apropriaÇÃo de valores simbÓlicos em discursos … · é a relação da marca com o contexto...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-graduação em Comunicação Social – Interações Midiáticas
APROPRIAÇÃO DE VALORES SIMBÓLICOS EM DISCURSOS DE
MARCA: um estudo sobre a Casa Fiat de Cultura.
Hérica Luzia Maimoni
Belo Horizonte
2011
Hérica Luzia Maimoni
APROPRIAÇÃO DE VALORES SIMBÓLICOS EM DISCURSOS DE
MARCA: um estudo sobre a Casa Fiat de Cultura.
Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação da Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de mestre em comunicação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ivone de Lourdes Oliveira
Belo Horizonte
2011
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Maimoni, Hérica Luzia
M223a Apropriação de valores simbólicos em discursos de marca: um estudo sobre a
Casa Fiat de Cultura / Hérica Luzia Maimoni. Belo Horizonte, 2011.
154f. : il.
Orientador: Ivone de Lourdes Oliveira
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.
1. Comunicação nas organizações. 2. Análise do discurso. 3. Simbolismo. I.
Oliveira, Ivone de Lourdes. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.
CDU: 658.012.45
Hérica Luzia Maimoni
Apropriação de valores simbólicos em discursos de marca: um estudo sobre a
Casa Fiat de Cultura.
Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação da Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de mestre em comunicação.
___________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Ivone de Lourdes Oliveira (Orientadora) – PUC MINAS
___________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Luciana de Oliveira - UFMG
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Júlio César Machado Pinto – PUC MINAS
Belo Horizonte, 2011.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar este trabalho jamais seria possível sem a força espiritual
que vem de Deus, a quem agradeço por ser a base da minha fé, fonte inspiradora
para a realização dos meus sonhos.
Agradeço especialmente aos meus pais, Francisco e Maria, exemplos de vida
e de conduta, que sempre me inspiraram a ser uma pessoa melhor. A vocês meu
amor, admiração, respeito e gratidão. Ao meu irmão Henrique, companheiro de
profissão, de brincadeiras, de vida, obrigado por sua presença! À querida Vó Siflor,
que muito me ensinou por meio da sua simplicidade. Mesmo não estando mais
presente, deixo minha homenagem aos queridos tia Maurinha, avôs José e Braz e
avós Mariana e Luzia. A lembrança destas pessoas especiais foi essencial para a
minha formação. Enfim, a toda a minha família, tios, primos, afilhados, por cada
sorriso compartilhado, apoio e convívio.
Aos queridos professores do Mestrado da PUC Minas, por mostrarem sempre
novas possibilidades de perceber o mundo e aos colegas do grupo de pesquisa
―Comunicação no contexto organizacional: aspectos teórico-conceituais (PUC Minas
/CNPQ)‖, pelas longas conversas e discussões que tanto enriqueceram meu
processo de aprendizagem. Em especial agradeço à Adelina pela oportunidade de
lecionar a minha primeira aula.
Agradeço também ao professor José Coelho de Andrade Albino, por quem
tenho grande respeito e por me incentivar a cursar o Mestrado, ao professor Júlio
Pinto por sua disposição, por sempre compartilhar sua sabedoria, ao professor Mario
Viggiano pelo apoio e correção do meu abstract, à Gisele e Isana pelo carinho e
disposição em atender, aos colegas de Mestrado pela convivência.
Ao Grupo Fiat, em especial à gestora de Cultura da Casa Fiat de Cultura: Ana
Vilela, por acolher este projeto, pela abertura do espaço e fornecimento de todo
material disponibilizado. A observação da prática organizacional desta empresa
possibilitou construir reflexões relevantes sobre os processos de comunicação e as
relações sociais.
Aos amigos queridos que sempre estiveram comigo, incentivando e torcendo
para que tudo corresse da melhor maneira, companheiros que me querem bem em
todos os momentos: Arê, Erika, Sirlene, Rê, Lú, Deza, Ana, a pequena Duda e
tantos outros que acompanharam a minha trajetória.
A minha tão compreensiva e carinhosa orientadora Ivone de Lourdes Oliveira,
Doutora em comunicação, em respeito, amizade e tantas outras virtudes. Obrigado
por entender o meu momento e por ter contribuído tantas vezes para o meu
crescimento. As nossas orientações foram conversas que extrapolaram o tema
proposto e que me ensinaram que um título somente não faz de alguém um bom
educador. Você é especial porque faz questão de tratar os que estão a sua volta de
forma especial. A você meu eterno respeito e agradecimento!
Ao Wellington, meu amigo, companheiro, meu grande amor. Há onze anos
que sonhamos e comemoramos juntos cada conquista. Obrigado por compreender
todas as emoções que se passaram até este momento, por entender a minha
ausência. O seu amor me ajudou a ultrapassar obstáculos. Ter você ao meu lado fez
que todo esforço valesse a pena.
Enfim, a todos os autores que inspiraram essa dissertação com suas teorias,
às pessoas que se disponibilizaram a responder minha pesquisa acadêmica e a
todos que durante esta trajetória contribuíram de alguma maneira para que este
trabalho fosse concluído. No fim, aprendi que Charles Chaplin é quem tinha razão:
―O tempo é o melhor autor: sempre encontra um final perfeito para todas as coisas‖.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver
apesar de todos os desafios,
incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas
e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si,
mas ser capaz de encontrar um oásis
no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um “não”.
É ter segurança para receber uma crítica,
mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou
construir um castelo ...
Fernando Pessoa - Felicidade
RESUMO
Ao estudar um contexto organizacional privado – a Casa Fiat de Cultura -, pretende-
se compreender como ocorre a apropriação de valores simbólicos em estratégias de
marca. Neste processo, a marca é percebida como ato discursivo, utilizada pela
organização para interagir com seus interlocutores. Parte-se da perspectiva de que
ela tornou-se um fenômeno social que extrapola as trocas comerciais, pois carrega
uma carga simbólica significativa. Percebe-se que a marca tornou-se uma
importante forma discursiva das organizações na contemporaneidade, uma vez que
atua na construção de realidades imaginárias, que ativam anseios e modos de vida
de uma sociedade. A sua capacidade de gerar mundos possíveis oferece, aos que
se relacionam com ela, simulacros que funcionam como estímulos para a construção
de identidades. Desta maneira, a primeira reflexão desenvolvida é sobre a evolução
da marca na sociedade, a forma como ela amplia sua presença na vida dos
indivíduos e as implicações deste processo. Para tal, busca-se elaborar uma
retrospectiva histórica sobre a evolução recente das marcas nas sociedades
industrializadas, para compreender porque passaram de um símbolo ligado ao
comércio a um fenômeno social de amplas proporções. Outra questão desenvolvida
é a relação da marca com o contexto organizacional, principalmente no âmbito
privado, uma vez que as empresas não hesitaram em investir em mecanismos que
excedessem a realidade objetiva de seus produtos e serviços. Após a discussão
deste processo e dos conceitos relacionados à palavra marca, investiu-se em refletir
sobre o seu potencial simbólico. Sob este aspecto, a discussão gira em torno do
quanto o caráter simbólico é crescente no consumo de marcas, devido ao imaginário
proposto por elas. A seguir apresenta-se o objeto empírico, a metodologia proposta,
a análise dos dados e a apresentação dos resultados da pesquisa, que evidenciam
as especificidades do discurso simbólico da referida marca e como ela é percebida
pelos grupos que recebem tal enunciação.
