apostila parte i ondas resistência 2010 rev2011

101
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Departamento de Engenharia Naval e Oceânica HIDRODINÂMICA Material de apoio à disciplina PNV2342 (PARTE I) Prof. Dr. Alexandre N. Simos São Paulo, 2010

Upload: gabriel-souza-pontes

Post on 17-Dec-2015

42 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

apostila utilizada no curso de dinâmica da escola politécnica da usp.

TRANSCRIPT

  • Escola Politcnica da Universidade de So Paulo Departamento de Engenharia Naval e Ocenica

    HIDRODINMICA

    Material de apoio disciplina PNV2342 (PARTE I)

    Prof. Dr. Alexandre N. Simos

    So Paulo, 2010

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Iden

    tific

    ao

    Bib

    liogr

    fic

    a

    0

    Verso Data Observaes 1.1 Reviso 1 Julho/2011 Ondas e Resistncia

    Material de Apoio: PNV 2342 Hidrodinmica (Parte I)

    Dept./Unidade Semestre Autor: PNV/EPUSP 6o graduao Prof. Dr. Alexandre N. Simos

    Disciplina oferecida pelo programa de graduao da Escola Politcnica da Universidade de So Paulo.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Sum

    rio

    0

    NDICE

    1. INTRODUO ............................................................................................. 1

    2. TEORIA LINEAR DE ONDAS ..................................................................... 7

    2.1 O Problema de Contorno: Ondas Planas Progressivas ........................... 8

    2.2 Energia de Ondas e Propagao de Energia ........................................ 26

    2.3 Superposio de Ondas Planas ............................................................ 32

    3. RESISTNCIA AO AVANO .................................................................... 38

    3.1 Resistncia de Ondas ............................................................................ 41

    3.1.1 Ondas geradas pelo avano de navios: A aproximao

    bidimensional ............................................................................................ 42

    3.1.2 Ondas geradas pelo avano de navios: O caso tridimensional ... 47

    3.1.3 Consideraes Finais sobre a Resistncia de Ondas ................. 62

    3.2 Resistncia Friccional ............................................................................ 64

    3.2.1 Aspectos da Teoria de Camada-Limite: Solues de Placa-Plana

    em Regime Laminar e Turbulento ............................................................. 65

    3.3 Outras Componentes de Resistncia e Procedimentos para sua

    Estimativa em Projeto ............................................................................ 77

    EXERCCIOS SUGERIDOS ............................................................................. 86

    APNDICE: O MTODO DA FASE ESTACIONRIA .................................... 93

    BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 96

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 0B

    INTR

    OD

    U

    O

    1

    1. INTRODUO

    Este texto compe parte do material complementar para a disciplina de

    Hidrodinmica (PNV2342), oferecida como disciplina regular aos alunos do 6

    semestre do curso de graduao em Engenharia Naval. Da forma como se

    encontra estruturado, a disciplina envolve o estudo de fundamentos tericos de

    quatro dos principais tpicos de hidrodinmica do navio: teoria linear de ondas,

    resistncia ao avano, propulso e manobra de embarcaes. A presente

    apostila aborda os dois primeiros assuntos, os quais so, claro, intimamente

    relacionados. O material de apoio ao curso se completa com textos sobre

    propulso e manobra, fornecidos ao aluno em separado.

    Antes de discorrer sobre os tpicos de estudo, convm esclarecer o intuito com

    o qual este material foi preparado e como o mesmo deve ser encarado no

    contexto do curso. fundamental que o aluno entenda, desde o incio, que este

    texto no tem a inteno, e muito menos a pretenso, de ser fonte suficiente

    para o acompanhamento do curso. Em outras palavras, este texto deve

    auxiliar, orientar o estudo, mas no basta como fonte de estudo. Embora traga,

    de forma resumida, os elementos fundamentais da teoria que ser vista em

    aula, ele no inclui todas as dedues, demonstraes ou exerccios que sero

    apresentados em sala de aula. Embora procure apresentar os aspectos fsicos

    fundamentais por trs dos fenmenos estudados e encaminhar a modelagem

    matemtica dos mesmos, muitas vezes esse texto remeter a referncias

    bibliogrficas fundamentais na rea para um aprofundamento do estudo ou

    informaes complementares.

    Os objetivos so claros: exigir uma atitude mais ativa no estudo; induzir o aluno

    a procurar referncias clssicas em hidrodinmica que certamente contribuiro

    sobremaneira para o entendimento de um assunto que, dada a sua

    complexidade, permite inmeras abordagens diferentes e com distintos graus

    de aprofundamento; permitir, caso o aluno abrace esse idia, a percepo de

    como rica a teoria que ser abordada e o quanto extrapola aquilo que pode

    ser visto no horizonte de uma nica disciplina.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 0B

    INTR

    OD

    U

    O

    2

    De fato, dada a carga horria da disciplina, no ser possvel estender muitos

    dos aspectos que compem os quatro tpicos abordados. Dessa forma, a

    nfase recair sobre os fundamentos tericos, sobre os aspectos mais

    conceituais desses tpicos de hidrodinmica martima. Deixaremos o estudo de

    mtodos de carter mais aplicado para as disciplinas de projeto. O intuito aqui

    que o aluno ganhe as bases necessrias para entender, julgar e avaliar as

    vantagens e limitaes desses mtodos voltados a projeto. Em outras palavras,

    que tenha bagagem conceitual suficiente para discernir qual o mtodo mais

    apropriado para determinada aplicao, como empreg-lo e qual o grau de

    incerteza envolvido na resposta. E, a essa altura o aluno j deve ter percebido,

    em se tratando de fenmenos hidrodinmicos muitas vezes o nvel de incerteza

    pode ser razovel, mesmo ao se empregar as tcnicas mais modernas

    disponveis para a modelagem de tais fenmenos. Isso certamente torna o

    estudo da hidrodinmica mais interessante e, via de regra, exige do projetista

    naval habilidades que vo alm da aplicao de formulrios e cdigos

    computacionais.

    Com relao ao material, um ltimo comentrio: embora no seja estritamente

    necessrio, em um estudo terico ou conceitual sempre salutar conhecermos

    melhor o contexto histrico no qual essa teoria foi desenvolvida. Em geral, os

    conjuntos tericos que hoje nos parecem fechados ou bem estabelecidos

    foram desenvolvidos em um processo relativamente confuso, controverso, com

    erros, acertos e disputas pelo caminho. Uma viso desse processo, definido as

    autorias e os momentos nos quais os principais avanos aconteceram, torna o

    estudo, no mnimo, mais interessante. Por esta razo, ao longo do texto

    procura-se incluir notas histricas sobre a teoria e referncias para as mesmas.

    Como mencionado no incio, abordaremos neste texto dois tpicos de estudo; o

    primeiro envolve fundamentos da chamada Teoria Linear de Ondas de

    Gravidade. Este tpico, apresentado no Captulo 2, no desconhecido dos

    alunos de engenharia naval, uma vez que seus principais aspectos conceituais

    foram objeto de estudo das disciplinas de Mecnica dos Fluidos. Naquele

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 0B

    INTR

    OD

    U

    O

    3

    primeiro momento, os conceitos foram abordados com um enfoque

    eminentemente fsico, buscando um entendimento da mecnica que rege as

    chamadas ondas progressivas e suas principais caractersticas, como, por

    exemplo, a questo da dispersividade. Muitos dos conceitos que sero

    abordados neste primeiro tpico no sero, assim, novidade, mas o enfoque

    ser certamente diferente. Uma vez compreendida a fsica que rege os

    escoamentos associados a efeitos ondulatrios de superfcie, devemos agora

    enfatizar os modelos matemticos que descrevem tais escoamentos. Essa

    modelagem matemtica fundamental para que se possa desenvolver

    mtodos de quantificao dos efeitos associados s ondas de gravidade, quer

    relacionados resistncia ao avano de embarcaes (quando nos interessa

    estudar o campo de ondas gerado na esteira do navio), quer associados ao

    problema de comportamento no mar de navios e sistemas ocenicos (quando o

    interesse recai no clculo das foras hidrodinmicas induzidas pelas ondas do

    mar sobre seus cascos).

    O aluno bem sabe que o pano de fundo sobre o qual se desenvolve a

    modelagem das ondas corresponde chamada teoria de escoamento

    potencial. Essa teoria est associada ao que costumamos chamar de fluido

    ideal, quando os efeitos da viscosidade do fluido so desconsiderados.

    Quando a dinmica do escoamento permite trabalhar com tal simplificao, o

    tratamento matemtico do problema se torna muito mais simples, j que passa

    a depender fundamentalmente da hiptese de conservao de massa. A teoria

    de escoamento potencial j foi discutida com certa profundidade nas disciplinas

    precedentes de Mecnica dos Fluidos e seus aspectos principais ainda sero

    revistos pelos alunos no curso de Mecnica dos Meios Contnuos. Por essa

    razo, o presente texto pressupe que as hipteses adotadas na construo

    desta teoria, o conceito de potencial de velocidades e as equaes que

    descrevem a dinmica dos escoamentos irrotacionais sejam (bem) conhecidas.

    Cabe tambm enfatizar que uma vasta gama de problemas abordada no

    contexto da Teoria de Ondas de Gravidade, com derivaes para estudos de

    problemas em baixas profundidades, reas restritas como portos e baas,

    dispositivos de gerao e absoro de ondas (fundamental para o

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 0B

    INTR

    OD

    U

    O

    4

    desenvolvimento dos chamados tanques de provas), dentre muitas outras

    aplicaes. Trata-se, portanto, de uma rica rea de estudos, muito bem

    respaldada por excelentes textos disponveis na literatura especializada. De

    fato, a teoria de ondas muito bem servida em termos de bibliografia.

    Encontram-se desde textos clssicos que tratam especificamente da dinmica

    de ondas de superfcie (caso, por exemplo, de Stoker, 1957), como outros mais

    modernos e que abordam uma gama maior de aplicaes prticas (como Dean

    & Dalrimple, 1991); obras que enfocam aspectos de gerao das ondas do mar

    (como Philips, 1966) e outras que abordam aspectos estatsticos das mesmas

    (como Ochi, 1998); livros que tratam de uma multiplicidade de problemas

    associados s ondas do mar, tanto em guas profundas como costeiras (Mei,

    1989) e outros que abordam a teoria de ondas como fundamento para estudos

    de comportamento no mar (Newman, 1977; Faltinsen, 1990 e Lewandowsky,

    2004 so exemplos).

