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“ESCOLA CLÓVIS BORGES MIGUEL” Professor: Maikon APOSTILA DE FILOSOFIA 3º ANO CONTEÚDO: I. DUALISMO CORPO-ALMA II. VOCÊ É LIVRE? III. O TRABALHO

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“ESCOLA CLÓVIS BORGES MIGUEL”

Professor: Maikon

APOSTILA DE FILOSOFIA

3º ANO

CONTEÚDO:

I. DUALISMO CORPO-ALMA

II. VOCÊ É LIVRE?

III. O TRABALHO

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I. DUALISMO CORPO-ALMA

O quadrinho acima da personagem Mafalda é obra do cartunista argentino Quino. Nessa tirinha Quino brinca com a ideia de que o ser humano é uma criatura formada por duas partes, o corpo e a alma. A visão de que o ser humano é uma unidade formada por duas partes, corpo e alma, está presente em muitas religiões e nas teorias de muitos filósofos. Essa ideia tão antiga que pode ser observada em diversas culturas, também serviu de motivo para alguns conflitos. Vejamos o relato do filósofo Francês Claude Lévi-Strauss:

Na história narrada por Lévi-Strauss vemos uma situação curiosa. Enquanto os colonizadores queriam saber se os indígenas possuíam alma, para então descobrir se eles eram seres humanos ou não, por outro lado os primeiros habitantes do nosso continente queriam saber se os corpos dos espanhóis apodreciam, descobrindo então se eles eram seres humanos ou não. 1. PLATÃO E O DUALISMO CORPO-ALMA Dentre os primeiros filósofos que tentaram explicar o ser humano como uma unidade formada por corpo e alma está Platão. Esse filósofo parte do pressuposto de que a alma, antes de se encarnar, teria vivido a contemplação do mundo das ideias, onde tudo conheceu por simples intuição, ou seja, por conhecimento

intelectual direto e imediato, sem precisar usar os sentidos. Quando - por necessidade natural ou expiação de culpa - a alma se une ao corpo, ela se degrada, pois se torna prisioneira dele. Todo drama humano consiste, para Platão,

“Nas Grandes Antilhas, alguns anos após a descoberta da América, enquanto os espanhóis enviavam comissões de investigação para indagar se os indígenas possuíam ou não alma, estes últimos dedicavam-se a afogar os brancos feitos prisioneiros para verificarem, através de uma vigilância prolongada, se o cadáver daqueles estava ou não sujeito à putrefação”. (Raça e história. Lévi-Strauss)

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na tentativa de domínio da alma sobre o corpo. Este (corpo) perturba o conhecimento verdadeiro, pois, escravizada pelo sensível, leva à opinião e, consequentemente, ao erro. O corpo é também ocasião de corrupção e decadência moral, e se a alma não souber controlar as paixões e os desejos, o homem será incapaz de comportamento moral adequado. No entanto, pode parecer contraditória a constatação de que os gregos sempre se preocuparam com o seu corpo, estimulando os exercícios físicos, a ginástica, os esportes. Não é à toa que a Grécia aparece como o berço das Olimpíadas. Ora, Platão também valoriza a ginástica, e isso apenas confirma a ideia da superioridade do espírito sobre o corpo. "Corpo são em mente sã" significa que a educação física rigorosa põe o corpo na posse de saúde perfeita, permitindo que a alma se desprenda do mundo do corpo e dos sentidos para melhor se concentrar na contemplação das ideias. Caso contrário, a fraqueza física torna-se empecilho maior à vida superior do espírito.

ESTUDO DIRIGIDO -Leia o texto retirado do livro “Fédon” de Platão. Em seguida responda as questões.

[...] enquanto tivermos corpo e nossa alma se encontrar atolada em sua corrupção, jamais poderemos alcançar o que almejamos. E o que queremos, declaremo-lo de uma vez por todas, é a verdade. Não têm conta os embaraços que o corpo nos apresta, pela necessidade de alimentar-se, sem falarmos nas doenças intercorrentes, que são outros empecilhos na caça da verdade. Com amores, receios, cupidez, imaginações de toda a espécie e um sem número de banalidades, a tal ponto ele nos satura, que, de fato, como se diz, por sua causa jamais conseguiremos alcançar o conhecimento do quer que seja. Mais, ainda: guerras, batalhas, dissensões, suscita-as exclusivamente o corpo com seus apetites. Outra causa não tem as guerras senão o amor do dinheiro e dos bens que nos vemos forçados a adquirir por causa do corpo, visto sermos obrigados a servi-lo. Se carecermos de vagar para nos dedicarmos à Filosofia, a causa é tudo isso que enumeramos. O pior é que, mal conseguimos alguma trégua e nos dispomos a refletir sobre determinado ponto, na mesma hora o corpo intervém para perturbar-nos de mil modos, causando tumulto e inquietude em nossa investigação, até deixar-nos inteiramente incapazes de perceber a verdade. Por outro lado, ensina-nos a experiência que, se quisermos alcançar o conhecimento puro de alguma coisa, teremos de separar-nos do corpo e considerar apenas com a alma como as coisas são em si mesmas. Só nessas condições, ao que parece, é que alcançaremos o que desejamos e do que nos declaramos amorosos, a sabedoria, isto é, depois de mortos, conforme nosso argumento o indica, nunca enquanto vivermos. Ora, se realmente, na companhia do corpo não é possível obter o conhecimento puro do que quer que seja, de duas uma terá de ser: ou jamais conseguiremos adquirir esse conhecimento, ou só o faremos depois de mortos, pois só então a alma se recolherá em si mesma, separada do corpo, nunca antes disso. Ao que parece, enquanto vivermos, a única maneira de ficarmos mais perto do pensamento, é abstermo-nos o mais possível da companhia do corpo e de qualquer comunicação com ele, salvo e estritamente necessário, sem nos deixarmos saturar de sua natureza sem permitir que nos macule, até que a divindade nos venha libertar. (PLATÃO. Fédon).

1. De acordo com o texto como o corpo interfere na busca pelo conhecimento? 2. A que é atribuído o fato de os homens estarem sempre em guerras e batalhas? Explique. 3. O texto mostra que em vida é preciso uma certa condição para buscarmos o conhecimento. Que condição é essa?

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2. RENÉ DESCARTES: O CORPO É UMA MÁQUINA

Na modernidade o filósofo francês René Descartes (1596-1650), manteve essa distinção platônica entre o corpo e alma. Entretanto, diferentemente de Platão, para Descartes o corpo é associado à ideia mecanicista do homem-máquina. Descartes que afirma: "Deus fabricou nosso corpo como máquina e quis que ele funcionasse como instrumento universal, operando sempre da mesma maneira, segundo suas próprias leis". Com isso Descartes torna o corpo autônomo, alheio a alma. Alma em Descartes é pensamento, não força vital que move o corpo. Os corpos têm movimento porque Deus injetou movimento neles quando os criou. Descartes afirma que Deus é como um grande relojoeiro e nossos corpos são relógios que ele colocou para funcionar automaticamente.

Tal como Platão, para Descartes a alma seria superior ao corpo. É por meio da alma que eu conheço a leis físicas e matemáticas que fazem que meu corpo funcione. A filosofia de Descartes tem uma visão mecanicista do corpo humano, ou seja, qualquer explicação de fenômenos que acontecem nele (corpo humano) é feito através de cálculos matemáticos. Descartes dá um exemplo interessante para indicar como que as funções do corpo são regidas por leis físicas e matemáticas independentemente da alma. Ele fala o seguinte “as cabeças, pouco depois de decepadas, ainda se movem e mordem a terra, apesar de não serem mais animadas”. Ou seja, mesmo depois da morte de um indivíduo, e isto significa mesmo depois que não haja mais nenhum pensamento no seu corpo, ainda é possível observar que o corpo ainda exerce algumas atividades.

