apostila 1 ano. filosofia

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APOSTILA DE FILOSOFIA 1º Ano do Ensino Médio Principais temas: I – O que é filosofia? II – A filosofia e as religiões III – A filosofia e o conhecimento científico

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APOSTILA DE FILOSOFIA 1º Ano do Ensino Médio

Principais temas:

I – O que é filosofia?

II – A filosofia e as religiões

III – A filosofia e o conhecimento científico

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PARTE I : O QUE É FILOSOFIA?

Quando a filosofia é apresentada no ensino médio, a primeira dificuldade que os alunos têm é quanto à compreensão do que é a filosofia. Afinal, muitos de vocês, estudantes secundaristas, nunca estudaram a disciplina anteriormente, e poucos já leram algum livro de iniciação à filosofia. Um bom modo de introduzir a filosofia na sala de aula é demarcá-la frente a outras disciplinas. É importante que se perceba, logo de início, as particularidades da filosofia, e em que aspectos a filosofia é diferente das outras matérias. A partir daí, é possível compreender o que é a filosofia. Como começar? Em primeiro lugar, definindo um ponto de partida em comum com as outras disciplinas. Todas as disciplinas têm um objeto e um método. O objeto da biologia, por exemplo, é o conjunto de fenômenos da vida. O objeto da física é o conjunto de fenômenos da natureza, de fenômenos do universo. O objeto da história é o conjunto de registros do homem no tempo passado que se apresentam em nosso tempo. Todas as disciplinas têm, também, um método. O método da biologia e da física é o método experimental, ou o método hipotético-dedutivo. O método da história é a análise documental, ou a análise arqueológica, ou o estudo dos registros de várias espécies que podem ser encontrados no momento em que se faz a história. A filosofia também tem um objeto e um método. Quais serão eles? Procuremos um caso de uma ciência a partir do qual podemos demonstrar de que tipo é o objeto filosófico. Peguemos, por exemplo, uma lei da física. A segunda lei de Newton (a lei da gravitação) afirma que todo corpo, quando sofre a ação de um outro, produz uma reação igual e contrária, que pode ser calculada usando como elementos do cálculo a massa do corpo afetado, a velocidade e o tempo com que a ação e a reação se deram. Para realizar esse cálculo existe uma fórmula (F = m a), como utilizá-la vocês aprendem na aula de física. Ao empregar essa fórmula vocês fazem uso de unidades de medida do tempo (os segundos) e do espaço (os metros). Você, aluno, usa os metros e os segundos sem pestanejar. Os metros e os segundos não são problemáticos na física. São pressupostos. O espaço e o tempo são utilizados na física acriticamente. O professor de física jamais perguntará numa prova: O que é espaço? , O que é tempo? . Esses problemas já não pertencem à física. São problemas filosóficos. Casos semelhantes acontecem nas outras ciências. A química e a biologia, por exemplo, estudam certas leis que regem a natureza. Entretanto investigar o que é a natureza, o que distingue algo natural de uma coisa não-natural já é um clássico problema filosófico. Outro caso semelhante podemos ver na história. O professor de história pode estar estudando de que forma era organizado o Estado romano ou como era a organização política do Brasil colonial. Mas estudar o que é um Estado, a política, ou porque os homens instituem governos já são questões que dizem respeito à filosofia. Os problemas filosóficos são relativos aos conceitos utilizados por nós, noções que geralmente passam despercebidas, a respeito das quais não nos preocupamos, ideias que não analisamos. O objeto da filosofia é o conceito, é a noção, é a ideia. Quer sejam conceitos, noções e idéias do nosso dia-a-dia, quer sejam parte de domínios específicos do conhecimento. Como se pode notar, nossa vida cotidiana é toda feita de crenças silenciosas, da aceitação tácita de evidências que nunca questionamos porque nos parecem naturais, óbvias. Cremos no espaço, no tempo, na realidade, na qualidade, na quantidade, na verdade, na diferença entre realidade e sonho ou loucura, entre verdade e mentira; cremos na existência da vontade, da liberdade, do bem e do mal, da moral, da sociedade. Assim, uma primeira resposta à pergunta “O que é Filosofia?” poderia ser: A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido. O método da filosofia não é semelhante ao método das ciências físicas ou das ciências humanas. O trabalho sobre os conceitos acontece por meio do diálogo, da polêmica, da discussão seja com filósofos amigos, por meio de conversas pessoais ou de diálogos de artigos, seja com a obra textual de filósofos que não conhecemos pessoalmente. Pelo diálogo o filósofo pretende examinar quais são os motivos, as razões que nos levam a usar conceitos como justiça, verdade, liberdade, Deus, moral, vontade, etc. Ou seja, o que se almeja é descobrir se sabemos realmente o que significam essas noções ou somente as usamos por hábito. Com isso a filosofia também pretende esclarecer que muitas destas noções nos foram impostas pela tradição,

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por uma determinada ordem social, por um controle da sociedade exercido seja pelas ciências ou pela religião. De modo que aceitamos tais ideias como óbvias, quando na verdade nem sabemos por que elas devem ser aceitas. Assim, num primeiro momento a filosofia assume uma postura negativa, ou seja, ela nega, dúvida das crenças, opiniões que são aceitas como verdadeiras antes de qualquer investigação. Ao fazer isso a filosofia quer compreender se realmente sabemos o que estamos fazendo quando aceitamos, expressamos e defendemos determinadas ideias. Num segundo momento a filosofia assume uma postura positiva. Ou seja, ela busca por meio da discussão um conhecimento sobre o que são esses conceitos, ideias que perpassam todos os âmbitos de nossa existência. Em outras palavras, a filosofia busca então alcançar respostas para questões como: O que é a justiça? O que é a liberdade? O que é o Estado? Por que uma forma de governo é considerada melhor do que a outra? O que significa dizer que algo é moral? O que garante que determinada ideia possa ser considerada como um conhecimento verdadeiro? A ORIGEM DA FILOSOFIA A filosofia surge por volta do século VII a.C na Grécia Antiga. A palavra filosofia é composta por duas outras: philo e sophia. Philo deriva-se de philia, que significa amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais. Sophia quer dizer sabedoria e dela vem a palavra sophos, sábio. Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filósofo: o que ama a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber. Assim, filosofia indica um estado de espírito, o da pessoa que ama, isto é, deseja o conhecimento, o estima, o procura e o respeita. Atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de Samos a invenção da palavra filosofia. Pitágoras teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos. Para compreender o nascimento da filosofia é preciso compreender como era o mundo grego antes do surgimento dela (filosofia). Dessa forma, veremos que antes do aparecimento dos primeiros filósofos o que predominava na Grécia era o pensamento mítico. O PE!SAME!TO MÍTICO O que predominava no mundo grego antes do surgimento da filosofia era o pensamento mítico. O pensamento mítico é uma explicação da realidade através de mitos. Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do poder, etc.).

O Mito (Mythos) é narrado pelo poeta-rapsodo, que escolhido pelos deuses transmitia o testemunho incontestável sobre a origem de todas as coisas, oriundas da relação sexual entre os deuses, gerando assim, tudo que existe e que existiu. Os mitos também narram o duelo entre as forças divinas que interferiam diretamente na vida dos homens, em suas guerras e no seu dia-a-dia, bem como explicava a origem dos castigos e dos males do mundo. Ou seja, a narrativa mítica é uma genealogia da origem das coisas a partir de lutas e alianças entre as forças que regem o universo. Por exemplo, o poeta Homero, na Ilíada, obra que narra a guerra de Tróia, explica por que, em certas batalhas, os troianos eram vitoriosos e, em outras, a vitória cabia aos gregos. Os deuses estavam divididos, alguns a favor de um lado e outros a favor do outro. A cada vez, o rei dos deuses, Zeus, ficava com um dos partidos, aliava-se com um grupo e fazia um dos lados - ou os troianos ou os gregos - vencer uma batalha. A causa da guerra, aliás, foi uma rivalidade entre as deusas. Elas apareceram em sonho para o príncipe troiano Paris, oferecendo a ele seus dons e ele escolheu a deusa do amor, Afrodite. As outras deusas, enciumadas, o

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fizeram raptar a grega Helena, mulher do general grego Menelau, e isso deu início à guerra entre os humanos. O !ASCIME!TO DA FILOSOFIA A filosofia surgiu quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera (através dos mitos), começaram a fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos naturais, os acontecimentos humanos e as ações dos seres humanos podem ser conhecidos pela razão humana. Em suma, a Filosofia surgiu quando alguns pensadores gregos se deram conta de que a verdade do mundo e dos homens não era algo secreto e misterioso, que precisasse ser revelado por divindades a alguns escolhidos, mas que, ao contrário, podia ser conhecida por todos por meio das operações mentais de raciocínio, que são as mesmas em todos os seres humanos.

