inovaÇÕes tecnolÓgicas, terceirizaÇÃo e aÇÃo sindical no setor bancÁrio
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INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS, TERCEIRIZAÇÃO E AÇÃO SINDICALNO SETOR BANCÁRIOTRANSCRIPT
VII Congresso Latino-Americano de Estudos do Trabalho
O Trabalho no Século XXI
Mudanças, impactos e perspectivas
GT 15 – Conflictividad laboral, sindicalismo y movimientos sociales en
América Latina en El siglo XXI
INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS, TERCEIRIZAÇÃO E AÇÃO SINDICAL
NO SETOR BANCÁRIO
Autora: Ana Tercia Sanches
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia USP e
Pesquisadora Voluntária do Centro de Pesquisas 28 de Agosto
Inovações Tecnológicas, terceirização e ação sindical no setor bancário
O objetivo deste artigo é apreender as dimensões das reestruturações produtivas
ocorridas nos bancos e, com base nesta contextualização, conduzir a análise sobre os
processos de racionalização do trabalho, tendo como foco as inovações tecnológicas
introduzidas no setor, nos últimos anos.. Estas inovações, compreendidas de modo mais
abrangente, referem-se às TI-Tecnologias da Informação e aos processos de
terceirização, podendo estes últimos ser reconhecidos como técnicas de gestão da força
de trabalho com vistas a ampliar a produtividade na dinâmica econômica fortemente
ancorada nas empresas-rede. Pretende-se, ainda, abordar sobre quais têm sido os desafios
e as respostas sindicais diante do chamado “banco do futuro”.
Palavras-Chave: inovações tecnológicas, terceirização, racionalização do trabalho,
trabalho bancário, ação sindical.
Introdução
As economias cada vez mais interligadas promovem ajustes na força de trabalho
mundial. O fato de alguns países desenvolvidos obterem proporções cada vez menores de
empregos no setor industrial é, em grande parte, o resultado da criação destas mesmas
vagas em outros países subdesenvolvidos, sobretudo como se observa em países asiáticos
como a China (CASTELLS, 1992; POCHMANN, 2001). A integração promove uma
nova divisão do trabalho entre os diferentes tipos de sociedade. A empresa em rede
associada ao novo paradigma informacional promove alterações nas relações de
produção nos diversos países que levam as transformações às condições de trabalho e
afetam as instituições trabalhistas (CASTELLS, 2002).
Neste contexto, fortemente marcado pela expansão do setor de serviços em
detrimento do setor produtivo, os impactos das TI - Tecnologias da Informação sobre os
processos de trabalho e mercado de trabalho são relacionados à dinâmica da queda do
volume de empregos, pois, embora se considere a expansão de ocupações relacionadas às
TI, elas não crescem no mesmo ritmo em que outras ocupações perdem espaço.
O informacionalismo é definido por Castells (2002) pelo modo como a sociedade
organiza seu sistema produtivo em torno de princípios de maximização de produtividade
baseadas em conhecimento e em difusão de TI. Tal propósito implica na geração de
sociedades ainda polarizadas nas quais, ao mesmo tempo que aumentam as profissões
técnicas, crescem profissões relacionadas a serviços mais simples e não qualificados.
As categorias de emprego também passam por variações, como é o caso do
trabalho autônomo, temporário e da terceirização, e quando expostas à concorrência
internacional, são pressionadas pelo menor custo, não aquele que poderia ser explicado
pelo menor nível técnico de determinado país, mas sim, pelo menor custo da força de
trabalho.
Essas pressões apontam para a flexibilidade do mercado de trabalho e reversão
do Estado de bem-estar social, sobretudo em países de capitalismo maduro, como tem
analisado a literatura consultada, mas também são vivenciadas a seu modo pelos
trabalhadores brasileiros (CASTELLS, 2002; RODRIGUES, 2002; KREIN, 2004;
POCHMANN, 2004; ANTUNES, 2007).
Neste artigo pretende-se sistematizar e analisar o conjunto de transformações
vivenciadas pelos trabalhadores nos processos de racionalização implementados no setor
bancário1, observando-se mais estreitamente as relações entre inovações tecnológicas e
ação sindical. A base metodológica que orienta esta reflexão é conduzida pela revisão da
bibliografia especializada, pesquisa de campo e pela análise dos resultados do survey
“Tecnologia e terceirização no setor bancário” 2.
A composição das reestruturações produtivas no setor bancário
A peculiaridade das últimas décadas, caracterizada pela dominância do capital
financeiro em detrimento do capital produtivo, traz consigo a agilidade dos novos tempos
marcados pela lógica de curto prazo, volatilidade de capitais e necessidade de remunerar
a figura cada vez mais presente, difusa e invisível: o acionista (CHESNAIS, 1998;
GRÜN, 2005). Assim, as grandes corporações justificam suas decisões administrativas,
com sentido de alterar as dinâmicas produtivas e acelerar ao máximo a implementação de
formas que possibilitem a diminuição dos custos fixos.
O setor bancário vem passando por diversas reestruturações produtivas, o que não
nos induz a falar em apenas uma reestruturação produtiva, mas cabe aqui a noção de ação
contínua do capital financeiro em sua busca incessante por maior produtividade e
menores custos operacionais com a intenção de atingir margens elevadas de rentabilidade
e lucratividade.
Os pilares estruturantes dessas reestruturações produtivas, sobretudo aquelas
vivenciadas nas duas últimas décadas, se apoiam nas fusões, aquisições e privatizações;
nas inovações tecnológicas e nas terceirizações (ACCORSI, 1990;SEGNINI,
1999;JINKINGS, 2002; SANCHES, 2006).
Os bancos obtiveram altos lucros advindos das expressivas taxas de inflação,
observadas desde a década de 1980 até a implantação do Plano Real em 1994. As
mudanças no cenário econômico nacional, dentre as quais se destaca a perda de ganhos
1Em 2011, a categoria profissional bancária, segundo dados da RAIS- MTE, era composta por 497 mil trabalhadoras e trabalhadores.