ESTUDO DIRIGIDO - O texto abaixo é um trecho da obra As paixões da alma de Descartes. Leia e interprete para responder as questões abaixo. [...] Devemos crer que todo o calor e todos os movimentos em nós existentes, na medida em que não dependem do pensamento, pertencem apenas ao corpo. Por esse meio, evitaremos um erro considerável em que muitos caíram [...] Consiste em ter-se imaginado, vendo-se que todos os corpos mortos são privados de calor e depois de movimento, que era a ausência da alma que fazia cessar esses movimentos e esse calor; e assim se julgou, sem razão, que o nosso calor natural e todos os movimentos de nossos corpos dependem da alma, ao passo que se devia pensar, ao contrário, que a alma só se ausenta, quando se morre, porque esse calor cessa, porque os órgãos que servem para mover o corpo se corrompem. A fim de evitarmos, portanto, esse erro, consideremos que a morte nunca sobrevêm por culpa da alma, mas somente porque alguma das principais partes do corpo se corrompe; e julguemos que o corpo de um homem vivo difere do de um morto como um relógio, ou outra máquina, quando está quebrado e o princípio de seu movimento para de agir.

(Descartes. Paixões da alma).

1. Qual é o erro que muitos caíram segundo Descartes? 2. Como Descartes explica a morte? É possível afirma que para Descartes a morte do corpo é também a morte da alma?

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3. O QUÊ TEM NA ALMA? Descartes descreve a alma como a parte imaterial do ser humano. É graças a ela que o ser-humano pensa, imagina, tem memória. Contudo, existe alguma ideia na alma que não foi ensinada? Existe alguma ideia inata (isto é, que possuímos desde o nascimento)? Ou tudo que possuímos na nossa alma, no nosso intelecto, foi nos ensinado desde cedo? Pensemos em alguns exemplos: Imaginem uma pessoa que desde criança recebeu ensinamentos nos quais a morte é retratada como uma situação agradável. Essa pessoa terá um medo natural da morte ou o medo da morte é algo ensinado? Agora imaginem uma pessoa que foi criada sem nunca ouvir falar em Deus. Ela chegará a noção de Deus por conta própria ou a ideia de Deus é algo transmitido pela educação? Descartes diz que há na alma ideias inatas, ou seja, ideias que já trazemos desde o nosso nascimento. Ideias inatas são aquelas que não poderiam vir de nossa experiência sensorial porque não há objetos sensoriais ou sensíveis para elas, nem poderiam vir de nossa fantasia, pois não tivemos experiência sensorial para compô-las a partir de nossa memória. As ideias inatas são inteiramente racionais e só podem existir porque já nascemos com elas. Por exemplo, a ideia do infinito (pois não temos qualquer experiência do infinito), as ideias matemáticas (a matemática pode trabalhar com a ideia de uma figura de mil lados, o quilógono, e, no entanto, jamais tivemos e jamais teremos a percepção de uma figura de mil lados), a ideia de Deus.

PENSANDO O NOSSO TEMPO -Leia notícia abaixo, interprete e responda a partir dos conhecimentos filosóficos adquirimos.

Começam testes com chip implantado no cérebro A FDA, órgão de saúde norte-americano, liberou os primeiros testes clínicos com uma nova tecnologia, que permite que uma pessoa controle um computador por meio de um chip implantado em seu cérebro. Chamada BrainGate ("portal do cérebro"), a nova interface neural foi projetada para permitir que os deficientes com imobilidade motora possam se comunicar, ou mesmo acionar equipamentos por meio de um computador, como telefones, TV, as luzes da casa ou qualquer outro dispositivo que possa ser acoplado ao PC. O chip implantado no cérebro é um sensor do tamanho de um comprimido, que contém centenas de finíssimos eletrodos de ouro. No caso do BrainGate, ele é implantado na área do cérebro responsável pelos movimentos. Mas, em outras aplicações, ele poderá também ser implantado em outras áreas do cérebro, responsáveis por outros processos corporais. Embora em um futuro ainda mais distante, a empresa afirma também que, potencialmente, seu sistema poderá ser utilizado para restabelecer o movimento de braços e pernas em alguns tipos de deficiência motora. (Site inovação tecnológica)

1. Lendo essa notícia é possível dizer que os cientistas de hoje compreendem o corpo humano como uma máquina da mesma forma que Descartes compreendia? Justifique sua resposta.

2. De acordo com essa notícia é possível afirmar que os cientistas consideram o conceito de “alma” importante para as suas pesquisas? Sim ou não? Explique.

3. Na antiguidade e na Idade Média os filósofos afirmaram que o corpo humano era animado pela psique (alma). Ou seja, era a parte espiritual do indivíduo a responsável pela movimentação da parte corporal. Na notícia acima é possível identificar que os cientistas hoje procuram comprovar essa teoria? Sim ou não? Por quê?

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Essas ideias, diz Descartes, são “a assinatura do Criador” no espírito das criaturas racionais, e a razão é a luz natural inata que nos permite conhecer a verdade. Como as ideias inatas são colocadas em nosso espírito por Deus, serão sempre verdadeiras, isto é, sempre corresponderão integralmente às coisas a que se referem, e, graças a elas, podemos julgar quando um conhecimento que adquirido pelos órgãos dos sentidos é verdadeiro ou falso e saber que as ideias fictícias (fantasias) são sempre falsas (não correspondem a nada fora de nós). O filósofo inglês John Locke (1632-1704) critica as ideias inatas de Descartes, afirmando que a alma é como uma tábula rasa (uma tábua onde não há inscrições), como uma cera onde não houvesse qualquer impressão, e o conhecimento só começa após a experiência sensível. Se houvesse ideias inatas, as crianças já as teriam: além disso, a ideia de Deus não se encontra em toda parte, pois há povos sem nenhuma representação de Deus ou, pelo menos, sem a representação de um ser perfeito. Locke explica que nossos conhecimentos começam com a experiência dos sentidos, isto é, com as sensações. Os objetos exteriores excitam nossos órgãos dos sentidos e vemos cores, sentimos sabores e odores, ouvimos sons, sentimos a diferença entre o áspero e o liso, o quente e o frio, etc. As sensações se reúnem e formam uma percepção; ou seja, percebemos uma única coisa ou um único objeto que nos chegou por meio de várias e diferentes sensações. Assim, vejo uma cor vermelha e uma forma arredondada, aspiro um perfume adocicado, sinto a maciez e digo: “Percebo uma rosa”. A “rosa” é o resultado da reunião de várias sensações diferentes num único objeto de percepção. As ideias, trazidas pela experiência, isto é, pela sensação, pela percepção e pelo hábito, são levadas à memória e, de lá, à alma as apanha para formar os pensamentos PENSANDO NOSSO TEMPO - Leia a notícia abaixo para responder as questões relacionadas ao tema que estamos estudando.

A ALMA CABE EM UM CHIP? Universidade árabe cria um robô com aparência humana e outro pronto para ser seu amigo. E agora vem

o melhor: juntar os dois androides

por Denise Dalla Colleta

De um lado, um amontoado disforme de lata, chips, molas e lentes capazes de proezas sobre-humanas. De outro, feições e corpos parecidos com os nossos, mas que fazem pouco além de balbuciar algumas palavras e mexer sobrancelhas, boca e olhos. Assim caminhou a robótica. Até que centros como o Laboratório de Mídia e Robôs Interativos (IRML), da Universidade dos Emirados Árabes Unidos, resolveram criar robôs com corpo e, vá lá, alma. O caminho que o laboratório está trilhando reproduz a divisão do mundo robótico. A pesquisa é feita em partes separadas, mas que serão unidas no final, o que dará à luz um androide à nossa imagem e semelhança. Para começar, foi desenvolvido o primeiro robô humanoide que fala árabe, o IbnSina. Essa parte “corpo” da pesquisa é capaz de compreender palavras na língua da maioria dos pesquisadores envolvidos no projeto — árabe, inglês, grego e até português —, piscar e produzir expressões faciais. “Nós temos capacidades cognitivas absurdas para ler emoções e intenções em qualquer criatura com a nossa aparência. É óbvio que, para se comunicar com naturalidade, os robôs devem herdar isso dos homens”, diz Nikolaos Mavridis, diretor do laboratório. A parte “alma” do projeto tem jeito de primo pobre do Wall-E, o robozinho da Pixar. Sarah é o primeiro robô a ter conta no site de relacionamentos Facebook. A meta aqui foi criar um androide capaz de reconhecer e ter relacionamento íntimo com humanos. E com algumas vantagens inatingíveis para nós: eles

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conseguirão gerenciar círculos sociais enormes e ter memórias perfeitas do passado. Para os cientistas, isso não significa que uma forma de relacionamento mais completa esteja surgindo. “Não dá para prever as interações que irão aparecer”, afirma o diretor. Por enquanto, só uma certeza: quando Sarah e IbnSina formarem um ser só, de corpo e alma, você terá a chance de iniciar um relacionamento com um amigo que será mais assíduo do que 85% das pessoas que estão hoje no seu Facebook ou Orkut.

