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Ano 6 • Nº 21 • 3º trimestre • 2008 Mundo corporativo As oportunidades sem fim de um país que precisa de fôlego e preparo para mergulhar fundo na globalização Um oceano a descobrir

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Page 1: Apresentação SPED da Delloite

Ano 6 • Nº 21 • 3º trimestre • 2008

Mundo corporativo

As oportunidades sem fim de um país que precisa de fôlego e preparo para mergulhar fundo na globalização

Um oceano a descobrir

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Mundo Corporativo Nº 21 3º trimestre 2008

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Conselho editorial: Juarez Lopes de Araújo Heloisa Helena Montes

Edição: Renato de Souza MTb 26.563 [email protected]

Produção: Andrea Braga Daniela Zaha Julio Meneghini (MTb 52.308) Leonardo Salles Otavio Sarsano

Arte: Mare Magnum

Fotos: Gabriela Haddad

Carlos Della-Roca (Santander, pág. 15)

Nellie Solitrenick (Câmara Brasil-Alemanha, pág. 15)

Pierre Rocha Gontijo (Manaus, pág. 20)

Reportagens e artigos: André Sales Camila Viegas-Lee Dagoberto Souto Maior Jr. Eugênio Melloni Gleise de Castro Jander Ramon Roberto Rodrigues

Colaboração: ANAHP Banco Santander BID Câmara Brasil-Alemanha General Motors Hospital do Coração Hospital São Luiz IFC José Goldemberg MRS Logística Sociedade Albert Einstein Universidade de Columbia Pesquisa econômica: Silvana De Sario

Revisão: Miriam M. Soares Sonia Hagemann

Gráfica: Intergraf

Tiragem: 130.000 exemplares

Contato para leitores: [email protected]

(fone 11-5186-6686)

Mundo Corporativo

Filiada à Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)

O conteúdo expresso nos artigos assinados pelos articulistas colaboradores e nas entrevistas concedidas à revista Mundo Corporativo não reflete necessariamente as opiniões da Deloitte.

www.deloitte.com.br Acesse, no site da Deloitte, mais informações sobre os assuntos tratados nesta edição e em edições anteriores.

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Estar sempre um passo à frente é a essência da estratégia vencedora nos nossos tempos. Mais do que nunca, o mundo dos negócios precisa de novas maneiras de pensar, agir e propor soluções. Os novos desafios requerem hoje líderes que também se desafiam, sobretudo, a explorar novas possibilidades.

A preocupação em inovar está hoje na agenda das empresas, dos governos e da sociedade em todo o mundo. A edição 2008 do World Meeting da Deloitte, evento recentemente realizado na Califórnia, mostrou isso claramente a partir de visões expostas por personalidades – como o Prêmio Nobel da Paz, Al Gore – que hoje influenciam os rumos da globalização.

É desse ambiente de oportunidades, transformações, riscos e descobertas que tratam as reportagens desta edição de Mundo Corporativo: do peso dos mercados emergentes nas estratégias das multinacionais à consolidação do Brasil como fornecedor de produtos agrícolas, energias alternativas e tecnologias que viabilizam um mundo sustentável; da busca de fontes internacionais para financiar a nossa infra-estrutura à urgência do País em se planejar para não desperdiçar os ganhos que se projetam no médio prazo.

Diante desse oceano de perspectivas a explorar, a Deloitte renova o seu compromisso de continuar ajudando os líderes empresariais e o País a estarem sempre à frente. Boa leitura!

Juarez Lopes de AraújoPresidente da Deloitte

Exploradores e visionários

Nesta ediçãoAs voltas que o mundo dá

4 Mundos emergentes – Agora, são as nascentes economias do século 21 que ditam os rumos das multinacionais

7 A (nossa) energia verde – Se o mercado global precisa de alternativas, é o Brasil quem pode ter a solução

Ajuste de rota

10 As vias do crescimento – Em tempos de baixa liquidez e gargalos na infra-estrutura, o País busca novas fontes de recursos

14 Na dose certa – A busca do equilíbrio entre as metas das empresas estrangeiras e o mercado brasileiro

Sempre alerta

18 Bola em jogo – Os riscos potenciais de o País não se preparar desde já para a Copa de 2014

22 As páginas da nova era fiscal – Fique atento ao calendário do SPED, o novo modelo contábil e fiscal

26 Transparência nos níveis de risco – Os esforços dos bancos para gerenciar o risco operacional

Ondas que revelam

29 Estado crítico – Após anos de dificuldades, o mercado vê, enfim, saídas para reduzir o alto custo dos benefícios de saúde

32 Uma crise em vários tons – As razões da inflação dos alimentos, na visão do ex-ministro Roberto Rodrigues

O Prêmio Nobel da Paz, Al Gore, no World Meeting da Deloitte: inovar para estar sempre à frente

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Já faz tempo que o motor do crescimento econômico vem girando de modo mais rápido fora daqueles países que, décadas atrás, eram chamados de “desenvolvidos”. Os mercados ditos “emergentes”, como China, Índia, Brasil, Rússia, México e outros, são os que oferecem hoje as melhores oportunidades de expansão para as organizações multinacionais. Seus grandes e dinâmicos mercados internos se mostram receptivos às mais diversas novidades em produtos e serviços. Da mesma forma, porém, que esses milhões de pessoas se integram à economia globalizada, cresce também o seu nível de exigência. Mais do que nunca, o consumidor dos mercados emergentes quer variedade, qualidade, ofertas customizadas e, sobretudo, respeito. Os emergentes, enfim, amadureceram e ficaram exigentes, impondo às multinacionais a necessidade de repensar

suas estratégias e sua forma de atuação. Esses

novos desafios não se limitam

ao varejo.

Os mercados das nascentes potências econômicas do século 21, da China ao Brasil, se projetam como as novas estrelas no céu de riscos e oportunidades das multinacionais Por Camila Viegas-Lee, de Nova York

Mundos emergentes

Grandes corporações européias ou norte-americanas de segmentos como logística, siderurgia ou máquinas e equipamentos precisam se relacionar cada vez mais com os mercados emergentes, na busca de commodities do Brasil, mão-de-obra da Índia, manufaturados em larga escala da China e assim por diante.

Esse cenário global está refletido em boa parte das conclusões de três estudos recentes da Deloitte. Em “Os Poderosos do Varejo Global”, que elenca as principais redes varejistas do mundo, as conclusões indicam, mais do que a relevância dos mercados de consumo emergentes, a ascensão de empresas nascidas em países como China, Rússia e Brasil. Por sua vez, o estudo “Os Poderosos da Indústria de Produtos de Consumo”, que destaca os fabricantes que fornecem ao varejo, aponta que, das 50 empresas de crescimento mais acelerado no mundo, três são chinesas, duas são da Índia e outras duas, de Taiwan. Para Altair Rossato, sócio da Deloitte que lidera as estratégias de mercado para empresas de varejo e bens de consumo, a presença de empresas de países emergentes nesses rankings denota o estágio de equilíbrio que o setor vem alcançando no mundo. “Se,

por um lado, a conquista de mercados emergentes se tornou difícil para empresas de economias mais desenvolvidas, as oportunidades de internacionalização se

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Mundos emergentesjoint venture – passam pelo mesmo teste de qualidade e utilizam os mesmos padrões e medidas. “É um processo internacional padronizado para garantir o mesmo sistema métrico de qualidade em todos os mercados, sem importar de onde veio o produto.”

Apfel destaca também, a respeito do modelo de operação da GM, o que chama de “sistema de manufatura global”, uma descrição detalhada de como os produtos são construídos, desde a participação dos funcionários

disseminaram entre as organizações de todo o mundo, inclusive para as brasileiras”, afirma.

O terceiro estudo da Deloitte é o “Innovation in Emerging Markets”, que aborda as estratégias de empresas manufatureiras, reforça um sinal da nova face exigente dos compradores de países emergentes, hoje mais atentos a questões de segurança e qualidade. É essa postura que ajuda a explicar, na avaliação de José Othon de Almeida, sócio da Deloitte que lidera o atendimento às empresas do setor manufatureiro, o fato de quase um quarto dos 651 executivos ouvidos pela pesquisa – a grande maioria baseada em países emergentes – indicar que suas empresas estiveram envolvidas em processos de recall de produtos nos últimos cinco anos. “À medida que os consumidores de mercados emergentes se mostram mais conscientes e exigentes quanto à qualidade dos produtos que compram, a responsabilidade dos fabricantes aumenta. Esse grande número de recalls é um indicativo de que ainda há sérios riscos a serem gerenciados. Conhecer esses riscos, além de prevenir situações desagradáveis, também pode gerar oportunidades competitivas”, avalia.

A experiência da GMA preocupação com a segurança e a qualidade dos produtos não é novidade, mas, após os problemas ocorridos nos últimos anos – com a contaminação de brinquedos, creme dental e até ração para cachorro –, a questão se tornou mais evidente para consumidores, empresas, investidores e reguladores. Além disso, a discussão agora inclui aspectos relacionados à preservação ambiental, por exemplo. Em entrevista à Mundo Corporativo, Martin Apfel, diretor executivo do Departamento de Manufatura Global, Estratégia

e Planejamento da General Motors Corporation, explica que, apesar de esse processo ser mundial, as necessidades específicas de cada mercado emergente começam a influenciar a produção cada vez mais cedo. “Os carros para a região dos Andes, por exemplo, têm de funcionar bem em altas altitudes e isso é algo que colocamos em nossos livros desde o princípio e é acompanhado por engenheiros até o processo de desenvolvimento”, diz Apfel. Ele garante que todas as fábricas – seja da GM, de uma montadora contratada ou de uma

Apesar dos entraves que ainda desestimulam o investimento estrangeiro, o Brasil segue firme entre as prioridades das multinacionais. O investimento de US$ 200 milhões da General Motors na criação de uma nova fábrica no País, em Joinville, gerando 500 empregos diretos e mais 1.300 indiretos a partir de 2009, é apenas uma entre as muitas boas notícias a celebrar. A visão do diretor executivo da empresa, Martin Apfel, explica por si o investimento: “os indicadores macroeconômicos do Brasil nos deixam muito confiantes de que o País vai crescer sustentavelmente”.

Essa certeza está expressa também nas estratégias da Kraft Foods, uma das maiores fabricantes de alimentos do mundo, hoje presente em todos os grandes países emergentes, como informa o diretor de Assuntos Corporativos e Relações Governamentais da empresa no Brasil, Fabio Acerbi. “Na Kraft internacional – que compreende todas as unidades da organização sediadas fora dos Estados Unidos e do Canadá –, o Brasil é o país que mais tem recebido atenção e está no foco dos investimentos”, afirma. A unidade brasileira da Kraft tem uma gestão autônoma, como explica Acerbi. “Isso simplifica os processos e garante mais

autonomia para tomar decisões que façam sentido à realidade local.”

A Pepsico, outra gigante mundial fornecedora do varejo, com 11 fábricas no Brasil, vê o País como um mercado essencial às suas estratégias. “O Brasil vem se tornando na Pepsico uma das prioridades de investimento e desenvolvimento de novos negócios”, afirma José Roberto Lettiere, Chief-Financial Officer (CFO) da Pepsico. Lettieri reclama, porém, da carga tributária e dos juros que incidem sobre o crédito.

Os obstáculos inseridos no chamado “Custo Brasil” são as maiores preocupações da fabricante de automóveis Renault em suas estratégias locais. As deficiências na logística de transportes, a burocracia, a complexidade do sistema tributário e a instabilidade das regras, além da atual valorização do real, ainda inibem o investimento externo, conforme revela à Mundo Corporativo a administração da empresa no Brasil. Apesar disso, entre as maiores economias emergentes do mundo, o Brasil é hoje um país que oferece bons resultados à Renault em termos de rentabilidade e volume, se comparado à Rússia, Índia e China, lembrando que, nesses dois últimos, as operações da empresa ainda estão se iniciando.

Gigantes em nossas fronteiras

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A estratégia da diferença: menos risco, mais valor

até o desenvolvimento e a aplicação de padrões de qualidade e aperfeiçoamento contínuo. “Todas essas atividades são dissecadas nos mínimos detalhes e, depois, acompanhadas de perto para vermos como nossas fábricas estão funcionando em todo o mundo”, explica. Segundo o diretor, esse trabalho envolve um cuidadoso monitoramento para que o produto se adeque às necessidades específicas do mercado e aos padrões de qualidade internacional.

A preocupação sempre maior com a ecologia e a sustentabilidade levou

as multinacionais a reformarem e divulgarem suas políticas ambientais. No caso da GM, muitos são os princípios que devem ser respeitados. “Investimos muito tempo e dinheiro com a auditoria da implementação desses padrões, seja no Usbequistão, na Venezuela ou no Egito”, conta Apfel. No Brasil, a nova fábrica da GM, que deve ser inaugurada em Joinville no final de 2009, contará com um sistema elétrico para os testes de motor, sem o uso de gasolina ou etanol, a fim de eliminar a geração de gases tóxicos dentro das fábricas.

Para o diretor da GM, “o que os mercados emergentes mais ensinam é a necessidade de um sistema flexível, que permita a tomada de decisões com pouca informação. É preciso ser capaz de mudar sempre e aprender com as experiências”. •

Camila Viegas-Lee é correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, com passagens por veículos como Wall Street Journal, Valor Econômico, Folha de S. Paulo e telejornais das TVs Globo e Cultura

terceirizados. Ao mesmo tempo, porém, elas estão percebendo que a demanda da Índia por softwares está crescendo. Por isso, querem estar na Índia não apenas para comprar, mas também para vender. E estão descobrindo que suas fornecedoras, como a Wipro e a Infosys, se tornaram também suas concorrentes. A outra razão é que a estratégia de contar com parceiros locais nem sempre funciona porque esses parceiros estão freqüentemente se tornando globais.

Como o Brasil pode se diferenciar?O Brasil oferece muitas vantagens às corporações multinacionais. Antes de mais nada, é uma democracia que conseguiu desenvolver instituições estáveis, que apóiam o comércio e o investimento estrangeiro. Depois, tem uma notável força em engenharia, como a aeronáutica, mas também em TI e software. Em terceiro lugar, o País opera mais ou menos no mesmo horário dos Estados Unidos e isso torna a comunicação e a coordenação muito mais fáceis. Há muito que o Brasil pode fazer e está fazendo para crescer sua posição na economia internacional. Eu resumiria todos esses esforços simplesmente dizendo que o Brasil entendeu, há muito tempo, que precisa competir pelo valor do que tem a oferecer e não apenas pelo baixo custo. Made in Brazil deve significar “qualidade”, assim como made in England significava há 100 anos, ou made in U.S. há 60 anos e made in Japan há 30 anos. Isso significa muito mais do que qualificar fornecedores por suas práticas. Compreende tornar as empresas brasileiras atuantes fora do Brasil. A Embraer, que eu visitei há uns 20 anos, é um bom exemplo do que pode ser atingido. Valor, e não custo, é o futuro do Brasil. (C.V.L.)

Especialista em estratégias de multinacionais, investimento estrangeiro e mercados emergentes, o professor de Administração Estratégica da Universidade de Columbia, Bruce Kogut, falou à Mundo Corporativo sobre os atuais riscos das empresas transnacionais e as oportunidades do Brasil.

