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56 Teoria e Prática em Administração, v. 2, n. 1, 2012, pp.56-85 A Percepção dos Jovens sobre a Imagem Organizacional da Cia. Vale e o Poder Simbólico Manifesto nos Discursos Fabiana Aparecida Santos Clemente & Ester Eliane Jeunon A Percepção dos Jovens sobre a Imagem Organizacional da Companhia Vale e o Poder Simbólico Manifesto nos Discursos Fabiane Aparecida Santos Clemente Universidad de la Empresa – UDE - Uruguai Ester Eliane Jeunon Fundação Pedro Leopoldo - Brasil Resumo A imagem de uma organização é aquilo que ela deseja projetar, incluindo a expressão de elementos simbólicos, e que é importante para sua sobrevivência e destaque, diante dos seus diversos públicos. Tendo em vista a estreita relação da empresa pesquisada com a comunidade de Itabira, este estudo teve por objetivo identificar a percepção dos jovens itabiranos em relação a sua imagem organizacional e o poder simbólico constante nos discursos. A pesquisa realizada foi qualitativa e descritiva. A unidade de análise foi a Vale e os sujeitos foram jovens entre 15 e 25 anos. A coleta de dados se deu por meio de grupo focal. A análise dos dados priorizou a análise de conteúdo. Foram identificados aspectos desfavoráveis e favoráveis, da relação entre empresa e comunidade, que influenciam a formação da imagem organizacional, tais como impacto ambiental, falta de comunicação, geração de emprego, benefícios aos empregados. Palavras-chave: imagem organizacional; poder simbólico; análise de conteúdo. Artigo recebido em 27/07/2012 e aprovado em 30/08/2012, após avaliação double blind review.

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Teoria e Prtica em Administrao, v. 2, n. 1, 2012, pp.56-85 A Percepo dos Jovens sobre a Imagem Organizacional da Cia. Vale e o Poder Simblico Manifesto nos Discursos

Fabiana Aparecida Santos Clemente & Ester Eliane Jeunon

A Percepo dos Jovens sobre a Imagem Organizacional da Companhia Vale e o Poder Simblico Manifesto nos

Discursos

Fabiane Aparecida Santos Clemente Universidad de la Empresa UDE - Uruguai

Ester Eliane Jeunon

Fundao Pedro Leopoldo - Brasil

Resumo

A imagem de uma organizao aquilo que ela deseja projetar, incluindo a expresso de elementos

simblicos, e que importante para sua sobrevivncia e destaque, diante dos seus diversos

pblicos. Tendo em vista a estreita relao da empresa pesquisada com a comunidade de Itabira,

este estudo teve por objetivo identificar a percepo dos jovens itabiranos em relao a sua imagem

organizacional e o poder simblico constante nos discursos. A pesquisa realizada foi qualitativa e

descritiva. A unidade de anlise foi a Vale e os sujeitos foram jovens entre 15 e 25 anos. A coleta de

dados se deu por meio de grupo focal. A anlise dos dados priorizou a anlise de contedo. Foram

identificados aspectos desfavorveis e favorveis, da relao entre empresa e comunidade, que

influenciam a formao da imagem organizacional, tais como impacto ambiental, falta de

comunicao, gerao de emprego, benefcios aos empregados.

Palavras-chave: imagem organizacional; poder simblico; anlise de contedo. Artigo recebido em 27/07/2012 e aprovado em 30/08/2012, aps avaliao double blind review.

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Fabiana Aparecida Santos Clemente & Ester Eliane Jeunon

The Perception of Youngsters about the Organizational Image of Vale Company and the Symbolic Power Expressed

in Speeches

Fabiane Aparecida Santos Clemente Universidad de la Empresa UDE - Uruguay

Ester Eliane Jeunon

Fundao Pedro Leopoldo - Brazil

Abstract

The image of an organization is what it wants to communicate about itself, including the

expression of symbolic elements, with great impact on its survival and expression. Given the close

relationship of the company in focus with the community of Itabira, Brazil, this study collected the

perceptions of young people from that city about the organizational image and its symbolic power

present in speeches. The research used qualitative and descriptive methods. The unit of analysis

was Vale, the subjects were youngsters between 15 and 25 years, and data collection was carried

out through interviews and focal group. Content analysis was the main data analysis method.

Results include favorable and unfavorable aspects of the company, such as environmental impact,

the lack of communication, employment numbers, and benefits for the employees.

Keywords: organizational image;symbolic power; content analisys

Manuscript received on July 27, 2012 and approved on August 30, 2012 after one round of double blind review.

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Fabiana Aparecida Santos Clemente & Ester Eliane Jeunon

1 Introduo Toda imagem fruto daquilo que o sujeito v no mundo exterior. Forma-se, em sua mente, a

partir do que ele observa e percebe. Pode ser considerada como uma sntese das vrias percepes

e sentimentos que esto em sua mente. O processo de produo da imagem inicia-se com a

percepo da emisso de uma mensagem. O receptor realiza o processo de sua interpretao.

Ganha, com isso, uma verso prpria para cada indivduo. Aps a concluso do processo, a

imagem ter sido formada com um contedo simblico diferente do real, uma vez que cada

indivduo receptor ter agregado ao contedo elementos de valor pessoal (Carrieri; Almeida &

Fonseca, 2004, p. 4).

A imagem como explica Torquato (2003), um produto do desenvolvimento do conceito de

comunicao. No contexto organizacional, seria aquilo que a empresa deseja projetar, envolvendo

o carter e a personalidade da organizao, incluindo tambm elementos simblicos que nela se

expressam. A imagem organizacional no contempla somente os aspectos objetivos da percepo

do outro sobre algo, mas tambm aspectos simblicos, uma vez que h toda uma construo de

significados a partir da viso de um indivduo sobre crenas, ideias e impresses.

Para evitar interpretaes e ambiguidades, fundamental criar vises compartilhadas. Nesse

caso, a linguagem assume funo persuasiva, retrica, orientada para a construo de significados.

Os estudos mostram que a dimenso simblica das organizaes est intimamente ligada ao

contexto em que o poder e a autoridade so exercidos, e que se alimenta da comunicao e

interao simblicas como forma de desenvolvimento (Jatahi, 2004, p. 3).

A Cia. Vale do Rio Doce (Vale), segunda maior mineradora do mundo, possui uma forte

relao de convivncia com os municpios onde atua e est intimamente ligada ao espao em que

est inserida. Isto se d, especialmente, em relao cidade de Itabira, cuja mina, a cu aberto,

implica maior proximidade fsica com o municpio. Alm disso, tem estreita relao com a

comunidade, j que suas atividades iniciaram em 1942.

A presena da empresa, em Itabira, desde 1942, colaborou para a constituio da

infraestrutura urbana e propiciou a atual capacidade de polarizao microrregional deste

municpio. O ambiente urbano, porm ainda muito dependente da atividade extrativa mineral

(Martins, 2003, p. 92).

Itabira tem toda a sua estrutura voltada para a minerao. Minayo (2004) ressalta que a

dominao da Cia. Vale sobre Itabira, no apenas econmica, mas se projeta tambm como a

expresso de suas relaes, que se exercem por meio da cumplicidade entre dominador e dominado.

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Este aspecto foi revelado de forma mais sutil na dcada de noventa, de maneira simblica ou

explcita, aps seu perodo de privatizao, em 1997.

Pode-se citar um fato que expressa a fora do poder da empresa em relao cidade, quando

ainda era estatal: a mudana do nome da cidade, em 1942, a partir de uma deciso externa. Naquele

ano, a empresa invade a cidade, que, no dia 13 de junho, passou a se chamar Presidente Vargas.

Essa deciso deixou a populao local revoltada, por ter seu espao usurpado autoritariamente, o

que se afigura num sentimento de perda que a histria s faz aprofundar (Minayo, 2004, p. 390).

O trabalho tem sua funo econmica vinculada ao pertencimento organizao. Em Itabira,

o emprego na Cia.Vale, alm do sentido de dever [...] assume conotaes de privilgio alcanado

(Minayo, 2004, p. 423). A populao itabirana, em especial os jovens, que vo para o mercado de

trabalho, possui expectativas e anseios em relao empresa. Trata-se, do ponto de vista dos

itabiranos, de um emprego que d status ao indivduo.

A teoria do poder simblico, desenvolvida por Pierre Bourdieu, retrata este tipo de relao,

abordando as formas de dominao e os aspectos simblicos que a constituem. O poder simblico,

de Bourdieu (2006), foi considerado, neste trabalho, como uma tica para anlise dos dados, por

abordar a questo da insero no espao (campo) e o habitus. Nesse caso, com foco na insero da

Cia. Vale no espao de Itabira, no desenvolvimento da cidade e em seus reflexos na construo da

imagem organizacional percebida pelos jovens itabiranos. Bourdieu (2006) substitui a noo de

sociedade pelas noes de campo e de espao social, introduzindo o conceito de habitus. Cada campo

prescreve os seus prprios valores e princpios de regulao.