Fonte: http://revistagalileu.globo.com

1. Isto que os cientistas estão chamando de alma se assemelha ao que Platão chamava de alma? Sim ou não? Por quê? 2. É possível ver semelhanças entre o quê John Locke chamava de alma e o quê os cientistas estão chamando de alma no robô. Explique qual é essa semelhança. 4. LA METTRIE: ALMA PARA QUÊ?

Julien Offray de La Mettrie (25 de Dezembro de 1709 - 11 de Novembro de 1751) foi um médico e filósofo francês e um dos primeiros escritores a escrever sobre o materialismo na Era do Iluminismo. Leitor de Descartes, La Mettrie concordava que o corpo humano funciona como uma máquina. Contudo, discordando de Descartes, La Metrrie, julgava que não havia nada além do corpo, não havia uma alma. La Mettrie expôs essa ideia no bombástico livro O homem-máquina. Graças a publicação do livro expulsaram-no da França. Acompanhado da fama de filósofo maldito e perseguido, ele atravessou a fronteira da Prússia em busca de abrigo. Frederico, o Grande, o déspota esclarecido, deu-lhe acolhida.

IbnSina, o “corpo”... • Aparência humana • Fala árabe e está “aprendendo” outras línguas • Imita expressões humanas • Contém 26 motores localizados em pontos estratégicos, sempre com o intuito de expressar sentimentos

...e Sarah, a “alma” • Não tem a menor preocupação com aparência • Anda pelo ambiente à procura de faces humanas para conversar • Lembra-se das pessoas que conheceu • Tem perfil no Facebook e bate papo com pessoas por lá também

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Para La Mettrie a palavra alma é só um conceito vazio. Toda atividade humana é compreensível pelo estudo do funcionamento do corpo. Aquilo que Descartes chamava de paixões da alma, como a raiva, a alegria, a tristeza, para La Mettrie são apenas resultados de atividades do cérebro. Ações como pensar ou imaginar também são explicadas pelo funcionamento do cérebro. Para La Mettrie é uma grande perda de tempo falar de alma, a única coisa existente é a matéria, por isso sua teoria é chamada de materialista.

ESTUDO DIRIGIDO - O texto abaixo é um trecho do livro O homem-máquina do francês La Mettrie. Leia e interprete para responder as questões depois. O corpo humano é uma máquina tão perfeita que organiza por si mesmo seus recursos, viva imagem do movimento perpétuo1. Os alimentos sustentam o que a febre estimula. Sem eles a alma adoece, presa do furor, e morre abatida. Os diversos estados de alma são (...) sempre correlatos2 aos do corpo (...). Mas, à medida que todas as faculdades da alma dependem de tal forma da organização peculiar do cérebro e de todo o corpo, a ponto de se identificar evidentemente com essa organização, eis uma máquina muito inteligente. [...] A alma nada mais é (...) do que uma palavra vazia, à qual não corresponde nenhuma ideia e da qual o homem razoável não deve se servir senão para designar a parte pensante em nós. Uma vez admitido o mínimo princípio de movimento, os corpos animados têm tudo o que lhes é preciso para se mover, sentir, pensar, se arrepender e, em suma, se comportar, tanto na vida física como na vida moral, que dela depende.

(La Mettrie. O homem-máquina) 1Perpétuo: eterno. 2Correlatos: análogos; semelhantes. 1. Para La Mettrie a palavra alma deve ser utilizada para designar o quê? 2. De acordo com o texto, o corpo precisa de uma alma para se movimentar? 3. Os diversos estados de alma (alegria, tristeza, raiva) dependem do quê?

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II. VOCÊ É LIVRE? Para começarmos a discutir o assunto dessa unidade vamos ler a notícia abaixo:

Na notícia acima vemos que cientistas tentam explicar a pedofilia por meio de uma anomalia do cérebro. Ou seja, os pedófilos têm uma modificação no cérebro diferente dos não-pedófilos. No entanto, se aceitarmos a ideia de que as ações do pedófilo são em decorrência dessa anomalia, como podemos dizer que ele é responsável por suas ações? O pedófilo age livremente? Ele escolhe agir de determinada forma e não de outra? Definir se o homem é livre, isto é, se é responsável ou não por suas escolhas e ações é uma questão filosófica fundamental. Toda sociedade não tem como se esquivar dessa questão também. O cérebro comanda uma série de funções do corpo humano, não temos o poder de desligá-lo e fazê-lo funcionar novamente. Seria ele também responsável por todas as nossas escolhas? No entanto, em um julgamento, como seria possível acusar um criminoso de assassinato, sendo que ele possui uma anomalia no cérebro? Ele não tem culpa de ter aquela anomalia, como pode ser então responsabilizado por suas ações? A partir do momento que todas as ações humanas começam a ser explicadas por relações de causa e efeito, o espaço da liberdade diminui cada vez mais, ou seja, o ser humano se torna menos responsável pelos seus atos. No entanto, é possível também afirmarmos que o ser humano é um animal tão superior aos outros que todas as suas ações não são influenciadas por nada? Uma criança que cresce em uma família extremamente violenta e cheia de miséria não sofre nenhuma influência desse ambiente? Uma pessoa que nasceu em uma grande metrópole como São Paulo, seria a mesma pessoa, fazendo as mesmas escolhas e tendo as mesmas ações, se tivesse nascido em uma tribo indígena na floresta amazônica? Uma criança que sofreu abuso sexual cresceria da mesma forma se não tivesse sofrido esses abusos? Todas essas questões foram levantadas para chamar a atenção para duas propostas distintas de explicação das escolhas e ações humanas. A primeira proposta é chamada de determinismo. Como veremos mais adiante existem diferentes formas de determinismo, no entanto, o que caracteriza as teorias deterministas é que todo comportamento humano é explicado por relações de causa e feito. Isto significa, toda ação, toda escolha humana nada mais é do que o efeito de uma determinada causa. Deste modo, conhecendo as causas

Origem da pedofilia pode estar no cérebro, diz estudo

Notícia folha UOL. 28/11/2007 - 15h45 A origem dos abusos sexuais contra as crianças poderia estar no cérebro, de acordo com um estudo do Centro de Dependência e Saúde Mental dos Estados Unidos divulgado nesta quarta-feira pela revista "Psychiatric Research". Na pesquisa foi utilizado um avançado método de análise que comparou a atividade cerebral de um grupo de pedófilos com a de autores de delitos não sexuais. Segundo os cientistas, os pedófilos revelaram ter uma quantidade consideravelmente menor de "massa branca", que é responsável por conectar as diferentes partes do cérebro. Os pesquisadores indicaram que os resultados do estudo põem em xeque a crença generalizada de que a pedofilia é resultado de um trauma ou de abusos sofridos durante a infância. Por outro lado, esta descoberta é a prova mais concreta que as origens do problema estão no cérebro, acrescentaram.

