análise ambiental de cemitérios

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    ANLISE AMBIENTAL DOS CEMITRIOS:UM DESAFIO ATUAL PARA A

    ADMINISTRAO PBLICA 7

    RESUMO: Este trabalho tem por objetivo prin-cipal identificar os possveis danos ambientais

    provocados pela irregularidade nas cons-trues dos cemitrios ou pela falta de con-servao dos mesmos. Objetivou-se,tambm, fazer um estudo Histrico, jurdico ecultural das necrpoles e sepulturas diantedos problemas ambientais e de higienepblica. Foram utilizados dados normativosa fim de estabelecer a competncia municipalpara as questes funerrias. A partir disso,analisou-se a atuao da Administrao

    Pblica Municipal em relao ao problemada localizao dos cemitrios e a organiza-o interna das sepulturas. Por meio dedados geogrficos observou-se, de formaemprica, a importncia de um corretoplanejamento urbano antes de se instalar umcemitrio ou crematrio. As fontes jornalsti-cas, por sua vez, foram elementos prticosque permitiram uma melhor visualizao dosproblemas funerrios brasileiros. Ademais,

    utilizou-se o mtodo terico-bibliogrfico noensejo de retratar os princpios de Direito e

    os fundamentos histricos aplicveis ao tema.Foi realizado, ainda, um estudo em torno darecente Resoluo 335 de 03 de abril de2003 do CONAMA (Conselho Nacional doMeio Ambiente) que dispe sobre olicenciamento ambiental dos cemitrios.Portanto, com base em um dedicado estudomultidisciplinar, o presente artigo demonstrouos reais danos ao meio ambiente, provocadospelas sepulturas e cemitrios irregulares.

    Ficou, pois, comprovado, de forma prtica,que substncias cadavricas so elementospotenciais de contaminao de lenisfreticos e rios. Enfim, quando realizadoum correto planejamento, antes da instalaode uma necrpole, alm de estar prevenindopossveis danos ao meio ambiente, garantir-se-o o conforto e direito das famlias que,eventualmente visitam os tmulos, num atode lembrana ou de respeito eterno.

    PALAVRAS- CHAVE: Cemitrios. Problemas ambientais. Administrao Pblica. CONAMA;licenciamento ambiental. Lenis freticos.

    1. INTRODUO

    "Cemitrios e meio ambiente" ainda um assunto pouco discutido no meio acadmico.Decerto, um tema bastante delicado, haja vista envolver crenas e questes culturais, atreladas ao

    1 Graduao em Direito pela Universidade Federal de Viosa - Ps-Graduao em Gesto Ambiental -Empresa de Assessoria Tcnica e Educao Avanada EVATA (FAVAPI).

    Silvestre Sales Machado1

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    fenmeno morte que, paradoxalmente, se encontra to prximo das relaes humanas. Atual-mente, a maioria dos administradores municipais encontra dificuldades para resolver os proble-mas funerrios locais2. Ademais, em muitos municpios possvel observar, claramente, o descasopara com a organizao cemiterial. , acima de tudo, um problema histrico. No h, no Brasil, LeiFederal que discipline o Regime dos Bens Funerrios, especialmente no que tange s necrpoles es sepulturas. No h, pois, Instrumento Legal que obrigue as municipalidades a darem prerrogativass questes funerrias. Desse modo, sendo o servio funerrio de predominante competncia dosmunicpios (interpretao sistemtica luz da Constituio Federal de 1988), h uma margem deliberdade por parte dos respectivos gestores pblicos, quanto convenincia e oportunidade deinvestimentos neste setor ou equipamento pblico. Da tem-se, no Brasil, sria desordem em relaos construes funerrias, cobrana de taxas morturias, construes de jazigos perptuos e fiscali-zao dos Empreendimentos e servios Funerrios. Como conseqncia dessa ineficincia adminis-

    trativa, observam-se problemas relacionados salubridade pblica e ao meio ambiente. No decorrerdesse trabalho sero apresentados casos de contaminao ambiental em decorrncia de sepulturasirregulares, ou mesmo de cemitrios construdos de forma inadequada ou sem planejamento urbano.A contaminao pelos denominados necrochorumes pode envolver, inclusive, lenis freticos e riosresponsveis pelo abastecimento de gua de determinada populao3.

    Por esses e outros fatos que o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente),atravs da Resoluo 335, de 03 de abril de 2003, modificada pela Resoluo 368, de 28 demaro de 2006, disps sobre o Licenciamento Ambiental de Cemitrios.

    Os cemitrios podem ser enquadrados no denominado meio ambiente artificial, que aquele resultante da interveno humana, a exemplo das praas, ruas, edifcios. Mas, obviamente, tantoo meio ambiente artificial como o cultural e o do trabalho tm sua origem no prprio meio ambiente natural.Este ltimo, portanto, sofre as conseqncias negativas das aes ou empreendimentos humanos, emnome de um propagado desenvolvimento socioeconmico ou mesmo para satisfazer as necessidadesbiolgicas, psicolgicas ou transcendentais da sociedade. O enterramento dos mortos exemplo tpicodessas "necessidades" sociais, que existem desde a mais primitiva organizao grupal.

    O estudo que aqui se inicia, portanto, pretende, primeiramente, fazer um brevepanorama histrico dos sepultamentos e das necrpoles, haja vista a novidade do tema.

    2

    Um exemplo desses problemas funerrios foi encontrado em Palmas (TO), conforme trechos daseguinte notcia de Jornal:"Falta de Cemitrio Pblico Gera problemas. A falta de um cemitrio pblico em Palmas tem gerado umproblema constrangedor e desgastante populao de baixa renda, impossibilitada de arcar com uma despesamnima de R$ 1.300,00 para enterrar seus entes queridos, preo cobrado pelo nico cemitrio da cidade, o Jardimdas Accias, que particular. A prefeitura, que arcaria com as despesas nos casos de bitos de carentes, nemsempre autoriza a cobertura dos custos. O problema comeou com o enchimento do Lago de Lajeado, pois, coma formao do reservatrio, o lenol fretico subiu e atingiu uma parte do Cemitrio Municipal So Miguel, emTaquaralto. Os sepultamentos foram cancelados no local e transferidos para o Jardim das Accias. A prefeitura arcacom as despesas dos casos de pessoas consideradas de baixa renda, mas a situao est difcil, pois h muitoscasos recusados e as famlias tm que buscar outros meios para conseguir enterrar seus entes queridos, pois onico cemitrio do plano diretor da cidade particular" (Jornal do Tocantins - Palmas/TO - 19/7/2005).3

    Atentos provvel contaminao do aqfero fretico, gerada pelo necro-chorume, ou seja, o lquido resultantedo processo de decomposio dos cadveres, o gelogo Alberto Pacheco et alii realizaram uma coleta deamostras das guas do aqfero de trs cemitrios: Areia Branca (Santos), Vila Formosa e Vila Nova Cachoeirinha(So Paulo), em 1989. (Alberto Pacheco & Et alii, Cemiteries - A Potencial Risk Groundwater, 1991, p. 101).

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    Posteriormente ser realizado um estudo jurdico sobre a competncia municipal para asquestes funerrias. Em seguida, por meio de um estudo geogrfico e emprico ser realizada

    uma investigao em torno do espao urbano e do planejamento administrativo com vistas correta construo de cemitrios pblicos e particulares, coadunados com as exignciastcnicas e ambientais. Por fim, ser analisada a recente Resoluo 335 do CONAMA, quedispe sobre o Licenciamento Ambiental dos Cemitrios.