Como lidar com os riscos do processo de suprimentos em países emergentes? O risco é melhor gerenciado no contexto do relacionamento entre fornecedores e compradores. Uma das razões desse problema é o fato de as multinacionais tradicionalmente avaliarem fornecedores de mercados emergentes apenas com base no preço. No entanto, há custos nessa estratégia, em particular, nos riscos da segurança e qualidade do produto. Os consumidores se importam com isso e estão dispostos a pagar “algo” para ter certeza de que os produtos sejam bons. A questão é: como podem as multinacionais convencer o consumidor de que essa promessa de valor adicional é verdadeira? Para isso, compradores e fornecedores devem trabalhar juntos para colocar em prática programas transparentes e comprováveis, que garantam a qualidade e a segurança do produto, além de assegurar ao consumidor o respeito pelas condições ambientais.

Que fatores influenciam a experiência das multinacionais nesses países?Elas aprenderam a operar até em ambientes muito turbulentos e a gerenciar, com muito cuidado, a exposição de seus investimentos em certos países. Em algumas indústrias, como a de petróleo e mineração, mas também a de produção de máquinas e bebidas, essa exposição é difícil de

ser reduzida, pois as demandas de investimento de capital são grandes. A resposta para essas multinacionais tem sido buscar parceiros locais para dividir investimentos e riscos, enquanto mantêm seu poder de barganha pelo controle de canais globais de distribuição.

Que tendências podem ser esperadas dessa forma de atuação?A estratégia de manter o controle pela distribuição está se desgastando rapidamente por duas razões. A primeira é que os mercados domésticos de muitos países emergentes têm se tornado interessantes. A Índia, por exemplo, está crescendo rapidamente e tem uma enorme demanda por mão-de-obra especializada para a sua indústria de TI. Por isso, os custos estão aumentando rapidamente. As multinacionais estão, portanto, procurando em outros lugares, inclusive no Brasil, por softwares

Bruce Kogut, da Universidade de Columbia: o diferencial competitivo dos emergentes não pode mais se limitar aos custos baixos

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As chances de o Brasil aproveitar o cenário global de instabilidade na oferta de alimentos e energia para se projetar como um grande fornecedor de etanol, produtos agrícolas e tecnologia Por Eugênio Melloni

O etanol brasileiro foi colocado, nos últimos meses, diante de uma encruzilhada, no caminho que percorre rumo à criação de novos mercados no exterior. Incensado como uma das principais alternativas para a redução do efeito estufa, o combustível extraído da cana-de-açúcar passou a ser acusado, juntamente com os demais biocombustíveis, de ser um dos principais agentes da crise mundial da oferta dos alimentos. As acusações provocaram reações rápidas e severas do governo brasileiro, de especialistas em energia e alimentos e de representantes do agronegócio de todo o País, que têm conseguido, aos poucos, desmobilizar com argumentos técnicos o arsenal antibiocombustíveis (leia artigo de Roberto Rodrigues nas págs. 32-34).

Na opinião do diretor-titular do Departamento de Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Benedito da Silva Ferreira, o episódio somente se explica

Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos (Abef). “Temos a possibilidade de explorar mais de 90 milhões de hectares de áreas agricultáveis, sem afetarmos áreas de preservação ambiental, como a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica”, assegura Turra.

A própria alta dos preços no mundo poderá gerar oportunidades ao agronegócio brasileiro. O economista da Sociedade Rural Brasileira (SRB), André Diz, considera que a alta dos alimentos é capaz de contribuir também para que países como os Estados Unidos venham a flexibilizar as rígidas barreiras que mantêm para a importação de produtos agrícolas. “A redução das taxas de importação permitiria, por exemplo, ao banco central norte-americano (o Federal Reserve), adotar uma política de taxas de juros mais branda para conter a inflação”, avalia.

“Temos grandes potenciais, mas também grandes desafios”, afirma o professor Antônio Márcio Buainain, do Instituto de

como parte “do velho jogo internacional de interesses comerciais” entre os países. “Essa polêmica, no Brasil, não existe”, diz Ferreira, acrescentando que apenas 6% da área agricultável do País, cerca de 6 milhões de hectares, é ocupada pela cana e que a expansão do plantio tem se dado sobre áreas de pastagens degradadas e não em locais destinados ao plantio de alimentos.

Acusações e defesas à parte, a crise na oferta de alimentos e a busca por energias alternativas representam uma grande oportunidade. Para o Brasil, a produção de etanol e o cultivo de alimentos, além de não serem atividades excludentes, representam, ambas, frentes de negócios com grande potencial. “Somos o único país capaz de ampliar a sua oferta de alimentos e atender à crescente demanda mundial, valendo-se de uma grande produtividade”, diz o ex-ministro da Agricultura Francisco Turra, atual presidente-executivo da Associação

A (nossa) energia verde

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O físico José Goldemberg, professor emérito do Instituto de Eletrotécnica e Energia, da Universidade de São Paulo (USP), com passagens pelos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia e pela Secretaria Nacional do Meio-Ambiente, foi um dos estudiosos precursores do programa Pró-Álcool, que deu início, em meados da década de 70, à produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, como alternativa ao súbito encarecimento da gasolina após a crise do petróleo. Ele falou à Mundo Corporativo sobre o atual cenário energético e as oportunidades do Brasil.

As autoridades e o agronegócio conseguiram desarmar a campanha antibiocombustíveis? Acredito que sim. O instituto criado recentemente pelo ex-secretário geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Koffi Annan, realizou recentemente uma conferência que tratou da questão dos alimentos de forma favorável ao etanol brasileiro. O Prêmio Nobel da Paz, Rajendra Pachauri, presidente do IPCC (painel da ONU para o clima), fez uma análise dizendo que, na questão envolvendo a produção de biocombustíveis e de alimentos, é preciso distinguir o álcool de cana dos seus congêneres. A Royal Society, a academia britânica de ciências, também tem analisado a questão, diferenciando o etanol à base de álcool dos demais biocombustíveis em relação à sua sustentabilidade. Estamos conseguindo, por meio de trabalhos científicos, mostrar que o etanol de cana é diferente, no que se refere à competição com os alimentos, dos etanóis feitos a partir de beterraba e de milho.

O etanol brasileiro volta então a ser uma alternativa ao mundo? São muito boas as perspectivas para o álcool brasileiro, que continua a ser um excelente substituto para a gasolina. A produção de etanol no mundo todo equivale a 1 milhão de barris por dia, enquanto o consumo de petróleo é de 80 milhões de barris por dia. Naturalmente, o etanol deverá ganhar espaço, influindo na fixação dos preços para os combustíveis. Hoje, o custo de um barril de etanol produzido no Brasil equivale a US$ 40. Nos Estados Unidos, o barril de etanol custa o dobro. É por isso que os norte-americanos impõem barreiras alfandegárias ao álcool brasileiro.

A produção de etanol a partir da celulose, estudada pelos norte-americanos, pode limitar o potencial do etanol de cana?Ainda é muito cedo para se dizer como essa tecnologia irá se afirmar no cenário mundial. Ela encontra-se em fase de testes, com a produção feita apenas em usinas-piloto. Não há ainda plantas comerciais. É preciso esperar a evolução das pesquisas.

O futuro do etanol, na visão de um precursor

O cientista e ex-ministro José Goldemberg

Economia da Unicamp. Como exemplo, ele aponta os pontos de estrangulamento existentes na infra-estrutura brasileira e a falta de mecanismos de proteção aos riscos do agronegócio. “O risco, que é elevado, leva, a cada três ou quatro anos, a um desgastante processo de renegociação das dívidas dos produtores rurais, que implica atrasos na ampliação da produção de grãos”, acrescenta Buainain.

Mauro Andrade, gerente sênior do Petroleum Services Group da Deloitte e também especialista em questões

relacionadas a biocombustíveis, destaca que não há indícios no Brasil de que áreas dedicadas ao plantio de soja, milho e outros grãos estejam sendo deslocadas pelo cultivo da cana-de-açúcar. Ele alerta, porém, para a possibilidade de essa contraposição vir a existir no futuro. “O aumento significativo da produção de etanol no Brasil ocorreu há apenas três anos”, lembra Andrade, que alerta para a expectativa de uma série de usinas entrar em operação até 2010, marcando a chegada de grandes grupos no negócio do etanol no Brasil.

Ao estruturar seus projetos, parte dessas organizações está partindo para investimentos que envolvem a aquisição de terras visando ao plantio próprio de cana. Esse comportamento tem sido verificado inclusive em regiões do Centro-Oeste, dedicadas atualmente à produção de grãos. “Não está afastada a possibilidade de, no futuro, por conta da aquisição de terras por esses grupos, existir uma pressão da cana sobre áreas dedicadas ao plantio de grãos”, admite.

Volta por cimaApesar do intenso tiroteio a que foi submetido, o etanol à base de cana também desfruta de imensas oportunidades. O presidente da Companhia Brasileira de Energia Renovável (Brenco), Philippe Reichstul, afirma que continuam intactos, após os ataques contra o etanol, os planos da empresa de investir no País R$ 5,5 bilhões até 2015, sendo R$ 4,5 bilhões na construção de novas usinas e R$ 1 bilhão em logística e comercialização. “O etanol é cada vez mais uma idéia acertada, se se levar em conta o preço do barril do petróleo”, declara Reichstul. A Brenco – que conta com acionistas como o ex-presidente norte-americano Bill Clinton e o ex-presidente do Banco Mundial James D. Wolfensohn – planeja construir oito novas usinas. Com isso, ela produzirá, a partir de 2015, cerca de 3,8 bilhões de litros de etanol por ano, o correspondente a 15% da produção nacional e 4% da mundial.

“O mercado do álcool é impulsionado por dois fatores: a alta internacional do preço do petróleo e o aquecimento global”, diz Marcos Sawaya Jank, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), a maior entidade representativa do setor sucro-alcooleiro, que congrega mais de 100 usinas, responsáveis por mais de 50% da produção de álcool no Brasil. “Com o petróleo no preço atual, o álcool passa a ser viável”, justifica. Mauro Andrade, da Deloitte, acredita que seja irreversível o efeito da alta do petróleo como estímulo à produção de biocombustíveis. “É pouco provável que ocorra um recuo grande dos preços do petróleo. Muito pelo contrário: os preços ainda podem subir um pouco mais”, estima.

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Mauro Andrade, do Petroleum Services Group da Deloitte: etanol brasileiro como solução aos altos impostos sobre combustíveis na Europa

Jank, da Unica, vislumbra oportunidades no longo prazo para o álcool brasileiro nos Estados Unidos. Os norte-americanos, que produzem 35 bilhões de litros de etanol, projetam para 2022 um mercado de 118 bilhões de litros, dos quais 57 bilhões serão supridos por etanol convencional e 61 bilhões por etanol de celulose. “A produção de etanol é, para os Estados Unidos, uma questão de segurança energética, o que explica a proteção a esse mercado”, diz Jank. “Será um grande negócio se pudermos conquistar um pedacinho desse mercado, atuando de forma complementar no suprimento de álcool”, acrescenta.

Jank ressalta, porém, que, apesar das oportunidades fora do País, “o nosso principal alvo é o mercado interno”. As vendas de álcool seguem aquecidas no mercado interno desde o advento dos carros flex fuel, em 2003. Atualmente,

as vendas de álcool combustível correspondem a 50% do consumo brasileiro de gasolina, enfatiza o presidente da Unica.

Tecnologias e mercadosPara Andrade, da Deloitte, há hoje nos Estados Unidos um fator que transforma em incógnita a performance do etanol brasileiro. “Em no máximo cinco anos, os norte-americanos deverão dominar a tecnologia que permitirá a produção de etanol a partir da celulose”, prevê. Com a posse dessa tecnologia, ainda em fase inicial de desenvolvimento (leia entrevista na pág. ao lado), será possível utilizar como matéria-prima tudo que contém celulose – de folhagem a restos de safras agrícolas, por exemplo. “Eles podem, com essa tecnologia, criar um produto competitivo em relação ao etanol produzido à base de cana-de-açúcar”, alerta.

A preocupação dos Estados Unidos com o desenvolvimento do etanol tem relação também com a urgência de reduzir sua enorme dependência do petróleo, o que explica os constantes subsídios concedidos aos produtores locais. Um dos mais importantes usineiros do Brasil, Maurílio Biagi Filho, de Sertãozinho (SP), na região do

principal pólo de produção de etanol do País, acredita que,

mesmo nos Estados Unidos, os altos dispêndios com

os subsídios já estão provocando protestos. “Os subsídios são também um problema em países como a França, que produz etanol a partir do trigo. Seria melhor para a França se importasse etanol brasileiro e exportasse o trigo para o Brasil”, salienta.

A exemplo de Biagi, Mauro Andrade, da Deloitte, acredita que a Europa teria benefícios a partir de uma abertura de seu mercado ao etanol brasileiro. “Os consumidores europeus reclamam muito dos altos preços dos combustíveis”, enfatiza, acrescentando o peso dos impostos nessa questão. “O etanol brasileiro, misturado aos combustíveis, poderia contribuir para uma redução desses preços. Como vi em muito poucas ocasiões os governos baixarem impostos, acredito que a melhor alternativa para baratear os combustíveis é permitir a entrada do etanol”, sugere o especialista em energia da Deloitte. Ele acrescenta que há várias multinacionais européias entrando na produção de etanol no Brasil. “Com a entrada dessas empresas, o álcool poderá ser embarcado para a Europa sem a caracterização de produto importado”, indica.

Nesse mercado, a perspectiva de projeção do Brasil no exterior não se limita ao etanol, nem aos alimentos. Na esteira das transformações energéticas em curso, o País pode também exportar tecnologia. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), José Edson Parro, a tecnologia adotada pelos carros flex fuel, que tem obtido sucesso no Brasil, também poderia vir a encontrar mercados no exterior. “Esse modelo poderia facilmente ser exportado, uma vez que os detentores das tecnologias são empresas multinacionais, como a Delphi e a Bosch”, avalia Parro. Ele acrescenta, porém, que o fator determinante da expansão dessa tecnologia seria a disponibilidade, em grande escala, do etanol produzido a partir da cana nesses países. Parro diz também que não conhece exemplos de tecnologias semelhantes aos motores flex fuel brasileiros que estejam sendo desenvolvidas em outros países. “Já existem carros híbridos, movidos simultaneamente, por exemplo, a eletricidade e diesel, mas que contam com dois motores. Os carros flex brasileiros têm um único motor movido a dois combustíveis”, compara. São sinais das oportunidades que hoje se apresentam para o Brasil nessa nova era energética. •

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As vias do crescimentoPara suprir as enormes demandas do País em infra-estrutura, os organismos financeiros multilaterais se consolidam como fontes alternativas de recursos, especialmente, em períodos de menor liquidez global Por Gleise de Castro

Estabilidade econômica, aumento acelerado do consumo e expansão do Produto Interno Bruto (PIB) a taxas acima das registradas por países desenvolvidos são fatores que não deixam dúvidas: o Brasil está definitivamente na rota do crescimento. E, para crescer de forma sustentável, são necessários investimentos maciços em infra-estrutura, a fim de remover os inúmeros gargalos que ainda

dos R$ 84,1 bilhões que o País destinou a esse fim, segundo levantamento da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib).

