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Anais do Seminário Acessibilidade em Museus

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Anais do Seminário

Acessibilidade em Museus

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Anais do

Seminário

Acessibilidade em Museus

Niterói, 2020

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Imagem de capa (detalhe):

Eliseu D'Angelo Visconti (1866 - 1944)

Roda de Crianças, Século XX. Óleo sobre tela.

Acervo do Museu Antonio Parreiras / FUNARJ

Fotografia: Diego Barino – Cerne Sistemas

ISBN no 978-65-87540-00-9

Agradecimentos aos consultores Felipe Vieira Monteiro e Bruno Welber

Pereira, que nos apoiaram nesse projeto.

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Sumário

Prefácio, por Douglas Fasolato .................................................. 5

Apresentação, por Kátia de Marco ......................................... 7

Parte 1

Projetos de acessibilidade: ações em curso

O Museu da Vida como espaço de promoção da

Acessibilidade Cultural, por Hilda da Silva Gomes .............. 14

Ver e Sentir: Projeto de Acessibilidade do Museu Nacional de

Belas Artes, por Simone Bibian ................................................ 31

Reflexões sobre acessibilidade atitudinal, por Many

Pereira ..................................................................................... 39

Museu em versão digital: a experiência do MAP na construção

de um site de arte acessível, por Ana Paula Campos ............... 46

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Parte 2

Multissensorialidade: os sentidos na inclusão

Terapia Ocupacional, Acessibilidade Atitudinal e Técnicas

Inclusivas nos espaços culturais à pessoa com deficiência

visual, por Neila Vieira Nunes de Souza e Michelle Costa de

Castro ...................................................................................... 65

Sala Experiências do Olhar, espaço contínuo de

experimentação multissensorial – histórico, metodologia

e criação, por Rômulo Morgado............................................... 78

Museus e deficiência visual: encontros e criação, por Roberta

Gonçalves ................................................................................ 91

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Prefácio

Douglas Fasolato,

Coordenador de Museus – FUNARJ

Os museus brasileiros precisam estimular o contínuo

aprimoramento de políticas públicas culturais que promovam a

acessibilidade universal.

Assim, se promove igualdade de condições de acesso em

seus mais variados aspectos frente à diversidade de públicos e

suas especificidades.

O Museu Antonio Parreiras (MAP), um dos equipamentos

culturais da Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio

de Janeiro/FUNARJ, tem o compromisso de ampliar a

acessibilidade reconhecido em sua missão, assim como tem

entre seus valores a acessibilidade universal. Neste sentido,

referenda essa relevância, oferecendo uma dupla contribuição

ao assunto.

A primeira, ao realizar com êxito o Seminário Acessibilidade

em Museus, em maio de 2019, na sala de cursos do Museu de

Histórias e Artes do Estado do Rio de Janeiro (MHAERJ),

conhecido também como Museu do Ingá, na cidade de Niterói,

integrando a programação organizada por ocasião da 17ª

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Semana Nacional de Museus. A segunda contribuição, ao

divulgar os resultados das experiências, pesquisas e reflexões

apresentadas pelos sete palestrantes convidados, agora

disponibilizadas, por meio desta publicação, sob a coordenação

da diretora do MAP, Kátia de Marco, com colaboração de sua

equipe.

O lançamento dos “Anais do Seminário de Acessibilidade em

Museus” coincide com o período da 18ª Semana Nacional de

Museus, coordenada pelo Instituto Brasileiro de Museus –

IBRAM, tendo como tema “Museu para igualdade: diversidade e

inclusão”. Por isso, é uma oportunidade para pensar a

reabertura dos museus e seus passivos em relação aos desafios

da acessibilidade. Também se configura uma leitura

recomendada neste momento turbulento, causado pela

pandemia de COVID-19, que assola todo o planeta, gerando

muitas perdas e incertezas.

Desta forma, a leitura desta obra é uma oportunidade para

conhecer experiências inovadoras sobre o acesso dos acervos e

espaços de museus por pessoas com deficiência. Neste sentido,

esperamos que exemplos como este do Museu Antonio Parreiras

se multipliquem e sirvam para inspirar outras instituições

brasileiras para implantar e aprimorar práticas e experiências

inclusivas ao público que delas necessitam para usufruírem de

novas oportunidades de acesso. Boa leitura!

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Apresentação

Kátia de Marco,

Diretora do Museu Antonio Parreiras

“Museus para a Igualdade: diversidade e inclusão”. O tema

proposto na 18ª Semana de Museus está em consonância com a

atividade realizada pelo Museu Antonio Parreiras (MAP) na

edição de 2019 do festival, quando reunimos profissionais,

pesquisadores e estudantes no Seminário Acessibilidade em

Museus. A lotação da sala de cursos do Museu do Ingá, onde

ocorreu o evento, ratificou nossa percepção sobre o grande

interesse acerca da fruição e do diálogo entre os espaços

museais e as pessoas com deficiência.

Essa questão se encontra na diretriz prioritária do MAP,

exemplificada nas recentes ações voltadas à acessibilidade de

seus canais de comunicação na internet, com destaque ao

projeto de construção do site institucional do museu e seus

perfis oficiais nas redes sociais.

Dados não faltam para embasar a importância do tema.

Relatório realizado pela Organização Mundial de Saúde e pelo

Banco Mundial, publicado em 2011, aponta que mais de um

bilhão de pessoas possuem algum tipo de deficiência ao redor

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do planeta. No Brasil, estima-se que 8,27% da população

apresentam deficiência de moderada a grave, de caráter

permanente, seja deficiência motora, visual, auditiva e/ou

intelectual. Além do mais, é consenso entre os pesquisadores a

tendência à ampliação desse público, devido ao envelhecimento

das populações, bem como ao aumento global de doenças

crônicas, tais como diabetes, doenças cardiovasculares, câncer

e distúrbios mentais.

Se a chegada da pandemia desencadeada pelo novo

coronavírus adiou nossos planos de promover a segunda edição

do seminário, agora remarcada para 2021, por outro lado,

reforçou nosso intuito de divulgar os conteúdos compartilhados

durante o encontro do ano passado. Do esforço de todos os

envolvidos no projeto, surge esta publicação – disponibilizada

para download gratuito, em formato acessível para leitores de

tela –, reunindo artigos gentilmente preparados pelos

palestrantes. Os anais seguem a organização do seminário,

dividido em duas mesas temáticas. A primeira parte, sob o título

“Projetos de acessibilidade: ações em curso”, apresenta

experiências em desenvolvimento com foco nos campos da

educação e da comunicação.

No artigo de abertura, Hilda da Silva Gomes defende a

importância dos museus como espaços educativos e de

enfrentamento das injustiças sociais. A coordenadora da Seção

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de Formação do Serviço de Educação do Museu da Vida

(Fiocruz) destaca que “os museus trilham novos caminhos na

elaboração de ações educativas acessíveis explorando

afetividade e provocando emoção para oportunizar mais

compartilhamento de saberes e interação”. Para a autora, “a

função social e educativa dos museus é abrangente e tem como

objetivos centrais a autonomia, a emancipação das pessoas e a

valorização da diversidade cultural”.

No texto seguinte, Simone Bibian, técnica em Assuntos

Educacionais do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), aborda

o projeto Ver e Sentir, voltado à acessibilidade para pessoas

cegas e de baixa visão. A partir da iniciativa da instituição,

Bibian convida o leitor a refletir sobre novas possibilidades de

experiências estéticas nos espaços culturais, levando em conta

a diversidade do público.

Many Pereira, por sua vez, optou por fazer um relato

pessoal sobre “acessibilidade atitudinal”, dimensão na qual o

treinamento, a empatia e a compreensão das equipes no

acolhimento das pessoas com deficiência são fundamentais.

“Integrar o público com deficiência nos espaços culturais, muita

das vezes, depende mais de vontade do que de verbas. Ter

empatia, solidariedade e atitude não custa nenhum centavo”,

defende a arte-educadora e produtora cultural.

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Encerrando a primeira parte desta coletânea, Ana Paula

Campos, assessora de comunicação do Museu Antonio Parreiras,

descreve o processo de criação da página oficial do MAP na

internet e as estratégias utilizadas para torná-la acessível a

pessoas com deficiência. O artigo cita desde os protocolos

internacional e brasileiro aplicados à rede aos dispositivos de

acessibilidade, como leitores de tela e tradutores para a Língua

Brasileira de Sinais (Libras).

Com o título “Multissensorialidade: os sentidos na inclusão”

e a segunda parte dos anais contempla, de forma mais

específica, a acessibilidade voltada a pessoas cegas e com baixa

visão. Nesse campo, a contribuição das terapeutas ocupacionais

Neila Vieira Nunes de Souza e Michelle Costa de Castro se

mostra preciosa, ao propor técnicas inclusivas a serem

utilizadas no acolhimento de pessoa com deficiência visual em

espaços culturais. Para tanto, levam em conta a experiência de

ambas no Setor de Terapia Ocupacional / OM (Orientação e

Mobilidade) da Associação Fluminense de Apoio aos Cegos

(AFAC).

A entidade, aliás, teve papel essencial como instituição

parceira na elaboração da Sala Experiências do Olhar, como

revela o artigo assinado por Rômulo Morgado. Laureado no 10º

Prêmio Ibermuseus de Educação, o projeto estabeleceu, no

Museu do Ingá, um espaço fixo de experimentação

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multissensorial, dedicado a oferecer a fruição de obras de arte

através da valorização dos sentidos de olfato, audição, paladar e

tato, em detrimento ao da visão.

“O Brasil possui 6,5 milhões de pessoas com algum grau de

deficiência visual, sendo aproximadamente 580 mil cegas. É de

preocupação do museu a participação desse público,

assegurando o exercício de sua cidadania, na garantia do acesso

desse às obras e programação da instituição”, escreve Morgado.

Por questões de agenda, esta versão sai sem o artigo de

Leonardo Dias, educador do Museu Histórico Nacional, que será

incluído na edição atualizada, a ser publicada, em breve, no site

do Museu Antonio Parreiras. Em contrapartida, incluímos, como

“apêndice”, o texto Museus e deficiência visual: encontros e

criação, escrito Roberta Gonçalves especialmente para o evento.

À época recém-radicada em Lisboa, a psicanalista fez

questão de contribuir para o seminário, ao qual havia sido

convidada como palestrante. A carta, enviada da capital

portuguesa e lida no auditório, fala da condição social do

indivíduo e como uma decisão do pintor Antonio Parreiras, no

passado, a estimulou a articular o trabalho da reabilitação com

os museus e espaços de cultura em geral.

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Com essa publicação, o MAP busca colaborar para os

debates acerca da acessibilidade cultural, um tema que nos é

caro e no qual pretendemos avançar.

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Parte 1

Projetos de

acessibilidade: ações em

curso

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O Museu da Vida como espaço de promoção

da Acessibilidade Cultural

Hilda da Silva Gomes

A educação é um dos campos de fundamental importância

para o enfrentamento das iniquidades sociais, isso porque

permite que os indivíduos e grupos se insiram na dinâmica

societária e no fluxo da cultura humana. Esse patrimônio

cultural acumulado e constituído ao longo de gerações implica

em conhecimentos, competências, valores, simbologias,

instrumentos, linguagens características, articula pessoas e

instituições e é a expressão de uma comunidade humana

particular no meio social (FORQUIN,1993). A educação parte de

uma concepção problematizadora, na qual o conhecimento

resultante é crítico e reflexivo. É um ato político que exige

comprovados saberes em seu processo (FREIRE, 1997). De

acordo com esse processo, a ação cultural coletiva se faz

presente e implica em entender que a cultura não termina nas

fronteiras da tribo, da cidade ou da nação. Neste contexto, as

ações educativas e culturais estão necessariamente associadas

à discussão de questões éticas, políticas e sociais.

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Devemos entender a educação como um ato de intervenção

no mundo e esta deve estar a serviço das transformações

sociais. Freire (1998) nos lembra que prescindir da esperança

que se funda também na verdade como na qualidade ética da

luta é negar a ela um dos seus suportes fundamentais e

enquanto necessidade ontológica a esperança precisa da prática

para tornar-se concretude histórica. O artigo 27 da Declaração

Universal dos Direitos Humanos redigida pela Organização das

Nações Unidas (ONU), já apontava, em 1948, que toda pessoa

tem direito de tomar parte livremente na vida cultural da

comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso

científico e nos benefícios que deste resultam. Mas existem

barreiras que impedem o acesso e não proporcionam

sentimento de pertencimento ou identidade não assegurando a

apropriação dos bens culturais e excluindo grande parte da

população.