    Enfim, sendo as necrpoles e as sepulturas obras humanas merecem um estudo srioe cientfico, haja vista os efeitos que produzem no mundo dos fatos e das relaes humanas.

    2. ALGUNS APONTAMENTOS HISTRICOS DOS SEPULTAMENTOS E DOS CEMITRIOS

    De acordo com Vitor Manuel Dias (1963, p. 19), foi com o aparecimento do

    homem de Neandertal, no perodo do paleoltico mdio (125.000 a 65.000 a.C), quepossivelmente teve incio a prtica de inumaes acompanhadas de ritos funerrios4 .

    Registra Elena Lafontaine (1995, p. 16) que o homem do neoltico (entre 7.000e 5.000 anos a. C) retoma o culto aos mortos criando diversos tipos de sepulturas5. O quese infere, ento, que as inumaes eram praticadas nos campos, nas grutas naturais -que tambm eram habitaes -, nas grutas artificiais, em fossas, em sepulcros propriamenteditos. E, segundo Jean-Pierre Bayard (1996, p. 63), a destinao dos mortos, emborageralmente fosse a inumao, poderia tambm ser a cremao6.

    J os sepultamentos encontrados nos Sambaquis, litoral centro-sul do Brasil, represen-

    tam para os pesquisadores uma das mais importantes fontes histricas funerrias. Lembra Schmitzque j houve quem considerasse os Sambaquis como montculos de sepultamentos ou mesmo comopirmides primitivas7. J a cultura Tupi-guarani possua sepultamentos de dois tipos: em terra e emurnas. Tanto um como outro podem ser encontrados num mesmo stio. O sepultamento em urna,resultaria da preocupao dos sobreviventes de no deixarem os ossos em contato com a terra8.

    Na sistemtica hebraica, os sepultamentos eram feitos, de preferncia, em grutasnaturais prximas aos povoados. O exemplo mais importante relatado na Bblia o da Sepulturade Sara, esposa de Abrao, na caverna de Macpela, nas terras dos Hititas (Gn 23, 1-20).Abrao pagou pelo local quatro quilos de prata. Nessa mesma caverna foram sepultados oprprio Abrao (Gn 25, 9), Isaac e Rebeca, Jac e Lia (Gn 49, 30 e 50, 13).

    Em Roma, como na Grcia, o enterro dos mortos era um dever sagrado. Osromanos praticaram, simultaneamente, os dois grandes ritos funerrios, a cremao e a inuma-o. A cremao , desde as origens, o rito mais freqente. A Lei Romana interditava os sepulta-mentos no interior das cidades (salvo no caso de pessoas singulares), e os sepulcros eram

    4 DIAS, Vtor Manuel Lopes. Cemitrios, jazigos e sepulturas. Porto: Coimbra Editora, 1963. 523 p.No mesmo sentido: " o homem de Neandertal, portanto, o criador dos primeiros ritos funerrios" (SONNE-VILLE-BORDES, Denise de. A p r-histria. Lisboa: Editorial Presena, 1981. 181 p).5 LAFONTAINE, Elena Antonieta. En La memria de la piedra. Buenos Aires: Grupo Editor

    Latinoamericano, 1995. 206 p.6BAYARD, Jean-Pierre. Sentido Oculto dos Ritos morturios. Morrer morrer? So Paulo: Paulus, 1996. 321 p.7 SCHMITZ , Pedro Igncio. A histria do velho Brasil. Cincia Hoje, n. 54, p. 47-8 (junho de 1959).8 PROUS, Andr. Arqueologia Brasileira. Braslia: UNB, 1992, p. 424.

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    edificados fora das muralhas e, por um sentimento natural, procurava-se situ-los num local ondefossem vistos pelo maior nmero possvel de pessoas. por isso que as estradas, sada das

    cidades, estavam pejadas de sepulcros, com vrios nveis de profundidade (SILVA, 2000, p. 437)

    9

    .No que se refere Lei das Doze Tbuas, importante transcrever o seguinte dispositivo da Tbuadcima, referente ao tema: "No permitido sepultar nem incinerar um homem morto na cidade".

    Nota-se que os Romanos tinham uma preocupao constante com os sepulta-mentos fora da cidade. A propsito, a Lex ursonensis, de 44 a.C. (Lei de Osuna), deaplicao na pennsula Ibrica, dedicava vrios captulos s questes jurdicas do urbanis-mo, comeando pela proibio de sepultar ou cremar os corpos dentro do recinto amura-lhado da cidade, assim como de levantar um monumento funerrio neste mbito, ordenan-do-se que as ustrinae para a cremao se estabelecesse a uma distncia mnima de 500passos fora da Urbe, evitando-se riscos de incndio. As infraes a estas regras eram

    punidas com multas e com a demolio do monumento funerrio levantado10. Era a idiaimplcita de proteo daquilo que hoje denominado "Meio Ambiente Artificial".

    Em 1348 (Idade Mdia) surge na Europa, vindo da sia, a Peste Negra, que iriamatar at 1351, um tero da populao (SILVA, 2000, p. 490)11. Os cadveres eram retirados dasresidncias e colocados frente da porta da casa, onde eram vistos em quantidade inumervelpelos que perambulavam pela cidade e que, vendo-os, adotavam medidas para o preparo eremessa dos caixes. To grande era o nmero de mortos que, escasseando os caixes, oscadveres eram postos sobre simples tbuas. Um nico caixo servia para o transporte comum dedois ou trs mortos. Tambm no sucedeu uma nem duas vezes apenas que esposa e marido, ou

    dois e trs irmos, ou pais e filho fossem encerrados no mesmo fretro (2000, p. 492).Diante desse quadro funesto, o sculo XV foi o auge do chamado "culto da morte",apesar de sua fonte datar-se do sculo XIV. o que descreve Brbara Tuchman (1989, p. 461):

    Quando a morte podia ser encontrada a qualquer momento, em qualquer esqui-na, era de esperar que se tornasse banal. Em lugar disso, porm, exercia umafascinao soturna. A nfase recaa nos vermes e na putrefao, em repugnan-tes detalhes fsicos. Se antes a idia dominante da morte era a viagem espiritualda alma, agora o apodrecimento do corpo parecia mais significativo12.

    O cenrio de constantes crises de mortalidade exigiu maior empenho das polticaspblicas. Na ustria, por exemplo, foi revista, em 1774, a prtica de sepultamentos. Na Franasurgiram ordenanas municipais sobre cemitrios desde 1765. Como observa Silva (2000,p.514), a questo higinica dos sepultamentos, nos fins do sculo XVIII e incio do sculo XIX iriaresultar em uma poltica voltada ao estabelecimento de cemitrios pblicos.

    Ressalta-se que, diante das pesquisas realizadas para a confeco do presentetrabalho observou-se que, durante o sculo XVIII, a preocupao com a localizao dos cemitrios

    9 SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de Direito Funerrio. T.I. So Paulo: Mtodo, 2000. p. 437.10

    FERNANDEZ DE VELASCO, Recaredo. Natureza Jurdica de cementerios y sepulturas. Histria yproblemas jurdicos. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1935. 301 p.11 SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de Direito Funerrio. T.I. So Paulo: Mtodo 2000. p. 490.12TUCHMAN, Brbara W. Um espelho distante. O terrvel sculo XIV. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1989. 619 p.

