aprendendo a curvar-se - pós-fordismo e determinismo tecnológico

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    Aprendendo a curvar-se

    Aprendendo a curvar-se:ps-fordismo e

    determinismo tecnolgico1

    Depois da terrvel derrota do movimento socialista na Alemanha pelofascismo, Walter Benjamin comentou que nada corrompeu tanto o movi-mento operrio alemo quanto a crena de que estava nadando com a cor-rente, uma corrente que se localizava na dinmica do desenvolvimentotecnolgico.2

    Hoje, mais uma vez, a mesma crena est operando no movimentooperrio: a crena de que h uma corrente fluindo, uma corrente to forte quea nica opo nadar a seu favor. Adapte-se, dizem-nos, ajuste-se NovaSociedade, adapte-se Nova Realidade!. O grito ecoa no Partido Trabalhis-ta, no Partido Comunista, nos sindicatos, nos locais de trabalho, nas universi-

    dades. A imagem de uma nova sociedade uma mistura desordenada de ele-mentos que vo das relaes industriais japonesas ao poder dos bancos, docontrole governamental dos fundos de pesquisa identificao eletrnicados prisioneiros. Mas, entretanto, quando ela se auto-apresenta, dizem-nos:esta a Nova Realidade: adapte-se! E no corao dessa Nova Realidadelocaliza-se a figura da Nova Tecnologia, freqentemente identificada como arevoluo microeletrnica. o poder do conceito de tecnologia que sela ainexorabilidade da Nova Realidade.

    Ps-fordismoRecentemente, o argumento de que o capitalismo est desenvolvendo-

    se em uma Nova Realidade tem adquirido uma nova solidez terica, com odesenvolvimento dos conceitos de fordismo e ps-fordismo. Argumenta-se que

    John Holloway

    Professor do Departamento de Poltica da Universidade de Edinburgh

    Elona Pelez

    Professora do Departamento de Poltica da Universidade de Edinburgh

    1 Artigo publicado originalmente na revista Science as Culture, 8, 1990 e republicado in Werner

    Bonefeld e John Holloway, Post-fordism and social form. A marxist debate on the post-fordist

    State, Londres, MacMillan, 1992. Traduo de Alvaro Bianchi com base no livro de 1992.

    2 Walter Benjamin, Theses on the Philosophy of History, in Walter Benjamin, Il luminations (ed.

    Hanna Arendt), Londres, Fontana, 1973.

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    estamos em uma fase de transio de uma velha ordem (fordismo) para umanova ordem (ps-fordismo). A velha ordem geralmente concebida comotendo as seguintes caractersticas: produo massiva baseada no princpio dalinha de montagem, adotada de maneira to bem sucedida por Ford; cresci-

    mento dos salrios que estabeleceu a base para uma articulao do consumo demassas e da produo massiva, por grandes fbricas; um alto grau de interven-o estatal baseado em princpios keynesianos; no desenvolvimento do welfarestate; um papel central para os sindicatos, na institucionalizao dos ganhoscrescentes e regulares atravs dos acordos coletivos e na formulao de polti-cas estatais. A nova ordem, chamada de ps-fordista e s vezes de neofor-dista, concebida como tendo as seguintes caractersticas: novos mtodos deproduo baseados na microeletrnica; prticas flexveis de trabalho; posiomuito reduzida dos sindicatos na sociedade; uma nova e acentuada diviso da

    classe trabalhadora em trabalhadores centrais e perifricos; maior grau de in-dividualismo e diversidade social; e dominncia do consumo sobre a produo.

    O significado poltico da tese ps-fordista reside, de maneira maisevidente, no fato de que ela , freqentemente, usada para sustentar o argu-mento de que necessrio repensar o conceito de socialismo, abandonarmuitas das concepes tradicionais do movimento operrio e desenvolveruma estratgia para a esquerda apropriada para os Novos Tempos. Asimplicaes do argumento foram ilustradas mais fortemente nos estgios

    finais e aps o trmino da greve dos mineiros. Como ratos prontos paraabandonar o navio que pensavam estar afundando, os proponentes doenfoque dos Novos Tempos, to logo o mpeto da greve comeou a dimi-nuir, passaram a sustentar que ela era uma bravata anacrnica, o canto decisne de uma era agonizante.3 Mais recentemente, a idia de que entramosem uma nova ordem que demanda uma nova poltica tem sido proclama-da com presunoso otimismo pelo Partido Comunista em seu projeto deprograma, Facing Up to the Future (Encarando de frente o futuro) e pelorevisionismo poltico do Partido Trabalhista.