Segundo o relatório mundial sobre deficiência elaborado

pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Banco

Mundial, mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo

possuem algum tipo de deficiência (OMS, 2005). Este conceito

mudou a perspectiva individual e médica que enfatizava a

dependência do indivíduo, considerando-o incapaz, para uma

perspectiva estrutural e social, atribuindo as desvantagens

individuais e coletivas à incapacidade de reestruturação da

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sociedade (AMIRALIAN et al., 2000). Sob esse prisma, o

ambiente social tem grande impacto sobre a experiência e a

extensão da deficiência, pois ambientes inacessíveis criam

deficiência ao criarem barreiras à participação e inclusão. A

legislação brasileira possui vários decretos constitucionais que

conferem garantias ao direito cultural da pessoa com

deficiência. Importante entender que apesar dos dados do IBGE

(2011) apontarem cerca de 23,91% da população brasileira

como possuindo algum tipo de deficiência, já é sabido que essa

estatística incluiu pessoas que não têm perdas funcionais (como

miopia leve, por exemplo). O público que precisa das políticas

públicas corresponde a 8,27% da população brasileira que

apresentam deficiência de moderada a grave, de caráter

permanente, como deficiência visual, auditiva, intelectual e

motora. Além disso, o Relatório Mundial sobre deficiência (2011)

diz que essa prevalência nos países de renda mais baixa entre

pessoas com idades de 60 anos ou mais, é maior, por exemplo,

se comparada a países com renda mais elevada e estabelece

uma equação entre deficiência e pobreza.

Um dos mais importantes tratados, a Convenção sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência foi realizada pela ONU em

2006 e tinha como meta: promover, proteger e assegurar o

exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e

liberdades fundamentais. Este é um documento muito relevante,

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pois é o primeiro instrumento de direitos humanos do século

XXI, com uma dimensão explícita de desenvolvimento social e

que marca uma mudança paradigmática de atitudes e enfoque a

respeito das pessoas com deficiência. Em seu artigo 30 destaca

o direito de participação em condições de igualdade da vida

cultural e ter acesso a locais que ofereçam serviços ou eventos

culturais, tais como teatros, museus, cinemas, bibliotecas e

serviços turísticos, bem como, tanto quanto possível, ter acesso

a monumentos e locais de importância cultural nacional (ONU,

2006, n.p.). Após uma atuação de liderança em seu processo de

elaboração, o Brasil decidiu ratificá-la com equivalência de

emenda constitucional, nos termos previstos no Artigo 5º, § 3º

da Constituição Brasileira, e, quando o fez, reconheceu um

instrumento que gera maior respeito aos Direitos Humanos.

Diante da crescente complexidade da sociedade, a difusão

de diferentes saberes se dá não apenas na escola, mas também

em outros espaços de natureza educativa, como os museus. Ao

longo do tempo os museus passaram por transformações

históricas e conceituais buscando novas estratégias educativas

para ampliar sua comunicação com o público.

Nesse cenário, os museus trilham novos caminhos na

elaboração de ações educativas acessíveis explorando

afetividade e provocando emoção para oportunizar mais

compartilhamento de saberes e interação.

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Considera-se o museu como um espaço privilegiado para a

articulação dos aspectos afetivos, cognitivos, sensoriais e de

trocas simbólicas.

Segundo o Internacional Council of Museums (ICOM), o

museu:

[...] é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a

serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta

ao público e que adquire, conserva, investiga, difunde e

expõe o patrimônio material e imaterial da humanidade e

seu ambiente para fins de estudo, educação e deleite da

sociedade (ICOM, 2007, p. 20).

De acordo com a Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009,

que instituiu o Estatuto de Museus, consideram-se museus, para

os efeitos desta Lei:

As instituições sem fins lucrativos que conservam,

investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins

de preservação, estudo, pesquisa, educação,

contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor

histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer

outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da

sociedade e de seu desenvolvimento (BRASIL, 2009).

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A função social e educativa dos museus é abrangente e tem

como objetivos centrais a autonomia, a emancipação das

pessoas e a valorização da diversidade cultural. Vivemos num

mosaico de múltiplas cenografias, ambientes, linguagens e

realidades. Neste cotidiano, há desafios, dificuldades e

retrocessos, mas também lutas, resistências, avanços e

conquistas. Neste esforço educativo e político, um movimento

realizado por educadores de museus, se debruçou na construção

de uma política que pudesse evidenciar a importância da

formação destes profissionais e o papel estratégico dos museus

no fortalecimento da cultura. A Política Nacional de Educação

Museal (PNEM) constituiu-se, de forma participativa, a partir do

Programa Nacional de Educação Museal. É um conjunto de

princípios e diretrizes com o objetivo de nortear a realização das

práticas educacionais em instituições museológicas, fortalecer a

dimensão educativa em todos os espaços do museu e subsidiar

a atuação dos educadores. Sua construção, iniciada no 5º

Fórum Nacional de Museus, que ocorreu em Petrópolis, em

2012, concluiu-se com o documento final aprovado no 7° Fórum

Nacional de Museus, em Porto Alegre, já em 2017 e que se

constitui como matriz orientadora representando um passo

fundamental para a organização e desenvolvimento do campo

da educação museal.

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Um dos princípios da PNEM destaca que a educação museal

compreende um processo de múltiplas dimensões de ordem

teórica, prática e de planejamento, em permanente diálogo com

o museu e a sociedade. Em seu Eixo III intitulado ‘Museus e

Sociedade’, ressalta como matricial:

Promover a acessibilidade plena ao museu, incentivando

a formação inicial e continuada dos educadores museais

para desenvolvimento de programas, projetos e ações

educativo-acessíveis (PNEM,2017:7).

Sassaki (2007) considera que é preciso garantir diversos

níveis e dimensões de acessibilidade como: atitudinal

(oportunizar práticas de sensibilização e conscientização),

arquitetônica (eliminação de barreiras físicas), metodológicas

(elaboração de estratégias educativas), instrumental (utilizar

equipamentos e aparatos acessíveis), programática (adoção da

legislação) e comunicacional (possibilitar variadas formas de

comunicação e de tecnologia assistiva). Anteriormente a

acessibilidade era vista apenas como um processo de eliminação

de barreiras físicas, os conceitos avançaram para a importância

das condições de utilização de produtos e serviços gerais e hoje

se firma como o direito à vida e respeito à diversidade. Neste

caminho mais um olhar se agrega a esta realidade e que se

potencializa com a implementação das políticas públicas

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culturais: é a “acessibilidade cultural”, como um conjunto de

adequações, medidas e atitudes que visam proporcionar bem

estar, acolhimento e acesso à fruição cultural para pessoas com

deficiência, beneficiando públicos diversos (SARRAF, 2013).

Para Omote (2008), são necessárias ações que possibilitem a

participação destas pessoas na sociedade como cidadãos e

cidadãs com plenitude de direitos.

No tocante ao contexto das proposições aqui contidas, vale

destacar no que diz respeito ao contexto brasileiro, de acordo

com a publicação “História do Movimento Político das Pessoas

com Deficiência no Brasil”, lançada em 2010 pela Secretaria

Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da

Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

(SNPD/SDH/PR), nas últimas décadas, que as pessoas com

deficiência têm obtido mais visibilidade e conquistado mais

espaços, como resultado da maior articulação política em defesa

de direitos e do combate à discriminação.

Pessoas que lutam por seus direitos, que valorizam o

respeito pela dignidade, pela autonomia individual, pela

plena e efetiva participação e inclusão na sociedade e

pela igualdade de oportunidades, evidenciando, portanto,

que a deficiência é apenas mais uma característica da

condição humana (Brasil, 2012).

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Nossa história é marcada por desequilíbrios e desigualdades

sociais, realimentadas por discriminações étnicas, sociais e de

gênero. Vivemos hoje uma grande crise na compreensão do

conceito de direitos humanos e isto impacta as questões

voltadas para a expressão e fruição de direitos culturais. Estas

dependem de condições de igualdade e a plena oferta de

condições para que estes processos se realizem. Nesse sentido

é preciso continuar fortalecendo o direito das pessoas com

deficiência, ainda tratadas com discriminação e preconceitos. A

reflexão, a ser exercitada sobre a democracia via expressão

cultural e sobre a importância da diversidade de manifestações

identitárias é um fator que possibilita mudanças nesse aspecto

da cultura e que merece investimento intensivo no sentido de

contribuir para libertar possibilidades de expressão oprimidas,

para melhorar a qualidade de vida converter seus direitos legais

em direitos efetivos.

Estes fatores contribuem para o aumento da coesão social,

democracia, cidadania e estão na base do Serviço Único de

Saúde /SUS como território e participação social, sendo um dos

determinantes sociais de saúde fundamentais para

acessibilidade aos serviços e configuração das políticas culturais,

sociais e de saúde.

Toda essa caminhada abre novas perspectivas e tomada de

posições dos gestores e profissionais de espaços culturais. Como

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potencializar o protagonismo de pessoas com deficiência na

elaboração de projetos, produção de expressões artísticas,

curadorias de espetáculos, exposições e também estimular a

formação desse público como plateia? Essas provocações nos

movem na direção de outros caminhos que devem ser trilhados

a fim de não só promover o acesso, mas também, gerar a

tomada de consciência para intervenção na realidade. Estas

ações se pautam na atenção que os museus devem dar às

diferentes particularidades e especificidades de públicos, como:

infantil, idosos, LGBT, população de territórios socialmente

vulnerabilizados e pessoas com deficiência física, intelectual,

auditiva e visual.

As intervenções físicas e ações educativas acessíveis

também são essenciais, e é necessário construir espaços de

interlocução entre profissionais, oportunizando

compartilhamento de experiências e investindo na formação de

equipes assim como, no fortalecimento de uma rede de

acessibilidade em museus. Criar novos processos museais que

potencializem uma educação libertadora e crítica nos dão

subsídios para enfrentar e modificar o cenário controverso no

qual estamos inseridos. Os museus podem e devem ser fórum

de discussões sobre essas e outras questões que afetam a todos

os cidadãos de todas as classes, etnias, complexidades,

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especificidades e gêneros. Afinal de contas, não é para isso

também que servem os museus?

Mas para que estas condições sejam viabilizadas, é

fundamental o compromisso na elaboração de estratégias

voltadas para o treinamento e formação de profissionais a fim

de proporcionar acolhimento respeitoso do público de pessoas

com deficiência e a oferta de diversas possibilidades de fruição

no espaço museal. Registramos aqui a experiência em curso no

Museu da Vida/MV, espaço de educação não formal, situado no

campus da Fiocruz em Manguinhos na cidade do Rio de Janeiro.

Um acontecimento abalou a estrutura de nosso alicerce: um

tombo sofrido por um jovem com deficiência visual durante uma

visita ao MV, nos assustou, impactou e desafiou a mudar o

curso de nossa rotina diária no atendimento a este perfil de

público.

O MV dispõe de áreas expositivas que exploram temáticas

relacionadas à ciência, história, arte e saúde. Tem em sua

missão, popularizar a ciência por meio de aparatos interativos,

atividades educativas, objetos museológicos e exposições.

Desde 2013, criamos o Grupo de trabalho Acessibilidade que

tem se dedicado a repensar e rever o atendimento feito ao

público de pessoas com deficiência a fim de desenvolver

estratégias educativas mais acessíveis.

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Nessa caminhada, o MV continua definindo as rotas.

Estabelecendo outra trajetória pavimentando uma nova estrada

livre de barreiras, pedágios e obstáculos. Ampliando a escuta

como parte de uma agenda emancipatória que não só reconhece

as diferenças, mas valoriza as alteridades respeitando

conhecimentos e saberes legítimos. Mergulhando num

aprofundamento teórico-prático, descobrindo pessoas e

experiências. Explorando a criatividade nas ações educativas.

Apostando na produção da cultura, saúde e cidadania.

Potencializando a promoção da saúde. Investindo na troca

dialógica com estes ‘sujeitos de direito’ para uma dinâmica de

trabalho de mão dupla. Buscando sensibilização, incrementando

o respeito e novas condutas acessíveis. Criando uma rede

parceira com instituições como o IBC e o INES. Realizando

encontros acadêmicos. Desenvolvendo exposições com recursos

de tecnologia assistiva. Trabalhando com a participação e

consultoria de projetos feita por profissionais com deficiência.

Conhecendo um novo e potente lócus de experiências estéticas

e sensíveis. Descobrindo novas formas de mediação e

comunicação alternativa. Compreendendo a sinérgica

importância de ultrapassar os modelos tradicionais e de se abrir

para a elaboração de perspectivas de fruição multissensoriais.

