apostila de filosofia

17
Apostila de Filosofia – Prof. Marcelo Senso Comum e Senso Crítico Filosofia O homem sempre se questionou sobre temas como a origem e o fim do universo, as causas, a natureza e a relação entre as coisas e entre os fatos. Essa busca de um conhecimento que transcende a realidade imediata constitui a essência do pensamento filosófico, que ao longo da história percorreu os mais variados caminhos, seguiu interesses diversos, elaborou muitos métodos de reflexão e chegou a várias conclusões, em diferentes sistemas filosóficos. O termo filosofia deriva do grego phílos ("amigo", "amante") e sophía ("conhecimento", "saber") e tem praticamente tantas definições quantas são as correntes filosóficas. Aristóteles a definiu como a totalidade do saber possível que não tenha de abranger todos os objetos tomados em particular; os estóicos, como uma norma para a ação; Descartes, como o saber que averigua os princípios de todas as ciências; Locke, como uma reflexão crítica sobre a experiência; os positivistas, como um compêndio geral dos resultados da ciência, o que tornaria o filósofo um especialista em idéias gerais. Pode-se definir filosofia, sem trair seu sentido etimológico, como uma busca da sabedoria, conceito que aponta para um saber mais profundo e abrangente do homem e da natureza, que transcende os conhecimentos concretos e orienta o comportamento diante da vida. A filosofia pretende ser também uma busca e uma justificação racional dos princípios primeiros e universais das coisas, das ciências e dos valores, e uma reflexão sobre a origem e a validade das idéias e das concepções que o homem elabora sobre ele mesmo e sobre o que o cerca. Ao longo de sua evolução histórica, a filosofia foi sempre um campo de luta entre concepções antagônicas -- materialistas e idealistas, empiristas e racionalistas, vitalistas e especulativas. Esse caráter necessariamente antagonista da especulação filosófica decorre da impossibilidade de se alcançar uma visão total das múltiplas facetas da realidade. Entretanto, é justamente no esforço de pensar essa realidade, para alcançar a sabedoria, que o homem vem conquistando ao longo dos séculos uma compreensão mais cabal de si mesmo e do mundo que o cerca, e uma maior compreensão das próprias limitações de seu pensamento. Origem da filosofia As culturas mais primitivas e as antigas filosofias orientais expunham suas respostas aos principais questionamentos do homem em narrativas primitivas, geralmente orais, que expressavam os mistérios sobre a origem das coisas, o destino do homem, o porquê do bem e do mal. Essas narrativas, ou "mitos", durante muito tempo consideradas simples ficções literárias de caráter arbitrário ou meramente estético, constituem antes uma autêntica reflexão simbólica, um exercício de conhecimento intuitivo. Aristóteles, um dos fundadores da filosofia ocidental, distinguiu entre filosofia e mito dizendo ser próprio dos filósofos o dar a razão daquilo que falam. Estabeleceu-se assim na cultura ocidental uma primeira delimitação do conceito de filosofia como explicação racional e argumentada da realidade. No entanto, não havia sido definida nesse momento a separação da filosofia e das diversas ciências.

Upload: marcelo-souza

Post on 02-Jul-2015

113 views

Category:

Documents


9 download

TRANSCRIPT

Page 1: Apostila de Filosofia

Apostila de Filosofia – Prof. Marcelo

Senso Comum e Senso Crítico

FilosofiaO homem sempre se questionou sobre temas como a origem e o fim do universo, as causas, a natureza e a relação entre as coisas e entre os fatos. Essa busca de um conhecimento que transcende a realidade imediata constitui a essência do pensamento filosófico, que ao longo da história percorreu os mais variados caminhos, seguiu interesses diversos, elaborou muitos métodos de reflexão e chegou a várias conclusões, em diferentes sistemas filosóficos.O termo filosofia deriva do grego phílos ("amigo", "amante") e sophía ("conhecimento", "saber") e tem praticamente tantas definições quantas são as correntes filosóficas. Aristóteles a definiu como a totalidade do saber possível que não tenha de abranger todos os objetos tomados em particular; os estóicos, como uma norma para a ação; Descartes, como o saber que averigua os princípios de todas as ciências; Locke, como uma reflexão crítica sobre a experiência; os positivistas, como um compêndio geral dos resultados da ciência, o que tornaria o filósofo um especialista em idéias gerais. Pode-se definir filosofia, sem trair seu sentido etimológico, como uma busca da sabedoria, conceito que aponta para um saber mais profundo e abrangente do homem e da natureza, que transcende os conhecimentos concretos e orienta o comportamento diante da vida. A filosofia pretende ser também uma busca e uma justificação racional dos princípios primeiros e universais das coisas, das ciências e dos valores, e uma reflexão sobre a origem e a validade das idéias e das concepções que o homem elabora sobre ele mesmo e sobre o que o cerca.Ao longo de sua evolução histórica, a filosofia foi sempre um campo de luta entre concepções antagônicas -- materialistas e idealistas, empiristas e racionalistas, vitalistas e especulativas. Esse caráter necessariamente antagonista da especulação filosófica decorre da impossibilidade de se alcançar uma visão total das múltiplas facetas da realidade. Entretanto, é justamente no esforço de pensar essa realidade, para alcançar a sabedoria, que o homem vem conquistando ao longo dos séculos uma compreensão mais cabal de si mesmo e do mundo que o cerca, e uma maior compreensão das próprias limitações de seu pensamento.

Origem da filosofiaAs culturas mais primitivas e as antigas filosofias orientais expunham suas respostas aos principais questionamentos do homem em narrativas primitivas, geralmente orais, que expressavam os mistérios sobre a origem das coisas, o destino do homem, o porquê do bem e do mal. Essas narrativas, ou "mitos", durante muito tempo consideradas simples ficções literárias de caráter arbitrário ou meramente estético, constituem antes uma autêntica reflexão simbólica, um exercício de conhecimento intuitivo.Aristóteles, um dos fundadores da filosofia ocidental, distinguiu entre filosofia e mito dizendo ser próprio dos filósofos o dar a razão daquilo que falam.Estabeleceu-se assim na cultura ocidental uma primeira delimitação do conceito de filosofia como explicação racional e argumentada da realidade. No entanto, não havia sido definida nesse momento a separação da filosofia e das diversas ciências. Aristóteles, por exemplo, investigou tanto sobre metafísica especulativa, como sobre física, história natural, medicina e história geral, todas reunidas sob a denominação comum de filosofia. Somente a partir da baixa Idade Média e mais ainda do Renascimento, as diversas ciências se diferenciaram e a filosofia se definiu em seus atuais limites e conteúdos.

Filosofia gregaFoi na Grécia, no século VI a.C., que nasceu a filosofia. Ali, em apenas três séculos, foram propostos os grandes temas de que se ocupou o pensamento filosófico ao longo da história. A figura de Sócrates, cujos ensinamentos só são conhecidos por meio da obra de seus discípulos, Platão e Xenofonte, tem servido tradicionalmente de linha divisória para estabelecer as duas grandes etapas da filosofia grega: o período pré-socrático e o da maturidade, representado este, fundamentalmente, pelas obras de Platão e Aristóteles.