PALAVRAS-CHAVE: Marca. Organizações. Discurso. Valores simbólicos.
ABSTRACT
By studying a private organizational context - Casa Fiat de Cultura - this dissertation
aimed to understand how the appropriation of symbolic values in branding strategies
occurs. In this process, brand is perceived as a discursive act, used by the
organization to interact with its interlocutors. It starts with the perspective that brand
became a social phenomenon that goes beyond commerce and has a significant
symbolic perception. It is noticed that it became an important discursive form in
contemporary organizations, as it acts in the structure of imaginary realities, which
activate yearnings and lifestyles of a society. Its ability to generate possible worlds
offers, to the ones who relate with it, simulacra that act as stimuli for the construction
of identities. This way, the first consideration developed is about the brand evolution
in society, how it expands its presence in individuals’ lives and the implications of this
process. For this, it was necessary to develop a historical retrospective on recent
brands development in industrial societies, to understand why they have been
transformed from a symbol linked to commerce to a social phenomenon of large
proportions. Another issue developed is the relationship between brands with
organizational context, mainly in the private one, as companies have not hesitated to
invest in mechanisms which exceeded the objective reality of their products and
services. After the discussion of this process and of concepts related to the word
brand, its symbolic potential was investigated. In this aspect, the discussion is about
the increase of the symbolic character in the consumption of brands, due to the
imaginary proposed by them. Finally it is shown the empirical object, the proposed
methodology, data analysis and the presentation of search results, showing the
specificities of brand symbolic discourse and how it is perceived by groups that
receive the enunciation.
KEY-WORDS: Brand. Organizations. Discourse. Symbolic values.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Modelo de interação comunicacional dialógica........................ 39
Figura 2: Campanha Louis Vuitton com Madonna.................................... 41
42
Figura 3: Campanha Louis Vuitton com Mikhail Gorbachev.................... 43
Figura 4: Identidade de marca..................................................................... 50
Figura 5: A marca é mais que um produto................................................. 51
Figura 6: Representação gráfica da marca Johnnie Walker..................... 58
Figura 7: Logomarca Petrobras................................................................... 59
Figura 8: Campanha da Benetton................................................................ 61
Figura 9: Marcas que invadem a paisagem urbana................................... 71
72
Figura 10: Empresas do Grupo FIAT S/A do Brasil..................................... 76
Figura 11: Relacionamento Fiat com os grupos de interesse.................... 78
Figura 12: Comunicação por atitude............................................................. 79
Figura 13: Objetivos do investimento em atitude........................................ 80
Figura 14: Raio X da Cultura no Brasil.......................................................... 81
Figura 15: Valores corporativos e atributos da marca................................ 82
Figura 16: Crescimento da Política Cultural Fiat......................................... 83
Figura 17: Casa Fiat de Cultura 1.................................................................. 85
Figura 18: Casa Fiat de Cultura 2.................................................................. 86
Figura 19: Casa Fiat de Cultura 3.................................................................. 86
Figura 20: Casa Fiat de Cultura 4.................................................................. 87
Figura 21: Casa Fiat de Cultura 5.................................................................. 88
Figura 22: Projeção do público da Casa Fiat de Cultura............................. 88
Figura 23: Arte Italiana do MASP 2006.......................................................... 89
Figura 24: Speed – A arte da velocidade 2007............................................. 89
Figura 25: Com que roupa eu vou – 2008..................................................... 90
Figura 26: Olhar viajante – 2008.................................................................... 90
Figura 27: Marc Chagall e Rodin – 2009....................................................... 91
Figura 28: Ciclo de Palestras Mutações – 2007 / 2010................................ 92
Figura 29: Roma – A potência do Império – 2011........................................ 93
Figura 30: O discurso de sustentabilidade Fiat........................................... 107
Figura 31: Grupo Fiat no Brasil – 2009......................................................... 110
Figura 32: Públicos do Grupo Fiat................................................................ 111
Figura 33: Grupo Fiat na vida de cada brasileiro......................................... 112
Figura 34: Ferramentas de Comunicação exemplo 1.................................. 114
Figura 35: Ferramentas de Comunicação exemplo 2.................................. 115
Figura 36: Ferramentas de Comunicação exemplo 3.................................. 116
Figura 37: Ferramentas de Comunicação exemplo 4.................................. 117
Figura 38: Ferramentas de Comunicação exemplo 5.................................. 117
Figura 39: Ferramentas de Comunicação exemplo 6.................................. 118
Figura 40: Ferramentas de Comunicação exemplo 7.................................. 119
Figura 41: Investimento cultural corporativo............................................... 122
Figura 42: Reconhecimento da marca Fiat................................................... 122
Figura 43: Gestão do relacionamento 1........................................................ 124
Figura 44: Gestão do relacionamento 2........................................................ 125
Figura 45: Gestão do relacionamento 3........................................................ 126
Figura 46: Gestão do relacionamento 4........................................................ 126
Figura 47: Gestão do relacionamento 5........................................................ 127
Figura 48: Objetivos da Casa Fiat de Cultura............................................... 128
Figura 49: Casa Fiat de Cultura e Fiat S/A do Brasil................................... 137
Figura 50: Logomarca Casa Fiat de Cultura e Fiat Automóveis................. 138
Figura 51: A experiência estética e cultural................................................. 141
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO……………………………………………………………………… 15
2 REFLEXÕES SOBRE AS MARCAS E AS ORGANIZAÇÕES....................... 18
2.1 O desenvolvimento das marcas e da sociedade de consumo.................. 20
2.2 A marca e o contexto das organizações..................................................... 30
2.3 A marca como ato discursivo das organizações........................................ 37
3 O POTENCIAL SIMBÓLICO DA MARCA ORGANIZACIONAL.................... 45
3.1 Origem, conceitos e evolução das marcas................................................. 45
3.2 Branding, o processo de gestão das marcas............................................. 51
3.3 O papel simbólico das marcas..................................................................... 55
3.4 O processo de produção de sentido............................................................ 67
4 APRESENTAÇÃO DO OBJETO EMPÍRICO, DO CONCEITO DE
CULTURA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..................................