A passagem da consciência mítica e religiosa para a consciência racional e filosófica não foi feita de um salto. Esses dois tipos de consciência coexistiram na sociedade grega.

De acordo com a tradição histórica, a fase inaugural da filosofia grega é conhecida como período pré-socrático. Esse período abrange o conjunto das reflexões filosóficas desenvolvidas desde Tales de Mileto 640-548 a. C.) até Sócrates (469-399 a.C.).

Os primeiros filósofos buscam o princípio absoluto (primeiro e último) de tudo o que existe. O princípio é o que vem e está antes de tudo, no começo e no fim de tudo, o fundamento, o fundo imortal e imutável, incorruptível de todas as coisas, que as faz surgir e as governa. É a origem, mas não como algo que ficou no passado e sim como aquilo que, aqui e agora, dá origem a tudo, perene e permanentemente.

No vasto mundo Grego, a filosofia teve como berço a cidade de Mileto, situada na Jônia, litoral ocidental da Ásia Menor. Caracterizada por múltiplas influências culturais e por um rico comércio, a cidade de Mileto abrigou os três primeiros pensadores da história ocidental a quem atribuímos a denominação de filósofos. São eles: Tales, Anaximandro e Anaxímenes.

O objetivo dos primeiro filósofos era construir uma cosmologia (explicação racional e sistemática das características do universo) que substituísse a antiga cosmogonia (explicação sobre a origem do universo baseada nos mitos).

Em outras palavras, os primeiros filósofos queriam descobrir, com base na razão e não na mitologia, o princípio substancial existente em todos os seres materiais. Os pré-socráticos ocuparam-se em explicar o universo e examinavam a procedência e o retorno das coisas. Os primeiros filósofos gregos tentaram responder à pergunta: Como é possível que todas as coisas mudem e desapareçam e a Natureza, apesar disto, continua sempre a mesma? Para tanto, procuraram um princípio a partir do qual se pudesse extrair explicações para os fenômenos da natureza. Um princípio único e fundamental que permanecesse estável junto ao sucessivo vir-a-ser.

Tales de Mileto, que é considerado o primeiro filósofo, dizia que o princípio de todas as coisas é a água. Há alguns motivos que levaram Tales a pensar que o princípio de todas as coisas fosse a água: a) na própria mitologia grega, há a idéia de que o rio Oceano estava envolta do mundo e o formou; b) a passagem da água de um estado a outro pôde fazer Tales pensar que ela está por trás de todas as coisas; c) Tales teria observado que os seres vivos são úmidos e, ao morrerem, secam; d) na sua viagem pelo Egito, Tales observou que, após a cheia, as plantas apareciam; e) restos de animais marinhos encontrados em regiões montanhosas da época reforçaram a ideia em Tales de que, um dia, tudo era água.

Certas ou erradas, as ideias de Tales expressavam um novo modo de explicar o mundo: a água como princípio de tudo funciona como um deus (a palavra deus, na época de Tales, podia ser usada com um sentido não-religioso, significando uma espécie de princípio ativo presentes nas coisas), um princípio vital e

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que se movimenta, provocando mudança nas coisas. Assim, ao surgirem da água, as coisas não podem surgir do nada e nem retornar a ele, mas apenas da e para a água.

FILOSOFIA EM QUADRI!HOS

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PE!SA!DO COM OS CLÁSSICOS

A admiração sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens começaram a filosofar: a princípio, surpreendiam-se com as dificuldades mais comuns; depois, avançando passo a passo, tentavam explicar fenômenos maiores, como, por exemplo, as fases da lua, o curso do sol e dos astros e, finalmente, a formação do universo. Procurar uma explicação e admirar-se é reconhecer-se ignorante.

Aristóteles. Metafísica, 982 b13.

................................................................................................................................................................ A filosofia grega parece começar com uma idéia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque faz sem imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida, está contido o pensamento: “Tudo é um”. A razão citada em primeiro lugar deixa Tales ainda em comunidade com os religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e no-lo mostra como investigador da natureza, mas, em virtude da terceira, Tales se torna o primeiro filósofo grego. Se tivesse dito: “Da água provém a terra”, teríamos apenas uma hipótese científica, falsa, mas dificilmente refutável. Mas ele foi além do científico. Ao expor essa representação de unidade através da hipótese da água, Tales não superou o estágio inferior das noções físicas da época, mas, no máximo, saltou por sobre ele. As poucas e desordenadas observações da natureza empírica que Tales havia feito sobre a presença e as transformações da água ou, mais exatamente, do úmido, seriam o que menos permitiria ou mesmo aconselharia tão monstruosa generalização; o que o impeliu a esta foi um postulado metafísico, uma crença que tem sua origem em uma intuição mística e que encontramos em todos os filósofos, ao lado dos esforços sempre renovados para exprimi-la melhor _ a proposição: “Tudo é um”. Friedrich !ietzsche. A Filosofia na Época Trágica dos Gregos. §3, Ed. O ADVE!TO DA PÓLIS (CIDADE-ESTADO) E AS TRA!SFORMAÇÕES DA FILOSOFIA Por volta do século VIII e VII a.C. ocorre um evento decisivo, não só para a Grécia, mas para todo mundo ocidental: o nascimento da polis, a cidade-Estado. A pólis está centralizada na ágora, que era uma espécie de praça pública. Na ágora os gregos decidem os destinos da cidade-Estado através do debate e da formulação das leis. Assim, essa discussão dos assuntos que dizem respeito a pólis ficou conhecida como política. Com essas mudanças no mundo grego o ideal do herói passou a ser desvalorizado. Na ágora de nada adianta a beleza, ou o uso da força, o homem ideal é nesse momento o cidadão, e sua força está na palavra. O cidadão para emitir opiniões nos debates públicos tem que saber apresentar motivos para os outros concordarem com ele, tem que saber dar razões. Diante desse quadro aquela educação que tinha por base os mitos começou a ser substituída. Os sofistas aparecem então como os primeiros encarregados pela educação desse novo homem grego. OS SOFISTAS A palavra sofista, etimologicamente, vem de sophos, que significa “sábio”, ou melhor, “professor de sabedoria”. Posteriormente adquiriu o sentido pejorativo de “homem que emprega sofismas”, ou seja, alguém que usa de raciocínio capcioso, de má-fé, com intenção de enganar.

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Que diziam e faziam os sofistas? Diziam que os ensinamentos daqueles primeiros filósofos estavam repletos de erros e contradições e que não tinham utilidade para a vida na pólis. Os sofistas apresentavam-se como mestres de oratória ou de retórica, afirmando ser possível ensinar aos jovens tal arte para que fossem bons cidadãos.

Que arte era essa? A arte da persuasão. Os sofistas ensinavam técnicas de persuasão para os jovens, que aprendiam a defender a posição ou opinião A, depois a posição ou opinião contrária, não-A; de modo que, numa assembleia, soubessem ter fortes argumentos a favor ou contra uma opinião e ganhassem a discussão. Por cobrarem por suas aulas os sofistas causavam escândalo. Por isso, frequentemente eram acusados de realizarem uma prostituição do saber. Cabe aqui uma observação: na Grécia Antiga, apenas os nobres se ocupavam com o trabalho intelectual, pois gozavam do ócio, ou seja, da disponibilidade de tempo decorrente do fato de que o trabalho manual, de subsistência, era ocupação de escravos. Ora, os sofistas, geralmente homens saídos da classe média, faziam das aulas seu ofício, já que não eram suficientemente ricos para se dedicarem ao ensino descompromissadamente.

SÓCRATES O filósofo Sócrates (470 a.C.-399 a.C.), considerado o patrono da Filosofia, rebelou-se contra os sofistas, dizendo que não eram filósofos, pois não tinham amor pela sabedoria nem respeito pela verdade, defendendo qualquer ideia, se isso fosse vantajoso. Corrompiam o espírito dos jovens, pois faziam o erro e a mentira valer tanto quanto a verdade.