2Levantamento de opinião através de questionário de múltipla escolha elaborado pela autora a um grupo de 120 militantes bancários
de bancos públicos e privados, em evento promovido pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, no município de Boracéia-São
Sebastião, em novembro de 2010. O questionário contém 7 questões para identificar o perfil dos respondentes e 21 sobre aspectos relacionados à tecnologia, processo de trabalho e terceirização. A amostra pode captar a diversidade das ocupações dentro das
instituições financeiras, respeitando desde funções que compõem a base da pirâmide de cargos e salários, passando por funções
técnicas e atingindo também o nível gerencial para trabalhadores que atuam tanto nos centros administrativos como nas agências bancárias.
financeiros derivados da queda dos índices inflacionários, impeliram as instituições
financeiras a reorganizarem suas estruturas operacionais e reformularem estratégias
comerciais, consolidando uma nova fase na gestão de seus ativos. Além de
diversificarem o mix de produtos e serviços financeiros ofertados, optaram pelo
financiamento da dívida pública, focando, deliberadamente, considerável volume de seus
recursos nas operações de tesouraria, decorrentes das atrativas taxas de juros
(SANCHES e DAVANÇO, 2010).
As estruturas do sistema financeiro brasileiro, operadas por meio de grandes
conglomerados, foram consolidadas pela estratégia de aquisições de outras instituições,
utilizada tanto para o aumento da base de ativos, de clientes e de negócios bancários,
como para ampliar a oferta de serviços agregados dentro do sistema financeiro. Os
conglomerados financeiros são compostos pelo conjunto de entidades financeiras
vinculadas diretamente ou não por participação acionária ou por controle operacional
efetivo, caracterizado pela administração ou gerência comum, ou pela atuação no
mercado sob a mesma marca ou nome comercial3.
O principal canal de distribuição dos produtos e serviços desenvolvidos pelas
empresas subsidiárias que compõem os conglomerados financeiros ou holdings
financeiras é a rede de agências bancárias, através das quais os empregados ofertam aos
clientes: processamento de pagamentos e cobrança, cartões de crédito, gestão de ativos,
comercialização de serviços de arrendamento mercantil, serviços de corretagem,
consórcio, seguros e previdência.
Na década de 1990, os processos de fusões e aquisições ganharam força a partir
do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro
Nacional (Proer) do governo federal, à época conduzido por Fernando Henrique
Cardoso. A ocorrência das privatizações, também no mesmo período, levou a uma nova
configuração que culminou com a ampliação da participação do capital estrangeiro, a
diminuição dos bancos públicos, principalmente os estaduais, e gerou uma maior
concentração no setor, como demonstram as informações da tabela a
3www.bcb.gov.br
seguir:
Pelos dados acima, observamos que houve a diminuição de, aproximadamente,
50% do volume total de bancos privados nacionais existentes no país, entre 1990 e 2011.
Paralelamente, houve o crescimento de 71% de participação estrangeira e a redução de
70% dos bancos públicos brasileiros no mesmo período. Os casos de fusão e aquisição no
setor bancário explicam a grande concentração de 81% dos ativos, créditos e depósitos
sob controle de apenas seis bancos.
GRÁFICO 1
Concentração do Sistema Bancário Brasileiro em Ativos Totais
Brasil, 2011
Os seis maiores bancos atuantes no Brasil são: Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco, Caixa Econômica Federal,
Santander e HSBC. Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: DIEESE – Rede Bancários.
Tabela 1 - BANCOS POR ORIGEM DECAPITAL
1990 1994 1999 2003 2007 2011
Privados Nacionais com ou sem participação estrangeira 174 176 108 88 87 89
Privados Estrangeiros e com controle estrangeiro 18 38 67 62 56 62
Públicos Federais e Estaduais 34 32 19 15 13 9
Número de Bancos 226 246 194 165 156 160
Fonte: Banco Central do Brasil - Departamento de Organização do Sistema Financeiro. Elaboração: DIEESE Subseção SESE/SEEB-SP.
Notas: (1) Filiais de bancos estrangeiros e bancos múltiplos e comerciais com controle estrangeiro; (2) Caixas Econômicas Estaduais e Caixa Econômica Federal. (3) Bancos múltiplos, bancos comerciais e Caixa Econômica;
As mudanças organizacionais foram fortemente favorecidas pelas inovações
tecnológicas, ao mesmo tempo em que se ampliava a terceirização dos serviços bancários e
financeiros para as diversas empresas, dentro ou fora dos próprios conglomerados.
A dinâmica concorrencial do setor financeiro conduziu a segmentação do atendimento
de clientes entre pessoas físicas e jurídicas e, ainda, segundo a faixa de rendimentos ou porte da
empresa. Em 1999, outro fato contribuiu para aprofundar a estratégia de segmentação das
instituições financeiras, ou seja, a autorização do Banco Central4 que permitiu a contratação de
empresas de diversos ramos de atividade econômica, na figura do chamado Correspondente
Bancário, para realizar atendimento antes ofertado apenas pelos bancos no Brasil. Esta, sem
dúvida, a forma mais agressiva de terceirização no setor, se espalha com velocidade pelo
território nacional, em decorrência de seu baixo custo de implantação, com o objetivo de
expandir o atendimento para a população das classes de renda D e E.
Terceirização
A terceirização vista aqui como uma técnica de gestão da força de trabalho
(LEITE, 1994) possibilitou que um conjunto de etapas do trabalho bancário fosse
repassado para outras empresas realizarem. Como já expressamos no início deste artigo,
as reestruturações produtivas mantêm como um de seus pilares fundantes a larga
utilização da terceirização, acentuando-se por meio dela a heterogeneidade entre os
trabalhadores.