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    alcanou fatores geogrficos, como relevo e densidade demogrfica. As normas da poca, comoa "disciplina eclesistica e moderna, relativa ao lugar das sepulturas", datada de 1786, determina-

    va que os novos cemitrios devessem ser construdos em locais ventilados e distantes das casasde moradia e, ao mesmo tempo, preferencialmente em lugares castigados pelas epidemias e nascidades mais populosas, devido maior proporo de mortes sob diversas causas. Mas a admi-nistrao pblica tinha um papel menos expressivo do que as organizaes eclesisticas, no quetange ao domnio sobre as necrpoles. No obstante, esse poder pblico j pressionava a Igrejaa observar as questes de sade pblica. De fato, a f religiosa era um grande bice para asexecues de salubridade das municipalidades (SILVA, 2000, p. 285-289).

    Aos poucos, o carter de obrigatoriedade de construo de novos cemitrios,tornou-se uma realidade. Havia, pois, um fato: as constantes crises de mortalidade. Logo,

    necessitava-se de normas mais modernas e condizentes com a sade humana. Os velhosparadigmas ou valores perderiam espao para uma necessidade social e poltica. O mortoj no era to somente um simples objeto transcendental e mtico, mas tambm um fatororgnico, disseminador de molstias e de ocupao de espao geogrfico. Sendo assim,diversos cemitrios foram criados entre 1804 a 1814.

    O sculo XIX caracterizou-se pela preocupao com a salubridade pblica. J nosprimeiros anos constata-se uma conscincia mais lcida dos perigos resultantes da decomposi-o cadavrica. As transformaes qumicas decorrentes do contato do ar com os corpos mortosoriginavam, segundo os estudiosos, gases nocivos populao. O avano dos conhecimentos

    de higiene pblica levantava a questo do local mais adequado para o sepultamento doscadveres, na medida em que era fato incontroverso, que a utilizao dos espaos das igrejasse tornara uma prtica absurda e favorvel degradao do meio ambiente(SILVA, 2000, p.553).

    Ao lado disso, havia outra preocupao: a resistncia da populao em aceitarcemitrios longe de suas habitaes e fora das igrejas. Em junho de 1811, os membros daIrmandade do Santssimo Sacramento da freguesia dos Anjos, em Lisboa, denunciavam anecessidade urgente de ser construdo um cemitrio para inumao dos cadveres, face faltade local na igreja da parquia (SILVA 2000, p.554). Esse autor relata ainda que:

    A preocupao com a salubridade pblica fica patente, quando se examina asconcluses dos mdicos sobre o terreno destinado a esse cemitrio: a extensodo espao reservado s sepulturas maior do que o da igreja onde antes sedepositavam os cadveres, pelo que era possvel alargar o perodo de reabertu-ra das covas; a qualidade da terra do novo local, ainda que no sendo denatureza calcria, oferecia melhores condies do que o terreno pertencente igreja, que no era suscetvel de consumir rapidamente os cadveres; o grau deumidade que o futuro terreno oferecia era valioso para a acelerao do processode eliminao dos corpos, aspecto que podia ser identificado com o lanamentode cal nas covas; a profundidade das sepulturas eliminava a possibilidade de

    aparecimento de vapores ptridos superfcie, desaparecendo assim as preocu-paes com a higiene pblica. Assim, considera-se o novo local como maisadequado aos sepultamentos, desde que se respeitassem alguns requisitos:

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    misturar a terra com cal, abrir as covas com profundidade de seis ps, noreabrir as covas sem que todo o cemitrio ficasse saturado, tudo com vistas inteira consumao dos corpos13.

    O estudo da qumica interpretava os processos de decomposio cadavrica eao lado disso, dava a conhecer as espcies de terra mais propcias ao desenvolvimento daputrefao. As autoridades se achavam, portanto, em condies de promover profundasalteraes nos usos e costumes da poca. Os especialistas em higiene ofereciam s autorida-des sugestes de toda espcie: localizao dos cemitrios fora da zona urbana, distando,pelo menos, 600 ps; posio em relao aos ventos de vero (v.g., os terrenos maisadequados localizavam-se ao Norte e Noroeste, de tal modo que os ventos passassem sobreas habitaes antes de chegarem aos cemitrios); localizar-se em locais mais elevados,

    imunes inundaes; afastados das fontes d'gua, etc. ( SILVA, 2000, p. 555).No sculo XIX localiza-se a fase mais significativa da inusitada histria cemiterial. O

    Decreto de 12 de junho de 1804, da Frana, estabeleceu regras que tm repercusso ainda nostempos hodiernos. Foi a ratificao definitiva da vedao de enterrar os mortos nas igrejas e nascidades. Ditava, ainda, que as sepulturas distassem, pelo menos, de 35-40m dos limites de perme-tro urbano. Determinava que os corpos no fossem mais sobrepostos, mas justapostos. Fixava-sedistncia mnima entre uma sepultura e outra e vedava a reutilizao de valas, seno depois decinco anos. As concesses de jazigos perptuos aparecem pela primeira vez, em termos legais14.

    Mas o progresso e o xodo rural so inexorveis, implacveis. Se por um lado os

    costumes de enterrar os corpos nas cidades tinham sido banidos, no seria possvel nenhumanorma ou ideal mdico impedir o avano feroz da urbanizao em direo s necrpoles. Em1859, os mortos estavam novamente sendo enterrados no permetro urbano de Paris. NaEspanha e em Portugal, a situao era semelhante. Desenvolveram-se, ento, diversas teoriascientficas e estudos prticos sobre a problemtica do cadver humano nas cidades. Foramrealizadas, em Portugal, anlises de "ar" e "gua" em necrpoles, tendo como responsvel oProfessor Ricardo Jorge, que realizou experimentos nos cemitrios de Lisboa e Porto15.

    No Brasil, o problema dos cemitrios seguiu essa mesma lgica. Os enterramentosaconteciam de forma desorganizada e sem cuidados ambientais. A populao, ao lado dasOrdens Religiosas, oferecia forte resistncia ao controle Estatal das necrpoles. O fator cultural

    e as crenas locais permitiram Igreja administrar as necrpoles at 1890 (Decreto n. 789, de

    13SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de Direito Funerrio. T.I. So Paulo: Mtodo, 2000. p. 554.14Citado por Justino Adriano Farias da Silva, p.293, T.II.15 "Ao sepultar-se um cadver, sepulta-se tambm a peonha bactria de que ele possa ser portador"."A habitao do vivo tremendamente mais inquinadora que a habitao do cadver [...] o ar deveestar separado do cadver ptrido por uma camada suficiente de filtro purificador. Respeitadas estaspremissas, desaparece qualquer receio de perigo sanitrio; o ar do cemitrio to puro como qualqueroutro ar e as guas profundas de seu subsolo so inofensivas. Por isso, no h razes cientficas parasua expulso para longe dos locais povoados. Tudo reside na boa escolha do terreno, bem permevel

    e poroso, fcil de escavar e sem rochas, que o terreno mais apto para o desenvolvimento dosprocessos biolgicos de auto purificao, que se passam nas suas camadas superficiais, comunican-do-lhe uma vida biolgica intensa." (Cf. A. da Silva Travassos. Encic lopdia luso-bras i le i ra decultura, v. IV, p. 1758. Apud Justino Adriano Farias da Silva, p. 295 - com adaptaes.)