    Na disciplina de Hidrodinmica, o foco recai sobre os fundamentos da teoria

    linear de ondas de gravidade, com a discusso dos potenciais de velocidades

    das chamadas ondas planas progressivas (que, como ser visto adiante,

    constituem as componentes bsicas da modelagem das ondas do mar), o

    estudo da energia que se propaga com essas ondas e sua quantificao. Neste

    ltimo tpico, aspectos como fluxo e velocidade de propagao de energia

    sero abordados. Embora esses conceitos sejam importantes para uma vasta

    gama de aplicaes envolvendo as ondas do mar, nosso objetivo aqui

    principalmente o de fornecer subsdios tericos para o estudo da chamada

    resistncia de ondas, alvo do segundo tpico deste texto. Evidentemente, por

    se tratarem de conceitos bsicos, os tpicos que sero aqui discutidos so

    abordados em inmeras obras, cada qual com seu enfoque particular. Dessa

    forma, ao longo do texto, muitas destas referncias sero sugeridas como fonte

    para estudos complementares.

    No que tange nosso segundo tpico de estudo, Resistncia ao Avano, trata-se

    de um estudo j mais especfico, relacionado principalmente engenharia

    naval. Dessa forma, j no se encontra a profuso de referncias bibliogrficas

    que caracteriza, por exemplo, a teoria de ondas. Em se tratando da orientao

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 0B

    INTR

    OD

    U

    O

    5

    dada neste curso, que privilegia os aspectos conceituais do problema, a

    literatura ainda mais escassa. De fato, embora faa parte do contedo de

    algumas referncias de qualidade (caso, por exemplo, do PNA Lewis, 1988),

    na maioria das vezes o foco recai sobre procedimentos e mtodos para

    medio e predio da resistncia ao avano de um determinado casco. O

    presente texto faz apenas aluso a alguns destes mtodos, com maior ateno

    queles baseados em ensaios em escala-reduzida. Como j foi dito

    anteriormente, o estudo desses mtodos de previso de resistncia deixado

    para as disciplinas de projeto que o aluno cursar futuramente. Aqui, o

    interesse recai no estudo dos fundamentos tericos associados resistncia

    de ondas (para o qual os conceitos apresentados na primeira parte do curso

    sero importantes) e chamada resistncia viscosa, com nfase especial na

    sua componente friccional. Para o estudo da resistncia de ondas nossa

    principal referncia ser Newman (1977). J para a modelagem da resistncia

    friccional, dada a similaridade com o problema de escoamento sobre placas

    planas ou superfcie com pequena curvatura, o cerne do estudo ser a teoria

    de camada-limite turbulenta, que pode ser encontrada com a profundidade

    necessria em qualquer bom livro de mecnica dos fluidos.

    Veremos, portanto, como modelar as ondas geradas por um casco em

    deslocamento na superfcie do mar e como a energia que ser carregada por

    estas ondas implica em uma fora que se ope a tal deslocamento. Com

    relao aos efeitos viscosos, o assunto principal ser a modelagem do atrito

    que escoamento exerce sobre o casco e a teoria de camada-limite que constitui

    a base da conhecida linha de Schoenherr ( qual o aluno deve ter sido

    apresentado como estimativa do arrasto em placas planas turbulentas) e que

    at hoje empregada em engenharia naval (em geral, com pequenas

    modificaes), para estimar a resistncia friccional do casco. Em conjunto, as

    duas parcelas (de ondas e friccional) representam a frao dominante da fora

    resistncia.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 0B

    INTR

    OD

    U

    O

    6

    Por fim, para concluirmos essa introduo ao curso e apostila,

    imprescindvel ressaltar que a soluo de exerccios fundamental para a

    consolidao dos conceitos que sero aqui apresentados. Dessa forma, a

    apostila procura trazer alguns exerccios ao final de cada captulo, mas esta

    relao deve ser vista como mnima. Procuraremos apresentar alguns outros

    em aula. Alm disso, boa parte das referncias citadas ao longo do texto

    tambm traz conjuntos de exerccios que podem (e devem) ser aproveitados

    pelo aluno durante seus estudos.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    7

    2. TEORIA LINEAR DE ONDAS

    O que de fato caracteriza a chamada hidrodinmica martima o estudo de

    problemas que envolvem a ao de ondas na superfcie do mar. Assim, por

    exemplo, o estudo do comportamento dinmico de estruturas flutuantes em

    ondas requer, como ponto de partida, que sejamos capazes de modelar as

    foras de excitao causadas por uma determinada situao de mar. Por outro

    lado, o estudo de resistncia ao avano de uma embarcao pressupe que

    seja possvel quantificar as ondas geradas pelo seu deslocamento e como

    estas se traduzem em foras sobre o casco. Para tanto, devemos saber como

    modelar o escoamento associado s ondas, quer sejam ondas do mar

    incidentes sobre o casco, quer sejam ondas geradas pelo deslocamento de um

    navio em guas calmas, uma vez que a mecnica das ondas em ambos os

    casos a mesma. De fato, embora o ambiente ocenico apresente uma srie

    de fenmenos oscilatrios em uma ampla faixa de perodos de retorno, cada

    qual originado por agentes especficos e sustentado por diferentes

    mecanismos1, para as aplicaes de maior interesse em engenharia naval

    estaremos interessados apenas nas ondas que tm perodos de oscilao da

    ordem de 10 segundos (nessa faixa se encontram as chamadas wind waves -

    ondas geradas pela ao do vento sobre a superfcie do mar). Essas ondas,

    por sua vez, pertencem categoria das ondas de gravidade, cuja

    denominao advm do fato de tais ondas terem como nico efeito restaurador

    relevante a ao do prprio peso do fluido. As ondas de gravidade tm uma

    dinmica prpria, com caractersticas importantes, e seu estudo se d atravs

    da chamada Teoria de Ondas de Gravidade. Neste curso, em particular,

    estaremos interessados em um recorte dessa teoria, que envolve uma

    simplificao de seus modelos matemticos (bastante razovel, diga-se, para a

    maioria das aplicaes em engenharia naval e ocenica), e que

    convencionamos chamar de Teoria Linear de Ondas.

    1 Maiores detalhes sero discutidos em aula, e podem ser encontrados, por exemplo, em Mei

    (1989) ou Price & Bishop (1974).

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    8

    J foi discutido no curso de Mecnica dos Fluidos o fato de que, em geral, a

    viscosidade do fluido exerce influncia pequena sobre a dinmica do

    escoamento associado a estas ondas e, por esta razo, toda a modelagem

    matemtica que ser apresentada neste captulo baseada na teoria de escoamento potencial (portanto, no contexto do que convencionamos chamar de fluido ideal)2.

    Em resumo, este captulo dedicado teoria que nos permite representar as

    ondas de superfcie geradas pelo movimento de uma embarcao e tambm as

    ondas geradas pela ao do vento sobre a superfcie ocenica, as quais so o

    agente excitante nos problemas de comportamento no mar. Em particular,

    estudaremos esta teoria no contexto das ondas de pequena amplitude, o que

    nos permitir linearizar o problema de contorno, trazendo grandes

    simplificaes matemticas. Veremos que este procedimento adequado para

    boa parte dos problemas, embora efeitos no-lineares sejam relevantes em

    muitas aplicaes de engenharia naval e ocenica.

    2.1 O Problema de Contorno: Ondas Planas Progressivas

    Consideraremos que a regio de interesse tenha profundidade constante (h) e

    iniciaremos nosso estudo com uma discusso sobre um modelo particular de

    onda, conhecido como onda plana progressiva. Plana, pois apresenta linhas de

    cristas e cavados paralelas, ou seja, tais linhas so todas perpendiculares

    direo de propagao (no caso, a direo x, como ilustrado na Figura 1, a

    seguir). Progressiva porque um observador fixo que veja essa onda evoluir ao

    longo do tempo perceber que a mesma se desloca com certa velocidade de

    avano em determinado sentido (para ns, no sentido x crescente). Por fim,

    consideraremos ainda que essa onda tenha altura e comprimento constante e

    2 De fato, como veremos na seo 3.1, os fundamentos da teoria que hoje agrupamos sob o

    nome de teoria de ondas de gravidade foram estabelecidos entre finais do sculo XVIII e

    meados do sculo XIX por personagens como Lagrange, Laplace, Cauchy, Poisson, Green,

    Airy e Stokes. A construo de suas bases antecede, em boa parte, a proposio das

    equaes de Navier-Stokes.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    9

    que suas caractersticas se mantenham inalteradas no decorrer do tempo.

    Obviamente, as ondas do mar, dada a prpria aleatoriedade de sua gerao,

    em geral no apresentam tal regularidade. Todavia, o aluno bem sabe que as

    ondas irregulares podem ser modeladas atravs de uma combinao de

    componentes regulares (como o caso da onda que estamos propondo), no

    esprito de uma representao em Srie de Fourier. Dessa forma, as ondas

    planas progressivas (regulares) devem ser entendidas como um modelo

    fundamental para a representao de ondas do mar real, com todos os seus

    aspectos de aleatoriedade.

    Figura 1 Onda plana progressiva em regio de profundidade h. Figura

    extrada de Journe & Massie (2001)

    A fsica que governa as chamadas ondas planas progressivas j foi

    apresentada no curso de Mecnica dos Fluidos. Sabemos, portanto, que a

    mesma pode ser caracterizada por trs parmetros: dois parmetros espaciais

    (sua amplitude A (a na figura) e seu comprimento ) e um parmetro que caracteriza sua variao no tempo, o perodo de oscilao T. A elevao da

    superfcie descrita pela relao z = (x,t). A partir dos trs parmetros bsicos, podemos derivar outros que sero

    importantes durante a modelagem do problema. Assim, podemos definir a

    freqncia angular da onda ( T 2= ) e o chamado nmero de onda ( 2=k ).

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    10

    A altura de onda (H) definida pela distncia vertical entre a crista e a cava da

    onda e, no modelo em questo, corresponde ao dobro da amplitude de onda.