Com isso, ganha destaque o papel dos bancos de fomento e dos organismos multilaterais, aos quais o governo e a iniciativa privada podem recorrer para obter boa parte do capital necessário para que as obras saiam do papel. Isso porque essas instituições operam com projetos de longo prazo de maturação e que envolvem grandes volumes de recursos, oferecem prazos mais dilatados de financiamento e costumam ser imunes a percalços conjunturais, como a crise dos títulos subprime nos Estados Unidos, que afetou a liquidez global. Há também a vantagem da isenção fiscal do imposto de renda sobre a remessa para pagamentos de juros, que incide sobre os demais empréstimos feitos no exterior.

Para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o PAC compõe, com o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e a agenda social do

emperram o desenvolvimento pleno do País. Sinal dessa preocupação são as obras previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal, que prevê o investimento de R$ 503,9 bilhões em infra-estrutura de 2007 a 2010. A esses recursos, somam-se os feitos diretamente pela iniciativa privada, que corresponderam, apenas entre 2003 e 2007, a 43,5%

Roberto E. Soares, da IFC, braço do setor privado do Banco Mundial: confiança no País

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governo, os três eixos prioritários do projeto nacional de desenvolvimento e, por isso, serve como ponto de partida para a definição de sua estratégia para o Brasil nos próximos quatro anos. “O BID vislumbra uma perspectiva de plenas possibilidades para que o País mantenha a aceleração nos investimentos públicos e privados”, diz Wagner Guerra, economista do BID que representa a instituição no Brasil. “A estabilidade macroeconômica e a consistência na política fiscal e de endividamento público têm sido fundamentais para assegurar um cenário favorável à economia brasileira mesmo diante de eventos internacionais desfavoráveis. Os ganhos manifestam-se não só pela redução da incerteza e do risco, que inibiam a taxa de retorno dos investimentos privados, como também pelo favorecimento ao financiamento

de longo prazo, corroborado pela obtenção do grau de investimento”, complementa Guerra.

O Brasil é o principal parceiro e mutuário do BID, mantendo a média histórica de 21% dos empréstimos aprovados desde a criação do banco. A dívida total do País hoje com o banco é de cerca de US$ 13,5 bilhões, equivalentes a 25% dos empréstimos totais do BID. Nos últimos cinco anos, os desembolsos anuais médios ao Brasil têm ficado em US$ 1,5 bilhão. Só na área de infra-estrutura, o banco tem hoje em carteira 33 projetos em execução, um total contratado de US$ 1,5 bilhão, que representa 22% de todos os projetos em execução do BID no País. São 23 projetos realizados com entidades do setor público (US$ 734 milhões) e 10 com o privado (US$ 730 milhões).

E esses recursos tendem a crescer. O BID registra uma demanda potencial de 21 projetos em fase de preparação, que somam US$ 2 bilhões e poderão ser aprovados em 2008 ou 2009, para beneficiar os segmentos de transportes, saneamento, meio ambiente e infra-estrutura do setor privado, com destaque para energia. “Hoje, diante do atual ritmo de aceleração dos investimentos, estima-se que o Brasil possa absorver mais de 40% dos recursos disponíveis do BID em 2008”, diz Guerra.

Os investimentos do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), braço direito do Banco Mundial, também são ascendentes no Brasil. Entre 2005 e 2008, o banco aplicou US$ 1,6 bilhão em projetos de infra-estrutura no País. Para o período de 2008 a 2011, as expectativas são de

Os “nós” do Custo Brasil – Em 2008, pelo menos 20% do mínimo que o Brasil precisa de investimento anual em infra-estrutura continuará não atendido pelos recursos públicos e privados previstos para o período

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Infra-Estrutura da International Finance Corporation (IFC), o braço do setor privado do Banco Mundial. “O País vem atraindo um volume crucial de capital privado para infra-estrutura. Com a melhora dos fundamentos econômicos e os avanços em marcos regulatórios,

Apesar da disposição dos organismos internacionais em ampliar o crédito ao País, há um longo caminho a ser percorrido pelos interessados em tomar esses empréstimos, como alerta Susana Furquim, gerente sênior da área de Corporate Finance da Deloitte. Ela ressalta a importância de que a organização que busca o crédito se prepare de tal forma que a instituição multilateral possa entender bem o contexto da aplicação do recurso. “Para se credenciarem ao recebimento de recursos dessas instituições, as empresas privadas e públicas precisam lançar mão de uma análise adequada da viabilidade de seus projetos, de uma avaliação econômico-financeira bem estruturada e do estabelecimento de um plano de gestão, entre outras medidas. Tudo para atender às exigências dessas instituições e também para melhorar sua própria gestão interna”, explica Susana. “As exigências prévias constituem um processo trabalhoso para a estrutura interna da companhia. Elas são bastante consumidoras de esforço e tempo”, diz Henrique Aché Pillar, diretor de Planejamento e Finanças da MRS Logística. Ele afirma que muitas empresas levam até um ano na montagem da operação. A MRS conseguiu fazer isso em tempo relativamente rápido, quatro meses, em uma operação para a captação de US$ 100 milhões com a IFC, contratada no final de 2005, com prazo de oito anos e três meses de carência. Os recursos foram aplicados na compra de ativos importados: locomotivas, trilhos e sistemas de sinalização e telecomunicação. “O lado bom da história foi termos conseguido uma linha não disponível no Brasil na época, com a combinação de prazo e custo competitivo”, afirma Pillar. “Agora que a companhia já está organizada para buscar esse tipo de financiamento, se viermos a nos credenciar novamente, fica muito mais fácil.”

A necessidade de se fazer uma operação de hedge cambial (que permite à empresa proteger seu balanço das

flutuações do dólar em casos nos quais as receitas são em moeda estrangeira) constitui outra dificuldade inerente a esses empréstimos, como lembra Carlos Andrade, diretor financeiro do grupo EDP Energias do Brasil. “Isso encarece um pouco as operações, mas, como essas fontes de recursos são mais competitivas em juros e prazos em relação a outras fontes de financiamento externo, acaba compensando”, diz Andrade. O grupo lançou mão de um empréstimo do BID pela primeira vez em 2004, para sua distribuidora controlada Bandeirante Energia, no valor de US$ 100 milhões, nas modalidades A (recursos do BID) e B (bancos comerciais). “Foi uma operação pioneira, em uma situação difícil para o setor elétrico. As negociações começaram em 2003, quando tínhamos acabado de sair do racionamento e o dólar havia disparado”, conta o executivo.

O EDP também contratou uma operação de US$ 40 milhões com o Banco Europeu de Investimento (BEI), em 2002, com prazo de seis anos, para investimentos

na distribuidora Enersul. Na área de geração, o EDP tem investido até agora basicamente em hidrelétricas, cujo índice de nacionalização é de praticamente 100% e, por isso, os financiamentos provêm do BNDES. “Os investimentos de instituições multilaterais fazem mais sentido quando destinados à compra de equipamentos importados, como no caso de termelétricas, área em que também temos projetos”, afirma Andrade. Já a CCR fechou uma operação de US$ 128,9 milhões com o BID, por 14 anos, para a compra de equipamentos destinados à linha 4 do Metrô de São Paulo. “Se tomássemos esses recursos diretamente dos fabricantes, teríamos de pagar cerca de US$ 20 milhões adicionais por conta do imposto de renda sobre remessa de juros”, diz Arthur Piotto, diretor financeiro e de relações com investidores da companhia. “Outra vantagem é a percepção de que esses recursos são mais abundantes do que os do crédito direto, por causa da menor liquidez internacional”, afirma Piotto.

A longa e compensadora jornada rumo ao crédito

duas décadas de crescimento econômico emperrado e pouco investimento em infra-estrutura, o Brasil se encontra em uma posição extremamente favorável para iniciar um ciclo de desenvolvimento sustentável”, diz Roberto Emrich Soares, investment officer do Departamento de

Henrique Pillar, da MRS Logística: esforço recompensado com a captação de US$ 100 milhões da IFC

investir US$ 4,6 bilhões no setor, de um total estimado de US$ 7 bilhões. Entre os projetos envolvidos, figuram o de desenvolvimento regional do Rio Grande do Sul, com US$ 180 milhões, e o plano para trens e sinalização de São Paulo, com US$ 550 milhões. “Após mais de

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o cenário para a participação de agentes financeiros tem sido muito favorecido. Investidores estrangeiros passaram a considerar o Brasil como um país confiável para aplicações de recursos de longo prazo, principalmente em infra-estrutura”, avalia Soares.

A IFC participou no Brasil de projetos de infra-estrutura que envolveram um financiamento de cerca de US$ 660 milhões nos últimos seis anos e mais US$ 276 milhões em empréstimos sindicalizados, incluindo segmentos tão variados como energia, rodovias, portos e ferrovias. A carteira comprometida total da IFC no País é hoje de cerca de US$ 2,4 bilhões e mais US$ 846 milhões em empréstimos sindicalizados. Desse total, 22% estão concentrados em projetos de infra-estrutura.

O principal agente de fomento brasileiro, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), também utiliza as fontes multilaterais para financiar seus projetos. A meta do banco para este ano é captar US$ 1,5 bilhão desses organismos, dos quais US$ 500 milhões destinam-se à área de infra-estrutura. Do KfW, da Alemanha, devem ser captados € 50 milhões para a construção de pequenas centrais hidrelétricas e usinas eólicas e mais € 100 milhões para saneamento. Além disso, estão em fase de desembolso uma operação firmada, em dezembro de 2007, com o China Development Bank (CDB), de US$ 750 milhões, para a construção do Gasoduto Sudeste-Nordeste (Gasene), e um financiamento do Japan Bank for International Cooperation (JBIC), fechado em 2005, de US$ 500 milhões, para obras gerais de infra-estrutura. Esses recursos, somados aos de outras instituições, entram no funding do BNDES para compor o total de R$ 80 bilhões que serão desembolsados em 2008. Nos 12 meses anteriores a abril deste ano, o total de financiamentos do banco somou R$ 76,2 bilhões, dos quais R$ 30,2 bilhões em infra-estrutura.

Além disso, o BNDES firmou, em outubro de 2007, um convênio com a IFC e o BID para a criação de um fundo, com aporte inicial de US$ 3,9 milhões, destinado a prover recursos

técnicos e financeiros para estruturar e fomentar projetos de infra-estrutura na forma de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Desse total, a IFC entra com US$ 1 milhão, o BID com mais US$ 1 milhão e o BNDES, via BNDESPar, com o restante. “As captações com organismos multilaterais podem representar um complemento importante para enfrentar a forte demanda por financiamento que o banco vivencia hoje”, diz Terezinha Moreira, chefe do Departamento de Captação junto a organismos internacionais do BNDES. “Com o dinamismo do PAC e uma série de projetos em infra-estrutura, é importante contar com fontes de recursos adequadas, em prazos e em condições, para o atendimento desses investimentos.”

Potencial ainda maior O Brasil pode ampliar ainda mais a utilização dessas instituições nas operações de financiamento. Segundo levantamento da Abdib, o País precisa de R$ 108,4 bilhões de investimentos em infra-estrutura por ano, ao longo de uma década, sem interrupção, “para evitar que problemas nos sistemas de energia, transporte, saneamento e telecomunicações se transformem em impeditivos ou gargalos ao crescimento econômico”, diz Paulo Godoy, presidente da entidade. Hoje, o total investido por ano, considerando-

se recursos públicos e privados, corresponde a pouco menos de 80% do necessário. “As instituições multilaterais são fundamentais e sempre consideradas na hora de estruturar financiamentos para empreendimentos de infra-estrutura”, diz Godoy. “Basta olhar para São Paulo e verificar que uma série de empreendimentos nas áreas de água, esgoto e transporte público foi financiada por esses bancos.”

Paulo Resende, diretor do Núcleo de Logística da Fundação Dom Cabral, entende também que é essencial o papel dessas agências na construção da infra-estrutura brasileira, principalmente porque elas podem suprir projetos não tão atraentes ao investimento privado. São projetos que têm como características estimular o desenvolvimento regional e ampliar o alcance social. Ele avalia que 40% dos projetos de logística de transporte compreendidos pelo PAC se encaixam nessa categoria. Além disso, Resende estima que a necessidade real de investimentos em obras de logística no Brasil é de R$ 80 bilhões, contra os R$ 58,3 bilhões previstos no PAC. “Daí o papel indispensável dessas agências de fomento”, afirma Resende.

Essa visão é compartilhada por José Paulo Rocha, sócio que lidera a área de Corporate Finance da Deloitte. “Uma análise feita apenas a partir de uma ótica exclusivamente financeira não colocaria investimentos em saneamento, habitação, estradas e portos, por exemplo, no topo das prioridades dos investidores privados”, diz. “Já as agências multilaterais, por terem uma visão de desenvolvimento humano de longo prazo, acabam dando peso maior a essas áreas, em que o Brasil tem grande carência.” Para Pieter Freriks, sócio da mesma área da Deloitte, “os organismos financiadores internacionais tendem a se consolidar, cada vez mais, como uma excelente alternativa na busca de recursos, especialmente em tempos nos quais a liquidez global pode ficar comprometida”. E conclui: “essas instituições oferecem boas condições de crédito e o Brasil deve aumentar o uso dessas fontes de recursos para financiar o seu desenvolvimento”. •

Wagner Guerra, do BID: Brasil como principal parceiro e mutuário da instituição

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Na dose certaO esforço contínuo das empresas estrangeiras em ajustar os objetivos e a cultura de suas matrizes às peculiaridades do mercado brasileiro, a fim de garantir o sucesso de seus investimentosPor Jander Ramon

solidez das instituições e a perspectiva de continuidade do ciclo de crescimento de atividade – com a oferta de oportunidades de negócios em setores ainda inexplorados – formam um ambiente de sedução para a entrada de investimentos. Boa parte desses recursos chega na forma de investimento direto feito pelas próprias empresas estrangeiras que mantêm negócios no País.

Como traço comum, todas as corporações que investem no Brasil seguem as mesmas premissas, como a meta da geração de lucros e de retorno aos seus acionistas, seja pela expansão das suas atividades, pela eficiência na gestão de custos ou por meio da obtenção de ganhos de produtividade. Basta posicionar, entretanto, uma lupa sobre o modo como atuam essas organizações que se dispõem a remeter altos investimentos ao País para que se identifique uma série de peculiaridades nas operações desenvolvidas, nem sempre alinhadas com os parâmetros culturais e mesmo de negócios da realidade local. “Percebemos situações inusitadas, na qual um negócio não é concretizado puramente por aspectos culturais. Os valores acertados podem agradar a estrangeiros e brasileiros e a operação pode ser interessante para ambos, mas o negócio não se materializa pelo simples fato de os dois lados não se entenderem”, cita o sócio da Deloitte que lidera a área de Relações com Clientes, Edgar Jabbour. Ele também é responsável pela recém-criada Spanish Desk, a versão espanhola da estrutura de apoio que a Deloitte oferece a empresas estrangeiras que realizam investimentos no Brasil.