    A teoria do ps-fordismo apresentada como uma teoria moderna esofisticada, em sintonia com a moderna sofisticao deMarxism Today.4 Issoparece estar muito distante das tradies do velho stalinismo, com seu odorde determinismo econmico e tecnolgico. A chave na discusso de umanova ordem ou nova realidade , evidentemente, a questo de como en-

    3 Ver, por exemplo, Stuart Hall, Realignment for what?, Marxism Today, dez. 1985; B. Campbell,

    Politics, old and new, in New Statesman, 08.03.1985; J. Esser, Britischer Bergarbeiterstreik ohne

    Perspektive, in Links, mar. 1985; P. Carter, Trade Unions The new reality, Londres, Communist

    Party Publications, 1986. (O autor se refere greve dos mineiros ingleses do ano de 1985 NT.)

    4 Revista do Partido Comunista da Gr Bretanha (NT).

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    tender a mudana social. Dentro da tradio marxista existem, h tempo,duas correntes: uma que v a mudana social em termos de luta de classes ea outra que v a mudana social como o resultado do desenvolvimento eco-nmico e tecnolgico. As implicaes dessas duas tradies so bem conhe-

    cidas: a primeira enfatiza vida, a outra mata, com freqncia literariamente,como pode ser visto na sangrenta histria do stalinismo. O estranho que onovo marxismo dos Novos Tempos, apesar de todo seu ps-eurocomunismo,ps-estruturalismo, ps-modernismo, ps-fordismo, est firmemente enrai-zado no determinismo econmico e tecnolgico dos (maus) velhos tempos.Subjacente tese ps-fordista, na maioria de suas verses, est a afirmao,no de que o povo faz sua prpria histria atravs de lutas, mas que o desen-volvimento social est submetido a linhas de tendncia e direo inexorveis,estabelecidas pelo mundo real, como afirma Stuart Hall.5 Isso expresso no

    prprio ttulo do esboo do Partido Comunista, Encarando de frente o futu-ro, como Richard Gunn assinala: Mas por que encarar de frente? Encararde frente alguma coisa significa reconhecer, relutantemente, uma entidadeque ao menos em princpio, j existe (...) Encarar de frente o futuro implicaum futuro predeterminado. Encarar o futuro permite ao futuro ser um espaoaberto. O ttulo provoca o estreitamento do futuro, revelando, precisamente,um determinismo tecnolgico que rege cada pargrafo do texto.6

    No somente em Encarando de frente o futuro, mas na maior parte da

    literatura sobre o ps-fordismo, h determinismo tecnolgico, implcita ou ex-plicitamente. Nas linhas de tendncia e direo inexorveis, de Hall, estpressuposta uma base tecnolgica na revoluo microeletrnica. No umdeterminismo tecnolgico cru, que argumenta que todos os detalhes esto pre-determinados; pelo contrrio, o argumento favorvel interveno poltica. um determinismo sofisticado, modificado, mas apesar disto, no menosdeterminista. A frase de Hall expressa bem o ponto: o determinismo uma daslinhas de tendncia e direo, logo, h um espao para que ele sofra influn-cias. No fim das contas, entretanto, essas linhas so inexorveis. A interven-o poltica vista como sendo possvel somente dentro de certos limites, den-tro de um arco de determinadas possibilidades. A modernizao est, de qual-quer modo, tomando seu lugar, gostemos ou no: a nica questo dizer sedesejamos uma modernizao reacionria ou democrtica. Como Gunndiz: O pudim que devemos comer j est pronto e tudo o que nos permitido escolher a cobertura.7

    5

    Stuart Hall, op. cit., p. 15.6 R. Gunn, Facing up to the Communist Party, in Common Sense, 6, 1989, p. 83.

