apostila de filosofia geral final - revista

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1 Prof. Rafael Mallmann AVISO ! Esta apostila é apenas uma coletânea de excertos, na íntegra, dos livros e textos que seguem listados no final da mesma. Tais excertos foram selecionados, editados e formatados para tornar o acesso dos alunos mais fácil, rápido e barato, aos textos-base que serão utilizados nas aulas de Filosofia, ao invés das tradicionais fotocópias de um livro inteiro ou mais, ou de partes de livros, o que, na maioria das vezes, se torna caro e desvantajoso porque não é utilizado todo material. As exceções são as atividades, os exercícios e as sugestões de filmes e sites, que estão no final dos capítulos, bem como a bibliografia sugerida no final da apostila. Todas as obras utilizadas encontravam-se disponibilizadas em sites d a internet para download. UNIDADE I 1. A ATITUDEFILOSÓFICA “Uma vida não examinada não vale a pena ser vivida” (Sócrates) “A verdadeira Filosofia é reaprender a ver o mundo” (Merleau-Ponty) “Não se aprende Filosofia; aprende - se a Filosofar” (Kant) “A Filosofia é uma batalha contra o enfeitiçamento de nossa inteligência por meio da linguagem” (Wittgenstein) 1.1AS EVIDÊNCIAS DO COTIDIANO Em nossavida cotidiana, afirmamos, negamos, desejamos, aceitamos ou recusamos coisas, pessoas, situações. Fazemos perguntas como "que horas são?", ou "que dia é hoje?". Dizemos frases como "ele está sonhando", ou "ela ficou maluca". Fazemos afirmações como "onde fumaça, fogo", ou "não saia na chuva para não se resfriar". Avaliamos coisas e pessoas, dizendo, por exemplo, "esta casa é mais bonita do que a outra" e "Maria está mais jovem do que Glorinha". Vejamos um pouco mais de perto o que dizemos em nosso cotidiano. Quando pergunto "que horas são?" ou "que dia é hoje?", minha expectativa é a de que alguém, tendo um relógio ou um calendário, me dê a resposta exata. Em que acredito quando faço a pergunta e aceito a resposta? Acredito que o tempo existe, que ele passa, pode ser medido em horas e dias, que o que já passou é diferente de agora e o que virá também há de ser diferente deste momento, que o passado pode ser lembrado ou esquecido, e o futuro, desejado ou temido. Assim, uma simples pergunta contém, silenciosamente, várias crenças não questionadas por nós. Quando digo "ele está sonhando", referindo-me a algu alguma coisa que julgo impossível ou improvável, tenho igualm silenciosas: acredito que sonhar é diferente de estar impossível e o improvável se apresentam como possível e prová sonho se relaciona com o irreal, enquanto a vigília se relaci realmente. Acredito, portanto, que a realidade existe fora de conhecê-la tal como é, sei diferenciar realidade de ilusão. Quando alguém diz "onde há fumaça, há fogo" ou "não saia na resfriar", afirma silenciosamente muitas crenças: acredita qu causa e efeito entre as coisas, que onde houver uma coisa cer causa para ela, ou que essa coisa é causa de alguma outra (o como efeito, a chuva causa o resfriado como efeito). realidade é feita de causalidades, que as coisas, os fatos, a em relações causais que podemos conhecer e, até mesmo, contro nossa vida. Quando avaliamos que uma casa é mais bonita do que a outra, mais jovem do que Glorinha, acreditamos que as coisas, as pes os fatos podem ser comparados e avaliados, julgados pela qual bom, ruim) ou pela quantidade (mais, menos, maior, menor). Ju qualidade e a quantidade existem, que podemos conhecê- vida. Se, por exemplo, dissermos que "o sol é maior do que o vemo acreditando que nossa percepção alcança as coisas de modos di como são em si mesmas, ora tais como nos aparecem, dependendo nossas condições de visibilidade ou da localização e Acreditamos, portanto, que o espaço existe, possui qua baixo) e quantidades, podendo ser medido (comprimento, largur Ao dizermos que alguém legal" porque tem os mes ideias, respeita ou despreza as mesmas coisas que nós e tem a costumes muito parecidos com os nossos, estamos, silen que a vida com as outras pessoas - família, amigos, política - nos faz semelhantes ou diferentes em decor morais, políticos, religiosos e artísticos, regras de conduta Achando óbvio que todos os seres humanos seguem regras e no possuem valores morais, religiosos, políticos, artísticos, vi semelhantes e procuram distanciar-se dos diferentes dos quais quais entram em conflito, acreditamos que somos seres sociais pois regras, normas, valores, finalidades, podem se conscientes e dotados de raciocínio. Como se pode notar, nossa vida cotidiana é toda feita de crenças silenciosas , da aceitação tácita de evidências que nunca questionamos porque e óbvias demais para serem duvidadas. Cremos no espaço, no te na qualidade, na quantidade, na verdade, na diferença entre r loucura, entre verdade e mentira; cremos também na ob

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FILOSOFIA GERALProf. Rafael MallmannAVISO!Esta apostila apenas uma coletnea de excertos, na ntegra, dos livros e textos que seguem listados no final da mesma. Tais excertos foram selecionados, editados e formatados para tornar o acesso dos alunos mais fcil, rpido e barato, aos textos-base que sero utilizados nas aulas de Filosofia, ao invs das tradicionais fotocpias de um livro inteiro ou mais, ou de partes de livros, o que, na maioria das vezes, se torna caro e desvantajoso porque no utilizado todo material. As excees so as atividades, os exerccios e as sugestes de filmes e sites, que esto no final dos captulos, bem como a bibliografia sugerida no final da apostila. Todas as obras utilizadas encontravam-se disponibilizadas em sites da internet para download.

Quando digo "ele est sonhando", referindo-me a algum que diz ou pensa alguma coisa que julgo impossvel ou improvvel, tenho igualmente muitas crenas silenciosas: acredito que sonhar diferente de estar acordado, que, no sonho, o impossvel e o improvvel se apresentam como possvel e provvel, e tambm que o sonho se relaciona com o irreal, enquanto a viglia se relaciona com o que existe realmente. Acredito, portanto, que a realidade existe fora de mim, posso perceb-la e conhec-la tal como , sei diferenciar realidade de iluso. Quando algum diz "onde h fumaa, h fogo" ou "no saia na chuva para no se resfriar", afirma silenciosamente muitas crenas: acredita que existem relaes de causa e efeito entre as coisas, que onde houver uma coisa certamente houve uma causa para ela, ou que essa coisa causa de alguma outra (o fogo causa a fumaa como efeito, a chuva causa o resfriado como efeito). Acreditamos, assim, que a realidade feita de causalidades, que as coisas, os fatos, as situaes se encadeiam em relaes causais que podemos conhecer e, at mesmo, controlar para o uso de nossa vida. Quando avaliamos que uma casa mais bonita do que a outra, ou que Maria est mais jovem do que Glorinha, acreditamos que as coisas, as pessoas, as situaes, os fatos podem ser comparados e avaliados, julgados pela qualidade (bonito, feio, bom, ruim) ou pela quantidade (mais, menos, maior, menor). Julgamos, assim, que a qualidade e a quantidade existem, que podemos conhec-las e us-las em nossa vida. Se, por exemplo, dissermos que "o sol maior do que o vemos", tambm estamos acreditando que nossa percepo alcana as coisas de modos diferentes, ora tais como so em si mesmas, ora tais como nos aparecem, dependendo da distncia, de nossas condies de visibilidade ou da localizao e do movimento dos objetos. Acreditamos, portanto, que o espao existe, possui qualidades (perto, longe, alto, baixo) e quantidades, podendo ser medido (comprimento, largura, altura). Ao dizermos que algum " legal" porque tem os mesmos gostos, as mesmas ideias, respeita ou despreza as mesmas coisas que ns e tem atitudes, hbitos e costumes muito parecidos com os nossos, estamos, silenciosamente, acreditando que a vida com as outras pessoas - famlia, amigos, escola, trabalho, sociedade, poltica - nos faz semelhantes ou diferentes em decorrncia de normas e valores morais, polticos, religiosos e artsticos, regras de conduta, finalidades de vida. Achando bvio que todos os seres humanos seguem regras e normas de conduta, possuem valores morais, religiosos, polticos, artsticos, vivem na companhia de seus semelhantes e procuram distanciar-se dos diferentes dos quais discordam e com os quais entram em conflito, acreditamos que somos seres sociais, morais e racionais, pois regras, normas, valores, finalidades, s podem ser estabelecidos por seres conscientes e dotados de raciocnio. Como se pode notar, nossa vida cotidiana toda feita de crenas silenciosas, da aceitao tcita de evidncias que nunca questionamos porque nos parecem naturais e bvias demais para serem duvidadas. Cremos no espao, no tempo, na realidade, na qualidade, na quantidade, na verdade, na diferena entre realidade e sonho ou loucura, entre verdade e mentira; cremos tambm na objetividade e na diferena

UNIDADE I 1. A ATITUDE FILOSFICAUma vida no examinada no vale a pena ser vivida (Scrates) A verdadeira Filosofia reaprender a ver o mundo (Merleau-Ponty) No se aprende Filosofia; aprende-se a Filosofar (Kant) A Filosofia uma batalha contra o enfeitiamento de nossa inteligncia por meio da linguagem (Wittgenstein)

1.1 AS EVIDNCIAS DO COTIDIANO Em nossa vida cotidiana, afirmamos, negamos, desejamos, aceitamos ou recusamos coisas, pessoas, situaes. Fazemos perguntas como "que horas so?", ou "que dia hoje?". Dizemos frases como "ele est sonhando", ou "ela ficou maluca". Fazemos afirmaes como "onde h fumaa, h fogo", ou "no saia na chuva para no se resfriar". Avaliamos coisas e pessoas, dizendo, por exemplo, "esta casa mais bonita do que a outra" e "Maria est mais jovem do que Glorinha". Vejamos um pouco mais de perto o que dizemos em nosso cotidiano. Quando pergunto "que horas so?" ou "que dia hoje?", minha expectativa a de que algum, tendo um relgio ou um calendrio, me d a resposta exata. Em que acredito quando fao a pergunta e aceito a resposta? Acredito que o tempo existe, que ele passa, pode ser medido em horas e dias, que o que j passou diferente de agora e o que vir tambm h de ser diferente deste momento, que o passado pode ser lembrado ou esquecido, e o futuro, desejado ou temido. Assim, uma simples pergunta contm, silenciosamente, vrias crenas no questionadas por ns.

2 entre ela e a subjetividade, na existncia da vontade, da liberdade, do bem e do mal, da moral, da sociedade, dos valores estabelecidos, e, principalmente, numa infindvel quantidade de supersties, velhos-ditados, simpatias, crendices, etc. E tudo isso sem nos perguntar por que. A segunda caracterstica da atitude filosfica positiva, isto , uma interrogao sobre o que so as coisas, as ideias, os fatos, as situaes, os comportamentos, os valores, ns mesmos. tambm uma interrogao sobre o porqu disso tudo e de ns, e uma interrogao sobre como tudo isso assim e no de outra maneira. A face negativa e a face positiva da atitude filosfica constituem o que chamamos de atitude crtica e pensamento crtico. A Filosofia comea dizendo no s crenas e aos preconceitos do senso comum e, portanto, comea dizendo que no sabemos o que imaginvamos saber; por isso, o patrono da Filosofia, o grego Scrates, afirmava que a primeira e fundamental verdade filosfica dizer: Sei que nada sei. Para o discpulo de Scrates, o filsofo grego Plato, a Filosofia comea com a admirao; j o discpulo de Plato, o filsofo Aristteles, acreditava que a Filosofia comea com o espanto. Admirao e espanto significam: tomarmos distncia do nosso mundo costumeiro, atravs de nosso pensamento, olhando-o como se nunca o tivssemos visto antes, como se no tivssemos tido famlia, amigos, professores, livros e outros meios de comunicao que nos tivessem dito o que o mundo ; como se estivssemos acabando de nascer para o mundo e para ns mesmos e precisssemos perguntar o que , por que e como o mundo, e precisssemos perguntar tambm o que somos, por que somos e como somos. O que ? Por que ? Como ? Essas so as indagaes fundamentais da atitude filosfica. Se, portanto, deixarmos de lado, por enquanto, os objetos com os quais a Filosofia se ocupa, veremos que a atitude filosfica possui algumas caractersticas que so as mesmas, independentemente do contedo investigado. Essas caractersticas so: perguntar o que a coisa, ou o valor, ou a ideia, . A Filosofia pergunta qual a realidade ou natureza e qual a significao de alguma coisa, no importa qual; perguntar como a coisa, a ideia ou o valor, . A Filosofia indaga qual a estrutura e quais so as relaes que constituem uma coisa, uma ideia ou um valor; perguntar por que a coisa, a ideia ou o valor, existe e como . A Filosofia pergunta pela origem ou pela causa de uma coisa, de uma ideia, de um valor.