Cumpre lembrar que, na década de 1980, já havia o uso da prática entre os
bancos que repassavam as atividades de limpeza e segurança para empresas contratadas
ou subsidiárias. Os processos de terceirização se ampliaram durante a década de 1990,
diante das novas estratégias de negócios implementadas pelos bancos, mas ressalta-se
que tais processos ganharam maior visibilidade por intermédio dos Correspondentes
Bancários, que, apenas entre maio de 2011 e julho de 2012, passaram de 160 mil para
332 mil.
O Banco Central autorizou pontos comerciais (padarias, farmácias, lojas, etc),
correios e casas lotéricas a estabelecerem convênios com instituições financeiras para a
prestação de serviços bancários.
4Para maiores informações consultar: www.bcb.gov.br
Pela magnitude da escala, a terceirização no setor financeiro passou a se
configurar como uma inovação no regime de trabalho datada, sobretudo, a partir dos anos
de 1990. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar(PNAD), realizada pelo
IBGE, em 2009, foram listados mais de um milhão de trabalhadores vinculados ao setor
financeiro, porém dados do Ministério do Trabalho e Emprego disponibilizados através
da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) apontam um total de 741mil
trabalhadores formalmente vinculados ao setor financeiro. Há, portanto,
aproximadamente 359 mil pessoas que, apesar de trabalharem no setor, estão
pulverizadas e não recebem os mesmos direitos, como é o caso daqueles que mantêm o
estatuto de bancário, mesmo realizando atividades vinculadas à intermediação financeira
(SEEB, 2011).
Essa dinâmica afeta as relações de trabalho e os limites do confronto entre capital
e trabalho levando á flexibilização dos contratos no interior da categoria profissional
bancária, na medida em que considerável parte da força de trabalho necessária ao setor
não mantém identidade com os bancários e não preservam o mesmo estatuto social.
Druck (1999), tomando por base a análise dos processos de terceirização, indica
que eles resultam em precarização, abrangendo as seguintes dimensões: trabalho, saúde,
emprego e ações coletivas. O caso do setor bancário confirma a tese da autora, conforme
a literatura especializada consultada (SEGNINI, 1999; JINKINGS, 2002; SANCHES,
2006).
Os bancos mantêm a política de ampliação da terceirização de atividades
consideradas essenciais para a realização dos serviços bancários que devem ser ofertados
à sociedade brasileira. Esse processo interessa às empresas financeiras sob o ponto de
vista financeiro e político, pois, por um lado, proporciona a redução de custos com a
força de trabalho, já que os terceirizados ganham em média 1/3 dos salários dos
bancários e não usufruem dos direitos previstos na Convenção Coletiva de Trabalho
(CCT) da categoria. Por outro lado, ataca o poder de organização dos trabalhadores, na
medida em que mina a base social dos sindicatos que, após anos de luta, conquistaram
um padrão avançado de relações do trabalho ainda não homogeneizado no país, quando
se compara a outras categorias profissionais. Vale ressaltar que os bancários assinam uma
CCT em base nacional. Em outras palavras, trata-se de garantir os direitos iguais
independentemente da região ou do banco onde o trabalhador esteja situado.
Na contemporaneidade, mediante os processos de terceirização, tem havido o
acirramento da fragmentação nos grupos de trabalhadores vinculados às grandes
corporações capitalistas que, invariavelmente, mantinham uma cultura de organização
sindical estruturada (JINKINGS, 2002; ALVES, 2000). Sob condições diferenciadas, os
trabalhadores terceirizados e os efetivos, contratados diretamente pelas grandes
corporações, vivenciam experiências que se traduzem para o sindicalismo na
consolidação de uma base social profundamente dividida e heterogênea, resultando em
maior dificuldade de organização enquanto classe (JINKINGS, 2002; DRUCK,1999).
Assim, considerando-se o enfraquecimento dos laços de solidariedade, a
segmentação e até mesmo a concorrência subliminarmente colocada entre eles, as
representações e as práticas sindicais se fragilizam, pois se enfraquece a aposta coletiva
em nome de uma aposta individual ou de grupos fracionados de trabalhadores.
As novas formas de organização do trabalho compreendidas pela terceirização
segmentam trabalhadores do setor, a ponto de dificultarem o estabelecimento de uma
identidade coletiva ou de um núcleo comum de reivindicações, por causa da diversidade
de relações de trabalho existentes. A alta rotatividade e a efemeridade dos tempos de
trabalho limitam as possibilidades de construção de referenciais históricos que
identifiquem indivíduos, formem grupos, gerem cumplicidade em ocasiões de conflito
aberto com o empregador.
Os empresários ou banqueiros escolhem as atividades que buscam preservar,
como tem se demonstrado em algumas carreiras com maior valor agregado, normalmente
vinculadas ao fechamento de negócios financeiros, ao passo que outras funções, ao serem
terceirizadas, são invariavelmente desvalorizadas. Nesse sentido, a segmentação quebra a
participação de trabalhadores, representados nos estratos mais baixos da pirâmide de
cargos e salários, os quais mantinham maior aproximação com os sindicatos de
bancários.
O trabalhador efetivo, bancário, também é impactado pelo processo de
terceirização, pois, em muitos casos, significa para ele a própria perda de emprego. Há
situações controversas colocadas. Se, de um lado, o trabalhador bancário busca resposta
e apoio no Sindicato e espera por uma saída intermediária para o problema que se
apresenta, por outro lado, aqueles que são admitidos na outra ponta, isto é, nas empresas
terceirizadas, sobretudo no início do processo de terceirização, não suscitam problemas
quanto às condições e relações de trabalho que se estabelecem, porquanto querem, sim, a
“oportunidade” para trabalhar.
