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131 Anuário da Produção Acadêmica Docente Vol. III, Nº. 4, Ano 2009 Maria Beatriz Terossi Centro Universitário Anhanguera UNIFIAN Leme [email protected] Adriana Paula D'Angelo Centro Universitário Anhanguera UNIFIAN Leme [email protected] Daniela Avelar de Bessa Stilli Centro Universitário Anhanguera UNIFIAN Leme [email protected] FUTEBOL E GÊNERO: A VISÃO NACIONAL SOBRE A PRÁTICA DO FUTEBOL ENTRE AS MULHERES RESUMO As questões referentes ao gênero têm acompanhado a humanidade desde sua origem. Quando abordado o conteúdo futebol, pode ocorrer certa diferenciação de valores para homens e mulheres. Futebol e gênero são o tema deste estudo, que tem por objetivo investigar como a prática de futebol por indivíduos do sexo feminino é vista pela sociedade brasileira. A metodologia aplicada foi revisão de literatura, através da qual foram analisados registros sobre o histórico do futebol, o futebol no Brasil, a evolução histórica das atividades físicas entre as mulheres brasileiras, assim como gênero e Educação Física. Discutiu-se sobre a não exclusão baseada no gênero do esportista, metodologia de ensino e treinamento de futebol para menina e menino. Através dos conhecimentos referentes à elaboração do presente artigo, constatou-se que para se alcançar os objetivos almejados através do futebol, o professor de Educação Física deverá conhecer a realidade, nível cognitivo e desenvolvimento das habilidades e capacidades físicas de seus alunos. Para conseguir uma evolução grupal simultânea desses aspectos e proporcionar condições adequadas para a prática de futebol, tanto para meninos quanto para as meninas e não considerar o fator gênero como obstáculo à prática do futebol. Palavras-Chave: futebol; gênero; Educação Física; história; inclusão. ABSTRACT Issues relating to gender has accompanied mankind since its inception. When approached the football content, there may be some differentiation of values for men and women. Football and gender is the subject of this study is to investigate how the practice of football for female individuals is seen by Brazilian society. The methodology used was a literature review, by which we analyzed records of the history of football, football in Brazil, the historical development of physical activities among Brazilian women, as well as gender and physical education. It was discussed on the non-exclusion based on gender of the athlete, teaching methodology and training of football to girl and boy. Through the knowledge related to the preparation of this article, found that to achieve the goals set by the football, physical education teacher should know the reality, and cognitive development of skills and physical abilities of their students. To achieve a simultaneous development group these aspects and provide appropriate conditions for playing football, for both boys and girls and not consider the gender factor as an obstacle to soccer practice. Keywords: football; gender; Physical Education; history; inclusion. Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected] Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Artigo Original Recebido em: 3/2/2010 Avaliado em: 12/3/2010 Publicação: 19 de março de 2010 ANUDO n4_miolo.pdf 131 13/4/2010 18:20:39

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Anuário da Produção Acadêmica Docente Vol. III, Nº. 4, Ano 2009

Maria Beatriz Terossi Centro Universitário Anhanguera UNIFIAN Leme [email protected]

Adriana Paula D'Angelo Centro Universitário Anhanguera UNIFIAN Leme [email protected]

Daniela Avelar de Bessa Stilli Centro Universitário Anhanguera UNIFIAN Leme [email protected]

FUTEBOL E GÊNERO: A VISÃO NACIONAL SOBRE A PRÁTICA DO FUTEBOL ENTRE AS MULHERES

RESUMO

As questões referentes ao gênero têm acompanhado a humanidade desde sua origem. Quando abordado o conteúdo futebol, pode ocorrer certa diferenciação de valores para homens e mulheres. Futebol e gênero são o tema deste estudo, que tem por objetivo investigar como a prática de futebol por indivíduos do sexo feminino é vista pela sociedade brasileira. A metodologia aplicada foi revisão de literatura, através da qual foram analisados registros sobre o histórico do futebol, o futebol no Brasil, a evolução histórica das atividades físicas entre as mulheres brasileiras, assim como gênero e Educação Física. Discutiu-se sobre a não exclusão baseada no gênero do esportista, metodologia de ensino e treinamento de futebol para menina e menino. Através dos conhecimentos referentes à elaboração do presente artigo, constatou-se que para se alcançar os objetivos almejados através do futebol, o professor de Educação Física deverá conhecer a realidade, nível cognitivo e desenvolvimento das habilidades e capacidades físicas de seus alunos. Para conseguir uma evolução grupal simultânea desses aspectos e proporcionar condições adequadas para a prática de futebol, tanto para meninos quanto para as meninas e não considerar o fator gênero como obstáculo à prática do futebol.

Palavras-Chave: futebol; gênero; Educação Física; história; inclusão.

ABSTRACT

Issues relating to gender has accompanied mankind since its inception. When approached the football content, there may be some differentiation of values for men and women. Football and gender is the subject of this study is to investigate how the practice of football for female individuals is seen by Brazilian society. The methodology used was a literature review, by which we analyzed records of the history of football, football in Brazil, the historical development of physical activities among Brazilian women, as well as gender and physical education. It was discussed on the non-exclusion based on gender of the athlete, teaching methodology and training of football to girl and boy. Through the knowledge related to the preparation of this article, found that to achieve the goals set by the football, physical education teacher should know the reality, and cognitive development of skills and physical abilities of their students. To achieve a simultaneous development group these aspects and provide appropriate conditions for playing football, for both boys and girls and not consider the gender factor as an obstacle to soccer practice.