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podemos entender o comportamento das pessoas, e até exercer um controle sobre suas ações, escolhas, pensamento e sentimentos. A segunda proposta de explicação do comportamento humano é chamada de teoria da liberdade incondicional ou indeterminismo. Segundo esse modelo de explicação, o homem age livremente não se deixando influenciar por nada. Seu comportamento não é determinado por causas precedentes, ele é o único responsável por suas escolhas e ações, não se deixando influenciar nem pelo ambiente em que vive, nem por possíveis anomalias genéticas. 1. OS DIFERENTES TIPOS DE DETERMINISMO As Moiras, divindades da mitologia grega, são três irmãs que dirigem o movimento das esferas celestes, a harmonia do mundo e a sorte dos mortais. Elas presidem o destino (moira, em grego) e dividem entre si as diversas funções: Cloto, que significa "fiar", tece os fios dos destinos humanos; Láquesis, que significa "sorte", põe o fio no fuso; Átropos, ou seja, "inflexível", corta impiedosamente o fio que mede a vida de cada mortal. Está implícita nesse mito a ideia de que a ação humana se acha ligada aos desígnios divinos. Os relatos de Homero e Hesíodo revelam como os heróis até se orgulham de ser escolhidos por certos deuses, que os fazem seus protegidos, defendendo-os da ação malévola de outros deuses. Vamos ler agora a citação do psicólogo americano Watson: "Dêem-me doze crianças sadias, de boa constituição, e a permissão de poder criá-las à minha maneira. Tenho a certeza de que, se escolher uma delas ao acaso, e puder educá-la, convenientemente, poderei transformá-la em qualquer tipo de especialista que eu queira - médico, advogado, artista, grande comerciante, e até mesmo em mendigo e ladrão -, Independente de seus talentos, propensões, tendências, aptidões, vocações e da raça de seus ascendentes". Prosseguindo nesse ideal de controle do comportamento, Skinner, outro psicólogo experimental, imagina uma utopia no romance Walden II, onde todos os atos humanos seriam cientificamente planejados e controlados. Aí as pessoas são felizes, pois os técnicos e cientistas cuidam para que elas queiram fazer precisamente as coisas que são melhores para elas e para a comunidade. Nesse mundo, as questões sobre determinismo e liberdade são reduzidas a pseudo-questões de origem linguística. O mito relatado no primeiro parágrafo perde-se no tempo da história da Grécia Antiga. Homero talvez tenha vivido no século IX a.C. e sabe-se que ele apenas recolheu as histórias transmitidas desde longo tempo pela tradição oral. Já os americanos Watson e Skinner, psicólogos da corrente comportamentalista, são nossos contemporâneos. O que distingue essas duas posições tão distantes no tempo é que a primeira é mítica e a segunda, científica, O que as aproxima é que, em ambos os casos, inexiste a liberdade humana, porque no mito o homem se acha submetido ao destino inexorável, e no discurso científico daqueles psicólogos o homem está sujeito ao determinismo. Segundo o determinismo científico, tudo que existe tem uma causa. O mundo explicado pelo princípio do determinismo é o mundo da necessidade, e não o da liberdade. Necessário significa tudo aquilo que tem de ser e não pode deixar de ser. Nesse sentido, a necessidade é o oposto de contingência, que significa o que pode ser de um jeito ou de outro. Exemplificando: se aqueço uma barra de ferro, ela se dilata; a dilatação é necessária, no sentido de que é um efeito inevitável, que não pode deixar de ocorrer. No entanto, é contingente que neste momento eu esteja usando roupa vermelha ou amarela. Ora, se a ciência não partisse do pressuposto do determinismo, seria impossível estabelecer qualquer lei. A física, a química, a biologia se constituíram em ciências ao longo dos três últimos séculos procurando descobrir as relações constantes e necessárias entre os fenômenos. Não haveria conhecimento científico se tudo fosse contingente, isto é, pudesse acontecer ora de uma forma, ora de outra. Já no século XVIII, os materialistas franceses D'Holbach

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e La Mettrie explicam os atos humanos como simples elos de uma cadeia causal universal, o físico Laplace resumiu assim esse determinismo: "Um calculador divino, que conhecesse a velocidade e a posição de cada partícula do universo num dado momento, poderia predizer todo o curso futuro dos acontecimentos na infinidade do tempo". No século XIX, o positivismo, na ânsia de aplicar o mesmo método das ciências da natureza às ciências humanas, estende a estas o determinismo, considerando a escolha livre uma mera ilusão. Hippolyte Taine (1828 -1893) tornou-se conhecido, sobretudo pelas leis da sociologia, segundo as quais toda vida humana social se explicaria por três fatores: - a raça, que é a grande força biológica dos caracteres hereditários determinantes do comportamento do indivíduo; - o meio, pelo qual o indivíduo se acha submetido aos fatores geográficos (como o clima, por exemplo), bem como ao ambiente sócio-cultural e às ocupações cotidianas da vida; - o momento, pelo qual o indivíduo é fruto da época em que vive, estando subordinado a uma determinada maneira de pensar característica do seu tempo. O pressuposto do pensamento de Taine é o determinismo, pois o ato humano não é livre, já que é causado por esses fatores e deles não pode escapar.

ESTUDO DIRIGIDO - Leia e interprete o texto abaixo do psicólogo comportamentalista Skinner. A seguir responda as questões a respeito do determinismo. O uso dos reflexos condicionados1 no controle prático do comportamento dá uma boa medida de seu campo de ação. Os reflexos relativos à economia interna do organismo raramente são de importância prática para outras pessoas, mas pode haver ocasiões em que estejamos interessados em fazer alguém ruborizar-se2, ou rir, ou chorar, e então recorremos a estímulos condicionados ou incondicionados. (...) Também usamos o processo para dispor o controle do comportamento em ocasiões futuras. Na educação patriótica e religiosa, por exemplo, as respostas emocionais a bandeiras, insígnias, símbolos e rituais estão condicionadas de modo que esses estímulos sejam eficazes em ocasiões futuras. Uma das "curas" comumente propostas para o fumar ou beber excessivo consiste em adicionar substâncias que induzam a náuseas, indisposições e outras consequências da bebida e do fumo. Quando mais tarde a bebida e o fumo forem vistos ou provados, respostas semelhantes são eliciadas3 como resultado do condicionamento. Estas respostas podem competir com o comportamento de beber e fumar, como que lhes "tirando toda a graça". Um condicionamento desta espécie consiste no tratamento de um sintoma, e não da causa, mas isto ajuda o paciente a parar de beber ou fumar por outras razões.

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2. TEORIA DA LIBERDADE INCONDICIONAL OU INDETERMINISMO Contrapondo-se ao determinismo, há teorias que enfatizam a possibilidade da liberdade humana absoluta, do livre-arbítrio, segundo o qual o homem tem o poder de escolher um ato ou não, independentemente das forças que o constrangem. Segundo essa perspectiva, ser livre é decidir e agir como se quer, sem qualquer determinação causal, quer seja exterior (ambiente em que se vive), quer seja interior (desejos, caráter). Mesmo admitindo que tais forças existam, o ato livre pertence a uma esfera independente em que se perfaz a liberdade humana. Ser livre é, portanto, ser incausado. Bossuet (séc. XVII), no Tratado sobre o livre -arbítrio, diz o seguinte: "Por mais que eu procure em mim a razão que me determina, mais sinto que eu não tenho nenhuma outra senão apenas a minha vontade: sinto aí claramente minha liberdade, que consiste unicamente em tal escolha. É isto que me faz compreender que sou feito à imagem de Deus".

Treinar um soldado é em parte condicionar respostas emocionais. Se retratos do inimigo, sua bandeira etc., forem associados a histórias ou fotografias de atrocidades, uma reação agressiva semelhante provavelmente ocorrerá quando o inimigo for encontrado. As razões favoráveis são obtidas em geral da mesma maneira. Respostas a alimentos apetecíveis4 são facilmente transferidas para outros objetos. Assim como "detestamos" a bebida ou o fumo que nos deixam doentes, também "gostamos" dos estímulos que acompanham alimentos agradáveis. O vendedor bem-sucedido é aquele que paga bebidas ao seu cliente ou convida-o para jantar. O vendedor não está apenas interessado nas reações gástricas, mas sim na predisposição favorável do cliente a seu respeito e com relação ao seu produto; esta predisposição, como veremos mais tarde, também decorre da associação de estímulos. Nem todos os reforços que estabelecem predisposições desta espécie são gastronômicos. Como os publicitários bem o sabem, as respostas e as atitudes eliciadas por lindas garotas, bebês e cenas agradáveis podem ser transferidas para marcas, produtos, estampas de produtos, e assim por diante.

(B. Skinner, Ciência e comportamento humano, São Paulo, Martins Fontes, 1985, p. 65 -67.)