Nos locais de trabalho onde estão reunidos bancários e terceirizados sob o mesmo
espaço físico, os sindicatos têm se deparado com problemas de não adesão às greves
realizadas. O fato de os terceirizados terem contratos e relações de trabalho distintos não
cria apenas uma linha de separação jurídico-burocrática, mas estabelece, basicamente,
uma separação política que acaba cristalizando interesses em distintas dimensões:
enquanto um deseja intensamente ser efetivado pelo banco, o outro, por exemplo, pode
querer um aumento na PLR (Participação nos Lucros e Resultados) da qual já é detentor.
A segmentação gera sentimentos ambíguos entre os trabalhadores. Em algumas
situações, nota-se que os próprios bancários mantêm sob os terceirizados sentimentos
discriminatórios, inferiorizando-os ou chegando, em alguns casos, a rivalizarem, haja
vista o terceiro ameaçar seu próprio posto de trabalho. Já em outros momentos, assumem
postura de defesa, caracterizada por forte laço afetivo e solidário.
Em certa medida, os sindicatos absorvem este dilema: desempregar os
terceirizados para empregar bancários. Se é certo que a defesa do fim da terceirização
contém em si elementos extremamente defensáveis do ponto de vista da melhoria das
relações e condições de trabalho, também é certo que despedir trabalhadores que
serviram durante longos períodos às empresas tomadoras de serviços, e que, além das
suas provas de competência profissional ainda construíram laços afetivos, se torna uma
questão de difícil trato, sobretudo porque, mesmo a despeito da reivindicação sindical de
manter o mesmo grupo de trabalhadores vinculados ao banco, em casos de reversão do
processo de terceirização, as empresas realizam rigorosas triagens que acabam por
descartar os próprios terceirizados que antes os serviam.
Os sindicatos com tradição de organização, como é o caso dos Bancários de São
Paulo, por não terem representatividade legal dos trabalhadores terceirizados, deparam
com alguns limites para sua ação como, por exemplo, não poderem: a) acompanhar
fiscalização de órgão público competente como legítimo representante dos trabalhadores
nos ambientes de trabalho; b) abrir ação coletiva na Justiça do Trabalho em nome dos
terceirizados; c) participar de negociações e tampouco assinar acordo com as empresas
terceirizadas para tratar das melhorias nas condições de trabalho, e, portanto lhes conferir
caráter mais perene, garantido diante de qualquer empregador e a qualquer tempo.
O tema aparece nas minutas de reivindicações da categoria, que negocia no plano
nacional, desde meados dos anos de 1990. Em 1995, os banqueiros concordaram em
incluir pela primeira vez na CCT uma cláusula que apenas garantia a constituição de uma
Comissão Paritária sobre Terceirização, porém, mesmo após diversas tentativas nos anos
subsequentes, nunca se conseguiu produzir nenhum consenso entre as partes.
Os sindicatos de bancários têm adotado as mais diversas estratégias para lidar
com a questão da terceirização, estabelecendo as seguintes frentes de luta :
a) organização nos locais de trabalho terceirizados;
b) formação de militância;
c) fiscalizações sobre as condições de trabalho e não cumprimento da CCT;
d) custeamento de ações individuais de terceirizados na Justiça do Trabalho;
e) denúncias em materiais impressos relatando tanto a precarização das relações
de emprego como a queda de qualidade do serviço;
f) articulações com parlamentares e intervenções no marco regulatório;
g) negociações;
h) filiações simbólicas;
i) paralisações, greves, etc.
Dentro do contexto de reelaboração das formas de resistência, considerando os
efeitos negativos da terceirização, os bancários repensaram suas estruturas organizativas
como foi o caso da criação da CONTRAF – Confederação dos Trabalhadores do Ramo
Financeiro - em 2007. Essa iniciativa visava, de acordo com seus protagonistas,
fortalecer a organização de segmentos dispersos e cada vez mais precarizados,
superando, assim, a noção de organização definida apenas por uma categoria
profissional, mesmo que à revelia do que prevê a legislação sindical do país. Entretanto,
na prática não foi pela mudança da estrutura que se viu fortalecer o movimento
antiprecarização do trabalho. As disputas sindicais, decorrentes do modelo de atuação
por categoria profissional, situaram em campos distintos trabalhadores muitas vezes
vinculados ao mesmo empregador, por meio da “cadeia produtiva”, ou, em outros
termos, vinculados à mesma holding financeira. Já o terceirizado não pertence nem à
holding, uma vez que, conforme a declaração da atividade econômica do empregador,
ele pode ser enquadrado em ramo diferente do que verdadeiramente atua, por exemplo,
ser comerciário.
Inovações Tecnológicas
Com os novos paradigmas tecnológicos é possível fazer computadores mais
rápidos para gerar informações e realizar cálculos, operados por microprocessadores
igualmente mais ágeis que, através das possibilidades das telecomunicações, podem
trocar informações para áreas remotas. As tecnologias da informação e telecomunicações
detêm maneiras de comprimir a quantidade de tempo necessária para a realização de
trabalhos no setor bancário de tal forma que conseguiu adotar o sistema de acesso 24
horas por 7 dias da semana, como ocorre com os caixas eletrônicos e em operações via
Internet (ANUÁRIO, 2009).
Os investimentos em TI que, em 1992, era da ordem de 2,7 bilhões de dólares, em
2012, perfizeram 9 bilhões. Os terminais de autoatendimento saltaram de 32 mil
unidades, em 1994, para 182 mil, em 2011, e, nos últimos anos, os bancos, através do
compartilhamento dessas estruturas, potencializaram ainda mais seu uso. Isso significa
dizer, por exemplo, que determinado banco, além de seus próprios caixas eletrônicos,
pode fazer parcerias com outros bancos, e por meio de plataformas comuns, permitir o
acesso dos clientes para realizar determinadas operações (FEBRABAN, 2012).