Nesse contexto, o objetivo deste trabalho foi identificar a percepo da imagem

organizacional, da Cia. Vale, pelos jovens itabiranos, identificando o simbolismo da relao

empresa e a sociedade de Itabira. Os objetivos especficos contemplaram: a) identificar a percepo

dos jovens em relao s aes da empresa no espao itabirano; b) identificar a percepo dos

jovens quanto aos atributos que constituem a imagem da empresa; c) identificar os aspectos

favorveis e desfavorveis da relao da empresa na cidade, na percepo dos jovens; d) identificar

as expectativas dos jovens em relao empresa; e) associar os atributos da imagem percebida

pelos jovens com o poder simblico de Bourdieu.

2 Imagem Organizacional

Segundo Cunha (2001), existem muitos conceitos sobre imagem, que oscilam desde a

considerao da imagem como um fenmeno perceptivo (sensao tica) at a conceituao de

imagem como um fenmeno mais complexo (percepo visual quanto respectiva significao

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simblica). A imagem, segundo Torquato (2003), resultado do desenvolvimento do conceito de

comunicao, entendendo-se por imagem aquilo que a empresa deseja projetar, diferente da

identidade da organizao, que se trata do carter e da personalidade da organizao.

A imagem pode ser considerada como uma representao simplificada, que emerge na mente

das pessoas, como sntese de uma ou vrias sensaes e percepes. Para alguns indivduos,

imagem implica algo ilusrio e passageiro.

Carrieri, Almeida & Fonseca (2004, p. 3) utilizam a definio de Dowling (1986), que afirma

que imagem o conjunto de significados pelo qual um objeto conhecido e que o indivduo utiliza

para descrev-lo, relembr-lo e se relacionar. Os autores destacam que imagem organizacional

uma das formas de conhecimento compartilhado, importante para o funcionamento das

organizaes, pois est relacionada s respostas afetivas e de comportamento dos membros.

Empresas criam a imagem de seus produtos, para os consumidores, no somente por meio de

seus produtos e servios, mas tambm pelo uso de embalagens, logotipos, marcas, nomes, veculos

de entrega, publicidade de varejo e atendimento. Os elementos destacados por Toni & Schuler

(2004) constituem a imagem de um produto, mas podem tambm ser considerados na composio

da imagem organizacional.

H quatro tipos de imagem, conforme Barich & Kotler (1991, p. 95): a da marca como as

pessoas percebem uma marca particular em relao s suas concorrentes; a dos produtos como as

pessoas percebem uma determinada categoria de produtos; a de marketing como vista a

qualidade da oferta e o mix de marketing da organizao; e a corporativa como as pessoas

percebem a empresa como um todo. Esses autores conceituam imagem como a soma das crenas,

atitudes e impresses que um indivduo ou grupo tm de um objeto, uma pessoa, um lugar, uma

marca, um produto ou uma empresa.

Para os autores, onze categorias agregam os fatores que influenciam a formao da imagem,

a saber: canais de distribuio, servio, suporte, preo, comunicao, fora de vendas, produto,

conduta de negcios, conduta social da empresa, filantropia e conduta empresarial com

empregados e produto.

Sobrinho & Catto (2006, p. 13-16), com base na pesquisa realizada para identificar a imagem

organizacional de uma indstria do setor de gs, encontraram alguns atributos, a saber:

modernidade, qualidade de vida, preocupao com acidentes e segurana, empresa com alto

desenvolvimento/potencial, ambientalmente responsvel, gerao de muitas expectativas,

financeiramente responsvel, segurana, participante, atuante, investimentos em infraestrutura,

relao custo/benefcio, sensatez, grande capacidade de fornecimento, credibilidade, gerao de

empregos, preocupao com a formao de mo de obra, pioneirismo, agresso ao meio ambiente,

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insegurana, financeiramente irresponsvel, empresa com altos gastos, lentido no fornecimento,

baixa capacidade de persuaso/convencimento, economia ao usurio, empresa precipitada,

incapacidade de fornecimento, provedora de solues do ramo de atuao, versatilidade, auxlio ao

desenvolvimento estadual, investimento em pesquisa e desenvolvimento, preocupao com perdas

e desperdcios, empresa vencedora, rentabilidade, rapidez, honestidade, tica, eficcia, dinamismo,

comprometimento com o cliente, inovao, conforto, bem-estar, agilidade, idoneidade, fcil de

negociar, seriedade, comodidade, evoluo, transparncia, confiabilidade, periculosidade e

eficincia.

A pesquisa de Sobrinho & Catto (2006) tambm identificou termos que evidenciaram imagem

positiva (agilidade, modernidade, responsabilidade, ecologicamente correta e empresa organizada)

e imagem negativa (alta expectativa, que nem sempre foi atendida; e atraso nas obras realizadas

pela empresa).

A imagem at pode proporcionar alguma vantagem, num dado momento, mas isso no

eterno, a no ser que os fatos reais sejam modificados para concordar com uma condio favorvel.

Uma imagem favorvel deve ser conquistada, o que j difcil, sendo que mais difcil ainda

mant-la, pois muito fcil perd-la. Uma organizao pode trabalhar, por um longo tempo, para

construir uma imagem e conserv-la, mas, com poucas aes, pode colocar tudo a perder

(Carvalho; Montardo & Rosa, 2006).

Nesse contexto, a comunicao feita pela organizao fundamental para legitimar as suas

aes, no tendo por objetivo apenas reproduzir uma mensagem, conforme afirma Bourdieu (2006).

As pessoas criam expectativas em relao s organizaes, principalmente em relao s de

grande porte. Nesse processo, projetam-se nelas, chegando a criar uma organizao imaginria.

Muitas vezes, a organizao amada e odiada a um s tempo. O indivduo torna-se dependente da

organizao e no somente cria a dependncia material, como tambm constri uma identidade

com a mesma (Motta, 1991). Isso impacta diretamente a imagem organizacional, que oscila de

acordo com essa relao.

A organizao busca implementar programas de mediao entre interesses sociais, polticos e

econmicos, iniciativa importante para a sua sobrevivncia, por meio de processos interativos com

seus diferentes pblicos, inclusive a sociedade, em geral. Esse processo vital para uma

organizao, porque ningum pode gerar, sozinho, informaes para administrar, prevenir ou

evitar uma crise. Isso pode ser observado, por exemplo, quando uma empresa adota um discurso

no condizente com a prtica desempenhada. No momento em que os clientes reconhecem essa

discrepncia, cria-se um clima de insatisfao, revolta e descrdito, dentro e fora da organizao

(Carvalho; Montardo & Rosa, 2006).

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3 Poder Simblico de Bourdieu

Neste trabalho, optou-se por utilizar a Teoria do Poder Simblico, de Pierre Bourdieu, uma

vez que esse autor, a despeito de diversas discusses existentes sobre o simbolismo e poder,

conseguiu relacionar os dois construtos.

Apesar de muito se falar em sociologia das organizaes e de sociologia do trabalho

industrial, a sociologia aplicada Administrao tem, como elemento central, a organizao, suas

funes e variveis. Castro (2003, p. 28) retoma Durkheim, Weber e Parsons para explicar que o

social um fenmeno externo s conscincias individuais; geral no grupo e coercitivo nos

indivduos. Sendo assim, o fenmeno social torna-se o produto da interao do ambiente fsico e

do momento histrico, complexo e cultural, tendo em vista os valores, os padres, a estabilidade, as

mudanas e os papis sociais.

As instituies estabelecem objetivos para lidar com a satisfao das necessidades sociais,

pela constante manuteno do equilbrio social, com um ou vrios elementos de autoridade, que

tm a funo de garantir o cumprimento das normas (Castro, 2003). No grupo organizado, nota-se

a expectativa de que o comportamento dos membros atinja o estado ideal. Caso haja desvio nas

normas, devem sobreviver, a fim de estabelecer o limite desse desvio.

Na sociedade, algumas ideias so padronizadas sobre as pessoas, os comportamentos, os

valores e as crenas, constituindo esteretipos culturais, responsveis por muitos fenmenos

sociais no mundo. Da, torna-se imprescindvel a tentativa de conhecimento da cultura, que

engloba os valores, as crenas e os comportamentos de uma determinada sociedade ou

organizao.

Cada percepo consciente um ato de reconhecimento, uma combinao na qual um objeto

(ou um acontecimento, um ato, uma emoo) identificado por sua colocao contra o pano de

fundo de um smbolo apropriado (Geertz, 1989, p. 122).

Segundo Pesavento (1995), pensar o social a partir de suas representaes uma

preocupao contempornea, limitada pela crise dos paradigmas explicativos da realidade. Para a

autora, empreender esse caminho pressupe pensar para muito alm do espao, guiando-se pelas

representaes simblicas da cidade, que podem corresponder ou no realidade sensvel, sem que,

com isso, perca-se a sua fora imaginria.

A concepo de uma cidade vem associada a dados concretos e evidentes, tais como:

populao, sistema de servios urbanos disponveis, padro de edificao, transporte e

infraestrutura de lazer e comercial. No se pode tambm separar da histria da sociedade os

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sistemas simblicos, que so instrumentos de conhecimento e comunicao que do origem, a

partir da, cultura dominante e cultura dominada (Bourdieu, 2006).

Os sistemas simblicos variam de acordo com a sua produo e so apropriados, ao mesmo

tempo, pelo conjunto do grupo, produzido, segundo Bourdieu (2006), por especialistas que iro,

basicamente, impor ideologias de acordo com suas condies sociais de produo e de sua

circulao. O poder simblico um poder de construo da realidade pelos sujeitos, que tende a

estabelecer um sentido imediato do mundo.