Keywords: football; gender; Physical Education; history; inclusion.

Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato

Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

Artigo Original Recebido em: 3/2/2010 Avaliado em: 12/3/2010

Publicação: 19 de março de 2010

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1. INTRODUÇÃO

O papel do homem primitivo era conseguir alimento e proteção para a sua família

enquanto a mulher cuidava dos afazeres domésticos. O tempo passou, mas durante várias

gerações essa aparente submissão feminina imperou. Mulheres não podiam trabalhar,

votar, dirigir, usar calças, praticar atividades físicas e demais atribuições consideradas

pela sociedade da época exclusividade masculina.

Essas diferenças estão gradativamente deixando de existir para a maioria das

mulheres nos tempos atuais. As mulheres têm conquistado vários direitos que antes lhes

eram negadas simplesmente pelo fato de serem do sexo feminino.

Estuda-se por meio desse artigo futebol e gênero e como a prática de futebol por

indivíduos do sexo feminino é vista pela sociedade brasileira. Portanto, o objetivo deste

estudo é verificar o futebol e gênero sob a visão nacional, mediante revisão de literatura,

através da qual investiga-se o histórico do futebol, o futebol no Brasil, a evolução histórica

das atividades físicas entre as mulheres brasileiras, assim como gênero e Educação Física.

Discute-se sobre a não exclusão baseada no gênero do esportista e metodologia de ensino

e treinamento de futebol para menina e menino.

2. HISTÓRICO DO FUTEBOL

A origem do futebol é mencionada por historiadores através de jogos com bola de bambu

e utilização dos pés e mãos, fatos ocorridos na China desde cinco mil anos a.C. e no Japão

por volta de 4500 a.C., há mais de sete mil anos dos dias atuais, conforme (LEAL, 2001).

Ainda Leal (2001) descreve a invenção do futebol por Yang-Tsé durante o seu

reinado em 2500 a.C., através do qual 8 (oito) jogadores utilizavam um campo de 14

metros quadrados e em cada extremo do campo haviam duas estacas ligadas por um fio

de seda, a bola possuía 22 cm de diâmetro e era feita de couro com recheio de cabelo e

crina.

Jesus (2000) descreve o relacionamento entre o processo de difusão espacial do

futebol e o imperialismo inglês. Nem todas as regiões recebedoras do futebol eram

colônias inglesas, mas consistiam nos países com os quais a Inglaterra mantinha relações

comerciais, industriais e portuárias. Países como Brasil, Argentina, Uruguai, França e

Espanha atestam a importância dos portos como portas de entrada do futebol e apontam a

atuação das rotas comerciais como meio eficaz de difusão do futebol. Na América do Sul,

os agentes de difusão não eram apenas os marinheiros, técnicos de ferrovias ou operários

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de minas, mas também professores de estabelecimentos educacionais próprios criados

devido à presença de numerosa colônia inglesa. Jovens bacharéis que estudavam em

universidades européias aprendiam o novo esporte e ao regressarem a sua terra natal

difundiam o futebol como atividade saudável portadora dos benefícios da civilização

européia capaz de aperfeiçoar o caráter e outros atributos morais. Os agentes religiosos de

diversos segmentos da Igreja Católica já haviam incorporado em sua pedagogia a prática

esportiva no fim do século XIX, e devido a ampla dispersão geográfica de missionários

europeus pelos outros continentes esses colaboraram também na difusão do futebol.

As características atuais foram estabelecidas ao foot-ball a partir do hurling em

1823, que distinguia-se do rugby que era predominantemente jogado com as mãos.

William Ebb Ellis, da Universidade de Rugby, pegou a bola com a mão e cruzou a linha de

gol, após correr driblando vários oponentes. As regras foram unificadas em 1848, com a

participação de Harrow, Eestminster e alunos de Elton. Inicialmente eram 14, que foram

acrescidas pelas regras de impedimento, árbitro, goleiro usando as mãos, arremesso

lateral, escanteio, pênalti e troca de lado na metade do tempo ao invés de a cada gol

(LEAL, 2001).

O futebol cresceu rapidamente na Inglaterra e, em 26 de outubro de 1863, na Freemason Tavern, Great Queen Street, em Londres, foi fundada a Federação Inglesa de Futebol (English Foot Ball Association) – daí o nome Association, e não em função de o jogo ser praticado coletivamente. Da Inglaterra, o esporte foi levado para outros países, como Dinamarca e Itália. Na América do Sul, o primeiro clube a ser fundado foi na Argentina (Buenos Aires Football Club – B.A.F.C., em 1867) (LEAL, 2001, p. 24).

Com a finalidade de uniformizar as regras, foi fundada em 1883 pelas 4 (quatro)

Federações Inglesas a IFAB (International Football Association Board) que é o órgão que

regulamenta as regras do futebol. Após a criação da FIFA (Fédération Internationale de

Football Association) em 1904, a entidade adotou as regras estabelecidas pela IFAB. Com

o crescimento do futebol pelo mundo, especialmente na Europa, a FIFA foi admitida pela

International Board em 1913.

Na Inglaterra, o futebol já era jogado profissionalmente em 1888. A FIFA, que foi

dirigida de 11 de junho de 1974 até junho de 1998 pelo brasileiro Jean Marie Faustin

Godefroid Havelange, o doutor João Havelange, que teve como sucessor o suíço Joseph

Blatter. As fundadoras da FIFA foram as Associações da França, Bélgica, Dinamarca,

Holanda, Espanha e Suíça (LEAL, 2001).