1.2 A ATITUDE FILOSFICA Imaginemos, agora, algum que tomasse uma deciso muito estranha e comeasse a fazer perguntas inesperadas. Em vez de "que horas so?" ou "que dia hoje?", perguntasse: O que o tempo? Em vez de dizer "est sonhando" ou "ficou maluca", quisesse saber: O que o sonho? A loucura? A razo? Se essa pessoa fosse substituindo sucessivamente suas perguntas, suas afirmaes por outras: Onde h fumaa, h fogo ou no saia na chuva para no ficar resfriado, por: o que causa? O que efeito?; seja objetivo ou eles so muito subjetivos, por: o que a objetividade? O que a subjetividade?; esta casa mais bonita do que a outra, por: o que mais? O que menos? O que o belo? Em vez de gritar mentiroso!, questionasse: O que a verdade? O que a falsidade? O que o erro? O que a mentira? Quando existe verdade e por qu? Quando existe iluso e por qu?; se, ao invs de falar na subjetividade dos apaixonados, inquirisse: O que o amor? O que o desejo? O que so os sentimentos?; e se, em vez de afirmar que gosta de algum porque possui as mesmas ideias, os mesmos gostos, as mesmas preferncias e os mesmos valores, preferisse analisar: O que uma ideia? O que gostar? O que um valor moral? O que um valor artstico? O que a moral? O que a vontade? O que a liberdade? Algum que tomasse essa deciso estaria tomando distncia da vida cotidiana e de si mesmo, teria passado a indagar o que so as crenas e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existncia. Ao tomar essa distncia, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que so nossas crenas e nossos sentimentos. Esse algum estaria comeando a adotar o que chamamos de atitude filosfica. Assim, uma primeira resposta pergunta o que Filosofia? poderia ser: A deciso de no aceitar como bvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situaes, os valores, os comportamentos de nossa existncia cotidiana; jamais aceit-los sem antes hav-los investigado e compreendido. Perguntaram, certa vez, a um filsofo: Para que Filosofia?. E ele respondeu: Para no darmos nossa aceitao imediata s coisas, sem maiores consideraes.

A atitude filosfica inicia-se dirigindo essas indagaes ao mundo que nos rodeia e s relaes que mantemos com ele. Pouco a pouco, porm, descobre-se que essas questes se referem, afinal, nossa capacidade de conhecer, nossa capacidade de pensar. Por isso, pouco a pouco, as perguntas da Filosofia se dirigem ao prprio pensamento: o que pensar, como pensar, por que h o pensar? A Filosofia tornase, ento, o pensamento interrogando-se a si mesmo. Por ser uma volta que o pensamento realiza sobre si mesmo, a Filosofia se realiza como reflexo.

1.2.1 A ATITUDE CRTICA A primeira caracterstica da atitude filosfica, como visto acima, negativa, isto , um dizer no ao senso comum, aos pr-conceitos, aos pr-juzos, aos fatos e s ideias da experincia cotidiana, ao que todo mundo diz e pensa, ao estabelecido.

3 Reflexo significa movimento de volta sobre si mesmo ou movimento de retorno a si mesmo. A reflexo o movimento pelo qual o pensamento volta-se para si mesmo, interrogando a si mesmo. Qual o problema dessa definio? Ela to genrica e to ampla que no permite, por exemplo, distinguir Filosofia e religio, Filosofia e arte, Filosofia e cincia. Na verdade, essa definio identifica Filosofia e Cultura, pois esta uma viso de mundo coletiva que se exprime em ideias, valores e prticas de uma sociedade. A definio, portanto, no consegue acercar-se da especificidade do trabalho filosfico e por isso no podemos aceit-la. 2. Sabedoria de vida. Aqui, a Filosofia identificada com a definio e a ao de algumas pessoas que pensam sobre a vida moral, dedicando-se contemplao do mundo para aprender com ele a controlar e dirigir suas vidas de modo tico e sbio. A Filosofia seria uma contemplao do mundo e dos homens para nos conduzir a uma vida justa, sbia e feliz, ensinando-nos o domnio sobre ns mesmos, sobre nossos impulsos, desejos e paixes. nesse sentido que se fala, por exemplo, numa filosofia do budismo. Esta definio, porm, nos diz, de modo vago, o que se espera da Filosofia (a sabedoria interior), mas no o que e o que faz a Filosofia e, por isso, tambm no podemos aceit-la. 3. Esforo racional para conceber o Universo como uma totalidade ordenada e dotada de sentido. Nesse caso, comea-se distinguindo entre Filosofia e religio e at mesmo opondo uma outra, pois ambas possuem o mesmo objeto (compreender o Universo), mas a primeira o faz atravs do esforo racional, enquanto a segunda, por confiana (f) numa revelao divina. Ou seja, a Filosofia procura discutir at o fim o sentido e o fundamento da realidade, enquanto a conscincia religiosa se baseia num dado primeiro e inquestionvel, que a revelao divina indemonstrvel. Pela f, a religio aceita princpios indemonstrveis e at mesmo aqueles que podem ser considerados irracionais pelo pensamento, enquanto a Filosofia no admite indemonstrabilidade e irracionalidade. Pelo contrrio, a conscincia filosfica procura explicar e compreender o que parece ser irracional e inquestionvel. No entanto, esta definio tambm problemtica, porque d Filosofia a tarefa de oferecer uma explicao e uma compreenso totais sobre o Universo, elaborando um sistema universal ou um sistema do mundo, mas sabemos, hoje, que essa tarefa impossvel. 4. Atividade terica e crtica de esclarecimento de conceitos fundamentais dos conhecimentos e das prticas humanas. A Filosofia, cada vez mais, ocupa-se com as condies e os princpios do conhecimento que pretenda ser racional e verdadeiro; com a origem, a forma e o contedo dos valores ticos, polticos, artsticos e culturais; com a compreenso das causas e das formas da iluso e do preconceito no plano individual e coletivo; com as transformaes histricas dos conceitos, das ideias e dos valores. A Filosofia volta-se, tambm, para o estudo da conscincia em suas vrias modalidades: percepo, imaginao, memria, linguagem, inteligncia, experincia, reflexo, comportamento, vontade, desejo e paixes, procurando descrever as

1.2.2 FILOSOFIA : UM PENSAMENTO SISTEMTICO Essas indagaes fundamentais no se realizam ao acaso, segundo preferncias e opinies de cada um de ns. A Filosofia no um eu acho que ou um eu gosto de. No pesquisa de opinio maneira dos meios de comunicao de massa. No pesquisa de mercado para conhecer preferncias dos consumidores e montar uma propaganda. As indagaes filosficas se realizam de modo sistemtico. Que significa isso? Significa que a Filosofia trabalha com enunciados precisos e rigorosos, busca encadeamentos lgicos entre os enunciados, opera com conceitos ou ideias obtidos por procedimentos de demonstrao e prova, exige a fundamentao racional do que enunciado e pensado. Somente assim a reflexo filosfica pode fazer com que nossa experincia cotidiana, nossas crenas e opinies alcancem uma viso crtica de si mesmas. No se trata de dizer eu acho que, mas de poder afirmar eu penso que. O conhecimento filosfico um trabalho intelectual. sistemtico porque no se contenta em obter respostas para as questes colocadas, mas exige que as prprias questes sejam vlidas e, em segundo lugar, que as respostas sejam verdadeiras, estejam relacionadas entre si, esclaream umas s outras, formem conjuntos coerentes de ideias e significaes, sejam provadas e demonstradas racionalmente.

2. EM BUSCA DE UMA DEFINIO DA FILOSOFIAQuando comeamos a estudar Filosofia, somos logo levados a buscar o que ela . Nossa primeira surpresa surge ao descobrirmos que no h apenas uma definio da Filosofia, mas vrias. A segunda surpresa vem ao percebermos que, alm de vrias, as definies parecem contradizer-se. Eis porque muitos, cheios de perplexidade, indagam: afinal, o que a Filosofia que sequer consegue dizer o que ela ? Uma primeira aproximao nos mostra pelo menos quatro definies gerais do que seria a Filosofia: 1. Viso de mundo de um povo, de uma civilizao ou de uma cultura. Filosofia corresponde, de modo vago e geral, ao conjunto de ideias, valores e prticas pelos quais uma sociedade apreende e compreende o mundo e a si mesma, definindo para si o tempo e o espao, o sagrado e o profano, o bom e o mau, o justo e o injusto, o belo e o feio, o verdadeiro e o falso, o possvel e o impossvel, o contingente e o necessrio.