1Reflexos condicionados: resposta psicofísica produzida artificialmente por um estímulo externo ((p.ex., se durante algum tempo se toca uma sineta toda vez que o alimento é servido a um animal, como o cão, o soar da sineta sozinho passa a provocar no animal salivação e maior produção de suco gástrico, reações que são inatas quando o alimento é percebido pela visão, olfato ou gustação). 2Ruborizar: avermelhar. 3Eliciadas: expelidas. 4Apetecíveis: apetitosos; desejáveis.

1. Por que o texto acima pode ser encarado como uma proposta determinista de explicação do comportamento humano? Justifique. 2. Lendo o texto acima é possível afirmar que a aplicação de teorias deterministas proporciona mais vantagens ou desvantagens para a vida humana? Justifique. 3. Quais profissionais, mostrados no texto, põem em prática a ideia determinista de condicionamento do comportamento humano? Explique.

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ATIVIDADES 1. Nos quadrinhos abaixo é possível identificar tanto ideias das teorias que defendem o “determinismo” quanto das teorias que defendem a “liberdade incondicional”. Analise os quadrinhos abaixo identificando em qual deles é defendido o “determinismo” e em qual é defendido a “liberdade incondicional”. Justifique suas análises. A)

B)

2. Analisando a charge abaixo é possível dizer que a publicidade seja capaz de determinar as ações e escolhas das pessoas? Justifique tomando por base a situação mostrada na charge.

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3. LIBERDADE OU DETERMINISMO? Mas afinal de contas, o homem é totalmente determinado ou totalmente indeterminado? Quais teorias estão certas as que explicam o comportamento humano por relações causa-efeito ou as que dizem que o homem é completamente livre? Parece que ambas as teorias tem um pouco de razão, mas as duas também parecem exagerar. Parece que conciliar o determinismo com o indeterminismo é a atitude mais acertada. Pensemos na seguinte situação. O homem nas sociedades primitivas ao se encontrar ameaçado pela natureza viu que havia necessidades de abrigo para ele se proteger. Ou seja, utilizar abrigos para se proteger foi uma determinação da natureza, a natureza é a causa que leva o homem a construir uma moradia. No entanto, a forma como o homem vai criar esse abrigo varia de região para região, de tribo para tribo. Alguns podem utilizar cavernas para moradia, outros podem construir elas com palha, outros com bambu. Se construir um abrigo é algo determinado pela natureza, a forma como irei construí-lo e depois organizar a aldeia é um ato livre. Podemos dizer que tal ato é livre, pois não está programada na natureza humana a forma como os homens devem construir seus abrigos. O mesmo não acontece com os animais, seu comportamento é todo programado pela natureza. Vejamos o caso de uma famosa ave brasileira o “joão-de-barro”. Este pássaro é famoso por construir seus ninhos de barro no formato de um forno. O joão-de-barro independente do local que ele esteja ele vai sempre construir seus ninhos da mesma forma, utilizando o mesmo material. Além disso, o joão-de-barro não precisa ser ensinado como construir o seu ninho, ele já é determinado pela natureza a construí-lo, ele age instintivamente e não há espaço para agir de outra forma. Vemos na história da filosofia uma variedade de autores que tentaram conciliar a liberdade com o determinismo, vejamos um deles, o francês Jean-Jacques Rousseau (1772-1778). O filósofo francês observa que várias das atividades do nosso corpo ocorrem independentes de nossa vontade. Pensemos no caso do espirro, é uma atividade totalmente involuntária, uma determinação da natureza, onde nosso organismo pretende expulsar um corpo estranho. No entanto, mesmo a natureza nos determinando buscamos agir contra ela várias vezes. Pense numa pessoa que sempre quando come determinada comida tem uma irritação no estômago. A natureza dá uma determinação a essa pessoa, não coma determinada comida, pois não fará bem a você. No entanto, essa pessoa mesmo sabendo desse problema insiste em contrariar os sinais que o seu corpo lhe dá e continua comendo tal comida. A liberdade humana se manifesta então nessa atitude de poder agir contrariando aquilo que a natureza determina. Mas é claro, essa liberdade tem sempre um limite. Ninguém é livre para parar o coração e depois ligá-lo de novo, no entanto somos livres para comer uma comida não saudável mesmo a natureza determinando que não a comamos.

ESTUDO DIRIGIDO - Leia e interprete os textos abaixo para em seguido responder as questões.

As meninas-lobo Na Índia, onde os casos de meninos-lobo foram relativamente numerosos, descobriram-se, em 1920, duas crianças, Amala e Kamala, vivendo no meio de uma família de lobos. A primeira tinha um ano e meio e veio a morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito anos de idade, viveu até 1929. Não tinham nada de humano e seu comportamento era exatamente semelhante àquele de seus irmãos lobos. Elas caminhavam de quatro patas apoiando-se sobre os joelhos e cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os trajetos longos e rápidos. Eram incapazes de permanecer de pé. Só se alimentavam de carne crua ou podre, comiam e bebiam como os animais, lançando a cabeça para frente e lambendo os líquidos.

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Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunhadas e prostradas numa sombra; eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando fugir e uivando como lobos. Nunca choraram ou riram. Kamala viveu durante oito anos na instituição que a acolheu, humanizando-se lentamente. Ela necessitou de seis anos para aprender a andar e pouco antes de morrer só tinha um vocabulário de cinquenta palavras. Atitudes afetivas foram aparecendo aos poucos. Ela chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou lentamente às pessoas que cuidaram dela e às outras crianças com as quais conviveu. A sua inteligência permitiu-lhe comunicar-se com outros por gestos, inicialmente, e depois por palavras de um vocabulário rudimentar, aprendendo a executar ordens simples. (B. Reymond, Le développement social de l'enfant et de 1'adolescent, Bruxelas, Dessart,1965, p.12-14, apud C. Capalbo, Fenomenologia e ciências humanas, Rio de Janeiro, J. Ozon Ed., p. 25-26.) 1. O texto passa a ideia de que os seres humanos são completamente determinados pela natureza em suas ações assim como os animais? Sim ou não? Por quê? 2. O texto indica que o meio em que as pessoas vivem não interfere no que elas são? Sim ou não? Por quê?

3. O texto mostra que até o modo como se executa os movimentos corporais é resultado de processos de aprendizagem, ou seja, as pessoas não nascem sabendo como se executam determinados movimentos do seu corpo. Indique um trecho do texto que exemplifique essa ideia. 4. O texto fala que as meninas-lobo com o tempo começaram a se humanizar. O que o autor quer dizer com isso? Que comportamento das garotas é usado como exemplo para descrever esse processo de humanização?

O homem e o animal Não vejo em todo animal senão uma máquina engenhosa, à qual a natureza deu sentidos para prover-se1 ela mesma, e para se preservar, até certo ponto, de tudo o que tende a destruí-la ou perturbá-la. Percebo precisamente as mesmas coisas na máquina humana, com a diferença de que só a natureza faz tudo nas operações do animal, ao passo que o homem concorre para as suas na qualidade de agente livre. Um escolhe ou rejeita por instinto, o outro por um ato de liberdade, o que faz com que o animal não possa afastar-se da regra que lhe é prescrita, mesmo quando lhe fosse vantajoso fazê-lo, e que o homem dela se afaste freqüentemente em seu prejuízo. É assim que um pombo morre de fome perto de uma vasilha cheia das melhores carnes, e um gato sobre uma porção de frutas ou de grãos, embora ambos pudessem nutrir-se com os alimentos que desdenham2, se procurassem experimentá-lo; é assim que os homens dissolutos3 se entregam a excessos que lhes ocasionam a febre e a morte, porque o espírito deprava os sentidos, e a vontade fala ainda quando a natureza se cala. [...] A natureza manda em todo animal, e a besta obedece. O homem experimenta a mesma impressão, mas se reconhece livre de aquiescer4 ou de resistir; e é sobretudo na consciência dessa liberdade que se mostra a espiritualidade de sua alma; porque a física explica de certa maneira o mecanismo dos sentidos e a formação das ideias; mas, no poder de querer, ou melhor, de escolher, e no sentimento desse poder, só se encontram atos puramente espirituais, dos quais nada se pode explicar pelas leis da mecânica. (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os

homens)

1Prover: abastecer do que for necessário. 2Desdenham: do verbo desdenhar (desdenhar: tratar com desprezo). 3Dissolutos: de maus costumes. 4Aquiescer: consentir; permitir.