74
4.1 Breve histórico sobre o Grupo Fiat S/A do Brasil...................................... 74
4.2 Investimentos do Grupo Fiat S/A do Brasil em cultura e a criação do
espaço: Casa Fiat de Cultura........................................................................
82
4.3 Reflexões sobre o conceito de cultura........................................................ 94
4.4 Procedimentos metodológicos.................................................................... 97
5 O DISCURSO DA CASA FIAT DE CULTURA E A PRODUÇÃO DE
SENTIDOS A PARTIR DA INTERAÇÃO COM A MARCA.............................
105
5.1 O discurso da marca Casa Fiat de Cultura.................................................. 105
5.2 A produção de sentido a partir da interação com a marca........................ 120
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 143
REFERÊNCIAS............................................................................................... 147
APÊNDICE...................................................................................................... 154
15
1. INTRODUÇÃO
Faz parte do passado as estratégias de marca que investiam somente em
meios de comunicação como a TV, rádio ou jornais para a sua enunciação. A
realidade atual é mais complexa e está relacionada com grupos sociais que exigem
outras formas de relacionamento. Não há mais espaço para um discurso
unidirecional por parte das organizações. Percebe-se que o grande desafio colocado
para elas, na contemporaneidade, é envolver-se com seus grupos de interesse,
buscando a interação para legitimar os valores que são propostos.
Desta forma, esta pesquisa foi motivada pelo interesse em compreender
como uma organização - contexto de práticas discursivas que buscam a
significação de sentidos na recepção - interage com seus vários interlocutores e
utiliza-se da sua marca para tal. Vale ressaltar que estes interlocutores também
podem ser percebidos como agentes de práticas discursivas e são responsáveis
pelos sentidos atribuídos às ações comunicativas das organizações. Desta forma,
busca-se observar como a marca se constitui em ato discursivo, a partir do qual
sentidos são construídos.
Esta dissertação tem como objeto empírico a organização Casa Fiat de
Cultura, uma instituição mantida pelas empresas do Grupo Fiat S/A do Brasil,
inaugurada em 2006 e que aplica seus recursos em atividades culturais, artísticas e
educativas. Em seis anos de atuação, a Casa Fiat acumula um público de mais de
250 mil visitantes. Até o momento, foram oito grandes exposições de acervos de
museus e coleções do Brasil e da Europa e vários eventos ligados à produção
cultural como palestras, cursos e seminários.
A iniciativa de promover a cultura vem conquistando grande visibilidade e
atraindo um número cada vez maior de visitantes. Diante deste contexto, pretende-
se compreender como a partir de uma marca, uma organização privada se apropria
de um valor simbólico como a cultura, para buscar a interação com seus vários
grupos de interesse e perceber de que forma estes interlocutores constroem sentido.
Parte-se do pressuposto de que a marca é, entre outras definições possíveis,
um discurso que se constitui de forma particular. Desta forma, objetiva-se
compreender o modo como as organizações elaboram tal discurso e perceber o
16
sentido que é produzido pelos interlocutores. Outro aspecto é apontar o poder
simbólico das marcas e os meios pelos quais se dá a ação de sua simbolização.
A partir de uma empiria específica (que é a das organizações empresariais),
elege-se a marca como possibilidade para pensar os fenômenos que envolvam a
comunicação no contexto das organizações. A marca tem sido utilizada como um
discurso (permeado de questões simbólicas), que contribui para a formação de
sentido sobre as empresas. Ao estudar as marcas e a sua relação com o referido
contexto, propõe-se uma leitura que tenha sua fundamentação teórica no campo da
comunicação e, a partir desse olhar, dialogar com outros campos e entender a
organização e sua interação com a sociedade. Nesta perspectiva, o que se pretende
neste trabalho é compreender o discurso que parte das organizações e que é
projetado na marca, mas, também, a construção de sentido que se manifesta como
resposta dos interlocutores.
O primeiro capítulo é esta introdução, que apresenta a proposta do trabalho e
a forma como ele foi estruturado.
O segundo capítulo reflete sobre as marcas e as organizações. Esta
perspectiva diz respeito ao imaginário que é construído em torno de produtos e
serviços e que se projeta pelo discurso das marcas. Desta forma, apresentam-se
neste capítulo algumas reflexões para a compreensão da marca em sua condição de
discurso, a começar por demonstrar como ela evoluiu historicamente e seu potencial
significativo. Ao demonstrar a importância da marca no contexto das organizações,
buscam-se apontamentos que respondam por que elas, em especial as
empresariais, utilizam-se cada vez mais deste símbolo como ato discursivo e como
estratégia de interação com seus interlocutores.
No terceiro capítulo mostra-se uma reflexão sobre o potencial simbólico que
permeia as marcas, principalmente com relação aos sentidos que ela gera.
Desenvolve-se o conceito de marca, sua evolução histórica e sua relação com os
atores sociais e busca-se compreender o seu potencial simbólico e seu processo de
gestão, conhecido como branding.
No quarto capítulo apresenta-se o objeto empírico – Casa Fiat de Cultura –,
instituição cultural sem fins lucrativos, inaugurada por ocasião das comemorações
dos 30 anos da Fiat no Brasil. A partir do valor simbólico ―cultura‖, este espaço vem
promovendo um discurso que se estabelece como estratégia de relacionamento,
baseado em suas ações de marca. A Casa Fiat de Cultura tem conquistado
17
visibilidade, constatada pelo volume de mídias espontâneas sobre suas ações e pela
ampliação do número de pessoas que frequentam os eventos realizados. Segundo
dados da Casa Fiat de Cultura partiu-se de um público de 30 mil visitantes/ano em
2006 para 124 mil visitantes em 2009. A metodologia proposta para a pesquisa
empírica é o estudo de caso associado à teoria da análise de discurso de
Charaudeau (2006).