Atuando na eliminação de preconceitos e barreiras atitudinais.

Com esta nova rota traçada e um protocolo implementado,

recebemos 21 instituições e 648 visitantes com deficiência,

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plenos em suas especificidades e singularidades, no período de

junho de 2017 a dezembro de 2018. Iniciamos o ano de 2019

com a vinda de mais 8 instituições. Podemos encontrar algumas

pedras no caminho e ainda tropeçar, mas já temos suportes que

impedem outros tombos.

Estas experiências acumuladas representam a fonte de

nossos resultados no avanço desta caminhada. Na estrada

surgiram algumas questões que exigiram reflexão e novas

ações. Como transformar práticas educativas já ‘naturalizadas’ e

construídas numa abordagem que generaliza o público e não

aprofunda o olhar para diversidade? Como elaborar roteiros que

incluam pessoas com deficiência? Como desenvolver estratégias

que ampliem o olhar para as diversas especificidades?

A sociedade deficiente é que dificulta e impõe barreiras

atitudinais, físicas e comunicacionais que prejudicam ou

impedem a participação social dessas pessoas. Como

educadores, devemos ser mais cuidadoso e precisamos ser mais

ousados nos debruçando na elaboração de atividades que

sensibilizem e explorem sons, cheiros, sensações oportunizando

experiências estéticas numa visita ao museu. Considerar uma

outra forma de definir o tempo na exploração do espaço museal

principalmente com mediação é um aspecto necessário. Mas

provocar a emoção, surpresa, inquietação e questionamentos

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para visitante e mediador é a esperada troca dialética que

esperamos como resultado desse encontro.

Depois daquele tombo... insistimos em manter um grande

processo de sensibilização institucional para ampliar o acesso de

pessoas com deficiência, seja por meio da participação na

elaboração de estratégias expositivas e ações educativas,

estágio e contratação

Museus podem e devem ser espaços dinâmicos de

ressignificações legitimando a presença dos sujeitos na

construção de lugares seguros onde possamos construir a

sensação de pertencimento a partir da mobilização dos acessos

afetivos. Muito ainda está por fazer, mas o caminho agora não

admite retorno pois não dá para voltar atrás. É necessário

avançar na descoberta de novos percursos numa estrada que

nos apresenta muitas possibilidades ainda pouco exploradas.

Sobre a autora: Hilda Gomes possui Licenciatura em Ciências Biológicas

e Bacharelado em Biologia Marinha, pelas Faculdades Integradas Maria

Thereza; é mestre em Educação pela UFF e especialista em Acessibilidade

Cultural pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora

universitária, desde 2006, atua na Fundação Oswaldo Cruz, onde

coordena a Seção de Formação do Serviço de Educação do Museu da

Vida. Hilda também integra o Comitê Fiocruz pela Acessibilidade e

Inclusão das Pessoas com Deficiência.

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Referências

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BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos.

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atual. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria Nacional de

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SARRAF, Viviane Panelli. A comunicação dos sentidos nos espaços

culturais brasileiros: estratégias de mediações e acessibilidade para

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Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,

2013. Disponível em: <https://tede2.pucsp.br/bitstream/

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Ver e Sentir: Projeto de Acessibilidade do

Museu Nacional de Belas Artes

Simone Bibian

Resumo: Os museus são, em geral, pouco acolhedores principalmente

para pessoas com deficiência. Apresentamos neste artigo o Projeto Ver e

Sentir, de acessibilidade para pessoas cegas e de baixa visão no Museu

Nacional de Belas Artes (MNBA), bem como seu histórico e

desdobramentos, com objetivo de contribuir para a reflexão da

possibilidade de oferecimento de experiências estéticas nos espaços

culturais, levando em conta a diversidade do público.

Palavras-chave: acessibilidade em museus, arte e pessoa com

deficiência visual, Museu Nacional de Belas Artes e inclusão.

1) Introdução

A democratização do acesso aos bens culturais e a fruição

do patrimônio cultural, levando em conta a diversidade, é um

grande desafio, pois os museus sempre foram pouco

acolhedores, especialmente para as pessoas com deficiência.

Mesmo com todos os movimentos, normas, legislação específica

e direitos conquistados por lei, na prática o acesso ao

patrimônio cultural ainda carece de reflexão. Mais

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especificamente, como um museu de arte pode oferecer a

possibilidade de apreciação estética a pessoas cegas e de baixa

visão?

Fornecer acesso a obras tão visuais quanto pinturas e

esculturas é uma tarefa para a qual não existe padrão ou

caminho pré-definido. Não está claro o que se deve fazer

para dar acesso, através do tato e de outros sentidos, a

um acervo que sempre se pretendeu e foi visual. Fazê-lo

de uma maneira que desperte o interesse de todos os

públicos, e não apenas dos deficientes visuais, é algo

ainda mais difícil; trata-se porém, de uma meta que

caracteriza o horizonte de uma inclusão efetiva. (Carijó,

Magalhães, Almeida, 2010, p. 174)

2) O Museu Nacional de Belas Artes e o projeto de

acessibilidade

O Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) – RJ foi criado em

1937 através de um decreto do então Presidente Getúlio

Vargas. O prédio que ocupa foi projetado para sediar a Escola

Nacional de Belas Artes e construído durante as reformas

urbanísticas do Prefeito Pereira Passos, em 1908. O acervo do

museu se originou através das obras da coleção de D. João VI,

das pinturas trazidas pelo chefe da Missão Artística Francesa,

Joaquim Lebreton, e pelos trabalhos pertencentes ou produzidos

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pelos membros da Missão. A partir de então, seu acervo tem se

ampliado através de doações e aquisições, contando atualmente

com cerca de 70.000 itens entre desenhos, pinturas, esculturas,

gravuras, mobiliário, livros, fotografias e documentos históricos.

O museu possui a maior e mais importante coleção de arte

brasileira do século XIX, sendo fundamental que seu acervo

possa ser apreciado por todas as pessoas. Por isso, busca

aperfeiçoar a acessibilidade física, sensorial, cognitiva e

atitudinal, desenvolvendo ações de acolhimento para o público

com deficiência. Uma das ações mais importantes neste sentido

é o projeto de acessibilidade Ver e Sentir através do toque.

Iniciado em 2007, o projeto tem como objetivo tornar a

experimentação estética promovida pelas obras de arte, assim

como a história da arte e dos processos artísticos, acessíveis às

pessoas cegas e com baixa visão. Tendo um acervo

essencialmente composto por obras de arte plásticas e visuais,

fornecer o acesso a elas exigiu a disposição em experimentar

caminhos e estratégias que viabilizassem o contato através de

outros sentidos. Assim, em sua primeira fase, o projeto previu a

possibilidade do toque.

Foi construído então um material tátil composto de

reproduções de obras de arte, na forma de placas de gesso em

baixo relevo, produzidas pela Seção de Esculturas da Escola de

Belas Artes - EBA/UFRJ. Faz parte deste conjunto reproduções

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em material emborrachado (EVA) e algumas maquetes, feitas a

partir do acervo artístico do museu, de obras especialmente

selecionadas para este trabalho, bem como os textos para a

audiodescrição. Todo o material foi submetido à avaliação de

alunos cegos do Colégio Pedro II e da Escola Municipal Helena

Antipoff, e foi objeto de discussão e reflexão no Seminário sobre

Acessibilidade promovido pelo MNBA em 2008. Desde então,

este material vinha sendo utilizado pontualmente,

disponibilizados pelo Núcleo de Educação em visitas agendadas.

Para que este Projeto fosse divulgado para o público em

geral e o material ficasse acessível a todos, foi inaugurada em

janeiro de 2015 a Exposição do Projeto Ver e Sentir através do

Toque, com parte das placas táteis, maquetes e reproduções em

EVA. Uma parceria com a Secretaria da Pessoa com Deficiência

da cidade do Rio de Janeiro proporcionou a orientação

necessária quanto a questões de acessibilidade da própria

exposição, fazendo treinamento com o pessoal do receptivo do

museu e produzindo as etiquetas e textos em Braille. Para que

os visitantes videntes também pudessem ter a experiência do

toque sem a visão, foram disponibilizadas máscaras para cobrir

os olhos.

Esta exposição foi objeto de pesquisa da neurocientista Dra.

Maira Froes e equipe, da Universidade Federal do Rio de

Janeiro/UFRJ, numa ação intitulada “Quando a arte toca o

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cérebro”, integrada à programação da Semana Nacional do

Cérebro 2015. A experiência pretendeu ampliar o entendimento

do que o corpo, o sujeito deste corpo, a arte e a ciência revelam

através do toque, discussão também presente no Seminário Ver

e Sentir através do Toque, promovido pelo MNBA naquele

mesmo ano.

3) Projeto Ver e Sentir – nova fase

Por ocasião dos 10 anos do projeto, em 2017 esta proposta

de exposição entra em nova fase, na qual busca a interlocução

com outros agentes e outros modos de fazer, numa abordagem

mais abrangente. Artistas contemporâneos são convidados a

provocar outros sentidos além da visão, ampliando a

experiência estética do visitante através do contato direto com

obras originais. Pessoas cegas e videntes podem assim usufruir

da arte em toda a sua diversidade.

A primeira artista convidada foi Suzana Queiroga. A

exposição Ver e Sentir através do Toque – Suzana Queiroga,

apresentou obras que propunham uma relação nova com a arte,

estimulada através da percepção tátil. Topos, uma destas obras,

era composta de três formas côncavas ovais paralelas,

interligadas por uma forma cilíndrica e côncava na horizontal,

em uma parede branca. Em outra parede, onze formas

convexas ovais e lisas, de tamanhos diferentes, dispostas de

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forma aleatória e próximas. Outra obra, denominada Rioma,

criada especialmente para o projeto, consistia em uma grande

instalação feita de tecido vermelho e macio, com recortes

vazados de formatos irregulares, inspirada na cartografia do

centro do Rio de Janeiro, aberta no chão como um tapete. As

obras ofereciam-se à experiência do toque por todos os

visitantes e foi muito bem recebida pelo público.

Além de beneficiar as pessoas com problemas de visão,

idosos, crianças em fase de alfabetização, familiares e

amigos das pessoas com deficiência visual, as

adequações para inclusão proporcionam aos indivíduos

esgotados pelo apelo da comunicação visual a

possibilidade de perceber a arte e a cultural com seus

outros sentidos. (Sarraf, 2010, p. 171)

Esta exposição foi objeto de reflexão em uma roda de

conversa ocorrida no museu, com a presença da artista,

técnicos do Instituto Benjamin Constant, pessoas cegas e

pesquisadores.

A próxima exposição do projeto, Diário de Cheiros:

Affectio, a ser inaugurada em maio de 2019, foi concebida pela

artista brasileira radicada em Nova York Josely Carvalho. Esta

exposição, que remete às grandes manifestações populares

ocorridas em 2013, consiste em uma instalação que estimula os

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sentidos visual, olfativo e tátil, exibida em diferentes espaços do

museu, construída por seis mesas com ânforas olfativas feitas

em vidro soprado. Cada ânfora recebe o nome do cheiro criado

por Josely. São eles: “Pimenta”, “Lacrimæ”, “Barricada”,

“Anoxia”, “Poeira” e “Dama da Noite”. Este último remete à

sensibilidade, à potência e força feminina, entendidas como

possível opção de mediação de conflitos. Faz parte da

exposição, ainda, a escultura “Marielle Franco”, em homenagem

à vereadora da cidade do Rio de Janeiro, que foi brutalmente

assassinada em 2018. A Associação Fluminense de Amparo ao

Cego (AFAC) apoiou a exposição confeccionando etiquetas e

textos em Braille. Rodas de conversa, visitas mediadas e

seminários estão sendo organizados, no sentido de contribuir

para discussão sobre questões de experiência estética, memória

olfativa e acessibilidade.

Sabemos que ainda há um longo trabalho pela frente para

que o acesso pleno por todas as pessoas aos museus e à arte

seja de fato uma realidade, mas seguimos com esperança neste

caminho de pesquisa, reflexão, propostas e compartilhamento

de experiências de novas e diversas formas de ser e estar no

museu.

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Sobre a autora: Simone Binian é graduada em Pedagogia pela

Universidade Federal de São Carlos, mestre e doutoranda em Educação

pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense.

No momento, atua como Técnica em Assuntos Educacionais do Museu

Nacional de Belas Artes, sendo Responsável pelo Setor de Educação da

Instituição. É membro do grupo FIAR, Círculo de Estudo e Pesquisa

Formação de Professores, Infância e Arte.