Entende-se que “A FIFA não apenas auxiliou as Federações mais poderosas a

popularizarem o esporte, como também executou programas de aperfeiçoamento em

todos os níveis nas Federações dos continentes africano, asiático e oceânico” (LEAL, 2001,

p. 25).

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A cada 4 (quatro) anos se realiza a Copa do Mundo, que atrai a atenção de uma

grande parte da população mundial, que chega ao cessar-fogo ou ao começo de novos

conflitos e guerras motivados pelo futebol (LEAL, 2001).

3. O FUTEBOL NO BRASIL

Há dúvidas quanto à origem do esporte no Brasil, mas:

Como foot-ball, a idéia aceita é a do nascimento a 14 de abril de 1895, em São Paulo, quando aconteceu a primeira partida, sob o signo do zodíaco, Áries, que simboliza audácia, ação, força e energia, além de exercitar as grandes lideranças e o domínio das massas (LEAL, 2001, p. 26).

Conforme relata Leal (2001), o futebol surgiu no Brasil trazido por Charles

Muller, brasileiro descendente de ingleses nascido em 1874 e educado na Banister Court

School, Southampton, Inglaterra. Charles Muller conheceu e praticou o foot-ball quando

jogou no time do Condado de Hampshire. Em 1894 voltou ao Brasil, trouxe as duas

primeiras bolas e uma delas por ainda conter pêlos no couro foi apelidada de “Peluda”,

uniformes e chuteiras. O primeiro jogo organizado por Charles Muller, também

participante, aconteceu no São Paulo Atletic Club, clube de ingleses fundado em 1888, que

tinha como jogo principal o críquete. A implantação do futebol no Brasil foi reforçada em

1897 com a formação do Nobiling Team, formado por Hans Nobiling, que era imigrante

alemão. Após o desaparecimento do Nobiling Team, alemães fundaram o S. C. Germânia,

que daria origem em 1899 ao S. C. Internacional de Porto Alegre.

Sabe-se que “O primeiro clube de futebol foi o Associação Atlética Mackenzie,

criado em 1898” (LEAL, 2001, p. 26).

O football ficou conhecido como o “violento esporte bretão” devido às

características de jogo oriundas da Inglaterra. Era jogado apenas por brancos e priorizava

passes altos e longos, à frente, disputas viris, chutes de bico e dribles. Chegou ao Rio de

Janeiro através dos irmãos Cox em 1900 e em seguida na Bahia. Em 1901 foi fundada a

Liga Paulista de Football. Em 1902 surgiu no Rio de Janeiro o primeiro clube a utilizar o

esporte a partir do nome, o Fluminense Foot Ball Club. As primeiras partidas

internacionais possuíam resultados adversos, com primeiro match perdido por 6 x 0 para

os ingleses do navio South Africa e a primeira vitória em 1911, ocorrida em São Paulo de 3

x 0, obtida pelo Sport Club Americano contra um combinado uruguaio, considerada

grande feito, pelo fato de que o Uruguai e a Argentina serem adversários que impunham

sérias derrotas ao Brasil. As vitórias internacionais obtidas pelo S. C. Americano em 1913,

nas cidades de Buenos Aires e Montevidéu, vieram junto com a conquista do campeonato

paulista naquele ano (LEAL, 2001).

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Nos jogos amistosos e campeonatos os participantes eram membros da elite, com

muitos projetos de estudo no país e exterior. Ajudavam os pais e família no comando dos

negócios, e por isso tinham pouco tempo para praticar e treinar. Esses pioneiros jogavam

em uma disputa viril, de longos passes e chutões para o ataque, os cruzamentos eram

feitos pelos ponteiros (wings) e as finalizações no meio na área pelos centro-avantes (center

forwards), que tentavam converter gols (goals), e lhes era permitido empurrar os goleiros

(goal-keepers) com bola e tudo para dentro das balizas. Os jovens de classe média e baixa,

assim como os precursores, eram movidos pela profunda paixão e amor definitivo.

Praticava-se o futebol nas ruas, quintais e em todas as áreas livres dos subúrbios das

grandes cidades. Devido aos espaços reduzidos e campos irregulares, os jogadores

utilizavam passes e domínios mais curtos e precisos, assim como condução, fintas e

dribles. As bolas eram irregulares, tinham pesos e tamanhos diferentes, poderiam ser de

meia, bexigas, frutas, ou qualquer coisa arredondada. Acrescido dos fatores que foram

apresentados, a constituição biotipológica do brasileiro em razão da miscigenação entre a

raça branca dos colonizadores e a negra dos escravos trazidos por eles, originando o

mulato, ajudou a formar um povo dotado de qualidades propícias à prática do futebol,

como velocidade, agilidade, ginga, dentre outras (LEAL, 2001).

Fora dos gramados,

Desenvolveu-se aqui, nos terrenos baldios e campos de várzea, uma forma toda peculiar de jogar e uma inteligência de atuar que logo proporcionaram ao Brasil participar da evolução dos Sistemas de Jogo, das Estratégias e das Táticas (LEAL, 2001, p. 28).

Helal e Gordon (1998, p. 22) ainda afirmam que:

[...] percebe-se um determinado estilo, observado pelos agentes do universo futebolístico, incluindo-se aí a imprensa nacional e internacional. Esse estilo privilegiaria o drible, o toque de bola, o improviso e a criatividade e ficou sendo denominado “futebol-arte” em contraste com um estilo que privilegia a força física e a aplicação tática, o chamado “futebol-força”, praticado, em sua maioria, pelos clubes europeus.