Quando se verifica a relao homem versus espao, observa-se que a Antiguidade tem as suas

representaes simbolizadas pelas grandes tragdias lricas e pelas esculturas. Na Idade Mdia,

essas representaes continuam, porm com um intuito basicamente moral e religioso. Com a

Renascena, tem-se o clarear nas representaes e no homem, firmando seu espao. J na

Modernidade, o capital ganha fora e altera as relaes interpessoais no espao social, trazendo a

reflexo sobre a criao de outro espao, um espao ideal e evasivo ou disciplinador, que transporta

o indivduo para o mundo que Plato diria ser ideal (Trindade & Annbal, 2006).

Com o passar do tempo, o espao foi se recriando em outros veculos, como as propagandas,

o que significa mais um instrumento para ressignificar os espaos (Trindade & Annbal, 2006, p.

3). Quando se fala de espao, no se pode deixar de citar a importncia dos sujeitos que esto

contidos nele e que fazem da sua leitura um espao real.

As representaes sociais so tambm alimentadas por produtos da cincia, que esto

circulando publicamente e que so expresses de permanncia cultural, campos socialmente

estruturados. A relao com o mundo social no de causalidade mecnica, que se estabelece

frequentemente entre a conscincia e o meio, e sim uma espcie de cumplicidade ontolgica.

Quando a histria que frequenta o habitat e o habitus a mesma, a histria que se comunica, de

certo modo, com ela prpria (Bourdieu, 2006, p. 83).

O habitus consiste em julgar e valorizar o mundo, configurando a forma de cada pessoa agir

corporal e materialmente. composto por: a) ethos, os valores em estado prtico, no consciente,

que regem a moral cotidiana. Diferente da tica, a forma terica, argumentada, explicitada e

codificada da moral, o ethos um conjunto sistemtico de disposies morais, de princpios prticos;

e por: b) hxis, que exprime a vontade de introduzir disposies duradouras da moral realizada, dos

princpios do porte e da postura (Bourdieu, 2006).

O habitus fornece um princpio com o qual nossas categorias de juzo, oriundas da sociedade,

so partilhadas por todos aqueles que foram submetidos a condies e condicionamentos sociais

similares (Bourdieu, 2006).

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Bourdieu incorpora as ideias de luta pela dominao e de conscincia de classe ao conceito de

habitus, indo de encontro ao marxismo, uma vez que a sua teoria no parte de uma lgica dada

como social, e sim de situaes ideais de justia, afastando-se tambm das categorias marxistas

ligadas luta de classes. O autor defende que a dominao se exerce sempre mediante violncia,

seja ela bruta ou simblica, mediante coao sobre os corpos ou por meio da coao sobre as

conscincias (Thiry-Cherques, 2006).

Nesse contexto, tentando distanciar-se em relao ao objetivismo, Bourdieu (2006) salienta

que a ao das estruturas sociais sobre o comportamento individual d-se preponderantemente de

dentro para fora, e no de fora para dentro. A estrutura social se perpetuaria porque os prprios

indivduos tenderiam a atualiz-la, ao agir de acordo com o conjunto de disposies da posio

estrutural na qual eles foram socializados. O indivduo, em Bourdieu, um ator socialmente

configurado em seus mnimos detalhes (Nogueira & Nogueira, 2002). As representaes do mundo

social que atribuem valores no caso, ao espao e aos habitantes da cidade no so neutras ou

puramente objetivas, mas implicam atribuies de sentidos em consonncia com relaes sociais e

de poder (Bourdieu, 2006).

A sociologia de Bourdieu, no geral, est marcada pela busca da superao de um dilema

clssico do pensamento sociolgico, aquele que se define pela oposio entre subjetivismo e

objetivismo. Para Bourdieu (1983, p. 89), campos so espaos estruturados de posies (ou de

postos), cujas propriedades dependem das posies nesses espaos, podendo ser analisadas

independentemente das caractersticas de seus ocupantes (em parte determinadas por elas).

Bourdieu (2006) v o espao social como um campo de lutas, no qual os atores (indivduos e

grupos) elaboram estratgias que permitem manter ou melhorar sua posio social.

Segundo Thiry-Cherques (2006), a dinmica social no interior de cada campo o campo

delimitado pelos valores ou formas de capital que lhe do sustentao regida pelas lutas que os

agentes procuram manter ou pelo desejo de modificar as relaes de fora e a distribuio das

formas de capital especfico. Nessas lutas, so levadas a efeito estratgias no conscientes, que se

fundamentam no habitus individual e dos grupos em conflito. O campo constitudo por embates

entre indivduos e grupos que determinam as posies, e o conjunto de posies determina o

habitus. Os agentes que possuem menos capital, inversamente, tendem a estratgias de subverso e

rompimento, com o estalo, dentro de certos limites (Pilatti, 2006)

Thiry-Cherques (2006) sugere um esquema para a denominao de habitus, partindo do

princpio de que a dinmica social se d no interior de um campo (segmento do social), cujos

agentes (indivduos e grupos) tm disposies especficas. Trabalha como um instrumento

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transformador, que faz com que os indivduos reproduzam as condies sociais de sua prpria

produo, mas de uma maneira relativamente imprevisvel.

A estrutura do campo dada pelas relaes de fora entre os sujeitos que lutam pela

hegemonia no seu interior, isto , que tentam monopolizar ao mximo o poder e ditar as regras

daquele conjunto, a fim de dividir o capital especfico de cada campo. A forma como o capital

dividido dispe as relaes internas ao campo, isto , monta a sua estrutura (Bourdieu, 2006).

O social constitudo por campos ou espaos de relaes objetivas, que possuem uma lgica

prpria, no reproduzida e irredutvel lgica que rege outros campos. O campo uma estrutura

que constrange os agentes nele envolvidos, e os agentes atuam conforme as posies que ocupam

nesse campo de foras, conservando ou transformando a sua estrutura (Thiry-Cherques, 2006).

Um campo estrema-se, entre muitos aspectos, pela definio dos objetos de disputas e pelos

interesses especficos do prprio campo. Esses objetos e interesses so percebidos apenas por

pessoas com formao apropriada para se introduzirem no campo. Os campos resultam dos

processos de diferenciao social, da forma de ser e do conhecimento do mundo. Diante disso, cada

campo cria o seu prprio objeto e o seu princpio de compreenso. Podem ser analisados

independentemente das caractersticas dos seus ocupantes, isto , como estrutura objetiva. So

microcosmos sociais, com valores, objetos e interesses especficos (Bourdieu, 2004).

Para que um campo funcione, Bourdieu (1983, p. 89) salienta que preciso que haja objetos

de disputas e pessoas prontas para disputar o jogo, dotadas de habitus que impliquem no

conhecimento e reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos de disputas.

O rompimento desses limites pode determinar sua excluso do campo. Assim, as

modificaes impostas por esses sujeitos so transformaes parciais, ou seja, que no colocam em

questo os fundamentos do objeto de disputas.

A dominao , em geral, no explcita, mas sutil e violenta. Significa uma violncia

simblica que julgada legtima, dentro de cada campo, inerente ao sistema, cujas instituies e

prticas revertem os ganhos de todos os tipos de capital para os agentes dominantes. A violncia

simblica se exerce com a cumplicidade daquele que a sofre. Est presente no discurso do mestre,

na autoridade do burocrata, na atitude do intelectual (Thiry-Cherques, 2006).

Um fator a ser considerado a conservao do que produzido dentro do campo, que ocorre

normalmente ligada apario de um grupo de conservadores do passado e do presente e que

serve aos detentores do capital especfico para conserv-lo. O autor considera tal atitude ou

estratgia, com o passado e com o presente, como um dos ndices mais seguros da constituio de

um campo. Tais estratgias, mesmo que objetivamente orientadas em relao a fins que no podem

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ser subjetivamente almejados, no buscam a maximizao de um lucro especfico, ocorrendo como

relao inconsciente entre um habitus e um campo (Bourdieu, 2006).

O conceito de campo fruto do estruturalismo, que se detm na anlise das estruturas

objetivas dos diferentes campos, mas que as estuda como produto da incorporao das estruturas

preexistentes. Os campos so mundos funcionando como um espao simblico, com vrios estilos

de vida e grupos caracterizados por diferentes estilos de vida (Bourdieu, 2004).

Todo campo se caracteriza por agentes dotados de um mesmo habitus. O campo estrutura o

habitus e o habitus constitui o campo. O habitus a internalizao ou incorporao da estrutura

social, enquanto o campo exterioriza ou objetiva o habitus (Thiry-Cherques, 2006). Todos os

sujeitos que esto inseridos num determinado campo possuem alguns interesses comuns, entre

eles, a existncia do prprio campo. A luta entre esses indivduos antagnicos pressupe um

acordo sobre o objeto de disputa e produz a crena no valor dessa disputa (Bourdieu, 1983).

4 Poder Simblico e a Imagem Organizacional

A evoluo dos elementos simblicos do poder nas organizaes ocorre nas construes ps-

modernas, que enfatizam as subjetividades como espao propcio para a criatividade. Os primeiros

estudos que enfatizam e valorizam os elementos simblicos estavam ligados criao de

legitimidade, evitando formas mais coercitivas e visveis de poder. A corrente funcionalista tentou

incentivar habilidades, por meio do controle de significados, para que a dominao gerencial fosse

percebida como legtima. Muitos pesquisadores, filiados a essa corrente, porm, subestimaram o

uso do poder simblico, vendo-o apenas como algo acessrio ao processo de legitimao de

resultados j alcanados pela dependncia de recursos (Jatahi, 2004).