4 formas e os contedos dessas modalidades de relao entre o ser humano e o mundo, do ser humano consigo mesmo e com os outros. Finalmente, a Filosofia visa ao estudo e interpretao de ideias ou significaes gerais como: realidade, mundo, natureza, cultura, histria, subjetividade, objetividade, diferena, repetio, semelhana, conflito, contradio, mudana, etc. Em outras palavras, a Filosofia se interessa por aquele instante em que a realidade natural (o mundo das coisas) e a histrica (o mundo dos homens) tornamse estranhas, espantosas, incompreensveis e enigmticas, quando o senso comum j no sabe o que pensar e dizer e as cincias e as artes ainda no sabem o que pensar e dizer. Esta ltima descrio da atividade filosfica capta a Filosofia como anlise (das condies da cincia, da religio, da arte, da moral), como reflexo (isto , volta da conscincia para si mesma para conhecer-se enquanto capacidade para o conhecimento, o sentimento e a ao) e como crtica (das iluses e dos preconceitos individuais e coletivos, das teorias e prticas cientficas, polticas e artsticas), essas trs atividades (anlise, reflexo e crtica) estando orientadas pela elaborao filosfica de significaes gerais sobre a realidade e os seres humanos. Alm de anlise, reflexo e crtica, a Filosofia a busca do fundamento e do sentido da realidade em suas mltiplas formas indagando o que so, qual sua permanncia e qual a necessidade interna que as transforma em outras. O que o ser e o aparecerdesaparecer dos seres? A Filosofia no cincia: uma reflexo crtica sobre os procedimentos e conceitos cientficos. No religio: uma reflexo crtica sobre as origens e formas das crenas religiosas. No arte: uma interpretao crtica dos contedos, das formas, das significaes das obras de arte e do trabalho artstico. No sociologia nem psicologia, mas a interpretao e avaliao crtica dos conceitos e mtodos da sociologia e da psicologia. No poltica, mas interpretao, compreenso e reflexo sobre a origem, a natureza e as formas do poder. No histria, mas interpretao do sentido dos acontecimentos enquanto inseridos no tempo e compreenso do que seja o prprio tempo. Conhecimento do conhecimento e da ao humanos, conhecimento da transformao temporal dos princpios do saber e do agir, conhecimento da mudana das formas do real ou dos seres, a Filosofia sabe que est na Histria e que possui uma histria. Em geral, essa pergunta costuma receber uma resposta irnica, conhecida dos estudantes de Filosofia: A Filosofia uma cincia com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual. Ou seja, a Filosofia no serve para nada. Por isso, se costuma chamar de filsofo algum sempre distrado, com a cabea no mundo da lua, pensando e dizendo coisas que ningum entende e que so perfeitamente inteis. Em nossa cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar que alguma coisa s tem o direito de existir se tiver alguma finalidade prtica, muito visvel e de utilidade imediata. Por isso, ningum pergunta para que as cincias, pois todo mundo imagina ver a utilidade das cincias nos produtos da tcnica, isto , na aplicao cientfica realidade. Todo mundo tambm imagina ver a utilidade das artes, tanto por causa da compra e venda das obras de arte, quanto porque nossa cultura v os artistas como gnios que merecem ser valorizados para o elogio da humanidade. Ningum, todavia, consegue ver para que serviria a Filosofia, donde dizer-se: no serve para coisa alguma. Parece, porm, que o senso comum no enxerga algo que os cientistas sabem muito bem. As cincias pretendem ser conhecimentos verdadeiros, obtidos graas a procedimentos rigorosos de pensamento; pretendem agir sobre a realidade, atravs de instrumentos e objetos tcnicos; pretendem fazer progressos nos conhecimentos, corrigindo-os e aumentando-os. Ora, todas essas pretenses das cincias pressupem que elas acreditam na existncia da verdade, de procedimentos corretos para bem usar o pensamento, na tecnologia como aplicao prtica de teorias, na racionalidade dos conhecimentos, porque podem ser corrigidos e aperfeioados. Verdade, pensamento, procedimentos especiais para conhecer fatos, relao entre teoria e prtica, correo e acmulo de saberes: tudo isso no cincia, so questes filosficas. O cientista parte delas como questes j respondidas, mas a Filosofia quem as formula e busca respostas para elas. Assim, o trabalho das cincias pressupe, como condio, o trabalho da Filosofia, mesmo que o cientista no seja filsofo. No entanto, como apenas os cientistas e filsofos sabem disso, o senso comum continua afirmando que a Filosofia no serve para nada. Para dar alguma utilidade Filosofia, muitos consideram que, de fato, a Filosofia no serviria para nada, se servir fosse entendido como a possibilidade de fazer usos tcnicos dos produtos filosficos ou dar-lhes utilidade econmica, obtendo lucros com eles; consideram tambm que a Filosofia nada teria a ver com a cincia e a tcnica. Para quem pensa dessa forma, o principal para a Filosofia no seriam os conhecimentos (que ficam por conta da cincia), nem as aplicaes de teorias (que ficam por conta da tecnologia), mas o ensinamento moral ou tico. A Filosofia seria a arte do bem viver. Estudando as paixes e os vcios humanos, a liberdade e a vontade, analisando a capacidade de nossa razo para impor limites aos nossos desejos e paixes, ensinando-nos a viver de modo honesto e justo na companhia dos

3. PARA QUE FILOSOFIA?Ora, muitos fazem uma outra pergunta: afinal, para que Filosofia? uma pergunta interessante. No vemos nem ouvimos ningum perguntar, por exemplo, para que matemtica ou fsica? Para que geografia ou geologia? Para que histria ou sociologia? Para que biologia ou psicologia? Para que astronomia ou qumica? Para que pintura, literatura, msica ou dana? Mas todo mundo acha muito natural perguntar: Para que Filosofia?

5 outros seres humanos, a Filosofia teria como finalidade ensinar-nos a virtude, que o princpio do bem-viver. SUGESTO DE FILMESO Mundo de Sofia (1999, Noruega, 185 min DVD Duplo)Minissrie baseada no best-seller internacional homnimo de Jostein Gaarder, que vendeu mais de 20 milhes de livros ao redor do mundo e foi traduzido para mais de 40 idiomas. s vsperas de completar 15 anos, Sofia Amundsen recebe mensagens annimas com perguntas intrigantes, como quem voc? e de onde vem o mundo?. A partir dessas mensagens, ela se torna aluna do misterioso Alberto Knox, que a acompanha em uma fascinante jornada pela histria da Filosofia.

3.1 INTIL? TIL? O primeiro ensinamento filosfico perguntar: O que o til? Para que e para quem algo til? O que o intil? Por que e para quem algo intil? O senso comum de nossa sociedade considera til o que d prestgio, poder, fama e riqueza. Julga o til pelos resultados visveis das coisas e das aes, identificando utilidade e a famosa expresso levar vantagem em tudo. Desse ponto de vista, a Filosofia inteiramente intil. No poderamos, porm, definir o til de outra maneira? Qual seria, ento, a utilidade da Filosofia? Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for til; se no se deixar guiar pela submisso s ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for til; se buscar compreender a significao do mundo, da cultura, da histria for til; se conhecer o sentido das criaes humanas nas artes, nas cincias e na poltica for til; se dar a cada um de ns e nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas aes numa prtica que deseja a liberdade e a felicidade para todos for til, ento podemos dizer que a Filosofia o mais til de todos os saberes de que os seres humanos so capazes.

Sociedade dos Poetas Mortos (Direo de Peter Weir 1989, EUA, 128 min,)

Em 1959, John Keating (Williams) volta ao tradicionalssimo internato Welton Academy, onde foi um aluno brilhante, para ser o novo professor de Ingls. No ambiente soturno da respeitada escola, Keating torna-se uma figura polmica e mal vista, pois acende nos alunos a paixo pela poesia e pela arte e a rebeldia contra as convenes sociais. Os estudantes, empolgados, ressuscitam a Sociedade dos Poetas Mortos, fundada por Keating em seu tempo de colegial e dedicada ao culto da poesia, do mistrio e da amizade. A tenso entre disciplina e liberdade vai aumentando, os pais dos alunos so contra os novos ideais que seus filhos descobriram, e o conflito leva tragdia.

UNIDADE II 1. O CONHECIMENTO

EXERCCIOS

Lewis Carrol era professor de matemtica na Universidade de Oxford quando escreveu o seguinte em Alice no pais das maravilhas:- Gato Cheshire, quer fazer o favor de me dizer qual o caminho que eu devo tomar? - Isso depende muito do lugar para onde voc quer ir - disse o Gato. - No me interessa muito para onde - disse Alice. - No tem importncia ento o caminho que voc tomar - disse o Gato. - ....contanto que eu chegue a algum lugar - acrescentou Alice como uma explicao. - Ah, disso pode ter certeza - disse o Gato - desde que caminhe bastante.

1) Quando passamos da atitude costumeira atitude filosfica? 2) Que quer dizer a palavra crtica? 3) Quais as questes que organizam a reflexo filosfica? Explique-as: 4) Que significa dizer que a Filosofia e um pensamento sistemtico? a) Significa que ela uma pesquisa de opinio, sistematizando o que as pessoas acham e pensam sobre as coisas. b) Significa que o conhecimento filosfico se realiza ao acaso, segundo preferncias de cada um de ns. c) Significa que um pensamento fechado, acabado, sistematizado em verdades absolutas. d) Significa que ela trabalha com enunciados precisos e rigorosos, exigindo a fundamentao racional do que enunciado. 5) Explique a 4 definio de filosofia proposta no texto. 6) Ao seu entender, e aps ler o texto, qual a utilidade da Filosofia?

A resposta do Gato tem sido frequentemente citada para exprimir a opinio de que os cientistas no sabem para onde o conhecimento est levando a humanidade e, alm disso, no se importam muito. Diz-se que a cincia no pode oferecer objetivos sociais porque os seus valores so intelectuais e no ticos. Uma vez que os objetivos sociais tenham sido escolhidos por meio de critrios no cientficos, a cincia pode determinar a melhor maneira de prosseguir. Mas provvel que a cincia possa contribuir para formular valores e, assim, estabelecer objetivos, tornando o homem mais consciente das consequncias de seus atos. A necessidade de conhecimento das consequncias, no ato de tomar decises, est implcita na observao do Gato de que Alice chegaria certamente a algum lugar se caminhasse o bastante.

6 1.1 O SENSO COMUM Vocs j repararam que s permanecemos tranquilos quando habituados rotina do j conhecido? Por isso, com certa apreenso que iniciamos um trabalho em outro local e com pessoas diferentes ou quando entramos pela primeira vez em um pas estrangeiro. At mesmo a alegria da nova amizade ou do novo amor no esconde totalmente o desconforto das indagaes que nos assaltam. A humanidade passa por crises de conhecimento de si prpria toda vez em que h alterao da imagem feita do mundo. Veja-se o exemplo do Renascimento, quando os homens buscam novos valores para contrapor concepo medieval. Com exemplos aparentemente to disparatados, queremos dizer que a compreenso do mundo se faz medida que lhe damos sentido e agimos sobre ele. Precisamos de interpretaes, de teorias, por mais simples que sejam, a fim de "organizar o caos". Toda vez que os "esquemas de pensamento" nos faltam, sentimos que o cho nos foge dos ps. Ao considerar o conhecimento no sentido mais amplo possvel, percebemos que ele se faz no enfrentamento contnuo das dificuldades que desafiam o Homem. E, como tal, no fruto exclusivo da razo, mas tambm dos sentidos, da memria, do hbito, da imaginao, das crenas e desejos. Chamamos Senso Comum (ou conhecimento espontneo, ou conhecimento vulgar) a essa primeira compreenso do mundo resultante da herana fecunda de um grupo social e das experincias atuais que continuam sendo efetuadas. Pelo senso comum, fazemos julgamentos, estabelecemos projetos de vida, adquirimos convices e confiana para agir. O senso comum, sendo a interpretao do mundo em que vivemos, d-nos condies de operar sobre ele, ao mesmo tempo que nos orienta na busca do sentido da existncia. No entanto, o senso comum no refletido; impe-se sem crticas ao grupo social. Por ser um conjunto de concepes fragmentadas, muitas vezes incoerentes, condiciona a aceitao mecnica e passiva de valores no questionados. Com frequncia se torna fonte de preconceitos, quando desconsidera opinies divergentes. Por isso preciso encontrar formas que possibilitem a passagem do senso comum para o bom senso, este entendido como elaborao coerente do saber e como explicitao das intenes conscientes dos indivduos livres. Nessa perspectiva, o homem de bom senso ativo, capaz de reflexo e dono de si mesmo. Recebida a herana cultural pelo senso comum, reelabora sua concepo considerando a realidade concreta que precisa interpretar e transformar. O senso comum o saber resultante das experincias levadas a efeito pelo homem ao enfrentar os problemas da existncia. Nesse processo ele no se encontra solitrio, pois tem o concurso dos contemporneos, com os quais troca informaes. Alm disso, cada gerao recebe das anteriores a herana fecunda que no s assimilada como tambm transformada. O volume enorme de saberes herdados e construdos nem sempre so tematizados, ou seja, no se apresentam de forma sistemtica nem tm carter de conhecimento refletido. Dependendo da cultura, so encontradas, com maior ou menor intensidade, proposies racionais ao lado de crenas e mitos de toda espcie. O senso comum, enquanto conhecimento espontneo ou vulgar, ametdico e assistemtico e nasce diante da tentativa do homem de resolver os problemas da vida diria. O homem do campo sabe plantar e colher segundo normas que aprendeu com seus pais, usando tcnicas herdadas de seu grupo social e que se transformam lentamente em funo dos acontecimentos casuais com os quais se depara. um tipo de conhecimento emprico, porque se baseia na experincia cotidiana e comum das pessoas, distinguindo-se por isso da experincia cientfica, que exige planejamento rigoroso. tambm um conhecimento ingnuo: ingenuidade aqui deve ser entendida como atitude no crtica tpica do saber que no se coloca como problema e no se questiona enquanto saber. Quando uma pessoa faz um bolo, segue a receita e incorpora uma srie de informaes para o melhor sucesso do seu trabalho. Sabe que, ao bater as claras em neve, elas crescem e se tornam esbranquiadas; que no convm abrir o forno quando o bolo comea a assar, seno ele murcha; que a medida adequada de fermento faz o bolo crescer. Se estiver fazendo pudim em banho-maria, sabe que uma fatia de limo na gua evita o escurecimento da vasilha, o que facilitar seu trabalho posterior de limpeza. Essa pessoa sabe tudo isso, mas no conhece as causas, no consegue explicar por que e como ocorrem esses fenmenos. Muitas vezes o conhecimento espontneo presa das aparncias. Por exemplo, parece que o Sol gira em torno da Terra, que permanece parada no centro do universo. Em comparao com a cincia, o conhecimento espontneo fragmentrio, pois no estabelece conexes onde estas poderiam ser verificadas. Por exemplo: no possvel ao homem comum perceber qualquer relao entre o orvalho da noite e o "suor" que aparece na garrafa que foi retirada da geladeira ainda um conhecimento particular restrito a pequena amostra da realidade, a partir da qual so feitas generalizaes muitas vezes apressadas e imprecisas. O homem comum seleciona os dados observados sem nenhum critrio de rigor, de forma ametdica e fortuita. Em outras palavras, conclui para todos os objetos o que vale para um ou para grupo de objetos observados. O senso comum frequentemente conhecimento subjetivo, o que ocorre, por exemplo, quando avaliamos a temperatura ambiente com a nossa pele, j que s o termmetro d objetividade a essa avaliao. Tambm, ao observar o comportamento de povos com costumes diferentes dos nossos, tendemos a julg-los a partir de nossos valores, considerando -os estranhos, ignorantes, engraados ou at desprezveis. Se considerarmos ainda a fora da ideologia, entendida como forma de imposio de ideias e condutas visando a manuteno da dominao de uns sobre outros, conclumos que o conhecimento comum presa fcil do saber ilusrio. Mesmo porque a ideologia permeia as mais diversas instncias das relaes humanas: a famlia, a escola, a empresa, os meios de comunicao de massa e assim por diante.