    Outro parmetro importante da onda a sua declividade (wave steepness, em

    ingls) que uma relao entre sua altura e seu comprimento e, assim, pode

    ser quantificada, por exemplo, por H/ (ou, o que tambm freqente, pelo parmetro kA). Por fim, a velocidade de fase (ou velocidade de propagao ou celeridade, c)

    da onda a velocidade com que as cristas e cavas se deslocam. Dado que,

    para um observador fixo, uma determinada crista caminha o equivalente a um

    comprimento de onda no intervalo de tempo de um perodo, ela pode ser

    facilmente definida por:

    T

    c = (2.1)

    No contexto da teoria potencial, o problema consiste em determinar o potencial

    de velocidades (x,z,t) do escoamento associado este campo ondulatrio. Uma vez conhecido tal potencial, o campo de velocidades no fluido estar definido,

    assim como o campo de presses, este ltimo obtido atravs da Equao de

    Bernoulli. Para avaliarmos uma possvel expresso deste potencial de

    velocidades, precisaremos ento discutir a formulao do problema de

    contorno que representa tal escoamento, o que ser feito a seguir.

    Condio de Continuidade, Conservao de Massa e Equao de Laplace

    Em ltima instncia, dizemos que um determinado escoamento conhecido

    quando so conhecidos, em qualquer ponto do fluido, o vetor velocidade

    ( ktzyxwjtzyxvitzyxutzyxvrrrr ),,,(),,,(),,,(),,,( ++=

    ),,,( tzyxp

    ) e a presso do fluido

    naquele ponto .

    J sabemos que no contexto da teoria potencial toda a dinmica do fluido

    resulta da imposio da condio de conservao de massa. Essa

    conservao garantida pela equao da continuidade, que, em sendo o fluido

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    11

    homogneo e incompressvel, se reduz condio de divergncia nula do

    campo de velocidades ( 0=vdivr ou 0= vr ). Alm disso, como estamos admitindo, por hiptese, que o escoamento possa ser considerado irrotacional

    ( ou ), o campo de velocidades pode ser representado por uma

    nica funo escalar, conhecida como potencial de velocidades

    0rr =vrot 0rr = v

    ),,,( tzyx , j que:

    gradtzyxv =),,,(r ou =),,,( tzyxvr Dessa forma, relembrando a definio do operador Laplaciano ( ),

    verificamos que a condio de conservao de massa recai na conhecida

    equao de Laplace, dada por:

    2=

    022

    2

    2

    2

    22 =

    +

    +=

    zyx

    No caso em estudo (onda plana que se propaga na direo x) fcil perceber

    que o escoamento se repete em qualquer plano definido por um corte y=cte.

    Em outras palavras, o escoamento se d no plano xz e, assim, pode ser tratado

    como bidimensional. Dessa forma, consideraremos a priori que 0= y e 022 = y , e teremos para o problema plano:

    022

    2

    22 =

    +

    =zx (2.2)

    Evidentemente a modelagem do problema no se esgota na equao de

    Laplace, dado que esta apresenta infinitas solues possveis. A definio da

    soluo do problema especfico (particular) depende ento da imposio das

    chamadas condies de contorno. Tais condies, por sua vez, representam

    restries sobre a varivel (no caso, a funo ) ou sobre suas derivadas nos contornos do domnio no qual as mesmas se encontram definidas, e so

    equacionadas com base em um conhecimento prvio do comportamento do

    escoamento nessas fronteiras.

    Todavia, antes de definirmos as condies de contorno apropriadas para o

    problema ilustrado na Figura 1, podemos comear a encaminhar um possvel

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    12

    mtodo de soluo da equao diferencial (2.2). Discutiremos as condies de

    contorno no decorrer desta soluo. Nossa inteno aqui no aprofundar a

    discusso do problema de clculo, mas sim observar que, com base em

    aspectos fsicos do problema, podemos construir de uma forma relativamente

    simples a soluo procurada.

    De fato, as caractersticas da Equao de Laplace (equao diferencial a

    derivadas parciais linear de segunda-ordem) permitem buscar uma soluo do

    problema com base no chamado Mtodo de Separao de Variveis (ao qual o

    aluno foi apresentado nos cursos de Clculo). Por esse caminho, uma soluo

    seria procurada ao se separar as dependncias nas variveis (x,z,t),

    representando a funo potencial na forma:

    )().().(),,( tTxXzZtzx = onde as funes Z(), X() e T() devero ser determinadas mediante a imposio

    da equao (2.2) e das condies de contorno do problema.

    Aqui, no entanto, com base em aspectos conhecidos do comportamento da

    onda (e do escoamento associado mesma), tomaremos um atalho que nos

    poupar de parte do trabalho envolvido na soluo mais geral do problema. De

    fato, sabemos de antemo que estamos procura de uma soluo que tenha

    um padro oscilatrio em x e no tempo, e que a periodicidade da oscilao em

    x se d com base no nmero de onda ( 2=k ), enquanto no tempo esta se d com a freqncia da onda ( T 2= ). Ademais, a caracterstica progressiva da onda naturalmente nos leva a procurar uma soluo da forma:

    )()(),,( += tkxsenzZtzx onde representa uma fase constante que podemos considerar nula sem perda de generalidade do problema.

    Partindo ento deste ponto, adotaremos uma possvel forma complexa da

    soluo3, a qual, como veremos adiante, facilitar sobremaneira o trabalho

    algbrico:

    3 Bastando, para isso, lembrar que: . )()cos( isenei +=

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    13

    (2.3) ])(Re[),,( tiikxezPtzx +=Deve-se notar que na representao (2.3) a funo P(z) pode tambm ser uma

    funo complexa.

    Substituindo (2.3) na equao de Laplace, resulta a seguinte equao

    diferencial ordinria de segunda-ordem:

    0)()( 222

    = zPkzzPd ,

    que deve ser satisfeita em todo o domnio fluido, dado por ),( txz . A soluo mais geral desta equao dada em termos de funes

    exponenciais:

    (2.4) kzkz eCeCzP += 21)(com constantes C1 e C2 a serem determinadas.

    Portanto, a soluo geral da equao de Laplace com uma funo da forma

    (2.3) resulta:

    (2.5) ])Re[(),,( 21tiikxkzkz eeCeCtzx ++=

    As duas constantes ainda indefinidas presentes na soluo, cujos valores a

    particularizam, dependero ento das condies de contorno do problema. O

    contorno em questo dado pelo fundo e pela prpria superfcie-livre z = (x,t). A seguir, discutiremos as condies fsicas a serem impostas nestas fronteiras

    para podermos avanar na soluo.

    A Condio de Contorno no Fundo

    Logicamente, a condio de contorno a ser imposta no fundo a condio de

    impermeabilidade desta fronteira (z = -h), que se expressa por:

    0=

    z em z=-h (2.6)

    e, substituindo (2.5) em (2.6), vem:

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    14

    , 021 = khkh eCeCcondio que identicamente satisfeita se: kheCC 21 = e kheCC = 22 Assim, a funo P(z) dada em (2.4) pode ser reescrita na forma:

    )(cosh)(2

    )( )()( hzkCeeCzP hzkhzk +=+= ++

    e o potencial de velocidades resulta, ento:

    , (2.7) ])(coshRe[),,( tiikxehzkCtzx ++=restando ainda, contudo, a determinao da constante C.

    Condio de Contorno Dinmica na Superfcie-Livre

    A natureza da superfcie-livre exigir duas condies a serem impostas. A

    primeira, chamada de condio dinmica, garante que a presso hidrodinmica

    na superfcie seja igual presso atmosfrica, ou seja, p=p0 para em z=(x,t). Essa condio pode ser expressa em funo do potencial de velocidades,

    mediante a considerao da equao de Bernoulli para escoamento potencial

    no-permanente, dada por:

    021 =+++

    gzpt

    Considerando ainda que se possa definir o referencial de presso

    arbitrariamente e adotar p0=0 sem perda de generalidade, a imposio desta

    equao na superfcie-livre z=(x,t) implicar em:

    021 =++

    gt

    em z=(x,t) (2.8)

    A equao (2.8) traduz ento uma das condies de contorno que devem ser

    respeitadas sobre a superfcie-livre. Em termos da soluo matemtica do

    problema, no entanto, essa condio traz srias complicaes. Em parte a

    complicao advm da no-linearidade decorrente da presena do termo quadrtico na velocidade. Alm disso, porm, uma dificuldade adicional decorre

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    15

    de termos que aplicar a condio (2.8) sobre uma superfcie z=(x,t) que , de fato, desconhecida a priori.

    Neste ponto recorreremos a uma simplificao do problema de contorno,

    verificando que, caso a onda em questo apresente determinadas

    caractersticas em termos de seus parmetros espaciais (amplitude e

    comprimento), poderemos proceder ao que chamamos de linearizao da condio de contorno, atravs da qual eliminaremos as fontes de no-

    linearidade presentes.