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    27 de setembro de 1890)16. A partir desta data concretizou-se a denominada secularizaocemiterial, ou seja, domnio administrativo das necrpoles pelo poder pblico. Desde ento,os cemitrios seriam laicos, assim como o Estado.

    Enfim, os sepultamentos so fatos marcantes desde as primeiras civilizaes huma-nas. Sepultar sempre foi um ato de dignidade e respeito para com o prximo. Os cemitrios,porm, como espao organizado para as inumaes de cadveres humanos surgiram apsnormas protetoras da organizao urbana e da salubridade pblica.

    3. A COMPETNCIA MUNICIPAL PARA AS QUESTES FUNERRIAS

    Os Municpios Brasileiros tm competncia para organizar seus servios pblicoslocais. Isso est claro no artigo 30, inciso V, da Magna Carta de 198817. Tal dispositivo estabe-

    lece: "Compete aos Municpios: V - Organizar e prestar, diretamente ou sob regime de conces-so ou permisso, os servios pblicos de interesse local, [...]".O inciso VIII desse mesmo artigo deixa claro que competncia dos Municpios

    "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento econtrole do uso, do parcelamento e da ocupao do solo".

    A competncia para organizar servios pblicos de interesse local um reflexo doPrincpio Constitucional da Autonomia Administrativa Municipal. O requisito justamente a figuradeste "interesse especfico", j mencionado. Mas no h interesse municipal que tambm no oseja estadual e federal. A propsito, Hely Lopes Meirelles (1994, p. 330)18, em poucas linhasretrata a questo da competncia em relao aos servios funerrios:

    O servio funerrio da competncia municipal, por dizer respeito a atividades deprecpuo interesse local: a confeco de caixes, a organizao de velrio, otransporte de cadveres e a administrao de cemitrios. As trs primeiras podemser delegadas pela Municipalidade, com ou sem exclusividade, a particulares quese proponham execut-las mediante concesso ou permisso, como pode omunicpio realiz-las por suas reparties, autarquias ou entidades paraestatais.

    No que tange s necrpoles de domnio privado, no pode o Poder Municipal vedar suaimplantao. No obstante, pode a Administrao Pblica limitar sua ocorrncia atravs de normas

    administrativas no mbito da competncia do interesse local. certo que a implantao destescemitrios est condicionada autorizao do Poder Pblico Municipal atravs do ato de permisso.

    De acordo com Hely Lopes Meirelles (2004, 186-187),

    permisso o ato administrativo negocial, discricionrio e precrio, pelo qual oPoder Pblico faculta ao particular a execuo de servios de interesse coletivo,

    16 VALLADARES, Clarival do Prado. Arte e Sociedade nos cemitr ios brasi leiros. Rio de Janeiro:Imprensa Nacional, 1972, v. I, p. 150.17

    Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 / Coord. TAPAI, Giselle de Melo. 7. ed. SoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.18MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 7. ed. So Paulo: Malheiros, 1994. Tambm encon-trado: TJSP, RDA 45/110, 56/236; RT 164/630, 275/544, 280/448, 309/244;TASP, RT303/479,310/408 e 311/484.

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    ou o uso especial de bens pblicos, a ttulo gratuito ou remunerado, nas condiesestabelecidas pela administrao. No se confunde com a concesso, nem coma autorizao: a concesso contrato administrativo bilateral; a autorizao ato

    administrativo unilateral. Pela concesso contrata-se um servio de utilidade pbli-ca; pela autorizao consente-se numa atividade ou situao de interesse exclusi-vo ou predominante do particular; pela permisso faculta-se a realizao de umaatividade de interesse concorrente do permitente, do permissionrio e do pblico.19

    A permisso administrativa ser outorgada contanto sejam preenchidos os requisitoslegais. E no se pode olvidar que so as Leis Municipais que especificam tais diretrizes ou condies.Um exemplo atual do importante papel das Cmaras Legislativas Municipais o Projeto de LeiMunicipal n 87/2006 da Cmara Municipal de Foz do Iguau, no Paran20. Tal projeto cria normaspara a instalao e funcionamento de Cemitrios Particulares. J no artigo primeiro, estabelece:

    Art. 1 A instalao e o funcionamento de cemitrios particulares no Municpio deFoz do Iguau obedecero alm do disposto nesta Lei, as disposies constan-tes na Lei Municipal de Zoneamento de Uso e Ocupao de Solo, no "Estatutoda Cidade", obedecida a legislao federal, estadual e municipal.

    O artigo 3, por sua vez, vem trazer tona o papel do Poder de Polcia Municipal: Art. 3- "No ser permitida a instalao de cemitrios particulares em locais considerados, pelo PoderExecutivo, inadequados, urbanisticamente imprprios ou esteticamente desaconselhveis". J nocaptulo da Permisso, o artigo 21 do referido projeto de Lei estabelece que os atos de permisso,

    interdio e cassao de cemitrio so de competncia do Prefeito Municipal. O artigo 22 destaproposio legal arrola vrios documentos necessrios para se permitir a instalao de uma necr-pole. O texto legal, apesar de bastante repetitivo, demonstra louvvel preocupao com o tema,principalmente em relao aos problemas ambientais oriundos das necrpoles21. O Projeto tambm

    19MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. So Paulo: Malheiros, 2004.20 Disponvel em .21Art. 22. O Prefeito Municipal permitir a instalao de cemitrios particulares a associaes religiosas, entidades decarter assistencial, educacional, filantrpica, sindicais e empresas individuais ou coletivas, para o que devem asmesmas apresentar: [...] IV- transcrio de matrcula no Cartrio de Registro de Imveis atualizada, no mximo de

    90 dias, com averbao da Reserva Legal margem da matrcula, se imvel rural; V- planta do municpio com alocalizao do empreendimento; VI- smula com caractersticas bsicas do empreendimento, dentre elas sobre: a) aatividade; b) localizao; c) bacia hidrogrfica; d) nome do empreendimento; e) tipo de empreendimento; f) nmero deunidade; g) tamanho das unidades; h) rea construda; i) rea total do imvel; j) finalidade; k) se servido ou no porrede de abastecimento; l) se servido ou no por rede de esgoto ou capacidade de absoro do solo (l/m/d); m) nveldo lenol fretico. Pargrafo nico. O empreendedor, sem prejuzo das demais exigncias legais, dever apresentartambm um projeto preliminar do empreendimento, contendo o memorial descritivo, elaborado por profissionaishabilitados, acompanhado das respectivas ART's, na forma da Lei, contendo no mnimo: I- planta ilustrativa, contendocaracterizao da rea quanto ao relevo, hidrografia, solos, vegetao, aspectos geolgicos e geotcnicos, emateno ao disposto no art. 3 da Lei Federal n 6.766, de 19 de dezembro de 1979, bem como indicao de infra-estrutura existente ou a ser instalada, a saber: a) sistema de abastecimento de gua; b) energia eltrica; c) esgotamentosanitrio; d) linha telefnica; e) acessos virios; f) apresentao de, no mnimo, 10 fotografias do local objeto dasolicitao; g) plantas planialtimtricas, locando as reas de Preservao Permanente e Reserva Legal. II - anuncia

    prvia do municpio em relao ao empreendimento, declarando expressamente a inexistncia de bices quanto leimunicipal de uso e ocupao do solo urbano e toda a legislao de proteo do meio ambiente; III- prova de publicaode smula do pedido de Licena Prvia em jornal de circulao regional e no Dirio Oficial do Municpio, conformemodelo aprovado pela Resoluo CONAMA n 006, de 24 de janeiro de 1986.