No capítulo 5 apresenta-se a análise dos dados, o estudo do discurso da
marca Casa Fiat de Cultura e a percepção dos interlocutores que se relacionam com
ela. Por meio da pesquisa qualitativa, aplicada pelo contato direto do entrevistador
com o público frequentador do espaço, objetivou-se perceber como estes constroem
sentido a partir do discurso da marca. A análise do discurso da empresa e dos
questionários que foram respondidos será utilizada para compreender a realidade
observada e o fenômeno da apropriação de valores simbólicos em discursos de
marca. Esta análise foi fundamental para a construção da síntese deste trabalho,
apresentada no capítulo 6, que assume o papel das considerações finais.
18
2 REFLEXÕES SOBRE AS MARCAS E AS ORGANIZAÇÕES
Para compreender realmente a lógica das marcas contemporâneas é preciso analisar não só a evolução dos mercados, mas a evolução das sociedades. (SEMPRINI, 2006, p.26).
Os estudos sobre os processos de comunicação no contexto das
organizações têm alcançado cada vez mais reconhecimento devido ao grande
número de pesquisas desenvolvidas e dada a importância que as organizações
conquistaram na contemporaneidade, seja no cenário político, econômico ou social.
A compreensão da comunicação neste contexto como simples divulgação de
mensagens vêm se modificando, graças à variedade de fluxos informacionais que
chegam e se movimentam por vários meios. ―O uso intenso de novas tecnologias
cria novos cenários e força as empresas a considerar não só as informações que
produzem, mas as dinâmicas de circulação e recepção delas‖ (OLIVEIRA, 2009,
p.79). Desta forma, as organizações deixam de ter a centralidade do processo
comunicativo e o foco passa a ser as ações interativas.
A globalização e a crescente articulação da sociedade em rede vêm redimensionando a interlocução e as formas de relacionamento das empresas com a sociedade. (...) As possibilidades de conexão criam novos cenários para elas, forçando-as a considerar não só as informações que produzem, mas também as dinâmicas de circulação. (...) Percebe-se aí a presença do mundo simbólico, ou seja, da significação, da circulação e produção de sentidos. (OLIVEIRA, 2009, p.80).
Na perspectiva do simbólico, da significação e da circulação e produção de
sentidos que se dão a partir do contexto organizacional, este trabalho elege a marca
como objeto de observação da prática comunicativa no ambiente empresarial –
―instituição privada em que a lógica definidora das relações é guiada pela produção
e consumo‖ (LIMA, 2009). Discute-se muito acerca da importância de se refletir
―sobre a forma como é percebida a marca de uma corporação e, consequentemente,
de seus produtos e serviços, pelos públicos (...) com os quais a empresa se
relaciona‖ (CARRIL, 2004, p.21). Daí a necessidade de dialogar com a sociedade,
para articular proposições, e assim, se legitimar.
19
Por isto, existir como organização e exercer poder de empresa implicam em mais do que produzir produtos ou serviços de maneira mais lucrativa possível. Implica (...) interpretar a si mesma e ao ambiente onde atua, apresentar credenciais de competência técnica, viabilidade econômica e responsabilidade social e conseguir a cooperação das pessoas, grupos e instituições dos quais depende a sobrevivência da organização. (HALLIDAY, 1987, p.12, 13).
Nota-se que estabelecer e manter um conjunto de ações e valores que sejam
assimilados de forma positiva tem sido uma tarefa desafiadora para as organizações
empresariais. A partir de suas marcas, elas buscam maior capacidade para produzir
suas argumentações e legitimidade ao comunicar-se, ―de maneira a construir com
palavras e outros símbolos uma realidade dentro da qual os outros vejam as coisas
como gostaríamos que eles as vissem‖ (HALLIDAY, 1987, p.9). A autora refere-se à
expansão simbólica das fronteiras organizacionais, quando elas buscam construir
por meio de símbolos (palavras, imagens, entre outros), um discurso em que se
indica ao outro, o que pretende comunicar/significar. Desta forma, observa-se como
a marca torna-se um elemento importante deste processo.
(...) o poder simbólico – presente em marcas – está na representação de um discurso, que é inculcado no receptor não pelos meios lógicos, mas pelos canais do emocional e da fixação das crenças, por meio da ação de simbolização. Daí, a comunicação encontrar hoje nos aspectos simbólicos sua base mais eficaz para a construção da imagem de marca forte e consistente. (CARRIL, 2004, p.23).
Diante desta realidade, este capítulo busca demonstrar o desenvolvimento da
marca nas sociedades industrializadas e o impacto desta transformação na relação
com seus grupos de interesse1. Para tal, apresentam-se reflexões essenciais para
demonstrar como ela evoluiu historicamente em seu potencial significativo e as
relações deste símbolo2 com os atores sociais3.
_____________________________ 1 Numa perspectiva da organização como espaço que promove a interlocução entre ela e os atores
sociais, buscando contemplar possíveis interações entre a organização e os grupos ligados a ela, considera-se como ―grupos de interesse‖ os vários interlocutores que se relacionam com ela: acionistas, trabalhadores, fornecedores, clientes, comunidades, governo, imprensa, concorrência etc. (OLIVEIRA, PAULA, 2008). Vale ressaltar que neste trabalho utilizaremos os dois termos: ―grupos de interesse‖ e ―interlocutores‖. 2
O símbolo em seu caráter representativo consiste em regras que irão determinar o seu interpretante, ou seja, um símbolo aponta para o seu significado (PINTO, 1995). 3 Consideram-se como atores sociais pessoas ou grupos que participam de um processo de
interação na sociedade e que, a partir destas relações, produzem sentido (OLIVEIRA, PAULA, 2008).
20
Neste capítulo trata-se também da utilização das marcas como estratégia de
relacionamento das organizações com seus interlocutores. Percebe-se que esta
questão está relacionada ao imaginário simbólico que é construído em torno de
produtos e serviços e é projetado nas ações estratégicas das organizações,
principalmente no âmbito empresarial.
Enfim, apresenta-se uma primeira reflexão sobre as marcas e as
organizações como uma contextualização para o tema proposto.
2.1 O desenvolvimento das marcas e da sociedade de consumo
Para compreender como a marca se estabelece como um ato discursivo é
preciso pensá-la em seu potencial significativo e refletir sobre a formação e evolução
da sociedade. Apresenta-se inicialmente a ―Sociedade de Consumo‖, um processo
que impactou a cultura contemporânea e que agiu diretamente sobre o papel das
marcas. A partir deste histórico é possível demonstrar a transição do consumo de
massa para o consumo emocional, simbólico e apontar as principais questões que
influenciaram a mudança do referencial de valor da marca.