    7 Idem, p. 83.

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    TecnologiaO determinismo tecnolgico incorpora um teoria de como a socieda-

    de se desenvolve e certas consideraes sobre a natureza da tecnologia.Inevitavelmente, discusses sobre o ps-fordismo perpassam os conceitos

    de tecnologia e mudana tecnolgica e, portanto, os debates entre aquelesque esto envolvidos nas pesquisas sobre desenvolvimento tecnolgico. Daas reflexes que deram origem a este artigo: discusses sobre tecnologiatm importantes implicaes polticas; e teorias sobre o desenvolvimentogeral da sociedade tm efeitos prticos na definio dos parmetros de tra-balho daqueles que entre ns se ocupam de temas especficos do desenvol-vimento tecnolgico.

    Esta interseco pode ser vista de maneira particularmente clara emalgumas recentes discusses sobre os padres da mudana tecnolgica. Temsido argumentado, por certos autores que, o padro da mudana tecnolgicaest intimamente conectado com ondas longas do desenvolvimento econ-mico, que cada nova ascenso ou perodo de prolongada prosperidade estassociado com a introduo de um novo sistema tecnolgico8 ou um novoparadigma tecno-econmico.9 A extenso do novo sistema tecnolgico,afirma-se, pode ser o estmulo que prov a base para a acelerao acumula-da durante a ascenso. O longo perodo de prosperidade chega ao fim quan-do a trajetria tecnolgica se esgota. A submerso, ou perodo de relativo

    declnio, caracterizada pela experimentao de novas tecnologias e pelosprimeiros passos na inovao. Entretanto, a nova tecnologia no decolarealmente, at que o contexto scio-institucional esteja em harmonia com onovo paradigma tcnico-econmico, at que a organizao geral da polti-ca e da sociedade seja redesenhada para atender os requisitos do novo mo-delo de desenvolvimento tecnolgico.

    Nessa discusso da tecnologia j podemos ver algumas das idiasavanadas pelos tericos do ps-fordismo e, em sua forma mais popular,pelos partidos Comunista e Trabalhista. Assim, os tericos da regulaoque primeiro lanaram a tese ps-fordista na Frana, argumentam que umperodo de renovada acumulao de capital depende principalmente do es-tabelecimento de uma complementaridade harmnica ou correspondn-cia entre a tecnologia dominante e o contexto social. Acima de tudo, admi-te-se que inevitvel e desejvel que a sociedade possa se adaptar para

    8 C. Freeman et alli, Unemployment and technical innovation: a study of long waves and economic

    development, Londres, Francis Pinter, 1982.

    9 C. Perez, Structural change and assimilation of new technologies in the economic and social

    systems, Futures, 15(5), 1983 e Microeletronics, long waves and world structural change: new

    perspectives for developing countries, in World Development, 13(3), 1985.

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    seguir as novas tecnologias. A principal diferena entre os tericosregulacionistas e Perez que o foco explcito na tecnologia faz odeterminismo tecnolgico subjacente mais bvio no caso de Perez. Ela pr-pria nega que seja determinismo tecnolgico, na medida em que o modo

    atravs do qual o contexto scio-institucional adaptado ao paradigma tecno-econmico pode tomar uma variedade de formas e o resultado final precisodepende do conflito social.10 Mas este , precisamente, o determinismomodificado do enfoque ps-fordista: podemos pensar, basicamente, no li-mite, que a fora da trajetria tecnolgica dirige a sociedade para adiante eestabelece os limites nos quais somos livres para escolher.

    Nas recentes discusses sobre tecnologia na Gr Bretanha, uma dasprincipais crticas ao determinismo tecnolgico veio da abordagem deEdinburgh, que privilegia os condicionantes sociais da tecnologia (socialshaping approach).11 O argumento apresentado neste enfoque que no sepode falar de uma trajetria tecnolgica autnoma, porque se examinarmoso desenvolvimento tecnolgico poderemos ver que est condicionado emtodos os pontos por uma problemtica social de gnero, raa, classe e gru-pos profissionais. Nesse sentido, enfocar a discusso da tecnologia sobreseus impactos est deslocado: o que precisamos examinar, primeiramente, a maneira como a sociedade condiciona a tecnologia.