A mobilidade e o uso de novas mídias eletrônicas, presentes na rotina dos
clientes, são fronteiras iminentes a serem exploradas pelos bancos. A banalização da
telefonia móvel é um fator central na expansão do setor, haja vista no Brasil já existirem
mais pessoas que possuem um celular do que conta corrente em banco5. O celular será
desta forma a principal porta de acesso aos bancos, já que por meio dele já se pode
acessar empréstimo, realizar pagamento, verificar extrato, dentre outras transações.
5 Segundo dados da ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações - em 2012 foram computados 261 milhões de linhas ativas
na telefonia móvel. O IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, através da pesquisa Sistema de Indicadores da Percepção Social, afiança que 39% da população não têm conta em banco.
As agências, sob a ótica dos executivos do setor, serão “boutiques financeiras”.
Esta definição surgiu na ocasião do lançamento das “agências conceito” em agosto de
2012, quando os dois principais bancos concorrentes anunciavam o “banco do futuro”6.
No modelo proposto não haverá atendimento presencial dos caixas, apenas os
caixas eletrônicos. Na agência não haverá mais mesa fixa do gerente, mas ele irá com
seu notebook até o cliente; existirão painéis em 3D com mais de 2 metros de altura, e
um robô poderá dar as boas vindas aos clientes, que em caso de espera, terão disponíveis
para si uma mesa que atende ao comando de toque para ver revistas e jornais do dia. Pelo
uso da biometria, identificação pessoal feita através de parte do corpo, já presente na
realização das transações bancárias atuais, os clientes ainda poderão, mediante
acionamento feito por eles mesmos, se servirem de água gelada7.
Esse conceito aponta para um padrão de conforto e facilidades que não preveem
um atendimento realizado em massa, mas sim, atingirá os clientes que pretendem fazer
negócios, enquanto clientes de baixa renda serão direcionados para os outros canais de
atendimento, incluindo os Correspondentes Bancários, que, por não serem bancos, sequer
seguem as normas de segurança que hoje as agências são obrigadas a manter.
Os executivos dos bancos, através da área de TI, têm transformado e substituído
atividades internas de forma generalizada no ambiente corporativo. O uso de sistemas
integrados facilita os ganhos de sinergia e, mais do que isso, proporciona uma
reelaboração minuciosa do processo produtivo (MAÇADA e BECKER, 2001).
Utilizando os recursos das tecnologias da informação, uma série de indicadores
pode ser monitorada com mais facilidade, possibilitando a elevação da produtividade
pelo controle rigoroso de processos de trabalho que pareciam intangíveis em outros
momentos da história do trabalho bancário.
Desse modo, por meio das inovações tecnológicas, os clientes passaram a contar
com formas alternativas ao atendimento presencial na agência, sendo expressiva já na
década de 1990 a massiva utilização dos caixas eletrônicos e meios de acessar
remotamente os produtos e serviços bancários, como é o caso dos canais de
6 “O banco do futuro se torna realidade” in Jornal Estado de São Paulo, Caderno de Economia e Negócios, 24 de agosto de 2012. 7 As informações relativas ao “banco do futuro” foram coletadas em visita in loco feita pela pesquisadora e em materiais de divulgação das instituições.
teleatendimento e internet. Mas esses canais também condicionaram mudanças no
ambiente de trabalho dos bancos, resultando na alteração das rotinas, ao suprimir etapas
realizadas ao longo do processo de trabalho e eliminando, sobremaneira, o uso de papéis
e arquivos físicos.
Assim, os processos de informatização e automação têm promovido
concomitantemente dentro do organismo dos bancos: maior racionalização, melhor
sincronismo dentro da cadeia produtiva da empresa-rede e facilidades de integração e
conexão na relação banco-cliente.
Os processos de racionalização do trabalho no setor bancário impulsionados pelas
novas tecnologias levam em conta a eliminação de etapas de trabalho vivo contidas nas
atividades diárias e uma nova divisão do trabalho que envolve trabalhadores terceirizados
e os próprios clientes. A racionalização ainda pode ser percebida nas mudanças
organizacionais dentro das instituições e, principalmente, pelo refinamento das formas
de controle do fluxo produtivo, no tocante ao controle do tempo, novas funções
agregadas e uso massificado de novos dispositivos eletrônicos on line,nas rotinas de
trabalho.
As inovações organizacionais e tecnológicas, segundo Harvey (1993), interferem
nas relações entre capital e trabalho, na medida em que alteram a configuração dos
próprios mercados e as formas de controle do trabalho..
O progresso tecnológico na história do capitalismo é analisado por Marx (1985)
como algo endógeno ao sistema. O detentor dos meios de produção mantém como um
dos seus objetivos a expansão dos negócios através dos meios tecnológicos de que
dispõe. Essa busca permanente leva ao aumento de produtividade relacionado à
eliminação de trabalho vivo e ao rebaixamento de custo. O avanço técnico-científico com
objetivos de servir o capital afeta os trabalhadores, tornando-os mais vulneráveis, seja
para se adaptar às novas “máquinas” ou porque seus postos de trabalho são eliminados.
Os bancos remanejaram o trabalho da retaguarda, denominados no jargão
corporativo de Back Office, retirando-os, num primeiro momento, da agência e levando-
os para os centros operacionais e administrativos. Em etapa posterior, tarefas
remanescentes que não haviam sido informatizadas e automatizadas tenderam à
terceirização. Nesse contexto, o trabalho realizado diretamente com o cliente, Front
Office, também foi atingido pelas inovações tecnológicas que possibilitaram mais
agilidade e ofertaram um amplo leque de operacionalidades que facilitam o tipo de
prestação do serviço bancário que atua, centralmente, com informações processadas e
integradas por sistemas complexos que contam com o auxílio de softwares sofisticados
como são aqueles chamados de “intuitivos”. Ocorreu, assim, um processo de
desmaterialização dos procedimentos que significou a rarefação e até extinção completa
de algumas atividades (COSSALTER e VENCO, 2013). Conforme explicam as autoras:
[...]a tecnologia aplicada evolui direcionada à comunicação, na qual a
informação circula por redes e é tratada sucessivamente em diversos
níveis. Essa multiplicidade de tratamentos permite seu enriquecimento.