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    evidencia o poder discricionrio municipal quanto aceitao inicial da localizao e caractersticaspreliminares. A deciso do prefeito discricionria nesses casos, podendo ou no permitir a instalao

    da necrpole, de acordo com a convenincia administrativa e com os critrios legais.A Resoluo 335/2003 do CONAMA que, alis, foi alterada pela resoluo 368/2006 foium dos principais fatores que impulsionaram o citado projeto de Lei. A tendncia, agora, a prolifera-o de Leis nesse sentido, haja vista o carter obrigatrio do Licenciamento Ambiental de Cemitrios.

    A propsito, foi possvel observar que em Juiz de Fora (MG), a adequao ambi-ental dos cemitrios tambm motivo de preocupao da administrao municipal22.

    4. PLANEJAMENTO URBANO E CEMITRIOS - REFLEXOS NO MEIO AMBIENTENATURAL, ARTIFICIAL E CULTURAL

    Construir um cemitrio requer, primeiramente, detalhado planejamento urbano. Casono haja um prvio estudo de impacto ambiental corre-se o risco de haver tambm problemasestticos e at mesmo de sade pblica. Atualmente, so raros os administradores pblicos quese preocupam com o problema da localizao e manuteno das necrpoles. Infelizmente, oproblema colocado em segundo plano. Fatores de ordem religiosa, psicolgica e poltico-administrativa impedem a atuao efetiva dos governos locais.

    Grande polmica a instalao de fornos crematrios que, muitas vezes, ape-sar de serem ambientalmente viveis so evitados por no serem aprovados por algumasreligies e culturas vigentes. Estas, deveras, no podem ser ignoradas. So valores mo-

    rais e espirituais arraigados tambm na sociedade Brasileira.Sendo assim, a inumao ainda a regra no Brasil e, por isso, ao se escolher umdeterminado stio, destinado a um cemitrio, imprescindvel que o mesmo seja corretamentedimensionado e que se crie um programa racional de sepultamentos, tendo em vista protegera rea contra uma rpida saturao. E, para que os sepultamentos no constituam perigopara a sade da populao (v.g., pelo vazamento de lquidos ptridos ou produtos da coli-quao - "necrochorumes"), devem ser observadas as normas de higiene, quando existen-tes. As substncias cadavricas, resultantes do processo de putrefao, conforme algunsestudos realizados so portadoras de germes patognicos (um desses estudos ser analisa-do adiante) e, quando transportadas por gua de superfcie, podem vir a constituir em agen-

    tes de contaminao ambiental, poluindo rios, reservatrios e redes de distribuio de gua.A escolha do solo outro fator decisivo para a implantao de uma necrpole.

    Os cemitrios so, modernamente, considerados bens pblicos de uso especial23.Isso quer dizer que sua destinao especfica para fins de inumaes de cadveres humanos,alm de estar sob a fiscalizao do poder pblico, mesmo quando for de domnio privado. No

    22 "A possibilidade de construo de um cemitrio vertical de 13 andares e de um crematrio, em Juizde Fora, depender de mudanas no Cdigo de Posturas. O atual no permite construes desse porte.O projeto foi discutido ontem, em audincia pblica, na Cmara Municipal. A falta de espao nos

    cemitrios locais, alm de praticamente todos eles estarem inadequados ambientalmente, motiva aconstruo". (Jornal Tribuna de Minas - Juiz de Fora/MG - 19-03-2004 - grifos meus)23 FILHO, Jos dos Santos Carvalho. Manual de Di rei to Adminis trat ivo. 12. ed. Rio de Janeiro:Lmem Jris, 2005. p.1023.

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    rea Reservada para casos de epidemias ou grandes catstrofes 15 a 20 %rea destinada s sepulturas perptuas 30%rea destinada para equipamentos e avenidas 30%reas para sepulturas de aluguel 20 a 25 %

    que se refere aos problemas ambientais, na prtica, h bastante polmica sobre a insta-lao de necrpoles, principalmente quanto proximidade de lenis freticos ou rios24.

    A saturao dos cemitrios outro grave problema enfrentado pelos adminis-tradores municipais. A venda indiscriminada de jazigos perptuos um dos principaismotivos da saturao. Silva (2000, p. 416), citando Rigotti ("Tcnicas de Urbanismo"),apresenta as seguintes percentagens ideais para uma necrpole25:

    5. MEIO AMBIENTE, CEMITRIOS E ESPAO URBANO. QUESTES GEOGRFICASE NORMATIVAS

    Pesquisa interessante e que merece ser evidenciada foi realizada pelo gegrafoEduardo Coelho Morgado Rezende26. Segundo ele, "a cidade dos vivos influenciou na cidadedos mortos" (2000, p. 18). Esse autor, fazendo um estudo crtico e prtico sobre o famosocemitrio de Vila Formosa, em So Paulo, considerado o maior da Amrica Latina, mencionaque existe reas destinadas a cemitrios que foram transformadas em grandes conjuntos habi-tacionais, conhecidas como COHABs, que, na verdade, possuem uma concepo semelhanteao cemitrio popular, cuja padronizao e impessoalidade so caractersticas dominantes. Oreferido autor faz ainda uma denncia social importante, quando esclarece que muitos doscemitrios do Municpio de So Paulo dividiam espao com lixes municipais. Logicamente, taiscemitrios eram pblicos e destinados ao sepultamento de pessoas de baixa renda.

    24 "Cemitrio est Sobre um Lenol Fretico . Tcnicos da Fatma e do Ibama estiveram ontem em GovernadorCelso Ramos para avaliar reas do municpio para a instalao de um novo cemitrio. Construdo em 1746 naPraia da Armao da Piedade, o nico cemitrio est sem capacidade. Outro problema, segundo ambientalistas, a sua localizao, em uma rea de Marinha com lenol fretico superficial. "O problema se arrasta h anos eagora queremos dar um basta", disse o engenheiro ambiental Ramon Daro, vice-presidente da AssociaoScioambiental Armao da Piedade. Localizado na ltima praia de Governador Celso Ramos, o cemitrio umpatrimnio histrico, tombado pelo municpio e pelo Estado. "Se fosse projetado hoje, este cemitrio seria embar-gado por estar sobre um lenol fretico", explica Daro. [...]. (Dirio Catarinense - Florianpolis/SC - 21/04/2004).Disponvel em < http: // www.sincep.com.br/ notcias>. Acesso em 06 jul. 2006."A 4 Cmara Cvel do [sic] TJPR negou, por unanimidade de votos, a apelao do municpio de Pinhais

    para implantao de um cemitrio. A deciso foi anunciada ontem. A razo para a deciso foi o impactoambiental que decorreria da instalao do cemitrio em rea do municpio. Pinhais tem boa parte de seuterritrio situado em rea de preservao ambiental que guarda poro expressiva dos mananciais respon-sveis pelo abastecimento de gua da Grande Curitiba. O Instituto Ambiental do Paran (IAP) j havia negadoa autorizao para a implantao do cemitrio, por representar risco de contaminao do lenol fretico daregio, advertiu o relator da Cmara Cvel, desembargador Wanderlei Resende. O Municpio alega que notem espao para um cemitrio municipal". ("Pinhais no pode construir cemitrio" - Jornal do Estado

    - Curitiba - 10/06/2004). Disponvel em . Acesso em 06 jul. 2006.25SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de Direito Funerrio. So Paulo: Mtodo. 2000, p. 416.26REZENDE, Eduardo Coelho Morgado. Metrpole da morte, Necrpole da vida: um estudo geogr-fico do cemitrio de Vila Formosa. 2. ed. So Paulo: Carthago Editorial, 2000.