Como homem de seu tempo, Sócrates concordava com os sofistas em um ponto: por um lado, a educação antiga do guerreiro belo e bom já não atendia às exigências da sociedade grega, e, por outro lado, os filósofos cosmologistas defendiam ideias tão contrárias entre si que também não eram uma fonte segura para o conhecimento verdadeiro. Discordando dos antigos poetas, dos antigos filósofos e dos sofistas, o que propunha Sócrates? Propunha que, antes de querer conhecer a Natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. A expressão “conhece-te a ti mesmo” que

A retórica é uma técnica muito utilizada pelos políticos até hoje

A morte de Sócrates, pintura de David

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estava gravada no pórtico do templo de Apolo, patrono grego da sabedoria, tornou-se a divisa de Sócrates. Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens têm de si mesmos a condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros, é que se diz que o período socrático é antropológico, isto é, voltado para o conhecimento do homem, particularmente de seu espírito e de sua capacidade para conhecer a verdade. Sócrates fazia perguntas sobre as ideias, sobre os valores nos quais os gregos acreditavam e que julgavam conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores embaraçados, irritados, curiosos, pois, quando tentavam responder ao célebre “o que é?”, descobriam, surpresos, que não sabiam responder e que nunca tinham pensado em suas crenças, seus valores e suas ideias. Mas o pior não era isso. O pior é que as pessoas esperavam que Sócrates respondesse por elas ou para elas, que soubesse as respostas às perguntas, como os sofistas pareciam saber, mas Sócrates, para desconcerto geral, dizia: “Eu também não sei, por isso estou perguntando ”. Donde a famosa expressão atribuída a ele: “Sei que nada sei”. A consciência da própria ignorância é o começo da Filosofia. O que procurava Sócrates? Procurava a definição daquilo que uma coisa, uma ideia, um valor é verdadeiramente. Procurava a essência verdadeira da coisa, da ideia, do valor. Procurava o conceito e não a mera opinião que temos de nós mesmos, das coisas, das ideias e dos valores. Qual a diferença entre uma opinião e um conceito? A opinião varia de pessoa para pessoa, de lugar para lugar, de época para época. É instável, mutável, depende de cada um, de seus gostos e preferências. O conceito, ao contrário, é uma verdade intemporal, universal e necessária que o pensamento descobre, mostrando que é a essência universal, intemporal e necessária de alguma coisa. Sócrates perguntava: Que razões rigorosas você possui para dizer o que diz e para pensar o que pensa? Qual é o fundamento racional daquilo que você fala e pensa? Ora, as perguntas de Sócrates se referiam a ideias, valores, práticas e comportamentos que os atenienses julgavam certos e verdadeiros em si mesmos e por si mesmos. Ao fazer suas perguntas e suscitar dúvidas, Sócrates os fazia pensar não só sobre si mesmos, mas também sobre a polis. Aquilo que parecia evidente acabava sendo percebido como duvidoso e incerto. Para os poderosos de Atenas, Sócrates tornara-se um perigo, pois fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as leis. Levado perante a assembleia, Sócrates não se defendeu e foi condenado a tomar um veneno - a cicuta - e obrigado a suicidar-se. Sócrates nunca escreveu. O que sabemos de seus pensamentos encontra-se nas obras de seus vários discípulos, e Platão foi o mais importante deles. Se reunirmos o que esse filósofo escreveu sobre os sofistas e sobre Sócrates, além da exposição de suas próprias ideias, poderemos apresentar como características gerais do período socrático: - A Filosofia se volta para as questões humanas no plano da ação, dos comportamentos, das ideias, das crenças, dos valores e, portanto, se preocupa com as questões morais e políticas. - O ponto de partida da Filosofia é a confiança no pensamento ou no homem como um ser racional, capaz de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de reflexão. Reflexão é a volta que o pensamento faz sobre si mesmo para conhecer-se; é a consciência conhecendo-se a si mesma como capacidade para conhecer as coisas, alcançando o conceito ou a essência delas. -Como se trata de conhecer a capacidade de conhecimento do homem, a preocupação se volta para estabelecer procedimentos que nos garantam que encontramos a verdade, isto é, o pensamento deve oferecer a si mesmo caminhos próprios, critérios próprios e meios próprios para saber o que é o verdadeiro e como alcançá-lo em tudo o que investiguemos. -É feita, pela primeira vez, uma separação radical entre, de um lado a opinião e as imagens das coisas, trazidas pelos nossos órgãos dos sentidos, nossos hábitos, pelas tradições, pelos interesses, e, de outro lado, as ideias. As ideias se referem à essência íntima, invisível, verdadeira das coisas e só podem ser alcançadas pelo pensamento puro, que afasta os dados sensoriais, os hábitos recebidos, os preconceitos, as opiniões.

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FILOSOFIA EM QUADRI!HOS

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PLATÃO E A TEORIA DAS IDEIAS

Platão foi um filósofo grego que nasceu em Atenas, provavelmente em 427 a.C. e morreu em 347 a.C. É considerado um dos principais pensadores gregos, pois influenciou profundamente a filosofia ocidental. Filho de uma família de aristocratas começou seus trabalhos filosóficos após estabelecer contato com outro importante pensador grego: Sócrates. Platão torna-se seguidor e discípulo de Sócrates. Convidado pelo rei Dionísio, passa um bom tempo em Siracusa, ensinando filosofia na corte.

Em 387 a.C, ao voltar para Atenas, fundou sua própria escola filosófica, a Academia, com o propósito de recuperar e desenvolver as ideias e pensamentos socráticos. Era assim chamada por estar no jardim do herói grego Academos. Lá ensinava ciências, matemática, ginástica, retórica (arte de falar em público), e filosofia. Ele valorizava muito a matemática, por ela nos dar a capacidade de raciocínio abstrato. Essa escola foi uma das primeiras instituições permanentes de ensino superior do mundo ocidental.

Dando continuidade aos ensinamentos do seu professor Sócrates, Platão também pretende investigar a essência das coisas, ou seja, o que define o que uma coisa é, o conceito. Nessa empreitada Platão distingue o conhecimento como sendo de duas formas: sensível e inteligível. O conhecimento sensível nos é dado pelos órgãos dos sentidos e pela linguagem baseada nesses dados. As imagens sensíveis formam a mera opinião (dóxa em grego), nos dando um conhecimento ilusório e equivocado do mundo.

O conhecimento inteligível é o conhecimento verdadeiro. Alcançamos esse tipo de conhecimento exclusivamente pelo pensamento, pela razão, pelo raciocínio lógico. Para compreender essa distinção entre conhecimento sensível e inteligível, vejamos esse exemplo: “para meus olhos, meu tato e meu olfato, o gelo é diferente da neblina, que é diferente da chuva, que é diferente da correnteza de um rio. No entanto o pensamento mostra que se trata sempre de um mesmo elemento (a água), passando por diferentes estados e formas (líquido, sólido e gasoso) em decorrência de causas naturais diferentes (condensação, liquefação e evaporação)”. Todas essas ideias Platão buscou representar através de uma história que ele construiu: “O mito da caverna”. O MITO DA CAVER!A O “mito da caverna” foi uma história elaborada por Platão no livro VII de “A República”. Com tal história Platão pretendia exemplificar suas principais ideias por meio de uma metáfora. Platão imagina uma caverna onde estão acorrentados os homens desde a infância, de tal forma que, não podendo se voltar para a entrada, apenas enxergam o fundo da caverna. Aí são projetadas as sombras das coisas que passam às suas costas, onde há uma fogueira. Se um desses homens conseguisse se soltar das correntes para contemplar à luz do dia os verdadeiros objetos, quando regressasse, relatando o que viu aos seus antigos companheiros, esses o tomariam por louco, não acreditando em suas palavras. A análise do mito pode ser feita pelo menos sob dois pontos de vista: o epistemológico (relativo ao conhecimento) e o político (relativo ao poder). Segundo a dimensão epistemológica, o mito da caverna é uma alegoria a respeito das duas principais formas de conhecimento: na teoria das ideias, Platão distingue o mundo sensível, dos fenômenos, e o mundo inteligível, das ideias. O mundo sensível, acessível aos sentidos, é o mundo da multiplicidade, do movimento, e é ilusório, pura sombra do verdadeiro mundo. Assim, mesmo se percebemos inúmeras abelhas dos mais variados tipos, a ideia de abelha deve ser una, imutável, a verdadeira realidade. Platão cria a palavra ideia (eidos), para referir-se à intuição intelectual, distinta da intuição sensível. Portanto, acima do ilusório mundo sensível, há o mundo das ideias gerais, das essências imutáveis que o homem atinge pela contemplação e pela depuração dos enganos dos sentidos.