Com a popularização do futebol, a aristocracia deixa de ir aos estádios levando

suas filhas e filhos. Os jogadores entram em campo pelo talento, e não mais devido ao

sobrenome. O público freqüentador de salões de fábricas e também mulheres das classes

menos favorecidas acompanham o futebol. O elitismo e bons modos deram lugar à alegria

e vibração dos populares nas arquibancadas (FRANZINI, 2005).

Segundo Leal (2001), tentou-se substituir o termo futebol por balípodo, pois

futebol era um estrangeirismo de feição morfológica inglesa, enquanto balípodo tinha

origem grega, que era mais própria à formação da língua portuguesa, significava lançar

com o pé. Também foi criada a palavra ludopédio (do latim ludus=jogo e pedium=com os

pés). Os gregos chamam hoje ao futebol de podósfero (original podosjairo, de podos=pé +

sjaira=bola, esfera).

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“A diversidade de como o futebol é praticado atualmente - do campo ao salão, da

areia ao ‘society’ - representa o pensamento de um sentimento inexplicável que o ser

humano atribui a esse fenômeno” (OLIVEIRA et al., 2006, p. 209).

4. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS ATIVIDADES FÍSICAS ENTRE AS MULHERES BRASILEIRAS

O direito ao voto pelas mulheres em 1934 foi uma das significativas conquistas femininas

ao longo da história. O papel de mãe e responsável pelos afazeres domésticos, na opinião

da sociedade machista, deveriam ser exclusivamente atribuições femininas. As mulheres

eram privadas da inclusão no mercado de trabalho, assim como das atividades físicas.

Goellner (2005) relata a inserção das mulheres no mundo dos esportes em

meados do século XIX e ampliada e mais visível no século XX. Até meados do século XIX,

a sociedade conservadora não permitia a participação das mulheres em ambientes

esportivos por julgar que eram criadas para serem apenas esposas e mães. Nesse período

não havia atividades físicas e esportivas nas instituições de ensino, e foram implantadas

mediante intervenção dos médicos higienistas, que exerciam grande influência na

intimidade das famílias e ditavam normas de comportamento de homens e mulheres,

referentes ao asseio, banhos, vestimentas e realização das atividades físicas. Às mulheres

os exercícios objetivavam a preservação e constituição de uma boa maternidade, que era

considerada até aquele momento a mais nobre missão da mulher, pois dela dependia a

regeneração da sociedade.

As mulheres eram seduzidas e desafiadas durante a fase de estruturação do

esporte feminino no país com idéias progressistas e moralistas, que ora forjava novas

formas de cuidar de si, ora associando a exibição do corpo ao universo pagão das

impurezas e obscenidades. Ao mesmo tempo que criticava-se a indolência, falta de

exercícios físicos e confinamento no lar, também impunha as restrições aos ambientes

públicos para evitar possíveis atrevimentos. Temos como exemplo o futebol. Moralistas,

médicos, juízes e religiosos, assim como grande parte das mulheres que eram portadoras

de rígida moral, consideravam a prática esportiva, cuidado com a aparência, mudanças de

atitudes, e artifícios estéticos, como de natureza vulgar. Essas mulheres abrandavam o

discurso da maternidade como obrigação feminina e a mais nobre missão da mulher

(GOELLNER, 2005).

Nas Olimpíadas de 1932, sediada na cidade de Los Angeles, o Brasil registrou a

primeira participação de uma atleta brasileira. Maria Lenk era uma nadadora paulista de

17 anos e sua participação foi um marco importante para a divulgação da imagem da

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atleta de competição. Nesse tempo cabia às mulheres assistência e não a prática esportiva

em competições. Começaram a ocorrer discursos sobre o perigo da prática competitiva

para as mulheres, consideradas de natureza frágil. Temia-se pela masculinização da

mulher, pois se acreditava que suor excessivo, esforço físico, rivalidade consentida,

músculos delineados, corpo espetacularizado, movimentos livres e roupas leves, eram

contra a imagem ideal feminina e poderiam contribuir para a desestruturação do espaço

esportivo, que socialmente foi criado e mantido sob domínio masculino, consolidado pela

suposta superioridade deles em relação a elas assentada na biologia do corpo e do sexo.

Havia o receio de que a participação das mulheres em atividades esportivas pudessem

desonrá-las e também o sucesso nessas práticas poderia ir contra as leis da natureza, que

mostrava as mulheres mais fortes, contrariando o princípio da sobrepujança física do sexo

masculino sobre o feminino, conforme descreve Goellner (2005). O temor referente à

prática de atividades físicas pelas mulheres resultou na apresentação feita em 1941 pelo

General Newton Cavalcanti ao Conselho Nacional de Desportos, de algumas instruções

para a prática de esportes femininos, que serviu de base para a elaboração de uma

documento que oficializou a interdição das mulheres em algumas modalidades

esportivas, conforme descrevem Mourão e Morel (2005):

[...] em 1941, é promulgado o decreto-lei n. 3.199, que até o ano de 1975 estabeleceu as bases de Organização dos Desportos em todo o país. E em seu artigo 54, faz referências à prática do esporte pelas mulheres. Preceitua que: “[...] Às mulheres não se permitirá à prática dos esportes incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo para este efeito, o Conselho Nacional dos Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país [...]”. Ainda em 1941, o general Newton Cavalcanti apresentou ao Conselho Nacional de Desportos algumas instruções que considerava necessárias para a regulamentação da prática dos esportes femininos. Estas serviram de base para a elaboração de um documento que oficializou a interdição das mulheres a algumas práticas esportivas, tais como as lutas, o boxe, a prática do futebol, rugby, pólo, water-polo, por constituírem desportos violentos e não adaptáveis ao sexo feminino. Desta forma, o futebol passa a ser uma prática vedada às mulheres e, estigmatizado pela norma, “desaparece” da cena esportiva feminina brasileira.