Exatamente por ser crescente a presença de investidores internacionais no mercado brasileiro, cada vez mais é observada a necessidade de as empresas lançarem mão de um “olhar local” para que não apenas o ingresso dos recursos,

Os dados sobre Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) no Brasil indicam uma fase excepcional de atratividade da economia local para os capitais externos. Em 2007, corporações produtivas e financeiras internacionais trouxeram ao País a quantia recorde de US$ 34,6 bilhões, conforme dados do Banco Central (Bacen). Apenas no período de janeiro a maio deste ano, o volume atingiu a casa de US$ 14 bilhões, quase o mesmo obtido em todo o ano de 2005, por exemplo, em uma clara indicação de manutenção do elevado ritmo de expansão. Em um cenário interno que combina estabilidade econômica, política e regulatória, a recente obtenção do “grau de investimento” (investment grade) das agências de classificação de risco Standard & Poors e Fitch, a

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Na dose certa

como também a manutenção das operações, se torne bem-sucedido. “No caso dos espanhóis, houve uma clara decisão de destinar investimentos para a América Latina, pelos motivos óbvios de históricos laços culturais e facilidade com o idioma. Embora o Brasil não tenha o espanhol como língua, trata-se da maior economia da região e as organizações espanholas identificaram nosso mercado como prioritário”, explica Jabbour.

Agressividade e paciênciaEm 2007, o capital de origem espanhola foi um dos líderes em IED no Brasil. A presença ibérica no País advém de longa data, revestida de pleno conhecimento das peculiaridades que permeiam o ambiente de negócios local. “Não são muito diferentes de franceses, portugueses ou italianos. Caracterizam-se por uma gestão de perfil mais centralizador, com regras definidas no país de origem e que devem ser seguidas à risca por suas subsidiárias”, relata Jabbour. Acostumado ao “jeito espanhol” de negociar, o vice-presidente de Recursos Humanos do Santander, Ulrico Barini Filho, destaca a forma “pragmática e desburocratizada e o sentido de urgência” pelos quais o alto comando da empresa opera. “Um dos valores do Santander está no grau altamente ético e na garantia de

entrega do que foi prometido. O estilo de trabalhar é seco, muitas vezes, com palavras duras, algo por vezes não compreendido pelos brasileiros”, relata o executivo.

Para dirimir esses ruídos, o responsável pela Spanish Desk da Deloitte comenta que as empresas espanholas precisam, em muitas ocasiões, de facilitadores que atuem como “espuma entre cristais”. “É preciso, por exemplo, harmonizar e convergir relatórios de uma operação brasileira para atender à regulamentação espanhola, medida que exige ajustes aos dois mercados”, explica Jabbour. Também faz parte do processo compreender o perfil de realização de negócios, no caso espanhol, muitas vezes, rotulado de “agressivo”, quando analisadas as subsidiárias locais de gigantes como Telefônica, OHL e o próprio Santander. “O estilo da corporação espanhola atende a um objetivo claro de que as empresas se tornem líderes dos mercados que disputam”, analisa o sócio da Deloitte. “Há, claramente, arrojo e determinação. O Santander decidiu ser um dos primeiros bancos

Rolf-Dieter Acker, da Câmara Brasil-Alemanha: cerca de 1.200 empresas alemãs, como a Basf, atuam no País

Ulrico Barini Filho, vice-presidente de RH do banco espanhol Santander: uma cultura de pragmatismo, urgência e desburocratização

do mundo e trabalha para isso”, exemplifica o vice-presidente da instituição financeira.

Se poucos países do mundo contam, como o Brasil, com investimentos de procedências tão diversificadas, há de se ter também versatilidade para que os negócios possam fluir no mercado local. Assim acontece com as organizações japonesas, que contam com características muito próprias em seus modelos de gestão. As relações comerciais estabelecidas pelos nipônicos são baseadas em uma receita de confiança e que exige paciência dos interlocutores, comenta o sócio que lidera a chamada “Prática Japonesa”, a Japanese Desk da Deloitte, Tosiyuki Nakamura. “Pesam muito o relacionamento pessoal e o cumprimento preciso do que foi estabelecido no contrato, sem jeitinhos ou flexibilizações”, acrescenta. “Antes de chegar ao presidente da empresa, o assunto é analisado profundamente e de forma exaustiva pelos níveis gerenciais de comando, em uma cultura de trabalho coletivo, com levantamento de todos os riscos. Isso demanda tempo

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e não adianta o empresário local se enervar e ter pressa, porque a visão japonesa estabelece que, coletivamente, é mais difícil errar”, pondera Nakamura.

Característico, e paciente, também é o modo de uma empresa nipônica operar, sempre focada em objetivos de longo prazo. “Se tomarmos o exemplo da entrada da Toyota e da Honda no Brasil, notamos que iniciaram a produção com volumes baixos, em torno de 20 mil veículos por ano, e foram crescendo aos poucos”, cita. Hierarquia também é outro ponto-chave no relacionamento com executivos japoneses. “Um presidente de uma organização japonesa não admite, por exemplo, discutir negócios com um interlocutor que não tenha um cargo elevado”, comenta.

Foco e disciplinaAo ingressarem no Brasil, os investidores estrangeiros, independentemente do país de origem, têm queixas freqüentemente relacionadas à complexidade do sistema tributário e do excesso de burocracia. “Mas isso não impede que as empresas invistam no Brasil. Não conheço nenhum caso de uma empresa estrangeira ter desistido de investir no País justificando a decisão apenas com o ‘Custo Brasil’”, ressalva o presidente da Câmara Brasil-Alemanha, Rolf-Dieter Acker.

Presentes há décadas no País, com cerca de 1,2 mil empresas e representando cerca de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial brasileiro, os alemães também vinculam sua instalação no território nacional a uma relação de confiança e respeito à íntegra dos contratos. “Dependendo um pouco do lugar, encontramos no Brasil uma cultura empresarial em muitos aspectos semelhante à européia, sobretudo no sul do País. Ao contrário do que acontece, por exemplo, em países da Ásia, o estrangeiro adapta-se aqui mais facilmente, pois os brasileiros são um povo aberto e receptivo”, descreve Acker. “No entanto, o alemão, pelo menos no começo, pode estranhar certas situações. Por exemplo, aqui demora um pouco mais para se obter uma resposta definitiva a uma solicitação. O brasileiro, às

vezes, evita dar respostas negativas diretamente, para não contrariar o parceiro estrangeiro logo no começo”, exemplifica.

O sócio-líder da German Desk da Deloitte, Maurício Pires Resende, esclarece que a superação de barreiras se torna mais fácil a partir do momento em que os brasileiros compreendem, com precisão, quais são as expectativas do investidor alemão quando ingressa em um negócio. “Culturalmente, o executivo alemão é detalhista e objetivo e tende a ser mais formal e centralizador. Muito organizados, mostram-se profundamente restritivos sobre a qualidade do que contratam”, informa. “Embora a impressão que o povo alemão passe seja de excesso de rigor, na realidade, trata-se de um perfil extremamente focado e disciplinado na busca de resultado”, adiciona.

Também é recorrente a preocupação com questões de preservação ambiental, conforme destaca Acker, da Câmara Brasil-Alemanha. “As empresas alemãs, em geral, se caracterizam pela busca contínua por inovação e qualidade de serviço. Estão entre os líderes em tecnologia de ponta. Zelam pela implantação de normas ambientais e sociais e pelo cumprimento destas”,

comenta, ao vincular tal preocupação com as estratégias de longo prazo.

Os fatores culturais se mostram também muito relevantes nos relacionamentos conduzidos pelas empresas francesas, como conta o sócio Philippe Canel, que lidera a French Desk da Deloitte. “Entender as diferenças culturais é fundamental nas relações transnacionais. O executivo francês tem uma forma mais direta para encaminhar uma negociação, o que pode ser interpretado como uma atitude rude ou indelicada. Porém, com a globalização das empresas, o aprendizado sobre como outras culturas conduzem os negócios e a interação com os costumes praticados em outros países tornam-se credenciais essenciais”, avalia Philippe. A respeito da complexidade encontrada em questões técnicas relacionadas à prática de negócios no Brasil, como o sistema tributário, Philippe considera não ser um grande problema, desde que se possa contar com um assessoramento adequado. Ligeiros e certeirosSe, em grande parte, os investimentos diretos estrangeiros estão atrelados a projetos de maturação de longo prazo, como enfrentar então o desafio imposto pelo grupo de investidores

Bem-vindos sejamAo mesmo tempo em que o movimento de internacionalização de empresas brasileiras se intensifica, os investimentos de organizações estrangeiras no País também crescem. Os recentes recordes no montante de Investimento Estrangeiro Direto (IED) no Brasil refletem essa tendência.

Fonte: Deloitte (a partir da consolidação de dados do Banco Central do Brasil); montantes de investimentos acumulados em 12 meses móveis

IED e IBD (Em US$ bilhões)

45

40

35

30

25

20

15

10

5

0

-51996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

11

19

29 2933

22

17

10

1815

19

3538

10 03 2 2

-2

2

10

3

28

7

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Investimento Estrangeiro Direto (IED) líquido Investimento Brasileiro Direto (IBD) líquido

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com perfil de permanência menos duradoura no País, os chamados fundos de private equity? Eles identificam oportunidades de negócios, adquirem participações em empresas, injetam capital e reestruturam os

modelos de gestão, explica Ronaldo Xavier, sócio da área de Consultoria Tributária da Deloitte, especialista nos aspectos tributários relacionados a essas operações. “Geralmente, esses fundos trazem recursos para a

ampliação da empresa, transformando uma receita de R$ 100 milhões em, por exemplo, R$ 150 milhões. Depois de, em média, cinco anos, vendem o negócio a um concorrente ou efetivam uma fusão ou ainda abrem capital em Bolsa”, exemplifica o especialista.

Xavier conta que são várias as experiências de os fundos manterem antigos donos ou gestores à frente do negócio, porém, com a implantação de uma nova cultura administrativa e empresarial. “Os antigos gestores passam a ser cobrados por geração de resultados e devem estar prontos para enfrentar os novos desafios. Há uma profunda mudança de cultura, balizada em maior agressividade e busca de resultados”, salienta. Essa modalidade de investimento também deve ser considerada pelas empresas brasileiras entre as possibilidades de negócios. Trata-se de um mecanismo alavancador de negócios que se encontram ainda em estágio de maturação e que oferecem um nível de risco aos investidores superior ao encontrado em alternativas mais tradicionais do mercado.

Um levantamento da Deloitte aponta que o País experimentou, em 2007, um total de 705 operações anunciadas de fusões e aquisições, tendo os fundos de private equity uma participação importante nesses negócios. “Embora ainda tenhamos de enfrentar questões cruciais, como a elevada carga tributária, a necessidade de equilíbrio dos gastos públicos e o permanente cuidado com o meio ambiente – um tema bastante sensível aos investidores –, o cenário brasileiro é extremamente positivo e incentivador a novos ingressos de capital. Nosso ciclo de IED não só vai se manter, como será expandido”, enfatiza Xavier.

Entender as características e particularidades dos investidores pode ser um fator importante para as empresas tirarem proveito do excelente atual momento de ingresso de capitais no País. Ao mesmo tempo, tentar entrar no Brasil sem contar com um olhar sobre a cultura do mercado local pode ser um risco para os estrangeiros – talvez a diferença entre um negócio ser ou não concretizado. •

Sinal de compromissoO incremento do Investimento Estrangeiro Direto (IED) verificado em 2007 reflete também a relativa expansão, naquele ano, dos investimentos de países com histórico mais longo de atuação no Brasil, caso de Estados Unidos, Espanha, Alemanha, França e Japão (evolução abaixo). Mesmo os investimentos do Japão – que se mostram uma exceção à regra, por terem registrado nos 12 meses de 2007 uma queda em relação a 2006 – já sinalizam, a partir de estatísticas mais recentes, uma acentuada recuperação, ao se levar em conta o período de 12 meses anteriores a maio de 2008.

Fonte: Deloitte (a partir da consolidação de dados do Banco Central do Brasil); até 2005, os dados acima não incluem investimentos em bens e imóveis

Ingresso de Investimento Estrangeiro Direto (IED)(Em US$ bilhões)

4,5

3,5

2,5

1,5

0,5

-0,52003 2004 2005 2006 2007

Estados Unidos Espanha Alemanha França Japão

Muito a crescerApesar do aumento nos investimentos diretos recebidos de países com histórico de atuação mais longo, a participação do Brasil no total de recursos destinados ainda é muito pequena, o que sinaliza, sobretudo, o grande potencial de crescimento. Da soma das saídas de investimentos diretos de cinco países selecionados (abaixo) ao longo de 2007, o Brasil foi o destinatário de cerca de somente 1% dos capitais.

(Em US$ bilhões)

Estados Unidos 316,7 3,8 1,19

Espanha 121,5 1,8 1,47

Alemanha 103,6 1,4 1,38

França 219,7 1,0 0,46

Japão 73,5 0,8 1,10

Total 835,0 8,8 1,06

País Saída de

investimentos diretos

Destinação de investimentos

diretos ao Brasil

Participação do Brasil

no total (%)

Fonte: Deloitte (a partir da consolidação de dados da Economist Intelligence Unit)

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A Copa do Mundo de 2014 já deveria ter começado, pelo menos, para as cidades e os centros esportivos que ainda pretendem capitalizar tudo o que esse evento poderá gerar em negócios e desenvolvimento para o Brasil Por Dagoberto Souto Maior Jr.

O alerta é de Robson Calil Chaar, sócio da área de Consultoria em Gestão de Riscos da Deloitte e um dos responsáveis pelo grupo multidisciplinar dedicado ao “Projeto Copa do Mundo 2014”. “Se os preparativos para a Copa não forem acelerados imediatamente, o País corre o risco de ter de arcar com todos os custos demandados pela iniciativa, mas não ter, em contrapartida, os benefícios que um evento desse porte tende a oferecer”, avisa Calil. Edgar Jabbour, sócio da Deloitte também dedicado

a apoiar a organização do evento no Brasil, endossa a preocupação. “Mais importante do que os estádios são todas as atividades complementares, como obras de infra-estrutura, preparo do capital humano e planejamento dos eventos a serem realizados em torno dos encontros esportivos. A mobilização deve

A Copa do Mundo de 2014 é nossa e já começou. O que ela coloca em jogo é nada menos do que a capacidade de todo um país se organizar para tornar realidade as oportunidades que um evento dessa magnitude propicia não apenas ao esporte, mas à economia, à sociedade e ao futuro da nação. As cifras envolvidas na realização de uma Copa do Mundo impressionam e dão uma idéia da dimensão dos negócios que podem ser gerados e revertidos em lucro e desenvolvimento (veja quadro na pág. 21). Porém, para que o Brasil consiga aproveitar todo esse potencial, há uma partida a ser travada todos os dias dos próximos seis anos e que tem como determinante da vitória o planejamento.

Bola em jogo

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cidades sediarão os jogos da Copa, a Fédération Internationale de Football Association, a FIFA, cogitou oito capitais. O objetivo da entidade, ao contar um número reduzido de sedes, é otimizar os recursos alocados no evento e evitar o que aconteceu na Coréia do Sul e no Japão, por exemplo, quando alguns empreendimentos se tornaram economicamente inviáveis após o torneio de 2002.

