a terceirização e o setor público

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QUINTA-FEIRA, 28.05.2015 A terceirização e o setor público No setor público, a prática de contratação de empre- sa interposta para prestação de determinados serviços passou a ser empregada de maneira constante desde os primeiros anos da década de 1990, com as reformas admi- nistrativas do aparelho do Estado. Todavia, diferente da esfera privada, o setor público só pode realizar aquilo que a legislação autoriza, e neste caso, deve ser retomada as análises que vêm sendo realizadas no campo do direito. Por falta de regulamentação específica, foram criados os Projetos de Lei 4.330/04 e 1.621/2007, apresentado pelo deputado Vicentinho (PT-SP). Embora inexista regulamentação específica a respei- to da terceirização, há um dispositivo que a autoriza: a súmula n° 331 do TST de 1993, cujo objetivo consistia em regulamentar a prestação de serviços, prevista desde o DL 200 de 1967, que dispunha sobre a descentralização administrativa. As décadas de 1970 e 1980 foram perío- dos de amadurecimento destas práticas, que podem ser expressos no DL n° 6019/74, que autorizava a contratação indireta para serviços temporários, e a Lei n° 7102/83, que liberou expressamente a terceirização apenas sobre segu- rança para estabelecimentos financeiros. Até a Constituição abre brechas para diferentes inter- pretações a respeito da terceirização, pois, segundo o Art. 37, incisos I e II, para se ocupar um cargo ou emprego pú- blico é necessário o concurso público, todavia, no inciso XXI do mesmo artigo, fica uma ressalva para casos em que A terceirização ganhou, recentemente, destaque na- cional com a aprovação na Câmara dos Deputados do PL n°4330/04, de autoria do deputado federal Sandro Mabel (PL-GO), mesmo sendo um tema debati- do desde o início dos anos 90 nas Ciências Humanas, em especial, na Sociologia, Direito e Administração de Em- presas. Para cada uma das três áreas destacadas, há uma abordagem específica no que tange tal fenômeno, sendo que, na Sociologia, discutem-se os impactos da tercei- rização sobre a classe trabalhadora e a precarização do trabalho; no Direito, as questões legais sobre a prática de contratação terceirizada; e na Administração de Empre- sas, as vantagens que os empregadores obtêm com essas práticas, vistas como medidas, “moderna” e “racional”. Essas abordagens são úteis para compreender a maneira como a forma de contratação terceirizada tem, nos últi- mos anos, se tornado uma prática cada vez mais constan- te, seja nos setor público quanto no privado. YURI RODRIGUES DA CUNHA*

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Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo que aborda as relações entre o setor público e a terceirização

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  • QUINTA-FEIRA, 28.05.2015

    A terceirizao e o setor pblico

    No setor pblico, a prtica de contratao de empre-sa interposta para prestao de determinados servios passou a ser empregada de maneira constante desde os primeiros anos da dcada de 1990, com as reformas admi-nistrativas do aparelho do Estado. Todavia, diferente da esfera privada, o setor pblico s pode realizar aquilo que a legislao autoriza, e neste caso, deve ser retomada as anlises que vm sendo realizadas no campo do direito.

    Por falta de regulamentao especfica, foram criados os Projetos de Lei 4.330/04 e 1.621/2007, apresentado pelo deputado Vicentinho (PT-SP).

    Embora inexista regulamentao especfica a respei-to da terceirizao, h um dispositivo que a autoriza: a smula n 331 do TST de 1993, cujo objetivo consistia em regulamentar a prestao de servios, prevista desde o DL 200 de 1967, que dispunha sobre a descentralizao administrativa. As dcadas de 1970 e 1980 foram pero-dos de amadurecimento destas prticas, que podem ser expressos no DL n 6019/74, que autorizava a contratao indireta para servios temporrios, e a Lei n 7102/83, que liberou expressamente a terceirizao apenas sobre segu-rana para estabelecimentos financeiros.

    At a Constituio abre brechas para diferentes inter-pretaes a respeito da terceirizao, pois, segundo o Art. 37, incisos I e II, para se ocupar um cargo ou emprego p-blico necessrio o concurso pblico, todavia, no inciso XXI do mesmo artigo, fica uma ressalva para casos em que

    A terceirizao ganhou, recentemente, destaque na-cional com a aprovao na Cmara dos Deputados do PL n4330/04, de autoria do deputado federal Sandro Mabel (PL-GO), mesmo sendo um tema debati-do desde o incio dos anos 90 nas Cincias Humanas, em especial, na Sociologia, Direito e Administrao de Em-presas. Para cada uma das trs reas destacadas, h uma abordagem especfica no que tange tal fenmeno, sendo que, na Sociologia, discutem-se os impactos da tercei-rizao sobre a classe trabalhadora e a precarizao do trabalho; no Direito, as questes legais sobre a prtica de contratao terceirizada; e na Administrao de Empre-sas, as vantagens que os empregadores obtm com essas prticas, vistas como medidas, moderna e racional. Essas abordagens so teis para compreender a maneira como a forma de contratao terceirizada tem, nos lti-mos anos, se tornado uma prtica cada vez mais constan-te, seja nos setor pblico quanto no privado.

    YURI RODRIGUES DA CUNHA*

  • QUINTA-FEIRA, 28.05.2015

    a legislao autoriza para a contratao de servios me-diante processo licitatrio.

    O setor pblico emprega esta prtica de contratao utilizando como principal argumento a reduo de custo e o aumento a qualidade do servio oferecido popula-o, ou seja, uma prtica vista como modernizante e racional, pois possibilitaria, em tese, alcanar a equa-o, aumento de qualidade e reduo de custo, muito se-melhante esfera privada.

    Porm, como evidenciam as pesquisas do campo da Sociologia, a terceirizao tornou-se uma prtica preca-rizante do trabalho, na medida em que, a reduo do cus-to buscada incessantemente, repassada aos sujeitos tra-balhadores. Este repasse pode ser visto por meio de um

    movimento tendencial, em que os terceirizados recebem menores salrios, perdem parte de direitos e benefcios, e so as maiores vtimas de acidentes de trabalho, segundo pesquisas do DIEESE.

    Portanto, entende-se aqui, que o debate a respeito da terceirizao deve ser visto de maneira ampliada, levando em considerao quais os impactos desta prtica sobre os trabalhadores submetidos a esse regime contratual e quais so os interesses do setor pblico (especialmente a Cmara dos deputados na aprovao do PL 4330/04).

    YURI RODRIGUES DA CUNHA HISTORIADOR E SOCILOGO, MESTRE EM CINCIAS

    SOCIAIS, PROFESSOR DA UNESP DE ASSIS