Segundo Lipovetsky (2007, p.23) ―a expressão sociedade de consumo
aparece pela primeira vez nos anos 1920, populariza-se nos anos 1950-60, e seu
êxito permanece absoluto em nossos dias‖. O termo nos remete às transformações
sociais que repercutiram na contemporaneidade, mudanças que foram impactadas
pelos efeitos do consumismo4 e desencadeadas pelas implicações do processo de
Revolução Industrial5. Aponta também para as consequências advindas das ações
de consumo, que tendem a se tornar um dos principais fatores de interação das
relações humanas (BAUMAN, 2008). O autor refere-se à centralidade que o
consumo ocupa na configuração das relações sociais. Vale ressaltar que a relação
da marca com os atores sociais é anterior ao processo Industrial e à proliferação do
_____________________________ 4 O consumismo na visão de Bauman (2008) representa a aquisição supérflua de bens e a busca por
prazeres e satisfação de desejos individuais por meio da aquisição de produtos, um processo impactado, por exemplo, pelas campanhas publicitárias e ações de marca. 5 Movimento que surgiu no século XVIII e consistiu num conjunto de mudanças com profundo impacto
no processo produtivo de bens de consumo, se expandindo pelo mundo ao longo do século XIX. A mão de obra artesanal passou a ser substituída pela produção mecanicista, suplantando o trabalho humano e modificando as bases da economia e sociedade.
21
capitalismo no mundo. Como recorte, este capítulo elege como pontos de mudança
a Revolução Industrial e a proliferação do capitalismo, por serem processos que
impactaram fortemente as relações sociais e o papel da marca na sociedade.
Assim Lipovetsky (2007) propõe um esquema da evolução da sociedade de
consumo baseado em três momentos históricos: Fase I (1880-1945), Fase II (1950-
1980) e Fase III (a partir de 1980). A primeira fase refere-se ao nascimento dos
mercados de massa:
(...) constitui-se, no lugar dos pequenos mercados locais, os grandes mercados nacionais tornados possíveis pelas infra-estruturas modernas de transporte e de comunicação: estradas de ferro, telégrafo, telefone. Aumentando a regularidade, o volume e a velocidade dos transportes para as fábricas e para as cidades, as redes ferroviárias, em particular, permitiram o desenvolvimento do comércio em grande escala, o escoamento regular de quantidades maciças de produtos, a gestão dos fluxos de produtos de um estágio de produção a outro. (LIPOVETSKY, 2007, p. 26 e 27).
Os avanços tecnológicos que propiciaram o surgimento de novos processos
de produção e distribuição de mercadorias impactaram o desenvolvimento do
consumo, já que uma série de produtos tornou-se acessível a um número cada vez
maior de pessoas. Percebe-se, então, o começo da proliferação do consumo de
massa. Até o início dos anos 1880 a maioria das mercadorias eram anônimas e
vendidas em pequenas quantidades. Com o rápido crescimento da indústria, o foco
passou a ser a fabricação em larga escala, o que gerou um efeito de comoditização6.
Nota-se que o desenvolvimento industrial levou as mercadorias à saturação do seu
valor de uso, criando um processo em que se tornou mais difícil vender os produtos
do que fabricá-los. Este excesso de oferta e a proliferação de bens oferecidos no
mercado impactaram a promoção das mercadorias e o desenvolvimento de
estratégias de gestão, modificando-as. Investir nas marcas foi uma tentativa de
tornar os produtos e serviços mais desejáveis e distinguíveis. O mercado estava
inundado de produtos uniformes produzidos em massa, quase indistinguíveis uns
dos outros, ―a marca competitiva tornou-se uma necessidade da era da máquina –
_____________________________ 6 ―Comoditização deriva do termo commoditiy, que significa produto que não apresenta diferenciação,
como: chapas de aço, produtos químicos, papel, milho, feijão, entre outros. As transformações na relação entre o consumidor e as empresas devem-se, também, em razão do processo de comoditização de produtos e serviços, isto é, da oferta de produtos similares com preços e qualidade paritárias; custo-benefício equiparado. Nessa lógica, os produtos e serviços precisam consolidar sua marca para um consumidor cada vez mais exigente e crítico (CARRIL, 2004, p. 33, 34).
22
no contexto da uniformidade manufaturada‖ (KLEIN, 2003, p.30).
A Fase I ilustra um período em que os produtos padronizados e produzidos
em série passam a ter um nome atribuído pelo fabricante: a marca. Paralelamente e
por intermédio da publicidade e do marketing, o consumo passa a ser exaltado. Já a
Fase II surge como ―sociedade da abundância‖, marcada pelo crescimento
econômico e pelo surgimento de uma série de produtos que se tornaram
emblemáticos: ―automóvel, televisão, aparelhos eletrônicos. A época vê o nível de
consumo elevar-se, a estrutura de consumo modificar-se, a compra de bens
duráveis espalhar-se‖ (LIPOVETSKY, 2007, p. 32).
Após a II Guerra Mundial (um período que representou a reconstrução da
economia global), a sociedade dava mais valor ao conforto, a uma boa vida e o
consumo passa a ser oferecido como resposta a determinados anseios (CARRIL,
2004). A comunicação que girava em torno dos produtos passou a difundir valores
que ultrapassavam a realidade objetiva deles (LIPOVETSKY, 2007). Desta forma, a
publicidade e o marketing foram decisivos na construção simbólica do referencial de
valor das marcas:
A passagem do capitalismo industrial para seu estágio pós- industrial decorre de uma queda da ênfase na produção material em favor da imaterialidade das marcas e outros intangíveis. Mais uma vez os pilares publicidade e marketing entram em cena, buscando moldar de forma favorável a percepção da imagem através da qual uma marca venha a ser reconhecida e valorizada. Se antes vendiam-se coisas, atualmente vendem-se, sobretudo, imagens e modos de ser. (CASTRO, 2008, p.139).
―Marcas, não produtos!‖ Tornou-se o grito de guerra de um renascimento do marketing liderado por uma nova estirpe de empresas que se viam como ―agentes de significados‖, em vez de fabricantes de produtos. O que mudava era a idéia de o que – na publicidade e na gestão de marcas – estava sendo vendido. Segundo o velho paradigma, tudo que o marketing vendia era um produto. De acordo com um novo modelo, contudo, o produto sempre é secundário ao verdadeiro produto, a marca. (KLEIN, 2003, p.45).
Tanto Castro (2008) como Klein (2003) atestam que o papel da publicidade e
do marketing mudou em função da necessidade de criar atributos de valor que
diferenciassem as mercadorias e passou do fornecimento de informes sobre os
produtos e serviços para a construção de uma imagem em torno da marca do
produto.
