A mudana de patro e estatuto, de visitante a dono da casa(DIAS, 2010) motiva uma reflexo comparativa sobre as diferenas e asaproximaes. Nas entrevistas possvel perceber que trabalhadores quetransitaram tm uma viso mais tnue das diferenas entre empregadosdiretos e indiretos, enquanto que trabalhadores que sempre trabalharam,ou na Acesita ou nas terceirizadas, enxergam suas realidades a partir decontrapontos bem mais demarcados.

    17 Falo aqui da etnografia de Miyazaki (2004): The method of hope. Esse autor se aventurou aescrever sobre o processo de restituio de terras nas ilhas Fiji, conhecida por grande parte dacomunidade antropolgica. O que ele trouxe como novidade foi nos mostrar um dilogo surdo-mudo que certos habitantes da ilha mantm com o Estado, h mais de vinte anos, pedindo oreconhecimento de suas terras. O autor se debruou sobre as cartas que os residentes de umaparte das ilhas Fiji escrevem para o Estado, reivindicando seus direitos terra, h mais de duasdcadas, mostrando-nos como a esperana pode ser entendida, nesse caso, como um elementocentral na vida dessas pessoas. A comparao vlida, j que estamos falando de pessoas que

    vivem suas vidas em funo de um projeto de vida dedicado ao futuro. Como me disse um jovemfuncionrio terceirizado: tenho que pensar no amanh! Se eu fao meu trabalho direito hoje dentro daAcesita, uma hora eles te reconhecem, te do uma chance de entrar l, fazer parte da Acesita.

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    Por outro lado, os entrevistados que comearam suas carreiras trabalhandona Acesita e, atualmente, integram os quadros das empresas terceirizadasenxergam as vantagens em suas trajetrias. Diferentemente da viso dos jovenstrabalhadores que migraram para a Acesita, os trabalhadores entrevistados

    que transitaram para as prestadoras de servio, aps acumularem experinciadentro da Acesita, consideram as empresas terceirizadas boas para trabalhar.Por isso, no por acaso, esses trabalhadores que fizeram a passagem doquadro da contratante para as contratadas somam os maiores tempos detrabalho dentro da usina.

    Talvez, uma razo para a viso positiva da empresa terceirizada sejaa possibilidade de reinsero no mercado de trabalho aps a demisso(ocasionada em funo da privatizao) ou a aposentadoria. O desempenho

    de atividades por longos anos dentro da usina cria uma identidadeprofissional extremamente vinculada ao trabalho industrial, que passvel decontinuidade via prestadoras de servios aps a demisso ou aposentadoria.

    A oportunidade de permanecer na indstria e, em Timteo, especialmentequando se tem bens e uma famlia, pode ser uma motivao para a busca dasempresas terceirizadas, j que a maioria de meus entrevistados aposentadosalegou que seus salrios (no caso apenas a aposentadoria) no eramsuficientes para manterem suas despesas pessoais e familiares18.

    Diferentemente dos trabalhadores que tm em uma empresa prestadorade servios a primeira empregadora formal, a reinsero de antigostrabalhadores da Acesita no mercado de trabalho e na usina atravs daterceirizada caracteriza uma situao na qual os trabalhadores se encontramem pontos diferentes de sua trajetria. Para alguns, a empresa contratadafigura como trampolim para outros projetos. Para outros, ela pode ser

    vista como uma alternativa de permanncia no mercado de trabalho,especificamente o industrial, ou, at mesmo, como meio de ascensoprofissional ou complemento de renda familiar.

    Em geral, os trabalhadores que migraram da Acesita para as empresasterceirizadas j galgaram maturidade e (re)conhecimento profissional.Em contraposio queles que iniciam nas prestadoras de servios, sem

    18Entram nessas despesas: pagamento das contas mensais de servios pblicos diversos, reformas

    habitacionais, aquisio de outros imveis (como stios ou chcaras), pagamento de faculdadepara filhos e netos etc.

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    experincia, os trabalhadores que saem da Acesita e entram nas terceirizadascarregam consigo a experincia e o reconhecimento profissional.

    Para alm da viso negativa que comumente atribuda s firmasterceirizadas, alguns trabalhadores terceirizados entrevistados apresentam

    orgulho e apreo por suas contratantes. A existncia de aproximaesmateriais pode criar uma tendncia ao trnsito inesperado do centropara a periferia. Porm, a distino substancial no status, que de ordemsubjetiva e no material, permanece entre os dois tipos de trabalhadores,desempenhando um papel essencial na apreciao de suas vidas. Antes de serum fator de ordem psicolgica, o statusvinculado ao trabalhador da Acesita uma poderosa construo social.

    Por fim, o que subjaz dos relatos de trabalhadores da Acesita e de

    empresas prestadoras de servios a contestao da tese generalizante deque a empreiteira invariavelmente ruim e a Acesita inquestionavelmenteboa. Para alm do maniquesmo, trabalhadores centrais versustrabalhadoresperifricos, a acomodao da terceirizao demonstra uma aproximaoentre esses polos na qual a leitura sobre as vantagens e as desvantagensdepende da trajetria de quem fala e dos significados e significantes de cadasituao em questo.