Algumas modalidades poderiam ser praticadas dentro de limites. Atividades

como o remo, não poderiam gerar competições e seus objetivos centravam-se na correção

de defeitos orgânicos, e menores esforços exigidos das mulheres relacionadas aos homens

em certas competições de atletismo. Não era permitida a prática de lutas, boxe, salto com

vara, salto triplo, decatlo, pentatlo, pólo aquático, rugby, halterofilismo e baseball

(GOELLNER, 2005).

O uso que as mulheres faziam de seu próprio corpo durante a prática esportiva,

incluindo o futebol, era preocupante. De acordo com as idéias machistas e moralistas, o

bem-estar e as funções naturais, principalmente a maternidade, poderiam ser

prejudicados devido à subversão de papéis, segundo Franzini (2005). Ainda Franzini

(2005) discorre que era obrigação da mulher contribuir com o fortalecimento da nação e

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depuramento da raça gerando filhos saudáveis e para isso deveria preservar a sua própria

saúde, excluindo a prática de certos esportes, como o futebol, por exemplo.

Segundo Goellner (2005), mesmo com a interdição, várias mulheres indiferentes

às convenções morais e sociais, aderiram às práticas esportivas movidas pela sedução e

desafio que elas representavam, o que resultou na ampliação da participação feminina no

esporte e a emergência de algumas competições de grande porte destinadas

exclusivamente às mulheres.

Um dos esportes considerados impróprios para a prática feminina devido ao seu

vigor e violência era o futebol. No Brasil o “futebol de moças” não foi tão bem aceito como

na Europa entre o final da década de 1910 e início dos anos 20. Durante a Primeira Guerra

Mundial, na Inglaterra, enquanto os homens estavam em batalhas, as mulheres foram

forçadas a assumir funções predominantemente masculinas, e por conseqüência

formaram equipes e promoveram jogos beneficentes para levantar fundos para os

soldados do front. Com o fim das guerras, as mulheres voltaram a seu papel social

tradicional e ficaram novamente segregadas às arquibancadas. Nesse mesmo momento na

França, para evitar confrontos com os homens, as futebolistas criaram regras particulares,

continuando o seu jogo até 1926, quando tiveram o mesmo destino das inglesas

(FRANZINI, 2005).

Mourão e Morel (2005) relatam que devido a pouca intimidade e inabilidade que

as jogadoras possuíam, os espectadores consideravam o futebol feminino um

divertimento visto como uma caricatura, com tons de comédia, e despertavam

curiosidade e frenesi. Os eventos de futebol feminino ajudaram no processo de inserção

da mulher na esfera pública, ajudando na legitimação da presença da mulher no esporte.

A idéia de superioridade do sexo masculino sobre o feminino baseada no princípio em

que as atitudes femininas seriam determinadas pelas suas características fisiológicas, que

resultaram nas alterações legislativas no início dos anos 40 fizeram com que somente a

partir da década de 70 ocorressem gradativas mudanças na percepção da resistência à

participação da mulher no esporte, especialmente no futebol feminino.

Goellner (2005) descreve a participação das mulheres no futebol feminino no

início do século XX, menor que a dos homens devido à interdição e a impossibilidade dos

clubes investirem em políticas de inclusão das mulheres no esporte em determinadas

modalidades. A partir da década de 70 ocorreram novas bases para a organização do

esporte no país, e por conseqüência em 1979 foi revogada a deliberação do Conselho

Nacional de Desportos que vedava a prática do futebol e do futebol de salão pelas

mulheres. Esse movimento resultou em novas perspectivas para o futebol feminino no

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Brasil nos primeiros anos da década de 80, quando surgiram vários times femininos,

criação de equipes próprias pelos clubes e visibilidade no calendário esportivo nacional de

alguns campeonatos femininos.

Mourão e Morel (2005) relatam que durante a década de 1970 e início da década

de 1980 o futebol foi noticiado em jornais e revistas, e estas continham manchetes e

narrativas que evidenciavam desigualdades de gênero no futebol através da história

feminina no esporte. Nessa época, os times de futebol de praia reuniam moças de classe

média do bairro de Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro que levavam seus namorados

para assistirem e suas empregadas para jogarem junto com elas na praia de Rodolfo

Dantas. As reportagens referiam-se a esses jogos ridicularizando a presença feminina em

campo através de metáforas polissêmicas e irônicas, pois de acordo com a construção

cultural brasileira o esporte, incluindo o futebol, seria um espaço de práticas sociais

masculinas, concentrando uma resistência à prática feminina, ainda maior referente ao

futebol.