Foram pré-selecionadas 18 cidades como candidatas a sediar jogos da Copa: Manaus, Belém, Fortaleza, Natal, Recife/Olinda, Maceió, Salvador, Belo Horizonte, Brasília, Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro, Campo Grande, Cuiabá, Rio Branco, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. A CBF entende, por outro lado, que 12 cidades seriam uma quantidade adequada, considerando as dimensões e a repercussão que o evento trará ao Brasil. A previsão é de que, no início de 2009, a FIFA já defina as cidades-sede. É preciso considerar, contudo, que um evento dessa natureza é tão eficiente ao atrair investimentos que, mesmo as cidades que não forem escolhidas também

ser bem direcionada e envolver governos, investidores privados e, obviamente, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), além de todos aqueles que, de alguma forma, participarão do evento”, afirma.

Jabbour alerta também para a oportunidade de algumas cidades otimizarem esforços e recursos, como,

por exemplo, o Rio de Janeiro, candidato à Olimpíada de 2016. “Os dois eventos, Copa e Olimpíada, poderiam ser coordenados como apenas um, quanto às atividades para a melhoria da infra-estrutura da cidade”, propõe. Ele lembra que já há várias ações em curso no País, mas ainda sem a organização e integração necessárias. “Essa mobilização está mais adiantada em alguns Estados e inexistente em outros. Ainda falta um grande projeto para a Copa. É preciso haver um grupo de agentes focados nesse processo, identificando oportunidades e lacunas. E, se isso não acontecer rapidamente, algumas decisões acabarão sendo atropeladas. Não estamos atrasados, mas essa é a hora de começar para que tudo saia direito”, ressalta.

O Comitê Gestor da Copa, entidade privada criada para administrar todo o torneio, ainda não deu início a ações efetivas. Enquanto isso, o cronograma fica mais apertado a cada dia. Embora não se saiba ainda quais

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serão potencialmente beneficiadas, lembra Rachel Toledo, gerente sênior da Deloitte, dedicada ao setor público. Segundo Rachel, dependendo do tamanho da cidade, ela vai poder abrigar, no máximo, de quatro a seis jogos, o que gera demanda por locais adequados para que outras seleções possam treinar enquanto esperam pelas partidas. E os melhores lugares para suprir essa demanda, diz ela, são os centros de treinamento dos clubes, que também são obrigados a cumprir as rígidas exigências da FIFA se quiserem credenciar suas instalações para esse objetivo. “É uma grande oportunidade de negócio para que os clubes de

futebol possam atrair capital privado e fomentar a construção de estádios e instalações acessórias. Isso sem falar do ganho turístico que virá para o município e os seus arredores”, avalia Rachel.

Goleada de investimentosPara que tudo saia sem erros, será preciso investir muito dinheiro. O aporte mais evidente e urgente terá de ser feito na construção ou reforma de estádios e arenas esportivas que receberão os jogos. Segundo a CBF, poderão ser 12 estádios – de acordo com o número de sedes a ser confirmado –, cada um avaliado em cerca de US$ 100 milhões. No entanto, os investimentos deverão

ser muito mais amplos. A Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib) alerta que não basta pensar onde a bola vai rolar. Para que a Copa seja um sucesso, o Brasil precisa sofrer uma mudança profunda, pois terá de eliminar problemas crônicos e históricos de infra-estrutura, além dos gargalos que existem há décadas.

Para Ralph Lima Terra, vice-presidente executivo da Abdib, toda a preparação deve partir de um plano diretor que identifique quais os empreendimentos de infra-estrutura e de esportes que o Brasil precisa construir. “É importante que haja envolvimento e comprometimento dos governos, em todos os níveis da Federação, além, e sobretudo, da iniciativa privada. Quanto maior a participação dela no planejamento e nos investimentos, maiores as chances de haver sucesso”, afirma Ralph Lima. No fim de junho, a Abdib fechou um termo de cooperação técnica com a CBF e com o Ministério dos Esportes, a fim de identificar cada projeto a ser implementado e o valor estimado para a iniciativa. É preciso investir em transporte, fontes geradoras de energia, saneamento – principalmente coleta e tratamento de esgoto –, telecomunicações etc, tudo para que o País funcione direito e atenda aos brasileiros, ao setor produtivo e aos turistas que aqui estarão, deixando um legado pelo desenvolvimento. Os investimentos necessários para resolver os gargalos da infra-estrutura foram estimados em R$ 87,7 bilhões, a serem realizados em dez anos. Como a Copa não permite esperar uma década inteira, os esforços terão de aumentar para acelerar os investimentos.

Se o propósito é construir um legado, é preciso pensar no uso das instalações após o evento. “Precisamos desenvolver empreendimentos de infra-estrutura e de esportes pensando na viabilidade econômica deles para o futuro, a fim de que a Copa do Mundo deixe um rastro de crescimento no Brasil. Dou um exemplo: o País precisa aderir ao conceito de arenas com múltiplas funções, conciliando esportes, entretenimento e serviços diversos. Os estádios hoje são pouco utilizados e têm infra-estrutura e tecnologia

A Copa do Mundo de 2014 entrará para a história como a primeira a estabelecer parâmetros ecológicos oficiais a serem cumpridos por governos e empresas privadas que participem de sua organização. É o que a FIFA chama de “green goal” (gol verde), criado para marcar a preocupação com o meio ambiente e a sustentabilidade na realização de grandes eventos. Entre as exigências “verdes” da FIFA, que deverão ser obrigatoriamente seguidas pelo Brasil, estão a criação de programas de reutilização, reciclagem e redução do lixo e a neutralização de todo o carbono produzido no evento.

Nesse contexto de fazer uma “Copa Verde” no Brasil, o governo do Amazonas, Estado que abriga a maior porção de floresta amazônica do País, foi um dos primeiros a trabalhar para incluir Manaus, sua capital, entre as sedes do evento. Para o secretário de Planejamento e Desenvolvimento Econômico do Amazonas, Denis Benchimol Minev, Manaus se diferencia das demais cidades pela bandeira da sustentabilidade. “Temos hoje uma taxa de desmatamento de 0,05% ao ano, drasticamente melhor do que a do resto do Brasil e do histórico do próprio Estado. Fizemos isso com um conjunto de ações que valoriza a floresta em pé, que vai desde o estabelecimento de preço mínimo para produtos sustentáveis (como borracha, óleo de andiroba e copaíba, entre outros) ao pagamento do ‘Bolsa Floresta’ para famílias de regiões

onde não se identifique desmatamento via satélite. O Estado diz não ao crescimento de certos setores, como pecuária extensiva, soja e cana-de-açúcar. Queremos que este seja um Estado de turismo, de indústria e energia limpos, de serviços ambientais, de utilização de recursos naturais com tecnologia e sustentabilidade e com uma economia de serviços forte”, afirma o secretário.

Thiago Moreira Salles, gerente sênior da Deloitte que atua no “Projeto Copa do Mundo 2014”, avalia que o evento representa uma oportunidade para que Manaus passe por melhorias expressivas dos pontos de vista estrutural, social, econômico e cultural. De acordo com Salles, a Copa é um “vetor de antecipação às necessidades futuras”, o que pode significar que muitos investimentos que objetivam o aprimoramento da qualidade de vida de toda a população – e que geralmente são realizados no longo prazo –, poderão ser antecipados para 2013, quando o Brasil sediará também a Copa das Confederações.

Edição brasileira do evento será a primeira a contar com ações pela sustentabilidade

A estréia da “Copa Verde”

Manaus: candidatura com apelo ecológico

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A Alemanha se tornou, em 2006, uma referência na organização de uma Copa do Mundo

A lição deixada pela maioria dos países que sediaram grandes eventos esportivos, como Copa do Mundo ou Olimpíada, mostra ao Brasil que quem começa antes e se planeja bem ganha mais. A Copa da Alemanha, em 2006, é tida como um sucesso de público e crítica. Só para ficar no aspecto esportivo, o país ganhou em infra-estrutura de estádios – que agora se reflete em maior público e renda aos clubes locais – e em receitas geradas pelo marketing esportivo, que crescem sem parar. A economia ganhou também e muito (números à direita).

A Inglaterra, que começou a se preparar para a Olimpíada de 2012 ainda em 2002, é outro exemplo no qual o Brasil deve se espelhar. Em julho de 2007, um dia depois de Londres receber a notícia de que sediaria os Jogos, já havia um grupo reunido para planejar o evento. Desde então, o trabalho dos organizadores segue sem interrupções, com as operações coordenadas a partir de uma base que funciona dentro do próprio escritório da Deloitte na cidade.

Já na África do Sul, houve demora em começar os preparativos, impondo um alto preço alto à comissão organizadora. A preparação só se iniciou efetivamente há cerca de um ano e meio. “O resultado foi um atraso geral nos preparativos, obras feitas em caráter de emergência e o aparecimento de inúmeras dificuldades, não apenas do ponto de vista do projeto, mas também de falta de material”, afirma Edgar Jabbour, um dos responsáveis pelo “Projeto Copa do Mundo 2014”, da Deloitte. O país sediará, já em 2009, seguindo o compromisso com a FIFA, a Copa das Confederações, quando no mínimo cinco estádios terão de estar prontos. “Hoje a África do Sul é um grande canteiro de obras, com empreendimentos do porte de aeroportos, meios de transporte público etc. Em algumas cidades, não há tempo para fazer metrô convencional e optou-se pelo metrô de superfície para acelerar e baratear os custos”, explica Elias de Souza, gerente sênior da Deloitte.

A experiência da África do Sul, que hoje se esforça para recuperar o tempo perdido, parece indicar ao Brasil que este é mesmo o momento de se planejar. Com problemas estruturais parecidos, mas com um território muito maior do que o do país-sede da

defasadas. Os empreendimentos podem ter investimento e operação privados, garantindo um melhor aproveitamento dos projetos após a Copa”, diz Lima.

Outro desafio, como lembra Elias de Souza, também gerente sênior da área da Deloitte que atende ao setor público, é quanto ao modo de operação entre o Comitê Gestor da Copa, que executa tarefas representativas da FIFA, a entidade organizadora do evento, e as atividades dos órgãos do Poder Público. “Como o Comitê vai se posicionar perante os diversos órgãos públicos sobre as necessidades que atendam aos requerimentos mínimos definidos para a realização do evento? E como vai deliberar sobre prazos de construção e concessão para a exploração de uma estrada a ser criada, por exemplo? E como vai influenciar sobre o uso de um novo estádio ou a mudança de traçados de ruas? Somente o governo tem esse poder, em nome do cidadão, usando verbas públicas. Esse é apenas um dos modelos de gestão e de realização de negócios para os quais deveremos achar padrões”, pontua. É dessas definições que depende o sucesso do Brasil em 2014, pelo menos, fora dos campos. •

próxima Copa, o desafio do Brasil é urgente e enorme. Tão grande quanto as dimensões logísticas, econômicas e esportivas de uma Copa do Mundo.

Experiência e expectativaNúmeros da última e da próxima Copa*

Alemanha (2006)

Incremento de € 8 bilhões no PIB, entre 2003 e 2010

Geração de 50 mil novos empregos

7 milhões de visitantes em eventos oficiais, em 12 cidades-sede

€ 5,5 milhões faturados em diárias de hotéis

€ 800 milhões gastos por turistas

€ 1,5 bilhão investidos em estádios e € 7,5 milhões em transportes

32,5 bilhões de espectadores, em mais de 200 países (soma dos públicos na transmissão dos jogos)

África do Sul (2010)

US$ 3,1 bilhões em patrocínios e direitos de transmissão para os próximos três anos

US$ 2,5 bilhões investidos pelo governo local (US$ 1,4 bilhão em construção e reforma de estádios e US$ 1,1 bilhão em transporte público e infra-estrutura)

Aumento do efetivo de policiais do País (serão 193 mil até 2010)

Expectativa de acréscimo no PIB de US$ 3,5 bilhões

Previsão de US$ 1,5 bilhão em arrecadação de impostos e taxas pelo governo local

Estimativa de US$ 1,6 bilhão em gastos pelos visitantes

* Estimativa a partir de atividades econômicas diretamente ligadas à Copa do Mundo

Sem tempo a perder

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As páginas da nova era fiscalO desafio e a pressa para se ajustar ao SPED, o novo modelo contábil e fiscal em vigor, que abre um novo tempo nas relações entre Fisco e empresas, substituindo o papel pelo tráfego on-line das informações Por Jander Ramon

O Brasil acaba de ingressar em uma nova era contábil e fiscal e a causa dessa revolução responde pela sigla SPED, de Sistema Público de Escrituração Digital, que lança praticamente todas as forças produtivas do País ao imenso e profundo desafio de fornecer informações aos órgãos governamentais de fiscalização (municipais, estaduais e federal) de forma eletrônica. A implementação do SPED traz às empresas muito trabalho e alguns riscos, mas também uma série de avanços ao País e ao próprio ambiente de negócios, que passa a adquirir um nível de transparência que permite o livre acesso de informações ao Fisco e a identificação, cada vez mais ágil, de eventuais falhas, que serão sempre acompanhadas, na mesma velocidade, por eventuais punições que se façam necessárias.

“Com o SPED, a Secretaria da Receita Federal e os órgãos fiscalizadores municipais e estaduais passam a capturar informações de uma forma mais consistente, racional e padronizada, disponibilizada em uma mesma base de dados. Ele acaba com a forma dispersa existente hoje, de falta de compartilhamento de informações entre as três esferas de governo”, explica José Othon de Almeida, sócio que lidera na Deloitte o atendimento às empresas do setor manufatureiro. “Um mundo completamente novo se abre, de exposição profunda e abrangente para

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As páginas da nova era fiscalas organizações”, acrescenta. O sistema foi criado a partir de uma iniciativa integrada das administrações tributárias das três esferas governamentais, tendo como objetivo padronizar e unificar a recepção, a validação, o armazenamento e a autenticação de livros e documentos que integram a escrituração comercial e fiscal, por meio de um fluxo único e computadorizado. No total, mais de 20 instituições, entre órgãos públicos, conselhos de classe, associações e entidades civis, além de uma série de empresas, participaram do processo de modelagem do SPED.

Essa nova fase de relacionamento entre o contribuinte e o Fisco será construída dentro de um calendário relativamente apertado. Neste momento, três são as etapas em pleno vigor de implementação: “SPED Fiscal”, a Escrituração Fiscal Digital (EFD); “SPED Contábil”, de Escrituração Contábil Digital (ECD); e “Nota Fiscal Eletrônica” (NF-e), de âmbito nacional. No futuro, outras medidas serão adotadas para o atendimento on-line das obrigações com os Fiscos.

Calendário em cursoEm estágio mais avançado, a NF-e já é exigida hoje para os setores de cigarros, combustíveis líquidos, transportadoras e retalhistas. Até o final do ano, será aplicada aos segmentos de montadoras, cimento, medicamentos, frigoríficos, atacadistas, bebidas alcoólicas, refrigerantes, energia elétrica, produtos semi-acabados de aço e ferro-gusa (quadro na pág. 24). “Até abril último, mais de 8 milhões de NF-e foram emitidas, em um volume superior a R$ 91 bilhões, um verdadeiro sucesso”, avalia Othon de Almeida, da Deloitte.