    Nota: Linearizao Hduasabordagensusuaisparasetrataraquestoda linearizaodascondiesdesuperfcielivre.Umaprimeira,maisrigorosadopontodevistamatemtico,sebaseianaaplicaodeumatcnicadeperturbao(paraestaaplicaoconhecidacomoExpansodeStokes),quepressupeaexpansodopotencialedaequaodesuperfcieem termosdediferentesordensdemagnitude (combinaodetermos lineares,de segundaordem, terceiraordem,etc..).Admitindo taisexpansesnaEquaodeLaplaceenascondiesdecontorno,eapsconsidervel trabalhoalgbrico,possveldecomporoproblema original nolinear em uma seqncia de problemas lineares, cujas solues fornecem ostermosdediferentesordensdemagnitude.Noentanto,comointuitodereduzirotrabalhoalgbricorequerido,neste textoadotaremosumaabordagemalternativabaseadapuramenteemargumentosdimensionais.Atravsdequalquerumadasduaschegasenamesmaaproximaolineardoproblema,mas,evidentemente,atravsdocaminhodemenoresforoalgoseperde.Enessecasooqueperdidoachancedeseobservarcomootratamentodoproblemanolinearpodeserconstrudoemtermosde uma seqncia de problemas lineares nas diferentes ordens de magnitude. Assim, dado o seuinteresseprtico,recomendaseaoalunoumestudoparalelodestatcnica.UmaexcelenterefernciaparaissoolivrodeStoker(1957),queapresentaosprocedimentosdeformadidticaedetalhada.

    possvel mostrar atravs de um argumento de escala que, na hiptese de

    ondas de pequena declividade ( 1/

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    16

    tg

    = 1 em z=(x,t)

    A rigor, a condio acima deveria ser imposta sobre a superfcie z=, a qual no conhecida a priori (e que, de fato, constitui outra fonte de no-linearidade

    do problema). Todavia, notamos tambm que, dado que a declividade da onda

    pequena, ento os valores de (x,t) sero tambm necessariamente pequenos. Com isso, e de forma consistente com a linearizao j adotada,

    pode-se proceder a uma aproximao adicional, impondo a condio de

    contorno no sobre a superfcie real, mas sim sobre a superfcie-mdia

    indeformada (z=(x,t)=0) :

    tg

    = 1 em z=0 (2.9)

    A eq. (2.9) ento a forma linear da condio dinmica de superfcie-livre. Se

    considerarmos nessa equao o potencial dado em (2.7), obteremos:

    = + tiikxekh

    gCi coshRe

    fcil perceber que a equao acima representa uma onda progressiva de

    comprimento e perodo T e que o termo entre parnteses no lado direito uma constante que deve representar, portanto, a amplitude de onda A. Dessa

    forma, conclui-se que o valor da constante C dado por:

    kh

    igACcosh=

    com o qual, verifica-se que a equao da onda dada simplesmente por:

    )cos(),( tkxAtx = (2.10) A equao (2.10) mostra, assim, que no contexto da teoria linear de ondas, a

    oscilao da onda no espao e no tempo se d de forma cossenoidal (ou

    senoidal, dependendo da fase inicial considerada).

    E, por fim, substituindo-se a constante C em (2.7), chega-se expresso do

    potencial de velocidades procurado:

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    17

    )(cosh

    )(coshcosh

    )(coshRe),,( tkxsenkh

    hzkgAekh

    hzkigAtzx tiikx +=

    += +

    (2.11)

    Observando (2.11) fcil verificar que, no limite de profundidade infinita ( ), o potencial de velocidades ser dado simplesmente porh 5:

    )(Re),,( tkxsenegAeeigAtzx kztiikxkz =

    = + (2.12)

    Neste ponto, aparentemente a soluo est completa. No entanto, como

    veremos adiante, h ainda uma condio de contorno adicional que deve ser

    imposta na superfcie-livre, conhecida como condio cinemtica. Esta

    condio adicional , de fato, necessria para se garantir a unicidade da

    soluo do problema de contorno. Veremos a seguir que a imposio dessa

    nova condio soluo dada pela eq. (2.12) nos revelar um aspecto

    importante da fsica das ondas de gravidade.

    Condio de Contorno Cinemtica na Superfcie-Livre

    Em qualquer fronteira fsica do escoamento, a velocidade do fluido deve

    obedecer a certas restries. Suponhamos, por exemplo, uma fronteira

    representada por uma superfcie slida fixa (aqui podemos imaginar o fundo do

    mar, as paredes de um tanque de provas, ou qualquer estrutura rgida fixa

    imersa total ou parcialmente no fluido). No contexto de escoamento potencial,

    sabemos que a condio a ser imposta nessa fronteira uma condio de

    impermeabilidade, ou seja, as partculas de fluido podem ter apenas velocidade

    tangencial superfcie de contorno (escorregamento). Esse tipo de condio

    uma condio cinemtica (dado que imposta sobre as velocidades do fluido)

    e implica que a velocidade normal do fluido na fronteira seja igual velocidade

    normal da prpria fronteira (que no caso, por estar fixa, igual a zero).

    5 A demonstrao fica como exerccio.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    18

    Estamos agora interessados na fronteira que representa a superfcie-livre do

    mar. A condio cinemtica a ser imposta aqui a mesma, ou seja,

    relativamente superfcie de contorno, as partculas de fluido podem ter

    apenas velocidade tangencial fronteira. Todavia, nesse caso, a fronteira no

    fixa, mas mvel. Vejamos ento como garantir, nesse caso, a condio

    cinemtica.

    Toda superfcie (fixa ou mvel) pode ser representada por uma expresso

    matemtica da forma F(x,y,z,t)=0. No caso da superfcie-livre, a expresso que

    representa a equao instantnea da fronteira dada por:

    0),(),,( == txztzxF Se estivermos nos movendo com a superfcie, veremos que essa fronteira

    permanece inalterada com ou tempo ou, expressando matematicamente, que a

    derivada total de F no tempo nula: 0=DtDF Em termos da descrio Euleriana do problema, sabemos que essa condio

    expressa por:

    0=+= Fq

    tF

    DtDF r

    onde o vetor q representa a velocidade de um ponto geomtrico qualquer (x,z)

    da fronteira.

    Nesse ponto conveniente observar que o versor normal superfcie em

    qualquer ponto dado por FFn =r e, dessa forma, a imposio de que a velocidade normal do fluido seja igual velocidade normal da fronteira implica

    em FvFq = rr , e portanto: FFq = r Assim, temos que:

    0=+ F

    tF em z=(x,t)

    e, finalmente:

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    19

    0=

    +

    xxzt em z=(x,t)

    A equao acima representa a condio de contorno cinemtica na superfcie

    livre e fcil perceber que ela apresenta, do ponto de vista da soluo

    matemtica, problemas similares queles apresentados pela condio

    dinmica.

    Mais uma vez, empregando argumentos de escala, possvel mostrar que para

    o caso de ondas de pequena declividade tem-se:

    zxx

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    20

    A forma da eq. (2.14) tem ento a vantagem de expressar em uma nica

    equao, cuja varivel o potencial de velocidades, todas as restries

    referentes superfcie-livre.

    Substituindo ento o potencial (2.11) na identidade acima, decorre uma relao

    entre a freqncia e o nmero de onda k:

    khg

    ktanh

    2= (2.15)

    que conhecida como relao de disperso de onda. Essa relao traduz um aspecto fsico importantssimo referente s ondas de gravidade. Este

    aspecto j foi discutido na disciplina de Mecnica dos Fluidos II, mas dada a

    relevncia desta relao e de suas conseqncias para a teoria que veremos

    adiante, cabe aqui uma breve recordao.

    A eq. (2.15) impe uma relao entre o comprimento da onda e o perodo de

    oscilao da mesma. Em termos da velocidade de propagao da onda, a

    relao de disperso implica que a celeridade da onda dependente de seu

    comprimento (c=c(k)), pois:

    khkg

    kTc tanh=== (2.16)

    e, portanto, considerando-se a profundidade do local constante, a velocidade

    de fase da onda cresce com seu comprimento. Essa dependncia da

    velocidade de propagao no comprimento (e, portanto, na freqncia de

    onda), mostra que ondas de diferentes freqncias se propagaro com

    velocidades diferentes. Assim, se em um dado momento verificamos uma

    condio de mar gerada pela superposio de ondas de diferentes freqncias

    (o que caracterstico de um mar em uma regio de tempestades), com o

    passar do tempo, medida que estas ondas se afastam da regio de gerao,

    as diferentes componentes do mar tendem a se dispersar, formando zonas

    mais homogneas, com perodos e comprimentos mais bem definidos (situao

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    21

    conhecida como swell)7. Da dizermos que as ondas de gravidade so ondas

    dispersivas. Veremos, mais adiante, que a dispersividade das ondas de

    gravidade tem tambm conseqncias importantes em termos de como a

    energia contida nestas ondas se propaga.

    Apenas para finalizarmos essa discusso quanto relao de disperso, a

    partir da eq. (2.15) podemos analisar o que ocorre com a relao de disperso

    em dois limites assintticos de profundidade: o caso de grandes profundidades

    (usualmente chamado profundidade infinita; kh0

    ) e a situao de

    pequenas profundidades (limite de guas rasas; ). kh

    Primeiramente, observando que quando , obtm-se a

    relao de disperso em guas profundas:

    1tanh kh kh

    g

    k2= (2.17)

    ou seja, nesse caso a relao entre perodo e comprimento de onda dada

    simplesmente por8:

    g

    T 2=

    e a velocidade de fase ento dada por:

    TgTggkgc 56.125.1

    22====

    J no limite de guas rasas ( ; ) verifica-se um limite

    assinttico para a velocidade de propagao, limite este dependente da

    profundidade do local (e conhecido como velocidade crtica de propagao):

    0kh khkh tanh

    ghc = 7 Isso explica porque os marinheiros experientes interpretam um swell como sinal de

    aproximao de uma tempestade. 8 Notar a analogia com a relao entre o perodo e o comprimento de um pndulo, outro tipo de

    sistema dinmico cuja restaurao dada por efeitos gravitacionais.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    22

    No iremos nos alongar nas discusses sobre esse limite, j que o estudo de

    ondas em guas rasas , em si prprio, uma teoria particular, e as aplicaes

    do mesmo em engenharia naval e ocenica so poucas se comparadas

    quelas no contexto de grandes profundidades. Todavia, a expresso mais

    geral da celeridade da onda linear (2.16) nos d algum indicativo do que ocorre

    com as ondas medida que elas se propagam para regies de menor

    profundidade. De fato, (2.16) mostra que quando h diminui a onda sofre uma

    desacelerao9 e que essa desacelerao to mais intensa quanto maior for

    o comprimento da onda. Observando ainda a expresso da velocidade crtica

    de propagao, percebemos ento que, quando a profundidade passa a atingir

    valores muito pequenos comparados ao comprimento da onda, a velocidade de

    propagao diminui tendo como limite (independente da freqncia da onda) a

    velocidade crtica dada por gh 10.