Pré-socráticos. O objeto primordial da primitiva filosofia grega foi a reflexão acerca da origem e da natureza do mundo físico e dos elementos que o constituem e permitem explicá-lo. Isto é, aquilo que constitui a mataria, o princípio constitutivo de todas as coisas. O pensamento pré-socrático desenvolveu-se entre uma cosmologia monista e outra pluralista, entre o materialismo e o idealismo, entre a afirmação dos grandes valores transcendentes e o relativismo antropológico.Cosmologias monistas. O primeiro pensador que, segundo Aristóteles, pode ser considerado filósofo foi Tales de Mileto, um dos chamados "sete sábios" da Grécia, que viveu no século VI a.C. Como cientista, aplicou seus conhecimentos matemáticos e astronômicos à medição de distâncias e à previsão de eclipses; como filósofo, estabeleceu uma explicação racional -- sem apoio no mundo mitológico -- sobre a origem do mundo, que disse ser formado de água.

Page 2: Apostila de Filosofia

Anaximandro, contemporâneo e concidadão de Tales, escreveu o primeiro texto filosófico conhecido, que intitulou Sobre a natureza. Ao estabelecer que o princípio (arké) de todas as coisas seria o "indeterminado" (ápeiron), Anaximandro deslocou o problema do plano físico material para o plano lógico. Anaxímenes, seu discípulo, voltou a um princípio material, que ele identificou no ar.Cosmologias pluralistas. Empédocles, nascido na Sicília no século V a.C., foi sacerdote, vidente, taumaturgo - realizador de milagre --, político, médico, poeta e cientista. Estabeleceu como princípio da matéria, quatro elementos ou raízes do ser: fogo, água, ar e terra. As misturas ou separações entre esses elementos se produziriam pelo efeito de duas forças cegas, o "amor" e o "ódio". Por sua vez, Anaxágoras, seu contemporâneo, propôs uma inteligência (nous) que teria agitado as partículas primitivas, de modo que logo chegaram a formar as atuais combinações. Mais tarde, Demócrito defenderia a existência de átomos de igual natureza, mas de diferentes formas e magnitudes, que, ao constituir diversas combinações no espaço, dariam origem aos diferentes corpos que se conhecem.Realidade e aparências. Parmênides (século V a.C.), fundador da escola eleática, pensava que nada pode começar a existir, nem tampouco desaparecer, porque procederia do nada ou se converteria em nada, o que não é possível porque o nada não existe. Também não existe o movimento ou mudança, e somente, portanto, um único ser, total, imutável e compacto. Seu discípulo Zenão propôs o famoso argumento segundo o qual Aquiles, o mais veloz entre os corredores, não poderia alcançar uma tartaruga, porque lhe seria necessário para isso percorrer a metade do espaço interposto entre eles, em seguida a metade da metade e assim por diante interminavelmente. Desse modo, os filósofos eleáticos separaram, de um lado, as aparências (doxá, "opiniões") que os sentidos percebem e que se mostram contraditórias em uma análise racional e, de outro lado, a realidade que a razão oferece e que é objeto do verdadeiro conhecimento.Heráclito de Éfeso (século VI a.C.) havia afirmado, pelo contrário, que somente existia o movimento (a mudança, o devir). Tudo flui e nada permanece: "Ninguém pode banhar-se duas vezes no mesmo rio." O movimento se produz pela tensão entre os contrários e provoca "o eterno retorno" de todas as coisas, regido pelo logos, que constitui a lei do universo. Segundo interpretações modernas, não há contradição entre Parmênides e Heráclito, uma vez que suas respectivas doutrinas enfocam dois planos diferentes do ser: o absoluto (metafísico) e o cosmos (físico).Metafísica do número. Pitágoras de Samos (século VI a.C.), bom conhecedor do Oriente e do Egito, fundador de um grupo ao mesmo tempo científico e religioso, introduziu na Grécia a idéia da reencarnação das almas, não sob a forma vulgar modernamente conhecida, mas como transmigração por várias formas de existência. Sua principal contribuição à filosofia foi considerar os números, as relações e formas matemáticas como a essência e a estrutura de todas as coisas. Cada coisa possui um número (arithmós arkhé), que expressa a "fórmula" da sua constituição íntima. De outro lado, as leis que governam o cosmos são também relações matemáticas.Relativismo antropológico dos sofistas. Os sofistas fizeram do ato de pensar uma profissão remunerada. Seu ceticismo em gnosiologia levou-os a uma moral oportunista. Se é impossível conhecer o mundo real, o que importa são as aparências e, por conseguinte, o êxito na vida e a influência sobre os outros. Daí o valor que concederam à retórica e à oratória. A célebre máxima "o homem é a medida de todas as coisas" constitui um resumo do relativismo filosófico dos sofistas.

Grandes filósofos ateniensesSócrates. Interessado, como os sofistas no homem concreto, cujo saber interrogava, Sócrates pretendeu, no entanto, exatamente o contrário deles. Procurou demonstrar as incongruências entre idéias e atos, incitar o homem a distinguir por si mesmo o justo do injusto e a agir corretamente. A probidade ética de Sócrates desagradou tanto aos conservadores quanto aos defensores da democracia, que o acusaram de impiedade e o condenaram à morte. Ele poderia tê-la evitado, mas aceitou-a por obediência às leis.Platão. A teoria das idéias, uma das principais contribuições filosóficas de Platão, procurava solucionar o problema da realidade e das aparências, da unidade ou pluralidade do ser. Platão considerava que as coisas que percebemos são imagens -sombras projetadas em nossa estreita caverna - de realidades superiores que existem imutáveis no mundo das idéias, pre-sididas pela idéia do bem. O filósofo argumentava que, apesar de não existirem duas figuras exatamente iguais, a mate-mática demonstra a existência do princípio da perfeita igualdade, que deve existir para que exista uma verdadeira ciência.Toda a filosofia posterior continuaria a se questionar sobre a localização das essências imutáveis que fundamentam uma ciência ou uma ética, e sobre serem essas essências algo mais que uma mera probabilidade. Os primeiros filósofos cristãos situaram o mundo das idéias na mente divina, como causa exemplar (arquétipo, modelo) de toda a criação. A filosofia de Platão -- idealista, simbólica, estética -- se desliga do mundo cotidiano, o mundo das aparências, e estimula a penetrar num mundo mais profundo, que de alguma forma estaria subjacente ao mundo de cada dia e que seria estimulado por este último. Muitas das contradições que aparecem nos escritos de Platão só poderiam ser resolvidas mediante o conhecimento do ensino oral do filósofo, que o considerava a parte mais importante de seu pensamento. Mas as pesquisas que permitiriam reconstituir o conteúdo desse ensinamento oral só puderam ser realizadas no século XX.Aristóteles. Discípulo de Platão e educador de Alexandre o Grande, Aristóteles foi o grande organizador da filosofia ocidental e muito especialmente da metafísica (estudo do ente enquanto tal) e da lógica, que, nas colocações formuladas por ele, sobreviveu sem a mínima variação até a aparição da moderna lógica formal ou matemática. O método aristotélico associa a observação minuciosa com uma sistematização racional radical. Como a filosofia depois se dividiu em empiristas

Page 3: Apostila de Filosofia

e racionalistas, muito se veio a debater se Aristóteles pertencia a uma ou outra dessas correntes, porém o mais exato é dizer que ele tem uma posição intermediária: o conhecimento vem pela experiência (como pretendem os empiristas) mas só se torna válido quando está em conformidade com os princípios lógicos. A contribuição mais duradoura de Aristóteles foi a organização do sistema das ciências como totalidade orgânica e o estabelecimento dos graus de confiabilidade dos vários métodos e conhecimentos.Últimas filosofias da antiguidade. A dissolução, em primeiro lugar, da cidade-estado e a decomposição, mais tarde, do império de Alexandre o Grande mergulharam a antiga Grécia numa época de decadência e incerteza. Aos grandes sistemas filosóficos anteriores sucederam outros de ambições mais modestas, cujo objetivo fundamental era ajudar os homens a obter tranqüilidade. Assim, enquanto a escola estóica preconizou a moderação das paixões, o epicurismo enfatizou a busca da felicidade. O ceticismo, por sua vez, negou a possibilidade de um conhecimento absoluto e sublinhou a importância dos interesses individuais.Outra corrente filosófica do final da antiguidade foi o neoplatonismo, sobretudo com Plotino (205-270 da era cristã). De índole simbólica e mística, essa filosofia muito influenciou o cristianismo medieval, até a redescoberta da filosofia de Aristóteles.