Darido (2002) menciona o importante papel da mídia, citando a Rede

Bandeirantes e seu papel decisivo no fortalecimento e divulgação do futebol feminino no

Brasil, decorrentes de interesses econômicos e não motivados pela tentativa de romper

valores sexistas e discriminadores. No início da década de 80, essa emissora de televisão

possuía um grande espaço destinado ao esporte e devido à disputa com outras redes e

custo alto para a transmissão do futebol masculino, optou por preencher os espaços

destinados ao esporte com o futebol feminino.

Franzini (2005) relata a rápida e impressionante expansão do futebol feminino

registrada a partir da década de 1980. Cita a criação da versão feminina da Copa Do

Mundo como fruto do processo de organização e institucionalização, e conseqüente

criação de uma estrutura equiparável, algumas vezes superior, à do futebol masculino,

que ocorreu em alguns países como China e Estados Unidos, que são dois casos mais

significativos.

Segundo Goellner (2005, n.2), um dos grandes problemas do futebol feminino no

Brasil era a falta de patrocinadores, e para atraí-los a mídia encarregou-se de apelar para a

beleza e erotização dos corpos, argumentando que se elas forem atraentes o público seria

atraído, ampliando os recursos captados através dos jogos, propagandas, produtos e

serviços referentes à modalidade.

Entre os anos 1980 e 1990 ocorreu a maior inserção de mulheres em esportes

como judô, pólo aquático, handebol e futebol, que antes eram considerados violentos para

a participação feminina. Mas ainda a participação masculina é consideravelmente maior

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 4, Ano 2009 • p. 131-146

que das mulheres, verificada nos Jogos Olímpicos, nos clubes esportivos, nas atividades

escolares, nas áreas de lazer, e como espectadores em estádios, ginásios e nos meios de

comunicação em massa, com maior destaque e projeção do que das atletas mulheres

(MOURÃO; MOREL, 2005).

Hoje as atividades físicas parecem estar associadas ao cotidiano feminino.

Independente do objetivo final, os meios podem ser mais acessíveis e os benefícios do

exercício serem desfrutados pelas mulheres, que ainda não são maioria, mas conquistam a

cada dia o direito de “exercitar-se”. A mídia pode contribuir positivamente quando

promove a qualidade de vida através da atividade física ou um movimento de

socialização, igualdade e valorização do universo feminino por intermédio do esporte.

Goellner (2005) descreve a estruturação precária do futebol feminino nacional, com

escassez de campeonatos e contratações de atletas, além da inexistência de políticas

públicas e privadas de incentivo da prática desse esporte por meninas e mulheres. A

mídia esportiva disponibiliza pouco espaço ao futebol feminino, e quando o faz dá ênfase

ao comportamento e imagem, e não ao talento esportivo das atletas, árbitras e treinadoras.

Referente à prática do futebol feminino, entende-se que “A motivação que leva

jovens meninas a procurarem o futebol como atividade desportiva depende em parte da

sua grande exposição na mídia e de suas metas pessoais” (OLIVEIRA et al., 2006, p. 210).

5. GÊNERO E EDUCAÇÃO FÍSICA

Meninos e meninas aparentemente possuem necessidades distintas durante a prática

esportiva. Meninos parecem gostar de atividades desafiadoras e coletivas e as meninas

parecem se preocupar com a estética e atividades de demonstração como ginásticas e

danças, onde o contato corporal ocorra de forma mais harmônica, ao contrário dos

meninos que aparentemente não gostam de participar de apresentações e gostam de

demonstrar sua força em atividades onde os corpos se desafiem em busca de conquistar o

seu espaço.

[...] a idéia de gênero está fundada nas diferenças biológicas entre os sexos. Ela aponta para o caráter implicitamente relacional do feminino e do masculino. Assim gênero é uma categoria relacional porque leva em conta o outro sexo, em presença ou ausência. Além disso, relacionava-se com outras categorias, pois não somos vistos(as) de acordo apenas com o nosso sexo ou com o que a cultura fez dele, mas de uma maneira muito mais ampla: somos classificados(as) de acordo com nossa idade, raça, etnia, classe social, altura e peso corporal, habilidades motoras, dentre muitas outras. Isso ocorre nos diversos espaços sociais, incluindo a escola e as aulas de educação física, sejam ministradas para turmas do mesmo sexo ou não (SOUSA; ALTMAN, 1999, p.55).

Durante as aulas de Educação Física escolar da década de 30, permitia-se aos

homens jogar futebol, basquete e judô, pois eram esportes que exigiam mais esforço, em

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um confronto corpo a corpo com movimentos violentos. As mulheres poderiam praticar

atividades com distância entre os corpos e movimentos suaves, como ginástica rítmica e

voleibol. Essa restrição ocorria devido ao temor pela masculinização da mulher e com o

propósito de evitar lesões, especialmente nos órgãos reprodutores (SOUSA; ALTMAN,

1999).

Ainda existem escolas em que as turmas são divididas de acordo com o sexo, ou

seja, meninos e rapazes não realizam atividades físicas juntamente com as meninas e

moças. Alguns esportes parecem ser destinados a um desses dois grupos distintos.

Mesmo com a ascensão do futebol feminino nacional, ainda assim a prática desse

esporte pelas alunas parece não ser bem aceita por essa atividade requerer movimentos

considerados pela sociedade impróprios para a possível “fragilidade feminina”.

A Educação Física para meninos e para meninas parece ter sofrido varias

transformações conceituais, procedimentais e atitudinais durante o decorrer da história da

humanidade. A evolução das técnicas de ensino-aprenizagem poderá determinar outras

alterações futuras e proporcionar um outro pensamento e aceitação de determinados

conteúdos das aulas de Educação Física.