7 1.2 EM DEFINITIVO: O QUE O SENSO COMUM? O senso comum um saber que nasce da experincia quotidiana, da vida que os homens levam em sociedade. , assim, um saber acerca dos elementos da realidade em que vivemos; um saber sobre os hbitos, os costumes, as prticas, as tradies, as regras de conduta, enfim, sobre tudo o que necessitamos para podermos orientar-nos no nosso dia-a-dia: como comer mesa, acender a luz de uma sala, ligar a televiso, como fazer uma chamada telefnica, apanhar o nibus, o nome das ruas da localidade onde vivemos, etc... , por isso, um saber informal, que se adquire de uma forma natural (espontneo), atravs do nosso contato com os outros, com as situaes e com os objetos que nos rodeiam. um saber muito simples e superficial, que no exige grandes esforos, ao contrrio dos saberes formais (tais como as cincias) que requerem um longo processo de aprendizagem escolar. O senso comum adquire-se quase sem se dar conta, desde a mais tenra infncia e, apesar das suas limitaes, um saber fundamental, sem o qual no conseguiramos orientar nossa vida quotidiana. Mas, sendo imprescindvel, o senso comum no suficiente para nos compreendermos a ns prprios e ao mundo em que vivemos, pois se na nossa reflexo sobre a nossa situao no mundo ns ficarmos pelos dados do senso comum, por assim dizer os dados mais bsicos da nossa conscincia natural, facilmente camos na iluso de que as coisas so exatamente aquilo que parecem ser, nunca chegando a aperceber que existe uma radical diferena entre a aparncia e a realidade. Somos, imperceptivelmente, levados a consolidar um conjunto solidrio de certezas, das quais, como bvio, achamos ser absurdo duvidar (chamam-se "crenas silenciosas"): temos a certeza de que existimos, de que as coisas que nos rodeiam existem, que aquilo que nos acontece irrefutvel, etc... Contudo essas certezas so questionveis, pois se baseiam em aparncias. E h muitas aparncias que se nos impem com uma fora quase irresistvel, por exemplo: aparentemente o Sol move-se no cu (no verdade que esta foi uma convico aceita, durante muitos sculos, pela humanidade?). Podemos mesmo aprender a medir o tempo a partir desse movimento aparente. Mas, na realidade, esse movimento do Sol gerado pelo movimento de rotao da Terra. Mas esta distino entre aparncia e realidade, da qual no nos podemos libertar por causa da nossa natureza (ou melhor, da constituio dos nossos rgos sensoriais e do nosso aparato cognitivo), est dependente da diferena que existe entre o conhecimento sensvel e o conhecimento racional. O conhecimento que temos atravs dos sentidos forosamente incompleto e filtrado, pois os nossos rgos receptores s so estimulados por determinados fenmenos fsicos, deixando de lado um campo quase infinito de possveis estmulos (por exemplo, os nossos olhos no captam quer a radiao infravermelha, quer a radiao ultravioleta, ao passo que h seres vivos que o podem fazer, o mesmo se passando com os ultra-sons). , portanto, inquestionvel que no conhecemos, sensorialmente, a realidade tal como ela . Sendo assim, os sentidos parecem que nos enganam, pois os dados que nos fornecem acerca da realidade so insuficientes para alcanarmos um conhecimento verdadeiro, ou objetivo, da mesma. Por isso, somente a Razo permite-nos alcanar conhecimentos que nunca poderamos alcanar atravs dos sentidos.

1.2.1 AS PRINCIPAIS CARACTERSTICAS DO SENSO COMUM Carter emprico o senso comum um saber que deriva diretamente da experincia quotidiana, no necessitando, por isso de uma elaborao racional dos dados recolhidos atravs dessa experincia. Carter acrtico no necessitando de uma elaborao racional, o senso comum no procede a uma crtica dos seus elementos, um conhecimento passivo, em que o indivduo no se interroga sobre os dados da experincia, nem se preocupa com a possibilidade de existirem erros no seu conhecimento da realidade. Carter assistemtico o senso comum no estruturado racionalmente, tanto ao nvel da sua aquisio, como ao nvel da sua construo, no existe um plano ou um projeto racional que lhe d coerncia. Carter ametdico o senso comum no tem mtodo, ou seja, um saber que no segue nenhum conjunto de regras formais. Os indivduos adquirem-no sem esforo e sem estudo. O senso comum um saber que nasce da sedimentao casual da experincia captada ao nvel da experincia quotidiana (por isso se diz que o senso comum sincrtico). Carter aparente ou ilusrio Como no h a preocupao de procurar erros, o senso comum um conhecimento que se contenta com as aparncias, formando por isso, uma representao ilusria, deturpada e falsa, da realidade. Carter coletivo O senso comum um saber partilhado pelos membros de uma comunidade, permitindo que os indivduos possam cooperar nas tarefas essenciais vida social. Carter subjetivo O senso comum subjetivo, porque no objetivo: cada indivduo v o mundo sua maneira, formando as suas opinies, sem a preocupao de test-las ou de as fundamentar num exame isento e crtico da realidade. Carter superficial O senso comum no aprofunda o seu conhecimento da realidade, fica-se pela superfcie, no procurando descobrir as causas dos acontecimentos, ou seja, a sua razo de ser que, por sua vez, permitiria explic-los racionalmente. Carter particular o senso comum no um saber universal, uma vez que se fia pela aquisio de informaes muito incompletas sobre a realidade (por isso tambm se diz que ele fragmentrio), no podendo, assim, fazer generalizaes fundamentadas. Carter prtico e utilitrio O senso comum nasce da prtica quotidiana e est totalmente orientado para o desempenho das tarefas da vida quotidiana, por isso as informaes que o compem so o mais simples e diretas possvel.

8 1.3 O SENSO CRTICO: CONHECIMENTO CIENTFICO Senso Crtico a anlise que possui comprometimento com a verdade visando compreender melhor as questes do Eu, do Outro e da Sociedade como um todo. Ou ainda, poderamos dizer que Senso Crtico seja a "faculdade de apreciar e julgar com ponderao e inteligncia"; ao contrrio do Senso Comum, que se baseia em nossas experincias e tradies que formam um saber "prtico" aplicado em nosso dia a dia. A Crtica, por alguns, muito mal vista, sendo encarada como algo negativo, que vem destruir a sociedade, seus valores e instituies, ao invs de aprimor-los. Em muitos momentos da histria a crtica foi sufocada de todas as formas. Para nos remetermos a isso no precisamos ir muitos anos atrs, temos no Brasil um exemplo claro disso que foi a poca da Ditadura Militar, onde se buscava dar cabo de quem tivesse um pensamento Crtico. Talvez venha da o rano de considerar a crtica algo ruim. Na sociedade atual, somos bombardeados por informaes a todo instante pelos meios da comunicao, e muitas dessas informaes que nos chegam no nos permitem um tempo de reflexo para process-las. Este aspecto est muito presente na televiso que ns a fim de decodificarmos as imagens e sons enviados, no temos tempo hbil para o confronto de ideias, para analisar outros pontos de vista sobre o mesmo problema, favorecendo muito pouco o desenvolvimento do Senso Crtico. Sem dvida atualmente a televiso a ferramenta mais poderosa para criar e manipular os chamados "exrcitos de manobras", a grande massa da populao. Justamente por apresentar uma suposta realidade pronta, que no precisa ser digerida, mas apenas absorvida. (Veremos mais sobre este tema na pgina 46.) J o Senso Crtico baseia-se justamente no confronto de ideias, as vezes diametralmente opostas, para chegar-se a uma opinio sobre determinado assunto. o olhar analtico que desenvolvemos e comeamos a utilizar em toda informao chegada a ns, analisando-as racionalmente sem tomar, premeditadamente, nenhuma delas como verdade absoluta. O fruto deste tipo de anlise uma concluso sustentvel e justificvel, porm, no absoluta. Quando duas concluses pessoais entram em confronto um momento para reavaliarmos nossas posies, evoluir nossos conceitos e atualizar nossas ideologias. O Senso Crtico condio sine qua non para mudarmos esta realidade onde poucos governam defendendo seus prprios interesses e muitos apenas assistem com um ar de permissividade e conformao. Enquanto no assumirmos uma posio crtica na sociedade a democracia continuar garantindo apenas a desigualdade, como nos dias atuais. Enquanto um voto valer um saco de cimento, por exemplo, nada ser mudado. Enquanto os governos gastarem mais com propaganda do que com educao, continuaremos vivendo nesta sociedade de contrastes e descaso. E no podemos esperar que a mudana parta deles, de interesse deles que no aja crtica, que no aja oposio. Uma populao desinformada mais fcil de ser controlada e manipulada. Adotando uma postura mais questionadora, crtica e ativa, o homem pode denominar-se um ser racional. O conhecimento cientfico uma conquista recente da humanidade: tem apenas trezentos anos e surgiu no sculo XVII com a revoluo galileana. Isso no significa que antes daquela data no houvesse saber rigoroso, pois desde o sculo VI a.C., na Grcia Antiga, os homens aspiravam a um conhecimento que se distinguisse do mito e do saber comum. Tais sbios (sophos, como eram chamados) ocupavam-se com a filosofia e a cincia. No pensamento grego, cincia e filosofia achavam-se ainda vinculadas e s vieram a se separar na Idade Moderna, buscando cada uma delas seu prprio caminho, ou seja, seu mtodo." A cincia moderna nasce ao determinar um objeto especfico de investigao e criar um mtodo pelo qual se far o controle desse conhecimento. A utilizao de mtodos rigorosos permite que a cincia atinja um tipo de conhecimento sistemtico, preciso e objetivo segundo o qual so descobertas relaes universais e necessrias entre os fenmenos, o que permite prever acontecimentos e tambm agir sobre a natureza de forma mais segura. Cada cincia se torna ento uma cincia particular, no sentido de ter um campo delimitado de pesquisa e um mtodo prprio. As cincias so particulares na medida em que cada uma privilegia setores distintos da realidade: a fsica trata do movimento dos corpos; a qumica, da sua transformao; a biologia, do ser vivo etc. Por outro lado as cincias so tambm gerais, no sentido de que as concluses no valem apenas para os casos observados, e sim para todos os que a eles se assemelham. Ao afirmarmos que o peso de qualquer objeto depende do campo de gravitao, ou que a cor de um objeto depende da luz que ele reflete, ou ainda que a gua uma substncia composta de hidrognio e oxignio; fazemos afirmaes que so vlidas para todos os corpos, todos os objetos coloridos ou qualquer poro de gua, e no apenas para aqueles que foram objeto da experincia. A preocupao do cientista est, portanto, na descoberta das regularidades existentes em determinados fatos. Por isso, a cincia geral, isto , as observaes feitas para alguns fenmenos so generalizadas e expressas pelo enunciado de uma lei. Enquanto o saber comum observa um fato a partir do conjunto dos dados sensveis que formam a nossa percepo imediata, pessoal e efmera do mundo, o fato cientfico um fato abstrato, isolado do conjunto em que se encontra normalmente inserido e elevado a um grau de generalidade: quando nos referimos "dilatao" ou ao "aquecimento" como fatos cientficos, estamos muito distantes dos dados sensveis de um certo corpo em um determinado momento. O mundo construdo pela cincia aspira objetividade: as concluses podem ser verificadas por qualquer outro membro competente da comunidade cientfica, pois a racionalidade desse conhecimento procura despojar-se do emotivo, tornando-se impessoal na medida do possvel. Para ser precisa e objetiva, a cincia dispe de uma linguagem rigorosa cujos conceitos so definidos de modo a evitar ambiguidades. A linguagem se torna cada vez mais precisa, na medida em que utiliza a matemtica para transformar qualidades em quantidades. A matematizao da cincia se inicia com Galileu. Constatamos que a cincia do sculo XVII utiliza a matemtica e o recurso da observao e da experimentao. Nesse processo, o uso de instrumentos torna a cincia mais rigorosa, precisa e objetiva. Os instrumentos de medida (balana, termmetro, dinammetro etc.) permitem ao cientista ultrapassar a percepo imediata e subjetiva da realidade e fazer uma verificao objetiva dos fenmenos.