23
Não foram somente a publicidade e o marketing que agiram sobre a
mudança nas relações de consumo. Marcado por um grande crescimento
econômico, o período entre 1950 e 1960 foi impulsionado pela ascensão da classe
média e a massa de jovens consumidores, fruto do baby boom7 do pós-guerra nos
EUA. Para Lipovetsky (2007) na Fase II, nasce uma nova sociedade guiada pelo
crescimento e a melhoria nas condições de vida.
Eis um tipo de sociedade que substituiu a coerção pela sedução, o dever pelo hedonismo, a poupança pelo dispêndio, a solenidade pelo humor, o recalque pela liberação, as promessas do futuro pelo presente. A fase II se mostra como ―sociedade do desejo‖, achando-se toda a cotidianidade impregnada de imaginário de felicidade consumidora, de sonhos de praia, de ludismo erótico, de modas ostensivamente jovens. Música rock, quadrinhos, pin-up, liberação sexual, fun morality, design modernista: o período heróico do consumo rejuvenesceu, exaltou, suavizou os signos da cultura cotidiana. Através de mitologias adolescentes, liberatórias e despreocupadas com o futuro, produziu-se uma profunda mutação cultural. (LIPOVETSKY, 2007, p. 34, 35).
Para o autor, nasce uma nova sociedade em que o crescimento, a melhoria
das condições de vida e os objetos guias do consumo se tornaram os critérios do
progresso.
É importante notar que o baby boom americano também impactou a mudança
nos modos de consumo. Nota-se que a Fase II representou a renovação dos
anseios de consumo impulsionados pelo gosto do público jovem. Esta fase propagou
ainda mais a necessidade de compra e a forma de vida estimulada por valores
materialistas. Baudrillard (1995) ressalta que surge uma sociedade que começa a
viver cada vez mais pelos objetos e bens materiais, onde a vida cotidiana se tornou
o lugar do consumo. Este modo de vida conduzido pelos valores materialistas foi
chamado por Lipovetsky (2004) de ―sociedade do hiperconsumo‖, um período que
começa a surgir por volta dos anos 1970, época em que o mercado se impõe e o
consumo passa a atingir níveis de hipertrofia.
____________________________ 7 Com a volta dos soldados da Segunda Guerra Mundial, nasceram muitas crianças, o que gerou
oportunidades de consumo para vários produtos: fraldas, alimentos infantis, medicamentos, roupas, entre outros. Esse aumento na população também impactou o mercado dos próximos anos, uma vez que esta população de crianças se tornou adolescentes e jovens ávidos por consumir produtos como: roupas, comidas, inovações tecnológicas, entretenimento, etc. (COBRA, 2006).
24
Já faz tempo que a sociedade de consumo se exibe sob o signo do excesso, da profusão de mercadorias. Até os comportamentos individuais são pegos na engrenagem do extremo, do que são prova o frenesi consumista, o doping, os esportes radicais, os assassinos em série, as bulimias e anorexias, a obesidade, as compulsões e vícios. (...) A escalada paroxística do ―sempre mais‖ se imiscui em todas as esferas do conjunto coletivo. (LIPOVETSKY, 2004, p.54, 55).
O autor ressalta, ainda, os paradoxos que se desenvolveram na
hipermodernidade, uma vez que os desejos estimulados por esta sociedade são
diretamente proporcionais às frustrações que são por ela geradas. Se o consumo é
oferecido como promessa de um bem-estar absoluto, conduzido por ações de marca
que se encarregam de transmitir inúmeros simulacros da realidade, nota-se como o
excesso de compras funciona como uma compensação para angústias e
desventuras da própria existência. ―Talvez esteja aí o desejo fundamental do
consumidor hipermoderno: renovar sua vivência do tempo, revivificá-la por meio de
novidades que se oferecem como simulacro‖ (LIPOVETSKY, 2004, p.79).
Desta forma, aponta-se a importância das marcas na hipermodernidade, uma
vez que as pessoas buscam nelas o que possa exprimir uma ―realidade‖ desejada.
Para o autor, a sociedade de hiperconsumo é ―fissurada‖ pelas marcas. Tudo entra
em sua lógica. Antes comprávamos produtos, agora compramos marcas. Em todo
lugar a marca é um elemento-chave. Cada vez menos o produto, cada vez mais a
marca.
Neste processo, quando o valor de uso de um produto torna-se menos
relevante do que a marca que responde por ele, percebe-se o consumo de valores
simbólicos que remetam a uma identidade desejada. Este símbolo torna-se uma
forma de apropriação, uma busca por valores que remetam a desejos cada vez mais
individualizados. ―É neste sentido que a compra de uma marca é vivida como a
expressão de uma identidade a um só tempo clânica e singular‖ (LIPOVETSKY,
2007, p.51).
O autor afirma que da Fase II para a Fase III surge um novo modelo de
consumo, mais voltado para valores individualistas, um período centrado no
indivíduo e na sua satisfação pessoal. ―O consumo para si suplantou o consumo
―para o outro‖, em sintonia como irresistível movimento de individualização das
expectativas, dos gostos e dos comportamentos‖ (LIPOVETSKY, 2007, p.42). O
pensamento de Bauman (2008) complementa a ideia do consumo voltado ao
25
individualismo, quando defende que o indivíduo não se torna um sujeito, sem antes
virar uma mercadoria:
Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável. A ―subjetividade‖ do ―sujeito‖, e a maior parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir, concentra-se num esforço sem fim para ele próprio se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável. (BAUMAN, 2008, p.20).
Neste processo, as marcas refletem valores que são absorvidos pelos sujeitos
para a construção da sua identidade, para que, desta forma, se constituam como
pessoas valorizadas pela sociedade de consumo. ―Harley-Davidson, uma marca
mitologizada, que representa liberdade, rebeldia, aventura, fetiche, charme, status,
objeto de desejo‖ (CARRIL, 2007, p.22). Ao interagir com as marcas é a vez de
―comprar e vender os símbolos empregados na construção da identidade – a
expressão supostamente pública do self que na verdade é o simulacro de Jean
Baudrillard, colocando a representação no lugar daquilo que ela deveria representar‖
(BAUMAN, 2008, p.23, 24).
A teoria do simulacro de Baudrillard nos faz refletir sobre a ―realidade‖
proposta pelo consumo por meio das marcas, uma vez que o autor afirma que não
consumimos mais ―coisas‖, mas signos. É possível apontar a marca como um signo,
uma vez que ela é capaz de produzir sentidos que remetam a várias realidades.