Samulski (2002) faz comparações entre os sexos e verifica diferenças referentes às

qualidades que refletem a atenção, mas tem o cuidado em evitar a tendência

contemporânea em rejeitar estereótipos culturais de comportamento apropriado para o

sexo, que interfere nos níveis de ação e receptividade de estímulos. O estilo de atenção

feminina possui tendências em detectar e reagir a sugestões sociais súbitas e é marcado a

responder a sugestões emotivas ao mesmo tempo que reduz a intensidade de estímulo

extremamente forte. O estilo de atenção masculina caracteriza-se pelo mínimo de

distração, falta de sensibilidade para o estímulo social, nível de ativação mais alto e

tendência a inibir respostas para sentimentos internos e pensamentos.

De acordo com Giusepp e Romero (2004) a temática gênero/corpo é uma questão

existente nas aulas de Educação Física e provoca discussões sobre a configuração de

padrões de gênero masculino e feminino e sua relação com o corpo e motricidade. Esses

padrões são construídos e cultivados desde o nosso nascimento e são pautados em

referências biológicas e socioculturais. Características como força e velocidade pertencem

aos meninos e a expressão oral e motricidade às meninas. Desde cedo os modelos

seguidos por meninos e meninas tendem a favorecer as expectativas da sociedade,

inicialmente dos pais e sucessivamente de parentes, vizinhos ou de amigos.

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 4, Ano 2009 • p. 131-146

São inúmeros os conflitos e dificuldades enfrentados pelos educadores no que se

refere ao gênero, pois tratam de valores e normas culturais que se transformam muito

lentamente.

Aparentemente, homens geralmente realizam atividades que exijam força,

resistência, agilidade, coletividade como futebol e lutas. Já as mulheres parecem preferir

atividades que não dependam de tanta força, mas sim têm como meta o corpo

esteticamente desejável. Elas buscam as formas consideradas aceitáveis aos padrões

impostos pela sociedade, o que pode desencadear doenças como bulimia e anorexia. As

atividades e exercícios físicos devem seguir os padrões adequados, que respeitem a

individualidade e acompanhados de uma alimentação adequada.

6. A NÃO EXCLUSÃO BASEADA NO GÊNERO DO ESPORTISTA

Sabe-se a importância da realização de atividades físicas para a saúde e uma melhor

qualidade de vida da humanidade, mas tem-se ciência que muitas vezes deve-se superar

obstáculos e paradigmas impostos pela sociedade, como padrões de comportamento

considerados próprios e até exclusivos de determinados gêneros, que podem

impossibilitar que determinados sujeitos vivenciem certos exercícios ou esportes e não

tenham a oportunidade de verificar se possuem afinidade ou não com determinadas

modalidades somente pelo fato de serem do sexo masculino ou feminino.

Percebe-se que “[...] a falta de acesso e oportunidade, aliada a mitos,

particularmente, ao mito da fragilidade feminina, acaba contribuindo para o desinteresse

das meninas pelo futebol” (FREITAS, 2003, p.9).

A prática docente aliada ao comportamento e estratégias durante a aula podem

contribuir positivamente para a inclusão de todos nas atividades, mas aparentemente há a

preferência no ambiente escolar pelo trabalho com os meninos do que meninas. Analisa-

se, principalmente no que se refere ao futsal, que se há uma quadra apenas, essa é

disponibilizada aos alunos, que parecem ter o olhar e atenção do professor voltados

principalmente para eles, enquanto as alunas usam o espaço ou o tempo que lhes sobrar, o

que pode atrapalhar a motivação e contribuir para o abandono da prática esportiva. No

caso da escola possuir duas quadras, possivelmente a que estiver em melhor estado de

conservação será utilizada pelos meninos.

Darido (2002) relata que a maioria das garotas afirma já ter participado de algum

jogo com os pés em casa, nas ruas com os amigos e vizinhos e durantes reuniões

religiosas, mas dificilmente praticam essa atividade no espaço escolar. O esporte, assim

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Anuário da Produção Acadêmica Docente • Vol. III, Nº. 4, Ano 2009 • p. 131-146

como outras práticas corporais, devem ser utilizados no processo de reconhecimento e

reflexão das diferenças entre os alunos e a tolerância e aceitação das diferenças

individuais. Mudanças de regras e outras alternativas que possam facilitar a participação

de todos e permitir uma reflexão sobre a diversidade e a inclusão podem ser utilizados

pelos professores de Educação Física, assim como a adaptação e modificação das

atividades contemplando a heterogeneidade do grupo.

7. METODOLOGIA DE ENSINO E TREINAMENTO DE FUTEBOL PARA MENINA E MENINO

Para Silva (1998) o jogo é importante e deve estar presente em todas as fases do

ensino/aprendizagem, pois é o maior fator de motivação e melhor indicador da evolução

e limitações de seus praticantes.

Para as crianças gostarem de um determinado jogo, não há a necessidade de ser

uma atividade organizada ou sistematizada. No Brasil, para se jogar futebol são usadas

ruas, quintais ou algum espaço que se possa estar um goleiro e um chutador, pois a

prática do futebol ajuda a despertar uma paixão associada à própria identidade individual

(OLIVEIRA et al., 2006).