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Mas como é possível aos homens ultrapassarem o mundo das aparências ilusórias? Platão supõe que os homens já teriam vivido como puro espírito quando contemplaram o mundo das ideias. Mas tudo esquecem quando ao se tornarem prisioneiros do corpo, que é considerado o "túmulo da alma". Pela teoria da reminiscência1, Platão explica como os sentidos se constituem apenas na ocasião para despertar nas almas as lembranças adormecidas. Em outras palavras, conhecer é lembrar. No diálogo Menon, Platão descreve como um escravo, ao examinar figuras sensíveis que lhe são oferecidas, é induzido a "lembrar-se" das idéias e descobre uma verdade geométrica. Voltando ao mito da caverna: o filósofo (aquele que se libertou das correntes), ao contemplar a verdadeira realidade e ter passado da opinião (doxa) à ciência (episteme), deve retornar ao meio dos homens para orientá-los. Eis assim a segunda dimensão do mito, a política, surgida da pergunta: como influenciar os homens que não vêem? Cabe ao sábio ensinar e governar. Trata-se da necessidade da ação política, da transformação dos homens e da sociedade, desde que essa ação seja dirigida pelo modelo ideal contemplado. Aquele que contempla a ideia de justiça pode governar uma cidade de maneira justa e educar os homens para serem justos. Dessa forma uma cidade só pode ser justa se for governada por um homem que conheça a ideia de justiça. Daí que para Platão é necessário que os filósofos se tornem os governantes ou que os governantes se tornem filósofos. Com isso Platão quer mostrar a necessidade de que os governantes sejam pessoas que amem a busca pelo conhecimento. FILOSOFIA EM QUADRI!HOS

1 No platonismo, lembrança de uma verdade que, foi contemplada pela alma no período de desencarnação.

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PARTE II: A FILOSOFIA E AS RELIGIÕES

A palavra religião vem do latim: religio, formada pelo prefixo re (outra vez, de novo) e o verbo ligare (ligar, unir, vincular). A religião é um vínculo. Quais as partes vinculadas? O mundo profano e o mundo sagrado, isto é, a Natureza (água, fogo, ar, animais, plantas, astros, metais, terra, humanos) e as divindades que habitam a Natureza ou um lugar separado da Natureza. Nas várias culturas, essa ligação é simbolizada no

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momento de fundação de uma aldeia, vila ou cidade: o guia religioso traça figuras no chão (círculo, quadrado, triângulo) e repete o mesmo gesto no ar (na direção do céu, ou do mar, ou da floresta, ou do deserto). Esses dois gestos delimitam um espaço novo, sagrado (no ar) e consagrado (no solo). Nesse novo espaço ergue-se o santuário (em latim, templum, templo) e à sua volta os edifícios da nova comunidade. Essa mesma cerimônia da ligação fundadora aparece na religião judaica, quando Jeová indica ao povo o lugar onde deve habitar – a Terra Prometida – e o espaço onde o templo deverá ser edificado, para nele ser colocada a Arca da Aliança, símbolo do vínculo que une o povo e seu Deus, recordando a primeira ligação: o arco-íris, anunciado por Deus a Noé como prova de seu laço com ele e sua descendência. Também no cristianismo a religio é explicitada por um gesto de união. No Novo Testamento, Jesus disse a Pedro: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as Chaves do Reino: o que ligares na Terra será ligado no Céu; o que desligares na Terra será desligado no Céu”. Através da sacralização e consagração, a religião cria a ideia de espaço sagrado. Os céus, o monte Olimpo (na Grécia), as montanhas do deserto (em Israel), templos e igrejas são santuários ou moradas dos deuses. O espaço da vida comum separa-se do espaço sagrado: neste, vivem os deuses, são feitas as cerimônias de culto, são trazidas oferendas e feitas preces com pedidos às divindades (colheita, paz, vitória na guerra, bom parto, fim de uma peste); no primeiro transcorre a vida profana dos humanos. A religião organiza o espaço e lhe dá qualidades culturais, diversas das simples qualidades naturais. As religiões têm várias finalidades, as principais são:

• proteger os seres humanos contra o medo da Natureza, nela encontrando forças benéficas, contrapostas às maléficas e destruidoras;

• dar aos humanos um acesso à verdade do mundo, encontrando explicações para a origem, a forma, a vida e a morte de todos os seres e dos próprios humanos;

• oferecer aos humanos a esperança de vida após a morte, seja sob a forma de reencarnação perene, seja sob a forma de reencarnação purificadora, seja sob a forma de imortalidade individual, que permite o retorno do homem ao convívio direto com a divindade, seja sob a forma de fusão do espírito do morto no seio da divindade. As religiões da salvação, tanto as de tipo judaico-cristão quanto as de tipo oriental, prometem aos seres humanos libertá-los da pena e da dor da existência terrena;

• oferecer consolo aos aflitos, dando-lhes uma explicação para a dor, seja ela física ou psíquica; • garantir o respeito às normas, às regras e aos valores da moralidade estabelecida pela sociedade. Em

geral, os valores morais são estabelecidos pela própria religião, sob a forma de mandamentos divinos, isto é, a religião reelabora relações sociais existentes como regras e normas, expressões da vontade dos deuses ou de Deus, garantindo a obrigatoriedade da obediência a elas, sob a pena de sanções sobrenaturais.

Com o surgimento da filosofia ocorreu na cultura ocidental um acontecimento desconhecido em outras culturas: o conflito entre a fé e a razão, que se manifestou desde muito cedo. Já na Grécia antiga, as críticas de Heráclito, Pitágoras e Xenófanes à religião assinalavam a ruptura com ela. Mais tarde, Atenas forçou o filósofo Anaxágoras a fugir para evitar a condenação pública, acusado pelo tribunal ateniense de “inventar um novo deus”; Sócrates, julgado culpado de impiedade e de corrupção da juventude, foi condenado à morte. Na Renascença, Giordano Bruno, foi condenado à fogueira. Galileu, na época moderna, foi forçado a abjurar suas teses sobre o movimento solar, as manchas lunares e solares e o princípio da inércia, fundamento da mecânica clássica. Essa peculiaridade da cultura ocidental afetou a própria religião. De fato, para competir com a Filosofia e suplantá-la, a religião precisou oferecer-se sob a forma de provas racionais, conceitos, teses, teorias. Tornou-se teologia, ciência sobre Deus. Transformou os textos da história sagrada em doutrina. Todavia, certas crenças religiosas jamais poderão ser transformadas em teses e demonstrações racionais sem serem

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destruídas. São verdades da fé e, como tais, mistérios. Estes são verdades inquestionáveis, isto é, dogmas. Eis por que o apóstolo Paulo declarou que “a razão é um escândalo para a fé”. Tomemos um exemplo do Antigo Testamento. Ali é narrado que, durante uma batalha, Josué fez o Sol parar, a fim de que, com o prolongamento do dia, pudesse vencer a guerra. Essa história sagrada pressupõe que o Sol se movimenta em torno da Terra e que esta permanece imóvel. Estando narrada no texto revelado pelo próprio Deus, a história de Josué não pode ser contestada. A mesma teoria da mobilidade do Sol e imobilidade da Terra existia como tese filosófico-científica no pensamento de Aristóteles e, como tal, foi refutada pela ciência de Copérnico, Galileu e Kepler. Porém, se a estes era permitido refutar uma teoria filosófico-científica por meio de outra, não lhes era permitido negar a história de Josué. Eis por que, durante séculos, a Igreja considerou o heliocentrismo (teoria que diz que Sol está no centro do nosso sistema planetário e tudo se move ao seu redor) uma heresia, condenou-a e submeteu sábios, como Galileu, aos tribunais da Inquisição2. A FILOSOFIA E O CRISTIA!ISMO Apesar dos conflitos entre a filosofia e as religiões (fé e saber) houve um período da história que isso não foi bem assim. Com o advento do cristianismo alguns pensadores tentaram realizar uma fusão entre a religião cristã e a filosofia. Isso começa a partir do século II com a filosofia dos Padres da Igreja, conhecida também como patrística. No esforço de converter os pagãos, combater as heresias e justificar a fé, os padres desenvolvem a apologética3, elaborando textos de defesa do cristianismo. Começa aí uma longa aliança entre fé e razão que se estende por toda Idade Média e em que a razão é considerada auxiliar da fé e a ela subordinada. Daí a expressão agostiniana "Creio para que possa entender".