Referências

SARRAF, Viviane. Acesso à Arte e Cultura para pessoa com deficiência

visual: direito e desejo. In: MORAES, Marcia e KASTRUP, Virgínia (orgs.)

Exercícios de ver e não ver: arte e pesquisa com pessoas com

deficiência visual. Rio de Janeiro: Nau, 2010.

CARIJÓ, Filipe, MAGALHÃES, Juliana, ALMEIDA, Maria Clara. Acesso tátil:

uma introdução à questão da acessibilidade estética para o público

deficiente visual nos museus. In: MORAES, Marcia e KASTRUP, Virgínia

(orgs.) Exercícios de ver e não ver: arte e pesquisa com pessoas com

deficiência visual. Rio de Janeiro: Nau, 2010.

COHEN, Regina; DUARTE, Cristiane ; BRASILEIRO, Alice .

Acessibilidade a museus (Cadernos Museológicos – vol. 2) Brasília, DF:

Ibram, 2012.

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Reflexões sobre acessibilidade atitudinal

Many Pereira

“Você se lembra, foi isso mesmo que se deu comigo...”

(Castigo, Dolores Duran)

Diferentemente da continuação da canção eternizada na voz

de Dolores Duran, eu não tive nenhum castigo em ter Trilhado

os Caminhos da Acessibilidade Atitudinal (título da seção 2 do

meu trabalho de conclusão de curso da Especialização em

Acessibilidade Cultural, pela Universidade Federal do Rio de

Janeiro, em junho de 2019). Pelo contrário, hoje tenho muito

orgulho de ter iniciado os meus estudos sobre o tema. O convite

do Museu Antonio Parreiras foi a oportunidade para narrar um

pouco deste caminhar, que seguirá, além de procurar refletir

junto com os presentes, sobre como a acessibilidade atitudinal

pode e deve ser incentivada nos espaços de cultura, através de

iniciativas como cursos, palestras, dentre outras formas, que

devem ser instituídas pelos gestores de tais espaços.

A ideia é de que este relato possa apresentar como a

aproximação com o tema da acessibilidade cultural é capaz de

nos afetar no sentido de ampliar nossos olhares sobre algo que

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está presente no nosso dia a dia, mas nos parece inicialmente

invisível. E a invisibilidade aos nossos olhos nos parece natural.

A Acessibilidade Atitudinal, uma das dimensões da

acessibilidade, tem se apresentado como força impulsionadora

para todas as outras formas de acessibilidade. Além disso, a

vivência da acessibilidade atitudinal é capaz de provocar

pequenas mudanças, qualificando as iniciativas de promoção da

cidadania cultural das pessoas com deficiência nos espaços

culturais.

No Brasil, os espaços culturais ainda estão se esforçando

para conseguir atender ao público com deficiência, seja se

adequando às leis, ou por programas educacionais inclusivos.

Temos artistas com deficiência lutando para mostrar sua arte,

com iniciativas próprias e pouco apoio governamental, e por

outro lado, temos pela frente o enorme desafio de trazer o

público com deficiência para ocupar seu espaço nos museus,

teatros, cinemas, salas de espetáculos, dentre outros.

Uma das funções do produtor cultural é a formação de

público, ou seja, contribuir para que as plateias lotem

espetáculos, museus, teatros etc. Se por um lado existe todo

um arcabouço teórico e legal que determina a necessidade e a

importância da inclusão e da acessibilidade, por outro, os

gestores e as instituições estão quase sempre alegando falta de

verbas para que os espaços não estejam aptos a receber todas

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as pessoas. Alinha-se a tudo isso, o fato de que o público com

deficiência, muitas das vezes, não é pensado nestas

programações, por uma série de fatores. A principal delas é a

falta de sensibilidade e de acessibilidade atitudinal.

Durante os estudos para a conclusão da especialização em

Acessibilidade Cultural, ficou claro para nós que a mudança de

foco é possível, e, que, integrar o público com deficiência nos

espaços culturais, muita das vezes depende mais de vontade do

que de verbas. Ter empatia, solidariedade e atitude não custa

nenhum centavo. Portanto, treinar pessoas para que estejam

aptas a propor e buscar soluções que incluam as pessoas com

deficiência é de suma importância, não só para os produtores

culturais, mas para toda a cadeia da produção cultural hoje no

Brasil.

O treinamento e a sensibilização para a acessibilidade

atitudinal das equipes que integram os espaços de cultura visam

incentivar que sejam feitas ações para inclusão das pessoas

com deficiências, não só como público, mas também como

funcionários e artistas. Desta forma, seria quebrada a primeira

barreira que impede o acesso desta população a fruição e ao

lazer, além de propiciar que a sociedade em geral se habitue a

conviver com surdos, cegos, autistas, pessoas com deficiência

intelectual ou física, dentre outras, sem estranhamentos.

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Sendo assim, quais seriam os benefícios do treinamento em

acessibilidade atitudinal para os espaços? O treinamento

possibilitará o entendimento da necessidade de se criar outras

acessibilidades, como comunicacionais, físicas e arquitetônicas;

o custo deste tipo de treinamento geralmente é menor do que

outros na área; aumento da empatia de setores estratégicos,

como diretorias e finanças; além do principal: o aumento de

público.

Neste sentido, consideramos que a acessibilidade atitudinal

é a porta de entrada para a consciência e sensibilização das

pessoas que trabalham do setor cultural afim de promover, de

fato e de direito, a acessibilidade cultural em seus projetos e

espaços culturais, visto que, ao final do treinamento e

sensibilização, reforçamos as atitudes que os participantes

deveriam exercitar em suas práticas profissionais, tais como:

buscar treinamento constante, mudar a mentalidade excludente,

institucionalizar as regras e não as pessoas e não fazer só

porque está na Lei.

Por fim, é preciso ressaltar que este tipo de sensibilização

necessita acontecer periodicamente, não só como forma de

reciclagem e afirmação de pontos importantes, como também

para avaliar práticas e ações realizadas ou não pelas equipes

treinadas. São verificações que devem ser feitas não só pelas

pessoas que implementaram os treinamentos, mas também

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pelas equipes que foram sensibilizadas, cada uma em seu setor,

procurando dar condições de acesso ao público com deficiência,

seja ele direto ou indireto (presença física ou virtual), interno ou

externo.

Procurou-se com este artigo apontar para a importância da

acessibilidade atitudinal na formação dos funcionários e

trabalhadores da cultura em geral, como modo de abranger os

diversos públicos de pessoas com deficiência nos espaços

culturais. Para isso, além da necessária empatia e solidariedade,

precisa-se de formação contínua em Acessibilidade Cultural, que

englobe todos os trabalhadores, desde os que estão na linha de

frente, lidando diretamente com o público (como seguranças,

recepcionistas, monitores e educadores), passando pelos

auxiliares gerais (na maioria das vezes pessoas com níveis

educacionais muito baixos e que são menosprezadas na hora de

reuniões ou treinamentos formais na área da cultura), chegando

aos gestores e elaboradores de programas e políticas de

formação de público.

Pensando em como atender melhor o público em geral, é

preciso voltar o olhar para o público interno das instituições,

que é o seu maior capital, na busca pela fidelização do público

externo. Um atendimento que deixe a desejar, um tratamento

equivocado ou com indiferença afasta o mais fiel e assíduo

frequentador de um espaço. Então, se os espaços estão

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preocupados em manter seus números de atendimento e

melhorá-los, precisam se empenhar em ter pessoas qualificadas

para o atendimento.

Com o público com deficiência não é diferente. Para além

de toda a necessidade de se adequar às normas técnicas,

estipuladas pelas leis e convenções – como colocação de piso

tátil, instalação de rampas, corrimãos, elevadores ou

plataformas elevatórias, contraste e textos com letras

ampliadas, placas em braile, maquetes táteis e outros recursos

de Tecnologia Assistiva que hoje facilitam a livre circulação das

pessoas deficientes, ou com problemas de mobilidade

temporária, como gestantes e idosos, acidentados etc. – é de

vital importância o treinamento voltado para a atitude empática.

Estar no lugar certo na hora certa, estar disponível para um

apoio, estar disposto a ajudar, mesmo que para isso seja

preciso solicitar a orientação da pessoa com deficiência sobre

qual a melhor maneira de fazê-lo, dizem respeito à

Acessibilidade Atitudinal. Ter este tipo de atitude, educada e

cordial, é visto com frequência em atendimento às pessoas não

deficientes. Ocorre que quando se trata de uma pessoa com

deficiência, instantaneamente, alguns indivíduos ficam

paralisados sem saber o que fazer. Isso acontece por vários

motivos, mais o principal deles é que tais sujeitos não foram

acostumados a conviver com a diversidade.

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Quebrar essas barreiras atitudinais, incentivar o diálogo e a

sensibilização para a acessibilidade são deveres de toda a

sociedade, mas obrigação no caso dos gestores e fazedores de

cultura. Assim, espera-se que ao final do treinamento, as

equipes dos espaços estejam aptas a se engajar na luta pela

cidadania cultural das pessoas com deficiência, tendo

conhecimento na causa para atuar em sua defesa, perseverar e

replicar seus aprendizados com o máximo de pessoas que

puderem, nunca esquecendo o lema das pessoas com

deficiência, “Nada Sobre Nós, Sem a Nossa Presença”.

Sobre a autora: Many Pereira graduou-se em Turismo pela Universidade

Veiga de Almeida e em Produção Cultural pelo Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. É especialista em

Acessibilidade Cultural pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e

formada em Libras pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).

De 2012 a 2018, atuou como assistente de direção e produtora cultural

no Museu do Ingá. Desde dezembro do ano passado, ocupa o cargo

de arte-educadora e produtora cultural na Coeficiente Artístico, que

presta serviços para o Programa Educativo do OI Futuro.

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Museu em versão digital: a experiência do

MAP na construção de um site de arte

acessível

Ana Paula Campos de Almeida

Fechado ao público para obras de restauração e

requalificação, o Museu Antonio Parreiras (MAP) buscava novas

estratégias para divulgar “a obra de Antonio Parreiras e as dos

artistas e coleções integrantes do acervo”, conforme explicitado

em seu Plano Museológico. Mesmo incentivando a política de

realização de exposições externas, próprias ou em parceria, e

de cessão de peças para mostras promovidas por outras

instituições, era preciso expandir as ações. Surgiu, assim, a

proposta de criação de um site oficial do museu, ampliando a

participação da instituição na internet para além dos perfis no

Facebook e Instagram.

O primeiro desenho das páginas e conteúdos chegou a ser

bastante robusto, apesar de primar pela simplicidade e

navegação intuitiva. Ambicionava-se publicar o maior número

possível de informações, incluir dispositivos de interação,

disponibilizar a página, pelo menos, em outras duas línguas

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(inglês e espanhol) e torná-la acessível para pessoas com

deficiência.

Diante da realidade de poucos recursos financeiros para

tanto, a direção do museu decidiu priorizar o quesito

acessibilidade, o que envolveu a redução considerável do

volume de conteúdos e sua simplificação, além da busca por

parceiros com experiência na área. Coube à designer Elza

Suzuki a realização do projeto gráfico, incluindo a conceituação,

criação de identidade visual, leiautes da capa e demais páginas.

A dupla de programadores Bruno Welber Pereira e Cristina

Henriquetta Stoll se encarregou do desenvolvimento da

arquitetura da informação, implementação do projeto gráfico e a

construção do Sistema de Gerenciamento de Conteúdos.

Pereira, que é cego, também respondeu pelas avaliações de

acessibilidade para pessoas com deficiência visual, incluindo

leitores de tela, navegação pelo teclado e outras ferramentas. À

coordenação de comunicação do MAP foi designado o

gerenciamento das demandas da direção do museu, gestora do

projeto, junto aos profissionais envolvidos, além de responder

pela pesquisa de conteúdos e redação de todos os textos,

incluindo as audiodescrições.

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Boas práticas

Além dos dispositivos legais que abordam o tema

acessibilidade relacionado à rede mundial de computadores, há

dois principais conjuntos de orientações para que isso ocorra na

prática: o eMAG e o WCAG.

No Brasil, a Portaria no 3, de 7 de maio de 2007,

estabeleceu o eMAG , Modelo de Acessibilidade em Governo

Eletrônico, com a definição de patrões de comportamento para

sites públicos. As recomendações têm como alvo os autores de

páginas, projetistas e desenvolvedores de ferramentas para

criação de conteúdo.