9 Antecipando uma discusso ainda a ser desenvolvida, preciso retirar do conceito de cincia a falsa ideia de que ela a nica explicao da realidade e se trata de um conhecimento "certo" e "infalvel". H muito de construo nos modelos cientficos e, s vezes, at teorias contraditrias, como, por exemplo, a teoria corpuscular e a ondulatria, ambas utilizadas para explicar o fenmeno luminoso. Alm disso, a cincia est em constante evoluo, e suas verdades so sempre provisrias.

1.5 DIFERENA ENTRE SENSO CRITICO E SENSO COMUM O senso comum est cercado de opinies no conclusivas, no fundamentadas, no mais das vezes errneas, e isso podemos observar facilmente ocorrer em nosso cotidiano. Segundo o Dicionrio Virtual Priberam, Senso Comum a faculdade que a generalidade dos homens possui de raciocinar com possibilidade de acerto, e o Senso Crtico como faculdade de apreciar e julgar com ponderao e inteligncia. Por essas concepes, j podemos observar que existe relao entre eles: enquanto no senso comum, raciocinamos com a possibilidade de acertarmos, no senso crtico somos mais analticos, ponderados e utilizamos de raciocnio inteligente para chegar a uma concluso correta, porm, nunca absoluta. No senso comum, no precisamos nos submeter a uma experincia para chegar a concluso de algo, mas sim, nos baseamos em suposies. Essas suposies encontramos em crenas, dogmas, tradies, paradigmas, formas de superstio, crendices, simpatias, etc., e est fortemente presente em nossas vidas. Um forte exemplo disso vem l de nossa infncia quando nossos pais nos proibiam de comer manga e tomar leite. Segundo a lenda, a ingesto dos dois elementos causa uma forte intoxicao e pode provocar a morte. E essa histria nada mais do realmente uma histria, pois sabe-se que foi inventada com o intuito de proibir os escravos de tomarem leite, j que este tinha um valor comercial altssimo e no poderia ser desperdiado. Como chegaram a essa concluso? Atravs do senso crtico, da anlise, pois foi preciso vivenciar tal ato, pesquisar sobre tal assunto para finalmente concluir que a mistura dos dois ingredientes resulta numa excelente vitamina e no numa poo mortal. Esse s um exemplo chulo que podemos encontrar em nosso cotidiano. a classe dominante quem dita as regras. E que regras so essas? Neste momento nos deparamos com a ponta do iceberg, pois juntamente ao senso comum encontramos a Ideologia. Quem cria a ideia de moda, beleza, valores, conduta, etiqueta? Os meios de comunicao, as igrejas num modo geral, as classes dominantes, as celebridades influentes, as faces polticas, que so fbricas especializadas em manipular as pessoas para compartilharem das mesmas ideias, dos mesmos ideais, da mesma viso de mundo. Podemos ainda citar que no Brasil no auge da ditadura, o ensino de Filosofia e Sociologia foram extirpados das grades curriculares justamente por formar pensadores. E naquele momento, no era isso que os governantes do pas queriam. Queriam pessoas que simplesmente aceitassem sua condio social e no a questionassem, que no ousassem mudar a situao estabelecida, considerada por eles como o melhor para o pas.

1.4 O BOM SENSO O senso comum no refletido e se encontra misturado a crenas e preconceitos. um conhecimento ingnuo (no-crtico), fragmentrio (porque difuso, assistemtico e muitas vezes sujeito a incoerncias), e conservador (resistente s mudanas). Com isso no queremos desmerecer a forma de pensar do homem comum, mas apenas enfatizar que o primeiro estgio de conhecimento precisa ser superado em direo a uma abordagem critica e coerente, caractersticas estas que no precisam ser necessariamente atributos de formas mais requintadas de conhecer, tais como a cincia ou a filosofia. Em outras palavras, o senso comum precisa ser transformado em bom senso, este entendido como a elaborao coerente do saber e como explicitao das intenes conscientes dos indivduos livres. Segundo o filsofo Gramsci, o bom senso o ncleo sadio do senso comum". Qualquer pessoa, no sendo vitima de doutrinao e dominao, e se for estimulada na capacidade de compreender e criticar, torna-se capaz de juzos sbios porque vitais, isto , orientados para sua humanizao. Geralmente os obstculos passagem do senso comum ao bom senso resultam da excluso do individuo das decises importantes na comunidade em que vive. Em sociedades no democrticas as informaes no circulam igualmente em todas as camadas sociais e nem todos tm igual possibilidade de consumir e produzir cultura. No s isso. Mesmo aqueles que frequentam escolas submetem-se perversa diviso em que, para alguns, reservada a formao humanstica e cientfica, enquanto outros recebem apenas preparao tcnica, mantendo-se a dicotomia trabalho intelectual/trabalho manual. Com isso garantida a dominao daqueles que so obrigados a se ocupar apenas com o fazer, com os servios braais, com a morte do pensar. No entanto, no so apenas os trabalhadores manuais que no tm conseguido passar do senso comum para o bom senso. Funcionrios de empresas, empresrios, especialistas de qualquer rea, inclusive cientistas, podem estar restritos a formas fragmentrias do senso comum quando se acham presos a preconceitos, a concepes rgidas, a dogmas, ou quando sucumbem ao massificante dos meios de comunicao de massa. Qualquer homem, se no foi ferido em sua liberdade e dignidade, e se teve ocasio de desenvolver a habilidade crtica, ser capaz de autoconscincia, de elaborar criticamente o prprio pensamento e de analisar adequadamente a situao em que vive. nesse estgio que o bom senso se aproxima da filosofia, da filosofia de vida, como a entendemos anteriormente. Podemos perceber que no automtica a passagem do senso comum ao bom senso, e um dos obstculos ao processo se encontra na difuso da ideologia.

2. A IDEOLOGIAH vrios sentidos para a palavra ideologia. Em sentido amplo, o conjunto de ideias, concepes ou opinies sobre algum ponto sujeito a discusso. Quando

10 perguntamos qual a ideologia de determinado pensador, estamos nos referindo doutrina, ao corpo sistemtico de ideias e ao seu posicionamento interpretativo diante de certos fatos. E nesse sentido que falamos em ideologia liberal, ou ideologia marxista, ou ideologia burguesa. Ainda podemos nos referir ideologia enquanto teoria, no sentido de organizao sistemtica dos conhecimentos destinados a orientar a ao efetiva. Existe, portanto, a ideologia de uma escola, que orienta a prtica pedaggica; a ideologia religiosa, que d regras de conduta aos fiis; a ideologia de um partido poltico, que estabelece determinada concepo de poder e fornece diretrizes de ao a seus filiados. O conceito de ideologia tem outros sentidos mais especficos, elaborados por autores como Destutt de Tracy, Comte, Durkheim, Weber, Manheim. A. Gramsci. Mas sobretudo com Karl Marx que a explicitao do conceito enriqueceu o debate em tomo do assunto e de sua aplicao. Para ele, diante da tentativa humana de explicar a realidade e dar regras de ao, preciso considerar tambm as formas de conhecimento ilusrio que levam ao mascaramento dos conflitos sociais. Segundo a concepo marxista, a ideologia adquire um sentido negativo, como instrumento de dominao. Isso significa que a ideologia tem influncia marcante nos jogos do poder e na manuteno dos privilgios que plasmam a maneira de pensar e de agir dos indivduos na sociedade. A ideologia seria de tal forma insidiosa que at aqueles em nome de quem ela exercida no lhe perceberiam o carter ilusrio. Vejamos a definio dada pela professora Marilena Chau:a ideologia um conjunto lgico, sistemtico e coerente de representaes (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela , portanto, um corpo explicativo (representaes) e prtico (normas, regras, preceitos) de carter prescritivo, normativo, regulador, cuja funo dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicao racional para as diferenas sociais, polticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenas diviso da sociedade em classes, a partir das divises na esfera da produo. Pelo contrrio, a funo da ideologia a de apagar as diferenas, como as de classes, e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento da identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nao, ou o Estado. (CHAU,1980, p. 113).

Deus" ou do "dever moral" ou simplesmente como decorrente da "ordem natural das coisas"; em ltima instncia, tem a funo de manter a dominao de uma classe sobre outra. Portanto, a Ideologia se caracteriza pela naturalizao, na medida em que so consideradas naturais as situaes que na verdade so produtos da ao humana e que, portanto, so histricos e no naturais: por exemplo, dizer que a diviso da sociedade em ricos e pobres faz parte da natureza; ou que natural que uns mandem e outros obedeam; ou que tais comportamentos ou valores morais sejam naturais, e por isso nicos e verdadeiros.