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4. MATERIALISMO HISTÓRICO: AS DETERMINAÇÕES MATERIAIS DA VIDA HUMANA

O problema liberdade-determinismo também foi estudado pelo filósofo alemão Karl Marx (1818-1883). Marx buscou explicar que a base econômica da sociedade é o elemento que determina a vida humana. Ele fez isso por meio de sua teoria chamada de “materialismo histórico”. O materialismo histórico é a explicação da história por fatores materiais, ou seja, econômicos e técnicos. Marx inverte o processo do senso comum que pretende explicar a história pela ação dos "grandes homens", ou, às vezes, até pela intervenção divina. Para o marxismo, no lugar das ideias, estão os fatos materiais; no lugar dos heróis, a luta de classes. Em outras palavras, o que Marx explicitou foi que, embora possamos tentar compreender e definir o homem pela consciência, pela

linguagem, pela religião, o que fundamentalmente o caracteriza é a forma pela qual reproduz suas condições de existência. Para Marx , a sociedade se estrutura em níveis. O primeiro nível, chamado de infra-estrutura, constitui a base econômica (que é determinante, segundo a concepção materialista). Engloba as relações do homem com a natureza, no esforço de produzir a própria existência, e as relações dos homens entre si. Ou seja, as relações entre os proprietários e não-proprietários, e entre os não-proprietários e os meios e objetos do trabalho. O segundo nível, político-ideológico, é chamado de superestrutura. É constituído: a) pelo aparato jurídico-político representada pelo Estado e pelo direito: segundo Marx, a relação de exploração de classe no nível econômico repercute na relação de dominação política, estando o Estado a serviço da classe dominante. b) pelo aparto ideológico referente às formas da consciência social, tais como a religião, as leis, a educação, a literatura, a ciência, a arte etc. Também nesse caso ocorre a sujeição ideológica da classe dominada, cuja cultura e modo de vida reflete as idéias e os valores da classe dominante. Vamos exemplificar como a infra-estrutura determina a superestrutura, comparando valores de dois diferentes períodos da história. A moral medieval valoriza a coragem e a ociosidade da nobreza ocupada com a guerra, bem como a fidelidade, que é a base do sistema de suserania e vassalagem; do ponto de vista do direito, num mundo cuja riqueza é a posse de terras, considera-se ilegal (e imoral) o empréstimo a juros. Já na Idade Moderna, com o advento da burguesia, o trabalho é valorizado e, consequentemente, critica-se a ociosidade; também ocorre a

1. Para Rousseau, o que as leis da mecânica não podem explicar e o que ela pode explicar? 2. Para Rousseau, as ações livres do homem podem lhe causar prejuízo? Explique. 3. De acordo com o texto, quais semelhanças há entre o homem e o animal? E qual é a diferença?

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legalização do sistema bancário, o que exige a revisão das restrições morais aos empréstimos. A religião protestante confirma os novos valores por meio da doutrina da predestinação, considerando o enriquecimento um sinal da escolha divina. Conforme os exemplos, as manifestações da superestrutura (no caso, moral e direito) são determinadas pelas alterações da infra-estrutura decorrentes da passagem econômica do sistema feudal para o capitalista. Portanto, para estudar a sociedade não se deve, segundo Marx, partir do que os homens dizem, imaginam ou pensam, e sim da forma como produzem os bens materiais necessários à sua vida. Analisando o contrato que os homens estabelecem com a natureza para transformá-la por meio do trabalho e as relações entre si é que se descobre como eles produzem sua vida e suas ideias. No entanto, essas determinações não são eternas: ao tomar conhecimento das contradições, o homem pode agir ativamente sobre aquilo que o determina. Ou seja, é porque o homem é livre que ele pode revolucionar a infra-estrutura que determina o seu modo de vida.

ESTUDO DIRIGIDO - Leia e interprete o texto abaixo de Karl Marx para poder responder as questões.

Prefácio à Contribuição à crítica da economia política

Nas minhas pesquisas cheguei à conclusão de que as relações jurídicas - assim como as formas de Estado- não podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela dita evolução geral do espírito humano, inserindo-se pelo contrário nas condições materiais de existência [..]; por seu lado, a anatomia1 da sociedade civil deve ser procurada na economia política. (.) A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio condutor dos meus estudos, pode formular-se resumidamente assim: na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência. Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se no seu entrave2. Surge então uma época de revolução social. A transformação da base econômica altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura. (Karl

Marx)

1Anatomia: exame detalhado. 2Entrave: barreira.

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1. Explique o papel da produção da existência material nas sociedades humanas? 2. O quê determina a consciência dos homens? 3. Explique o quê é a estrutura econômica da sociedade.

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III. O TRABALHO

A concepção de trabalho sempre esteve predominantemente ligada a uma visão negativa. Na Bíblia, Adão e Eva vivem felizes até que o pecado provoca sua expulsão do Paraíso e a condenação ao trabalho com o "suor do seu rosto". A Eva coube também o "trabalho" do parto. A etimologia da palavra trabalho vem do vocábulo latino tripaliare, do substantivo tripalium, aparelho de tortura formado por três paus, ao qual eram atados os condenados, e que também servia para manter presos os animais difíceis de ferrar. Daí a associação do trabalho com tortura, sofrimento, pena, labuta. Na Antiguidade grega, todo trabalho manual é desvalorizado por ser feito por escravos, enquanto a atividade teórica, considerada a mais digna do homem, representa a essência fundamental de todo ser racional. Para Platão, por exemplo, a finalidade dos homens livres é justamente a "contemplação das idéias". Também na Roma escravagista o trabalho era desvalorizado. É significativo o fato de a palavra negocium indicar a negação do ócio: ao enfatizar o trabalho como "ausência de lazer", distingue-se o ócio como prerrogativa dos homens livres. Na Idade Média, Santo Tomás de Aquino procura reabilitar o trabalho manual, dizendo que todos os trabalhos se equivalem, mas, na verdade, a própria construção teórica de seu pensamento, calcada na visão grega, tende a valorizar a atividade contemplativa. Muitos textos medievais consideram a ars mechanica (arte mecânica) uma ars inferior. Na Idade Moderna, a situação começa a se alterar: o crescente interesse pelas artes mecânicas e pelo trabalho em geral justifica-se pela ascensão dos burgueses, vindos de segmentos dos antigos servos que compravam sua liberdade e dedicavam-se ao comércio, e que portanto tinham outra concepção a respeito do trabalho. Vemos essa nova concepção de trabalho na filosofia do inglês John Locke (1632-1704). O trabalho não é mais visto como uma atividade de escravos, e sim como uma atividade de homens livres. Por meio do trabalho o homem modifica a natureza e estabelece a propriedade privada, delimitando aquilo que é seu do que é dos outros. O texto a seguir de John Locke vai nos permitir compreender melhor essa nova concepção de trabalho que surge na modernidade.

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ESTUDO DIRIGIDO - O texto abaixo é um trecho do livro Dois tratados sobre o governo civil, de John Locke. Leia e interprete para responder as questões. Ainda que a terra e todas as criaturas inferiores pertençam em comum a todos os homens, cada um guarda a propriedade de sua própria pessoa; sobre esta ninguém tem qualquer direito, exceto ela. Podemos dizer que o trabalho de seu corpo e a obra produzida por suas mãos são propriedade sua. Sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e deixou, mistura nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso o tornando sua propriedade. Ao remover este objeto do estado comum em que a natureza o colocou, através do seu trabalho adiciona-lhe algo que excluiu o direito comum dos outros homens. Sendo este trabalho uma propriedade inquestionável do trabalhador, nenhum homem, exceto ele, pode ter o direito ao que o trabalho lhe acrescentou, pelo menos quando o que resta é suficiente aos outros, em quantidade e em qualidade.