Contudo, existia uma lacuna no modelo estruturalista quanto fora dos mitos sobre a

eficincia, e essa foi completada quando se incorporou a viso das crenas, valores culturais,

smbolos, mitos e normas, que se institucionalizam no contexto das empresas, considerando que os

elementos simblicos podem transformar o ambiente, uma vez que carregam um significado

particular, reconhecido somente por aqueles que compartilham da mesma cultura (Vilarinho,

2004).

A partir dessas formas de dominao estabelecidas, as divises de trabalho aparecem como

complexas teias de relaes de poder (Jatahi, 2004). Nesse contexto, Bourdieu (2006) quem traz

para a academia o simbolismo do estudo do poder, dando-lhe uma posio central, uma vez que

destaca o fato de que pode se ver o poder em toda parte, devendo-se saber busc-lo e descobri-lo

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onde ele menos visvel. O poder simblico, segundo Bourdieu (2006), s pode ser exercido com a

cumplicidade daqueles que no querem saber que esto sujeitos a ele ou, mesmo, que o exercem.

Bourdieu (2006) substitui a noo de classes e o conceito de sociedade pelos conceitos de

estruturas (campos sociais e espao social) e estruturantes (sistemas simblicos). Jatahi (2004)

destaca que Bourdieu coloca os instrumentos simblicos como formas de dominao, que

representam os interesses de um grupo dominante, no sentido de incutir um sistema de valores

legitimado socialmente, por via de processos ideolgicos.

Na concepo de Bourdieu (2006), o conceito de campo define um espao delimitado e

socialmente estruturado, que contm suas prprias crenas, valores e leis, com relaes que

existem independentemente do desejo individual. Os sujeitos atuam no sentido de aumentar e

manter o habitus. Dentro dos campos, os agentes se autoclassificam, eles mesmos se expem

classificao ao escolherem, em conformidade com seus gostos, diferentes atributos (Bourdieu,

2004, p. 159).

Nas organizaes, nos nveis grupal e individual que se veem algumas caractersticas da

operacionalizao dos artefatos simblicos, que desenvolvem jogos de poder e que destacam a

liderana simblica, envolvendo processos de influncia construdos pela interao entre lder e

liderados (Jatahi, 2004). Nas organizaes, os lderes tentam, todo o tempo, interpretar a dinmica

organizacional e cultuar a sua imagem. Nesse sentido, o gerente reproduz o discurso da

organizao, uma vez que a dedicao empresa um dos requisitos para sua ascenso. Para ele,

alm da competncia, necessrio ser poltico e saber interpretar diversos personagens. Isso faz

com que, nessa categoria, seja encontrado, com frequncia, um comportamento instrumental

(Carvalho & Grisci, 2002).

O processo de produo da imagem inicia-se com a percepo da emisso de uma mensagem,

seguida pelo processo de interpretao da imagem, pelo receptor, que ganhar uma verso prpria

para cada indivduo. Aps a concluso do processo, a imagem ter sido formada com um contedo

simblico diferente do real, uma vez que cada indivduo receptor ter agregado ao contedo,

elementos de valor pessoal (Carrieri, Almeida & Fonseca, 2004, p. 4). O entendimento de que a

imagem muito importante apoia-se na ideia de que ela gera rendimentos futuros. Essa ideia,

segundo Gomes & Sapiro (1993), extrada da teoria dos jogos, uma vez que o modo como a

organizao agiu no passado e age no presente repercutir na sua atuao futura.

Os smbolos falam ao inconsciente do indivduo, operando entre a realidade e o inconsciente,

integrando o homem ao universo e, ao mesmo tempo, causando medo e gerando segurana, unindo

e harmonizando foras antagnicas (Jatahi, 2004). Atualmente, os smbolos servem como pontes,

tornando administrvel a distncia entre os aspectos materiais e culturais da experincia humana,

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de modo a fragmentar as conexes entre essas instncias. A comunicao simblica tem lugar na

organizao. Para evitar interpretaes e ambiguidades, fundamental criar vises

compartilhadas. No caso, a linguagem assume a funo persuasiva, retrica, orientada para a

construo de significados.

O simblico um tipo de poder que se faz reconhecer para obter o reconhecimento, cuja

eficcia no se exerce no plano da fora fsica, mas sim no plano do sentido e do conhecimento. A

construo do sistema de crenas e normas est ligada ao conjunto de aes simblicas,

desenvolvidas nas organizaes, e s relaes de poder construdas entre seus membros. A fora da

imagem de uma organizao est diretamente relacionada com a coerncia de suas aes, discurso

e atos: faz-se necessrio o gerenciamento dessa relao, na busca do reconhecimento perante os

seus diversos pblicos.

5 Procedimentos Metodolgicos

A metodologia de pesquisa, para Minayo (2003), o caminho do pensamento a ser seguido.

Ocupa um lugar central na teoria e trata-se, basicamente, do conjunto de tcnicas a serem adotadas

para construir uma realidade. Esta pesquisa classifica-se como qualitativa e descritiva, tendo em

vista o interesse dos prprios participantes na interpretao da situao em estudo (Moreira,

2002). A consistncia da pesquisa qualitativa pode ser checada por meio do exame detalhado da

literatura e pela comparao das observaes colhidas com aquelas da literatura. Pode-se utilizar a

triangulao, que trata do emprego de diferentes mtodos de coleta dos mesmos dados e da

comparao com os resultados (Glazier, 1992).

A unidade de anlise foi a Cia. Vale e a unidade de observao foi composta de jovens entre

15 e 25 anos. A coleta de dados foi realizada por meio da tcnica de grupo de foco, com 221 alunos,

de 13 escolas, privadas e pblicas, da zona rural e urbana do municpio de Itabira. Foram

realizadas entrevistas em trs em escolas particulares, significando 75% do total de escolas

particulares do municpio (total de 4 escolas particulares), todas elas em zona urbana, uma vez que

no h escola particular na zona rural.

Quanto s escolas pblicas, entrevistaram-se alunos de 10 das 15 escolas existentes. Nove

delas localizadas na zona urbana (60% do total de escolas da zona urbana) e, uma (1), na zona rural

(50% do total de escolas da zona rural). Do total de entrevistados em escolas pblicas, 88 alunos

so do sexo feminino e, 78, do sexo masculino. Nas escolas pblicas, foi identificado o maior

nmero de jovens que trabalham, sendo estes 33% do total dos entrevistados, contra 3% das

escolas particulares.

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O critrio de escolha dos jovens estudantes foi por acessibilidade. Tomou-se o cuidado, no

processo de seleo, de escolher apenas alunos moradores da cidade de Itabira (foco da pesquisa)

h, no mnimo, cinco anos. Consideraram-se, como universo da pesquisa, as informaes cedidas

pela Secretaria Municipal de Educao de Itabira. Os dados foram coletados no segundo semestre

de 2008.

A escolha dos jovens foi realizada pelo fato de no existirem muitos estudos cientficos

publicados, direcionados a este pblico, em Itabira. Alm disso, so pessoas que esto sendo

preparadas para enfrentar o mercado de trabalho e que possuem perspectivas e anseios em relao

cidade e em relao Vale. Os jovens selecionados, estudantes do 1 e 3 anos do Ensino Mdio,

foram escolhidos por serem sujeitos que esto iniciando e terminando o ltimo perodo da

educao bsica.

Durante a realizao do trabalho, houve a necessidade de alterar a tabela das escolas, uma

vez que duas escolas no trabalhavam mais com Ensino Mdio, a saber: Escola Estadual Eleonora

Nunes Pereira e Escola Estadual Jos Ricardo Martins Fonseca, conforme informaes recebidas

previamente da Secretaria Municipal de Educao de Itabira. Alm disso, no primeiro ano da

Escola Domnio, os alunos tinham uma mdia de idade superior a 30 anos, razo pela qual os seus

depoimentos no foram considerados para este trabalho, apesar de os alunos terem sido

entrevistados.

As entrevistas foram realizadas no horrio das aulas, com envio antecipado do pedido de

autorizao, para as entrevistas, s diretorias. Alm disso, realizou-se uma entrevista,

acompanhada de um roteiro com perguntas abertas, com o gerente geral das minas de Itabira

(Complexo Minerador de Itabira), a fim de descobrir as aes praticadas, pela empresa, no espao

itabirano. Enviou-se uma carta Vale, solicitando a marcao da data para a entrevista,

inicialmente.

Para a anlise dos dados, adotou-se a metodologia de anlise do contedo, cujo ponto de

partida a mensagem, devendo-se tambm considerar as condies contextuais de seus

produtores. Assenta-se na concepo crtica e dinmica da linguagem. Deve-se considerar no

apenas a semntica da lngua, mas tambm a interpretao do sentido que um indivduo atribui s

mensagens (Franco, 2005).