Já os sistemas de EFD e ECD também estão em fase avançada de aplicação. A partir de 1º de janeiro de 2009, todos os contribuintes do Imposto sobre

Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) deverão apresentar, no layout padrão da EFD, a escrituração de documentos fiscais e outras informações de interesse dos Fiscos, bem como o registro de apuração de impostos referentes às operações e prestações praticadas pelo contribuinte. Em resumo, a EFD compreenderá a versão digital que substituirá a escrituração e impressão dos livros de registros de entradas, saídas, inventários, contribuições e apuração de IPI, ICMS e Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR). Detalhe: o ano-base considerado é o atual, 2008, o que faz necessário, na prática, que as empresas deflagrem imediatamente os processos de ajuste.

A mesma lógica vale para a ECD, que envolve a entrega de livros contábeis e balancetes. Nesses casos, o calendário exige que, a partir de 30 de junho de

2009, todas as empresas tributadas pelo lucro real, sujeitas a Acompanhamento Fiscal Diferenciado, notificadas pela Receita e que tenham ao longo de 2008 efetivado algum evento especial – como cisão, fusão ou incorporação –, passem a atender ao novo modelo. Dessa forma, todos os registros contábeis e tributários deverão ser apresentados digitalmente.

Ajustes internosA lista de obrigações, por si só, já demonstra um extenso conjunto de medidas a serem adotadas pelas empresas. “Ao contrário do que poderia aparentar inicialmente, a implementação do SPED não envolve apenas uma mudança na área de Tecnologia de Informação (TI) da empresa. É preciso planejar de forma muito mais ampla, abrangendo todos os processos de negócio da organização”, analisa João Maurício Gumiero, sócio da área de Outsourcing da Deloitte. Ele ressalta que, nesse

Quem ganha com as mudançasAlgumas das vantagens que o Sistema Público de Escrituração Digital, o SPED, deve trazer ao País:

Empresas

Redução de custos envolvendo papel, impressão e armazenamento de documentos Agilização dos trâmites nos postos fiscais de fronteiras interestaduais Eliminação de digitação de notas fiscais na recepção de mercadorias Oportunidade de planejar a logística de entrega de mercadorias graças à recepção antecipada dos dados da NF-e

Fisco

Aprimoramento dos controles fiscais Menor tempo despendido com ações de auditores fiscais nas instalações do contribuinte Acesso à informação em tempo real e antes mesmo da ocorrência física da operação Cruzamento eletrônico de informações

Sociedade

Menor impacto ecológico pela substituição das notas em papel Incentivo ao comércio eletrônico e ao emprego de novas tecnologias Padronização das relações fiscais no País Redução do Custo-Brasil

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refere à segurança da informação. “Há a necessidade de se manter em segurança os dados digitais, já que o arquivamento de papéis será substituído pelo formato digital, mas é essencial um controle mais rígido do acesso às informações em alguns casos, considerando trilhas de auditoria e revisão de perfis de acesso, entre outros pontos, para garantir que somente pessoas habilitadas possam incluir ou alterar os cadastros e informar os dados contábeis”, ressalta.

De forma adicional, alerta Robson Calil Chaar, sócio da área de Consultoria em Gestão de Riscos Empresariais da Deloitte, um dos riscos relacionados a sistemas – e que merece atenção especial das empresas – diz respeito à integridade das informações: a necessidade de garantir que o que for transmitido ao órgão governamental seja exatamente igual ao processado pelos sistemas internos de informação da organização. “A materialização dos riscos afeta a imagem e a credibilidade da empresa e, especialmente, envolve problemas de ordem legal e regulatória. Isso afeta a percepção sobre a governança corporativa da empresa diante do mercado”, enfatiza.

Esses riscos aos quais as empresas estão sujeitas tendem a aumentar à medida que ocorre uma expansão das operações e de sua complexidade, como analisa Cosme dos Santos, sócio da área de

Auditoria da Deloitte e responsável pelos escritórios de Curitiba e Joinville. “As atividades de contabilidade, tributos e controles internos permeiam o negócio principal e, quando não bem administradas, trazem, pela sua relevância, riscos comprometedores à rentabilidade e ao crescimento do negócio principal da organização, especialmente em um contexto de ajuste a um sistema que mudará toda a maneira de apresentar informações, como é o caso do SPED”, afirma.

Cuidados e penalidadesQuanto aos cuidados na área fiscal, Edirceu Rossi, sócio da área de Consultoria Tributária da Deloitte, que atua a partir do escritório de Porto Alegre, alerta que as organizações deverão aprimorar a avaliação da qualidade de suas informações e dos seus procedimentos fiscais, pois, com a entrega dos arquivos eletrônicos, elas estarão mais expostas a questionamentos pela eventual adoção de procedimentos fiscais em desacordo com a legislação. “Para isso, é recomendável o mapeamento das informações contábeis e fiscais disponíveis, a avaliação de sua qualidade e a validação dos principais procedimentos, atentando para a existência de controles internos que venham a assegurar o atendimento das obrigações e a identificação de deficiências que possam gerar riscos detectáveis quando da apresentação do SPED”, recomenda. Ele lembra que eventuais erros, além de autuações, podem levar os Fiscos a avaliarem a vida fiscal da empresa nos últimos cinco anos. “Os cadastros de clientes e fornecedores também devem ser aprimorados. Como haverá um aumento muito grande no controle de suas operações pelas autoridades fiscais, poderá haver, inclusive, a interrupção de uma operação de venda de mercadorias, que passará a ser previamente aprovada pelos Fiscos”, destaca.

A atenção merece ser redobrada em alguns setores, como o de varejo, lembra Altair Rossato, sócio da Deloitte

processo, é essencial avaliar as condições da empresa de se adequar às novas exigências do Fisco, seja quanto a sistemas, pessoas e modelos de operação. “Em alguns casos, fornecedores e clientes também devem ser treinados e adequados para esse novo mundo corporativo”, complementa. “No fundo, estamos falando de uma grande reengenharia no sistema de gestão”, observa Cláudio Coli, diretor da Mastersaf, empresa de soluções na área tributária.

“Os principais desafios para as empresas se adequarem a esse novo modelo serão vencer suas barreiras internas, tecnológicas e culturais, para a migração e adaptação à escrituração e assinatura digital de documentos eletrônicos com validade jurídica”, prevê Carlos Sussumu Oda, supervisor-geral do SPED e auditor fiscal da Receita Federal. De acordo com o gerente de Projeto da Gerdau, Paulo Roberto da Silva, coordenador dos trabalhos das empresas que participaram do projeto-piloto do SPED, para a adequação aos projetos, as grandes empresas utilizaram-se de técnicas de planejamento e controle que sinalizam o tempo necessário ao desenvolvimento e aos testes de softwares, assim como as prioridades a considerar com os fornecedores e as equipes internas de TI.

Ainda na área de TI, Ricardo Balkins, sócio da Deloitte que lidera a área de Consultoria Empresarial, comenta que cada empresa deve se preparar em relação à aquisição, customização e integração de sistemas, além de se preocupar com a infra-estrutura de tudo o que se refere à comunicação. “A implementação das soluções não é tão simples como muitos acreditam. Não se trata de instalar um novo módulo do ERP (de “Enterprise Resource Planning”) e pronto. Não é como instalar o MS-Office no desktop. É preciso fazer com que os demais módulos dos ERPs tenham as informações necessárias. Esse aspecto geralmente apresenta lacunas, exigindo customização de módulos já em produção e mudança no modo como a informação é inserida no sistema”, explica. José Augusto Brochini, gerente da mesma área, complementa que outro aspecto a ser considerado se

Joacir Padilha, da Sadia: “processo difícil e trabalhoso” na transição ao SPED, mas com benefícios concretos à empresa

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Regime de urgência: os prazos do SPEDO cronograma definido pelo Fisco para cada grupo de empresas se adequar ao Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) indica que a preparação e os processos de ajuste devem começar imediatamente

Mês da entrada em vigor de cada uma das etapas do SPED

que lidera o atendimento ao setor varejista e de bens de consumo. “Para as empresas de varejo, a adaptação ao SPED representa um desafio excepcionalmente grande, em especial, por conta do volume de transações efetuado diariamente. Esse é um fator complicador diante da emergência do ajuste ao novo modelo e do risco potencial de perda de receita”, pontua. Como lembra Coli, da Mastersaf, mudar procedimentos interfere inclusive em aspectos logísticos. “Antes, ao mesmo tempo em que a nota fiscal era emitida manualmente, o setor de transportes já efetuava o carregamento da carga. Imagine a situação, agora, de o comprador estar com seu CNPJ suspenso. Se o carregamento já tiver sido feito e a emissão da NF-e não for autorizada pelo Fisco, será preciso descarregar”, exemplifica.

Quem já viveu essa experiência, como Joacir Padilha, especialista em Controladoria da Sadia, encara a transição como “um processo difícil e trabalhoso”. “Tivemos grandes

Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set OutAbr

2008 2009 2010

Implantação

Implantação

Implantação

Dados a partir do ano-base 2008

Dados a partir do ano-base 2009

Empresas dos setores de cigarros, combustíveis líquidos, transportadoras e retalhistas

Empresas montadoras, de cimento, medicamentos, frigoríficos, atacadistas, bebidas alcoólicas, refrigerantes, energia elétrica, semi-acabados de aço e ferro-gusa*

Implantação Empresas de 25 setores, entre os quais, automóveis, derivativos de petróleo e gás, tintas e vernizes, derivados de fumo, aço e bebidas**

Empresas tributadas pelo Lucro Real e sujeitas aacompanhamento fiscal diferenciado (notificadas pela SRF)

Demais empresas (Lucro Real)

Nota Fiscal Eletrônica (NF-e)

Implantação Todos os contribuintes de ICMS e IPI

Escrituração Fiscal Digital (EFD)

Escrituração Contábil Digital (ECD)***

dificuldades com sistemas, treinamento de pessoas e processos internos. É mais difícil convergir para uma informação única quando considerados os sistemas de faturamento, financeiro, contabilidade e custeio, por exemplo”, explica. Ao mesmo tempo, Padilha entende que esse processo, em um segundo momento, trouxe benefícios importantes à empresa, como a facilidade de atendimento aos Fiscos por meio de um layout único, além da padronização dos processos. “Tivemos também a eliminação de papel, de uso de mão-de-obra para conferência e de envio e armazenamento de arquivos, pois tudo passa a ser digital”, conta.

Desse imenso conjunto de desafios, o SPED traz uma série de benefícios ao Brasil como um todo, projetam os especialistas. “Os efeitos da substituição da emissão de livros e documentos contábeis e fiscais em papel por documentos eletrônicos assinados digitalmente farão com que uma série de vantagens seja incorporada

às empresas, aos Fiscos e a toda a sociedade. A agilização e o melhor controle dos procedimentos sujeitos às administrações tributárias permitirão um combate mais efetivo à sonegação e, conseqüentemente, à concorrência desleal, fazendo com que haja uma competitividade mais justa entre as empresas”, cita Carlos Oda, da Receita Federal.

Ao mesmo tempo em que o combate à sonegação tende a ser mais eficiente, espera-se por um aumento de arrecadação pelos governos, abrindo espaço, por essa via, para o aprofundamento do debate em torno de uma Reforma Tributária para o País. “À medida que o sistema arrecadador se sofistica, a arrecadação cresce e tende a facilitar a viabilização da Reforma Tributária, uma vez que o potencial de perdas para eventuais segmentos prejudicados da sociedade tende a ser menor, gerando menos atritos entre os agentes econômicos e sociais”, analisa Othon de Almeida, da Deloitte. •

* Para as empresas que operam em Mato Grosso, a NF-e entrará em vigor em setembro de 2008 ** Para aço e bebidas, esse prazo é válido somente para distribuidores e comerciantes, pois os fabricantes já terão sido enquadrados*** Nos casos de extinção, cisão parcial ou total, fusão ou incorporação, a ECD deverá ser entregue pelas empresas até o último dia útil do mês subseqüente

ao do evento (excepcionalmente, em relação aos fatos contábeis ocorridos em 2008, o prazo se encerrará no último dia útil de junho de 2009)

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Transparência nos níveis de risco

Riscos da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), afirma que, “dentro do sistema financeiro, não há espaço para o atraso, já que eventuais erros podem ter impactos relevantes à economia. Da mesma forma, a implementação das melhores práticas de gestão de riscos pode representar um diferencial muito importante para uma instituição competitiva”.

Os esforços dos bancos em se ajustarem às normas do risco operacional abrem caminho para uma visão mais clara e eficiente dos custos, além de fortalecer no Brasil as práticas de uma gestão transparente Por Jander Ramon

das economias também tornou mais complexas as análises dos fatores de risco e, por conseqüência, o seu gerenciamento. “É importante lembrar que o negócio principal da maioria das instituições financeiras está em se expor aos riscos e não em evitá-los, a fim de ganhar sua recompensa com o capital exposto a essa situação. Esses riscos podem ser chamados de ‘intencionais’ e incluem os riscos de crédito, mercado e seguros. Entretanto, há diversos sub-riscos, como o sistêmico, de liquidez, legal, operacional e, é claro, o de credibilidade”, explica Leon Bloom, um dos líderes mundiais da Deloitte para o atendimento às instituições financeiras e especialista em riscos operacionais.

A compreensão de que o negócio dos bancos é o próprio risco tem levado diversas instituições financeiras a aprimorarem sua gestão, de olho não apenas na melhor administração das suas eventuais perdas com operações malsucedidas, mas também nos ganhos de competitividade e lucratividade que um controle mais rígido e adequado dos riscos pode proporcionar. Fernando Busnello, diretor setorial de Gestão de

Leon Bloom, um dos líderes mundiais da Deloitte no setor financeiro: a essência do negócio depende da exposição adequada ao risco

Entre todos os setores da economia formal, o financeiro é, sem dúvida, o que desperta mais temores quando se fala em crise. E por uma simples razão: sua penetração nos demais segmentos econômicos é muito abrangente e, portanto, uma turbulência grave no sistema tem o potencial de afetar toda a economia de um país, se não do mundo inteiro. Exemplos dessas chamadas “crises sistêmicas” ao longo da história não faltam e o simples indício de que elas possam ocorrer costuma motivar saltos qualitativos na regulamentação dos mercados financeiros. Em meio à recente crise do subprime nos Estados Unidos, por exemplo, algumas das mais importantes instituições do mercado, como o Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), começaram a propor códigos para melhorar a segurança e disseminar as melhores práticas aos agentes do setor financeiro (leia a edição 20 de Mundo Corporativo, págs. 24-26).

Desde a década de 80, a preocupação com a gestão dos riscos das instituições financeiras tem crescido exponencialmente. O desenvolvimento de novas tecnologias no fim do século passado promoveu uma maior integração entre os mercados, ampliando o número possível de operações a serem realizadas por um banco. Ao mesmo tempo, o dinamismo

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Transparência nos níveis de risco

No caso brasileiro, a gestão eficiente de riscos sempre foi uma pré-condição para operar no mercado local. Os motivos são mais do que conhecidos: inflação alta, mudanças constantes trazidas por planos econômicos e uma forte sensibilidade às oscilações nos humores dos mercados internacionais, fato sempre agravado pela fragilidade de uma economia que se desenvolveu longe dos grandes centros de decisão. “Obviamente, vivemos hoje uma situação bem diferente, mas as instituições brasileiras foram, desde cedo, acostumadas a lidar com muitos eventos negativos, o que fez com que ocorresse uma sofisticação natural dos seus sistemas de risco”, lembra Busnello.