Os Padres recorrem inicialmente à filosofia platônica e realizam uma grande síntese com a doutrina cristã, mediante adaptações consideradas necessárias. O principal nome da patrística é Santo Agostinho (354 -430), bispo de Hipona, cidade do norte da África. Santo Agostinho viveu no final da Antiguidade; logo depois Roma cai nas mãos dos bárbaros, tendo início o longo período da Idade Média. Na primeira metade, conhecida como Alta Idade Média, continua sendo enorme a influência dos Padres da Igreja, e vários pensadores de saber enciclopédico retomam a cultura antiga, continuando o trabalho de adequação às verdades teológicas.

Agostinho retoma a dicotomia platônica referente ao mundo sensível e ao mundo das ideias e substitui esse último pelas ideias divinas. Segundo a teoria da iluminação, o homem recebe de Deus o conhecimento das verdades eternas: tal como Sol, Deus ilumina a razão e torna possível o pensar correto. No seu livro chamado “Solilóquios” Agostinho usa o termo razão para designar isso que ele chama de “os olhos da alma”. Agostinho faz a seguinte analogia: da mesma forma que o sol ilumina e permite os olhos visualizar as coisas sensíveis, Deus seria uma espécie de luz imaterial que permitiria os olhos interiores da alma (a razão) ver a Deus e as essências imutáveis (as ideias de Platão, vocês lembram?). Para esses olhos poderem ver é necessário eles estarem sadios, e isso significa, livre de todo desejo das realidades sensíveis. Dessa forma, o conhecimento das realidades inteligíveis é um caminho que se percorre graças a um paralelo aperfeiçoamento moral que se dá num modo de vida baseado na fé, esperança e caridade, que servem para liberar a mente dos vínculos às coisas sensíveis. A partir do século IX a filosofia e o cristianismo se tornam ainda mais próximas. É nesse período que surge escolástica. A escolástica era a filosofia ensinada nas escolas durante a Idade Média que tentava unificar as ideias de Platão, Aristóteles, da Bíblia e da patrística. Na tentativa de conciliar razão e fé os escolásticos

2 Tribunal eclesiástico instituído pela Igreja católica no começo do século XIII com o objetivo de investigar e julgar sumariamente pretensos hereges e feiticeiros, acusados de crimes contra a fé católica. 3 Defesa argumentativa de que a fé pode ser comprovada pela razão

Santo Agostinho: filósofo que tentou conciliar filosofia e

cristianismo

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consideravam que a filosofia devia ser uma “serva da teologia”, ou seja, um instrumento que possibilitasse compreender as verdades reveladas do cristianismo. Santo Tomás de Aquino (1225-1274) foi o maior representante da escolástica. As teorias desse pensador italiano foram durante um longo período a filosofia oficial da Igreja Católica. PE!SA!DO COM OS CLÁSSICOS A IDADE MODER!A: O CHOQUE E!TRE FILOSOFIA E CRISTIA!ISMO Do século XIV em diante, a escolástica sofre um processo de autoritarismo de nefastas influências no pensamento filosófico e científico. Posturas dogmáticas, contrárias à reflexão, obstruem as pesquisas e a livre investigação. O princípio da autoridade, ou seja, a aceitação cega das afirmações contidas nos textos bíblicos e nos livros dos grandes pensadores, sobretudo Aristóteles, impede qualquer inovação. É a obscura fase do magister dixit, que significa "o mestre disse"... O rigor do controle da Igreja se faz sentir nos julgamentos feitos pelo Santo Ofício (Inquisição), órgão que examinava o caráter herético ou não das doutrinas. Conforme o caso, as obras eram colocadas no Índex, lista das obras proibidas. Se a leitura fosse permitida, a obra recebia a chancela Nihil obstat (nada obsta), podendo ser divulgada. Quando consideravam o caso muito grave, o próprio autor era julgado. Foi trágico o desfecho do processo contra o filósofo Giordano Bruno (séc. XVI), acusado de panteísmo e queimado vivo por ter defendido com exaltação poética a doutrina da infinitude do universo e por concebê-lo não como um sistema rígido de seres, articulados em uma ordem dada desde a eternidade, mas como um conjunto que se transforma continuamente. Contudo, apesar das diversas perseguições feitas aos que questionavam a autoridade da Igreja Católica, esta não conseguia mais se assegurar no poder. Vários eventos históricos contribuíram para o enfraquecimento da Igreja, um dos principais foi a reforma protestante. O enfraquecimento da Igreja preparou caminho para que acontecesse uma profunda mudança na maneira de pensar medieval, que era predominantemente religiosa. Ocorre a secularização da consciência, ou seja, o recurso da razão prevalece sobre as explicações religiosas. Essa transformação se verifica nas artes, nas ciências, na política. A partir do momento em que rompe com a tradição medieval, a filosofia passa a ter características diferentes. As principais são: Racionalismo: Ao critério da fé e da revelação, o homem moderno opõe o poder exclusivo da razão de discernir, distinguir e comparar. Ao dogmatismo opõe a possibilidade da dúvida. Desenvolvendo a mentalidade crítica, questiona a autoridade da Igreja e assume uma atitude polêmica perante a tradição. Só a razão é capaz de conhecer. Antropocentrismo: Enquanto o pensamento medieval é predominantemente teocêntrico (centrado na figura de Deus), o homem moderno coloca a si próprio no centro dos interesses e decisões. A secularização do saber, da moral, da política é estimulada pela capacidade de livre exame. Da mesma forma que em ciência se

Deus é inteligível e também inteligíveis são as proposições das ciências, porém, diferem em muito. Pois a terra é visível, como também o é a luz; mas a terra não pode ser vista se não for iluminada pela luz. Por isso, as coisas que alguém entende, que são ensinadas nas ciências, sem dúvida alguma ele as admite como verdadeiras, mas deve-se crer que elas não podem ser entendidas se não forem esclarecidas por outro, como que por um sol. Como no sol podem-se notar três coisas: que existe, que brilha e que ilumina, assim também no secretíssimo Deus, a quem tu desejas compreender, devem-se considerar três coisas: que existe, que é conhecido e que faz com que as demais coisas sejam entendidas. Ouso ensinar-te duas coisas, isto é, conhece-te a ti mesmo e a Deus. Santo Agostinho. Solilóquios. capítulo VIII.

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aprende a ver com os próprios olhos, até na religião os adeptos da Reforma defendem o acesso direto ao texto bíblico, cada um tendo o direito de interpretá-lo. Saber ativo: Em oposição ao saber contemplativo dos antigos, surge uma nova postura diante do mundo. O conhecimento não parte apenas de noções e princípios, mas da própria realidade observada e submetida a experimentações. Da mesma forma, o saber deve retornar ao mundo para transformá-lo. Dá-se a aliança da ciência com a técnica. GALILEU O pensador italiano Galileu Galilei (1564-1642) viveu o momento de transição de um mundo dominado pela autoridade da Igreja para um mundo cuja única autoridade é a razão. A vida de Galileu foi marcada pela perseguição política e religiosa, por defender que a compreensão geocêntrica do universo estava equivocada.