O contedo das entrevistas foi transcrito e analisado com base na seguinte sequncia: a)

gravao das entrevistas; b) transcrio e digitao das entrevistas; e c) classificao das

informaes como possveis, na associao dos dois temas, colocando em quadros os discursos

por srie e escola. A anlise de contedo considerada uma tcnica para o tratamento de dados que

visa identificar o que est sendo dito a respeito de determinado tema (Vergara, 2003). Consideram-

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se, tradicionalmente, materiais textuais escritos: tanto textos construdos no processo de pesquisa,

quanto textos que j foram produzidos para outra finalidade, como jornais.

Nessa perspectiva, busca-se descobrir o que est por trs dos contedos manifestos, sendo

feita uma anlise profunda, muito alm do que est sendo comunicado. A anlise do contedo, em

suas primeiras utilizaes, assemelha-se muito ao processo de categorizao e tabulao de

respostas s questes abertas. Criada inicialmente como uma tcnica de pesquisa com vistas a uma

descrio objetiva, sistemtica e quantitativa de comunicaes em jornais, revistas, filmes,

emissoras de rdio e televiso, hoje cada vez mais empregada para anlise de material qualitativo,

obtido atravs de entrevistas de pesquisa (Machado, 2001, p. 53).

Segundo conceitua Bardin (1977), a anlise de contedo como um conjunto de tcnicas de

anlise das comunicaes que visa obter, por procedimentos sistemticos e objetivos, a descrio

do contedo das mensagens que permitam a inferncia de conhecimentos relativos s condies de

produo dessas mensagens.

A finalidade da anlise de contedo produzir inferncia, trabalhando com vestgios e ndices

postos em evidncia por procedimentos mais ou menos complexos (Franco, 2005).

Quanto s categorias, elas no foram definidas a priori, pois, segundo Franco (2005), elas

emergem do discurso, do contedo das respostas, o que implicar idas e vindas ao referencial

terico. As categorias, nesse mtodo de anlise, foram criadas medida que surgiram as respostas

e depois interpretadas luz das teorias (Franco, 2005). A categorizao aconteceu aps o processo

de transcrio das entrevistas e foi identificada no discurso dos entrevistados.

Franco (2005) ressalta que, para a criao das categorias, exigem-se algumas qualidades, a

saber: a) excluso mtua (um nico tipo de categorizao deve orientar a organizao da pesquisa);

b) pertinncia (quando est adaptada ao material de anlise escolhido e ao referencial terico; c)

objetividade e fidedignidade (as diferentes partes do material de anlise ao qual se aplica uma

determinada categoria devem ser processadas da mesma maneira); e d) produtividade (conjunto de

categorias produtivo quando produza resultados frteis).

O processo de categorizao, conforme ressalta Bardin (2006), seguir regras, como: a) evitar

a mistura dos temas; b) tentar esgotar a totalidade do texto; e c) verificar que o contedo de uma

categoria no seja utilizado mais de uma vez, respeitando o contedo em questo, como foi adotado

nesta pesquisa.

Embora a maior parte das anlises clssicas de contedo culmine em descries numricas de

algumas caractersticas do corpo do texto, a ateno est sendo dada aos tipos, qualidades e

distines no texto, antes que qualquer quantificao seja feita.

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Neste estudo, adotou-se a unidade de registro com anlise temtica. O primeiro passo no

processo de categorizao utilizado foi distinguir o discurso negativo do positivo, utilizando,

basicamente, palavras-chave, tais como: Ela faz, ela investe, ela ajuda, emprego, grande e

mais ou menos, ruim, poeira, impacto ambiental, no faz nada, faz pouco, impacto visual, o pico

do Cau, buraco.

Aps o processo de categorizao do discurso positivo e do discurso negativo, importante

ressaltar que a anlise foi feita para responder aos objetivos especficos da pesquisa e para apontar

alguns aspectos simblicos, expressos no discurso dos sujeitos. Isso objetivou identificar a

percepo dos jovens em relao imagem organizacional da Cia. Vale, procurando extrair

algumas caractersticas do habitus e smbolos expressos nesse discurso, apoiando-se no referencial

terico levantado.

A explanao de Sousa (2006) confirmada por Bardin (2006) quanto questo simblica na

anlise das questes abertas. Segundo o autor, esse simbolismo retrata a relao que o sujeito

mantm com o objeto, de maneira afetiva, simblica, e com os esteretipos. Buscou-se o sentimento

do sujeito em relao ao objeto, positivo ou negativo, de escolha ou de recusa, por meio da

personalizao.

A opo por esse mtodo se deu em razo de ele possuir a funo de descobrir o que est por

trs dos contedos manifestos e da categorizao, no caso das entrevistas realizadas, por meio de

grupos focais, com os jovens itabiranos. Minayo (2003) ressalta que, para essa anlise, necessrio

destacar o contexto da narrativa, categorizar o contedo e tentar desvendar o contedo subjacente

ao contedo manifesto.

6 Anlise dos Resultados

Quanto ao objetivo de identificar a percepo dos jovens itabiranos sobre as aes da

empresa no espao itabirano as aes mais citadas pelos jovens foram: parceria da empresa com o

Servio Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o programa de formao profissional

disponibilizado pela empresa. Houve crticas, por parte dos entrevistados, de todas as escolas da

zona urbana, uma vez que a condio para ingressar na empresa seria apenas pelo Quociente de

Indicao. Em outras palavras, com um conhecido dentro da empresa, as possibilidades de

ingresso aumentam muito. A escola da zona rural foi a que apresentou a menor quantidade de

informao sobre as aes da empresa, talvez pela distncia fsica entre Vale e zona rural, apesar de

os alunos conhecerem a parceria da empresa com o Senai de Itabira.

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A comunicao simblica tem lugar na organizao. Para evitar interpretaes e

ambiguidades, fundamental criar vises compartilhadas. No caso, a linguagem assume funo

persuasiva, retrica, orientada para a construo de significados. O conceito de poder simblico,

sistematizado por Bourdieu, tambm subordinou determinadas esferas da comunicao (discurso,

linguagem e mdias) s condies de existncia relacionadas a outras esferas da ao (poltica,

economia e cultura), alm do poder e da dominao existentes em um determinado campo social.

Em relao ao objetivo de identificar a percepo dos jovens itabiranos quanto aos atributos

que constituem a imagem da empresa, foram identificados 32 atributos, sendo que 11 no

coincidem com as pesquisas de Barich & Kotler (2000) e de Sobrinho & Catto (2006). Na pesquisa

de Barich & Kotler (2000), foram identificados 9 atributos. Na pesquisa de Sobrinho & Catto

(2006), apenas um atributo foi identificado. A categorizao dos temas/variveis centrais,

identificados na pesquisa, permitiu a classificao com base no discurso dos entrevistados e a

identificao dos aspectos positivos e negativos, internos e externos, levando ao contexto da

imagem organizacional. Os atributos denominados como internos referem-se s aes internas da

organizao. Alguns fazem parte da opinio da comunidade, podendo ser tanto positivos quanto

negativos, conforme mostra a FIG. 1.

Figura 1 Principais atributos encontrados na pesquisa

Imagem

organizacional

Terceirizados

Comunicao de acidentes

Segurana

Respeito aos empregados

Salrios

Falta de treinamento

Falta de transparncia

Discriminao social

Dominao sobre a cidade

Impacto na sade da comunidade

Impacto ambiental

Desrespeito comunidade

Falta de comunicao

Impacto social

Paradoxal

Expectativas

Salrios

Benefcios

Meios de comunicao

Estrutura de maquinrio

Terceirizados

Estabilidade

Desenvolvimento

Impacto econmico

Aes na comunidade

Gerao de emprego

Sustentvel financeiramente

Dimenso da empresa

Tecnologia

Empreendedora

Exportadora

Multinacional

Atributos Externos

Negativo

Positivo

Atributos Internos

Fonte: Desenvolvido pelas autoras, a partir dos discursos dos jovens entrevistados.

A Fig. 1 reflete o contexto da imagem organizacional, que varia todo o tempo de acordo com

as condies em que a organizao se encontra, no que tange a suas aes e a seu comportamento

diante da comunidade. Os atributos denominados como internos, referem-se s aes internas da

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organizao. Alguns fazem parte da opinio da comunidade, podendo ser tanto positivos quanto

negativos. Os atributos externos referem-se aos resultados de comportamento das aes externas

da organizao. Podem ser tanto positivos quanto negativos.

O smbolo significa que o atributo negativo e o smbolo representa o atributo positivo.

Como atributos internos negativos, foram identificados: terceirizados, comunicao de acidentes,

segurana, respeito aos empregados, salrios, falta de treinamento. Como atributos internos

positivos: salrios, benefcios, meios de comunicao, estrutura de maquinrio, terceirizados,

estabilidade.

Alguns atributos apareceram com a conotao tanto positiva quanto negativa. Por exemplo,

segundo alguns entrevistados, o salrio era bom, chegando a ser considerado o melhor do

municpio; mas era tambm ruim, ficando abaixo do pessoal terceirizado da empresa.

Como atributos externos negativos, foram identificados: expectativas no atendidas,

paradoxal, impacto social, falta de comunicao, desrespeito comunidade, impacto ambiental,

impacto na sade, dominao, discriminao social, falta de transparncia. Os atributos externos

positivos foram: impacto econmico, aes na comunidade, gerao de emprego, sustentvel

financeiramente, dimenso da empresa, tecnologia, empreendedora, exportadora, multinacional,

desenvolvimento e lucro.