    Derradeiros comentrios

    A partir de minha pesquisa sobre memrias da industrializao do Brasil(investigao voltada para um grupo de antigos operrios da Companhia

    Acesita), cheguei a esse ncleo de trabalhadores terceirizados compreendendoao menos dois coletivos distintos: funcionrios da companhia aposentadosque ocuparam/ocupam cargos superiores aos que ocupavam quando

    pertenciam ao quadro fixo da Acesita e jovens que ingressaram no mercadoatravs de uma prestadora de servio da usina. Esses trabalhadores fazemparte de uma rede de entrevistados que constru ao longo dos ltimos doisanos.

    Como j disse noutra ocasio (FIRMO, 2011) diante das dificuldadesiniciais por que passei para entrevistar os trabalhadores ativos da fbrica, fuiapresentado a um grupo de atores da 3 idade que eram antigos operriosda usina, lembrados e saudados como os lendrios homens de ao do

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    tempo do muque19. A partir dos membros dessa pequena reunio cnica,um mundo de possveis sujeitos de pesquisa se abriu para mim. Tratava-sedos amigos, filhos e netos desses primeiros trabalhadores da indstria quefaziam parte do grupo teatral da Associao dos Aposentados da Usina

    Acesita. Exponencialmente, os dez membros do grupo abriram-me suasredes de parentesco e de amizades que se transformaram em mais de 100trabalhadores a serem entrevistados, ligados direta ou indiretamente

    Acesita. Comparando o material coletado por mim e o j publicado, percebique muito ainda se tem a dizer sobre a terceirizao, especialmente por setratar de um fenmeno social que dia a dia coloca novos desafios aos juristas,aos sindicalistas, s empresas, ao governo e a suas agncias reguladoras dasatividades laborais e aos intelectuais de modo geral. Longe de consensos, a

    pluralidade de teorias e situaes para refletir esse tema faz dele um solofrtil para a anlise microscpica da etnografia desafiar estabilizaes deconceitos permanentemente desestabilizados.

    Nas Cincias Sociais terceirizao tornou-se um tema recorrente,estabilizado. Dentre os diferentes estudos, esse conceito foi pensado de diversasformas, no entanto, quase sempre apontando para o binmio terceirizao =precarizao (ALVES, 1999; DRUCK, 1999; ANTUNES, 2007), que, do meuponto de vista, no condiz com as experincias plurais dos trabalhadoresterceirizados na atualidade. No quero dizer que a terceirizao seja em sialgo positivo ou simplesmente negativo, e sim que tais anlises sociolgicas(atrs de generalizaes tericas) se esqueceram de levar em conta mltiplassituaes da dimenso do vivido que fazem desse fenmeno algo positivo enegativo, a um s tempo.

    A distncia que encontrei entre essa literatura sobre o tema e os casosde pesquisa com que me deparei levou-me a escrever o presente artigo,centrado em explicitar essa possibilidade de dar novos ares a esse conceito, apartir de observaes realizadas na fbrica e de entrevistas com trabalhadoresterceirizados localizados em diferentes posies no interior e na hierarquiafabril da usina e da prestadora de servios.

    19Os primeiros trabalhadores da Acesita que vivenciaram a produo do ao de forma quasemanual, bem como testemunharam a passagem do sistema de produo manual para outro

    mecanizado. Alguns entrevistados ainda acompanharam a passagem do sistema mecanizadopara o automatizado.

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    Concluindo, enfatizo que a discusso sobre terceirizao na Acesita no nada simples, e, por isso, gostaria de fugir ao maniquesmo frequentementealimentado pela ideologizao do processo de mudanas. Minha crticasobre essa ideologizao a sua rigidez, sua pouca dialtica, que acaba por

    considerar os operrios no como atores, mas como objeto ou vtimas dastransformaes. Busquei apresentar uma viso mais abrangente do quealgumas ideias, que tendem a ver a terceirizao como uma consequnciainevitvel da uniformizao, no plano global e local, de formas de organizaoda produo e nveis salariais (ANTUNES, 2007). Nesse sentido, considero deforma inapropriada a expresso captura da subjetividade dos trabalhadoresutilizada por Alves (2002) para falar da profunda mudana socioculturalque est ocorrendo, como se ela constitusse um ardil irreversvel, e os

    trabalhadores industriais fossem, simplesmente, vtimas.

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    INTERSEES [Rio de Janeiro] v. 14 n. 1, p. 46-71, jun.2012 FIRMO, Terceirizao: um conceito incontexto 71

    Apndice A

    Fonte: Museu virtual da Vale S.A. Disponvel em: http://www.museuvale.com.

    Recebido em

    dezembro de 2011

    Aprovado emjulho de 2012