Tais padrões visam tornar a rede acessível, independente

da ferramenta utilizada (navegadores para computadores,

smartphones, tablets e laptops ou navegadores por voz) e de

certas limitações técnicas, a exemplo da falta de recursos de

mídia ou conexão lenta. O processo de definição do eMAG

envolveu o estudo de normas de outros 14 países, como a

Section 508, dos Estados Unidos, o CLF , do Canadá, e as

diretrizes irlandesas para acessibilidade digital. A versão

brasileira recebeu atualizações na versão 3.1, em 2014, e se

apresenta como uma variante especializada do WCAG (Word

Content Accessibility Guidelines), tipo de manual internacional

do segmento.

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Aliás, o WCAG advém de outra iniciativa mundial de apoio à

acessibilidade digital, o W3C (World Wide Web Consortium),

espécie de consórcio em que organizações filiadas, equipes de

desenvolvedores e voluntários trabalham em conjunto na

criação de padrões para a rede, gratuitos e abertos, visando

garantir a evolução da rede. A W3C inaugurou seu escritório no

Brasil em 2008 e, em março de 2012, instituiu o Grupo de

Trabalho de Acessibilidade na Web, formado por representantes

governamentais, membros de instituições para pessoas com

deficiência, acadêmicos e pessoas da sociedade civil. A partir

desse GT, foi lançada a Cartilha de Acessibilidade na Web, uma

das ferramentas básicas na construção do site do Museu Antonio

Parreiras.

De forma resumida, existem quatro princípios gerais

recomentados pela WCAG, entendendo-os como base conceitual

da acessibilidade na rede. Segundo esses princípios, para que

qualquer pessoa tenha acesso e utilize seus conteúdos, um site

deve ser Perceptível, Operável, Compreensível e Robusto.

Para atender a cada princípio, há uma série de diretrizes.

No que concerne a tornar-se Perceptível, as premissas do

WCAG buscam permitir que o conteúdo do site seja transmitido

a idosos, pessoas com baixa visão, daltonismo, cegueira ou com

outras alterações que atrapalhem ou impeçam sua visualização.

Para tanto, o documento sugere a inclusão de alternativas em

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texto para informações não textuais (entre elas, a possibilidade

de impressão em braille, audiodescrição de imagens e

linguagem mais simples) e alternativas para mídia com base em

tempo (apresentações em texto sincronizadas com informações

visuais), oferecer conteúdo adaptável (apresentável em

diferentes maneiras) e buscar ser discernível (facilitar a

visualização e audição do conteúdo, possibilitando o controle do

volume de um áudio e tamanho da fonte de texto, por

exemplo).

O segundo princípio, ser Operável, envolve uma série de

instruções voltadas à facilitar a navegação do usuário a partir da

interface do site. Elas englobam desde permitir a acessibilidade

por teclado, fornecer tempo suficiente para o usuário ler e

utilizar o conteúdo, não criar conteúdo que possa causar

convulsões e reações físicas (evitar animações e flashes) e

oferecer mobilidade de entrada (além do teclado, possibilidade

de acionamento por gestos e movimento).

Medidas relacionadas à criação e organização dos textos,

por sua vez, tornam o site Compreensível. Cuidados como

evitar uma escrita rebuscada, abreviaturas, expressões

idiomáticas e jargões e manter a coerência na apresentação dos

conteúdos dizem respeito a este princípio.

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Finalmente, o quarto e último princípio geral de

acessibilidade na rede, ser Robusto, cuida para que os

conteúdos possam ser interpretados com segurança por uma

ampla variedade de aplicativos usados por pessoas com

deficiência para interagir com computadores, incluindo os de

tecnologia assistiva. Nesse caso, as diretrizes procuram

maximizar a compatibilidade do site não apenas com os atuais

aplicativos, mas também com os que ainda serão inventados.

Ao todo, são listadas 13 diretrizes, reunindo diversas

recomendações. Cada diretriz é avaliada segundo “critérios de

sucesso”, podendo receber uma nota que varia de A (que

atende menos) à AAA (que atende mais às recomendações da

WCAG). No caso do site do Museu Antonio Parreiras, à época de

seu lançamento, foi classificado como um pouco além do nível

de conformidade AA.

Os princípios aplicados ao site do MAP

Na interface do museu, há a seção “Acessibilidade”, no qual

o internauta encontra o link para baixar a ferramenta VLibras, o

canal de comunicação para envio de críticas e sugestões para o

desenvolvimento do site e, principalmente, a lista de recursos

voltados à acessibilidade e usabilidade, que são:

Estrutura em HTML para facilitar navegação com um

leitor de tela;

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Descrições das imagens para pessoas com deficiência

visual (texto "alt");

Layout responsivo para aumentar/diminuir o texto em

qualquer tela (desktop, tablet, e smartphone);

Links para pular à navegação ou conteúdo para usuário

de um leitor de tela;

Recurso para alterar as cores para alto-contraste;

Ferramenta VLibras para tradução a LIBRAS;

Código HTML validado na W3C;

Bateria de testes de acessibilidade e usabilidade por

pessoas com deficiência.

(Disponívell em: www.museuantonioparreiras.rj.gov.br.

Acesso em 2 mai. 2019)

De forma resumida, abordaremos a seguir alguns desses

recursos, a começar pelo VLibras. Assim como o Hand Talk e a

ProDeaf, o VLibras é uma ferramenta criada para traduzir de

forma automática textos em português para a Língua Brasileira

de Sinais (Libras) através de personagem em 3D, chamado

avatar. O dispositivo foi criado com código aberto pelo extinto

Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão em

parceria com a Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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Para utilizá-lo, o usuário precisa instalar o programa em seu

computador, tablet ou smartfone, não havendo cobrança pelo

serviço, sendo uma ferramenta essencial para pessoas fluentes

na língua de sinais. Importante lembrar que nem todos os

surdos dominam a Língua Portuguesa, motivo pelo qual apenas

a publicação de textos e legendas não dá conta de tornar o

conteúdo de um site acessível para esse público.

No entanto, legendas em conteúdos audiovisuais podem ser

extremamente úteis para pessoas com baixa audição ou aquelas

que perderam a audição na fase definida por Oliver Sacks como

pós-linguística, tendo, por isso, se alfabetizado na Língua

Portuguesa. No site no MAP, estão presentes no vídeo em

destaque em sua homepage. Essa seção, atualizada

periodicamente, traz reportagens e entrevistas com

personalidades ligadas ao museu, a partir de link no canal do

MAP no portal YouTube.

Por sua vez, o aumento do tamanho das letras e o alto-

contraste são recursos que almejam atender usuários com baixa

visão. Também chamada de visão subnormal, é caracterizada

quando a pessoa apresenta 30% ou menos de visão no melhor

olho, após todos os procedimentos clínicos, cirúrgicos e correção

com óculos. Há várias graduações de baixa visão, desde a

moderada (quando permite que o indivíduo tenha uma

independência similar à das pessoas que não possuem

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comprometimento visual) até profunda (que é próxima à

cegueira, tornando-o mais dependente de recursos de

tecnologia assistiva e de acessibilidade digital).

Pessoas com baixa visão não enxergam com nitidez e

podem ter visão turva ou mesmo enxergarem apenas no meio

ou nas bordas do campo de visão. Por isso, a importância da

ampliação do tamanho das fontes na tela do computador. No

caso do MAP, todo o layout da página pode ser alterado o uso

dos comandos Control + (para ampliar) e Control – (reduzir), se

adaptando às diversos formatos de tela, seja desktop, tablet ou

smartphone.

O recurso de alto-contraste, por outro lado, adapta as cores

das páginas, facilitando a percepção dos conteúdos não apenas

para pessoas com baixa visão, como para daltônicos. O

daltonismo, também designado “deficiência cromática” diz

respeito a pessoas que percebem as cores de forma alterada,

podendo não enxergar os tons de vermelho, verde, azul ou cor

nenhuma. Desta forma, páginas com pouco contraste, a

exemplo de letras amarelas ou cinza sobre fundo branco,

impossibilitam a acessibilidade desse tipo de usuário.

Outro cuidado na construção de sites diz respeito a não

basear informações e comandos em cores. Indicar que obras de

um determinado gênero são identificadas por ícone da cor verde

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e de outro, em vermelho criam ruídos na comunicação com

usuários daltônicos.

Voltada para pessoas com a visão mais comprometida, a

audiodescrição consiste na “identificação e locução de elementos

visuais essenciais à compreensão e apreciação das imagens

presentes nas obras teatrais, cinematográficas, televisivas,

literárias, jornalísticas, científicas, artístico-culturais, entre

outras” (LIMA, VIEIRA, RODRIGUES e PASSOS, 2010, p.42).

Apesar de ser destinada a pessoas com deficiência visual,

pode beneficiar ainda públicos com dislexia, pessoas analfabetas

ou que não saibam o idioma utilizado no evento ou em peças de

comunicação do espaço cultural. Para a pesquisadora Viviane

Sarraf (2018), a audiodescrição, ao proporcionar o acesso

qualitativo aos patrimônios cultural e científico presente nos

acervos de museus, contribui para que pessoas com deficiência

conheçam novos universos e perspectivas e desenvolvam sua

capacidade crítica e cidadã.

Por se tratar de uma tradução intersemiótica, isto é, a

substituição de imagens por palavras, a audiodescrição possui

premissas particulares. As principais delas: ser objetivo, ser

breve, ser descritivo, ser lógico e ser rigoroso (LIMA, VIEIRA,

RODRIGUES e PASSOS, 2010, p. 42-43). Criar um roteiro de

audiodescrição envolve determinar as informações mais

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importantes, por conta da impossibilidade de traduzir todos os

detalhes sem cansar ou dispensar a atenção do ouvinte. Outra

recomendação recorrente é iniciar pelo geral e, só depois,

passar para as informações específicas. Além desses princípios

básicos, outras técnicas são aplicadas, dependendo do conteúdo

cultural ou científico a ser traduzido.

No caso das imagens publicadas no site do MAP, optou-se

por audiodescrições resumidas, servindo como uma introdução

ao acervo e aos projetos do museu. Camadas de informações

mais aprofundadas seriam mais adequadas a audioguias ou em

material específico voltado a pesquisadores, conforme consultas

informais ao professor Luiz Benedicto Gonçalves de Souza, da

Associação Fluminense de Amparo aos Cegos (AFAC), e ao

consultor Felipe Monteiro.

As descrições contidas no cadastro do acervo MAP que

integra o Sistema de Gerenciamento de Acervos Museológicos

(SISGAM), serviu como ponto de partida para o trabalho. No

entanto, a falta de constância de volume de informações e

padronização dos textos demandou a criação de um formato

único de redação.

Adotou-se, assim, a seguinte estrutura de texto: abertura

padrão (“Início da descrição”); identificação do tipo de suporte

da imagem (foto, tela em tinta à óleo, escultura, entre outros.

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Além de, quando possível, alguma característica marcante do

estilo de pintura); identificação do(s) personagem(ns) ou objeto

em destaque; informações complementares sobre esse

personagem ou objeto (relativa à roupa, posição do corpo, o

que têm nas mãos...); detalhes em segundo plano importantes

para a compreensão da obra; descrição do fundo (céu,

paisagem, bandeira, parede etc.); cores predominantes; mais

explicações, quando necessárias; encerramento padrão (“Fim da

descrição”).

O processo de hierarquização dos conteúdos para definir

quais os elementos em destaque e quais as informações a

serem descartadas na audiodescrição baseou-se na observação

das obras. O tamanho e posicionamento do personagem/objeto

dentro da composição serviram como principais indicativos de

sua importância, assim como o título da obra, que, em muitos

casos, deixava latente a intenção do artista ao executá-la, a

exemplo da tela Zumbi:

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Figura 1

Zumbi, 1927. Antonio Parreiras. Óleo sobre tela.

Fonte: Acervo MAP/Sisgam/Funarj

Início da descrição. Pintura em óleo sobre tela de homem negro, em pé.

Com a mão direita ele segura a extremidade do cano de um rifle apoiado

no chão, próximo a uma rocha na base de dois troncos de árvores. O

homem é forte, usa um lenço amarelo na cabeça, camisa vermelha

desbotada com as mangas dobradas acima dos cotovelos, calça ocre

dobrada acima dos joelhos e está descalço. Fim da descrição.

Na redação dos textos que seriam publicados, o MAP

preocupou-se – além do respeito às regras ortográficas e

gramaticais – de ser simples, claro e objetivo e evitar

expressões idiomática, abreviaturas e jargões técnicos. O WCAG

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2.1, aliás, recomenda que o redator tenha em mente um público

que não exija “uma capacidade de leitura mais avançada do que

o nível de educação secundário inferior (equivalente no Brasil

aos últimos anos do Ensino Fundamental)”. O mesmo vale para

títulos e legendas que devem descrever claramente o tema ou

objetivo a que se refere o conteúdo:

Muitas pessoas com necessidades especiais não são

usuárias experientes da web e leem a página por inteiro,

ao invés de varredura seletiva. Para auxiliar na busca de

tópicos relevantes, títulos e legendas devem descrever

claramente o tema ou objetivo a que se refere o

conteúdo; marcadores na posição vertical ao invés da

horizontal contribuem para a organização de conteúdos

(REILLY, KELLY, CARVALHO, BRIGATTO, 2016, p. 58).