    Nota: Efeitos de Profundidade Varivel Ateoriaapresentadanestecaptuloconstituibasesuficienteparaqueefeitosdeprofundidadevarivelpossam ser estudados no contexto da teoria linear de ondas. Dado o enfoque deste curso, noentraremosemdetalhessobreesseassuntoque,entretanto,proporcionaumacompreensobastanteinteressantedediversosaspectosdafsicadasondasdomarque,porvezes,temoscomo intuitivosequeforamadquiridosporobservao.Umdosaspectosmaisinteressantesdizrespeitodinmicadasondasmedidaquecaminhamdoaltomareatingemapraia.Conformeaprofundidadediminuieaondachegapertodolimitedequebrar,certamenteestamosdeixandoascondiesnasquaisateorialinearvlida.Entretanto,essateoriaaindanos indicacorretamenteastendnciassobreoquedeveocorrercomasondasquandoelasseaproximamdestelimite.UmbomtextoparaumaprimeiraleiturasobreoassuntopodeserencontradoemDean&Dalrimple(1991),Cap.4.

    9 Essa dependncia da velocidade de propagao na profundidade d origem ao fenmeno de

    refrao de ondas, que explica, entre outras coisas, a tendncia que as ondas do mar tm de

    chegarem paralelas linha da praia. 10 A velocidade crtica de propagao foi deduzida por Lagrange e foi, posteriormente, objeto

    de uma intensa controvrsia entre Airy e Russel, quando este ltimo reportou ter observado em

    tanque de provas ondas que se propagavam com velocidades maiores do que as estabelecidas

    por este limite (fenmeno no-linear que hoje denominamos onda solitria ou sliton). Maiores

    detalhes histricos podem ser obtidos em Craik (2004).

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    23

    Campo de velocidades e campo de presses

    Uma vez determinado o potencial de velocidades do escoamento, conhecemos

    a cinemtica das partculas fluidas e, atravs da equao do movimento, o

    campo de presses no fluido.

    O campo de velocidades no fluido dado por:

    ktzxwitzxutzxtzxvrrr ),,(),,(),,(),,( +==

    com as componentes de velocidade, no caso de profundidade finita e

    constante, na forma:

    )sin(

    sinh)(sinh),,(

    )cos(sinh

    )(cosh),,(

    tkxkh

    hzkAtzxw

    tkxkh

    hzkAtzxu

    +=

    += (2.18)

    A variao espacial deste campo de velocidades ilustrada na figura abaixo,

    que deve ser entendida como um retrato do campo em um determinado

    instante de tempo.

    Figura 2 Campo de velocidades do escoamento em profundidade finita.

    Fonte: Newman (1977)

    fcil verificar que no limite de profundidade infinita o campo de velocidades

    resulta:

    (2.19) )sin(),,()cos(),,(

    tkxAetzxwtkxAetzxu

    kz

    kz

    ==

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    24

    demonstrando que, na ausncia de efeitos de fundo, a velocidade do

    escoamento (e, como veremos, o campo de presses dinmicas) decai

    exponencialmente com a profundidade, como ilustrado abaixo:

    Figura 3 Campo de velocidades do escoamento em profundidade infinita.

    Fonte: Newman (1977)

    As trajetrias descritas pelas partculas fluidas podem ser facilmente obtidas

    observando-se que, no contexto de pequena declividade da onda (pequenos

    deslocamentos das partculas fluidas), podemos aproximar a equao da

    trajetria integrando no tempo os campos de velocidade (2.18) e (2.19) em

    torno da posio mdia de cada partcula ( xx ; zz ). Assim, em profundidade finita, podemos escrever:

    1

    sinh)(sinh

    )(

    sinh)(cosh

    )(2

    2

    2

    2

    =

    ++

    +

    khhzkA

    zz

    khhzkA

    xx

    indicando que, no contexto da teoria linear de ondas, as trajetrias das

    partculas fluidas em profundidade finita correspondem a rbitas elpticas, cujos

    semi-eixos verticais decaem mais rapidamente com a profundidade, at o limite

    em que colapsam sobre o fundo ( hz = ). Na superfcie-livre ( 0=z ), o semi-

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    25

    eixo vertical equivale amplitude da onda. Estas trajetrias so

    esquematizadas na figura a seguir11.

    Figura 4 Trajetrias das partculas em profundidade finita. Fonte: Journe &

    Massie (2001)

    Em profundidade infinita, por sua vez, as trajetrias correspondem a rbitas

    circulares cujo raio decai exponencialmente com a profundidade:

    222 )()()( zkAezzxx =+ A figura abaixo ilustra as trajetrias neste limite:

    Figura 5 Trajetrias das partculas em profundidade infinita. Fonte: Journe &

    Massie (2001)

    11 Fica claro, portanto, que, de acordo com a teoria linear de ondas, no h transporte de

    massa no escoamento, dado que a posio mdia das partculas no tempo constante. No

    contexto linear, quando a onda se propaga h apenas transporte de energia, o qual ser

    discutido na prxima seo.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    26

    O campo de presses no fluido obtido mediante a aplicao da equao de

    Bernoulli para escoamentos irrotacionais no-permanentes, que neste caso

    pode ser expressa como:

    0),,(21 =+++

    gztzxpt

    Todavia, para sermos consistentes com a linearizao empregada na soluo

    do problema de contorno, devemos desprezar o termo quadrtico nas

    velocidades (proporcional a . ) e, com isso, obtemos o chamado campo de presses linear, dado por:

    )cos(cosh

    )(cosh),,( tkxkh

    hzkgAgztzxp ++= (2.20)

    ou, no caso de profundidade infinita:

    (2.21) kzkz etxggztkxgAegztzxp ),()cos(),,( +=+=Nas expresses (2.20) e (2.21), o primeiro termo corresponde parcela

    hidrosttica da presso e o segundo chamada parcela de presso

    hidrodinmica, esta ltima associada onda que se propaga na superfcie.

    2.2 Energia de Ondas e Propagao de Energia

    Quando tratarmos, no captulo seguinte, do problema de resistncia ao avano

    de uma embarcao, ser fundamental entendermos como quantificar a

    energia que se propaga com as ondas do mar e a velocidade com a qual se d

    essa propagao, j que as ondas originadas (irradiadas) r do navio quando

    este avana so responsveis por boa parte da fora de resistncia que se

    ope a tal avano. Da mesma forma, quando um corpo oscila na superfcie do

    mar, gera (irradia) ondas que se propagam afastando-se do mesmo e assim

    carregando parte da energia transmitida ao fluido pelo movimento do corpo.

    Essa perda de energia , portanto, associada a uma fora que tende a

    atenuar os movimentos do corpo (agindo como um amortecimento de origem

    potencial).

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    27

    Esta seo ento dedicada modelagem da energia contida em uma onda e

    de seu transporte medida que a onda se propaga, conceitos fundamentais

    para os estudos de resistncia ao avano e do comportamento em ondas de

    navios e sistemas ocenicos.

    Para tanto, consideremos certo volume de fluido definido entre duas sees

    perpendiculares direo de propagao da onda em x=x1 e x=x2 e que, em

    princpio se movem com velocidade Un na direo x, como ilustra a Figura 6,

    abaixo.

    Figura 6 Sees perpendiculares direo de propagao da onda

    Para facilitar os clculos, suporemos que a profundidade no local grande o

    suficiente para desprezarmos os efeitos de fundo, embora as dedues

    apresentadas a seguir sejam anlogas para o caso de profundidade finita.

    O potencial de velocidades que representa o escoamento , nesse caso, dado

    pela equao (2.12).

    A energia total na regio fluida dada pela soma da energia cintica e

    potencial:

    +=

    dgzE 21 (2.22)

    e, assim, a taxa de variao da energia contida nesta regio dada por:

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    28

    +=

    dgzdtd

    dtdE

    21

    que, mediante aplicao do teorema do transporte12, pode ser rescrita como:

    ++

    +=

    Sn dSUgzdgztdt

    dE 21

    21

    onde S representa a superfcie total que delimita o volume de fluido e Un a

    velocidade desta superfcie em sua direo normal.

    Observando que:

    0)( = gzt

    e

    =

    tt

    2).(

    ento13:

    ++

    =

    Sn dSUgzdtdt

    dE 21

    e, aplicando-se o teorema da divergncia:

    ++

    =

    Sn

    S

    dSUgzdSntdt

    dE 21

    Podemos ainda reescrever o segundo termo na equao acima em termos da

    presso no fluido, bastando para isso empregar a eq. de Bernoulli, obtendo:

    dSpUUntdt

    dES

    nn

    = (

    Vejamos agora qu

    2.23)

    ais as condies a serem satisfeitas na fronteira S. Em

    primeiro lugar, devemos observar que essa fronteira composta pela

    superfcie-livre z=(x,t), por uma superfcie horizontal fixa de fundo (to fundo quanto queiramos, j que estamos considerando profundidade infinita) e pelos

    planos verticais em x=x1 e x=x2 . Na superfcie-livre, a prpria condio

    12 O enunciado geral do teorema do transporte de Reynolds pode ser encontrado em boas

    referncias de mecnica dos fluidos, como, por exemplo, em Batchelor (1967).

    13 Lembrar tambm da relao: gfgfgf 2.)( +=

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    29

    cinemtica implica que 0=

    nUn e, alm disso, convencionamos que a

    presso sobre essa fronteira nula (p=0). Dessa forma, a superfcie-livre no

    contribui para a integral em (2.23). O mesmo pode-se dizer com relao

    superfcie de fundo, j que Un=0 e a velocidade do fluido ser nula pela

    condio de evanescncia. Restaro, ento, as contribuies relativas aos dois

    planos verticais. Podemos admitir, por simplicidade, que estas fronteiras

    tambm estejam fixas (Un=0), o que nos levar a deduzir que a taxa de

    variao da energia ser dada pela diferena entre a energia que adentra a

    regio em x1 e a energia que sai da regio em x2 e que, por unidade de largura

    (ou seja, restrita ao plano xz), essa diferena pode ser expressa na forma:

    dzxt

    dzxtdt

    dExxxx 12 ==

    =

    Considerando o potencial de guas profundas (2.12) e lembrando da relao

    de disperso (2.17), chega-se a:

    [ ] dzetkxtkxAgdtdE kz

    =

    212222 )(cos)(cos

    Todavia, na hiptese de ondas de pequena declividade (kA

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    30

    Assim, verificamos que o valor mdio do fluxo em cada uma das sees

    verticais igual e, portanto, de acordo com (2.24), a energia mdia da regio

    fluida considerada inicialmente se conserva, fato que poderia ter sido

    antecipado.