Nesta pesquisa, foram identificados 20 atributos externos, sendo 10 negativos e 10 positivos.

Quanto aos atributos internos, dos 12 encontrados, 6 foram negativos e, 6, positivos. Esses

atributos foram extrados dos discursos dos entrevistados.

Para a identificao dos atributos, na pesquisa, levou-se em considerao, alm do termo

chave, o significado de cada termo nos aspectos positivo e negativo.

Quanto ao objetivo de identificar os aspectos favorveis e desfavorveis da relao da

empresa na cidade, na percepo dos jovens itabiranos, os principais aspectos desfavorveis,

encontrados durante a realizao das entrevistas, identificados pelos jovens, foram o impacto

ambiental e o no investimento da empresa na cidade, na proporo de seu lucro com os minerais

extrados no municpio. Em todas as escolas pesquisadas, esses atributos foram identificados como

pontos negativos para a formao da imagem da empresa, em Itabira.

Fox & Kotler (1994) ressaltam a importncia de verificar a imagem com os diferentes

grupos, para que esta seja adequadamente administrada. Pblicos que tm imagem negativa de

uma instituio vo evit-la ou desprestigi-la, mesmo se ela for de alta qualidade, e aqueles que

tm uma imagem positiva, dada as circunstncias, podero ficar indecisos.

Como aspectos favorveis da relao da empresa com a cidade, em todas as escolas,

apareceram dois temas principais: empregabilidade da comunidade itabirana na Vale e benefcios da

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empresa oferecidos aos empregados. Esses dois temas foram identificados em todas as entrevistas,

de todas as escolas pesquisadas, como itens que favorecem formao da imagem no municpio. O

gerente entrevistado citou a bolsa de estudo, oferecida para os funcionrios, como uma ao da

empresa no municpio de Itabira. Apesar de os jovens que citaram essa ao no saberem o

percentual de ajuda da empresa, declararam que muito significativa.

Quanto a identificar as expectativas dos jovens em relao empresa, do total de

entrevistados que manifestaram interesse em trabalhar na Cia. Vale, 35% o querem. Desse total,

95% so alunos das escolas pblicas. O desejo de trabalhar na Cia. Vale , muitas vezes, por no

possurem perspectiva de sair da cidade, por algum motivo; ou por poderem sair e pensarem em

retornar para trabalhar na empresa, uma vez que a maioria dos alunos das escolas particulares

pretende ingressar em universidades federais, atualmente no existentes em Itabira.

Alguns entrevistados declararam que desejam cursar o 3. Grau, fazendo coisas no

relacionadas minerao e, outros, que pretendem sair de Itabira, pois no veem na cidade outra

opo a no ser trabalhar na Cia. Vale. E alguns explicitaram que no querem isso.

Os pontos identificados quanto expectativa a expanso da empresa no municpio e a

questo ambiental tambm foram relatados como falta de informaes sobre essas decises da

empresa. Os discursos levam ao no entendimento e falta de perspectiva de crescimento da

empresa no municpio, bem como ao desconhecimento quanto ao planejamento de longo prazo da

organizao, retratado como no discutido pela empresa com a comunidade, o que d margem a

expectativas, a ansiedade e, at mesmo, a especulaes sobre a possvel expanso, ou no, da

empresa e sobre as possveis reas que possuem jazidas. Para Mendona & Andrade (2003) e

Carrieri, Almeida & Fonseca (2004), o papel da comunicao na construo da imagem

organizacional determinante pela sua capacidade de construir significados.

No foram investigados os meios de comunicao da empresa. Por isso, no possvel avaliar

a influncia da metodologia de comunicao realizada pela empresa, na comunidade, para se

concluir se os canais esto sendo bem utilizados ou no. Porm, a falta de aproximao da empresa

com esse pblico percebida pelos pesquisados.

Alguns atributos identificados na pesquisa permitiram a associao com o conceito do poder

simblico, de Pierre Bourdieu, possibilitando responder ao sexto objetivo deste trabalho. O

simblico um tipo de poder que se faz reconhecer e obter o reconhecimento, e cuja eficcia no se

exerce no plano da fora fsica, mas, sim, no plano do sentido e do conhecimento. A fora da

imagem de uma organizao est diretamente relacionada com a coerncia de suas aes, discurso

e atos, fazendo-se necessrio o gerenciamento dessa relao, na busca do reconhecimento perante

seus diversos pblicos.

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Segundo Bourdieu (2006), o poder simblico um poder de construo da realidade pelos

sujeitos, que tendem a estabelecer um sentido imediato do mundo. Na Modernidade, o capital

ganha fora e altera as relaes interpessoais no espao social, trazendo a reflexo sobre a criao

de um outro espao, um espao ideal e evasivo ou disciplinador, que nos transporte para o mundo

ideal, como Plato diria ser (Trindade &Annbal, 2006).

A relao com o mundo social no de causalidade mecnica, que se estabelece

frequentemente entre a conscincia e o meio, mas uma espcie de cumplicidade ontolgica, a qual

explica que, quando a histria que frequenta o habitat e o habitus a mesma, a histria que se

comunica, de certo modo, com ela prpria (Bourdieu, 2006, p. 83).

Diante disso, observa-se, nos discursos, a dependncia da cidade em relao empresa.

Trata-se de um poder exercido pela empresa sobre a comunidade e o Poder Pblico de Itabira. Isso

remete teoria do poder simblico, de Bourdieu, em que h o conceito de campo, como se percebe

na fala dos jovens entrevistados. Os sujeitos atuam no sentido de aumentar e manter o habitus.

O campo constitudo por embates entre indivduos e grupos, que determinam as posies, e

o conjunto de posies determina o habitus. Os agentes que possuem menos capital, inversamente,

tendem a adotar estratgias de subverso e rompimento, dentro de certos limites (Bourdieu, 2006).

Na pesquisa, pode-se identificar, em todos os discursos, o poder do campo Vale sobre a cidade e a

submisso desta, mesmo que inconsciente, empresa, alm de lutas constantes entre elas.

Foram identificados trs campos nesta pesquisa: Vale, Itabira urbana e Itabira rural. Para

Bourdieu (1983), trata-se de espaos estruturados de postos cujas propriedades dependem das

posies nestes espaos, onde ocorrem lutas constantes pelo poder e a uniformizao de regras.

Segundo Thiry-Cherques (2006), a dinmica social no interior de cada campo o campo

delimitado pelos valores ou formas de capital que lhe do sustentao regida por lutas em que

os agentes procuram manter ou modificar as relaes de fora e a distribuio das formas de capital

especfico. Nessas lutas, so levadas a efeito estratgias no conscientes, que se fundamentam no

habitus individual e dos grupos em conflito. O campo constitudo por embates entre indivduos e

grupos que determinam as posies e o conjunto de posies determina o habitus.

Bourdieu expe os instrumentos simblicos como formas de dominao que representam os

interesses de um grupo dominante, no sentido de incutir um sistema de valores legitimado

socialmente, por meio de processos ideolgicos (Jatahi, 2004). Para os entrevistados, nos campos

(Itabira, Vale) existe a disputa constante entre os indivduos pelo poder, normalmente sendo feita

de forma explcita. Nos discursos dos entrevistados, podem-se destacar alguns trechos que

demonstram a percepo dessa relao Itabira e Vale, nessa temtica: Eles fazem muitos acordos

com a Prefeitura, mas a gente nunca fica sabendo. (Escola Estadual Maricas Magalhes 1 ano);

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Itabira est crescendo praticamente agora, porque a Vale no deixava Itabira crescer. (Escola

Estadual Maricas Magalhes 3 ano), Quem trabalha na Vale, na rea do comrcio, tem

tratamento diferenciado. (Escola Estadual Maricas Magalhes 3 ano), A Cia. Vale no quer

nada com Itabira. S quer retirar o minrio daqui de Itabira (CESEC 1 ano).

Apesar de alguns entrevistados explicitarem essa dependncia da cidade em relao

empresa, Bourdieu (2006) explica que, muitas vezes, existe um poder que legitimado, porm no

explicitado e, muitas vezes, feito de forma sutil, porm forte. No caso da cidade de Itabira,

algumas pessoas reconhecem essa ao e a colocam como legtima, expondo a dependncia da

cidade em relao empresa e sua submisso, seja por meio da dependncia das aes que ela

realiza no municpio, seja pelo interesse na explorao da cidade, seja pela dependncia econmica

da cidade em relao empresa. Algumas vezes, a dependncia benfica, pois a cidade no possui

alternativas fora da empresa.

Alm disso, a influncia da empresa sobre o campo Itabira rural menor do que sobre o

campo Itabira urbana. A Itabira urbana possui mais conhecimento das aes e da atuao da

empresa no municpio do que o campo Itabira rural. Apesar do discurso da empresa e das aes que

possui na zona rural, o desconhecimento delas foi patente nos discursos, inclusive quando a

pergunta era Vocs esperam alguma coisa da Cia. Vale aps concluir o Ensino Mdio?. Os

entrevistados considerados indiferentes foram aqueles que manifestaram que no conheciam nada a

respeito da Cia. Vale. Se no conhecem a respeito, no desejam.

Nos discursos, as expresses l e aqui fora so referncias constantes nos discursos dos

entrevistados, que constituem a diferena bsica de ns (cidados e no empregados da Cia. Vale) e

eles (empregados da Cia. Vale). Como se construsse uma linha imaginria, dividindo

espacialmente os dois campos, ora estruturantes, ora estruturados.