    Este enfoque permite, potencialmente, um entendimento mais pol-

    tico da tecnologia. Mostrando que o curso da tecnologia no pr-determi-nado, que o conjunto do processo tecnolgico, da inveno implementao, cheio de escolhas, conflitos e negociaes, esse enfoque desmistifica atecnologia e descarta a noo de que h uma lgica implacvel do desen-volvimento tecnolgico. Se a tecnologia socialmente condicionada, pos-svel jogar um papel ativo nesse condicionamento.

    Mas, uma vez aberta a caixa preta da tecnologia, quais so as impli-caes polticas? O paradoxo deste enfoque que, enquanto levanta expli-citamente questes sobre a natureza da tecnologia, deixa implcita a natu-reza da sociedade e de nosso trabalho (enquanto pesquisadores datecnologia). Isto tem duas conseqncias. Por um lado, a sociedade toma-da como ela se auto-apresenta, como uma sociedade composta por gruposde presso, especialistas e corpos profissionais. O problema com essa visofragmentada da sociedade que apesar de poder iluminar aspectos particu-

    10 C. Perez, Microeletronics, long waves and world structural change..., op. cit., p. 446.

    11 Refere-se aos pesquisadores nucleados na Universidade de Edinburgh (NT). Ver D. MacKenzie

    e J. Wajcman, The social shaping of technology, Milton Keynes, Open University Press, 1985 e

    PICT Edinburgh, The social shaping of technology, 1988, projeto revisado.

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    lares da tecnologia, quando todos os fragmentos so colocados juntos, oresultado um quadro da sociedade no qual no h lugar para a mudanaradical, no qual a continuidade das relaes sociais existentes simples-mente assumida. Segunda conseqncia: a natureza de nosso trabalho no

    fica explcita. A questo fundamental, para qualquer pesquisador socialistada tecnologia, nomeadamente nossa relao com a institucionalidade danova ordem, no colocada. Deixar explcitas essas questes fundamen-tais, significa nadar com o fluxo, flutuando na correnteza do desenvolvi-mento social. O determinismo, o alvo principal do ataque desse enfoque,entra pela porta dos fundos e retornamos viso do futuro como um lequede oportunidades.

    H, claro, muitas razes materiais para no deixar explcitas essasquestes fundamentais. Por um lado, elas dizem respeito dificuldade ine-

    rente de fazer conexes entre a pesquisa tecnolgica em sua especificidade,por exemplo, o desenvolvimento de redes de computadores, e a naturezageral da sociedade. Por outro, a maioria dos pesquisadores ocupa lugaresdentro das universidades e a natureza das universidades impe pesados cons-trangimentos sobre a pesquisa: tempo, presses dos fundos de financia-mento e questes de status acadmico combinam-se para tornar muito maisfcil deixar a parte social do social shaping indefinida. O social shaping socialmente condicionado. Esses constrangimentos so reais e podero-

    sos, mas deix-los imutveis a lgica do derrotismo.Determinismo, gradualismo, por fim e acima de tudo: derrotismo. A

    esquerda aprendeu a ver o futuro como j existente, uma auto-estrada na qualvoc pode dirigir na esquerda ou na direita, mas da qual impossvel se desviar.O apelo da tese ps-fordista que faz o derrotismo mais confortvel.

    O derrotismo tem uma base material. claro que o capital infligiugrandes derrotas classe operria internacionalmente nos ltimos 15 anos.D a impresso de que o capitalismo reconquistou sua estabilidade, queno h outro futuro, que impossvel deixar a auto-estrada da histria.

    Qual alternativa? claro que no suficiente criticar a viso da Nova Realidade por

    ser determinista ou derrotista. O ponto crucial que a nova realidade dops-fordismo uma fantasia.