    Por outro lado, a expresso do fluxo de energia dada pela eq. (2.25) traz

    consigo um resultado importante. Para apreci-lo, contudo, precisamos ainda

    retomar a expresso da energia total (2.22) e verificar como podemos definir

    um valor mdio da mesma.

    A energia total contida na regio considerada, por unidade de largura da

    superfcie-livre (ou seja, contida no plano xz), pode ser calculada mediante

    integrao direta de (2.22), na forma:

    += 21 2

    1x

    x

    dzdxgzE

    e , sendo kzeAwu 22222. =+= , ento14:

    dxgkAE

    x

    x

    + 2

    1

    222

    21

    4

    Empregando agora a equao da onda (2.10) e a relao de disperso, temos:

    dxtkxgAgAEx

    x

    + 2

    1

    222

    )(cos21

    4

    O valor mdio no tempo desta energia ento obtido fazendo-se:

    ( 12220 4

    1411 xxgAgAEdt

    TE

    T

    +== )

    (2.26)

    A equao (2.26) mostra que a energia mdia se distribui igualmente entre as

    parcelas cintica e potencial. Alm disso, nos permite definir um valor da

    energia mdia por unidade de comprimento (ou seja, a energia mdia de onda

    por unidade de rea da superfcie do mar) como sendo simplesmente:

    14 Note que foi desconsiderada parcela de energia potencial que independe do tempo (e que,

    portanto, no est associada onda). Essa parcela est relacionada energia potencial da

    massa fluida em repouso.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    31

    221 gAE = (2.27)

    importante observar, assim, que a energia mdia de onda varia com o

    quadrado da sua amplitude. Rediscutiremos essa dependncia no contexto do

    estudo de resistncia ao avano, no Captulo 3.

    Velocidade de Grupo

    Uma vez conhecido o valor mdio da energia de onda (2.27) e o fluxo mdio

    com que essa energia se propaga (2.25), podemos inferir a velocidade com a

    qual se d essa propagao fazendo:

    gcckEdtEd ===

    21

    21 (2.28)

    Vemos, portanto, atravs de (2.28) que, no caso de ondas em profundidade

    infinita, a velocidade com a qual a energia transportada pela onda igual

    metade da sua velocidade de propagao (c). Damos a essa velocidade de

    propagao da energia mdia o nome de velocidade de grupo15 (cg).

    O resultado expresso por (2.28) certamente no intuitivo. Ele implica que,

    embora um observador fixo veja a onda se propagar com sua velocidade de

    fase, na realidade a energia est sendo transportada com uma velocidade

    menor. Este resultado, de fato, est correto e foi demonstrado acima com base

    nos conceitos de energia e fluxo de energia. O entendimento do mecanismo

    com o qual se d essa transmisso de energia, contudo, ser obtido de

    maneira mais clara quando discutirmos o conceito de grupo de ondas, o que ser feito ao final da prxima seo.

    Procedimento anlogo ao desenvolvido acima pode ser empregado para

    determinar a expresso da velocidade de grupo em profundidade finita e

    constante (o que ser requerido pelo Exerccio 8, ao final deste texto).

    15 A razo desta denominao ficar mais clara quando discutirmos a superposio de ondas,

    mais adiante.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    32

    2.3 Superposio de Ondas Planas

    O princpio de superposio de ondas pode ser aplicado, por exemplo, para

    modelar o problema de reflexo de ondas. O caso mais simples o de uma

    onda plana com amplitude A e freqncia que incide sobre uma parede vertical. Essa parede reflete integralmente a energia de onda incidente. Nesse

    caso, portanto, o sistema de ondas final ser composto por duas componentes

    harmnicas de mesma freqncia, mas que se propagam em direes opostas:

    tkxAtkxAtkxAtx coscos2)cos()cos(),( =++= (2.29) e o potencial, no caso de guas profundas, ser dado por:

    tkxegAtzx kz sincos2),,( = (2.30)

    Percebe-se, assim, que a onda gerada na superfcie atravs da superposio

    das ondas incidente e refletida ter amplitude mxima igual ao dobro da

    amplitude de onda incidente.

    Alm disso, esta onda no se caracteriza como uma onda progressiva, sendo

    conhecida como onda estacionria (em ingls, standing wave). fcil verificar

    que existem infinitos pontos na superfcie ,..5,3,1;21

    == nk

    nx nos quais a amplitude de onda sempre nula no decorrer do tempo. Estes pontos, assim

    como os pontos de amplitude mxima, so fixos no tempo e da decorre a

    denominao onda estacionria. A figura abaixo apresenta uma superposio

    de fotografias de uma onda estacionria obtida em tanque de provas.

    interessante observar que as trajetrias das partculas fluidas de uma onda

    estacionria no correspondem a rbitas fechadas como no caso de ondas

    progressivas.

    Em engenharia naval este tipo de onda surge, por exemplo, no movimento do

    lquido contido no interior de tanques parcialmente cheios de embarcaes,

    fenmeno conhecido como sloshing. Ondas estacionrias tambm podem se

    fazer presentes em moonpools de sistemas ocenicos.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    33

    Figura 7 Movimento do Fluido sob uma Onda Estacionria. (fonte:

    Newman,1977)

    Atravs do princpio de superposio de ondas pode-se tambm chegar a uma

    nova interpretao do conceito de velocidade de grupo. Imaginemos, ento, a

    superposio de duas ondas harmnicas de mesma amplitude e com

    freqncias prximas e correspondentes nmeros de onda kk , as quais se propagam na mesma direo, sendo que 1

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    34

    0 100 200 300 400 500 600 700 800-4

    -3

    -2

    -1

    0

    1

    2

    3

    4

    x1

    t=0 s

    0 100 200 300 400 500 600 700 800-4

    -3

    -2

    -1

    0

    1

    2

    3

    4

    x1

    t=15 s

    0 100 200 300 400 500 600 700 800-4

    -3

    -2

    -1

    0

    1

    2

    3

    4

    x1

    t=45 s

    Figura 8 Composio de ondas de freqncias prximas em diferentes

    instantes de tempo

    2/k

    2/k

    ),( tx

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    35

    Sabemos que as velocidades de fase das duas componentes harmnicas so

    praticamente iguais e podem ser dadas, aproximadamente, por kc = . Todavia, a envoltria se propaga com uma velocidade kcg = , a qual, no limite em que 0k 16, pode ser definida como:

    dkdcg= (2.32)

    A partir da relao de disperso em guas profundas (2.17), fcil verificar

    que, nesse caso:

    ckdk

    dcg 21

    21 ===

    Da mesma forma, empregando a relao de disperso (2.15) em (2.32) pode-

    se mais uma vez verificar os resultados discutidos no Exerccio 8.

    Na seo anterior havamos definido a velocidade de grupo como sendo a

    velocidade com que a energia mdia de ondas se propaga. Agora

    compreendemos que a velocidade de grupo tambm corresponde velocidade

    com a qual o pacote ou grupo de ondas se propaga (da seu nome). Para

    ilustrar este fato, na figura da pgina anterior esto indicados dois pontos: o

    ponto denotado por o se desloca no tempo com a velocidade de grupo do

    sistema, enquanto o ponto denotado por se propaga com a velocidade de fase da onda. Percebe-se que as componentes de onda se movem mais

    rapidamente, se deslocando atravs do pacote (ou da envoltria) de ondas,

    enquanto este ltimo se desloca com a velocidade de grupo.

    Algumas observaes interessantes podem ser feitas a partir dos resultados

    acima: A figura a seguir, extrada de Newman (1977), apresenta um conjunto

    de imagens seqenciais de um trem de ondas gerado em tanque de provas. O

    eixo das abscissas representa a posio ao longo do tanque. Cada imagem

    representa uma fotografia da superfcie do tanque em um determinado

    instante de tempo, avanando no sentido vertical (de cima para baixo). As 16 Note que neste limite retomamos o caso de uma onda regular, ou seja, de freqncia nica.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    36

    ondas se propagam da esquerda para a direita (batedor de ondas esquerda).

    A profundidade do tanque suficiente para que se desconsiderem efeitos de

    fundo.

    Figura 9 Velocidade de Fase e Velocidade de Grupo (fonte: Newman,1977)

    As duas linhas indicadas como group velocity indicam o deslocamento da

    frente de onda e do final do trem de onda, como vistos no tanque, os quais se

    movem com a velocidade de grupo da onda. A linha indicada por phase

    velocity acompanha o deslocamento de uma crista de onda, que, obviamente,

    se propaga com a velocidade de fase. Como a velocidade de fase maior do

    que a velocidade de grupo, o que ocorre que as cristas de onda parecem

    morrer na frente do trem de ondas, enquanto ondulaes parecem surgir

    espontaneamente na superfcie ao final do mesmo.

    Um outro aspecto interessante: os perodos mais freqentemente encontrados

    das ondas do mar se situam na faixa entre 4 e 12 segundos. O perodo das

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 1B

    TEO

    RIA

    LIN

    EA

    R D

    E O

    ND

    AS

    37

    ondas representado nas figuras da pgina anterior de 6.28 segundos,

    portanto tpico. Os surfistas costumam ter como regra a afirmao de que, em

    um swell, uma onda grande chega a cada trs ondas. De fato, tal regra

    emprica apresenta certa consistncia com a teoria, o que pode ser confirmado

    ao se observar os batimentos apresentados anteriormente.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 2B

    RE

    SIS

    TN

    CIA

    AO

    AV

    AN

    O

    38

    3. RESISTNCIA AO AVANO

    Mesmo com o avano da capacidade de processamento numrico e das

    tcnicas que constituem a chamada dinmica dos fluidos computacional

    (computational fluid dynamics, CFD), ainda hoje no existem meios

    consolidados e validados para uma estimativa numrica confivel da fora de

    resistncia experimentada por um navio ao se deslocar sobre a superfcie da

    gua. Dessa forma, o problema de previso da resistncia ao avano de uma

    embarcao durante seu projeto ainda depende, em grande medida, da

    execuo de ensaios de reboque em tanque de provas e do emprego de

    mtodos empricos aproximados que, em sua essncia, foram propostos ainda

    durante o sculo XIX.