EXERCCIOS

1) De exemplos de certezas do senso comum (ditados populares, simpatias, crendices, benzeduras,...), e de sua refutao pelas cincias. 2) Como se adquire os conhecimentos que denominamos senso comum? E como esses conhecimentos interferem na nossa vida cotidiana? 3) O que o autor quis dizer com a expresso crenas silenciosas? 4) Quais as principais caractersticas do conhecimento cientfico em comparao aos saberes do senso comum? Explique-os. 5) O que voc entendeu por bom senso? 6) Como foi definido o termo Ideologia, segundo o texto? Quais suas caractersticas? 7) Sobre a atitude espontnea do senso comum e a cincia, podemos afirmar: I- Enquanto no senso comum o homem busca os princpios lgicos que regem o pensamento coerente; a cincia afirma que, pela magia, o homem pode libertar-se do medo e das supersties. II- O senso comum subjetivo, isto , exprime sentimentos e opinies individuais e de grupo, variando de uma pessoa para outra, ou de um grupo para outro; o conhecimento cientfico objetivo, isto , procura as estruturas universais e necessrias das coisas investigadas. III- O senso comum , sim, uma "viso de mundo", fragmentria e, por vezes, at contraditria, mas a teoria cientfica um sistema ordenado e coerente de proposies ou enunciados. IV- O senso comum julga til o que d prestgio, fama, poder e riqueza e por isso todo conhecimento s ser vlido se considerarmos essas pretenses; a cincia "desconfia" da veracidade de nossas certezas, de nossa adeso imediata s coisas, da ausncia de crtica e da falta de curiosidade. As afirmativas corretas so apenas:

Observamos ento que a ideologia apresentada como tendo fundamentalmente as seguintes caractersticas: constitui um corpo sistemtico de representaes que nos "ensinam" a pensar e de normas que nos "ensinam" a agir; tem como funo assegurar determinada relao dos homens entre si e com suas condies de existncia, adaptando os indivduos s tarefas prefixadas pela sociedade; para tanto, as diferenas de classe e os conflitos sociais so camuflados, ora com a descrio da "sociedade una e harmnica", ora com a justificao das diferenas existentes; com isso assegurada a coeso dos homens e a aceitao sem crticas das tarefas mais penosas e pouco recompensadoras, em nome da "vontade de

11 A) I, II e III. B) II e III. C) II, III e IV. D) I e IV. O mito, porm, no isso. Quando vira uma lenda, ele perde a sua fora de mito. O mito, entre os povos primitivos, uma forma de se situar no mundo, isto , de encontrar o seu lugar entre os demais seres da natureza. um modo ingnuo, fantasioso, anterior a toda reflexo e no-crtico de estabelecer algumas verdades que no s explicam parte dos fenmenos naturais ou mesmo a construo cultural, mas que do, tambm, as formas da ao humana. Devemos salientar, entretanto, que, no sendo terica, a verdade do mito no obedece a lgica nem da verdade emprica, nem da verdade cientfica. verdade intuda, que no necessita de provas para ser aceita. O mito nasce do desejo de dominao do mundo, para afugentar o medo e a insegurana. O homem, merc das foras naturais, que so assustadoras, passa a emprestar-lhes qualidades emocionais. As coisas no so mais matria morta, nem so independentes do sujeito que as percebe. Ao contrrio, esto sempre impregnadas de qualidades e so boas ou ms, amigas ou inimigas, familiares ou sobrenaturais, fascinantes e atraentes ou ameaadoras e repelentes. Assim, o homem se move dentro de um mundo animado por foras que ele precisa agradar para que haja caa abundante, para que a terra seja frtil, para que a tribo ou grupo seja protegido, para que as crianas nasam e os mortos possam ir em paz. O pensamento mtico est, ento, muito ligado magia, ao desejo, ao querer que as coisas aconteam de um determinado modo. a partir disso que se desenvolvem os rituais como meios de propiciar os acontecimentos desejados. O ritual o mito tomado de ao.

SUGESTO DE FILMESThe Matrix (Direo: Andy e Larry Wachowski, 1999, EUA,136 min) Em um futuro prximo, Thomas Anderson (Keanu Reeves), um jovem programador de computador que mora em um cubculo escuro, atormentado por estranhos pesadelos nos quais encontra-se conectado por cabos e contra sua vontade, em um imenso sistema de computadores do futuro. Em todas essas ocasies, acorda gritando no exato momento em que os eletrodos esto para penetrar em seu crebro. medida que o sonho se repete, Anderson comea a ter dvidas sobre a realidade. Por meio do encontro com os misteriosos Morpheus (Laurence Fishburne) e Trinity (Carrie-Anne Moss), Thomas descobre que , assim como outras pessoas, vtima do Matrix, um sistema inteligente e artificial que manipula a mente das pessoas, criando a iluso de um mundo real enquanto usa os crebros e corpos dos indivduos para produzir energia. Morpheus, entretanto, est convencido de que Thomas Neo, o aguardado messias capaz de enfrentar o Matrix e conduzir as pessoas de volta realidade e liberdade. O Carteiro e o Poeta (Direo: Michael Radford, 1994, Itlia, 109 min) Por razes polticas o poeta Pablo Neruda (Philippe Noiret) se exila em uma ilha na Itlia. L um desempregado (Massimo Troisi) quase analfabeto contratado como carteiro extra, encarregado de cuidar da correspondncia do poeta, e gradativamente entre os dois se forma uma slida amizade.

O Feitio do Tempo (Direo: Harold Ramis, 1993, EUA, 100 min) Um reprter que cobre o clima (Bill Murray) enviado para uma pequena cidade para cobrir uma festa local. Isso acontece h anos, e ele no esconde sua frustrao com tal servio. Mas algo mgico acontece: os dias esto se repetindo, sempre que ele acorda no hotel o mesmo dia da festa. Agora somente mudando seu carter que ele ter chance de seguir em frente na vida. Antes disso, claro, ele aproveita a situao a seu favor, mas

1.1 O QUE UM MITO? O mito uma narrativa fantasiosa revestida de certa magia de personagens e uma narrativa sobre a origem de alguma coisa. A palavra mito vem do grego, mythos, que deriva de dois verbos: Mytheyo (Contar, narrar, falar alguma coisa para outros); e Mytheo (Conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Ns temos uma falsa ideia acerca dos mitos. Os homens os fabricam como uma fonte de explicao para o que observam e no conseguem compreender. O mito uma forma espontnea de o homem situar-se no mundo. inerente a cultura e reside no seu carter emotivo. O mito baseado na autoridade e confiabilidade da pessoa do narrador. A narrativa feito em pblico, sendo recebida como verdadeira pelos ouvintes. Geralmente quem narra os mitos so os poetas, mas tambm podem ser contados por autoridades religiosas como os sacerdotes. Na Grcia Antiga acreditava-se que o poeta era um escolhido dos deuses, que lhe mostravam os acontecimentos passados e permitiam que ele visse a origem de todos os seres e de todas as coisas para que possa transmitir aos ouvintes. O mito era, portanto, uma revelao divina, de natureza incontestvel e inquestionvel. Houve dois grandes poetas na Grcia

UNIDADE III 1. O PENSAMENTO MTICOQuando pensamos em mitos, hoje, imediatamente lembramos de alguns mitos gregos, como o de Hrcules e os doze trabalhos, ou de Aquiles e a guerra de Tria, ou ainda do saci-perer, de Tup e outras lendas que povoaram a nossa infncia e que tm origem nas culturas indgena ou africana. Para ns, portanto, os mitos primitivos no passam de histrias fantasiosas que so contadas ao lado das histrias da Branca de Neve ou da Bela Adormecida.

12 Antiga: Homero escreveu duas obras a Ilada e a Odissia; e Hesodo escreveu Teogonia e Trabalho e seus dias. pensamentos. Por exemplo: a crena de que a Natureza sbia antropomrfica, tal como a representao de Deus como um velho de barbas brancas. A atribuio de caractersticas humanas a seres que no as possuem faz com que essas representaes sejam falsas ou fantasiosas. No difcil encontrar elementos antropomrficos nas diversas religies. Embora em graus diferentes, todas elas representam Deus ou os deuses imagem e semelhana dos seres humanos. Como disse o filsofo grego Xenfanes (sc. VI-V a. C.), Julgam os mortais que os deuses foram gerados, que tm os trajes deles, e a mesma voz e corpo. E ainda, dizem os Etopes que os seus deuses so negros e de nariz chato, fazem-nos os Trcios de olhos azuis e cabelos ruivos. E completa Xenfanes: Se os bois e os cavalos pudessem pintar e produzir obras de arte similares s do homem, pintariam os deuses sob forma de cavalos e de bois. Na histria de praticamente todas as religies, o antropomorfismo refere-se imagem de Deus em uma imagem humana, com a forma corporal e das emoes humanas, tais como inveja, ira, ou de amor. Podemos afirmar que a antromorfizao o incio de um processo de racionalizao do divino, do sobrenatural, conduzindo a uma religiosidade de estreita comunicao entre seres divinos e homens. Em Homero, poeta grego, a humanizao do divino aproxima-o da compreenso dos homens, mas, por outro lado, deixa o universo em cujo desenvolvimento os deuses podem intervir suspenso a comportamentos passionais e a arbtrios capazes de alterar seu curso normal. Isso limita o ndice de racionalizao contido nas epopias homricas. Mais tarde, a formulao terica, filosfica e cientfica dos primeiros filsofos exigir o pressuposto de uma legalidade universal, exercida impessoal e logicamente, abolindo para sempre a atuao de vontades divinas divergentes, chegando a um divino neutro e imparcial.

1.1.1

CARACTERSTICAS DO MITO

O mito primitivo sempre um mito coletivo. O grupo, cuja sobrevivncia deve ser assegurada, existe antes do indivduo e s atravs dele que os sujeitos individuais se reconhecem enquanto tal. Explicando melhor, o sujeito s tem conscincia, s se conhece como parte do grupo. atravs da existncia dos outros e do reconhecimento dos outros que ele se afirma. Outra caracterstica do mito o fato de ser sempre dogmtico, isto , de apresentar-se como verdade que no precisa ser provada e que no admite contestao. A sua aceitao, ento, tem de ser atravs da f e da crena. No uma aceitao racional, e no pode ser nem provado nem questionado. Dentro dessa perspectiva de coletivismo, a transgresso da norma, a no obedincia da regra afeta o transgressor e toda sua famlia ou comunidade. Assim criado o tabu a proibio , envolto em clima de temor e sobrenaturalidade, cuja desobedincia extremamente grave. S os ritos de purificao ou de "bode expiatrio", nos quais o pecado transferido para um animal, podem restaurar o equilbrio da comunidade e evitar que o castigo dos deuses recaia sobre todos.

1.1.2

O MITO PODE SER NARRADO DE TRS MANEIRAS :

Genealogia: Tudo que existe decorre de relaes sexuais entre foras divinas pessoais. Portanto, narra a gerao dos seres, das coisas, qualidades, por outros seres. (Nascimento do deus Eros, da relao da deusa Penria com o deus Poros) Guerra ou Alianas: O mito narra ou uma guerra entre as foras divinas, ou uma aliana entre elas para provocar alguma coisa no mundo dos homens. (Exemplo: Ilada, de Homero). Recompensas ou Castigos: Fala de recompensas ou castigos que so dados pelos deuses para aqueles que os desobedecem. (Mito de Prometeu)

1.2

ALGUNS RELATOS MTICOS

1.1.3

ANTROPOMORFISMO

Entre os inmeros relatos de ndios habitantes das terras brasileiras, encontramos o da origem do dia e da noite: ao transportarem um cco, ouviram sair de dentro dele rudos estranhos e no resistiram tentao de abri-lo, apesar de recomendaes contrrias. Deixaram escapulir ento a escurido da noite. Por piedade divina, a claridade lhes foi devolvida pela Aurora, mas com a determinao de que nunca mais haveria s claridade, como antes, mas alternncia do dia e da noite. Semelhantemente, os gregos dos tempos homricos relatam a lenda de Pandora, que, enviada aos homens, abre por curiosidade a caixa de onde saem todos os males. Pandora consegue fech-la a tempo de reter a esperana, nica forma de o homem no sucumbir s dores e aos sofrimentos da vida. No Antigo Testamento, encontramos tambm o relato da Criao do mundo e a separao das trevas e da luz; e o relato do Pecado Original, a queda ou expulso

Antropomorfismo, do grego Anthropos, "ser humano", e Morph, "moldar", dar forma. a imputao de forma humana ou qualidades humanas ao que no humano. Antropomorfismo uma forma de pensamento que atribui caractersticas ou aspectos humanos a Deus, deuses, elementos da natureza, animais e constituintes da realidade em geral. O antropomorfismo a representao dos deuses, dos animais ou da natureza em geral com caractersticas humanas nomeadamente desejos, emoes e