Filosofia medievalO cristianismo, que impulsionou a cultura ocidental durante toda a Idade Média, trouxe uma nova visão de Deus, da criação e do destino humano, na qual se destacavam temas completamente estranhos à filosofia grega, como os da imortalidade da alma individual, da autoconsciência como fundamento do conhecimento etc. Foi muito forte, nesse período, a vinculação entre filosofia e teologia.Os primeiros padres da igreja recorreram à terminologia conceitual da filosofia neoplatônica para explicar sua própria fé. Destacou-se entre eles o pensamento de santo Agostinho, retomado pela escola franciscana.Filosofia escolástica. Traduções e comentários dos textos aristotélicos, conhecidos em boa parte por intermédio dos pensadores árabes, como Avicena e Averróes, e judeus (Maimônides) deram na Idade Média nova orientação às escolas teológicas e despertaram novo interesse pela lógica e a metafísica. Santo Alberto Magno e santo Tomás de Aquino foram os principais artífices da adaptação da filosofia aristotélica, que se impôs após grandes dificuldades, entre elas condenações eclesiásticas.O século XIV representou a decadência da escolástica, empenhada em controvérsias cada vez mais sutis e incapaz de formular novas contribuições de interesse para a filosofia. Exceções a isso foram Guilherme de Ockham, que propôs uma distinção mais rigorosa entre teologia e filosofia, e a escolástica portuguesa, que continuou a desenvolver-se até o século XVII, mas sem exercer, por seu isolamento, qualquer influência no resto do pensamento europeu.Do Renascimento ao idealismo alemãoRenascimento. As grandes transformações culturais, econômicas e sociais dos séculos XV e XVI afetaram também a filosofia, que, de monopólio até então quase exclusivo da classe universitária ("escolástica" é o mesmo que "escolar") passou a interessar a uma outra camada de intelectuais, sem vínculo com a universidade e mais ligados à aristocracia e à cultura dos palácios. O resultado foi a ruptura dos vínculos com a teologia e um crescente processo de secularização da filosofia. Entre muitos dos novos intelectuais, o interesse primordial já não era pelos temas sacros (divinae litterae, "letras divinas") e sim pela literatura secular (humanae litterae), daí seu nome de "humanistas". As preocupações dos filósofos renascentistas, que seriam desenvolvidas nos séculos posteriores, giraram em torno de três grandes temas: o homem, a sociedade e a natureza.Foram os humanistas que se encarregaram da reflexão sobre o primeiro desses temas. A nova organização do pensamento renascentista fez prevalecer Platão sobre Aristóteles, a retórica sobre a dialética medieval, os diálogos literários sobre as disputas lógicas escolásticas. Com a recuperação da literatura clássica, manifestaram-se também as influências das filosofias do último período da antiguidade, como o atomismo, o ceticismo e o estoicismo.No pensamento social, sobressaiu a figura de Nicolau Maquiavel, que defendeu em O príncipe (1513) a aplicação da "razão de estado" sobre as normas morais. No século XVII destacaram-se no pensamento político as figuras do inglês Thomas Hobbes e do holandês Hugo Grotius. O primeiro defendeu a existência de um estado forte como condição da ordem social; Grotius apelou para a lei natural como salvaguarda contra a arbitrariedade do poder político.Filosofia da natureza. Se os filósofos medievais haviam concebido a natureza como um todo orgânico, hierarquizado segundo uma ordem estabelecida por Deus, os renascentistas conceberam-na como uma pluralidade regida pelas leis da mecânica e presidida pela ordem matemática. Seu método consistia numa fusão da experiência com a matemática, ora enfatizando esta (Galileu), ora aquela (Bacon). A atitude científica do Renascimento se manifestou sobretudo nas obras de Nicolau Copérnico e de Galileu Galilei, e encontrou seu apogeu na figura de Isaac Newton, que publicou em 1687 sua fundamental Philosophiae naturalis, principia mathematica (Princípios matemáticos da filosofia natural).Racionalismo. A natureza e a matemática, a observação e a especulação racionalista, unidas em princípio, acabaram separando-se em duas correntes distintas, o empirismo e o racionalismo. Ambos os sistemas filosóficos se desenvolveram fora das universidades, onde se continuou a ensinar um aristotelismo cada vez mais diluído.

Page 4: Apostila de Filosofia

O racionalismo, em cuja base se encontra a confiança na capacidade absoluta da razão para alcançar o conhecimento, serviu-se do método dedutivo para suas elaborações teóricas. Seu principal representante foi René Descartes, iniciador do subjetivismo moderno. O pensamento de Descartes, desenvolvido sobretudo em seu Discurso sobre o método (1637), fundamenta-se numa primeira evidência -- "penso, logo existo" -- a partir da qual já era possível a aquisição de novas idéias. A garantia da certeza dessas últimas se produzia quando cumpriam a condição de serem claras, distintas e não contraditórias. Importantes adeptos dessa corrente filosófica foram também Spinoza e Leibniz.Empirismo. O empirismo, que foi em suas origens apenas um método de investigação científica, acabou por se transformar, com o tempo, em uma corrente filosófica de suma importância para o pensamento e a ciência posteriores. Seu primeiro representante foi o inglês Francis Bacon, que propôs tal método em seu Novum organum (1620), cujo título era um claro convite à renovação do organum, ou seja a metodologia lógica de Aristóteles. Bacon postulava como elementos fundamentais da investigação científica a observação, a experimentação e a indução.Figuras fundamentais do empirismo, além de Hobbes e Newton, foram também John Locke e David Hume, que, na segunda metade do século XVII e na primeira do XVIII, estabeleceram a formulação definitiva dessa corrente filosófica.Iluminismo. O século XVIII, conhecido como o Século das Luzes ou Iluminismo, representou o apogeu do empirismo clássico e do racionalismo. Mais do que a contribuição de novas idéias filosóficas, o que caracterizou essencialmente esse período foi a sistematização e divulgação das que haviam sido formuladas até então. A publicação da Encyclopédie (1751-1772), sob a direção do francês Denis Diderot, constitui exemplo excepcional desse empenho. Seu compatriota Voltaire, literato, historiador e filósofo, é, talvez, a personalidade que melhor representa o espírito do Século das Luzes.No terreno da filosofia social e política destacaram-se Jean-Jacques Rousseau e o barão de Montesquieu, que defenderam a liberdade e a igualdade entre todos os cidadãos. Montesquieu propôs em L'Esprit des lois (1748; O espírito das leis) a divisão dos poderes como garantia da liberdade política. Rousseau, por sua vez, em Du contrat social (1762; O contrato social), reconheceu como depositário do poder o povo, que o cede aos governantes mediante uma delegação revogável segundo sua vontade. No campo da filosofia especulativa, o século XVIII viu nascer um pensamento materialista e ateu, cujo principal representante foi Diderot.Idealismo alemão. Immanuel Kant, contemporâneo dos iluministas e identificado com suas idéias políticas, foi também fundador do idealismo alemão. Retratando sobre o modo pelo qual a filosofia obtém seus conhecimentos científicos universais a partir dos dados sensíveis particulares, Kant afirmou que a missão da filosofia é determinar a capacidade da razão para alcançar a verdade. Para ele, a razão aplica certas categorias -- condições a priori, isto é, anteriores -- aos fenômenos da experiência. Não se conhece, portanto, a coisa em si, mas seu "fenômeno", sua manifestação. Esse modo de conhecimento não é aplicável aos objetos da metafísica, como Deus ou a imortalidade da alma, que não podem ser conhecidos pela razão teórica, mas somente pela razão prática, que opera na ordem moral.São também representantes destacados do idealismo alemão Johann Gottlieb von Fichte, Friedrich Wilhelm von Schelling e G. W. F. Hegel, filósofos que levaram a tal extremo o racionalismo subjetivista iniciado no Renascimento que chegaram a beirar o irracionalismo romântico. Romântica foi, efetivamente, sua aproximação da religião e seu distanciamento da ciência experimental; sua exaltação cósmica do eu e a preeminência que concederam à vontade e à moral.