    Dois argumentos diferentes tm sido levantados para criticar a teseps-fordista. O primeiro o de que a tese ps-fordista empiricamentefalsa: as mudanas que dizem estar acontecendo simplesmente no esto

    ocorrendo. Nesta viso, todos os elementos apontados pela tese ps-fordistacomo tendncias emergentes, ou no existem ou, se existem, esto longe deser tpicos dos desenvolvimentos correntes. Os defensores da tese ps-

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    fordista tornaram-se vtimas da onda ideolgica da Nova Direita, ao con-fundir os desejos da direita com sua realizao na prtica. Por exemplo, narea das mudanas na organizao do trabalho e nas prticas sindicais, ar-gumenta-se que pouco tem mudado desde os anos 70: o papel dos sindica-

    tos e comisses de fbrica no tem diminudo, os contratos coletivos restri-tos a um sindicato e os acordos sem greve no so novos, h pouca evidn-cia para sustentar a segmentao da fora de trabalho atravs de novas divi-ses entre centro/periferia.12

    So argumentos importantes mas insatisfatrios. So importantesporque, em ltima instncia, indicam o enorme fosso que existe entre osprojetos do capital e sua atual implementao prtica, um fosso que s podeser compreendido a partir da contnua resistncia dos trabalhadores, apesardas derrotas reais e aparentes. So insatisfatrios porque o argumento de

    que pouco mudou nos ltimos anos difcil de ser conciliado com a expe-rincia da maioria das pessoas e o que conhecemos das nossas condiesde trabalho e vida e das condies de trabalho e vida dos demais. Soinsatisfatrios porque dizer nada mudou , justamente, to a-dialticocomo dizer tudo mudou: ambos os argumentos deixam de levar em con-siderao os conflitos sociais (isto , a luta de classes) atravs dos quais amudana social ocorre. Apesar da tese ps-fordista exagerar enormementea fora das tendncias presentes, essas tendncias so, indubitavelmente

    significativas: o perigo de simplesmente dizer que no tem havido nenhu-ma mudana que, ao denunciar aqueles que reclamam exageradamente,ficamos cegos aos movimentos reais e ameaadores que esto ocorrendo.O ponto crucial no negar que h importantes mudanas, mas pensarcomo essas mudanas podem ser entendidas.

    O ponto central da outra tendncia crtica como entender a mu-dana social.13 Um feito extraordinrio das teses ps-fordistas que, apesarde ser um argumento baseado na transio de uma velha ordem para umanova, surpreendentemente, pouca ateno dada questo de porque e

    12 Ver, por exemplo, E. Batstone, The reform of workplace industrial relations, Oxford, Clarendon,

    1988; J. MacInnes, Thatcherism at work, Miulton Keynes, Open University Press, 1987; e A.

    Pollert, Dismantling flexibility, in Capital and Class, 34, 1988.

    13 Ver, por exemplo, John Holloway, The red rose of Nissan, in Capital and Class, 32, 1987; A

    note on fordism and neo-fordism, in Common Sense, 1, 1987 e The great bear: pos-fordism and

    class struggle, in Werner Bonefeld e John Holloway, op. cit.; Werner Bonefeld, Reformulation of

    State theory, in Werner Bonefeld e John Holloway, op. cit. e Class struggle and the permanence

    of primitive accumulation, in Common Sense, 6, 1988; R. Gunn, op. cit. e Marxism and Philosophy,in Capital and Class, 37, 1989; Simon Clarke, Keynesianism, monetarism and the crisis of the

    State, Aldershot, Edward Elgar, 1988 e Overaccumulation, class struggle and the crisis of State,

    in Werner Bonefeld e John Holloway, op. cit.

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    como a mudana tem lugar. Na maioria das exposies, das mais popula-res s mais acadmicas, a nfase no est na mudana, mas na justaposi-o de dois modelos, o velho e o novo, e no resultado das implicaesdeste modelo. O que parece ser uma teoria da histria , vista de perto,

    uma anlise esttica, estrutural-funcionalista, da sociedade. Em muitosdos relatos, os Novos Tempos so simplesmente tratados como tendoemergido da falncia do velho sistema.