Aquele que se alimentou com frutos que colheu sob um carvalho, ou das maçãs que retirou das árvores na floresta, certamente se apropriou deles para si. Ninguém pode negar que a alimentação é sua. Pergunto então: Quando começaram a lhe pertencer? Quando os digeriu? Quando os comeu? Quando os cozinhou? Quando os levou para casa? Ou Quando os apanhou? E é evidente que se o primeiro ato de apanhar não os tornasse sua propriedade, nada mais poderia fazê-lo. Aquele trabalho estabeleceu uma distinção entre eles e o bem comum; ele lhes acrescentou algo além do que a natureza, a mãe de tudo, havia feito, e assim eles se tornaram seu direito privado. Será que alguém pode dizer que ele não tem direito àqueles frutos do carvalho ou àquelas maçãs de que se apropriou porque não tinha o consentimento de toda a humanidade para agir dessa forma? Poderia ser chamado de roubo a apropriação de algo que pertencia a todos em comum? Se tal consentimento fosse necessário, o homem teria morrido de fome, apesar da abundância que Deus lhe proporcionou. Sobre as terras comuns que assim permanecem por convenção, vemos que o fato gerador do direito de propriedade, sem o qual essas terras não servem para nada, é o ato de tomar uma parte qualquer dos bens e retirá-la do estado em que a natureza a deixou. E este ato de tomar esta ou aquela parte não depende do consentimento expresso de todos. Assim, a grama que meu cavalo pastou, a relva que meu criado cortou, e o ouro que eu extraí em qualquer lugar onde eu tinha direito a eles em comum com outros, tornaram-se minha propriedade sem a cessão ou o consentimento de ninguém. O trabalho de removê-los daquele estado comum em que estavam fixou meu direito de propriedade sobre eles. [...] Quando Deus deu o mundo em comum a toda a humanidade, também ordenou que o homem trabalhasse, e a penúria de sua condição exigia isso dele. Deus e sua razão ordenaram- lhe que submetesse a terra, isto é, que a melhorasse para beneficiar sua vida, e, assim fazendo, ele estava investindo uma coisa que lhe pertencia: seu trabalho. Aquele que, em obediência a este comando divino, se tornava senhor de uma parcela de terra, a cultivava e a semeava, acrescentava-lhe algo que era sua propriedade, que ninguém podia reivindicar nem tomar dele sem injustiça.

(Locke, John. Dois tratados sobre o governo civil)

1. Como Locke explica o surgimento da propriedade privada? 2. Para Locke, o surgimento da propriedade privada depende de um contrato entre todos os homens? Sim ou não? Justifique. 3. De acordo com o texto, qual foi o comando divino dado ao homem? Quais vantagens teriam as pessoas obedientes a tal comando?

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1. TRABALHO E ALIENAÇÃO

Nas sociedades modernas onde foi implantando o sistema capitalista o trabalho não se configurou como uma atividade de homens livres. Embora seja propagandeado que o contrato de trabalho seja um contrato livremente firmado entre as partes, isto é patrão e empregado, o operário não escolhe o horário nem o ritmo de trabalho e passa a ser comandado de fora, por forças estranhas a ele. Por ser muitas vezes a única opção que o operário tem para não passar fome, ele se submete a tais condições. Além disso, o trabalho não se mostrou um meio para a produção da propriedade privada para o trabalhador. Quanto mais o trabalhador trabalha, maior se torna a propriedade privada de seus patrões. É nesse contexto que Karl Marx (1818-1883) desenvolve sua teoria sobre a alienação do trabalho. Etimologicamente a palavra alienação vem do latim alienare, alienas, que significa "que pertence a um outro". E outro é alienus. Sob determinado aspecto, alienar é tornar alheio, transferir para outrem o que é seu. Para Marx a alienação por meio do trabalho ocorre de dois modos diferentes. Em primeiro lugar, os trabalhadores, como classe social, vendem sua força de trabalho aos proprietários do capital (donos das terras, das indústrias, do comércio, dos bancos, das escolas, dos hospitais, das frotas de automóveis, de ônibus ou de aviões, etc.). Vendendo sua força de trabalho no mercado da compra e venda de trabalho, os trabalhadores são mercadorias e, como toda mercadoria, recebem um preço, isto é, o salário. Entretanto, os trabalhadores não percebem que foram reduzidos à condição de coisas que produzem coisas; não percebem que foram desumanizados e coisificados. Em segundo lugar, os trabalhos produzem alimentos (pelo cultivo da terra e dos animais), objetos de consumo (pela indústria), instrumentos para a produção de outros trabalhos (máquinas), condições para a realização de outros trabalhos (transporte de matérias-primas, de produtos e de trabalhadores). A mercadoria trabalhador produz mercadorias. Estas, ao deixarem as fazendas, as usinas, as fábricas, os escritórios e entrarem nas lojas, nas feiras, nos supermercados, nos shoppings centers parecem ali estar porque lá foram colocadas (não pensamos no trabalho humano que nelas está cristalizado e não pensamos no trabalho humano realizado para que chegassem até nós) e, como o trabalhador, elas também recebem um preço. O trabalhador olha os preços e sabe que não poderá adquirir quase nada do que está exposto no comércio, mas não lhe passa pela cabeça que foi ele, não enquanto indivíduo e sim como classe social, quem produziu tudo aquilo com seu trabalho e que não pode ter os produtos porque o preço deles é muito mais alto do que o preço dele, trabalhador, isto é, o seu salário. Apesar disso, o trabalhador pode, cheio de orgulho, mostrar aos outros as coisas que ele fabrica, ou, se comerciário, que ele vende, aceitando não possuí-las, como se isso fosse muito justo e natural. As mercadorias deixam de ser percebidas como produtos do trabalho e passam a ser vistas como bens em si e por si mesmas (como a propaganda as mostra e oferece). Na primeira forma de alienação econômica, o trabalhador está separado de seu trabalho – este é alguma coisa que tem um preço; é um outro (alienus), que não o trabalhador. Na segunda forma da alienação

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econômica, as mercadorias não permitem que o trabalhador se reconheça nelas. Estão separadas dele, são exteriores a ele e podem mais do que ele. As mercadorias são igualmente um outro, que não o trabalhador.

2. O CULTO AO TRABALHO Apesar de teorias como as de Marx mostrarem como ocorre o processo de alienação do trabalho nas sociedades capitalistas vivemos uma época em que o “culto ao trabalho” prevalece. A quantidade de empregos ofertados no ano é visto como um critério para se avaliar o progresso das sociedades, as pessoas bem sucedidas são as que trabalham. Ter tempo disponível para não trabalhar é um luxo destinado a poucos. Se submeter a condições degradantes ainda é visto como algo melhor do que não ter um trabalho.

ESTUDO DIRIGIDO - O texto abaixo foi retirado do texto o Manifesto do partido comunista, de Karl Marx. Leia e interprete o texto para responder as questões. Com o desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos operários modernos, que só podem viver se encontrarem trabalho e que só o encontram na medida em que este aumenta o capital. Esses operários, constrangidos a vender-se diariamente, são mercadoria, artigo de comércio como qualquer outro; em conseqüência, estão sujeitos a todas as vicissitudes1 da concorrência, a todas as flutuações do mercado2. O crescente emprego de máquinas e a divisão do trabalho, despojando o trabalho do operário de seu caráter autônomo3, tiraram-lhe todo atrativo. O produtor passa a um simples apêndice4 da máquina e só se requer5 dele a operação mais simples, mais monótona; mais fácil de apreender. Desse modo, o custo do operário se reduz, quase exclusivamente, aos meios de manutenção que lhe são necessários para viver e procriar. Ora, o preço do trabalho, como de toda mercadoria, é igual ao custo de sua produção. Portanto, à medida que aumenta o caráter enfadonho6 do trabalho, decrescem os salários. Quanto mais se desenvolvem o maquinismo e a divisão do trabalho, mais aumenta a quantidade de trabalho, quer pelo prolongamento das horas, quer pelo aumento do trabalho exigido em um tempo determinado, pela aceleração do movimento das máquinas etc. A indústria moderna transformou a pequena oficina do antigo mestre da corporação patriarcal na grande fábrica do industrial capitalista. Massas de operários, amontoadas na fábrica, são organizadas militarmente. Como soldados da indústria, estão sob a vigilância de uma hierarquia completa de oficiais e suboficiais. Não são somente escravos da classe burguesa, do Estado burguês, mas também diariamente, a cada hora, escravos da máquina, do contramestre e, sobretudo, do dono da fábrica. 1Vicissitudes: variações; alternâncias. 2Flutuações do mercado: movimento alternativo de baixa ou alta de valores e mercadorias nas bolsas e nos mercados. 3Autônomo:independente; que comanda a si próprio. 4Apêndice: acessório; complemento. 5Requer: exige; solicita. 6Enfadonho: tedioso; rotineiro.