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    Outra crtica realizada pelo citado gegrafo e que merece destaque, por demonstrarsensibilidade social e histrica, se refere aos denominados jazigos perptuos:

    Os cemitrios paulistanos anteriores aos de Vila Formosa possuam reas dejazigos perptuos para pessoas ilustres ou ricas; as sepulturas eram 'eternas',propiciando a propriedade privada em cemitrios pblicos. Com a exploso demo-grfica da cidade de So Paulo, os espaos cemiteriais ficaram escassos e apropriedade das sepulturas agravavam essa situao. Como equacionamentodeste problema, foi construdo um cemitrio onde no havia nenhuma forma depropriedade privada, onde a prtica de exumao permite a retirada dos restosmortais da sepultura e o armazenamento em ossurios verticais ocupando umespao menor. Esta exumao ocorre no cemitrio de Vila Formosa em funo do

    modo de sepultamento: a inumao, onde o caixo permanece em contato diretocom a terra, gerando uma decomposio mais rpida do que na tumulao pratica-da nos cemitrios tradicionais, onde o corpo no fica em contato direto com a terra.Alm da exumao, o cemitrio de Vila Formosa apresenta suas sepulturas todaspadronizadas, promovendo um tipo nico de campa; essa igualdade e a ausncia

    de propriedade privada geram uma nova forma de percepo espacial (p.17).

    No que se refere esttica, as sepulturas das necrpoles brasileiras no obedecem anenhum padro. Uma boa sugesto aos parlamentares a criao de uma legislao que proba osabusos de determinados monumentos funerrios, que prejudicam, inclusive, o visual urbano. Aarborizao dos cemitrios seria uma sada importante, rumo melhoria da paisagem em volta edentro desses lugares, sem que as razes prejudiquem as sepulturas. Em So Paulo, O CdigoSanitrio Estadual determina que, pelo menos, 20% da rea dos cemitrios sejam arborizadas (artigo157)27. Na verdade, a presena de reas verdes, com rvores, arbustos, flores, gramados, etc.,

    justifica-se no apenas por questes estticas, mas, fundamentalmente, por questes de salubridade.Silva (2000, p. 420) observa que uma das funes dos vegetais consiste na absoro

    da gua do solo, da qual se alimentam com matrias dissolvidas e que depois lanam na atmosferapela evaporao. Abreviam a decomposio cadavrica e a destruio da matria orgnica atravsda oxigenao realizada por intermdio das razes. Estas so verdadeiros condutores e fazem com

    que o ar e a gua se infiltrem alternada ou conjuntamente no solo. Acrescenta-se, ainda, que o lenold'gua encontrado no terreno deve estar, no mnimo, a 1 ou 2m do ponto mais profundo utilizado paraa cova. O ideal, conforme explica o citado autor, que exista entre este ponto e o lenol uma camadafina impermevel, ou uma camada grossa de permeabilidade mdia (2000, p. 426)28.

    Em Portugal, o Decreto 44.220, em seu artigo 20, estabelecia: "Devem plantar-se,nos cemitrios, rvores, arbustos e espcies herbceas, reservando as primeiras, de prefern-cia, para as zonas mais afastadas das sepulturas". Mas, ressalte-se que a vegetao no deveimpedir a circulao dos ventos e a penetrao dos raios solares.

    27BRASIL. Prefeitura Municipal de So Paulo. Legislao. Disponvel em .28O Cdigo Sanitrio do Estado de So Paulo determina que o nvel de lenol fretico, nos cemitrios, deverficar a 2,0 (dois) metros, no mnimo, de profundidade.

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    Os muros tambm constituem importante fator de proteo ambiental e esttico, jque separam as sepulturas dos locais de residncia, trabalho, trfego constante, alm de dificul-tar os furtos a objetos funerrios e violaes de tmulos. A maioria dos Municpios brasileirosestabelece uma altura de 2,20 m, ou 2,00m, para essa edificao. Exemplo o artigo 2 da Lein. 1751, de 21/10/1976 do municpio de Araguari (MG)29. O Cdigo Sanitrio do Estado de SoPaulo determina que os cemitrios devero ser isolados, em todo o seu permetro, por logradou-ros ou outras reas abertas, com largura mnima de 15,00 m, em zonas abastecidas por redesde gua, e de 30,00 m, em zonas no providas de rede."

    Acrescenta-se a essas sugestes a necessidade de censos demogrficos ou popula-cionais para que, numa previso a longo prazo, seja possvel inferir qual a capacidade de cadacemitrio para as inumaes. Conforme Justino Adriano da Silva (2000, p. 419), para estabeleceros espaos adequados dos jazigos e dos ossurios, preciso considerar o nmero mdio anual

    das concesses dos ltimos anos, as tendncias que a sua evoluo acuse, alm do nvel econ-mico das famlias e a grandeza ou a importncia relativa dos aglomerados populacionais.A localizao dos cemitrios, em resumo, deve ser determinada levando em conta tanto

    as condies geolgicas do terreno como a sua situao geogrfica (2000, p. 426). Deve-se evitarque a rea destinada aos cemitrios se situe a montante de qualquer reservatrio ou sistema deaduo de gua da cidade. Os terrenos arenosos (ou siliciosos), por serem leves, soltos, portanto,porosos, permitindo o oxignio, so ideais para os cemitrios. Os argilosos no so recomendveis.Os lugares de instalao das necrpoles devem ser altos e com planos inclinados30.

    No se pode deixar de registrar um importante estudo realizado por Bolvar Antunes Matos,orientado pelo professor Dr. Alberto Pacheco, em Tese de Doutoramento pelo Instituto de Geocincias daUSP (2001). O tema da pesquisa foi intitulado "A avaliao da ocorrncia e do transporte de microorga-nismos no aqfero fretico do Cemitrio de Vila Nova Cachoeirinha", zona norte do Municpio de SoPaulo31. A metodologia aplicada foi dividida em etapas de laboratrio e de campo. No laboratrio