Existem outros detalhes que devem ser observados

conforme a Cartilha de Acessibilidade na Web. O segundo

fascículo da série sugere, por exemplo, o aumento do

espaçamento das entrelinhas e o uso de linhas de texto mais

curtas, facilitando a leitura para pessoas com baixa visão ou

com deficiência intelectual. Indica-se, ainda, o alinhamento de

texto à esquerda, para evitar os espaços entre palavras

produzidos pelo modo justificado (alinhado às duas margens).

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No que se refere à navegação na página, o mesmo fascículo

lista diversas sugestões, seguidas pelo projeto do Museu

Antonio Parreiras. Destacamos o design “limpo”, com poucos

elementos; navegação acessível pelo teclado e a inclusão de

“salto” para o topo em cada página. Não há, conforme a

cartilha, recursos ou conteúdos acessíveis apenas por comando

de voz ou disponíveis exclusivamente em áudio, ou mesmo o

uso de captcha como dispositivo de segurança.

Como qualquer ação ligada à questão da acessibilidade, o

site do Museu Antonio Parreiras requer constante atualização

dos recursos e ampliação de conteúdos, como a inclusão de

janela de Libras em audiovisuais e propostas de atividades

educativas em multiformatos, só para citar algumas. Estar

presente na rede mundial em formato amigável para pessoas

com deficiência foi um primeiro passo que, esperamos, seja

seguido de outros.

Sobre a autora: Graduada em Comunicação Social/Jornalismo pela

Universidade Gama Filho (1988) e em Produção Cultural pela

Universidade Federal Fluminense. É mestre em Ciências da Arte, também

pela UFF, e especialista em Acessibilidade Cultural na Universidade

Federal do Rio de Janeiro. Atua como assessora de comunicação do

Museu Antonio Parreiras, também respondendo pelos projetos

relacionados à acessibilidade.

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Referências

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v. 3. 2010. Disponível em: <https://issuu.com/anpisa/docs/di_logos_m:

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2018. 121 p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em

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Disponível em: < http://www.w3c.br/Materiais/materiais/cartilha-w3cbr-

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W3C. Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo WebWeb (WCAG)

2.0. Traduzido Prof. Everaldo Bechara. 2008. Disponível em:

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SARRAF, Viviane. Acessibilidade em Espaços Culturais: acessibilidade

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Acesso em: 09 de setembro de 2018.

SARRAF, Viviane. s/d. Audiodescrição para Exposições, Museus,

Centros Culturais e Centros de Ciências, São Paulo: Fundação

Dorina Nowill.

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Parte 2 Multissensorialidade:

os sentidos na inclusão

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Terapia Ocupacional, Acessibilidade

Atitudinal e Técnicas Inclusivas nos espaços

culturais à pessoa com deficiência visual

Neila Vieira Nunes de Souza

e Michelle Costa de Castro

Pensando na Terapia Ocupacional e no quanto ela interveio

e intervêm em minha construção como sujeito, indivíduo e

cidadã, percebo o antes e o agora em constante mutação. Como

terapeuta ocupacional, convivendo diariamente com o fazer

humano, aprendi através da Análise da Atividade a identificar

diferentes possibilidades de exercê-lo e a respeitar quem o faz.

Acessibilidade Atitudinal têm relação com o modo como

percebemos o outro, sem uma visão discriminatória, excludente

e preconceituosa. Em minha prática diária, durante treinos

internos e externos na Orientação e Mobilidade, com a pessoa

com deficiência visual, me deparo constantemente com

situações e atitudes por parte de transeuntes ou mesmo

familiares, que transbordam preconceitos. E acreditem, na

maioria das vezes, elas não têm consciência desse modo de ser

e agir. Como exemplo, cito alguém que ao passar e ver que a

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moça é cega, diz: “Ela é tão bonita! Coitada! “. Por quê? A

pessoa cega têm que ser feia? Também há aqueles que tentam

criar uma aura mística, colocando as ações realizadas no

cotidiano, seus feitos e trabalhos como extraordinários. Tirando

assim, todo o crédito que certamente foi conseguido com suor e

lágrimas, como todos nós.

Pintor (2016, p.27) em seu livro Educação Inclusiva, cita

JODELET que diz que “o preconceito é definido como um

julgamento positivo ou negativo do qual não se exerceu um

exame prévio, dirigido para uma pessoa ou um objeto

envolvendo vieses e esferas diferenciadas”. Desse modo, ao

julgarmos levianamente as competências do outro, podemos

não levar em conta uma gama de estruturas que fazem partem

deste sujeito. Existe um senso comum sobre a cegueira como

sendo a pior das deficiências sensoriais, submetendo quem a

possui a estereótipos que se perpetuam ao longo da história.

Pensar em espaços inclusivos e acessíveis é mais do que

falar em transpor barreiras físicas ou arquitetônicas, pois são

muitos os entraves que impedem o livre acesso e a inclusão de

quem apresenta características que diferem da maior parte da

população. Uma vez ouvi uma pessoa cega dizer que se nos dias

atuais, cada um têm de matar um leão por dia, ela teria que

matar seis ou mais, visto que o ambiente, a arquitetura, os

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meios de transportes, as comunicações, as oportunidades de

estudo, trabalho e lazer não lhe são acessíveis.

O acesso à cultura e aos espaços culturais poucos são

oportunizados. No entanto, no Brasil, a Carta Magna prevê o

Direito à Cultura como um direito fundamental do cidadão. Mas

isso não significa que os espaços estarão preparados para

recebê-lo.

Segundo a (ABNT, NBR9050, 2015, p2), a definição de

Acessibilidade é: “Possibilidade e condição de alcance,

percepção e entendimento para utilização com segurança e

autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos,

edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive de

sistemas e tecnologias, bem como outros serviços e instalações

abertos ao público, de uso público, privado ou coletivo, tanto na

zona urbana como na rural, por pessoas com deficiência ou

mobilidade reduzida”.

Todavia, ainda que o ambiente não seja acessível, devemos

pensar e falar em Acessibilidade Atitudinal. Precisamos fomentar

debates que levem a reflexão sobre como acolhemos a pessoa

com deficiência visual, o que sabemos realmente sobre esta

deficiência, como reagimos a sua presença, respeitamos ou

somos preconceituosos? Barreiras atitudinais precedem a todas

a barreiras pois começam dentro de casa e chegam as ruas.

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Algumas atitudes simples podem ajudar à convivência. São

elas:

Perguntar-lhe se precisa de ajuda é o melhor modo de

fazê-lo.

Dirija-se a ela e não ao seu acompanhante, quando for

falar-lhe.

A bengala é o referencial mais comum para identificar a

pessoa com deficiência visual. Suas cores são: verde

(baixa visão), branca com 3 tiras vermelhas (surdo-

cego), branca com ponta vermelha ou amarela (cego).

Ao dar informações, diga esquerda ou direita, na frente

ou atrás.

Não puxe a pessoa cega pela mão, ofereça o braço.

Quando estiver conversando e for afastar-se, informe

que irá fazê-lo.

Use um tom de voz adequado. Às vezes, sem perceber,

aumentamos o tom da voz.

Não indague se reconhece sua voz. Quem se lembra de

todos os rostos que já viu?

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Descreva o espaço em que se encontra, caso lhe peça.

Fique à vontade para usar palavras como “veja” e

“olhe”, elas as usam com naturalidade. Afinal, todos os

sentidos nos ajudam a apreciar o mundo.

Quando a pessoa estiver sendo conduzida por cão-guia,

não brinque com ele, pois está a trabalho.

Desse modo, podemos fazer a diferença, desenvolvendo

uma relação natural e tranquila para ambos.

AFAC

A AFAC (Associação Fluminense de Amparo aos Cegos), é

uma instituição filantrópica fundada em 1931.Todavia, em 1994,

tornou-se um Centro de Habilitação e Reabilitação. Inicialmente

a clientela atendida era exclusivamente de pessoas com

deficiência visual. Buscando prepara-la para a inclusão na

sociedade, estudo e trabalho, num resgate de sua cidadania.

Com estas ações evidenciadas, o Ministério da Saúde credenciou

a AFAC como Unidade de Reabilitação Visual. Após 3 aos de

atuação exemplar, nova portaria habilitou a instituição para o

atendimento a outra clientela, a com deficiência intelectual, com

ou sem Transtorno do Espectro autista (TEA). Atualmente a

AFAC integra a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência do

Sistema Único de Saúde (SUS).

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Foi pensando em todas as possibilidades de inclusão, que

surgiu no Setor de Terapia Ocupacional / OM (Orientação e

Mobilidade) da AFAC, o projeto de levar aos profissionais que

trabalham com cultura em diferentes espaços, o treino das

Técnicas do Guia Vidente, do Programa de Orientação e

Mobilidade.

Estas técnicas possibilitam lidar com segurança e maior

eficiência com pessoas cegas ou de baixa visão. Propiciando

melhor locomoção dentro dos espaços, reconhecimento e

formação concreta de um mapa mental que permite

compreender e interagir no ambiente.

TÉCNICA DO GUIA VIDENTE

É a primeira técnica a ser aprendida e se constitui num dos

meios mais eficientes para familiarizar a pessoa com os espaços

físicos.

A técnica do guia vidente é aceita e empregada

universalmente tanto em ambientes internos ou externos. É

importante destacar que nesta técnica a pessoa não deverá se

deixar guiar passivamente, mas sim assumir uma atitude

responsável por sua segurança física, devendo instruir seu guia

para que este se constitua numa fonte segura de informação e

proteção. O indivíduo deverá esforçar-se para interpretar

corretamente os movimentos corporais e sinais emitidos pelo

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guia, isto acontecerá após um período de uso da técnica. Uma

observação importante é que a pessoa guiada em ambiente

externo deverá caminhar do lado interno da calçada

protegendo-se de obstáculos.

A finalidade de apresentação destas técnicas é oferecer

subsídios práticos a todos que lidam com pessoas com

Deficiência Visual.

UTILIZAÇÃO DO GUIA VIDENTE

Procedimentos:

O guia entra em contato com a pessoa tocando

levemente no seu braço, com o cotovelo ou com o

dorso da mão.

A pessoa localiza o cotovelo do guia, segura seu braço

(logo acima do cotovelo) colocando o polegar do lado

externo e outros dedos na parte interna do braço de

maneira firme e segura.

A pessoa deverá permanecer meio passo atrás do guia,

com o seu ombro na mesma posição que a dele.

Esta deverá acompanhar o ritmo da marcha do guia de

forma sincronizada, evitando tornar-se um peso para

ele.

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Deverá manter seu braço junto ao seu corpo com o

cotovelo fletido.

Observações: A pessoa deverá sempre ser deixada em contato

com um objeto concreto, evitando sentir-se perdido no espaço,

e o guia deverá informar onde ele se encontra. As crianças ou

pessoas de baixa estatura poderão usar o pulso do guia para

compensar a diferença de altura.

TROCA DE LADO

Procedimentos:

O guia fornece uma indicação verbal para troca de

lado.

A pessoa deverá segurar o braço do guia com as duas

mãos, soltando uma das mãos ela deverá escorregá-la

horizontalmente nas costas do guia até localizar o

braço oposto, segurando-o.

A pessoa solta o braço que inicialmente segurava

passando a segurar o braço oposto do guia. Esta

somente deverá soltar o braço do guia após ter

localizado seu braço oposto.

Observação: Esta transferência poderá ser usada quando

passar por portas, escadas etc.

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PASSAGEM ESTREITA

Procedimentos:

O guia posicionará seu braço estendido para trás, em

diagonal e distante de seu corpo.

A pessoa se colocará atrás de seu guia, estendendo seu

braço e fazendo o alinhamento.

Após ultrapassar a passagem estreita ou área

congestionada, o guia e a pessoa assumem novamente

a posição básica da técnica do guia vidente.

Observação: A pessoa deverá manter seu braço estendido para

não pisar no calcanhar de seu guia.

MUDANÇA DE DIREÇÃO

Procedimentos:

O guia indica verbalmente que se voltará para a

direção oposta.

A pessoa solta o braço do guia.