Foram considerados nesta pesquisa, como tipos de simbolismo organizacional, segundo

Wood Jr. (2001), os seguintes smbolos organizacionais: slogans, marcas e uniformes como um

item de diferenciao entre os empregados da Cia. Vale e a comunidade de Itabira.

O uniforme, pela percepo dos entrevistados, d poder ao empregado da empresa, poder que

ele utiliza no campo Itabira urbana, instigando, nos sujeitos da Itabira urbana (no empregados da

empresa), o desejo de possu-lo. O poder simblico um poder de construo da realidade pelos

sujeitos, que tendem a estabelecer um sentido imediato do mundo. Segundo Zanelli & Fernandes

(2006), alguns autores veem a identidade organizacional como algo esttico e, outros, como algo

adaptativo, que depende da interpretao dos indivduos em relao s crenas e aos valores

essenciais na organizao.

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O processo de construo de identidade dos indivduos, na organizao, acontece de maneira

natural. Inicia-se quando o indivduo ingressa na organizao e, com o passar do tempo, prossegue

com as diretrizes que lhes so atribudas e que passam a ser incorporadas por ele. (Zanelli &

Fernandes, 2006). O uniforme traz status e d aos empregados condies diferenciadas no campo

Itabira urbana, em festas e nos prprios comrcios integrantes desse campo.

Na escola Sebrae, os alunos do 1 ano relataram a mudana do nome da empresa: antes,

Companhia Vale do Rio Doce; e agora, apenas Vale. Citaram: Ela mudou a marca, o nome, e agora

s Vale. boa a mudana, porque ela chamava Cia. Vale do Rio Doce e todo mundo s fala Vale,

Vale, Ningum falava o nome todo. Acho que s diminuiu. Agora ela verde e amarela; Eu

gostei da marca, porque colorida, mais alegre; Acho que vai ficar todo mundo vestido de

verde e amarelo. Vai ficar legal.

Torquato (2003) cita, como uma das funes da imagem organizacional, a imagem por meio

do nome, que exerce extraordinrio poder e influi decisivamente na imagem. Dependendo do nome

que se d ou que se leva, as chances de sucesso so maiores, as vendas se realizam e a comunicao

se estabelece ou vice-versa. Portanto, torna-se imperativo o planejamento de aes voltadas para a

preservao dos valores que as organizaes consideram fundamentais para a sua sobrevivncia

equilibrada.

Alguns aspectos simblicos foram identificados, como o uso do uniforme, relatado, durante

os discursos, como uma referncia no municpio e como um diferencial na relao funcionrios e

comrcio, em Itabira: Tem muita gente que trabalha na Cia. Vale que usa uniforme para mostrar.

(Escola Estadual Marciana Magalhes 3 ano); Tem gente que nem trabalha l e que pega o

uniforme emprestado para usar. (Escola Estadual Marciana Magalhes 3 ano); Usam o

uniforme para mostrar. Se sentem melhor com o uniforme da Cia. Vale. Se acham o melhor. A

maioria faz isso. A maioria novata. Vestem uniforme da Cia. Vale e ficam se achando. (Escola

Estadual Marciana Magalhes 3 ano); Se tem show na cidade, tem empregado com uniforme

da Cia. Vale. Voc vai festa e tem gente com uniforme da Cia. Vale. (Escola Estadual Marciana

Magalhes 3 ano); As meninas acham os homens com uniforme da Cia. Vale o mximo! Manto

Sagrado o apelido do uniforme da Cia. Vale. (Escola Estadual Marciana Magalhes 3 ano);

Tem tambm um receio, porque os empregados tm medo de perder o emprego. No acontece

porque as pessoas tem muito receio, no participariam porque depende dela. De alguma forma,

tambm uma coisa ruim para empresa tambm. (CNSD 1 ano).

O Pico do Cau foi, inicialmente, visto como um marco da cidade, um habitus estruturado

dos cidados itabiranos. Com a explorao e, consequentemente, a extino do pico, ele passa a ser

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habitus estruturante visvel, uma vez que passa a ser o foco, nas mentes dos cidados, de algo

perdido por causa da empresa Vale.

Em um grupo de entrevistados de uma escola pblica da zona urbana, foi identificado que a

cidade possui um alto ndice de suicdio e que o minrio influencia, de alguma forma, nesse ndice.

A explanao do entrevistado, de que o minrio influencia nesse ndice, remete tendncia a

atribuir empresa pesquisada responsabilidade sobre o nmero de suicdios, pois, quando

solicitado aos entrevistados Se fosse resumir a empresa em uma palavra, qual seria, a palavra

minrio aparece em muitas declaraes.

Na sociedade, algumas ideias so padronizadas sobre as pessoas, os comportamentos, os

valores e as crenas, constituindo esteretipos culturais, responsveis por muitos fenmenos

sociais no mundo. Da, torna-se imprescindvel a tentativa de conhecimento da cultura, que

engloba os valores, as crenas e os comportamentos de uma determinada sociedade ou

organizao.

Mendona & Andrade (2003) explicam que a organizao, inserida em um espao social

amplo, tem que lidar com padres socioculturais. A necessidade de participao dos eventos,

muitas vezes privativos para os funcionrios, instiga no campo Itabira urbana o desejo de fazer

parte. Um discurso que identificou essa afirmativa foi o de um grupo do 3o ano, de uma escola

particular da zona urbana: Eu j fui festa da Cia. Vale... Eu entrei no porta-malas do carro...

Entrar assim....

A relao entre os moradores da cidade, que no trabalham na Vale, e os empregados da Cia.

Vale, caracteriza a existncia dos campos, uma vez que, dentro dos campos, os agentes se

autoclassificam, eles mesmos se expem classificao ao escolherem, em conformidade com seus

gostos, diferentes atributos (Bourdieu, 2004, p. 159).

Rodrigues (1997) ensina que a identidade dos indivduos construda a partir de sua

interao com o meio social e sua experincia adquirida ao longo da sua existncia. A assimilao

varia de acordo com a importncia relativa das experincias de interao, para a construo ou

afirmao da autopercepo. A identidade est, frequentemente, sendo influenciada pela cultura e

pelo ambiente.

Minayo (2004, p. 400) ressalta que se estabelece uma relao simblica entre a Vale e a

cidade de Itabira, como uma dvida social da cidade para com a empresa, que obriga ao

agradecimento, que tem o poder de manter e reproduzir a dependncia, como uma representao

ilusria da realidade, na verdade, o que a empresa d cidade apenas uma migalha do que a

cidade d empresa, em termos de expropriao de seus recursos naturais no renovveis e da

produo dos trabalhadores.

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Essa perda, apesar de estar explcita nos discursos dos jovens, pode ter uma conotao

positiva, ao mesmo tempo, no sentido de a explorao ser necessria por trazer algo construtivo

para a cidade, quanto ao reconhecimento da cidade e s aes nela realizadas pela empresa. Tais

aes, muitas vezes, suprem a carncia da atuao do Poder Pblico, que possui uma das maiores

arrecadaes em impostos, de Minas Gerais, principalmente de royalties oriundos da minerao.

Para Bourdieu (2006), as representaes do mundo social, que atribuem valores ao espao e

aos habitantes da cidade, no neutra ou puramente objetiva, mas implica atribuies de sentidos,

em consonncia com relaes sociais e de poder. Bourdieu (1984) salienta que os indivduos ou

agentes e grupos dominantes tendem a propor uma cultura dominante, de modo a reproduzir o

habitus das desigualdades sociais nas maneiras de expressar. A existncia do habitus , ao mesmo

tempo, condio de existncia de um determinado campo e produto de seu funcionamento dentro

de uma estrutura especfica.

Se o habitus no destino, e sim uma noo que auxilia o sujeito a pensar as caractersticas de

uma identidade social, de uma experincia biogrfica, um sistema de orientao ora consciente, ora

inconsciente, o habitus trabalha como o princpio no escolhido de todas as escolhas, uma vez que

simultaneamente estruturado (no social) e estruturante (nas mentes), adquirido nas e pelas

experincias prticas (em condies sociais especficas de existncia), constantemente orientado

para funes e aes do agir cotidiano (Bourdieu, 2006). As representaes so elaboradas a partir

de um campo estruturado; a objetivao essencialmente uma operao formadora de imagens, o

processo atravs do qual noes abstratas so transformadas em algo concreto (Spink, 1993, p.

306).

Pode-se enfatizar, como um dos principais aspectos de smbolos organizacionais (slogans,

uniformes, marcas), o smbolo uniforme, como status principal na diferenciao dos empregados

externamente empresa.

7 Consideraes Finais

A literatura pesquisada possibilitou a construo deste trabalho e permitiu responder a

pergunta desta pesquisa, sobre a imagem organizacional da Cia. Vale, em Itabira, na percepo dos

jovens.

A reflexo sobre a pergunta inicial do trabalho levou procura de respostas s questes

propostas como objetivos especficos neste trabalho. Para Motta (1991), as pessoas criam

expectativas em relao s organizaes, principalmente as grandes organizaes. Elas se projetam

nelas e criam, normalmente, uma organizao imaginria. Muitas vezes, a organizao amada e

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odiada a um s tempo. O indivduo torna-se dependente da organizao e cria no somente a

dependncia material, como tambm uma identidade com a mesma. Isso impacta diretamente a

imagem organizacional, que oscila de acordo com essa relao.