    De fato, dada a intrincada natureza do fenmeno, at meados do sculo XIX

    no havia qualquer mtodo minimamente embasado em aspectos fsicos da

    hidrodinmica do navio para se estimar a resistncia de um determinado casco,

    ou, o que equivalente, no havia procedimentos reconhecidamente capazes

    de prever com preciso razovel a fora necessria para mover tal casco com

    determinada velocidade de avano. Um panorama interessantssimo do

    desenvolvimento das teorias hidrodinmicas de resistncia ao avano nos

    sculos XVII e XVIII, ou seja, em paralelo ao desenvolvimento da chamada

    Mecnica Racional, fornecido por Ferreiro (2007). O trabalho de Ferreiro

    enfatiza o quanto o problema da resistncia ao avano de um slido imerso em

    um meio fluido influenciou o desenvolvimento da mecnica dos fluidos durante

    a Revoluo Cientfica. O problema de resistncia ao avano de navios era de

    crucial importncia numa poca em que a supremacia naval (ento nas mos

    principalmente das armadas inglesa e francesa) era condio necessria para

    a dominao militar e poltica. No sem motivo, por tanto, o problema foi

    abordado pelos maiores cientistas da poca, como Newton, Euler, Lagrange,

    Bernoulli, DAlembert, entre outros.

    ainda interessante notar que, embora tenha servido de inspirao para

    inmeros desenvolvimentos tericos durante o nascimento da mecnica dos

    fluidos moderna, o problema escapava em seus aspectos fundamentais dos

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 2B

    RE

    SIS

    TN

    CIA

    AO

    AV

    AN

    O

    39

    domnios da teoria estabelecida at ento. A resistncia ao avano dos navios

    vela da poca era fortemente dominada pelos efeitos viscosos de atrito sobre

    seus cascos. Uma vez que os nmeros de Froude atingidos por estas

    embarcaes eram baixos, a gerao de ondas pouca influncia prtica tinha

    durante a navegao. Esse fato ilustrado na Figura abaixo, extrada de

    Ferreiro (2007), que esquematiza os resultados de medidas de resistncia em

    tanque de provas realizadas em 1937 com modelo do HMS Victory, um navio

    de 104 canhes do sculo XVIII que dificilmente alcanava 10 ns de

    velocidade. Em resumo, uma avaliao da resistncia ao avano destes cascos

    demandaria o tratamento da questo do que denominamos hoje arrasto

    friccional, justamente o calcanhar de Aquiles da teoria poca17.

    Figura 10 Componentes de Resistncia do HMS Victory (fonte: Ferreiro,2007)

    no mnimo curioso observar que ao longo dos sculos XVII e XVIII, quando

    os fundamentos da chamada teoria de ondas que vimos no captulo precedente

    foram estabelecidos, essa teoria pouco tinha a contribuir para o problema de

    resistncia ao avano dos navios de ento. Esse panorama mudaria

    radicalmente, lgico, no sculo XIX, culminando com os experimentos de

    17 Lembrar que o estabelecimento das equaes de Navier-Stokes s se deu na primeira

    metade do sculo XIX.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 2B

    RE

    SIS

    TN

    CIA

    AO

    AV

    AN

    O

    40

    William Froude na segunda metade deste sculo, com base nos quais (e nos

    resultados de arrasto friccional ento disponveis) se estabeleceu procedimento

    de projeto ainda hoje fundamental para as estimativas de resistncia ao

    avano.

    A breve discusso acima serve tambm de gancho para delinearmos nossos

    objetivos no presente captulo. A partir dos procedimentos propostos por

    Froude, uma profuso de tcnicas e conjuntos de resultados empricos foram

    apresentados com a finalidade de servirem como ferramentas de projeto para a

    previso de resistncia. O conhecimento e entendimento destes procedimentos

    , sem dvida, fundamental na formao do engenheiro naval. Todavia, como

    j enfatizado na Introduo, tais mtodos de carter aplicado no so o alvo

    deste curso e ficaro a cargo das futuras disciplinas de projeto. Nosso intuito

    aqui o de estudar aspectos conceituais da teoria que foi e fundamental para

    o estabelecimento e o aperfeioamento de tais procedimentos. E, nesse

    contexto, centraremos nossa ateno nas duas principais componentes da

    fora de resistncia: Primeiramente, abordaremos a parcela decorrente da

    gerao de ondas pelo casco, conhecida como Resistncia de Ondas, cuja

    modelagem depender basicamente da teoria apresentada no Captulo 2. A

    segunda componente a ser discutida a parcela originada pelo atrito do fluido

    sobre o casco, componente usualmente denominada Resistncia Friccional.

    Estes dois efeitos, embora no respondam pela totalidade da fora de

    resistncia de uma embarcao de superfcie, certamente representam as

    contribuies dominantes. De fato, em se tratando de cascos convencionais de

    deslocamento, a soma das resistncias friccional e de ondas representa

    tipicamente de 85% a 95% da fora de resistncia total experimentada pelos

    mesmos.

    Evidentemente, o estudo da resistncia de ondas se d no contexto da teoria

    de escoamento potencial. Como conseqncia, embora o tratamento de

    geometrias reais de cascos esteja alm dos limites das tcnicas analticas

    (importantes, contudo, para o entendimento dos aspectos fsicos fundamentais

    do problema, como veremos adiante), vrios cdigos numricos, usualmente

    baseados em mtodos de Elementos de Contorno (BEM), foram desenvolvidos

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 2B

    RE

    SIS

    TN

    CIA

    AO

    AV

    AN

    O

    41

    nos ltimos anos para a previso desta componente de resistncia, com

    excelentes resultados. Na seo 3.1, a seguir, veremos ento como os

    resultados da teoria linear de ondas apresentados no captulo 2 fornecem os

    subsdios necessrios para uma primeira modelagem da resistncia de ondas.

    A seo 3.2, por sua vez, abordar aspectos conceituais da resistncia

    friccional. Aqui, portanto, deixa-se o ambiente confortvel da teoria potencial

    para se adentrar os meandros da chamada mecnica dos fluidos reais, quando

    os efeitos de viscosidade no mais podem ser ignorados na dinmica do

    escoamento, com todas as conseqncias desse fato, que o aluno j conhece

    desde os cursos de mecnica dos fluidos, dentre elas a possibilidade da

    turbulncia. Nesse contexto, a teoria se torna muito vasta e um aprofundamento terico certamente no cabe dentro do escopo de uma

    disciplina introdutria de hidrodinmica. Procuraremos, ento, nos limitar a

    alguns aspectos fundamentais da chamada teoria de camada-limite que, se

    trabalhados em maiores detalhes e com o auxlio de resultados empricos,

    fornecem estimativas razoveis da resistncia friccional sobre um casco. Por

    fim, a seo 3.3 trar uma viso mais geral do problema de resistncia ao

    avano, ao menos identificando as demais parcelas de fora que normalmente

    se somam s duas componentes abordadas neste curso. Nesta seo sero

    tambm citados (de forma bastante sucinta, verdade), alguns dos principais

    procedimentos disponveis na rea de engenharia naval para a estimativa de

    resistncia ao avano durante o projeto de uma embarcao. O objetivo aqui

    apenas o de fornecer uma motivao para os mtodos que sero estudados

    posteriormente nas disciplinas voltadas ao projeto de navios.

    3.1 Resistncia de Ondas

    Veremos, nesta seo, que os fundamentos de teoria linear de ondas

    apresentados no captulo 2 serviro para obtermos (com algum esforo

    adicional, verdade) um modelo conceitual que, se no permite a quantificao

    da resistncia de ondas para um casco real, nos possibilitar compreender os

    mecanismos atravs dos quais a energia transportada pelas ondas se traduz

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 2B

    RE

    SIS

    TN

    CIA

    AO

    AV

    AN

    O

    42

    em uma fora de resistncia sobre o casco e como esta ltima se relaciona

    com os parmetros fundamentais destas ondas. Deve-se ressaltar, desde o

    incio, que um razovel esforo de clculo ser necessrio (o qual exigir um

    estudo complementar por parte do aluno) para atingirmos os resultados

    almejados neste estudo. Uma primeira abordagem do problema, esta mais

    baseada em aspectos fsicos do problema e em anlises de ordens de

    magnitude, foi apresentada ao aluno no curso de Mecnica dos Fluidos II (ver

    Aranha (2010), Cp. 3). Alm de se tratar de uma viso elegante, ela serviu

    para o aluno perceber que simplesmente atravs da anlise destes aspectos,

    sem adentrar mais afundo nos modelos matemticos da teoria de ondas, j foi

    possvel estabelecer concluses importantes sobre o fenmeno em questo. A

    abordagem aqui ser outra, certamente complementar primeira, pois partir

    dos modelos matemticos que descrevem a energia e a propagao da energia

    de ondas. O desenvolvimento apresentado doravante nesta seo segue de

    perto a abordagem utilizada por Newman (1977) e, por esta razo, sugere-se

    uma leitura desta referncia, especialmente de suas sees 6.8 a 6.14.

    3.1.1 Ondas geradas pelo avano de navios: A aproximao bidimensional

    Iniciaremos nossa anlise pelo caso mais simples (embora pouco realista na

    prtica) de movimento de um corpo na superfcie do mar em regio de grande

    profundidade supondo o problema bidimensional (notar que este caso

    equivaleria a um casco de largura ou boca muito grande e seo constante). A

    abordagem adotada nessa anlise baseada em conservao de energia e,

    portanto, prescinde do conhecimento dos detalhes do escoamento prximo ao

    casco. Bastar sabermos como se comporta tal escoamento (e as ondas) em

    um plano distante do corpo.

    A partir de nossas experincias prvias a bordo de embarcaes sabemos que,

    para um observador embarcado que veja as ondas geradas r do casco

    quando este passa a se deslocar com velocidade constante (U) logo se atinge

    um regime no qual este observador percebe as ondas imveis com relao ao

    casco. Em outras palavras, a velocidade de propagao da onda deve ser igual

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 2B

    RE

    SIS

    TN

    CIA

    AO

    AV

    AN

    O

    43

    velocidade da embarcao ( Ukc == ) e, portanto, lembrando da relao de disperso em guas profundas:

    2Ugk = e, assim:

    gU 22 = (3.1)

    A relao (3.1) mostra, portanto, que o comprimento da onda gerada r da

    embarcao deve variar com o quadrado da velocidade de avano.