    29"Os cemitrios sero cercados por muros, com altura mnima de 2,00 metros, ao longo do qual haver umacerca viva que dever ser permanentemente tratada".30Cdigo Sanitrio do Estado de So Paulo, artigo 151: "Os cemitrios sero construdos em reas elevadas,na contravertente das guas que possam alimentar poos e outras fontes de abastecimento". Nos lugares altos,a possibilidade da presena de terrenos arenosos e calcrios maior. Ademais, protegem os cemitrios das

    inundaes, e evitam que as covas estejam em uma profundidade semelhante aos lenis d'gua. Conformeas normas funerrias, as necrpoles devem, tambm, ter uma declividade de 30 a 60, para evitar, justamente,o acmulo de gua no solo cemiterial. O Cemitrio Dom Vioso (Viosa-MG), v.g., conforme levantamentoemprico possui uma declividade correta, e est localizado numa rea elevada, mas o crescimento da cidade,aos poucos, faz com que o cemitrio fique situado em um nvel abaixo dos conjuntos residenciais. Mas, emViosa, o problema maior se refere ao Cemitrio Colina da Saudade, conforme os seguintes trechos do JornalTribuna Livre (n 820), de 09 de maro de 2007, p. 05: "[...] Os familiares tiveram que usar os faris de um carroe de uma moto para iluminar o tmulo do falecido [...] tiveram que enfrentar um extremo mau cheiro, oriundo dossepultamentos recentes. Indagado sobre o que estava provocando aquilo, o coveiro disse que estava faltandomaterial para vedar os tmulos". [...] "Nem um pasto to abandonado; aquele lugar uma sujeira s; no temterraplanagem; os corredores so estreitos; no h iluminao; o porto vive quebrado; ...paisagismo nem sefala", comentou a reclamante ao Jornal ("Cemitrios so alvos de crticas").31

    MATOS, Bolvar Antunes. Orientador: Prof. Dr. Alberto Pacheco. A avaliao da ocorrncia e do transporte demicroorganismos no aqfero fretico do Cemitrio de Vila Nova Cachoeirinha,Zona Norte do Municpiode So Paulo. Tese de Doutoramento. Instituto de Geocincias da USP (2001), 172 p. Programa de Ps-Graduaoem Recursos Minerais e Hidrogeologia. Disponvel em . Acesso em 21 jun. 2006.

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    foram montadas colunas de solo do cemitrio. As amostras de gua do aqfero fretico do citadocemitrio apresentaram variados tipos de bactrias, alm de vrias espcies de vrus.

    Uma das concluses da pesquisa foi que as principais fontes de contaminao dasguas subterrneas no cemitrio so as sepulturas com menos de um ano, localizadas nas cotasmais baixas, prximas ao nvel fretico. A contaminao pode atingir o aqfero atravs dochamado necrochorume - neologismo que designa o liquido liberado intermitentemente peloscadveres em putrefao, que tambm pode conter microrganismos patognicos - transportadopelas chuvas infiltradas nas covas ou pelo contado dos corpos com a gua subterrnea. Essemesmo pesquisador tambm observa a falta de normas federais sobre a matria32, recomen-dando, no final de seu trabalho, a elaborao destas. Recomenda, tambm, que os cemitriosdevam constar na lista de fontes potenciais de contaminao das guas subterrneas. E exortaque sejam realizados mais estudos sobre as necrpoles, em outras reas do conhecimento.

    Ressalte-se que a tese acima data de 2001. E em 2003 entrou em vigor a Resolu-o 335 de 03 de abril de 2003 do Conselho Nacional do Meio Ambiente dispondo sobre olicenciamento ambiental de cemitrios (modificada pela Resoluo 368 de 28 de maro de2006). Tal resoluo representa um pequeno avano para a conscincia poltica nacional emrelao s implicaes ambientais dos cemitrios. Ademais, serve de embasamento ao PoderPblico municipal para ditar normas locais, bem como ao respectivo Poder de Polcia ambiental,cuja fiscalizao ou controle essencial para o bem estar da populao.

    6. LICENCIAMENTO AMBIENTAL DOS CEMITRIOS

    A Resoluo 335 de 03 de abril de 2003 do Conselho Nacional do Meio Ambiente,dispondo sobre o licenciamento ambiental de cemitrios (modificada pela Resoluo 368 de 28de maro de 2006)33,estabelece que os cemitrios horizontais e os cemitrios verticais deveroser submetidos ao processo de licenciamento ambiental sem prejuzo de outras normas aplic-veis espcie. A mesma Resoluo trouxe alguns conceitos tcnicos da rea funerria, como,por exemplo, "produto da coliqao"34, popularmente conhecido como necrochorume.

    A Resoluo estabelece (artigo 3) que na fase de Licena Prvia do licenciamentoambiental devero ser apresentados, dentre outros, os seguintes documentos: I - caracterizaoda rea na qual ser implantado o empreendimento, compreendendo: a) localizao tecnicamente

    32"Na esfera federal, no h legislao especfica ou norma tcnica regulamentando a implantao e operaode cemitrios em termos ambientais e sanitrios. Existem iniciativas por parte de alguns Estados brasileiroscomo a norma tcnica L1.040, de 1989, do rgo responsvel pelo controle ambiental do Estado de So Paulo( CETESB). Estabelece os requisitos e as condies tcnicas para a implantao de cemitrios destinados aosepultamento no subsolo, no que tange proteo do ambiente, em particular dos solos e das guas subterrneas."Tambm cita o Cdigo Sanitrio do Estado de So Paulo (1991). Este exige que os cemitrios sejam construdosem reas elevadas, na contra vertente das guas que possam alimentar poos e outras fontes de abastecimento.Mas o pesquisador critica o texto do Cdigo, por ser confuso, dificultando sua aplicao prtica.33BRASIL. Resoluo CONAMA n 335, de 03 de abril de 2003. Dispe sobre o licenciamento ambiental

    de cemitrios. Disponvel em: . Acesso em: 10 nov. 2006. BRASIL. Resoluo CONAMA n 368, de 28 de maro de 2006. Modifica a resoluo 335, de 03 de abrilde 2003. Disponvel em: . Acesso em: 10 nov. 2006.34Art. 2, VI - produto da coliqao: o lquido biodegradvel oriundo do processo de decomposio dos corpos ou partes.

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    identificada no municpio, com indicao de acessos, sistema virio, ocupao e benfeitorias noseu entorno; b) levantamento topogrfico planialtimtrico e cadastral, compreendendo o mape-

    amento de restries contidas na legislao ambiental, incluindo o mapeamento e a caracteriza-o da cobertura vegetal; c) estudo demonstrando o nvel mximo do aqfero fretico (lenolfretico), ao final da estao de maior precipitao pluviomtrica; d) sondagem mecnica paracaracterizao do subsolo em nmero adequado rea e caractersticas do terreno considera-do; e II - plano de implantao e operao do empreendimento.

    A Resoluo probe a instalao de cemitrios em reas de Preservao Permanenteou em outras que exijam desmatamento de Mata Atlntica primaria ou secundria, em estgio mdioou avanado de regenerao, em terrenos predominantemente [sic] custicos, que apresentamcavernas, sumidouros ou rios subterrneos, em reas de manancial para abastecimento humano,bem como naquelas que tenham seu uso restrito pela legislao vigente, ressalvadas as exceeslegais previstas35. As fases de licena Prvia e de Instalao, conforme a citada Resoluo,podero ser conjuntas, ressalvadas as excees previstas no mesmo corpo normativo36.

    Para os cemitrios horizontais a Resoluo exige que a rea de fundo das sepultu-ras mantenha uma distncia mnima de um metro e meio do nvel mximo do aqfero fretico.Alm disso, ser preciso adotar, em regra, tcnicas e prticas que permitam a troca gasosa,proporcionando, assim, as condies adequadas decomposio dos corpos. Outra exigncia,que confirma o que foi discutido neste trabalho, possui ntido carter preventivo. que, segundoa Resoluo, a rea de sepultamento dever manter um recuo mnimo de cinco metros emrelao ao permetro do cemitrio, recuo que dever ser ampliado, caso necessrio, em funo

    da caracterizao hidrogeolgica da rea. Outrossim, como exigncia formal a famigeradaapresentao de documento comprobatrio de averbao da Reserva Legal, prevista em Lei,alm de estudos de fauna e flora para empreendimentos acima de cem hectares.