Positivismo e ciências sociaisPositivismo. No tempo em que na Alemanha prevalecia o idealismo, no Reino Unido e na França a evolução do empirismo deu lugar à aparição do utilitarismo de Jeremy Bentham e de John Stuart Mill e ao positivismo de Auguste Comte. O utilitarismo, que propunha "a maior felicidade para o maior número possível de indivíduos", negou a validade dos princípios abstratos e criticou o autoritarismo. O positivismo, por sua vez, definiu a existência de três estágios de desenvolvimento na história da humanidade -- o teológico-mitológico, o metafísico e o positivo -- e considerou que, já superados os dois primeiros, cabe ao pensamento filosófico, no estágio positivo, unicamente a descrição dos fenômenos, abstendo-se de interpretá-los metafisicamente.Marxismo. Karl Marx propôs como objeto da reflexão filosófica o estudo das relações econômicas e sociais e afirmou que a missão da filosofia, que até então tinha sido a de pensar o mundo, devia ser agora a sua transformação. Marx subverteu a dialética de Hegel, segundo a qual a história culminava no estado, garantia da liberdade do homem, e considerou a luta de classes como a força motora da história.Novas correntes. A segunda metade do século XIX assistiu ainda ao surgimento de diversas tendências filosóficas, entre as quais sobressaíram o pragmatismo de William James; o irracionalismo de Søren Kierkegaard, que antepôs o mundo emocional ao racional; a filosofia da vontade de Schopenhauer; o vitalismo de Nietzsche, destruidor dos valores tradicionais e arauto do super-homem; e, sob o impulso da obra do naturalista Charles Darwin, o evolucionismo.

Filosofia na atualidadeA partir do começo do século XX teve início uma reflexão radical sobre a natureza da filosofia, sobre a determinação de seus métodos e objetivos. No que diz respeito ao método, destacaram-se as novas reflexões sobre a epistemologia ou ciência do conhecimento -- surgidas a partir do estudo analítico da linguagem -- e o impulso dado à filosofia da ciência. As

Page 5: Apostila de Filosofia

preocupações fundamentais do pensamento filosófico foram as concernentes ao homem e sua relação com o mundo que o cerca.Dentro da chamada filosofia analítica, o empirismo lógico do Círculo de Viena foi uma das correntes filosóficas que mais ressaltaram ser a filosofia como um método de conhecimento. Para essa corrente, o objeto da filosofia não é a proposição de um sistema universal e coerente que permita explicar o mundo, mas sim o esclarecimento da linguagem das proposições lógicas ou científicas. Ora, para que elas tenham sentido, devem ser verificáveis, de tal modo que as que não o forem -- por exemplo, proposições acerca da ética ou da religião -- carecem de qualquer interesse filosófico. Também a escola de Oxford considerou a linguagem como objeto de seu estudo, se bem que tenha concentrado sua atenção na linguagem comum, na qual quis descobrir, latentes, as várias concepções elaboradas sobre o mundo. O austríaco Ludwig Wittgenstein insistiu na importância fundamental do estudo da linguagem e afirmou que ela participa da estrutura da realidade, já que não é senão um reflexo, uma "figura", da mesma.A fenomenologia de Edmund Husserl propôs uma análise descritiva que permitisse chegar à evidência da "própria coisa", não como existente mas como pura essência. Para o vitalismo de Henri Bergson há dois modos de conhecimento: o analítico, no campo da ciência, e a intuição, própria da filosofia e único meio de captar a profundidade do homem e do mundo.No que diz respeito às inquietações e propostas da moderna filosofia, cumpre citar o instrumentalismo de John Dewey, que estabeleceu como orientação da filosofia e como critério da verdade a utilidade de uma idéia face às necessidades humanas e sociais; o existencialismo, que antepôs, na sua reflexão filosófica, a própria existência do homem a qualquer outra realidade; ou o estruturalismo, que postulou, no estudo de qualquer realidade, que ela devia ser considerada nas suas inter-relações com o todo de que faz parte.Numerosos filósofos integraram em seu pensamento elementos pertencentes a escolas filosóficas diferentes. Sartre, por exemplo, foi existencialista e marxista, e os pensadores da chamada escola de Frankfurt ensaiaram uma síntese de marxismo e psicanálise.Tanto o marxismo, que com sua pretensão de constituir um instrumento transformador da sociedade, ultrapassou a simples classificação de escola filosófica, quanto a psicanálise, que, ao contrário, somente pretendeu em princípio ser uma teoria e uma terapia psicológicas, exerceram influência poderosa no pensamento filosófico contemporâneo.

Filósofos antigosDemócritoDepois de séculos de esquecimento, a teoria do atomismo, formulada no século V a.C. por Demócrito, recuperou a importância em virtude das interpretações mecanicistas do mundo surgidas no século XVII.Acredita-se que Demócrito tenha nascido por volta de 460 a.C., em Abdera, na Trácia. Foi discípulo de Leucipo de Mileto, que teria esboçado a teoria atomista. Sua obra, da qual só restam fragmentos, insere-se no contexto dos filósofos pré-socráticos, preocupados sobretudo com a descoberta do arké ou princípio gerador das coisas.Para explicar as mudanças da natureza, Heráclito havia afirmado que tudo é movimento, enquanto Parmênides dizia que o ser é uno e imutável e que o movimento é ilusão. Tentando resolver esse dilema, Demócrito considerou que toda a realidade se compunha de dois únicos elementos: o vácuo ou não-ser e os átomos. Afirmava que o arké são os "átomos", palavra grega que designa aquilo que é indivisível. Os átomos, segundo Demócrito, são materiais eternos e sem causa, cujas propriedades são tamanho, forma, impenetrabilidade e movimento. Essas partículas se movem continuamente no vácuo e, segundo sua forma e tamanho, constituem os diferentes corpos físicos: sólidos, gasosos etc. Todos os fenômenos e mudanças de estado, como a morte, não passam de combinações e separações de átomos.Demócrito explicava a sensação argumentando que os corpos emitiam imagens muito tênues que impressionavam a alma, também material, por meio dos sentidos. A partir desse conhecimento sensorial o homem se elevaria até o racional. Demócrito, portanto, oferece uma explicação totalmente material e mecanicista do mundo. Portanto, sua ética é antes de tudo prática e se encaminha para o bem comum. O homem deve aspirar à epitimia, ou tranqüilidade de espírito, livre de temores e emoções, e sua busca precisa ser garantida por leis justas de convivência. Demócrito morreu por volta de 370 a.C.