    Sabemos que as ondas geradas r da embarcao transportam energia,

    energia esta que foi transmitida pelo casco na forma de trabalho realizado

    sobre o fluido e, por esta razo, a embarcao experimentar uma fora de

    arrasto ou de resistncia ao avano que representaremos por R. Nosso objetivo

    nesta seo determinar como essa fora R se relaciona com a amplitude da

    onda gerada pelo casco. Para tanto, vamos avaliar como se d o balano de

    energia em um determinado volume de controle.

    Assim, consideremos um observador que acompanhe o barco com velocidade

    U e um plano transversal a uma distncia relativamente grande, mas constante

    no tempo, atrs da embarcao (ou seja, essa seo tambm se move no

    sentido x positivo com velocidade constante e igual a U). Essa situao

    esquematizada na Figura 11, a seguir18.

    Figura 11 Ondas bidimensionais r da embarcao vistas em um sistema

    de referncia que se move com a mesma (fonte: Newman, 1977)

    18 O balano de energia poderia ter sido equacionado, alternativamente, considerando-se um

    plano vertical cuja posio fosse constante no tempo, chegando-se aos mesmos resultados. A

    equivalncia entre os dois casos apresentada em Newman (1977), seo 6.9.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 2B

    RE

    SIS

    TN

    CIA

    AO

    AV

    AN

    O

    44

    J sabemos que a energia contida nas ondas r da embarcao se propaga

    com velocidade de grupo, a qual menor do que a velocidade de propagao

    dessas mesmas ondas e, conseqentemente, menor do que a velocidade de

    avano do casco. Haver, portanto, um fluxo de energia que deixa o volume de

    controle atravs do plano transversal definido ao longe. Conforme ilustrado na

    Figura 11, no caso de profundidade infinita esse fluxo dado por (ver eq. 2.28):

    ( ) UgAcUgAcUEdtEd

    g22

    41

    221 =

    == (3.2)

    Em um intervalo de tempo , a embarcao se desloca de um determinado

    e, portanto, realiza um trabalho sobre o fluido dado por

    ttUx = tRUxR =

    t

    .

    Por conservao de energia, esse acrscimo de potncia deve ser igualado

    pelo fluxo mdio de energia atravs da fronteira durante o mesmo intervalo e, assim:

    tUgAtRU = 241

    de onde se conclui que:

    241 gAR = (3.3)

    A equao (3.3) nos diz que, se um corpo bidimensional se move na superfcie

    do mar com velocidade constante U e com isso gera uma onda de amplitude A,

    ento experimentar uma fora de resistncia dada por 241 gAR = . O que deve ser guardado desse resultado a dependncia dessa fora de arrasto no

    quadrado da amplitude da onda. Evidentemente, o resultado acima no nos

    permite calcular o valor da fora de resistncia, j que no sabemos a

    amplitude da onda gerada. Essa amplitude depender da geometria do casco e

    da velocidade de avano. Podemos at intuir que essa amplitude deva crescer

    com o aumento do volume deslocado pelo casco e da velocidade de avano, o

    que de fato correto, mas apenas enquanto tendncia, ou na mdia. O que

    se quer dizer com isso que essa concluso desconsidera a possibilidade de

    interferncias construtivas ou destrutivas no padro de ondas gerado r do

    navio.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 2B

    RE

    SIS

    TN

    CIA

    AO

    AV

    AN

    O

    45

    De fato, o casco real no deve ser entendido como uma perturbao pontual

    no escoamento gerando um perfil de onda nico. Ele seria melhor representado

    ao se considerar diferentes regies do casco (como os corpos de proa e de

    popa), cada qual gerando um perfil de onda prprio, e a somatria destes perfis

    resultando no campo ondulatrio observado r da embarcao.

    Vamos retomar, ento, uma idia j empregada no curso de Mecnica dos

    Fluidos II (ver Aranha (2010), pg 247), quando se aproximou a perturbao no

    escoamento devido ao movimento do navio como a combinao de uma fonte

    ( proa) e um sorvedouro ( popa)19. Suponhamos que a distncia entre as

    duas singularidades seja dada por l (algo prximo, mas menor do que

    comprimento do navio). Podemos ento supor que cada uma dessas

    perturbaes pontuais no escoamento gere uma componente de onda20. No

    referencial que se move com o navio (com origem na meia-nau), estas ondas

    no variam com o tempo e a superposio destas componentes pode ser

    representada por21:

    )2/cos()2/cos(),( klkxaklkxatx += onde 2Ugk = , a qual pode ser reescrita na forma: )sin()2/sin(2),( kxklatx = (3.4) A equao acima mostra, ento, que a amplitude da onda gerada pela

    combinao das ondas de proa e popa dada por: .

    Conseqentemente, recuperando as relaes (3.3) e (3.1), a fora de

    resistncia ser dada por:

    )2/sin(2 klaA =

    19 Esse modelo razovel quando se pensa no escoamento a distncia grande do casco,

    quando a superposio das duas singularidades apresenta um comportamento prximo ao de

    um dipolo. 20 Essa considerao tambm razovel j que as regies de proa e popa so aquelas que

    representam variao mais abrupta de presso no escoamento e, com isso, as principais fontes

    de ondulaes na superfcie-livre. 21 Notar que, nesta representao simplificada, na posio da fonte (proa) teremos uma crista

    de onda, enquanto na posio do sorvedouro (popa), teremos um cavado.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 2B

    RE

    SIS

    TN

    CIA

    AO

    AV

    AN

    O

    46

    =

    == 222222 21sin4

    41

    2sin4

    41

    41

    UglgaklgagAR (3.5)

    Atravs deste modelo simples, percebemos assim que a fora de resistncia

    sofrer efeitos significativos dependendo do padro de interferncia entre as

    ondas geradas pela proa e pela popa do navio, e que este padro depender

    fundamentalmente de um parmetro que podemos associar a um nmero de

    Froude baseado na distncia entre as singularidades glUFn = . Para ilustrar esse fato, a Figura 12 a seguir apresenta um grfico da fora normalizada em

    funo de Fn.

    Figura 12 Grfico da fora de arrasto de ondas de um par fonte-sorvedouro

    (3.5) em funo da distncia entre as singularidades. Fonte: Newman (1977)

    Observando (3.1), podemos ainda reescrever (3.5) em funo do comprimento

    de onda na forma:

    = lgaR 22 sin4

    41 (3.6)

    a partir da qual percebemos que a resistncia sofrer um acrscimo

    considervel quando ( = 2l, 2l/3, 2l/5,...), situaes em que h interferncia construtiva entre as duas ondas. Por outro lado, quando ( = l, l/2, l/3,...), teramos um padro de interferncia destrutiva, resultando em R=0.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 2B

    RE

    SIS

    TN

    CIA

    AO

    AV

    AN

    O

    47

    Obviamente, os valores acima no devem ser vistos como parmetros precisos

    do padro de interferncia de um casco real, haja vista todas as simplificaes

    adotadas nesta modelagem. Apesar disso, o exemplo acima serve para ilustrar,

    do ponto de vista qualitativo, o fenmeno de interferncia na resistncia de

    ondas de um casco real, fenmeno este que apresenta um papel relevante na

    composio da fora de resistncia total da embarcao. Outras consideraes

    sobre a questo da interferncia podem ser encontradas em Newman (1977).

    De um ponto de vista mais quantitativo, devemos novamente enfatizar que,

    embora as anlises simplificadas discutidas acima possibilitem a inferncia de

    aspectos fsicos importantes associados resistncia de ondas, o modelo

    bidimensional se afasta bastante dos problemas reais e, como uma das

    conseqncias disso, tende a exagerar os efeitos de interferncia. Para uma

    anlise mais realista do padro de ondas r de um casco real e de sua

    influncia na fora de arrasto, precisaremos estender as anlises para o caso

    tridimensional.

    3.1.2 Ondas geradas pelo avano de navios: O caso tridimensional

    Estamos todos acostumados com o perfil de ondas caracterstico que se forma

    r de uma embarcao quando esta se desloca com velocidade constante

    em guas calmas. Esse perfil, como mostra a fotografia na figura a seguir,

    apresenta um padro em V, no qual se observam ondas que se propagam

    paralelamente direo de navegao (ditas transversais), e ondas que se

    propagam com certo ngulo em relao a essa direo (ditas divergentes).

    Com respeito simplificao estudada na seo anterior, a diferena ,

    portanto, bvia, j que temos agora ondas se propagando em diferentes

    direes. Isso implica que a amplitude de onda a uma determinada distncia do

    navio ser dada por uma integral ao longo de todas as possveis direes de

    propagao.

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 2B

    RE

    SIS

    TN

    CIA

    AO

    AV

    AN

    O

    48

    Figura 13 Fotografia area do trem de ondas gerado r de uma

    embarcao

    Mais uma vez, contudo, para um observador que se move com o navio esse

    trem de ondas estacionrio. Tomemos ento uma das componentes de onda,

    que se propaga em uma direo em relao trajetria do navio, como ilustrado na Figura 14, a seguir.

    Figura 14 Componente de onda que se propaga com direo em relao trajetria do navio

    Para que essa componente se mantenha estacionria com relao ao

    referencial do navio, devemos necessariamente ter, para essa componente:

  • Material de Apoio

    HIDRODINMICA

    Cap

    tulo

    : 2B

    RE

    SIS

    TN

    CIA

    AO

    AV

    AN

    O

    49

    cos)( Ukcc === (3.7) Novamente supondo o problema em guas profundas, o nmero de onda

    dessa componente ser ento dado por:

    2)cos()( U

    gkk == (3.8)

    Sendo A a amplitude desta componente de onda, em um referencial fixo terra

    sua elevao descrita (a menos de uma fase constante), por:

    [ ]tyxkAtyx += )sincos)((cos);,,( ou, substituindo k de acordo com (3.8) e observando que )cos( Ug= :

    += tU

    gyxU

    gAtyx cos)sincos()cos(cos);,,( 2

    Mas, se Oxy representar um sistema de coordenadas com eixos paralelos ao

    referencial fixo, ma