Passa-se de simples procedimentos contábeis a uma complexa gestão e
valorização da informação (idem, p. 79)
As facilidades derivadas das inovações tecnológicas contribuíram para a troca de
informações e arquivos entre agências, unidades administrativas e empresas terceirizadas
que, mesmo operando à distância, compõem o ciclo de trabalho de diversas áreas nos
bancos.
O trabalho realizado pelos trabalhadores bancários está totalmente vinculado
àquele realizado pelos terceirizados e, apesar de cindidos por uma divisão política,
jurídica, social e espacial, podemos inferir que os terceirizados se constituem parte do
“trabalhador coletivo”, no sentido marxiano do termo (MARX, 1985). Essa condição
aponta para o fato de que seus esforços serão decisivos para, na ponta, ser auferido o
lucro final das corporações bancárias, as tomadoras do serviço terceirizado, mas os
trabalhadores terceirizados serão por sua condição mais explorados, recriando nesse setor
formas anteriores nas relações de trabalho, nas quais havia jornadas extenuantes,
baixíssimos salários e direitos escassos.
Conforme pôde ser apreendido nas respostas de 85% dos participantes do survey,
as inovações tecnológicas têm levado a um maior controle sobre o tempo do trabalho
bancário. E-mails, smartphones, celulares, intranet e/ou similares aparecem nas respostas
para 77%, como meios que propiciaram a ampliação do trabalho.
Sobre o trabalho remoto, aquele que pode ser feito a distância, necessitando
apenas possuir a senha do banco para ter acesso ao sistema, 46% disseram ter
desconhecimento, seguido de 38% que percebem que tal realidade já faz parte do
cotidiano de trabalhadores de diversas áreas do banco.
Nos resultados do survey sobre aspectos relativos ao ritmo de trabalho, 78%
afirmaram que a aplicação de sistemas informatizados levaram a sua intensificação,
sendo realizadas mais e novas etapas de trabalho em menos tempo. O levantamento de
opinião buscou apreender ainda elementos que pudessem qualificar e mensurar a
elevação do ritmo de trabalho. Nesse sentido, foi questionado se o trabalho havia ficado
mais rápido, por causa das novas tecnologias e se o trabalhador sentia dores no corpo por
ficar muito tempo sentado, exposto ao uso do teclado e à tela do computador. A respeito
destas questões, as respostas atingiram 63% e 83%, respectivamente.
A produtividade individual, quando apurada, serve de referência tanto para
premiações, a exemplo dos pagamentos relativos à remuneração variável, quanto para
expor o trabalhador menos produtivo à demissão. Quando perguntados sobre o principal
impacto que as novas tecnologias podem trazer aos trabalhadores, 64% responderam que
pode ocorrer perda do emprego, seguidos de 9 % que concordaram em que o trabalho
ficou mais fácil. Esta resposta se fortalece com a de outra questão explicitamente
incluída para aferir se o trabalho havia sido simplificado, depois da implantação de
sistema informatizado e sobre este quesito apurou-se que 63% entendem que o seu
trabalho ficou mais rápido e fácil de ser executado, possibilitando que outras tarefas
pudessem ser exercidas.
Ainda no survey, perguntou-se aos trabalhadores se as inovações tecnológicas
exigiam do trabalhador maior nível de formação e escolaridade, sendo nesse caso a
resposta afirmativa, alcançando a marca dos 76%. Nota-se uma tensão entre as respostas,
admitindo que o trabalho se tornou mais fácil e as constatações de que ainda assim se
exige do trabalhador mais formação e escolaridade.
Sobre o banco oferecer algum tipo de formação ou treinamento para os
funcionários se adaptarem às inovações, 45% também responderam afirmativamente.
Quando se perguntou se as inovações levavam a algum desconforto físico e mental
durante a execução do trabalho, 69% disseram “sim”; na questão seguinte, pretendia-se
saber se as instituições financeiras ofereciam algum mecanismo para prevenir problemas
de saúde associado à introdução das novas tecnologias e 84% responderam “ não”.
As oscilações no estoque de empregos devem ser interpretadas levando em
consideração a introdução de novas tecnologias poupadoras de força de trabalho e ainda
relacionadas aos processos de terceirização que aconteceram no setor bancário. Mas
também devem ser analisadas dentro do contexto dos diversos planos de ajustes
econômicos pelos quais o país passou, pelo desempenho da economia capitalista no
Brasil, marcado por baixas taxas de crescimento do PIB- Produto Interno Bruto,
sobretudo na década de 1990, e ainda pelos processos intensos de fusões e privatizações
vividos dentro do setor (SANCHES, 2006; DIEESE, 2007).
Gráfico 2–
Evolução do Emprego Bancário Brasil– 1990-2011 (em mil pessoas)
Fonte: RAIS – MTE. Elaboração: DIEESE – Rede Bancários
Decorrentes das reestruturações produtivas ocorridas no setor bancário, o número
de trabalhadores caiu 33% (ver Gráfico 2) com relação ao período compreendido entre
1990 e 2011. Não obstante o volume de trabalho por bancário, se observado o indicador
“número de contas-corrente por bancário”, percebe-se um crescimento de 265% entre o
período de 1996 e 2001, conforme demonstra o gráfico abaixo:
Gráfico 3
Fonte: Relatório Social Febraban. Elaboração: DIEESE
Os dados dos gráficos 2 e 3 nos fornecem elementos para inferirmos sobre a
intensificação do trabalho na categoria bancária, haja vista o aumento do volume de
clientes pelo número de trabalhadores do setor que, apesar de voltar a crescer no último
período, sobretudo nos anos 2000, ainda é bem menor que no início da década de 1990.