O signo é qualquer coisa de qualquer espécie (uma palavra, um livro, uma biblioteca, um grito, uma pintura, um museu, uma pessoa, uma mancha de tinta, um vídeo, etc.) que representa uma outra coisa, chamada de objeto do signo, e que produz um efeito interpretativo em uma mente real ou potencial, efeito que é chamado de interpretante do signo. (CARRIL, 2004, p.61)
A marca pode ser percebida como um signo, porque o signo não é o objeto,
ela apenas está no lugar do objeto para representá-lo. Desta forma, quando
compramos marcas, consumimos o que este signo aponta como interpretante.
Podemos dar o exemplo da marca Mercedes. Ela pode representar alto
desempenho, segurança, prestígio, etc. (CARRIL, 2004). A partir desta relação
passamos da funcionalidade ao simbolismo de um produto. ―Hoje, adquirir um
produto ou serviço não é apenas a resposta imediata a uma necessidade. Trata-se
26
da busca de um status social e de respeito a valores que sua posse representa‖
(CARRIL, 2004, p.33). A marca passa a sua propriedade simbólica. Nela se
conjugam um mundo de possibilidades: estilo, atitude, valor, desejo, simpatia ou
mesmo aversão. Ela é o signo através do qual, todos os aspectos que a envolvem,
vem ocupar um espaço dinâmico e emocional na mente do interlocutor, dentro do
contexto do seu sistema de valores socioculturais (CIMATTI, 2006).
Desta forma, passando para a Fase III, a partir dos anos 1980 observa-se o
fortalecimento do consumo emocional, voltado para o campo das experiências
afetivas, imaginárias e sensoriais que emanam das relações de consumo. As
marcas que buscam oferecer, por meio de produtos e serviços, uma aventura
sensitiva dá ao consumo uma lógica centrada na oferta da satisfação dos desejos.
Em nossos dias, a mania pelas marcas alimenta-se do desejo narcísico de gozar do
sentimento íntimo de ser uma ―pessoa de qualidade‖, de se comparar
vantajosamente com os outros, de ser diferente da massa. Desde o fim dos anos
1970, surge um terceiro ato da sociedade de consumo, em que os prazeres e ideais
de felicidades são cada vez mais incitados pela propagação do consumo. Conforme
aponta Lipovetsky (2007) a Fase III demonstra a nova relação emocional dos
indivíduos com as mercadorias.
É neste momento que se observa uma transformação no papel das marcas,
uma vez que elas passam a atuar na ―comodificação‖ do sujeito social. Para
Bauman (2008) o sentido da sociedade contemporânea é conduzido por consumir
sempre mais e mais rápido, descartando sempre o velho produto em troca de uma
nova mercadoria. Assim os indivíduos se tornam, ao mesmo tempo, os produtores e
promotores da lógica consumista. Para o autor, a vida para o consumo ocorre
porque, ―para entrar na sociedade de consumidores e receber um visto de residência
permanente, homens e mulheres devem atender às condições de elegibilidade
definidas pelos padrões do mercado‖ (BAUMAN, 2008, p.82). Desta forma, a
―comodificação‖ seria a transformação do sujeito em uma mercadoria, processo
estimulado pelo consumismo e aquisição crescente de produtos e serviços. Neste
processo, o consumo de marcas remete à compra de valores que representem uma
identidade desejada. O indivíduo busca se constituir como um produto valorizado
pelo mercado. Retomando o pensamento de Bauman (2008) a vida para o consumo
transforma as pessoas em mercadorias:
27
A ―sociedade de consumidores‖, em outras palavras, representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumistas, e rejeita todas as opções culturais alternativas. Uma sociedade em que se adaptar aos preceitos da cultura de consumo e segui-los estritamente é, para todos os fins e propósitos práticos, a única escolha aprovada de maneira incondicional. (BAUMAN, 2008, p.71).
O autor refere-se às consequências advindas do processo de consumo, que
acabam por impactar nas relações sociais e consequentemente, na formação da
cultura contemporânea. Para Castro (2008, p.132) a contemporaneidade
compreende um período de transição que diferencia ―como éramos‖ em ―no que
estamos nos tornando‖, o que reflete nos modos atuais como percebemos e nos
comportamos no mundo. É perceptível que mudaram os costumes, os gêneros de
vida e a relação com os objetos de consumo:
A fluidez, o desenraizamento, a vida líquida, a velocidade no lugar da duração, a aparente predominância da imagem, que caracterizam essa hipermodernidade ou sobremodernidade, carregam a possibilidade de transmutação de toda a realidade em objetos de consumo. (...) O processo de consumo revela-se como um conjunto de comportamentos com os quais o sujeito consumidor recolhe e amplia, em seu âmbito privado, do modo que ele for capaz de ressignificar, as mudanças culturais da sociedade em seu conjunto. (BACCEGA, 2008, p. 2, 3).
A expressão ―cultura de consumo‖, segundo Featherstone (1995, p.121),
―significa enfatizar que o mundo das mercadorias e seus princípios de estruturação
são centrais para a compreensão da sociedade contemporânea‖. A cultura de
consumo tem como premissa a expansão e produção de mercadorias que se
baseiam nas lógicas impostas pelo mercado. Nesta perspectiva, as formas de
consumo constroem relações. Quando um produto é consumido de maneira
semelhante, tende a derrubar as fronteiras sociais. Quando consumido de maneira
diferente, gera barreiras. Além disso, um mesmo produto traz dimensões simbólicas
distintas, pois são geradores de sonhos e desejos. Desta forma, o uso dos bens
materiais adquiriu uma dimensão simbólica, em que as mercadorias perdem sua
ênfase utilitária e tornam-se comunicadoras de valores que remetem a estilos de
vida desejados. De fato, nota-se que o consumo na contemporaneidade
transformou-se em um modo de vida. Os indivíduos passam a ser reconhecidos,
avaliados e julgados pelo que consomem. O ―bem-estar‖ tem sido cada vez mais
associado aos valores acionados pelas conquistas materiais.
28
A Fase III é descrita por Lipovetsky (2007) como ―a época do triunfo das
marcas‖. Aponta-se como a comunicação construída em torno de um produto e do
seu uso. A preocupação é com a difusão de valores que enfatizam a emoção e o
sentido que ultrapassam a realidade objetiva das mercadorias. Como já citado, o
consumo torna-se determinante para a satisfação de anseios e é conduzido por
questões simbólicas, cada vez mais, mediadas pelas marcas.