13 de Ado e Eva do paraso depois que eles desobedeceram s ordens de Deus e comeram do fruto proibido, assim como o castigo severo que lhes foi aplicado. Observando os trs relatos, percebemos semelhanas: todos falam de curiosidade, desobedincia e castigo (a escurido ou os males). A leitura apressada, na busca do sentido do mito, pode nos levar a pensar que se trata apenas de uma maneira fantasiosa de explicar a realidade ainda no justificada pela razo (no exemplo, a explicao da origem do dia e da noite e a da origem dos males). Essa compreenso do mito no esconde o preconceito comum de identificlo com as lendas ou fbulas, e, portanto, como uma forma menor de explicao do mundo, prestes a ser superada por explicaes mais racionais. No entanto, a noo de mito complexa e mais rica do que essa posio redutora. Mesmo porque o mito no exclusividade de povos primitivos, nem de civilizaes nascentes, mas existe em todos os tempos e culturas como componente indissocivel da maneira humana de compreender a realidade. S para antecipar a discusso, vejamos alguns exemplos de diferentes tipos de mitos modernos. Quando algum diz que o socialismo um mito, pode estar dizendo que se trata de algo inatingvel, de uma mentira, de uma iluso que no leva a lugar nenhum. Mas, opondo-se ao sentido negativo de mito, outros vero positivamente o mito do socialismo como utopia, o lugar do "ainda-no", cuja fora mobiliza as pessoas a construrem o que um dia poder "vir-a-ser". Em tempos difceis, Hitler fez viver o mito da raa ariana, por ele considerada a raa pura, desencadeando movimentos apaixonados de perseguio e genocdio. Os contos de fada, as histrias em quadrinhos, sem dvida nenhuma trabalham com imaginrio e mitos universais como o do heri e o da luta entre o bem e o mal. Examinando as manifestaes coletivas no cotidiano da vida urbana, descobrimos componentes mticos no carnaval, no futebol, nas novelas, no cinema, todos como manifestaes delirantes do imaginrio nacional e da expanso de foras inconscientes. A lista possvel das conotaes diversas que o mito assume no termina aqui. Apenas quisemos mostrar como um conceito to amplo e rico no se esgota numa s linha de interpretao. O ritual a repetio dos atos dos deuses que foram executados no incio dos tempos e que devem ser imitados e repetidos para que as foras do bem e do mal se mantenham sob controle. Desse modo, o ritual "atualiza", isto , torna atual o acontecimento sagrado que teve lugar no passado mtico. O mito, portanto, uma primeira fala sobre o mundo, uma primeira atribuio de sentido ao mundo, sobre a qual a afetividade e a imaginao exercem grande papel, e cuja funo principal no explicar a realidade, mas acomodar o homem ao mundo. Embora tenhamos nos referido ao mito enquanto forma de compreenso, a sua funo no , primordialmente, explicar a realidade, mas acomodar e tranquilizar o homem em um mundo assustador. Os primeiros modelos de construo do real so de natureza sobrenatural, isto , o homem recorre aos deuses para apaziguar sua aflio. Como indicam os exemplos a seguir, o mito se manifesta: na preocupao com a origem divina da tcnica: veja o mito de Prometeu, que roubou o fogo dos deuses para d-lo aos homens; na natureza divina dos instrumentos: ainda em nossos dias subsiste entre os povos primitivos o culto a certos utenslios, como a enxada ou o anzol, a lana ou a espada; na origem da agricultura: o mito indgena de Mani, de cujo tmulo nasce a mandioca, alimento bsico; ou o mito grego de Persfone, levada por Hades para seu castelo tenebroso, simbolizando o trigo enterrado como semente e renascendo como planta; na origem dos males: o mito de Pandora, como j vimos; na fertilidade das mulheres: os arunta, povo australiano, acham que os espritos dos mortos esperam a hora de renascer e penetram no ventre das mulheres quando elas passam por certos locais; no carter mgico das danas e desenhos: quando o homem de Cro-Magnon fazia afrescos nas paredes das cavernas, representando a captura de renas, no pretendia propriamente enfeitar a caverna nem mostrar suas habilidades pictricas, mas desejava agir magicamente, garantindo de antemo o sucesso da caada futura. Isso significa que no mundo primitivo tudo sagrado e nada natural. Para Mircea Eliade, filsofo romeno estudioso do mito e das religies, uma das funes do mito fixar os modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas. Dessa forma, o homem imita os gestos exemplares dos deuses, repetindo nos ritos as aes deles. Essa tambm a justificativa invocada pelos telogos e ritualistas hindus: "devemos fazer o que os deuses fizeram no princpio"; "assim fizeram os deuses, assim fazem os homens". Na sua ao, o homem primitivo imita os deuses nos ritos que atualizam os mitos primordiais, pois, caso contrrio, esto convencidos de que a semente no brotar da

1.3 FUNES DO MITO Alm de acomodar e tranquilizar o homem em face de um mundo assustador, dando-lhe a confiana de que, atravs de suas aes mgicas, o que acontece no mundo natural depende, em parte, dos atos humanos, o mito tambm fixa modelos exemplares de todas as funes e atividades humanas.

14 terra, a mulher no ser fecundada, a rvore no dar frutos, o dia no suceder noite. A forma sobrenatural de descrever a realidade coerente com a maneira mgica pela qual o homem age sobre o mundo, como, por exemplo, com os inmeros ritos de passagem do nascimento, do casamento, da morte, da infncia para a idade adulta. Sem os ritos, como se os fatos naturais descritos no pudessem se concretizar de fato.2- Sobre a passagem do mito filosofia, na Grcia Antiga, considere as afirmativas a seguir. I. Os poemas homricos, em razo de muitos de seus componentes, j contm caractersticas essenciais da compreenso de mundo grega que, posteriormente, se revelaram importantes para o surgimento da filosofia. II. O naturalismo, que se manifesta nas origens da filosofia, j se evidencia na prpria religiosidade grega, na medida em que nem homens nem deuses so compreendidos como perfeitos. III. A humanizao dos deuses na religio grega, que os entende movidos por sentimentos similares aos dos homens, contribuiu para o processo de racionalizao da cultura grega, auxiliando o desenvolvimento do pensamento filosfico e cientfico. IV. O mito foi superado, cedendo lugar ao pensamento filosfico, devido assimilao que os gregos fizeram da sabedoria dos povos orientais, sabedoria esta desvinculada de qualquer base religiosa. Esto corretas apenas as afirmativas: a) I e II. b) II e IV. c) III e IV. d) I, II e III. e) I, III e IV.

1.4 DIFERENA ENTRE FILOSOFIA E MITO O mito se preocupava explicar o porqu das coisas atravs de um passado imemorial e fabuloso. A filosofia se preocupa em explicar o como e o porqu as coisas so como elas so, no passado, no presente e no futuro. O mito falava da origem das coisas atravs das rivalidades ou alianas entre foras sobrenaturais e personalizadas, enquanto a filosofia, ao contrrio, explica a produo natural das coisas por elementos e causas naturais e impessoais. O mito no se importava com as contradies, porque sua narrativa provinha de uma autoridade religiosa. A filosofia no admite contradies, e exige que a explicao seja lgica, coerente e racional. Sua autoridade vem da razo, que a mesma em todos os seres humanos.

3- Ainda sobre o tema, correto afirmar que a filosofia: a) Surgiu como um discurso terico, sem embasamento na realidade sensvel, e em oposio aos mitos gregos. b) Retomou alguns temas da mitologia grega, mas de forma racional, formulando hipteses lgico-argumentativas. c) Desprezou os conhecimentos produzidos por outros povos, graas supremacia cultural dos gregos. d) Estabeleceu-se como um discurso acrtico e teve suas teses endossadas pela fora da tradio. 4- No poema Teogonia, as Musas aparecem ao poeta Hesodo e dizem-lhe o seguinte: sabemos dizer muitas mentiras semelhantes aos fatos e sabemos, se queremos, dar a ouvir verdades. Com base neste trecho correto afirmar: I) A Filosofia assemelha-se ao mito por entender que a verdade baseia-se na autoridade de quem a diz. II) No mito, h espao para contradies e incoerncias, pois a verdade nele se estabelece em um plano diverso daquele em que atua a racionalidade humana. III) O mito entende que a verdade , por um lado, uma conformidade com alguns princpios lgicos e, por outro, a verdade deve ser dita em conformidade com o real. IV) A crena e a confiana no mito provm da autoridade religiosa do poeta que o narra. Assinale a alternativa que contem as afirmaes corretas: a) I e III so corretas. b) II e III so corretas. c) II e IV so corretas. d) III e IV so corretas.

EXERCCIOS1- Zeus ocupa o trono do universo. Agora o mundo est ordenado. Os deuses disputaram entre si, alguns triunfaram. Tudo o que havia de ruim no cu etreo foi expulso, ou para a priso do Trtaro ou para a Terra, entre os mortais. E os homens, o que acontece com eles? Quem so eles? (VERNANT, Jean-Pierre. O universo, os deuses, os homens. Trad. de Rosa Freire dAguiar. So Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 56.) O texto acima parte de uma narrativa mtica. Considerando que o mito pode ser uma forma de conhecimento, assinale a alternativa correta. a) A verdade do mito obedece a critrios empricos e cientficos de comprovao. b) O conhecimento mtico segue um rigoroso procedimento lgico-analtico para estabelecer suas verdades. c) As explicaes mticas constroem-se de maneira argumentativa e autocrtica. d) O mito busca explicaes acerca do homem e do mundo e sua verdade independe de provas. e) A verdade do mito obedece a regras universais do pensamento racional, tais como a lei de no-contradio.

155- Explique a diferena entre mito e filosofia. 7- Apresente um exemplo de narrativa mtica. 8- O que antropomorfismo e para que serviu? 9- Por que, se o Universo ficasse suspenso ao arbtrio dos deuses, seu curso normal poderia ser alterado? 10- O que significa dizer que uma formulao terica, filosfico-cientfica, exigir o pressuposto de uma legalidade universal? 11- Que significa processo de racionalizao da cultura? 12- Por que o mito no se presta ao questionamento, nem crtica, nem correo?

UNIDADE IV

HISTRIA DA FILOSOFIA1. FILOSOFIA ANTIGAA PALAVRA FILOSOFIAA palavra Filosofia grega. composta por duas outras: Philo e Sophia. Philo deriva-se de philia, que significa amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais; Sophia quer dizer sabedoria e dela vem a palavra sophos, sbio. Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filsofo o que ama a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber. Assim, filosofia indica um estado de esprito, o da pessoa que ama, isto , deseja o conhecimento, o estima, o procura e o respeita. Atribui-se ao filsofo grego Pitgoras de Samos (que viveu no sculo V a.C.) a inveno da palavra Filosofia. Ao contrrio daqueles que o chamavam de sbio, Pitgoras no se considerava um sbio, mas sim, algum que estava em constante busca pelo saber, que desejo de sabedoria, que era um philo+sophos = um amigo do saber. Pitgoras teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem desej-la ou am-la, tornando-se filsofos.

SUGESTO DE FILMESOdissia (Diretor Andrei Konchalovsky ,1997, 185 min)Aps a Guerra de Tria, o heri Ulisses, vitorioso, empreende uma longa e perigosa jornada de volta Grcia, na qual tem que enfrentar inimigos, monstros mitolgicos e as provas da fria dos deuses, para retornar aos braos de sua esposa Penlope. Adaptao do poema clssico de Homero. Produzido por Francis Ford Coppola esta megaproduo (na poca) de 40 milhes de dlares, com efeitos especiais grandiosos, retratando a aventura excitante de Ulisses heri grego, aps a Guerra de Tria.