A compreensão geocêntrica do universo, ou geocentrismo, defendia que a Terra era o centro do univesrso. Essa compreensão predominou durante toda a Antiguidade e a Idade Média. O geocentrismo é de certa forma confirmado pelo senso comum: no cotidiano temos a sensação de que a Terra é imóvel e que o Sol gira à sua volta. O próprio texto bíblico sugere essa idéia. Em uma passagem das Escrituras, Deus fez parar o Sol para que o povo eleito continuasse a luta enquanto ainda houvesse luz, o que sugere o Sol em movimento e a Terra fixa. Ao criticar o geocentrismo, Galileu defende o heliocentrismo. O heliocentrismo é

a teoria que diz que Sol está no centro do nosso sistema planetário e tudo se move ao seu redor. Essa compreensão do universo foi proposta primeiramente com Nicolau Copérnico (1473 -1543). Mas só começou a ganhar repercussão com Galileu. Isto porque Galileu passou a fazer uso de instrumentos que mostravam que essa ideia de Copérnico era verdadeira. O principal instrumento que possibilitou a Copérnico fazer descobertas astronômicas foi o telescópio. O telescópio, invenção talvez dos holandeses, proporcionou a Galileu outras descobertas valiosas: para além das estrelas fixas, haveria ainda infindáveis mundos; a superfície da Lua era rugosa e irregular; o Sol tinha manchas, e Júpiter tinha quatro luas! Em sua filosofia da natureza Galileu defendeu a concepção de que a realidade é intrinsecamente racional e pode ser plenamente captada pelas ideias e conceitos. A realidade, a partir de Galileu, é concebida como um sistema racional de mecanismos físicos, cuja estrutura profunda e invisível é matemática. Sendo assim, tudo que ocorre na natureza pode ser explicado através da observação da experiência e cálculos matemáticos. O forte impacto dessas novidades desencadeou inúmeras polêmicas até que, pressionado pelas autoridades eclesiásticas, Galileu se viu obrigado a renegar publicamente suas teorias. Além disso, o pensador foi condenado à prisão domiciliar. No entanto, as ideias de Galileu influenciaram todo o mundo moderno, de modo que hoje ele é considerado o pai da ciência moderna. PE!SA!DO COM OS CLÁSSICOS

PARTE III: A FILOSOFIA E O CO!HECIME!TO CIE!TÍFICO

A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras: sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Galileu. O ensaiador. Col. Os pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1973, p. 119.

Galileu diante da Inquisição, de Cristiano Banti, 1857

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PARTE III: A FILOSOFIA E O CO!HECIME!TO CIE!TÍFICO A filosofia moderna formulou como um dos seus principais objetivos encontrar um meio de se evitar os conhecimentos equivocados que nós temos da realidade. É da busca de uma maneira de se evitar o erro que surge a principal característica da filosofia moderna: a questão do método. A palavra método significa caminho, via. Mas o que quer dizer ter um método? Vejamos: sempre que nos propomos a fazer alguma coisa, como, por exemplo, uma viagem, o ato mesmo de viajar é precedido de inúmeras antecipações pelas quais nos organizamos a fim de que o acontecimento tenha o sucesso esperado. Ou seja, ter um método é ter um caminho seguro, um modo de agir para que se atinja o objetivo buscado. A filosofia moderna ao ter como objetivo evitar o erro assumirá a tarefa de fornecer um “método para as ciências”, ou seja, um caminho seguro que possibilite as ciências atingir esse objetivo. Veremos que um dos primeiros filósofos a fazer isso foi Francis Bacon. Este filósofo julgava que a filosofia poderia servir de guia para o conhecimento científico. FRA!CIS BACO! E O CO!HECIME!TO CIE!TÍFICO

Francis Bacon (1561-1626) é um dos principais filósofos do início da idade moderna. Nascido na Inglaterra, aos doze anos Bacon já entrava na Universidade de Cambridge. Durante sua vida, Bacon se dedicou ao estudo da filosofia, além de direito, diplomacia e literatura. Ainda aos dezesseis anos Bacon se viu decepcionado com a filosofia antiga, sendo essa para ele um saber inútil que pouco contribuiu para a produção de coisas vantajosas para a vida humana. Realçando a importância histórica da ciência, do papel que ela poderia

desempenhar na vida da humanidade e entusiasmado com as invenções científicas de sua época, Bacon escreve: “Estas três coisas (a arte da impressão, a pólvora e a bússola) mudaram a situação do mundo todo, a primeira nas letras, a segunda na arte militar, a terceira na navegação; provocaram mudanças tão

infinitas que nenhum império, nem seita, nem estrela parece ter exercido maior influência com mais eficácia

sobre a humanidade do que essas três invenções”. Bacon tem como lema “saber é poder”, isso mostra como ele procura, bem no espírito da nova ciência, não um saber contemplativo e desinteressado, que tenha um fim em si mesmo, mas um saber instrumental, que possibilite a dominação da natureza. A CRÍTICA DOS ÍDOLOS Bacon elaborou uma teoria conhecida como crítica dos ídolos. A palavra ídolo vem do grego eidolon e significa “imagem”. Bacon chama de ídolos as opiniões falsas e preconceitos que dificultam o conhecimento da realidade e o desenvolvimento das ciências. Segundo Bacon, existem quatro tipos de ídolos, ou seja, quatro tipos de opiniões falsas que impedem o conhecimento científico:

I. Ídolos da caverna (a caverna de que fala Bacon é a do mito da caverna de Platão): são as opiniões que se formam em nós por erros e defeitos de nossos órgãos dos sentidos. São os mais fáceis de serem corrigidos por nosso intelecto.

II. Ídolos do fórum (o fórum era o lugar das discussões e dos debates públicos na Roma

antiga): são as opiniões que se formam em nós como consequência da linguagem e de nossas relações sociais com os outros. Uma palavra pode ser usada em sentidos diferentes pelos interlocutores de um diálogo; isso pode levar a uma aparente concordância entre as pessoas quando, na realidade, ocorre o contrário. Veja-se, por exemplo, o caso da palavra cultura, ela denota uma série de definições que por si mesmas não conseguem sequer alcançar o propósito inicial do termo –kultur- cultivar a terra. Tais ídolos do fórum são difíceis de serem vencidos, mas o intelecto tem poder sobre eles.

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III. Ídolos do teatro (o teatro é o lugar em que ficamos passivos, onde somos apenas

espectadores e receptores de mensagens): são as opiniões formadas em nós em decorrência dos poderes das autoridades que nos impõe seus pontos de vista e os transformam em decretos e leis inquestionáveis, seja por meio de ameaças ou pela manipulação das pessoas. Só podem ser desfeitos se houver uma mudança social e política.

IV. Ídolos da tribo (a tribo é um agrupamento humano em que todos possuem a mesma origem,

o mesmo destino, as mesmas características e os mesmos comportamentos): são as opiniões que se formam em nós em decorrência da natureza humana. São próprios da espécie humana e só podem ser vencidos se houver uma reforma da própria natureza humana. Assim para Bacon seria comum a natureza humana reduzir o complicado ao mais simples segundo uma visão que se restringe àquilo que é favorável, que é conveniente. Na Astrologia, por exemplo, ignora-se o que falha para ficar com as predições que resultaram conforme o esperado. Por isso Bacon afirma: "As pessoas preferem acreditar naquilo que elas preferem que se seja verdade." Outro hábito comum a natureza humana seria a transposição. Na alquimia os alquimistas "humanizam" a atividade da natureza atribuindo-lhe antipatias e simpatias.

Para Bacon, o conhecimento científico deve começar por uma demolição dos ídolos. Ou seja, a ciência deve primeiramente buscar superar suas opiniões formadas em nós, e que nos conduzem ao erro. Mas de que forma as ciências podem evitar essas opiniões que nos conduzem ao erro? Isso é o que veremos a seguir. A OBSERVAÇÃO DA !ATUREZA Bacon entende que somente pela observação da natureza é possível superar aqueles ídolos que nos conduzem ao erro. Contudo para observar corretamente a natureza o homem deve atormentá-la. Atormentar a natureza é fazê-la reagir a condições artificiais criadas pelo homem. O laboratório científico é a maneira pela qual o homem pode efetuar esse tormento, pois, nele, plantas, animais, metais, líquidos, gases, etc. são submetidos a condições de investigação totalmente diversas das naturais, de maneira a fazer com que pela experimentação se descubra formas, causas e efeitos que não poderiam ser conhecidos se contássemos apenas com a atividade espontânea da natureza. Dessa forma, atormentar a natureza é observar ela de forma controlada nos laboratórios de pesquisa. Ao atormentar a natureza o homem pode conhecer os seus segredos para dominá-la e transformá-la. Cabe ressaltar que, tal como Platão, Bacon acredita que os órgãos dos sentidos nos enganam. Dessa forma a observação científica deve ser realizada com instrumentos apropriados que superam as limitações dos órgãos dos sentidos. Tais como: o microscópio, o telescópio, o termômetro, a balança. DO DESE!VOLVIME!TO DA CIÊ!CIA À SOCIEDADE PERFEITA Bacon entendia que a ciência amplia os poderes do ser humano. A ciência meio que criaria uma extensão do corpo humano. Por exemplo: uma enorme caixa que precisaria de mais de dez homens para ser levantada, é erguida facilmente por uma empilhadeira operada por um único homem. Na visão de Bacon tal instrumento (a empilhadeira) funciona como se fosse o braço do homem que a ciência possibilitou ser mais forte, por isso que conhecimento e poder são sinônimos. O conhecimento científico possibilitou que um homem desenvolvesse uma atividade que precisaria da força de mais de dez homens. Para o filósofo inglês, a ciência pode e deve transformar as condições da vida humana. Bacon acreditava que o avanço das técnicas de pesquisa e o desenvolvimento das ciências propiciariam uma reforma da vida humana. Tanto assim que, ao lado de suas investigações sobre as ciências, escreveu uma obra filosófico-política, a 1ova Atlântida, na qual descreve e narra o surgimento de uma sociedade ideal e perfeita, nascida do conhecimento e desenvolvimento das técnicas científicas. O que Bacon sonha é que a pesquisa científica permita tal estado de bem estar que nunca mais falte a uma dor humana a sua cura, nem um desejo humano a sua satisfação.