Ainda, comparando os dados no período destacado no Gráfico 3, 1996 a 2011, observa-
se uma discrepância brutal na relação “produto” versus número de trabalhadores,
apontando uma relação de crescimento de 275% versus 2,8% , respectivamente.
A relação número de contas versus empregados não pode ser tomada como
critério único para mensurar a intensificação do trabalho bancário, apenas serve de
referência, haja vista não desconsiderarmos que a gama de produtos e serviços
financeiros é ampla e a produtividade do setor obedece a outras variáveis. E ainda não
podemos nos esquecer de mencionar que há um expressivo contingente de trabalhadores
terceirizados que executam tarefas para o setor e não constam nos dados do Gráfico 2 por
não serem classificados como bancários.
Pelo exposto, as perspectivas com relação ao que se define usualmente como
“banco do futuro” (FEBRABAN, 2012) colocam em xeque o futuro da própria categoria
profissional, bem como nos levam a perguntar sobre o futuro do sindicalismo bancário.
Além disso, as estratégias do setor financeiro apontam para bancos que terão cada
vez menos pontos de atendimento presencial, enquanto os dispositivos tecnológicos
conduzirão cada vez mais à popularização do autosserviço no setor financeiro
(FEBRABAN, 2012). A figura humana, o trabalhador bancário, terá sua presença
direcionada para atender apenas aquilo que as tecnologias da informação e as
telecomunicações não puderem viabilizar para os clientes.
Vivemos em uma época de constantes inovações tecnológicas que geram
alterações nas funções desempenhadas pelos trabalhadores e, portanto, promovem
também a mudança de perfil desses trabalhadores na composição da categoria
profissional. Algumas funções perdem espaço e outras ampliam sua participação dentro
dos bancos. Assim, funções associadas à expedição de documentos, recepção, auxiliares
administrativos, foram em larga medida eliminadas, enquanto outras têm sido
paulatinamente reduzidas, a exemplo, atualmente, da função dos caixas nas agências
bancárias. Paralelamente ocorre a ampliação do número de gerentes de contas nas
agências e das funções técnicas nos centros administrativos. As alterações no processo
produtivo e na composição da base de atuação sindical interferem no processo de
organização dos trabalhadores vinculados ao setor bancário.
As transformações no negócio bancário brasileiro e as inovações vinculadas à
tecnologia da informação aplicadas ao setor nos posicionam sobre o contexto no qual se
insere o trabalho e, consequentemente, se organiza o movimento sindical.
Vale considerar que, durante os anos de 1990 e início dos anos 2000, o
sindicalismo bancário brasileiro vivenciou a “era de resistência” (2013, FONTES et alii).
O mundo do trabalho enfrentava diversos ataques diante da política hegemônica
neoliberal que fomentava demissões, fusões, privatizações, terceirizações em meio às
ameaças constantes de flexibilização de direitos que atingiam categorias profissionais
com tradição de organização. Assim, os sindicatos elaboraram políticas defensivas e
ajustaram suas pautas de reivindicações a um novo tempo histórico marcado pela
ampliação dos direitos democráticos, como por exemplo, aqueles que se referem à
igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, isonomia de tratamento para
homoafetivos, inclusão da população negra e das pessoas com deficiência.
A “era da resistência” foi marcada por diversas lutas e confrontos. A posição
defensiva não eliminou a capacidade de organização dos trabalhadores que buscaram se
rearticular em meio às diversas mudanças pelo qual o setor passava até reencontrar um
novo momento, desde meados dos anos de 2003 até 2013, denominado a “era das
reconquistas”(2013, FONTES et alii). Entretanto, a despeito do cenário nacional ter
assumido uma nova configuração política e econômica, mais favoráveis às lutas dos
trabalhadores, não se extirparam e tampouco cessaram as consequências negativas que
haviam se iniciado na era anterior, com exceção clara às taxas de emprego que passaram
a subir e os processos de privatizações que foram contidos no setor.
A nova forma de atuar do sindicalismo bancário contou com a capacidade criativa
de seus agentes, sobretudo em períodos difíceis para realizar mobilizações mais incisivas
e de massa, como eram as greves por tempo indeterminado.
Da necessidade de manter-se em luta, desde a década de 1990, os sindicatos
adotaram novas estratégias, entre as quais se podem citar as paralisações denominadas à
época de origem de “Operação Kinder-Ovo”8. Trata-se de paralisações-surpresa nas
agências e centros administrativos bancários, fora do padrão grevista vigente na década
de 1980. As paralisações, pelos transtornos causados, capacidade de mobilização e pelo
caráter surpresa, levaram os bancos a procurarem formas de conter a ação sindical.
Assim, proliferaram os Interditos Proibitórios9.
A investida dos bancos contra a nova forma de mobilização encontrada pelos
sindicatos, que se popularizou no plano nacional, se somou às dificuldades de
organização que mantinham relação direta com a desfavorável correlação de forças entre
capital e trabalho representadas pelas políticas de flexibilização no Brasil ainda mantidas,
mesmo durante os anos da “era das reconquistas”, em decorrência das constantes
reestruturações produtivas.