Tria O prncipe grego Pris provocou uma guerra contra Tria, ao afastar a bela Helena de seu marido, Menelau. a batalha dura uma dcada e a esperana de vitria de Tria est nas mos do prncipe Heitor e do heri Aquiles. Superproduo um tanto decepcionante, baseada na Ilada de Homero.

Fria de Tits Perseu o filho mortal de Zeus e o nico que pode salv-lo de Hades, o deus das trevas. ele ento lidera uma misso por mundos desconhecidos, enfrentando os maiores monstros mitolgicos, para derrotar o vilo Hades.

Percy Jackson e o ladro de raios Um garoto descobre que, na verdade filho do deus Poseidon e que, como ele, muitos semi-deuses adolescentes habitam a Terra. com a ajuda de um stiro e da filha de Athena, ir enfrentar Hades para provar que no o ladro de raios de que acusado.

16

1.1

A FILOSOFIA GREGA : OS PR-SOCRTICOS

A Filosofia, entendida como aspirao ao conhecimento racional, lgico e sistemtico da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo e de suas transformaes, da origem e causas das aes humanas e do prprio pensamento, um fato tipicamente grego. Evidentemente, isso no quer dizer, de modo algum, que outros povos, to antigos quanto os gregos, como os chineses, os hindus, os japoneses, os rabes, os persas, os egpcios, os hebreus, os assrios, os babilnios os africanos ou os ndios da Amrica no possuam sabedoria, pois possuam e possuem. Todos os diferentes povos da Antiguidade tiveram vises prprias da natureza e maneiras diversas de explicar os fenmenos e processos naturais. Quando se diz que a Filosofia um fato grego, o que se quer dizer que ela possui certas caractersticas, apresenta certas formas de pensar e de exprimir os pensamentos, estabelece certas concepes sobre o que sejam a realidade, o pensamento, a ao, as tcnicas, que so completamente diferentes das caractersticas desenvolvidas por outros povos e outras culturas. Em outras palavras, Filosofia um modo de pensar e exprimir os pensamentos que surgiu especificamente com os gregos e que, por razes histricas e polticas, tornou-se, depois, o modo de pensar e de se exprimir predominante da chamada cultura europia ocidental da qual, em decorrncia da colonizao portuguesa do Brasil, ns tambm participamos. Atravs da Filosofia, os gregos instituram para o Ocidente europeu as bases e os princpios fundamentais do que chamamos razo, racionalidade, cincia, tica, poltica, tcnica, arte. Alis, basta observarmos que palavras como lgica, tcnica, tica, poltica, monarquia, anarquia, democracia, fsica, dilogo, biologia, cronologia, gnese, genealogia, cirurgia, ortopedia, pedagogia, farmcia, entre muitas outras, so palavras gregas, para percebermos a influncia decisiva e predominante da Filosofia grega sobre a formao do pensamento e das instituies das sociedades europias ocidentais.

qual s os sacerdotes, os magos, os iniciados, so capazes de interpretar, ainda que apenas parcialmente Aristteles que afirma ser Tales de Mileto o iniciador do pensamento filosficocientfico. possvel, assim, que a influncia de diferentes tradies mticas, tenha levado relativizao dos mitos, tendo em vista que Tales vivia nas colnias gregas do Mediterrneo oriental, no mar Jnico, lugar onde conviviam diferentes culturas, e de forma harmoniosa, devido ao interesse comercial. O carter global, absoluto, da explicao mtica teria se enfraquecido no confronto entre diferentes mitos e tradies. Podemos considerar que este pensamento nasce basicamente de uma insatisfao com o tipo de explicao do real que encontramos no pensamento mtico. nesse sentido que a tentativa dos primeiros filsofos gregos da escola jnica foi buscar uma explicao do mundo natural baseada essencialmente em causas naturais, o que consiste no assim chamado naturalismo da escola. A chave da explicao do mundo de nossa experincia estaria ento, para esses pensadores, no prprio mundo, e no fora dele, no sobrenatural. De fato, desse ponto de vista, o pensamento mtico tem uma caracterstica at certo ponto paradoxal. Se, por um lado, pretende fornecer uma explicao da realidade, por outro lado, recorre nessa explicao ao mistrio e ao sobrenatural, ou seja, exatamente quilo que no se pode explicar, que no se pode compreender por estar fora do plano da compreenso humana. O pensamento filosfico-cientfico representa assim uma ruptura bastante radical com o pensamento mtico, enquanto forma de explicar a realidade. Entretanto, se o pensamento filosfico-cientfico surge pro volta do sc. VI a.C., essa ruptura com o pensamento mtico no se d de forma completa e imediata. Ou seja, o surgimento desse novo tipo de explicao no significa o desaparecimento por completo do mito, do qual, alis, sobrevivem muitos elementos mesmo em nossa sociedade contempornea, em nossas crenas, supersties, fantasias, etc., isto , em nosso imaginrio. claro que essa mudana de papel do pensamento mtico, bem como a perda de seu poder explicativo, resultam de um longo perodo de transio e de transformao da prpria sociedade grega, que tornam possvel o surgimento do pensamento filosfico-cientfico no sc. VI a.C. O pensamento mtico, com seu apelo ao sobrenatural e aos mistrios, vai assim deixando de satisfazer as necessidades da nova organizao social, mais preocupada com a realidade concreta, com a atividade poltica mais intensa e com as trocas comerciais.

1.1.1. DO MITO RAZO: O NASCIMENTO DA FILOSOFIA NA GRCIA ANTIGAO pensamento mtico, como j vimos, consiste em uma forma pela qual um povo explica aspectos essenciais da realidade em que vive: a origem do mundo, o funcionamento da natureza e dos processos naturais e as origens deste povo, bem como seus valores bsicos. Por ser parte de uma tradio cultural, o mito configura assim a prpria viso de mundo dos indivduos, a sua maneira mesmo de vivenciar esta realidade. O mito no se justifica, no se fundamenta, portanto, nem se presta ao questionamento ou crtica. Um dos elementos centrais do pensamento mtico e de sua forma de explicar a realidade o apelo ao sobrenatural, ao mistrio, ao sagrado, magia. As causas dos fenmenos naturais, aquilo que acontece aos homens, tudo governado por uma realidade exterior ao mundo humano e natural, superior, misteriosa, divina, a

1.1.2. NOES FUNDAMENTAIS DO PENSAMENTO GREGOA principal contribuio desses primeiros pensadores ao desenvolvimento do pensamento filosfico-cientfico, encontra-se em um conjunto de noes que tentam explicar a realidade e que constituiro em grande parte, como veremos, alguns dos conceitos bsicos das teorias sobre a natureza que se desenvolvero a partir de

17 ento. Veremos como, de certa forma, essas noes constituem o ponto de partida de uma viso de mundo que, apesar das profundas transformaes ocorridas, permanece parte de nossa maneira de compreender a realidade ainda hoje. B. A CAUSALIDADE A caracterstica central da explicao da natureza pelos primeiros filsofos portanto, o apelo noo de causalidade, interpretada em termos puramente naturais. O estabelecimento de uma conexo causal entre determinados fenmenos naturais constitui assim a forma bsica da explicao cientfica. Explicar , portanto, reconstruir o nexo causal existente entre os fenmenos da natureza, tomar um fenmeno como efeito de uma causa. a existncia desse nexo que torna a realidade inteligvel e nos permite consider-la como tal. importante, entretanto, que o nexo causal se d entre fenmenos naturais. Causalidade a relao entre um evento (a causa) e um segundo evento (o efeito), sendo que o segundo evento uma consequncia do primeiro. Num sentido mais amplo, a causalidade ou determinao de um fenmeno a maneira especfica na qual os eventos se relacionam e surgem. A caracterizao de uma relao causal, distinguindo-a da simples correlao, ainda assunto controverso. A explicao causal possui, entretanto, um carter regressivo. Ou seja, explicamos sempre uma coisa por outra e h, assim, a possibilidade de se ir buscando uma causa anterior, mais bsica, at o infinito. Cada fenmeno poderia ser tomado como efeito de uma nova causa, que por sua vez seria efeito de uma causa anterior, e assim sucessivamente, em um processo sem fim. Isso, contudo, invalidaria o prprio sentido da explicao, pois, mais uma vez a explicao levaria ao inexplicvel, a um mistrio, portanto, tal como no pensamento mtico. fenmeno 1 > fenmeno 2 causa > efeito causa > efeito ...causa > efeito Para evitar que isso acontea, surge a necessidade de se estabelecer uma causa primeira, um primeiro princpio, ou conjunto de princpios, que sirva de ponto de partida para todo o processo racional. a que encontramos a noo de arch, ou arqu.

A. A PHYSIS Aristteles chama os primeiros filsofos de physilogos, ou seja, estudiosos ou tericos da natureza (physis, em grego). Assim, o objetivo de investigao dos primeiros filsofos-cientistas o mundo natural; sendo que suas teorias buscam dar uma explicao causal dos processos e dos fenmenos naturais a partir de causas puramente naturais, isto , encontrveis na natureza, no mundo concreto e no no divino como nas explicaes mticas. A palavra grega Physis pode ser traduzida por natureza, mas seu significado mais amplo. Refere-se tambm realidade, no aquela pronta e acabada, mas a que se encontra em movimento e transformao, a que nasce e se desenvolve; o fundo eterno, perene, imortal e imperecvel de onde tudo brota e para onde tudo retorna. Physis, segundo os filsofos pr-socrticos, algo que fundamento eterno de todas as coisas e confere unidade e permanncia ao Universo, o qual, na sua aparncia mltiplo, mutvel e transitrio. Nesse sentido, a palavra significa gnese, origem, manifestao. Saber o que Physis, assim, levanta a questo da origem de todas as coisas, a sua essncia, que constituem a realidade, que se manifesta no movimento. Nas palavras do professor Miguel Spinelli: "tudo o que nasce est destinado a ser o que deve ser e no outra coisa. Esse nascer destinado, pelo qual o que nasce se submete a um processo de realizao, a phsis ". A phsis expressa um princpio de movimento relativo ao fazer-se das coisas nas quais mudam as aparncias, enquanto que cada (ser ou) coisa permanece sempre sendo ela mesma. Esse movimento seria a contnua transformao dos seres, mudando de qualidade (por exemplo, o novo envelhece; o quente esfria; o frio esquenta; o seco fica mido; o mido seca; o dia se torna noite; a noite se torna dia; a primavera cede lugar ao vero; a rvore vem da semente e produz sementes, etc.) e mudando de quantidade (o pequeno cresce e fica grande; o grande diminui e fica pequeno; um rio aumenta de volume na cheia e diminui na seca, etc). Portanto o mundo (Physis) est em mudana contnua, sem por isso perder sua forma, sua ordem e sua estabilidade. Physis no deve ser tomada como um fenmeno qualquer, mas como o Ser total, em virtude do qual os fenmenos (a natureza, coisas, objetos, seres vivos,...), se tornam o que so e permanecem sendo o que devem ser, enquanto durar a sua existncia no vir-a-ser (devir), fazendo-se, assim, observveis. Seu melhor significado de vigor anmico, fora primordial, princpio vigente que compreende a totalidade de tudo o que , podendo, portanto, ser apreendida em tudo que acontece.

C. A ARCH (ELEMENTO PRIMORDIAL ) A fim de evitar a regresso ao infinito da explicao causal, o que a tornaria insatisfatria, esses filsofos vo postular a existncia de um elemento primordial que serviria de ponto de partida para todo o processo. Para os filsofos pr-socrticos, a arch (), seria um princpio que deveria estar presente em todos os momentos da existncia de todas as coisas: no incio, no desenvolvimento e no fim de tudo. O raciocnio que levou ideia de arch foi explicado pelo filsofo Digenes de Apolnia:"[..] Todas as coisas so diferenciaes de uma mesma cois