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AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO A Revolução Industrial no século XVIII, expressão do poder da burguesia em expansão, demonstrou a eficácia do novo saber inaugurado pela ciência moderna no século anterior. Ciência e técnica tornam-se aliadas, provocando modificações no ambiente humano jamais suspeitadas. De fato, basta lembrar que, antes do advento da máquina a vapor usava-se a energia natural (força humana, das águas, dos ventos dos animais) e, por mais que houvessem diferenças de técnicas adotadas pelos diversos povos através dos tempos, nunca houve alterações tão cruciais como as que decorreram da Revolução Industrial. A exaltação diante desse novo saber e novo poder leva à concepção do cientificismo, segundo o qual a ciência é considerada o único conhecimento possível e o método das ciências da natureza o único válido, devendo, portanto, ser estendido a todos os campos da indagação humana. Nesse clima, desenvolve-se no século XIX o pensamento positivista, que tem Augusto Comte (1798-1857) como principal representante. Augusto Comte nasceu na França e é o iniciador do positivismo. De família modesta, Comte desenvolveu seus estudos na Escola Politécnica francesa, tendo uma formação matemática e filosófica. Além de iniciador do positivismo, Comte também é considerado o pai da sociologia. Veremos mais tarde como que a filosofia de Augusto Comte exerceu uma influência marcante na sociedade brasileira. A LEI DOS TRÊS ESTÁGIOS A filosofia de Comte é marcada pela famosa lei dos três estágios, que ele diz ter descoberto. Segundo o filósofo francês os nossos conhecimentos do mundo passam por três estágios históricos: o teológico (ou religioso), o metafísico e o positivo (ou científico). No estágio teológico (ou religioso) o homem investiga o mundo apresentando os fenômenos naturais como sendo produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais. Ou seja, o homem explica os fenômenos através da ação dos deuses. Essa forma de conhecimento do mundo é comum as religiões, tanto as politeístas como as monoteístas. Para Comte essa é a forma mais primitiva de conhecer o mundo. No estágio metafísico os agentes sobrenaturais (deuses) são substituídos por forças abstratas, tal como faziam os primeiros filósofos. Estes achavam que era possível identificar um elemento primordial que explicasse todos os fenômenos do mundo. Esse estágio é mais evoluído que o anterior, pois abre mão da linguagem fantasiosa e já começa a se deter à observação dos fenômenos. Contudo, essa observação é ingênua e produz afirmações contraditórias. No estágio positivo (ou científico) o homem abandona as compreensões teológicas ou metafísicas do mundo. A preocupação do conhecimento positivo (científico) não é descobrir causas que expliquem a origem e o destino do universo. O conhecimento positivo só pretende através da observação descobrir a regularidade dos fenômenos para então prevê-los e poder agir sobre eles. Por isso Comte afirma: “Ciência, logo previsão, logo ação”.

A !EUTRALIDADE CIE!TÍFICA O positivismo julga que no estágio positivo (ou científico) o conhecimento atinge seu grau máximo porque o homem consegue ter um acesso neutro ao mundo. Ou seja, o cientista é aquele que não se deixa influenciar pelo seu contexto social, suas paixões, seu orgulho, pela política, religião ou qualquer tipo de interesse. O cientista é neutro e imparcial. Sendo que só uma neutralidade, uma ausência de interesses é que permite conhecer as coisas como elas são. Por exemplo, os positivistas entendem que, se um sociólogo é religioso e pretende estudar o convívio social de um determinado grupo, sua fé pode interferir na pesquisa e não permitir identificar como que alguns aspectos da sua religião prejudicam o convívio deste grupo. Para realizar a pesquisa com sucesso o sociólogo teria que se manter neutro, não permitindo que nenhum interesse seu interferisse na investigação. Em resumo, para o positivismo o conhecimento científico deve ser desinteressado para poder descobrir a verdade dos fatos.

Augusto Comte, o pai do positivismo

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FILOSOFIA EM QUADRI!HOS

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HABERMAS: CO!HECIME!TO E I!TERESSE Jürgen Habermas (1929 - ) é um dos mais importantes filósofos alemães do século XX. Habermas fez parte de um grupo de intelectuais que ficou conhecido como Escola de Frankfurt. A Escola de Frankfurt surgiu na Alemanha em 1925, representada por Max Horkheimer, Theodor Adorno e Herbert Marcuse. Habermas que foi aluno de Adorno só veio fazer parte do grupo mais tarde, sendo considerado um membro da segunda geração. A escola de Frankfurt teve sua origem no Instituto de Pesquisa Social fundado na cidade alemã de Frankfurt. O que unia esses filósofos era a investigação de temas como a autoridade, o autoritarismo, o totalitarismo, a família, a cultura de massa, o papel da ciência e da técnica nas sociedades modernas e a critica ao positivismo. Um dos primeiros livros de Habermas se chama Conhecimento e Interesse. Neste livro, escrito na década de 60, Habermas faz um crítica à ideia de conhecimento desinteressado do positivismo. O positivismo defendia que o conhecimento científico era neutro, ou seja, desvinculado de qualquer interesse. E somente um conhecimento neutro, desinteressado, é capaz de chegar a conclusões verdadeiras. Ao contrário do que defendia o positivismo Habermas afirma que todo o conhecimento é induzido ou dirigido por interesses. Ter interesse por alguma coisa é julgar que ela é digna de atenção, que ela é importante. Na medida em que eu me interesso por algo eu então busco conhecer mais sobre esse algo. Dessa forma é graças aos nossos interesses que produzimos conhecimento. Habermas distingue três tipos de interesse: a) interesse técnico; b) interesse comunicativo; c) interesse emancipatório. O interesse técnico surge da necessidade do homem se apropriar da natureza para atender suas necessidades materiais, por exemplo, a necessidade de alimentação, moradia, defesa. É esse tipo de interesse que orienta a constituição das ciências exatas e naturais (física, matemática, biologia, química) e a produção da tecnologia.

O interesse comunicativo é aquele que orienta os membros de uma sociedade a se entenderem sobre sua origem e linguagem, seus valores, hábitos, vícios, tradições e instituições. Esse tipo de interesse produz uma forma de conhecimento científico diferente do que surge a partir do interesse técnico. O interesse comunicativo orienta a formação das ciências humanas (história, lingüística, antropologia, psicologia, sociologia). O interesse emancipatório é aquele que orienta os indivíduos a exercerem uma auto-reflexão, para então se libertarem de repressões que impedem o indivíduo de assumir um comportamento racional. Com o interesse emancipatório os homens querem conhecer auto-ilusões (ou seja, ilusões que ele mesmo produz inconscientemente para si) e manipulações que ele sofre, para então poder se libertar delas e agir livremente. É esse tipo de interesse que faz surgir a filosofia, e no século XIX a psicanálise.4

4 A psicanálise é um método terapêutico criado por Sigmund Freud (1856-1939), empregado em casos de neurose e psicose.

Habermas, filósofo alemão do século XX e XXI

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QUESTÃO 1 (UFMG 2001) Leia estes trechos: TRECHO 1 Terra primeiro gerou igual a si mesma Céu constelado, a fim de cobri-la toda ao redor e de que fosse aos deuses venturosos sede segura para sempre. E gerou altas montanhas, belas moradas das deusas Ninfas que habitam as montanhas frondosas. E gerou também a infecunda planície impetuosa de ondas, o Mar, sem desejoso amor.