Nota-se, ainda, que, intensificando-se a automação e a informatização, o poder
das greves e paralisações na categoria bancária, enquanto instrumento de pressão, estão
diminuindo, porque, com a diversificação dos canais de atendimento aos clientes e a
própria segmentação destes, os bancos minimizaram o atendimento presencial nas
agências. As facilidades tecnológicas, como pudemos observar ao longo deste artigo,
8 O nome faz referência explícita a um doce em forma de ovo, muito popular na época, cujo interior trazia uma surpresa. 9O Interdito Proibitório é uma lei elaborada no âmbito da esfera civil, amplamente utilizada para questionar a invasão de sem-terras
durante a década de 1990. O mesmo instrumento jurídico passou a ser utilizado para arbitrar sobre questões trabalhistas, requerido por
bancos e empresas terceirizadas para impedir o Sindicato de realizar paralisações e/ou greves nos locais de trabalho. O Interdito Proibitório prevê que o Sindicato deve manter distância de 100 metros da propriedade privada, como forma de não obstruir a
passagem nem danificar o patrimônio privado; em caso de descumprimento o Sindicato pagaria por local de trabalho multas
altíssimas, equivalentes a um percentual do valor total do imóvel. Houve multas que chegaram a mais de um milhão de reais, porém o Sindicato, apesar das dificuldades, continuou a realizar as paralisações e questionar na Justiça o não pagamento das multas.
possibilitaram aos clientes operarem transações financeiras a distância (remotamente)
através de caixas eletrônicos, centrais de teleatendimento e via internet, utilizando em
larga escala para esta finalidade computadores pessoais de vários tipos, assim como os
smartphones.
A greve, como uma forma de interromper o trabalho, visando demonstrar sua
importância e força, motivada por alguma reivindicação, seja ela econômica, social ou
política, tem se tornado um instrumento de luta pouco eficaz, pois não consegue por si
interromper a realização dos serviços, tampouco a venda de produtos.
Consequentemente, não gera prejuízo econômico no novo contexto altamente,
automatizado, informatizado e terceirizado dos bancos.
Na ocasião de paralisação das atividades em determinado local de trabalho do
banco, os gestores, através dos dispositivos eletrônicos móveis (celulares), direcionam
os trabalhadores de determinada unidade para outra e podem ainda determinar que o
trabalho seja feito remotamente, de casa ou de qualquer outro ponto no qual possa ser
usado um computador ou telefone, visto que estes são os principais instrumentos de
trabalho dos bancários.
Entretanto há outros inconvenientes sentidos pelos empregadores, como a perda
de sincronismo nas rotinas de trabalho, em virtude dos recursos de contingenciamento,
por ocasião das paralisações ou greves, nunca serem exatos, assim como o risco da perda
do valor da imagem das instituições financeiras que se desgasta durante o período em
que se realizam as mobilizações da categoria. Tais situações, ainda que de forma limitada
e restrita, questionam a governabilidade do setor. Desses inconvenientes, pois, se
alimenta o poder de barganha dos sindicatos dos bancários na atualidade.
A ação sindical bancária foi reorientada por suas lideranças que passaram a inovar
nas formas de comunicação com a categoria profissional, indo além da tradicional forma
do boletim impresso, promovendo canais como site, webtv e envio de mensagens via
celular. As greves e paralisações, ainda preservadas como ações centrais em momentos
de conflito na relação capital versus trabalho, têm sido direcionadas para centrais de
teleatendimento, polos administrativos, centros tecnológicos e até mesmo empresas
terceirizadas, a fim de atingir os fluxos de trabalho no setor. Ainda dentro dessa
perspectiva de reorientar suas ações, busca-se no campo da negociação, ampliar a
temporalidade dos acordos coletivos, como forma de garantir por mais tempo direitos já
consolidados, visando aprofundar as reivindicações que buscam atingir as causas de
adoecimento na categoria, como aquelas relacionadas à intensificação do ritmo de
trabalho e pressão constante no ambiente profissional, ambas derivadas dos processos de
racionalização implementados no setor.
Conclusão
As transformações ocorridas no sistema financeiro brasileiro, e em especial
aquelas relacionadas às inovações tecnológicas, levaram os sindicatos de trabalhadores a
rearticularem aspectos da sua ação sindical, construírem novos canais de comunicação e
participação, quando paralelamente se observaram mudanças relacionadas às novas
formas de dividir o trabalho e difundir novos canais de atendimento bancário eliminando
ao máximo o atendimento presencial.
A terceirização foi instrumental no sentido de aprofundar a segmentação dos
trabalhadores, pulverizar a representação sindical e enfraquecer sindicatos mais
combativos. As inovações tecnológicas facilitaram os processos de terceirização,
conferiram rapidez, multiespacialidade e possibilitaram a realização de diversos serviços
fora do ambiente tradicional da agência. De outra parte, interferiram no potencial de
organização e mobilização dos trabalhadores organizados.
A cena grevista e as demais mobilizações de caráter sindical encontraram novas
dificuldades vinculadas à nova forma do sistema financeiro operar e derivadas da
segmentação de trabalhadores. A ação sindical, diante do cenário adverso, atualizou suas
pautas de reivindicação e buscou novas formas de organização e comunicação com os
trabalhadores, dando novo fôlego ao movimento. As formas de luta precisam ser
reinventadas. A paralisação do atendimento presencial não garante a efetividade da
greve, por causa da amplitude dos outros canais de atendimento difundidos nos últimos
anos.
Presenciamos o surgimento da sociedade em rede, dinamizada pela era digital e
seus novos padrões de comportamento. As novas gerações de trabalhadores inseridos
neste padrão vão compor uma cena no mundo do trabalho cada vez mais polarizada. A
exclusão social de segmentos da sociedade e de trabalhadores promovida pelos bancos já
está em nosso cotidiano e, considerando os prognósticos para o futuro, tendem a se
acentuar. A noção de organização de sindicatos por categoria profissional já aponta seus
limites diante das terceirizações. O fortalecimento da luta dos trabalhadores bancários
passa pela releitura do novo ambiente de trabalho e suas imbricadas relações com outros
segmentos de trabalhadores.
Não há dúvidas de que o “banco do futuro” vai exigir um amplo esforço do
movimento sindical, que tem se posicionado pela manutenção do atendimento presencial,
no sentido de preservar empregos e condições dignas de trabalho, visando ao fim do
adoecimento dos trabalhadores e ao fim das diferenças sociais, políticas e econômicas
entre efetivos e terceirizados. Mas, indo além, deverá repensar suas estratégias de
organização e ação num mundo do trabalho cada vez mais virtualizado.
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