O guia e o acompanhante executam uma volta de

180°.

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O guia volta a estabelecer o contato com a pessoa.

LOCALIZAR CADEIRA E SENTAR-SE

Procedimentos:

O guia conduz o seu acompanhante até a pessoa e até

o assento, relatando a posição do mesmo.

A pessoa move-se em direção ao assento até encostar

a perna na borda da cadeira, soltando o braço do guia.

Com a mão toca o encosto da cadeira e pesquisa

ligeiramente o assento com a face posterior dos dedos.

Após a pesquisa, senta-se.

Observação: Caso haja uma mesa, o guia deverá informar-lhe

e este verificará a posição da cadeira em relação a mesa.

SUBIR E DESCER ESCADAS (SEM GUIA VIDENTE)

Procedimentos:

Nesta técnica, quando a pessoa for sozinha usando a

bengala, ela subirá pelo lado direito da escada.

Localizará o corrimão (se tiver) e a bengala irá a frente

do seu corpo, um degrau acima.

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Para descer, a bengala irá a frente, um degrau abaixo.

SUBIR E DESCER ESCADAS (COM GUIA)

Procedimentos:

O guia se coloca do lado direito da escada, segurando o

corrimão com o braço direito. O guiado irá um degrau

abaixo do guia, em posição na técnica de guia vidente,

do lado oposto. Caso ele faça uso da bengala, esta

deverá ficar diante do seu corpo, na diagonal.

O guia avisará quando terminarem os degraus. O

guiado perceberá, pois estarão os dois no mesmo nivel.

Observação: Caso a pessoa tenha mobilidade reduzida ou

insegurança excessiva, poderá ficar para o lado do corrimão,

segurando-o. E o guia estará do lado esquerdo, um degrau

acima.

Sobre as autoras

Neila Nunes é terapeuta graduada em Terapia Ocupacional pela Escola

Superior de Ensino Helena Antipoff, com especialização em Orientação e

Mobilidade. No momento, atua Associação Fluminense de Amparo aos

Cegos, como Terapeuta Ocupacional da Orientação e Mobilidade e

gestora da Oficina Terapêutica de Produção, e nas oficinas terapêuticas

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da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Neila é membro

fundadora da Associação Brasileira de Defesa dos Direitos dos Terapeutas

Ocupacionais.

Michelle Costa de Castro é terapeuta ocupacional formada pela Escola

Superior de Ensino Helena Antipoff, com especializações em

Psicomotricidade e Orientação e Mobilidade. Atua na Associação

Fluminense de Amparo aos Cegos, na área de Terapia Ocupacional da

Orientação e Mobilidade, e no Hospital Universitário Gafrée e Guinle.

Michelle também é membro fundadora da Associada Associação Brasileira

de Defesa dos Direitos dos Terapeutas Ocupacionais.

Referências

Lei Federal número 13.146/15. Lei Brasil de Inclusão da Pessoa com

Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). NBR9050, 2015.

Normas Técnicas de Acessibilidade. Decreto Lei número 123/97.

Sassaki, Romeu Kazun. Inclusão: Acessibilidade no lazer, trabalho e

educação. Revista Nacional de Reabilitação (Reação) São Paulo,

março/abril de 2009, p.10-16.

Pintor, Nelma Alves Marques. Educação Inclusiva. As contradições do

direito à educação e do cotidiano da Escola Pública. Niterói, 2016, p.27.

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Felippe & Felippe, Vera Lúcia Leme Rhein / João Álvaro de Moraes.

Orientação e Mobilidade. Laramara – Associação Brasileira de

Assistência ao Deficiente Visual, São Paulo,1997.

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Sala Experiências do Olhar, espaço contínuo

de experimentação multissensorial: histórico,

metodologia e criação

Rômulo Morgado

A sala Experiências do Olhar reforça a trajetória de

exposições multissensoriais do Museu do Ingá. Esse espaço

busca romper com a comunicação unicamente visual das

exposições e proporciona novas possibilidades de interação.

O ambiente é resultado de duas mostras anteriores, Emeric

Marcier: Motivos do Rio de Janeiro (2015) e Di Cavalcanti em

Várias Faces (2017), nas quais foram desenvolvidas as

atividades multissensoriais pelo Setor Educativo da instituição.

Inicialmente, tais ações tinham o intuito de sensibilizar,

sem necessariamente serem estruturadas na perspectiva da

acessibilidade. Entretanto, a procura de instituições de

reabilitação - como a Associação Fluminense de Amparo aos

Cegos (AFAC) e o Instituto Fluminense de Saúde Mental – foi

tão crescente que fomos impactados por essa demanda social.

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Assim, consolidou-se no calendário da instituição a proposta

de uma sala fixa, com exposições e programações contínuas,

pensadas a partir do ângulo da acessibilidade. Foi um

movimento do Museu do Ingá e da Superintendência de Museus

para que a curadoria das mostras, programações e outros

processos museológicos se estruturassem para garantir o amplo

acesso do público com e sem deficiência em qualquer época as

experiências multissensoriais.

A Sala, um espaço contínuo de experimentação

multissensorial do Museu do Ingá, foi concebida para atender

todos os públicos, sendo dirigida principalmente às pessoas com

perda parcial ou total de visão. O objetivo é ampliar o acesso ao

acervo desta instituição. Para além de democratizar o acesso, a

sala é um convite aos visitantes a experimentar as variadas

formas de interação com a obra.

O espaço é um projeto em que consiste em uma exposição

multissensorial, com a curadoria e planejamento das atividades

educativas pautadas na perspectiva da acessibilidade. A

finalidade é tornar acessível através da multissensorialidade o

acervo da instituição aos cegos e pessoas com baixa visão, uma

vez que o Brasil possui 6,5 milhões de pessoas com algum grau

de deficiência visual, sendo aproximadamente 580 mil cegas. É

de preocupação do museu a participação desse público,

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assegurando o exercício de sua cidadania, na garantia do acesso

desse as obras e programação da instituição.

Para além das exposições e mediações sensoriais, o

conceito da sala tem como proposta uma programação de rodas

de conversas, seminários, e encontros diversos que possibilitem

diálogos variados acerca da acessibilidade em museus. Em

outras palavras, as práticas acessíveis ao público cego e de

baixa visão nesse caso é pensada como parte estruturante da

programação e das exposições da sala, e não, um

desdobramento educativo de complementação.

Compreendendo a dinâmica multissensorial no espaço

museal a partir da perspectiva de Amanda Pinto da Fonseca

Tojal, acreditamos que: “A percepção multissensorial é também

parte inerente de uma postura semiótica aplicada à

comunicação museológica”. (TOJAL, 2007). Dessa maneira, em

consonância com Tojal, a sala Experiências do Olhar tem o

intuito de ampliar os canais perceptivos dos visitantes, o que

possibilitou uma nova interação do público com que o cerca.

As atividades da sala são oferecidas de forma totalmente

gratuita e a mediação foi pensada para grupos agendados de

até vinte pessoas, com a idade mínima de oito anos.

A sala Experiências do Olhar reforça então a trajetória de

exposições multissensoriais do Museu do Ingá. Este espaço,

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como já mencionado, busca romper com a comunicação

unicamente visual das exposições e proporciona novas

possibilidades de interação entre o público e o museu. O

objetivo é ampliar o acesso às obras e criar espaços de

formação e experimentação com público com e sem deficiência

no museu.

Ao mesmo tempo em que os desdobramentos acima

ocorriam, um grupo de trabalho foi formado por diversas

instituições museais (Superintendência de Museus/SECEC,

Museu do Ingá, Museu Histórico Nacional, Museu Nacional de

Belas Artes, Museu Janete Costa, Museu Antonio Parreiras)

juntamente com as associações de reabilitações (AFAC), e

instituições de pesquisa em tecnologia (Lamce/ COPPE/UFRJ),

com objetivo de debater a questão da acessibilidade em

museus. Assim como, refletir sobre as possibilidades do uso de

tecnologia assistiva, como forma de ampliar o acesso e

divulgação dos acervos às pessoas com deficiência.

No caso do Museu do Ingá, foi apresentada a proposta de

se criar a sala Experiências do Olhar, um espaço inclusivo de

experimentação multissensorial. Contamos então com a

assessoria técnica dos professores coordenadores do

Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia

(LAMCE/COPPE/UFRJ), que viabilizaram tecnicamente as

provocações sonoras (elaboração de painéis sonoros e a

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instalação de caixas de som) e olfativas (elaboração das

essências e instalação dos difusores de ar).

A sala Experiências do Olhar é então inaugurada com a

exposição Cícero Dias em novos olhares, com a mostra do

painel Visão Carioca (1965). Este que integra uma série de

obras da importante Coleção Banerj, um patrimônio público do

Estado do Rio de Janeiro. Vale ressaltar que as exposições

anteriores com esse caráter multissensorial também exibiam

painéis de prestigiados artistas, como Di Cavalcanti e Emeric

Marcier.

É importante salientar que a sala Experiências do Olhar é

um espaço autônomo de mostras multissensoriais. Sendo assim,

para além das mediações agendadas nas quais os grupos

percorrem um percurso sensorial, a sala em si possui

provocações multissensoriais, como estímulos olfativos e

sonoros que estão constantemente acionados no espaço.

Cabe então descrever como o projeto da sala foi

desenvolvido no que se refere à elaboração e viabilização desse

conteúdo multissensorial, bem como o roteiro das visitas

mediadas.

A primeira etapa do projeto consistiu na pesquisa

aprofundada sobre a obra e a temática da multissensorialidade

na educação museal. Em seguida, já em contato direto com a

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obra exposta (Visão Carioca- Cícero Dias), foi levantada as

possibilidades de sons e cheiros a serem utilizados na

elaboração de painéis sonoros e olfativos, que estão disponíveis

na sala e durante o percurso da mediação. Foram selecionados

também objetos táteis que são utilizados durante as visitas.

Reunindo assim os estímulos olfativos, sonoros e táteis, é

apresentada uma interpretação multissensorial da obra ao

público. Vale mencionar, assim como está destacado no texto da

sala, que, apesar de serem apresentadas interpretações

multissensoriais realizadas por uma rede de colaboradores,

essas não são as únicas leituras possíveis. “Muitos painéis

sonoros, olfativos e táteis poderiam ser elaborados no diálogo

das vivências que ocorrem no contato entre o público, suas

experiências e a obra.”

Na elaboração desse conteúdo multissensorial, contamos

com o auxilio de uma rede de colaboradores: estagiários e

educadores do Setor Educativo do Museu do Ingá; diretor e

demais funcionários da instituição e da Superintendência de

Museus do Estado do Rio de Janeiro; profissionais de instituições

de reabilitação; educadores cegos; assessores técnicos (COPPE-

UFRJ); grupo de jovens. O trabalho dessa rede consistiu no

levantamento dos estímulos sensoriais, na elaboração dos

painéis multissensoriais, na instalação dos equipamentos, bem

como na concepção da audiodescrição.

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A audiodescrição, assim como a capacitação dos

educadores e estagiários do Setor Educativo tiveram consultoria

do educador cego Leonardo Dias. O que possibilitou o

aprimoramento da forma desses funcionários em receber os

grupos de cegos, pessoas com baixa visão e o público com

outras deficiências. Foi apresentado o roteiro das mediações e

as alterações foram realizadas a partir das considerações do

colaborador, a fim de garantir acessibilidade de forma mais

plena. Aos demais funcionários do Museu, foi promovido um

workshop de guia vidente e de acessibilidade atitudinal, os

capacitando na recepção desse determinado público.

Em relação aos atendimentos agendados, o roteiro da

mediação consiste em proporcionar aos visitantes, deficientes

ou não, uma experiência sinestésica ao percorrerem parte do

circuito expositivo vendados, que os levam a se relacionar com

a obra e o Museu em outros sentidos e horizontes.

A sala Experiências do Olhar é um projeto estruturado a

partir dos desdobramentos das ações de acessibilidade

realizadas pelo Setor Educativo do Museu do Ingá em mostras

anteriores. Desse modo, a proposta de um espaço inclusivo e

contínuo de experimentação multissensorial é consequência da

iniciativa de educadores museais que marcaram a importância

de se refletir sobre educação e acessibilidade no cotidiano de

um museu de história e arte.

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Entende-se por acessibilidade o direito de vida

independente, exercício de direitos de cidadania e participação

social. O espaço acima atende então a todos esses requisitos,

uma vez que pretende ser um ambiente autônomo e

verdadeiramente inclusivo, que possibilite e amplie as relações

das pessoas com deficiência - em predominância, às cegas e

com baixa visão - com o patrimônio museológico do Museu do

Ingá. Bem como possibilita a criação de espaços de

experimentação sensorial, de formação do público com e sem

deficiência através de rodas de conversas, seminários, encontro

com educadores e outros. Viabiliza-se assim o diálogo e

compartilhamento das múltiplas vivências a partir da

perspectiva da educação e acessibilidade no espaço museal.