Epicuro e epicurismoOs princípios enunciados por Epicuro e praticados pela comunidade epicurista resumem-se em evitar a dor e procurar os prazeres moderados, para alcançar a sabedoria e a felicidade. Cultivar a amizade, satisfazer as necessidades imediatas, manter-se longe da vida pública e rejeitar o medo da morte e dos deuses são algumas das fórmulas práticas recomendadas por Epicuro para atingir a ataraxia, estado que consiste em conservar o espírito imperturbável diante das vicissitudes da vida.Epicuro nasceu na ilha grega de Samos, no ano 341 a.C., e desde muito jovem interessou-se pela filosofia. Assistiu às lições

do filósofo platônico Pânfilo, em Samos, e às de Nausífanes, discípulo de Demócrito, em Teos. Aos 18 anos viajou para Atenas, onde provavelmente ouviu os ensinamentos de Xenócrates, sucessor de Platão na Academia. Após diversas viagens, ensinou em Mitilene e em Lâmpsaco e amadureceu suas concepções filosóficas. Em 306 a.C. voltou a Atenas e comprou

Page 6: Apostila de Filosofia

uma propriedade que se tornou conhecida como Jardim, onde formou uma comunidade em que conviveu com amigos e discípulos, entre os quais Metrodoro, Polieno e a hetaira Temista, até o fim de seus dias.Segundo Diógenes Laércio, principal fonte de informações sobre Epicuro, o mestre desenvolveu sua filosofia em mais de

300 volumes, mas esse legado escrito se perdeu. Epicuro elaborou estudos sobre física, astronomia, meteorologia, psicologia, teologia e ética, mas do que escreveu só se conhecem três cartas e uma coleção de sentenças morais e aforismos. A física epicurista inspirou-se na doutrina de Demócrito e propõe um universo, infinito e vazio, que contém corpos constituídos de átomos, elementos indivisíveis que se acham em constante movimento. Contrapõe ao determinismo de Demócrito a tese segundo a qual esses átomos experimentam em seu movimento um desvio (clinamen) espontâneo, que

explica a maior ou menor densidade da matéria que forma os corpos a partir das colisões e rejeições entre os átomos. Segundo Epicuro, a alma é uma entidade física, distribuída por todo o corpo. Quando o indivíduo morre, ela se desintegra nos átomos que a constituem. A percepção sensorial, por meio da alma, é a única fonte de conhecimento e, por isso, os epicuristas recomendavam o estudo da natureza para alcançar a sabedoria.Para chegar à ataraxia, o homem deve perder o medo da morte. Como corpo e alma são entidades materiais, não existem sensações boas ou más depois da morte; assim, o temor da morte não se justifica. Epicuro aceitava a existência dos deuses, mas acreditava que eles estavam muito afastados do mundo humano para preocupar-se com este. Logo, o homem não tem porque temer os deuses, embora possa imitar sua existência serena e beatífica.De seus estudos científicos, Epicuro derivou uma filosofia essencialmente moral. À semelhança de outras correntes filosóficas da época, como o estoicismo e o ceticismo, suas concepções vieram ao encontro das necessidades espirituais de seus contemporâneos, preocupados com a desintegração da polis (cidade) grega. O prazer sensorial converteu-se na única via de acesso à ataraxia. Esse prazer, porém, não consiste numa busca ativa da sensualidade e do gozo corporal desenfreado, como interpretaram erroneamente outras escolas filosóficas e também o cristianismo, mas baseia-se no afastamento das

dores físicas e das perturbações da alma. O maior prazer, segundo Epicuro, é comer quando se tem fome e beber quando se tem sede. O "tetrafármaco", receita do mestre para a vida tranqüila, tem o seguinte teor: "O bem é fácil de conseguir, o mal é fácil de suportar, a morte não deve ser temida, os deuses não são temíveis."No ano 270 a.C., Epicuro morreu e tornou-se objeto de culto para os epicuristas, o que contribuiu para aumentar a coesão da seita e para conservar e propagar a doutrina. O epicurismo foi a primeira filosofia grega difundida em Roma, não apenas entre os humildes, mas também entre figuras importantes como Pisão, Cássio, Pompônio Ático e outros. O epicurismo romano contou com autores como Lucrécio e se manteve vivo até o princípio do século IV da era cristã, como poderoso rival do cristianismo.

Sócrates"Só sei que nada sei." Com essas palavras Sócrates reagiu ao pronunciamento do oráculo de Delfos, que o apontara como o mais sábio de todos os homens. O pensador foi o primeiro do grande trio de antigos filósofos gregos, que incluía ainda Platão e Aristóteles, a estabelecer, na Grécia antiga, os fundamentos filosóficos da cultura ocidental.Sócrates nasceu em Atenas por volta do ano 470 a.C. Era filho de uma parteira, Fenarete, e de Sofronisco, homem bem relacionado nos meios políticos da cidade. Como não deixou obras escritas, tudo o que se sabe de sua vida e de suas idéias é o que relatam principalmente autores como Platão e Xenofonte. Segundo os escritos de Íon de Quios e Aristóxenes, Sócrates teria estudado com Arquelau, discípulo de Anaxágoras, o primeiro filósofo importante de Atenas. Na juventude, participou de várias batalhas da guerra do Peloponeso. Casou-se tardiamente com Xantipa e teve três filhos.Sócrates era o oposto do ideal clássico de beleza: tinha o nariz achatado, os olhos esbugalhados e a barriga saliente. Sempre cercado de jovens discípulos, gozava de muita popularidade em Atenas, embora seus ensinamentos também lhe valessem grande número de inimigos. Passava a maior parte do tempo ensinando em lugares públicos, como praças, mercados e ginásios, mas ao contrário dos filósofos profissionais -- os sofistas, que combatia com vigor -- não cobrava por suas lições. Evitava intervir diretamente em assuntos políticos. Pelo menos uma vez, no entanto, entre 406 e 405 a.C., integrou o conselho legislativo de Atenas. Em 404 a.C., arriscou a vida por recusar-se a colaborar em manobras políticas arquitetadas pela dinastia dos Trinta Tiranos, que governava a cidade.Pensamento. Segundo palavras de Cícero, "Sócrates fez a filosofia descer dos céus à terra". Antes, os filósofos buscavam obsessivamente uma explicação para o mundo natural, a physis. Para Sócrates, no entanto, a especulação filosófica devia se voltar para outro assunto, mais urgente: o homem e tudo o que fosse humano, como a ética e a política.Sócrates dizia que a filosofia não era possível enquanto o indivíduo não se voltasse para si próprio e reconhecesse suas limitações. "Conhece-te a ti mesmo" era seu lema. Para ele, a melhor maneira de abordar um tema era o diálogo: por meio do método indutivo que denominou "maiêutica", numa alusão ao ofício de sua mãe, era possível trazer a verdade à luz. Assim, ele se voltava para os outros -- quer fossem um adolescente como Lísias, um militar como Laques ou sofistas consagrados como Protágoras e Górgias -- e os interrogava a respeito de assuntos que eles julgavam saber. Seu senso de humor confundia os interlocutores, que acabavam confessando sua ignorância, da qual Sócrates extraía sabedoria.