Os resultados mostraram que, de uma forma geral, a imagem, percebida pelos jovens

itabiranos das escolas pblicas e particulares, das zonas urbana e rural, de 1. e 3. anos do Ensino

Mdio, regular, uma vez que foram identificados 32 atributos, sendo 20 externos e 12 internos,

50% sendo positivos e 50% negativos. Os principais aspectos desfavorveis da relao empresa e

comunidade e que influenciam negativamente a formao da imagem da empresa, na percepo dos

entrevistados, foram o impacto ambiental e o no investimento da empresa na cidade, na mesma

proporo do lucro que tem com os minerais extrados no municpio. Como aspectos favorveis da

relao da empresa com a cidade, em todas as escolas, apareceram dois principais temas: a

empregabilidade da comunidade itabirana na Vale e os benefcios da empresa oferecidos para os

empregados.

Quanto s expectativas dos jovens em relao empresa, a maioria no quer trabalhar nela.

Entre os que querem, a maior parte de alunos das escolas pblicas. Na entrevista realizada em

uma escola particular, foi identificado o discurso de que, atualmente, os jovens no querem mais

trabalhar na empresa, e que aqueles que o desejam por no possurem perspectiva de sarem da

cidade ou por no terem outra opo a no ser trabalhar na Vale, at mesmo para ter oportunidade

para estudar, pois a empresa paga uma parcela dos cursos de graduao.

Uma informao apontada por todas as pessoas a dvida sobre a confiana das informaes

que circulam na comunidade em relao empresa, o que muitas vezes ocorre sob a forma de

boatos no confiveis. Sendo o boato um dos principais meios de veiculao de informaes sobre a

empresa, no municpio, na percepo dos jovens, a causa disso a falta de um canal especfico para

informar esse pblico, ainda que a empresa possua uma das minas a cu aberto, prxima da

comunidade onde atua, com vrios bairros limitando com as atividades da mineradora.

Chega-se, ento, a Pierre Bourdieu, que traz, em sua reflexo sobre o poder simblico, o

conceito de campo. Aqui, foram encontrados e trabalhados trs campos: Itabira Rural, Itabira

Urbana e Vale, alm do conceito de habitus. Trata-se de noes que auxiliam o sujeito a pensar

sobre as caractersticas de uma identidade social em um sistema de orientao ora consciente, ora

inconsciente, ora estruturante, ora estruturado. A dependncia da cidade em relao empresa foi

um dos aspectos encontrados nesta pesquisa.

O simbolismo presente no conceito de campo, podendo esse ser entendido como a

organizao ou a prpria comunidade, permite entender os relacionamentos entre o que

intrnseco e o que extrnseco, cumprindo funes sociais externas, especialmente, de legitimao

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de uma ordem social, pelo simples fato de obedecer a uma lgica prpria. O conceito sistematizado

por Bourdieu tambm subordinou determinadas esferas da comunicao (o discurso, a linguagem e

as mdias) s condies de existncia relacionadas a outras esferas da ao (poltica, economia e

cultura), alm do poder e dominao existente em um determinado campo social.

Para Bourdieu (1993), todos os sujeitos que esto inseridos num determinado campo

possuem alguns interesses comuns, dentre eles a existncia do prprio campo. A luta entre esses

indivduos antagnicos pressupe um acordo sobre o objeto de disputa e produz a crena no valor

dessa disputa. Quando se pretende testar o campo, com intuito de encontrar os habitus e as leis

sociais que regem um campo.

A dependncia da cidade em relao empresa seja por meio da dependncia das aes que

ela realizada no municpio, seja pelo interesse na explorao da cidade, algumas vezes, trata-se de

uma dependncia benfica, pois, para os jovens, a cidade no possui alternativas fora da empresa.

Alm disso, o uniforme traz status e d aos empregados condies diferenciadas no campo

Itabira urbana, em festas e nos prprios comrcios desse campo. O uniforme, pela percepo dos

entrevistados, d poder ao empregado da empresa. Tal poder, que ele utiliza no campo Itabira

urbana, instiga nos sujeitos da Itabira urbana (no empregados da empresa) o desejo de possuir

esse poder e fazer parte do campo Vale. O poder simblico um poder de construo da realidade

pelos sujeitos, que tendem a estabelecer um sentido imediato do mundo.

Uma das limitaes identificadas na metodologia utilizada liga-se ao fato de no ser possvel

fazer generalizao para a unidade de anlise (e no h esse propsito). Essa limitao inerente s

pesquisas qualitativas, que no tm o cunho de generalizao estatstica. Portanto, no foram

entrevistados todos os estudantes, tanto pelo grande universo da pesquisa quanto por no haver a

inteno de generalizao.

Outra limitao refere-se utilizao da metodologia de coleta de dados por meio de grupo

de foco. Este mtodo possui alguns pontos fracos, conforme destacam Leito & Vergueiro (1999):

ele no baseado em colocaes naturais; o grupo de foco no atinge o potencial dos grupos de

pesquisas individuais, e certas posies de alguns indivduos podem distorcer o estudo. Assim, Dias

(2000) cita que alguns participantes podem se sentir constrangidos na presena de outras pessoas,

e pode ocorrer contaminao das respostas pelos outros participantes. Atualmente, porm, uma

das tcnicas mais utilizadas para coleta de dados em grupo.

Como sugesto para pesquisas futuras, fica a orientao de realizao de um trabalho que

inclua itens para anlise, por bairro, em Itabira, contemplando a anlise por regio, o que foi

possvel neste trabalho, pois a unidade de anlise foi por escola, ano escolar (1 e 3 anos), escolas

pblicas e privadas. No decorrer da anlise, verificou-se que a localizao da residncia do

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entrevistado ou da escola exerce algum tipo de interferncia no resultado, uma vez que, em vrios

discursos, evidenciou-se que bairros mais prximos empresa tendem a ter uma interao maior

com a mesma. A ideia central dessa sugesto que seja identificada a imagem organizacional da

Cia. Vale, em Itabira, luz do poder simblico de Pierre Bourdieu, que procure responder as

seguintes questes: a) A localizao geogrfica das escolas pesquisadas interfere nos resultados?; b)

A localizao das residncias dos entrevistados interfere nos resultados?; c) A proximidade ou no

das escolas em relao empresa interfere nos resultados?

Como outra sugesto para pesquisas futuras, fica a orientao para a seleo dos jovens que

no esto em escolas e, at mesmo, de jovens do Ensino Fundamental e crianas de 7 a 10 anos,

para conhecer a percepo de uma nova gerao que estar no mercado daqui a 8 ou 10 anos.

Podem ser exploradas as questes: a) Existem aes sociais da empresa direcionadas para

crianas?; b) Essas aes levam informaes sobre o processo da minerao de forma a refletir na

percepo das crianas sobre a empresa?; c) Qual a percepo dos jovens, que no esto em escolas,

sobre a imagem organizacional da Cia. Vale, em Itabira?; d) Quais as expectativas desses jovens em

relao empresa?; e) Existem aes sociais da empresa direcionadas para os jovens que esto fora

das escolas?

Tambm pode ser explorado, especificamente, o tema suicdio em Itabira, tendo como

unidade de observao o pblico jovem, uma vez que a cidade possui um dos ndices mais altos do

Estado, com muitos jovens includos nessa estatstica. Essa sugesto surge para que seja

investigada uma possvel a relao entre a atuao da empresa, ou de processo de comunicao,

com o ndice de suicdio no municpio.

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Fabiana Aparecida Santos Clemente & Ester Eliane Jeunon

Profa. Dra. Ester Eliane Jeunon Possui graduao em Psicologia pela Faculdade de Cincias Humanas da Fundao Mineira e Educao - FUMEC (1984), mestrado em Administrao pela FACE/Universidade Federal de Minas Gerais (1997) e doutorado em Psicologia pela Universidade de Braslia - UNB (200). Atualmente professor da Fundao Pedro Leopoldo e professor adjunto III da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais - PUCMinas. Tem experincia na rea de Administrao, com nfase em Marketing, atuando principalmente nos seguintes temas: comportamento do consumidor, comportamento econmico, valores e relao organizaes (privadas, pblicas e no governamentais) e mercado. Contato: [email protected] CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/1416021208462821

Profa. Ms. Fabiane Aparecida Santos Clemente Doutoranda em Educao pela Universidad de la Empresa (UDE-Uruguai), mestre em Administrao de Empresas (Faculdade Novos Horizontes-2006), ps graduada em Docncia do Ensino Distncia (ESAB-2009), ps graduada em Gesto Estratgica, Inovao e Conhecimento (ESAB-2012), graduada em Administrao (Funcesi-2005). Tem experincia de 10 anos como profissional na rea industrial (analista ambiental/administrativo) especificamente com gesto ambiental/qualidade, custos e oramentos (minerao). Possui experincia como docente em curso superior (Administrao) e Tcnico (Administrao e Meio Ambiente). Atuou como coordenadora do Curso de Graduao em Administrao e como supervisora de estgio, alm de tutora presencial do curso a distncia de Tecnlogo de Recursos Humanos. Contato: [email protected] CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/9747085174436234