A preocupação com a melhor gestão dos riscos é global, considerando-se que os mercados estão há tempos integrados. E essa integração exige que a regulamentação do sistema seja homogênea e as práticas coincidam internacionalmente. Essa visão resultou, ainda em 1988, no Acordo da Basiléia, carta de regras construída por mais de 100 países que compõem o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), que instituiu, pela primeira vez, a “exigência mínima de capital”, um conceito que prevê a alocação de recursos prévios para cada operação, levando-se em conta as eventuais perdas que possam decorrer

de um empréstimo ou uma operação de mercado. Naquele momento, ficou estabelecido que a alocação mínima seria de 8% dos ativos do banco, ponderados pelos níveis de risco aos quais estivesse exposto. No caso do Brasil, essa exigência é de 11%, percentual estabelecido pelo Banco Central (Bacen).

No entanto, a evolução do sistema financeiro global e algumas crises que se seguiram a esse primeiro acordo fizeram emergir a necessidade de controles mais rígidos, ou seja, de um novo acordo: o Basiléia II. Estipuladas em 2004, essas novas regras internacionais visam dar maior autonomia aos bancos na gestão dos seus riscos, introduzindo novas metodologias de mensuração dos riscos e instituindo uma nova figura a ser considerada no cálculo do capital mínimo a ser alocado: o risco operacional, uma combinação que abrange possíveis falhas na gestão do banco, fraudes internas, problemas com sistemas de tecnologia ou mesmo perdas com ações judiciais. A inovação das novas normas está contida na estrutura do acordo, que se sustenta em três pilares: a possibilidade de empregar múltiplas abordagens para o cálculo do requerimento de capital mínimo, um papel dos órgãos

reguladores mais centrado na supervisão e a necessidade de maior transparência ao mercado. É dentro dessa maior autonomia para definir modelos próprios, que os bancos brasileiros têm se deparado com um calendário que prevê a implementação das novas regras até 2012, ano estabelecido pela autoridade monetária nacional para que o sistema esteja totalmente adequado aos preceitos do Basiléia II.

Uma mudança relevante já foi introduzida no Brasil com a Circular n° 3.360/2007, que estabeleceu as regras para o risco de crédito, reduzindo o fator de ponderação de alguns tipos de financiamento imobiliário de 100% para 50% e o de algumas operações do varejo de 100% para 75% (anteriormente, o fator utilizado para todas as linhas era de 100%). Na prática, isso significa que o volume de capital mínimo alocado para cobrir eventuais perdas nessas linhas será menor, o que pode contribuir para liberar ao sistema financeiro recursos passíveis de utilização na alavancagem de empréstimos. Há de se considerar que esse cálculo não considera a exigência de capital mínimo para créditos pré-aprovados, como cheque especial e crédito ao consumidor com aprovação prévia, nem os recursos que serão destinados para cobrir eventuais problemas operacionais.

Preocupação centralÉ justamente a figura do risco operacional a que mais preocupa os bancos neste momento, já que ainda não estão claros os modelos que poderiam servir de referência para o gerenciamento desse tipo de risco. Segundo o relatório “Global Risk Management – Formulas for Success in Financial Services”, da Deloitte, que apresenta um estudo realizado com 164 executivos de instituições internacionais, o risco operacional é o que mais chama a atenção dos bancos atualmente. De acordo com o levantamento, que foi lançado em maio último, em Roma, durante o “Global Financial Services Industry Summit” – evento promovido pela Deloitte com a participação de líderes de dezenas das principais instituições financeiras do mundo –, 77% dos executivos entrevistados dizem

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endereçar a esse tipo de risco uma atenção especial.

No Brasil, conforme o estudo “Novo Acordo da Basiléia – Risco Operacional”, conduzido pelo sócio da área de Consultoria em Gestão de Riscos Empresariais da Deloitte, Rodrigo Mendes Duarte, a exigência de capital adicional para cobrir os riscos operacionais no País pode atingir cerca de R$ 21 bilhões em 2010, quando considerada a “Abordagem do Indicador Básico”, um dos métodos definidos pelo Bacen para calcular os recursos destinados a cobrir riscos operacionais, pelo qual um percentual fixo de 15% é aplicado sobre a média dos resultados brutos da instituição nos três anos anteriores. De acordo com a definição do Bacen, há ainda mais três metodologias que podem ser adotadas pelas instituições financeiras: a “Abordagem Padronizada Alternativa” (APA), a “Abordagem Padronizada Alternativa Simplificada”

(APAS) e a “Abordagem de Mensuração Avançada” (AMA).

Dentro das possibilidades apresentadas pelo Bacen, Mendes avalia que a APAS apresenta algumas vantagens para os bancos com foco em operações de crédito. “Dificilmente a APAS não será interessante para os bancos que têm parcela significativa dos resultados proveniente de operações de crédito”, enfatiza. De acordo com as regras, nesse modelo, ao invés do índice de exposição ser baseado nas receitas, utiliza-se 3,5% da média dos saldos semestrais dos créditos registrados no ativo. O especialista ressalta, entretanto, que o Bacen ainda não regulamentou o AMA. “O que vamos assistir até 2011 é o desenvolvimento de como esse risco será calculado e os bancos terão de apresentar ao Bacen seus modelos internos para aprovação”, antecipa.

De uma forma geral, Mendes avalia que a revisão de processos para aferir riscos operacionais abre a possibilidade de as instituições financeiras se tornarem mais eficientes e, por meio da redução de custos, gerarem maior lucratividade dentro do novo limite de alavancagem estipulado. “O risco operacional é um novo limite estabelecido em função das receitas do banco. Portanto, a pressão e o incentivo pela redução de custos, observando esse limite, podem levar o banco a gerar mais valor para os acionistas”, argumenta.

A nova regulamentação, na visão de Mendes, possibilitará a aplicação de melhores práticas de gestão. “Vários bancos enxergam esse processo não apenas como uma iniciativa para atender

à legislação, mas principalmente como um profundo avanço na gestão de riscos e no cálculo de capital econômico, algo muito salutar”, avalia.

O melhor tratamento do risco operacional permite também, no entendimento de Mendes, envolver a identificação

de perdas mensuráveis, bem como considerar aquelas intangíveis, graças à melhor avaliação e mensuração dos riscos. Segundo o sócio da Deloitte, os ajustes internos nos bancos têm envolvido medidas como a capacitação do núcleo que trabalha com gestão de riscos e a busca de adequação dos sistemas que melhor se apliquem à cultura da instituição. “Além de se capacitar, será fundamental que o banco incorpore modelos que melhor funcionem à sua cultura”, ressalta.

Evolução constante Para o sócio-líder da Deloitte para o atendimento às instituições financeiras no Brasil, Clodomir Félix, a questão do gerenciamento de riscos se mostra “inesgotável”. “O Basiléia II chegou em um momento muito adequado, em função do processo de globalização e do dimensionamento atingido pelas operações financeiras”, comenta. Segundo ele, a uniformização de critérios de avaliação de riscos é bem-vinda, quando considerada, principalmente, a intensidade de relacionamento entre os mercados. “No entanto, o Basiléia II não é o fim da linha. É preciso evoluir nesse processo em razão dos novos desafios impostos pelo mercado”, adverte.

Na percepção de Félix, as instituições financeiras do País estão devidamente capacitadas e sensíveis ao enfrentamento das mudanças na forma de gerenciar os riscos. “Os bancos e o mercado financeiro, de forma mais ampla, tendem a dar uma resposta muito positiva a esse processo. Basta lembrar que, quando foi criado o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), havia uma série de incertezas, mas a implementação foi um sucesso absoluto”, recorda. “Não consigo ver o sistema financeiro brasileiro como um modelo maduro sem o enfrentamento desse tema”, acrescenta.

Félix estima que todo o processo resultará em uma melhor gestão das instituições e, no conjunto do setor, em menores riscos de proliferação de turbulências no mercado. “De certa forma, estamos mais preparados para enfrentar problemas e evitar crises sistêmicas”, finaliza. •

Rodrigo Mendes, da área de Consultoria em Gestão de Riscos da Deloitte: estudo sobre os impactos da exigência de capital para cobrir riscos operacionais

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Estado crítico

Atualmente, como a Agência Nacional de Saúde (ANS) regula os preços praticados para os planos de saúde individuais, muitas operadoras do setor passam a oferecer somente planos para empresas. Sem regulação, os aumentos dos valores dos planos corporativos têm ocorrido semestralmente. Como gerenciar esse impacto sem comprometer

A dificuldade em manter benefícios de saúde aos funcionários reflete um diagnóstico de custos altos e crescentes, que lança empresas, hospitais e operadoras de planos a buscar alternativas Por André Sales

Economizar com saúde é quase sempre uma questão fora de propósito, praticamente um tabu. Nas empresas, a assistência médica tem sido um dos benefícios mais valorizados pelos funcionários e a abrangência do plano de saúde oferecido pode ser decisiva para atrair ou reter profissionais. Contudo, na balança dos negócios, os custos com saúde estão ficando cada vez mais pesados. Esse é hoje um dos temas mais debatidos por governos e empresas no mundo todo.

A crescente elevação dos custos com saúde tem como principais causas o envelhecimento da população, que passa a demandar mais cuidados médicos e hospitalares, a incorporação de novas tecnologias – equipamentos, materiais cirúrgicos e medicamentos – e a mudança do perfil de morbidade e mortalidade da população, com o aumento da incidência de doenças crônicas, que exigem mais do sistema. José Domingos do Prado, sócio da Deloitte, líder para o atendimento às empresas do setor de saúde, ressalta que o nível de tecnologia dos novos procedimentos de medicina requer altos investimentos. “As inovações nessa área têm vida útil breve. Além disso, o treinamento dos médicos para a utilização de equipamentos de ponta, como o Da Vinci (robô controlado pelos cirurgiões em procedimentos), pode levar até 45 dias fora do País. São fatores que aumentam o custo”, aponta.

“À medida que os custos na saúde subiram, foi preciso maximizar a eficiência e os resultados dos recursos”, ressalta o professor Bernard Couttolenc,

PhD em Economia da Saúde pela John Hopkins University, dos Estados Unidos. Em estudo feito com o professor Gerard La Forgia, o principal especialista em saúde do Banco Mundial, ele concluiu que mais de 30% das internações nos hospitais brasileiros (públicos e privados) são desnecessárias, o que causa desperdício de R$ 10 bilhões por ano.

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André Staffa, presidente do Hospital e Maternidade São Luiz, de São Paulo, acredita que as empresas ainda não praticam uma gestão efetiva dos benefícios de saúde. “Esse custo quintuplicou nos últimos dez anos, saltando de 2% para quase 10% da folha de pagamentos. Mesmo assim, vemos apenas algumas ações aleatórias e erráticas nas organizações”, avalia. “Peço ao plano de saúde detalhes das contas de atendimento prestado aos nossos colaboradores e não tenho acesso. Depois, recebo relatórios mostrando a evolução dos custos, mas isso é como fazer gestão olhando por um espelho retrovisor”, compara.

Diante dessa experiência, o Hospital São Luiz está estruturando um novo serviço, baseado em um sistema de prontuário eletrônico dos pacientes, acessível pela internet. O beneficiário poderá monitorar a evolução de sua saúde junto ao seu médico e direcionar

melhor os tratamentos. Essa solução evita, por exemplo, que as pessoas façam exames em duplicidade. Ou seja, não irão gerar custos desnecessários. “Queremos ajudar pessoas e empresas a fazerem uma gestão mais efetiva da saúde, por meio de uma rede ampla de atendimento e da estruturação de um novo programa de atenção integrada à saúde, direcionado especialmente às empresas”, adianta Staffa.

Segundo Enrico De Vettori, da Deloitte, a solução para os desafios do setor passa por alternativas ousadas de ruptura com o modelo atual, citando, como exemplo, a substituição do sistema de pré-pagamento para o de pós-pagamento. “Várias empresas já tentaram isso, mas, sem sucesso, já que não contaram com uma metodologia e um modelo de gestão adequados para a mudança. Sabemos que, em média, apenas 1% dos beneficiários é responsável por 30% dos custos de um plano de saúde de grupo, assim como 60%

Por uma gestão efetiva da saúde

André Staffa, do Hospital São Luiz: uma alternativa para otimizar os custos

Claudio Luiz Lottenberg, da Sociedade Albert Einstein: ferramentas para monitorar custos

a qualidade do atendimento aos funcionários e seus dependentes? “O grande desafio das empresas é conseguir driblar a armadilha de supor que existem apenas dois caminhos: reduzir custos ou trocar a operadora do plano de saúde por outra mais econômica”, alerta Enrico De Vettori, diretor da Deloitte que lidera, na área de Consultoria Empresarial, o atendimento às empresas do setor de saúde. “Com uma estratégia bem definida do que se deseja para a carteira de beneficiários e com a realização de

um bom estudo atuarial, uma avaliação epidemiológica, um alinhamento com o sistema de medicina interna do trabalho e uma análise adequada dos prestadores, procedimentos, materiais e medicamentos, pode-se alcançar níveis elevados de otimização de custos e uma melhoria sensível na qualidade da assistência ao grupo de beneficiários”, avalia De Vettori.

Novos modelosAs empresas têm procurado construir modelos alternativos para a gestão dos benefícios de saúde. A Brasil Telecom, por exemplo, resolveu contratar planos de saúde de auto-gestão para seus 26 mil beneficiários. “Essas operadoras não assumem o risco do plano, mas administram todas as formas de prestação de serviços médico-hospitalares, disponibilizando indicadores que subsidiam uma gestão eficaz”, diz José Roberto Alves da Silva, gerente administrativo de Recursos Humanos (RH) e Benefícios da empresa. “Além disso, fazemos exames periódicos mais completos, visando identificar grupos de risco e orientá-los sobre cuidados com a saúde”, afirma Silva. Na Fundação CESP, que oferece assistência a 120 mil pessoas, a prevenção tem

possibilitado “manter a qualidade do atendimento e reduzir o impacto do aumento crescente dos custos dos planos de saúde”, segundo André de Souza Maurino, diretor administrativo e de benefícios. A entidade subsidia 40% do custo dos remédios para doenças crônicas e de 15% a 40% para os demais. Já o Grupo Sílvio Santos, com cerca de 12 mil funcionários, conseguiu reduzir em 25% seus custos de saúde nos últimos dois anos. “Adotamos a co-participação, que tem feito o colaborador valorizar ainda mais o benefício e controlar gastos que poderiam passar despercebidos em um volume de despesas tão expressivo”, relata Regina Aguiar, gerente corporativa de RH.

A necessidade de diminuir os custos com saúde está na agenda da administração de RH dos próprios hospitais. O Hospital do Coração (HCor), de São Paulo, também tomou medidas para reduzir os custos de assistência aos seus funcionários. “Os profissionais dessa área são mais preocupados com a saúde e muito próximos dos médicos e isso aumentava o uso dos recursos, como exames de ressonância”, conta Silvana Castellani, gerente de RH do HCor. O

dos participantes respondem por somente 4% das despesas. Portanto, um serviço de triagem dos casos, por um médico de confiança do beneficiário, evitará consultas desnecessárias e aumentará a prevenção de doenças. Ou seja, o foco não é baixar custo, mas entender cada indivíduo e ajudá-lo a cuidar de sua saúde”, diz De Vettori.