Page 7: Apostila de Filosofia

O exemplo clássico da aplicação da maiêutica é o diálogo platônico intitulado Mênon, no qual Sócrates leva um escravo ignorante a descobrir e formular vários teoremas de geometria. A indução, finalmente, consiste na apreensão da essência (do universal que se acha contido no particular), na determinação conceitual e na definição. Não se trata, para Sócrates, de definir a beleza do cavalo, dos objetos inanimados, do escudo, da espada ou da lança, por exemplo, mas a beleza em si mesma, em sua essência ou determinação universal. Segundo Aristóteles, a indução e a definição podem ser atribuídas a Sócrates, cujo pensamento, a rigor, não se confunde com o de Platão. A teoria socrática das essências, no entanto, preparou a teoria platônica das idéias.Desinteressado da física e preocupado apenas com as coisas morais, a antropologia socrática é a essência capaz de regular a conduta humana e orientá-la no sentido do bem. A virtude supõe o conhecimento racional do bem, razão pela qual se pode ensinar. O que há de comum entre todas as virtudes é a sabedoria, que, segundo Sócrates, é o poder da alma sobre o corpo, a temperança ou o domínio de si mesmo. Possibilitando o domínio do corpo, a temperança permite que a alma realize as atividades que lhe são próprias, chegando à ciência do bem. Para fazer o bem basta, portanto, conhecê-lo. Todos os homens procuram a felicidade, isto é, o bem. Assim, o vício não passa de ignorância, pois ninguém pode fazer o mal voluntariamente.Sócrates lançou as bases do racionalismo idealista, que seu discípulo Platão desenvolveu mais tarde em sua teoria das idéias. O método e as intenções de Sócrates constituíram o início da reação helênica contra o relativismo defendido pelos sofistas, que tinha levado o pensamento filosófico à ruína. Diante do crescente individualismo e da crise de valores que ameaçavam a democracia ateniense, depois do declínio do culto às divindades gregas, questões sobre a melhor forma de governo e a moral individual tornaram-se prementes. Entretanto, a resposta de Sócrates, que pregava um sistema moral absolutamente alheio às doutrinas religiosas e admitia a aristocracia -- governo dos melhores -- como a forma desejável de administração do estado, fez com que se indispusesse com as autoridades conservadoras, o que lhe custou a vida.Condenação à morte. No ano 399 a.C., Sócrates foi acusado de corromper a juventude e desdenhar o culto aos deuses tradicionais. Ao que parece, a acusação fora motivada pelo fato de ter sido ele o educador de Alcibíades e Crítias, considerados traidores da democracia. O processo foi montado de modo a forçar o pensador a contrariar suas idéias e a retratar-se. A maioria dos comentadores concorda que ele teria sido poupado se não se mostrasse tão inflexível.Sócrates manteve diante do tribunal a mesma postura irônica de sempre, o que aumentou a irritação dos juízes. À tradicional pergunta sobre qual pena o réu considerava justa para si próprio, Sócrates respondeu que, tendo prestado tantos serviços à cidade, achava justo receber uma pensão vitalícia do estado. Além disso, declarou que não aceitaria o degredo. Foi o bastante para que o tribunal o condenasse à morte.A sentença, envenenamento com cicuta, foi executada tempos depois. Na prisão, continuou a receber amigos e discípulos para debater assuntos como a morte e a imortalidade da alma. Rejeitou vários planos de fuga elaborados por Critão e outros amigos. Suas últimas palavras foram para encomendar o sacrifício de um galo a Esculápio, o deus a quem se atribuía a cura da fadiga e dos males da vida.

PlatãoAutor de vasta obra filosófica, Platão preocupou-se com o conhecimento das verdades essenciais que determinam a realidade e, a partir disso, estabeleceu os princípios éticos que devem nortear o mundo social. Seu pensamento foi absorvido pelo cristianismo primitivo e, junto com seu mestre Sócrates e o discípulo Aristóteles, lançou os alicerces sobre os quais se assentaria as bases de toda a filosofia ocidental.Platão nasceu em Atenas por volta do ano 428 a.C. Parece ter iniciado seus estudos filosóficos com o sofista Crátilo, discípulo de Heráclito. Aos 18 anos conheceu Sócrates, que foi seu mestre até ser condenado à morte em 399 a.C. Platão partiu, então, para Mégara, ao encontro de outro discípulo de Sócrates, Euclides. De volta a Atenas, iniciou seus ensinamentos filosóficos. A convite de Dionísio o Velho, foi a Siracusa, no sul da Itália, onde se relacionou com os pitagóricos. Suas doutrinas irritaram o tirano que, ao que parece, mandou vendê-lo como escravo no mercado de Egina, de onde foi resgatado por um cirenaico.Novamente em Atenas, fundou a Academia -- escola destinada à investigação filosófica -- e dirigiu-a pelo resto da vida. A convite de Dionísio o Jovem, sucessor do tirano de Siracusa, empreendeu uma segunda viagem à Sicília com o objetivo de pôr em prática suas idéias de reforma política, mas retornou a Atenas quando seu protetor caiu em desgraça. Sua terceira viagem ao sul da Itália, a convite do mesmo Dionísio, culminou em fuga, por estar implicado nas lutas políticas do estado. Após essa viagem, Platão permaneceu em Atenas até a morte.Obra. A obra de Platão foi escrita na forma de diálogos, com exceção da Apologia de Sócrates. Um dos sinais do prestígio do filósofo é o fato de seus textos terem sido conservados na totalidade. Entretanto, foram-lhe atribuídos diversos escritos que hoje são considerados espúrios. Conquanto não exista unanimidade total entre os especialistas, o emprego de critérios estilísticos e conceituais -- em particular os referentes à evolução do pensamento platônico -- permitiu estabelecer, em linhas gerais, uma ordenação de seu trabalho na seguinte ordem cronológica:(1) Diálogos socráticos ou de juventude, nos quais a figura e a doutrina de Sócrates ocupam lugar de destaque: Apologia de Sócrates, Protágoras, Trasímaco, Críton, Íon, Laques, Lísis, Cármide, Eutífron e os dois Hípias, embora a autenticidade do Hípias maior seja discutida por alguns autores.