1. Por que para Marx o operário acaba se tornando uma mercadoria? 2. De acordo com o texto, quais são as conseqüências que o emprego de máquinas na divisão do trabalho traz para o operário? 3. Como Marx descreve a organização das fábricas?

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ESTUDO DIRIGIDO - O texto abaixo é um trecho do livro O direito a preguiça Paul Lafargue. Leia e interprete para depois responder as questões.

Um dogma1 desastroso Uma estranha loucura se apossou das classes operárias das nações onde reina a civilização capitalista. Esta loucura arrasta consigo misérias individuais e sociais que há dois séculos torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda do trabalho, levado até ao esgotamento das forças vitais do indivíduo e da sua progenitora. Em vez de reagir contra esta aberração mental, os padres, os economistas, os moralistas sacrossantificaram2 o trabalho. Homens cegos e limitados, quiseram ser mais sábios do que o seu Deus; homens fracos e desprezíveis, quiseram reabilitar aquilo que o seu Deus amaldiçoara. Eu, que não confesso ser cristão, economista e moralista, recuso admitir os seus juízos como os do seu Deus; recuso admitir os sermões da sua moral religiosa, econômica, livre-pensadora, face às terríveis consequências do trabalho na sociedade capitalista. Na sociedade capitalista, o trabalho é a causa de toda a degenerescência3 intelectual, de toda a deformação orgânica. Comparem o puro-sangue das cavalariças4 de Rothschild, servido por uma criadagem de bímanos5, com a pesada besta das quintas6 normandas7 que lavra a terra, carrega o estrume, que põe no celeiro a colheita dos cereais. Olhem para o nobre selvagem, que os missionários do comércio e os comerciantes da religião ainda não corromperam com o cristianismo, com a sífilis e o dogma do trabalho, e olhem em seguida para os nossos miseráveis criados de máquinas. Quando, na nossa Europa civilizada, se quer encontrar um traço de beleza nativa do homem, é preciso ir procurá-lo nas nações onde os preconceitos econômicos ainda não desenraizaram o ódio ao trabalho. [...] Os Gregos da grande época também só tinham desprezo pelo trabalho: só aos escravos era permitido trabalhar, o homem livre só conhecia os exercícios físicos e os jogos da inteligência.

De um lado temos o aumento de doenças causadas por stress no trabalho, por outro lado temos a repetição de bordões como o “trabalho dignifica o homem”. Quem faz perguntas demais sobre a forma como é realizado esse culto ao trabalho, é visto com maus olhos, ou é um preguiçoso ou um baderneiro.

Apesar de a cada ano serem produzidas novas tecnologias que dispensam o homem de trabalhar, ainda é mantido o discurso: “Trabalhar é preciso!”, ou como diziam as placas nos campos de concentração nazistas, “O trabalho liberta!”. Revoltando-se contra esse culto ao trabalho, o jornalista francês Paul Lafargue (1842-1911) escreveu um provocante livro: O direito à preguiça. Logo abaixo estudaremos uma passagem desse texto.

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Também era a época em que se caminhava e se respirava num povo de Aristóteles, de Fídias, de Aristófanes; era a época em que um punhado de bravos esmagava em Maratona as hordas da Ásia que Alexandre ia dentro em breve conquistar. Os filósofos da antigüidade ensinavam o desprezo pelo trabalho, essa degradação8 do homem livre; os poetas cantavam a preguiça, esse presente dos Deuses: Ó Melibeu, um Deus deu-nos esta ociosidade (Virgílio, Bucólicas). Cristo pregou a preguiça no seu sermão na montanha: "Contemplai o crescimento dos lírios dos campos, eles não trabalham nem fiam e, todavia, digo-vos, Salomão, em toda a sua glória, não se vestiu com maior brilho. (Evangelho segundo Mateus, cap. IV)". Jeová, o deus barbudo e rebarbativo, deu aos seus adoradores o exemplo supremo da preguiça ideal; depois de seis dias de trabalho, repousou para a eternidade. [...] Na nossa sociedade, quais são as classes que amam o trabalho pelo trabalho? Os camponeses proprietários, os pequenos burgueses, uns curvados sobre as suas terras, os outros retidos pelo hábito nas suas lojas, mexem-se como a toupeira na sua galeria subterrânea e nunca se endireitam para olhar com vagar para a natureza. E, no entanto, o proletariado9, a grande classe que engloba todos os produtores das nações civilizadas, a classe que, ao emancipar-se, emancipará a humanidade do trabalho servil e fará do animal humano um ser livre, o proletariado, traindo os seus instintos, esquecendo-se da sua missão histórica, deixou-se perverter pelo dogma do trabalho. Rude e terrível foi a sua punição. Todas as misérias individuais e sociais mereceram da sua paixão pelo trabalho. 1Dogma: ideia ou opinião que não é permitido as pessoas discutirem. 2Sacrossantificaram: tornam algo duplamente sagrado. 3Degenerescência: redução ou declínio de qualidade. 4Cavalariças: alojamento de cavalos. 5Bímano: que tem duas mãos. 6Quinta: propriedade rural. 7Normandas: da região da Normandia (França). 8Degradação: destruição; devastação. 9Proletariado: conjunto dos trabalhadores de um determinado país, região, cidade etc., ou do mundo inteiro 1. Qual é a loucura que se apossou das nações onde reina o capitalismo? 2. O quê o trabalho nas sociedades capitalistas produz nos indivíduos? 3. Como o trabalho era visto na Antiguidade? 4. O autor defende que o trabalho torna os homens mais livres? Justifique. 5. O autor entende que o cristianismo ensina que a preguiça é uma virtude. Em quais passagens do texto ele mostra essa ideia.

ESTUDO DIRIGIDO - O texto abaixo é de Pierre Clastres. Nele se discute a forma como os europeus introduziram o trabalho entre os povos primitivos da América do Sul. Existe um preconceito tenaz (...) e não menos corrente de que o selvagem é preguiçoso. Se em nossa linguagem popular diz-se "trabalhar como um negro", na América do Sul, por outro lado, dize-se "vagabundo como um índio". Então, das duas uma: ou o homem das sociedades primitivas, americanas e outras, vive em economia de subsistência1 e passa quase todo o tempo à procura de alimento, ou não vive em economia de subsistência e pode portanto se proporcionar lazeres prolongados fumando em sua rede. Isso chocou claramente os primeiros observadores europeus dos índios do Brasil.

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Grande era a sua reprovação ao constatarem que latagões2 cheios de saúde preferiam se empetecar3, como mulheres, de pinturas e plumas em vez de regarem com suor as suas áreas cultivadas. Tratava-se portanto de povos que ignoravam deliberadamente que é preciso ganhar o pão com o suor do próprio rosto. Isso era demais, e não durou muito: rapidamente se puseram os índios para trabalhar, e eles começaram a morrer. Dois axiomas4, com efeito, parecem guiar a marcha da civilização ocidental, desde a sua aurora: o primeiro estabelece que a verdadeira sociedade se desenvolve sob a sombra protetora do Estado; o segundo enuncia um imperativo categórico: é necessário trabalhar. (Pierre Clastres. A sociedade contra o Estado, p. 135.)

1Economia de subsistência: economia baseada na produção daquilo que somente é necessário para o sustento. 2Latagões: homens novos, robustos e de grande estatura. 3Empetecar: enfeitar. 4Axiomas: sentença; máxima.

1. De acordo com o texto, como os colonizadores viam os povos nativos da América do Sul? Quais hábitos dos indígenas eram reprovados pelos europeus? 2. Qual foi o resultado da implantação do trabalho entre os nativos? 3. Como esse texto confirma idéias mostradas no texto anterior de Paul Lafargue?