HESÍODO. Teogonia, vv. 126-132.

TRECHO 2 A água envolve a terra, tal como ao redor daquela encontra-se a esfera de ar e, ao redor desta, a esfera dita de fogo [...] por outro lado, o sol, movendo-se do modo como ele o faz, produz as mudanças da geração e da corrupção e, por causa disto, a água mais leve e mais doce é aspirada todo dia e, uma vez dividida e vaporizada, é transportada para a alta atmosfera; lá, ela é novamente condensada por causa do frio e desce então, mais uma vez, para a terra. E isto, como dissemos anteriormente, a natureza sempre quer produzir deste modo.

ARISTÓTELES. Meteorológica, 354 b23-32. Os dois trechos caracterizam formas distintas de conhecimento. 1. IDENTIFIQUE o tipo de conhecimento representado em cada um deles. Trecho 1: ______________________________________________________________________________________ Trecho 2: ______________________________________________________________________________________

2. CARACTERIZE os dois tipos de conhecimento identificados. _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________

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QUESTÃO 1 (UFPR 2007) !o livro VII de A República, Platão descreve o que ficou conhecido como a “alegoria da caverna”. !ela, é narrada a libertação de um prisioneiro e sua saída do interior da caverna, isto é, do mundo das sombras, para a superfície, onde brilha a luz do sol. Com base nas informações acima e em conhecimentos do livro VII de A República, explique as seguintes imagens usadas por Platão: a) o interior da caverna _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ b) o mundo da superfície _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ QUESTÃO 2 (UFU 2007) De acordo com a alegoria da caverna, além de retirar a alma do domínio das coisas corruptíveis e elevá-la rumo ao conhecimento verdadeiro das Ideias, outra tarefa do filósofo consiste em se voltar para aqueles que se perdem no domínio das aparências e lhes indicar o caminho correto. Considerando a alegoria da caverna, descrita por Platão, faça o que se pede.

A) Explique o que representam as sombras que se projetam no fundo das paredes da caverna. ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ B) Explique a relação que a alegoria da caverna estabelece entre o filósofo e o governo da cidade. ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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!ome:..................................................................................Data:.......................................

Série:....................................Turma:...........................

1) O quadrinho ao lado faz uma sátira a um

conflito iniciado na modernidade entre duas

instituições. Que instituições são estas?

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_________________________________________.

2) É possível identificar quais personagens nesse

quadrinho?

_________________________________________

_________________________________________

3) Cite pelo menos dois temas que ainda causam

esse tipo de conflito.

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________________________________________________________________________________________

4) Explique o que é a explicação geocêntrica do universo e o que é a explicação heliocêntrica. !o

quadrinho os respectivos personagens defendem qual explicação?

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_______________________________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________________________

O texto do exercício 5 foi extraído da peça “A vida de Galileu”, de Bertolt Brecht. Leia-os e responda às perguntas.

5. "(...) o tempo antigo passou, e agora é um tempo novo. Logo a humanidade terá uma ideia clara de sua casa,

do corpo celeste que ela habita. O que está nos livros antigos não lhe basta mais. Agora nós queremos ver com

nossos olhos." (fala de Galileu)

a) Quais são os "livros antigos" referidos no texto?

_______________________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________________

b) Explique o sentido de "nós queremos ver com nossos olhos".

_______________________________________________________________________________________________

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!ome:...................................................................................................... Data:....................................

Série:..................................... Turma:.....................................

1) O que Francis Bacon chama de ídolos? _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 2) Leia os textos abaixo. Identifique que tipo de ídolos descritos (ídolos da caverna, do fórum, do teatro, da tribo) por Francis Bacon é possível encontrar nas informações. Explique o que são esses ídolos. a) “No cotidiano temos a sensação de que a Terra é imóvel e que o Sol gira à sua volta. Esta sensação permitiu que

durante muitos séculos o homem considerasse que a terra fosse o centro do universo”. R:______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

b) “Eu estava preocupado com meu exame de motorista. João comprou, então, um pé-de-coelho para me dar sorte. Levei-o e passei brilhantemente. O pé-de-coelho funcionou!”. R:______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

c) “Questionada porque ainda acreditava na inocência do governador, mesmo depois da divulgação das imagens onde ele aceitava suborno, dona Maria respondeu: ele é uma pessoa muito boa e honesta, graças a ele minha rua hoje está calçada”. R:______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

d) “A propaganda ideológica nazista defendia a ideia de que haviam raças inferiores que deviam ser exterminadas, ou no máximo usadas como cobaias. Era isso que fazia o cientista nazista Josef Mengele. Em suas experiências com seres humanos em Auschwitz, ele injetou tinta azul em olhos de crianças, uniu as veias de gêmeos, deixou pessoas em tanques de água gelada para testar suas resistências, amputou membros de prisioneiros e coletou milhares de órgãos em seu laboratório”. R:______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3) Veja o quadrinho para responder as questões.

a) Os dois personagens confundem a foto de um tigre numa caixa com um gato de verdade. Essa situação serve para representar qual ídolo descrito por Bacon? Explique.

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b) Para Francis Bacon na prática científica como podemos nos prevenir desse tipo de ídolo. ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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QUESTÃO 1

Leia as notícias abaixo sobre diversas descobertas científicas. Responda que tipo de “interesse” orienta a elaboração destas pesquisas científicas (interesse técnico, comunicativo ou emancipatório?) e qual área das ciências é formado por esse interesse (ciências exatas e naturais, ciências humanas, filosofia e psicanálise). a) “Em estudo recente com mais de duas mil famílias, os pesquisadores constataram que crianças que apanham

quando têm 1 ano de idade ficam mais agressivas aos 2 e apresentam dificuldades de aprendizado aos 3. O estudo também concluiu que, por outro lado, punições verbais como broncas e sermões não causaram nenhum efeito negativo no desenvolvimento infantil. Mas informação não é tudo. Apesar de muitos pais já se darem conta de que a palmada não é a melhor maneira de educar uma criança, a prática parece ser ainda bem frequente entre as famílias brasileiras, infelizmente.”.

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b) “Um sítio arqueológico foi descoberto no subsolo da Casa Martim Afonso de Souza, no bairro do Gonzaguinha. Em meio a uma área totalmente urbanizada, uma parede erguida no século XVI e quase 900 objetos que datam de até 3 mil anos atrás foram encontrados, criando um rico acervo histórico que mostra a história dos povos que habitaram a Região, antes mesmo da fundação da cidade, em 1532”.

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c) “Uma nova técnica pode conseguir amenizar os sintomas da dengue, reduzir a febre e conter a hemorragia sem afetar a resposta do sistema de defesa do organismo à infecção. A descoberta foi divulgada na edição desta semana da publicação científica 1ature e, se tudo der certo, deve começar a ser testada em seres humanos dentro de três a cinco anos”.

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d) “Um importante cemitério da antiga Fenícia e que pode ajudar a compreender melhor esta civilização foi descoberto por arqueólogos espanhóis em Tiro, a cidade litorânea do sul do Líbano, anunciaram nesta quarta-feira os responsáveis das escavações”.

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QUESTÃO 2 (UFMG) As plantas transgênicas são assim chamadas porque recebem um ou mais genes de outro organismo para ganhar características supostamente capazes de melhorar seu desempenho produtivo e sua resistência a pragas e doenças. De olho nos possíveis benefícios econômicos prometidos pelas safras transgênicas, os norte-americanos já disseminaram esses organismos em 60% dos alimentos processados em seu país. Mas o que essas plantas mutantes podem causar ao meio ambiente e à saúde humana e animal é ainda uma grande especulação em terreno desconhecido. MU1IZ, Marise.

Transgênicos: um tiro no escuro. Ciência Hoje. v. 27, n. 160, p. 40, maio 2000.

Levando em consideração as informações desse texto, ARGUME!TE a favor ou contra a seguinte afirmação: A ciência é neutra, e seus produtos trazem progresso para a vida dos homens quando convertidos em novas tecnologias. _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________________