    O artigo 6 trata das chamadas necrpoles "verticais". Estas possuem semelhanacom edifcios de habitao coletiva, porm, destinadas ao sepultamento de cadveres. Atual-mente, esse tipo de empreendimento encontra-se em expanso, principalmente por parte dainiciativa privada. Dessa forma, economiza-se espao urbano, alm de se ter uma nova estticacemiterial. A Resoluo, atenta a essa nova forma de encarar a morte estabeleceu as seguintesexigncias ambientais: I - os lculos devem ser constitudos de:37a) materiais que impeam a

    passagem de gases para os locais de circulao dos visitantes e trabalhadores; b) acessriosou caractersticas construtivas que impeam o vazamento dos lquidos oriundos da coliqao;c) dispositivo que permita a troca gasosa, em todos os lculos, proporcionando as condiesadequadas para a decomposio dos corpos, exceto nos casos especficos previstos na legis-lao; e d) tratamento ambientalmente adequado para os eventuais efluentes gasosos.

    35A Resoluo 368 de 2006 retirou a expresso destacada.36 3 Excetuam-se do previsto no pargrafo anterior deste artigo, cemitrios horizontais que: I - ocupem reamaior que cinqenta hectares; II- localizem-se em reas de Proteo Ambiental - APA's, na faixa de proteo

    de Unidades de Conservao de Uso Integral, Reservas Particulares de Patrimnio Natural e MonumentoNatural; III - localizem-se em terrenos predominantemente custicos, que apresentam cavernas, sumidourosou rios subterrneos; e IV- localizem-se em reas de manancial para abastecimento humano.37Lculo: o compartimento destinado a sepultamento contido no cemitrio vertical (Art. 2, V).

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    A preocupao ambiental em relao aos cemitrios, portanto, uma realidade que,agora, comea a fazer parte da agenda poltica nacional, pelo menos no que se refere aos temas

    ambientais. A Resoluo tambm trouxe critrios em relao aos cadveres. Os corpos sepul-tados, conforme se depreende da Resoluo, podero estar envoltos por mantas ou urnasconstitudas de materiais biodegradveis, no sendo recomendado o emprego de plsticos,tintas, vernizes, metais pesados ou qualquer material nocivo ao meio ambiente. Fica vedado oemprego de material impermevel que impea a troca gasosa do corpo sepultado com o meioque o envolve, exceto nos casos especficos previstos na legislao.

    Portanto, os Administradores das Necrpoles, bem como os empreendedores dasfuturas necrpoles devero firmar termo de compromisso para a adequao dos empreendi-mentos s normas de Licenciamento ambiental. E, no caso de encerramento das atividades, oempreendedor deve, previamente, requerer licena, juntando Plano de Encerramento da Ativi-

    dade, nele incluindo medidas de recuperao da rea atingida e indenizao de possveisvtimas. Em caso de desativao da atividade, a rea dever ser utilizada, prioritariamente, paraparque pblico ou para empreendimentos de utilidade pblica ou interesse social.

    Para o cumprimento dessas normas poder o Ministrio Pblico intervir, at mesmopara o firmamento de Termos de Ajustamento de Condutas. O descumprimento das disposies dacitada Resoluo sujeitar o infrator s penalidades previstas na Lei n 9.605, de 12 de fevereirode 1998, e em outros dispositivos normativos pertinentes, sem prejuzo do dever de recuperar osdanos ambientais causados, na forma do art. 14, 1, da Lei n 6.938, de 31 de agosto de 1981(Poltica Nacional do Meio Ambiente)38. O artigo 15 remete que "Alm das sanes penais e

    administrativas cabveis, bem como da multa diria e outras obrigaes previstas no Termo deAjustamento de Conduta e na legislao vigente, o rgo ambiental competente, mediante decisomotivada, poder exigir a imediata reparao dos danos causados, bem como a mitigao dosriscos, desocupao, isolamento e/ou recuperao da rea do empreendimento".

    Aps tais anlises fica claro que h uma ntida e forte relao entre a DinmicaCemiterial e o meio ambiente, seja ele natural, artificial ou cultural. O papel do Poder Pblico,notadamente o Municipal, fazer valer as normas funerrias, luz dos princpios da proporci-onalidade e da razoabilidade, haja vista o respeito para com o sentimento ou dignidade familiar,to presente nesses casos. O problema ambiental dos cemitrios deve ser solucionado, massem massacrar a histrica cultura ou crena da inumao e dos ritos funerrios.

    7. CONCLUSO

    Com base em um dedicado estudo multidisciplinar, o presente artigo demonstrouos efeitos negativos que as sepulturas e cemitrios irregulares provocam no meio ambiente.Ficou, pois, comprovado, de forma prtica, que substncias cadavricas so elementospotenciais de contaminao de lenis freticos e rios.

    A funo social das necrpoles um aspecto que precisa ser mais discutido. Osproblemas de ocupao e diviso do solo cemiterial deveriam ser prerrogativas da administrao

    38Responsabilidade Objetiva pelo dano causado, ou seja, independentemente da existncia de culpa. Legitimidade doMinistrio Pblico para propor Ao de Responsabilidade Civil e Criminal, por danos causados ao Meio Ambiente.

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    pblica municipal. Ao invs de preterir as questes funerrias do municpio, os administrado-res pblicos deveriam utilizar parte dos recursos disponveis para evitar o estado de abando-

    no dos cemitrios, o que resulta, seriamente, em problemas ambientais, de salubridade pbli-ca e de desrespeito para com a dignidade das famlias dos falecidos.A morte um fato social constante. E o sepultamento uma ao solidria ou

    dever moral que os vivos tem para com os mortos. Preservar o meio ambiente no ,jamais, retirar esse direito histrico e universal. Ao contrrio, quando feito um corretoplanejamento urbano, antes da instalao de uma necrpole, alm de estar prevenindopossveis danos ao meio ambiente, garantir-se- o conforto das famlias que, eventualmen-te visitam os tmulos, num ato de lembrana ou mesmo respeito eterno.

    A recente Resoluo do CONAMA sobre o licenciamento ambiental de cemitrioscontribuir, pois, para que haja mais empenho e cuidado por parte dos administradores pblicos e

    empreendedores privados do ramo funerrio, em relao s construes de necrpoles e racio-nalizao das sepulturas. Portanto, deve haver uma organizao efetiva para que no haja umaconfuso entre a cidade dos vivos (metrpole) e a cidade dos mortos (necrpole). Isso no querdizer que seja necessrio haver uma total segregao entre cidade e cemitrio. Pelo contrrio, preciso que haja certa harmonia. Por isso os administradores e os cidados devem juntar esforosa fim de promover uma melhoria paisagstica, histrica e geogrfica das necrpoles.

    Portanto, a concluso deste trabalho s foi possvel graas s reflexes iniciais em tornoda relao entre morte e meio ambiente. Um verdadeiro desafio, haja vista a escassa fonte bibliogrficae a estranheza que o tema ainda desperta. No entanto, as tmidas notcias de Jornal que eventualmente

    denunciam o problema ambiental dos cemitrios serviram de motivao confeco desse trabalho.Fez-se, assim, jus ao esprito crtico e transformador das Cincias Humanas.

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