    Uma vez que o foco retirado da justaposio de dois modelos e acrise colocada no centro da anlise, a figura muda completamente. Oque tem sido visto nos ltimos 15 ou 20 anos a crise de um modo parti-cular de dominao capitalista e a luta do capital para criar outro. O ele-mento chave no modo de dominao do ps-guerra (keynesianismo,fordismo, ou chame-se como desejar) foi o fato de que ele era baseado no

    reconhecimento explcito do poder dos trabalhadores e na tentativa deconter esse poder atravs da institucionalizao das relaes industriais eda administrao estatal da demanda (da classe trabalhadora). A idiabsica era controlar o poder do trabalho na esperana de que ele pudesseagir como a fora motriz do desenvolvimento capitalista. Keynes estavacerto ao ver o trabalho como a fora diretriz do capitalismo, mas super-otimista ao pensar que ela poderia ser conduzida e que as demandas daclasse trabalhadora poderiam ser duradouramente reconciliadas com a

    acumulao capitalista. A crise do keynesianismo em meados dos anos70 marcou a falncia desse projeto, a afirmao do poder do trabalho noapenas com mas contra o capital.

    As implicaes da falncia do keynesianismo so enormes. Nokeynesianismo o capital havia reconhecido o poder do trabalho e tinha ten-tado cont-lo atravs da institucionalizao da luta de classes. Essa tentati-va falhou. A luta do capital, desde aquela poca, tem sido para impor nova-mente sua dominao, para criar uma nova ordem. A sobrevivncia do ca-pitalismo depende da criao de uma nova ordem, de uma nova base est-vel para a acumulao capitalista.

    Tal dominao estvel no foi (ainda) criada. A Nova Realidade uma farsa, to irreal quanto as imagens dos yuppies veiculadas pelaspropagandas e seriados cmicos da televiso. A farsa, como tal, temsido construda sob a base de uma exploso do crdito durante os anos80 mais do que sobre qualquer reestruturao fundamental das relaesde produo capitalistas. A enorme fragilidade e vulnerabilidade destafarsa foi indicada pelo crash de 1987 e evidenciada pela contnua saga

    da crise internacional da dvida. Paralelos histricos sugerem que a cria-o de uma nova ordem, uma nova base estvel para o capitalismo,pode requerer um grau absolutamente terrvel de destruio. E mesmo

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    aqui, os proponentes das teses ps-fordistas sugerem, irresponsavelmen-te, que uma nova era est comeando e que devemos nos juntar a suaconstruo com entusiasmo. Tal otimismo cego opressivo e irreal: novivemos em uma Nova Ordem mas em meio a uma intensa e cruel luta

    da qual inevitavelmente fazemos parte.A tecnologia parte dessa luta. Ela no condiciona a sociedade eno condicionada por ela. Condicionar indica uma relao externa,mas a relao entre sociedade e tecnologia no externa. Como parte dasociedade, a tecnologia mostra todas as contradies do desenvolvimentosocial. O desenvolvimento tecnolgico, assim como outros aspectos dodesenvolvimento social, marcado pela tentativa sempre contraditria docapital de colocar arreios na criatividade humana. A revoluomicroeletrnica no um evento externo que impe um certo desenvol-

    vimento sobre a sociedade: ela , fundamentalmente, uma tentativa paraprogramar, para reduzir processos sociais complexos a regras simples,transformando a sociedade em algo que pode ser computadorizado. Aresistncia inerente que tal projeto encontra expressada como crisetecnolgica e, acima de tudo, como crise de software.14 A Nova Tecnologia,que parece oferecer uma base firme para a Nova Ordem, no menoscontraditria que a prpria Nova Ordem, e tanto quanto ela uma facha-da vulnervel e frgil, como a nova experincia recorrente de falhas de

    software, vrus e sabotagens deixa claro.A Nova Ordem uma Nova Desordem.

    14 Para a discusso da crise de software ver Elona Pelaez, A gift from Pandoras box: the

    software crisis, PhD thesis, University of Edinburgh, 1988