Conforme Silva (1998), em um jogo de futebol os jogadores/equipes tentam

estabelecer uma supremacia sobre o adversário, e para isso cumprem os princípios do

jogo com a finalidade de atingir objetivos intermédios através de ações parceladas, com

número e qualidade de acordo com o conhecimento que o jogador tem do jogo. Significa

que a maneira que um jogador atua está relacionada com sua concepção e percepção do

jogo, que orienta as decisões, a organização da percepção, compreensão das informações e

resposta motora.

Bracht (1999) discorre sobre a capacidade de intervenção, de controle, de poder

sobre a natureza com conseqüências não necessariamente positivas, que o profissional de

Educação Física possui mediante seus alunos-atletas. Através do conhecimento anátomo-

fisiológico foram construídos métodos ginásticos e de treinamento físico que contribuem

para a intervenção eficiente no corpo, alterando seu funcionamento numa direção

desejada. Segundo Bracht, os professores de Educação Física possuem um conjunto de

conhecimentos que servem como referência para as decisões na prática cotidiana como

definição e tratamento de conteúdo e exercícios a prescrever.

Becker Jr. (2000) refere-se ao comprometimento social e utilização de uma

metodologia adequada à realidade do aluno devido à necessidade de trabalhar diversos

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tipos de corpos. Os objetivos deverão ser estabelecidos com a finalidade de proporcionar

condições a todos para que sejam capazes de transformar a sociedade, para se

operacionalizar os objetivos sobre os conteúdos, para que esses reflitam os métodos.

Silva (1998) define técnica como o conjunto de processos bem definidos e

transmissíveis que se destinam à produção de certos resultados. Define ação motora como

uma motricidade especializada e específica de uma modalidade desportiva que permite

resolver de forma eficiente às tarefas do jogo.

O aumento da prática esportiva feminina reflete na necessidade de abordagens

específicas para esportes de alto nível, em um ambiente psicossocial adequado para o

desenvolvimento técnico, físico e tático, contribuindo para o desenvolvimento individual

e da equipe através da análise das características esportivas individuais, visando favorecer

o desempenho final (OLIVEIRA et al., 2006).

Aparentemente, há escassez de espaços destinados ao treino de futebol feminino,

o que dificulta ainda mais a prática desse esporte. Em algumas escolas ocorre a prática do

futsal entre alunas, mas quantitativamente inferior a dos alunos. Por causa dessas

limitações e a falta de continuidade nos treinos, pessoas do sexo feminino dificilmente

conseguem jogar o futebol de forma satisfatória, atrapalhando a auto-estima e confiança.

Segundo Oliveira et al. (2006) para um atleta atingir um nível de destaque no rendimento

em determinado esporte, a prática deverá ser contínua e prolongada, pois quanto maior

for o tempo de prática juntamente com a idade, melhor será seu rendimento.

Freitas (2003) relata que há professores que além dos treinos individuais utilizam

treinos mistos, alegando que é uma possibilidade das meninas jogarem com pessoas que

jogam melhor que elas, mas esse comportamento acaba reproduzindo o discurso de

superioridade masculina.

Gomes, Pereira e Pinheiro (2008) salientam a importância dos treinadores como

figuras transformacionais, com ações dirigidas para a motivação dos atletas e promoção

do desejo de sucesso e esforço contínuo, e paralelamente são modelos de otimismo,

confiança e respeito. Devem considerar a possibilidade de discutir mais com seus atletas

assuntos referentes ao funcionamento das equipes.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatou-se através desse estudo as transformações ocorridas e a evolução da prática do

futebol no mundo em especial no Brasil, considerado “o país do futebol”, mas que ainda

não está adequado no que se refere ao futebol feminino. Países como China e Estados

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Unidos aparentemente superaram os preconceitos e disponibilizam maiores

investimentos e infra-estrutura para a prática de futebol e a realização de campeonatos.

Com algumas exceções, o pensamento do brasileiro ainda considera a

supremacia masculina. Principalmente no início da prática as meninas precisam ter muita

persistência, pois mesmo antes de entrarem em campo são vistas pelos espectadores como

más jogadoras simplesmente pela consideração de seu sexo, o que pode não ser verdade,

visto que a cada dia verifica-se a evolução técnica e tática do nosso futebol feminino, com

ênfase na prática profissional em clubes e seleção.

O presente estudo relata também a importância do professor de Educação Física

na fase inicial da atividade, pois através do conhecimento da realidade de seus alunos,

nível cognitivo e desenvolvimento das habilidades e capacidades físicas, poderá conseguir

uma evolução grupal simultânea e proporcionar condições adequadas para a prática de

futebol tanto para alunos quanto para alunas. O profissional de Educação Física, para um

melhor resultado e aprimoramento técnico e tático de suas atletas, deve descartar o fator

gênero como obstáculo à prática do futebol, utilizando estratégias condizentes com o

objetivo previamente definido e que contribuam para a continuidade e evolução do

trabalho individual e da equipe.

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Maria Beatriz Terossi

Especialização em Fisiologia do Exercício - UniFMU, 2004. Graduação em Licenciatura Plena em Educação Física – UNAERP, 2002. Atualmente é Assistente de Laboratórios da Saúde, desde 2004 e Professora da área de Ciências da Saúde da Anhanguera Educacional - Unidade Leme.

Adriana Paula D'Angelo

Graduação em Educação Física pela Universidade Metodista de Piracicaba, 2002. Especialização em Ciência do Treinamento pela Unicamp, 2003. Possui experiência nas áreas de danças e ritmos em idade escolar. Atualmente é coordenadora e professora do curso de graduação em Educação Física no Centro Universitário Anhanguera.

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