Page 8: Apostila de Filosofia

(2) Diálogos construtivos ou da maturidade: Górgias, Ménon, Eutidemo, Crátilo, Menéxeno (nem sempre aceito), O banquete, A república, Fédon e Fedro. Nos quatro últimos, a teoria das idéias aparece exposta em sua forma mais característica.(3) Diálogos tardios, grupo que, iniciado com Teeteto, inclui os escritos elaborados durante a velhice de Platão e nos quais ele faz a revisão crítica da teoria das idéias: Parmênides, Sofista, Filebo, Político, Timeu, Crítias e as leis.Além dos textos, há uma série de cartas, das quais duas são tidas como autênticas.Doutrina. A filosofia de Platão recebeu inúmeras interpretações não só devido a sua complexidade, mas por apresentar diversas etapas, em especial no que se refere à evolução das soluções que deu à teoria das idéias, poetizada e obscurecida pelo uso da linguagem simbólica. No entanto, suas doutrinas centram-se num propósito principal: opor-se ao relativismo dos sofistas, o que implica a suposição de haver conhecimento independente de fatores circunstanciais. Assim, o objetivo platônico era o conhecimento das verdades essenciais que determinam a realidade -- a ciência do universal e do necessário -- para poder estabelecer os princípios éticos que devem nortear a realidade social, em busca da concórdia numa sociedade em crise. Nesse sentido, sua obra pode ser considerada como um conjunto coerente, articulado pelo tema condutor da teoria das idéias.Teoria das idéias: conhecimento e metafísica. Como primeiro passo para sua metafísica, Platão julgou indispensável elaborar uma teoria do conhecimento. O problema com o qual ele se defrontou foi o problema do ser. Uma vez que os sentidos nos revelam as coisas como múltiplas e mutáveis, ao passo que a inteligência nos revela sua unidade e permanência, procurou uma solução que conciliasse o testemunho dos sentidos e as exigências do conhecimento intelectual. Baseou-se nos conceitos matemáticos e nas noções éticas para demonstrar que a essência real e eterna das coisas existe. Usou como argumento a possibilidade de pensar figuras geométricas puras, que não existem no mundo físico. Da mesma forma, todo homem tem as noções de bem e justiça, por exemplo, que não têm correspondente no mundo sensível. Concluiu pela existência de um mundo de essências imutáveis e perfeitas, as idéias arquetípicas. Estas constituiriam a realidade inteligível -- objeto de conhecimento científico ou epistemológico --, cujas leis o mundo sensível -- objeto de opinião -- reproduziria de forma imperfeita. O homem, por ter corpo e alma, pertenceria simultaneamente a esses dois mundos.Na hierarquia das idéias, situa-se no topo a idéia do bem, da qual participam as demais. Logo abaixo estão as idéias de beleza, verdade e simetria e, em plano inferior, os valores éticos e os conceitos matemáticos. Além disso, cada classe de ser existente no mundo sensível possui sua forma ideal: homem, cachorro, casa etc. A relação entre os diferentes seres que constituem uma classe e seu arquétipo, por exemplo, entre um homem e a idéia de homem, se explica pelo fato de serem os objetos sensíveis cópias ou imitações da idéia perfeita.Alma. Segundo Platão, a alma é anterior ao corpo, e antes de aprisionar-se nele, pertenceu ao mundo das idéias. Sua natureza é tripartida: no nível inferior, está a alma sensível, morada dos desejos e das paixões, à qual corresponde a virtude da moderação ou temperança; vem em seguida a alma irascível, que impele à ação e ao valor; sobre elas está a alma racional, que pertence à ordem inteligível e permite ao homem recordar sua existência anterior (teoria da reminiscência) e aceder ao mundo das idéias, mediante o cultivo da filosofia. A alma superior é imortal e retornará à esfera das idéias após a morte do corpo. Tais faculdades ou capacidades da alma se relacionam harmoniosamente por meio da virtude mais importante-- o sentimento de justiça -- e constituem aspectos de uma única e mesma realidade.Ética e política. A morte de Sócrates e as experiências políticas na Sicília levaram Platão a verificar que não é possível ser justo na cidade injusta e que a realização da filosofia implica não só a educação do homem, mas a reforma da sociedade e do estado. O sentido da filosofia -- o amor da sabedoria -- é o de conduzir o homem do mundo das aparências ao mundo da realidade, ou da contemplação das sombras à visão das idéias, imutáveis e eternas, iluminadas pela idéia suprema do bem. As concepções éticas e políticas de Platão são um prolongamento natural de sua teoria da alma. Uma vez que o homem acede às idéias por meio da razão e que as idéias são presididas pelo bem, o homem sábio será também necessariamente bom. Para isso, contudo, é preciso que a sociedade reproduza a ordem da alma.A justiça consiste na relação harmônica entre as partes, sob o cuidado da razão. Por isso, Platão sugeriu em A república, obra em que expõe suas idéias políticas, filosóficas, estéticas e jurídicas, um estado composto por três estamentos: (1) os regentes filósofos, sob o predomínio da alma racional; (2) os guerreiros guardiães, defensores do estado e cujos valores residem na alma irascível; (3) e a classe inferior dos produtores, regidos pela alma sensível, controlados mediante a temperança.Platão foi um dos filósofos mais influentes de todos os tempos. Seu pensamento domina a filosofia cristã antiga e medieval. Os ideais estéticos e humanistas do Renascimento constituíram também uma recuperação do platonismo. Há elementos platônicos também em pensadores modernos, como Leibniz e Hegel. Platão morreu em Atenas, em 348 ou 347 a.C.Neoplatonismo

AristótelesSe com Platão a filosofia já havia alcançado extraordinário nível conceitual, pode-se afirmar que Aristóteles -- pelo rigor de sua metodologia, pela amplitude dos campos em que atuou e por seu empenho em considerar todas as manifestações do conhecimento humano como ramos de um mesmo tronco -- foi o primeiro pesquisador científico no sentido atual do termo.

Page 9: Apostila de Filosofia

Aristóteles nasceu em Estagira (donde ser dito "o Estagirita"), Macedônia, em 384 a.C. Em Atenas desde 367, foi durante vinte anos discípulo de Platão. Com a morte do mestre, instalou-se em Asso, na Eólida, e depois em Lesbos, até ser chamado em 343 à corte de Filipe da Macedônia para encarregar-se da educação de seu filho, que passaria à história como Alexandre o Grande. Em 333 voltou a Atenas, onde fundou o Liceu. Durante 13 anos dedicou-se ao ensino e à elaboração da maior parte de suas obras.Obra e doutrina. Perderam-se todas as obras publicadas por Aristóteles, com exceção da Constituição de Atenas, descoberta em 1890. As obras conhecidas resultaram de notas para cursos e conferências do filósofo, ordenadas de início por alguns discípulos e depois, de forma mais sistemática, por Adronico de Rodes (c. 60 a.C.).As principais obras de Aristóteles, agrupadas por matérias, são: (1) Lógica: Categorias, Da interpretação, Primeira e segunda analítica, Tópicos, Refutações dos sofistas; (2) Filosofia da natureza: Física; (3) Psicologia e antropologia: Sobre a alma, além de um conjunto de pequenos tratados físicos; (4) Zoologia: Sobre a história dos animais; (5) Metafísica: Metafísica; (6) Ética: Ética a Nicômaco, Grande ética, Ética a Eudemo; (7) Política: Política, Econômica; (8) Retórica e poética: Retórica, Poética.Como nenhum filósofo antes dele, Aristóteles compreendeu a necessidade de integrar o pensamento anterior a sua própria pesquisa. Por isso começa procurando resolver o problema do conhecimento do ser a partir das antinomias acumuladas por seus predecessores: unidade e multiplicidade, percepção intelectual e percepção sensível, identidade e mudança, problemas fundamentais, ao mesmo tempo, do ser e do conhecimento.O dualismo platônico -- o mundo da inteligência separado do das coisas sensíveis -- visava antes de tudo a salvar a ciência, estabelecendo a coerência necessária entre o conceito e seu objeto. O realismo de Aristóteles procura restabelecer essa coerência sem abandonar o mundo sensível: explora a experiência, e nela mesma insere o dualismo entre o inteligível e o sensível.O projeto de Aristóteles visa em última análise restabelecer a unidade do homem consigo mesmo e com o mundo, tanto quanto o projeto de Platão, baseado numa visão do cosmos. Entretanto, Aristóteles censura a Platão ter seguido um caminho ilusório, que retira a natureza do alcance da ciência. Aristóteles procura apoio na psicologia. O ser existe diferentemente na inteligência e nas coisas, mas o intelecto ativo, que é atributo da primeira, capta nas últimas o que elas têm de inteligível, estabelecendo-se dessa forma um plano de homogeneidade.Lógica. Nos primeiros séculos da era cristã, os escritos lógicos de Aristóteles foram reunidos sob a denominação de Órganon (já que se considerava a lógica apenas um instrumento da ciência, um órganon). Primeira das obras integrantes do Órganon, os Tópicos classificam os diferentes modos de atribuição de um predicado a um sujeito. Cabe destacar ainda nos Tópicos o esboço da teoria do silogismo, que, no entanto, só foi consolidada na Primeira analítica.Essa teoria se caracteriza pelo propósito de demonstrar a correção formal do raciocínio, independentemente de sua verdade objetiva. Assim, se todo B é A e se todo C é B, todo C é A. A primeira proposição é a maior; a segunda, a menor; e a última, a conclusão. Duas espécies de objeções se levantam contra a teoria do silogismo. A primeira: o silogismo encerra uma petição de princípio, uma vez que a verdade da conclusão já está contida na maior. A segunda: o silogismo explicita conteúdos de uma essência sem apoio da experiência.Na Segunda analítica se encontra, virtualmente, a resposta de Aristóteles à primeira objeção: a aplicação da idéia geral no caso particular não se processa mecanicamente, mas decorre de uma operação de certo modo criadora, de conversão de um saber potencial num saber atual. A idéia geral, além disso, representa o resultado de difícil elaboração que transcende os dados da percepção direta. Daí a necessidade de complementar o método silogístico, que parte do geral para o particular, com o método indutivo, que vai do particular ao geral. Todo o saber, contudo, depende de princípios indemonstráveis, mas necessários a qualquer demonstração: os axiomas.Metafísica. Sob esse título estão reunidos 14 livros de Aristóteles que tratam do ser no sentido mais amplo ou mais radical. Duas questões se destacam na metafísica aristotélica: a da unidade do ser e a da existência de essências separadas.Quanto à primeira, admite Aristóteles diferentes maneiras de ser, que ele denomina categorias, ressaltando dez: essência, qualidade, quantidade, relação, lugar, tempo, situação, o ter, ação e paixão. As categorias são os "gêneros supremos do ser", já que a este se referem diretamente, como suas determinações mais radicais. A ciência do ser tem um objeto real, aquele a que, direta ou indiretamente, se referem todos os "gêneros supremos": a essência. Aí se funda, para muitos, a teoria da analogia do ser, pela qual se conciliam a unidade e pluralidade deste. O ser unívoco existe, contudo, separado do mundo sensível: é pura essência, à qual não se pode atribuir nenhuma outra categoria além da própria essência.A filosofia da natureza, um dos fundamentos da filosofia especulativa de Aristóteles, sustenta que a mudança nos seres não contraria o princípio de identidade, já que representa apenas a atualização da potência nelas contidas. A partir daí, o filósofo apóia sua física em duas teorias filosóficas: a da substância e do acidente, e a das quatro causas.A substância é o que existe por si, o elemento estável das coisas, e o acidente, o que só noutro pode existir, como determinação secundária e cambiante. Graças à união entre os dois princípios, a substância se manifesta através dos acidentes: "o agir segue o ser". Por outro lado, dependem os seres de quatro causas: material, formal, eficiente e final, estando ligada, à primeira, a potencialidade de cada ser; à segunda, a especificidade; à terceira, a existência; e à quarta, a intenção.