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o tempo médio de permanência dos pacientes em internações”, salienta.

Fábio Patrus, superintendente de Gestão de Pessoas e Qualidade do Hospital Sírio Libanês, espera que a recente certificação do hospital pela Joint Commission “favoreça uma melhor negociação com as operadoras de planos de saúde, à medida que será possível demonstrar a viabilidade de se promover melhor qualidade a custos menores”. Na sua visão, “gradativamente as operadoras têm reconhecido a melhoria da qualidade e segurança dos processos assistenciais, o que resulta em menores gastos para todos no sistema”.

Relações instáveisO relacionamento por vezes conflituoso entre os diversos agentes da saúde parece refletir o próprio estado crítico no qual o setor se encontra, todos buscando soluções para a sustentabilidade de seus respectivos negócios. Um efeito dos desafios surgidos nesse mercado ao longo da última década (leia a edição 13 de Mundo Corporativo, págs. 19-21) está no fato de que, com o controle de custos dos planos de saúde sobre as diárias e taxas hospitalares, os prestadores de serviços tiveram de aumentar suas margens de lucro sobre os materiais médicos. André Luis da Silva, gerente executivo-comercial do HCor, afirma que, nos últimos cinco anos, a inflação de materiais médicos foi de 400%, enquanto as diárias e taxas hospitalares subiram de 10% a 15%. “Queremos ser remunerados pela nossa competência”, pontua.

Sérgio Bento, superintendente de Operações do Hospital Samaritano, afirma que “os fornecedores de materiais de custo mais elevado não são acompanhados pela agência reguladora, trazendo sempre novidades – muitas delas, de eficácia duvidosa para o paciente, mas sempre com custo superior. E o Poder Judiciário, cada vez mais acionado para dirimir conflitos entre pacientes e planos de saúde, toma muitas decisões com base no aspecto emocional e social”. Para Bento, é preciso neste momento “melhorar o nível de confiança entre todos os atores do sistema de saúde suplementar”. •

objetivo é olhar para o indivíduo na sua totalidade e motivá-lo para que adote hábitos saudáveis”, avalia. Claudio Luiz Lottenberg, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e ex-secretário municipal de Saúde em São Paulo, resume o desafio do setor em uma frase: “Saúde não tem preço, mas tem custo. E este deve ser monitorado com ferramentas sólidas e de qualidade”.

Hospitais “acreditados”A urgência de monitorar custos, processos e performance tem feito com que os hospitais procurem parâmetros e mecanismos mais avançados, a fim também de receberem um reconhecimento por esse esforço, que hoje se dissemina em todo o setor. Atualmente, qualquer instituição que queira se filiar à Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP) tem de possuir um certificado de “acreditação” (avaliação para determinar se uma organização cumpre um conjunto de requerimentos estabelecidos como padrão). Entre as acreditações hospitalares tidas como referência para o mercado, está a da Joint Commission International, uma das mais importantes entidades do mundo no setor. Para Roberto Cury, superintendente da ANAHP, “os hospitais que passam por esse processo (de acreditação) mudam sua forma de atendimento e de gestão, adotando novos processos e monitorando o seu desempenho. São os que apresentam os melhores resultados financeiros e de qualidade. E diminuem

hospital mostrou como o uso exagerado impacta o custo do benefício. Hoje, o departamento interno de Medicina do Trabalho atende a cerca de 80 pessoas por dia e presta orientações de saúde, o que diminui a utilização do benefício. “Com isso, não temos mais aumentos no plano, que vinham sendo semestrais”, diz a gerente. Do ponto de vista das operadoras de saúde suplementar, o mais importante para reduzir os custos está no poder de negociá-los com os hospitais. “Nossos 3,4 milhões de segurados representam uma vantagem competitiva na relação com os prestadores de serviços”, salienta Heráclito de Brito Gomes Júnior, diretor-geral da Bradesco Saúde. “Além disso, com um faturamento anual de quase R$ 5 bilhões, temos capacidade de investimento em sistemas de gerenciamento dos benefícios, o que é fundamental para equalizar custos, pois podemos oferecer um desenho customizado aos nossos clientes corporativos”, afirma. Antonio Jorge Kropf, diretor técnico da Amil Brasil, acredita que o modelo assistencial deve ser reorganizado. “As operadoras devem gerar saúde e não apenas ser uma fonte pagadora. Os prestadores de serviços devem mais cuidar do que atender. O cidadão tem de manter a sua saúde. E as empresas contratantes não podem apenas pagar um benefício”, pondera. Segundo o superintendente executivo da Unimed do Brasil, Luiz Eduardo Barreto Perez, houve, de fato, uma mudança no foco do negócio. “Hoje, o

Silvana Castellani, do HCor: orientações para o uso responsável do benefício

Roberto Cury, da ANAHP: certificado de qualificação em todos os hospitais filiados

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de arroz hoje são 51% mais baixos do que em 2000, os de trigo, 46%, e os de milho, 41%. É claro que só isso já seria suficiente para os preços subirem.

Contudo, há também fatores que contribuem para esse aumento: os custos de produção, que explodiram; os preços do petróleo, que não pararam de crescer nos últimos anos; e os de fertilizantes, que mais do que dobraram em apenas dois anos. É evidente que esses movimentos também se refletem no preço final. Outro elemento encarecedor é o fato de que investidores e fundos que aplicavam, por exemplo, no mercado imobiliário norte-americano migraram recentemente para o setor de alimentos. E, por último, há a questão do milho utilizado para a produção do etanol nos Estados Unidos. Cerca de 20% das safras dos últimos três anos viraram álcool combustível, reduzindo a oferta de alimentos. Como o etanol – assim como o próprio milho – é fortemente subsidiado, a gramínea ocupou áreas de outros produtos, como a soja. E o aumento do preço de ambos contaminou o mercado mundial.

No entanto, esse fator, pela sua visibilidade, foi o mais responsabilizado pelo aumento dos preços dos

Como ocorre com qualquer produto, o preço dos alimentos varia em função da oferta e da procura. Quando os preços caem, os agricultores deixam de plantar e, com isso, os estoques diminuem e os preços voltam a subir. Historicamente, a produção agrícola vem crescendo e seguirá assim porque novas tecnologias aumentam, a cada dia, a produtividade por área plantada. Com isso, a oferta é ampliada e, de maneira sistemática, os preços caem. E voltam a subir quando a oferta fica menor do que a demanda. Essa é uma regra constante e é exatamente isso o que está acontecendo neste momento: a renda per capita nos países emergentes vem crescendo muito mais do que nos países ricos. Por outro lado, mais de 70% do crescimento da população mundial vem ocorrendo na Ásia e na África, continentes mais pobres. Ora, o consumo de alimentos dos mais ricos não aumenta se sua renda cresce. Porém, quando os mais pobres ganham mais, a primeira coisa que decidem fazer é comer melhor. Vivemos, portanto, um ciclo de preços altos, acima da média histórica, já que a demanda explodiu e a oferta não a acompanhou. Secas em vários países, incluindo o Brasil – que deixou de produzir 40 milhões de toneladas de grãos entre 2004 e 2006 –, afetaram os estoques, que estão baixos. Os estoques mundiais

São diversas as razões e verdades que explicam a inflação dos alimentos no mundo e seus impactos no Brasil, mas todas indicam para a urgência de políticas públicas em benefício do agronegócioArtigo de Roberto Rodrigues

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Uma crise em vários tonspolíticas públicas nos países produtores. Estamos importando uma inflação de alimentos que definitivamente não é nossa. E intervenções governamentais podem complicar ainda mais o quadro.

Quanto ao caso do milho dos norte-americanos, não podemos condená-los pelos subsídios que oferecem, já que a questão energética é estratégica para aquele país, que importa metade do petróleo que consome, precisando reduzir essa dependência. É algo parecido com a preocupação com a segurança alimentar, que deu origem à Comunidade Européia em meados do século passado: ela era estratégica também. A Organização das Nações Unidas para a Saúde e Alimentação (FAO) prevê que, em 20 anos, a oferta de grãos e de carnes precisará crescer 42% para atender à demanda mundial. Cerca de 80% desse aumento virá de novas tecnologias em áreas já cultivadas, porém, 20% virão de áreas novas, especialmente pastagens. E o Brasil é, de longe, o país mais preparado para contribuir positivamente nessa campanha: tem disponibilidade de terras, a melhor tecnologia do mundo tropical e um agricultor jovem, moderno, eficiente e, sobretudo, disposto a ganhar espaço.

com a rotação de culturas, necessária para a renovação dos canaviais, essas áreas passam a produzir leguminosas, como soja, feijão, amendoim etc. Com tudo isso, é claro que não há falta de alimentos no Brasil, de modo que nossa agricultura não produzirá inflação.

Ao contrário, nos últimos 15 anos, a área plantada com grãos cresceu 24% e a produção, 140%. A produção de carne de frango cresceu 200%, a de suínos, 103%, e a de bovinos, 80%. Novas tecnologias nos levarão a aumentar ainda mais a produtividade. Cultivamos hoje 72 milhões de hectares e temos 200 milhões de hectares de pastagens, dos quais 71 milhões estão aptos para a agricultura, de modo que temos potencial para dobrar a área cultivada e aumentar em pelo menos 30% a produtividade. Vamos garantir sempre o abastecimento interno e teremos sobras para exportar.

Todavia, se tudo isso é verdade, também é fato que a renda dos países emergentes segue aquecida e a demanda por produtos agrícolas, idem. Por algum tempo ainda, o desequilíbrio entre oferta e demanda se manterá, já que a oferta vai depender dos custos de produção, do clima e das

alimentos, quando, na verdade, teve um peso muito menor do que o referido desequilíbrio entre a oferta e a demanda. Certamente grandes interesses comerciais contrariados se encarregaram de fazer uma propaganda enganosa, desinformando e – o que é pior – colocando todo e qualquer etanol no mesmo tanque. Não há como comparar as duas matérias-primas, a começar pelos subsídios que favorecem a produção do milho, enquanto nossa cana-de-açúcar e nosso etanol têm “subsídio zero”. Além disso, os rendimentos são muito diferentes: um hectare de cana produz 8 mil litros de álcool; um hectare de milho produz pouco mais de 3 mil litros; e, por fim, o próprio balanço energético é díspar: a cana consome 1 unidade de energia fóssil para gerar 9 unidades renováveis e o milho gasta 1 para produzir 1,5.

Além disso, a cana não concorre com alimentos. Tanto é verdade que, neste ano, estamos colhendo a maior safra de grãos da nossa história – 140 milhões de toneladas –, mas também a maior safra de cana, a maior de carnes e a maior de leite. No Brasil, há sinergia, até porque a cana está entrando principalmente em áreas de pastagens degradadas, onde não se produziam grãos. E,

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Por causa disso, nos últimos dez anos, mesmo sem acordo em Doha, nossas exportações de soja cresceram 102% em volume, as de produtos florestais, 106%, as de milho, 3.024%, as de café, 68%, as de carnes, 526%, e assim por diante. Mas nada disso foi capaz de frear a importação da inflação dos alimentos. E o que dizer do aumento muito maior dos preços do petróleo e dos metais? Nesse cenário preocupante, políticas públicas adequadas ofereceriam ao agronegócio brasileiro uma oportunidade rara de crescimento sustentado.

Crédito ruralNo curto prazo, só há uma coisa a fazer internamente: como os custos de produção explodiram, é indispensável aumentar o volume de crédito rural barato, mas a maior parte do crédito rural vem do depósito compulsório dos bancos, correspondente a 25% do volume de depósito à vista. E o depósito à vista despencou com o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), derrubando a oferta de crédito rural barato. É preciso recompor as fontes porque a agricultura tem prazos: se o dinheiro demora para sair, passa o tempo do plantio e um ano inteiro se perde. Com essa medida imediata, os agricultores brasileiros poderiam ampliar a área plantada, com mais tecnologia, gerando uma safra maior, de forma a garantir o abastecimento interno e a ajudar a reduzir a inflação externa, que, frise-se, não é só de alimentos.

Todavia, isso ainda é apenas um paliativo. Há muito mais para ser feito e as autoridades já têm essa informação há tempos. A questão mais relevante mesmo é a que envolve infra-estrutura e logística: investimentos em transporte intermodal e em portos são essenciais, bem como uma rede de armazenagem bem localizada. Precisamos de uma política de renda para o campo que estabilize a atividade rural, como já acontece há décadas nos países concorrentes: o seguro rural, criado em 2003, tem de entrar em vigor para valer. A tecnologia é a alavanca da competitividade e investimentos nesse setor são essenciais para seguirmos na vanguarda do mundo tropical, na direção da produção sustentável, com respeito ao meio ambiente.

Precisamos aproveitar os altos preços atuais para pressionar os países ricos a reduzirem os subsídios agrícolas, agora indefensáveis. Um dia, os preços voltarão a cair e aí os subsídios esmagarão os que tiverem investido para aumentar a produção.

E, por último, há questões macroeconômicas que afetam nossa competitividade, atrapalhando a condição espetacular que o agronegócio brasileiro tem para ajudar a combater a inflação: quando o produto agrícola sai da fazenda, onde é competitivo globalmente, já começa a perder. Nossos juros ainda são elevados, nossos impostos são os mais altos do mundo, nosso câmbio rouba do produtor os preços altos em dólar e nossa logística nos massacra.

Do governo depende o encaminhamento desses temas. Os agricultores brasileiros não precisam de favores para aumentar a produção, reduzindo a inflação e aplacando a fome mundial. Precisam apenas de condições iguais às dos seus concorrentes. E nem pedem subsídios, mas que os concorrentes reduzam os seus. No limiar de uma nova era energética, em que os biocombustíveis terão um papel importante, o Brasil pode liderar um projeto que mudará a geopolítica mundial, alterando os paradigmas agrícolas atuais: dominamos a agroenergia, sobretudo, a partir do etanol de cana, que pode ser produzido em todos os países tropicais. Tudo isso depende de uma estratégia clara dos governos. Tão claro que só não vê quem não quer! •

Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, é coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ganhador do Prêmio “Personalidade do Agronegócio”

Um pouco de luz na escuridãoOs agentes do mercado têm tentado explicar a inflação global dos alimentos a partir de visões e interesses que, em alguns casos, encobrem outras razões essenciais, como o desequilíbrio entre a oferta e a demanda, o custo mais alto de produção e a migração de investidores para o mercado de commodities agrícolas. Nesse cenário, os preços dos alimentos alcançaram, no Brasil, patamares mais elevados nos meses recentes (abaixo).

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Fonte: Deloitte (a partir da consolidação de dados do IBGE)

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Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) Índice mensal (número-base: agosto de 2002 = 100)

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A Deloitte refere-se a uma ou mais Deloitte Touche Tohmatsu, uma verein (associação) estabelecida na Suíça, e sua rede de firmas-membro, sendo cada uma delas uma entidade independente e legalmente separada. Acesse www.deloitte.com/about para a descrição detalhada da estrutura legal da Deloitte Touche Tohmatsu e de suas firmas-membro.

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