Todos os elementos textuais presentes na sala estão

disponíveis em grandes formatos e em alto contraste para

garantir a leitura das pessoas com baixa visão. Está sendo

providenciado um material que disponibiliza todos os textos em

braile, contribuindo assim para a divulgação desse sistema de

escrita. Àqueles que não são familiarizados com o braile, pode

contar com o recurso das audiodescrições, disponíveis em mp3.

A sala possui um espaço de interação da exposição com o

público, onde este é provocado à interpretação multissensorial

com perguntas e curiosidades sobre vida e obra do artista.

Atentando-se ao atendimento dos visitantes cegos e com baixa

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visão, de forma a proporcionar o melhor acesso desses ao

espaço da instituição, todos os funcionários do museu passaram

por capacitações especificas de acessibilidade atitudinal.

Dessa forma, todas as atividades e articulações

desenvolvidas na consolidação da sala Experiências do Olhar,

como espaço que se pretende ser efetivamente inclusivo e

contínuo em sua programação e exposição, é fruto da

potencialidade educativa do Museu do Ingá, bem como da

atuação dos profissionais da educação.

Nota do autor: O Museu de História e Artes do Estado do Rio de Janeiro,

carinhosamente conhecido como Museu do Ingá, localiza-se em Niterói,

região metropolitana do estado fluminense. Pertencente a Secretaria de

Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, a instituição

atua como centro de estudo, de preservação e de divulgação da história

política e da produção artística dos artistas fluminense. Com entrada

totalmente gratuita, o Museu do Ingá está aberto ao público de terça-

feira a sábado (12h-17h). Com um acervo de mais de nove mil peças,

distribuídas em oito coleções, destaca-se as obras da Coleção Banerj, um

patrimônio público do Estado do Rio de Janeiro, que reúne pinturas,

esculturas e gravuras de importantes artistas como Di Cavalcanti, Cicero

Dias, Oswald Goeldi, Tarsila do Amaral, entre outros.

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Sobre o autor: Rômulo Morgado é Educador de Museus, com MBA em

Gestão de Museus pela Cândido Mendes, e historiador pela Universidade

Federal Fluminense. Atuou durante cinco anos no Setor Educativo do

Museu do Ingá e hoje integra a equipe do Departamento de Difusão

Cultural da Superintendência de Museus da Secretaria de Estado de

Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro.

Referências

ARAS, L. M. B.; TEICEIRA, M. G. S.. Os museus e o ensino de História.

In: IV

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e

novos tempos. 6.ed.São Paulo: Perspectiva, 2005c.

______. Dilemas da arte/educação como mediação cultural em namoro

com as tecnologias contemporâneas. In: BARBOSA Ana Mae. (Org.).

Arte/ educação contemporânea: consonâncias internacionais. São

Paulo: Cortez, 2005a.

BARBOSA, Ana Mae. Museus como laboratórios. In: Revista Museu –

Artigos [2004]. Disponível em:

<http://www.revistamuseu.com.br//artigos/art_.asp?id=3733>. Acesso

em: 15 outubro. 2017.

AZEVEDO. Maria do Rosário de Melo. Dinâmicas de aprendizagem nos

museus: a mediação. p. 1-20, 2008.

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Estatuto dos Museus – ICOM - Lei No 11.904, de 14 de janeiro de

2009.

GONÇALVES, José Reginaldo. Os museus e a representação do Brasil: os

museus como espaços materiais de representação social. In: CHAGAS,

Mario (org.). Museus: antropofagia da memória e do patrimônio.

Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília, 31.ed.,

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ICOM. Mesa-Redonda de Santiago do Chile - 1972. In: A Memória do

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Depoimentos. Comitê Nacional Brasileiro do ICOM. São Paulo: 1995.

SANTOS, Maria Célia T. Moura. Estratégias museais e patrimoniais

contribuindo para qualidade de vida dos cidadãos: diversas

formas de musealização. Ciências e Letras: Educação e Patrimônio

Histórico-Cultural Revista da Faculdade Porto-Alegrense de

Educação. Rio Grande do Sul: 1999.

______. Os Museus e seus públicos invisíveis. Setembro de 2007.

(Texto apresentado no I Encontro Nacional de Rede de Educadores de

Museus e Centros Culturais, realizado no Rio de Janeiro, na Casa de Rui

Barbosa, nos dias 17 e 18 de setembro de 2007).

______. Museu e Comunidade: uma relação necessária. (Texto

apresentado na 13a Reunião Anual do Instituto Biológico, realizado em

São Paulo, no período de 6 a 11 de novembro de 2000.

SANTOS. Myrian Sepúlveda dos. Museus Brasileiros e política

cultural. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 19, no. 55, 2004.

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SANTOS, Maria Célia Teixeira Moura. Museus e Educação: conceitos e

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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17a. Ed. Paz e Terra. Rio de

Janeiro: 1987.

VARINE - BOHAN, Hugues de. A nova museologia – ficção ou

realidade. Museologia Social, 2000, p.22 – 33.

MENSCH, Peter Van. O objeto de estudo da museologia. Tradução

Vania Estevan de Oliveira. Rio de Janeiro: UNIRIO, 1994. (Série Pretextos

museológicos 1).

TOJAL, A.P.F. Políticas públicas culturais de inclusão de públicos

especiais em museus. 2007. 322f. Tese (Doutorado) – Escola de

Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.

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Apêndice

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Museus e deficiência visual: encontros e

criação

Roberta Gonçalves

Há cerca de 80 anos, Antônio Parreiras, o pintor, tomou

três decisões importantes: escrever um livro, se tornar sócio da

primeira instituição filantrópica de Niterói e interligar essas duas

ações em seu testamento. Este é apenas um exemplo de como

ideias, ações, decisões e memórias constituem tanto as nossas

próprias existências quanto a nossa sociedade.

Freud e Lacan, ambos contemporâneos de Parreiras,

defendiam que cada sujeito é único e singular, mas também

social e coletivo. Para a psicanálise, não existe o indivíduo como

ser inteiro, individual, separado de todas as coisas. Desde

nossos primórdios, desde nossa concepção e nascimento, somos

sujeitos e assujeitados a todo um mundo de percepções,

normas, afetos, palavras e sentidos.

Lacan nomeou isto de 'o tesouro dos significantes', o

'Grande Outro'. E é isto que os cuidadores, geralmente pai e

mãe, apresentam a partir das suas próprias leituras pessoais,

seus gestos, seus olhares, suas respostas e suas escolhas na

relação com aquele serzinho que acabou de nascer. Muitas

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vezes mesmo sem saber o que transmitem, dado que todo esse

processo, todo esse movimento é em si mesmo o Inconsciente

da psicanálise.

Daí em diante o processo de crescer, de desenvolver não

tem nada de natural como pode parecer, mas subjetivamente é

um processo de construção. Vou sustentar que é um processo

criativo! Criamos nossa própria existência. Somos marcados e

deixamos marcas também. Somos atores e autores de nossa

história.

Voltando ao século passado, Parreiras, sabe-se lá porquê,

associou-se à Sociedade de Cegos de Niterói, hoje ainda em

funcionamento como a Associação Fluminense de Amparo aos

Cegos. Muita água rolou ao longo do tempo. No início era um

abrigo para pessoas cegas. Uma forma de cuidar e ajudar

aqueles que naqueles tempos eram vistos como infelizes,

incapazes e pobrezinhos (termos tirados por mim de um jornal

da época). Mudanças políticas, históricas e contingenciais

tornaram a AFAC, hoje, em um Centro Especializado de

Reabilitação que atende pessoas que perderam ou estão

perdendo a visão, além de pessoas com deficiência intelectual e

autismos.

Sabe-se pouco sobre a razão de Parreiras aderir à causa da

cegueira. Mas ele deixou em seu testamento a marca de seu

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desejo. Prolongar-se na história através de suas memórias e

ajudar a associação. Pediu que seu livro autobiográfico fosse

reeditado, nem que para isso fossem vendidas as suas

medalhas de ouro e alguns quadros. E mais. Pediu que

exemplares fossem distribuídos por todos os institutos públicos

e museus, e que o restante fosse vendido e os ganhos doados à

sociedade dos cegos da qual era sócio.

Foi na biblioteca municipal de Niterói que fiz essa

descoberta. Fui lançada ao mesmo tempo para frente e para

trás. Nas memórias de Parreiras em História de um pintor -

contada por ele mesmo, viajei através do tempo. Vi seu

encontro com Dom Pedro II, vi as restingas de Icaraí, vi um

Brasil na virada do século com suas belezas e contradições, vi a

natureza exuberante das matas que ele pintava. Ele nada falou

sobre os cegos. Mas em muitos momentos disse que pintava o

que sentia, e contou sobre as belezas de sua terra natal, dos

afetos e encontros com seus contemporâneos, suas visões sobre

a vida. Coisas intangíveis. E Impossíveis de se pintar ou

representar com a perfeição de como eram vividas ou sentidas.

As memórias! São elas que ficam e se prolongam no tempo.

Através de palavras ou de sentidos, mas, sobretudo, de afetos!

A partir desta descoberta, o meu desejo de articular o

trabalho da reabilitação com os espaços de cultura e museus foi

o que surgiu. Recordei-me das minhas aulas de pintura com um

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amigo, da minha fascinação pelas aulas de História, pela arte,

pela música e, sobretudo, pelas histórias pessoais contadas por

cada um que eu recebia com o intuito de cuidar. A partir daí,

foram só boas descobertas. E o desenrolar de encontros com

pessoas também desejosas de fazer uso desse campo

museológico como um lugar de construção, inclusão e

transformação social. Como de fato um museu deve ser: lugar

de memória, de afeto e de criação. De si mesmo e dos outros

que encontramos pelo caminho.

Segue abaixo um trecho do livro de Parreiras em que conta

sobre sua ida às ainda desbravadas e remotas Cataratas do

Iguaçu para pintá-las a pedido do Governo do Paraná, e em

seguida um trecho da crítica de Monteiro Lobato sobre o livro do

pintor:

"Jamais e durante quase quarenta anos de vida artística

nunca me achei ante trabalho tão difícil. E o que fiz não

passará jamais de uma pálida e deficiente imagem do

que lá está. Consola-me, porém, a certeza de que

ninguém também o conseguirá. Há coisas tão grandes,

tão extraordinárias, tão majestosas, que não podem

caber na pequenez de uma tela, no trabalho de um

homem, por mais genial que seja” ( Antônio Parreiras em

História de um pintor de 1926 )

"Poucas vezes temos lido com maior encanto uma

autobiografia. Talvez porque o escritor não passa do

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mesmo pintor, apenas trocando de instrumento de

expressão. Usa da pena como do pincel, e, em tela de

130 páginas, pinta com palavras um biorama dos que de

um jacto o leitor vê com os olhos da imaginação. E como

é preciosa a dose de subsídios que nele se reúne para a

história de um momento da nossa vida estética, só temos

louvores para sua feliz ideia de compor tal livro. Assim o

imitassem outros, para que dos nossos artistas não

ficassem apenas, como rastro de sua passagem pelo

mundo, os palmos da tela dispersos por paredes das

casas ricas ou museus.” (Monteiro Lobato em A Manhã,

domingo, 12 de dezembro de 1927)

Aos que perderam a visão, cabe uma nova construção. A

elaboração do luto pela perda da visão e a criação de um novo

modo de ver a vida, com todos os outros sentidos que nos

inundam de percepções tantas vezes subestimadas e relegadas

a segundo plano nesse mundo tão visual. Mas cabe a todos nós

debater, agregar e construir formas de que os museus estejam

ali para todos que deles quiserem desfrutar.

Lisboa, 12 de maio de 2019.

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Sobre a autora: Psicanalista, especialista em Atenção Psicossocial na

Infância e Adolescência pelo IPUB/UFRJ. Foi psicóloga na Associação

Fluminense de Amparo aos Cegos (AFAC) de 2014 a janeiro de 2019 e no

Centro de Integração da Criança e do Adolescente Portador de Deficiência

- Professor Almir Ribeiro Madeira da Fundação para a Infância e

Adolescência do Estado do Rio de Janeiro (CICAPD-PARM FIA-RJ),

instituição de acolhimento para crianças e adolescentes com múltiplas

deficiências em medida de proteção, de 2009 a 2014