Page 10: Apostila de Filosofia

Ética e política. No diálogo perdido Da justiça já se anunciavam alguns dos temas expostos nos oito fragmentos reunidos por Andronico sob o título de Política. Escritos ao longo de toda a vida de Aristóteles, são tudo o que resta da sua obra sobre o assunto.Aristóteles foi o primeiro filósofo a distinguir a ética da política, centrada a primeira na ação voluntária e moral do indivíduo enquanto tal, e a segunda, nas vinculações deste com a comunidade. Dotado de lógos, "palavra", isto é, de comunicação, o homem é um animal político, inclinado a fazer parte de uma pólis, a "cidade" enquanto sociedade política. A cidade precede assim a família, e até o indivíduo, porque responde a um impulso natural. Dos círculos em que o homem se move, a família, a tribo, a pólis, só esta última constitui uma sociedade perfeita. Daí serem políticas, de certo modo, todas as relações humanas. A pólis é o fim (télos) e a causa final da associação humana. Uma forma especial de amizade, a concórdia, constitui seu alicerce.Os regimes políticos caracterizam-se pela solução que oferecem às relações entre a parte e o todo na comunidade. Há três formas boas: monarquia, aristocracia e politéia (um compromisso entre a democracia e a oligarquia, mas que tende à primeira). À monarquia interessa basicamente a unidade da pólis; à aristocracia, seu aprimoramento; à democracia, a liberdade. O regime perfeito integrará as vantagens dessas três formas, rejeitando as deformações de cada uma: tirania, oligarquia e demagogia. A relação unidade-pluralidade aparece, ainda, sob outro aspecto: o da lei e da concórdia como processos complementares.Poética. Entre as ciências do fazer, apenas a obra de arte mereceu estudo sistemático de Aristóteles. Ele distingue as artes úteis das artes de imitação, sendo que estas últimas, ao contrário do que o nome parece indicar, exprimem o dinamismo criador do homem completando a obra da natureza: ele tem de captar através da idéia o que na natureza se encontra, por assim dizer, apenas esboçado ou latente.Na Poética, Aristóteles confere grande relevo a sua teoria da tragédia, que exerceu notável influência sobre o teatro desde a época do Renascimento. Segundo sua própria concepção de poesia, salientou a importância da imitação ou mímesis, não como mero decalque da realidade, mas como uma recriação da vida: a tragédia imita "não os homens, mas uma ação e a vida". Também a ação, para ele, é fundamental: os caracteres devem surgir como sua decorrência, recomendando o filósofo o recurso à ação histórica, tomada de empréstimo para a obra de arte. Preocupado ainda com o efeito da tragédia sobre o espectador, enuncia seu conceito de cathársis (purificação das paixões), objetivo que, para Aristóteles, é indispensável.Física e ciências naturais. Basicamente o conteúdo da Física de Aristóteles é a realidade sensível, na qual a idéia é inteiramente envolvida pela matéria. O físico deve possuir um acurado espírito de observação. A realidade natural, em seus aspectos mais gerais, é autônoma, contrapondo-se à espontaneidade acidental que exprime os efeitos inesperados que as coisas produzem em nós. A natureza é uma autocriação, e o ser potencial que nela atua é o movimento, o qual se apresenta, sob o aspecto quantitativo, como aumento e diminuição e, sob o aspecto espacial, como locomoção e translação.Dos temas tratados na física aristotélica, o mais paradoxal é a dinâmica. O conceito básico da dinâmica de Aristóteles é de que um corpo inanimado não pode permanecer em movimento sem a ação constante de uma força. Partindo de sua teoria do movimento, o filósofo estabelece os dois princípios básicos que se encontram no mesmo ser, a ação e a potência, os quais constituem o fundamento da sua dinâmica. Em contraposição, a matéria e a forma são os princípios básicos da estática.O mundo animal é analisado com amplitude e considerado por Aristóteles como um espaço intermediário entre a física e a psicologia. Os seres orgânicos apresentam aspectos diversos, mas todos são constituídos de matéria (o corpo) e de forma (o princípio do movimento). Os animais são mais perfeitos do que as plantas e de constituição mais complexa.A anatomia aristotélica ressalta a importância da distribuição da matéria nas funções orgânicas. O correlacionamento entre os estados psíquicos e os processos fisiológicos só se verifica nos seres mais desenvolvidos. Os animais superiores são dotados de matéria, forma, movimento, sensibilidade e potencialidade receptiva. Enquanto as plantas possuem apenas propriedades nutritivas, os animais são também dotados de propriedades sensitivas e motoras. O homem ocupa o vértice da pirâmide, aliando a todas essas propriedades uma potencialidade receptiva em grau elevado.Com a morte de Alexandre (323), Aristóteles teve de fugir à perseguição dos democratas atenienses, refugiando-se em Cálcide, na Eubéia, onde morreu em 322 a.C.