O simbólico caracteriza-se por recriar a realidade usando um sistema de
símbolos que impactam na interpretação e ressignificação do ―mundo real‖. Nota-se
que as estratégias de marca buscam criar valores baseados em realidades
propostas por organizações. As marcas refletem o poder simbólico das organizações
sobre a sociedade, um poder de constituir realidades e de transformar a visão do
mundo. ―Como construções simbólicas o nosso tempo investiu e continua a investir
em todas as direções para a criação de estruturas e realidades imaginárias,
simulacros de simulacros, capazes de ativar experiências e projetos de vida‖
(OLIVEIRA, 2006, p.4).
A contemporaneidade refere-se a um conjunto de mudanças e
transformações que refletem na configuração da sociedade. Semprini (2006, p.4)
ressalta que a marca transformou-se na própria contemporaneidade, que o seu
expansionismo ultrapassa a esfera e os objetivos comerciais e que, ―a sua
discursividade instala-se no espaço social da atualidade‖.
Em minha calça está grudado um nome, que não é meu de batismo ou de cartório, um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produto, que nunca experimentei, mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama colorido de alguma coisa não provada por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e pente, meu copo, minha xícara, minha toalha de banho e sabonete, meu isso, meu aquilo, desde a cabeça ao bico dos sapatos, são mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência, costume, hábito, premência, indispensabilidade, e fazem de mim homem — anúncio itinerante, escravo da matéria
(ANDRADE, 1984)
8.
Escrito pelo poeta Carlos Drumond Andrade, o famoso poema ―Eu, etiqueta‖ é
um reflexo da crescente exposição das pessoas às marcas, da sua discursividade
_____________________________ 8 Trecho do Poema ―Eu etiqueta‖, de Carlos D. Andrade, publicado no livro ―O Corpo‖ (Ed. Record,
1984).
29
simbólica e do importante papel que elas exercem na formação identitária dos atores
sociais. Os sujeitos que interagem com as marcas fazem circular nas ações
cotidianas o que Semprini (2006) chama de ―forma marca‖, uma espécie de
onipresença da lógica da marca no espaço social. A forma marca, seria uma
tentativa de formatação e concentração do sentido relacionado aos discursos de
marca. Este processo é estimulado pela capacidade da marca de impactar esferas
importantes como a economia, o consumo, a comunicação e as relações sociais.
(...) a marca moderna, nascida há mais ou menos cento e cinqüenta anos na esfera comercial, tornou-se hoje uma marca pós-moderna, um princípio abstrato de gestão do sentido que continua a se aplicar, em primeiro lugar, ao universo do consumo, mas que se torna utilizável, com as devidas modificações, ao conjunto dos discursos sociais que circulam no espaço público. (...) Potentes e frágeis, amadas e odiadas, arrogantes e cúmplices, as marcas são uma presença fundamental nas sociedades contemporâneas. (SEMPRINI, 2006, p.20, 24).
O autor ressalta que a sociedade contemporânea também foi afetada pela
capacidade das marcas de gerar ―mundos possíveis‖. Nesta perspectiva, este
―mundo possível‖ seria permeado de apropriações simbólicas, uma tentativa de
construção de sentido, ―na qual confluem elementos narrativos, fragmentos de
imaginário, referencias socioculturais, elementos arquétipos, e qualquer outro
componente que possa tornar este mundo significativo para o destinatário‖
(SEMPRINI, 2006, p.21). Nota-se que este ―mundo possível‖ é proposto com base
em interesses organizacionais. Não se vende mais um produto, mas uma visão, um
conceito, ―um estilo de vida associado à marca: daí em diante, a construção da
identidade de marca encontra-se no centro do trabalho da comunicação das
empresas‖ (LIPOVETSKY, 2007, p.47).
Como símbolo, a marca passa a representar uma série de significados que se
relacionam com as crenças, percepções, sentimentos e experiências dos atores
sociais. Carril (2007) defende que as marcas operam recorrendo à transmissão de
sentimentos e emoções e à fixação de crenças e valores que representem o
diferencial de corporações e dos produtos por ela comercializados. ―A empresa que
não trabalha a própria marca, está sujeita a que os consumidores imputem a ela
uma imagem com a qual não deseja ser vista‖ (CARRIL, 2004, p.34).
Desta forma, a marca passa a representar um bem precioso para as
organizações nas relações com seus grupos de interesse, elemento transformado
30
em um discurso deste contexto. Dada a importância desta relação, a lógica da
marca articulada aos interesses organizacionais será a próxima reflexão deste
capítulo.
2.2 A marca e o contexto das organizações
É no contexto organizacional que a marca é revestida de significados para ser
utilizada de maneira estratégica, como forma de valoração dos produtos. Nota-se
que os esquemas estratégicos que partem das organizações, principalmente das
empresariais, buscam a interação com a sociedade visando à convivência,
adequação ao ambiente contemporâneo e a geração de vantagem competitiva.
No mundo corporativo e mesmo em nossa vida pessoal, estamos em constante estado de mudança. Essa dinâmica impacta o cotidiano das pessoas e das empresas, proporcionando uma novidade a cada dia. (...) Tais mudanças foram acentuadas pela passagem da era industrial para a era da informação; internacionalização dos mercados, sofisticação de novas tecnologias e novas mídias; crise do marketing de massa; pressões por resultado por parte dos acionistas; Emancipação do comportamento do consumidor, e mais recentemente pela emergência do desenvolvimento sustentável. (...) A marca passou a ser percebida como vantagem competitiva por criar associações de promessas e sentimentos junto ao consumidor. (...) Daí a importância de se refletir sobre a transformação de seu papel nas empresas e funções mercadológicas. (CARRIL, 2007, p.9).
Entende-se as organizações como atores sociais de grande abrangência e
significado, que exercem papéis e compromissos junto à sociedade. Segundo
Oliveira (2009, p.82) ―é porque precisa dialogar com vários grupos, sem
desconsiderar seus objetivos, valores, enfim, o negócio, mas na perspectiva
relacional, na qual o outro é visto como componente do processo‖, que a
comunicação vem ganhando reconhecimento nas empresas, para auxiliar a
construção do seu discurso a partir das interações. Desta forma, discutir o conceito
de ―organização‖ é importante para compreender porque elas se apropriam das
marcas como forma de dialogo e interface com seus interlocutores.
De acordo com Morgan (1996) a palavra organização deriva do grego
organon, que significa ferramenta ou instrumento, e daí, portanto, o surgimento de
tantos conceitos que associem às organizações a tarefas, metas, propósitos e
objetivos funcionais. A expressão é geralmente utilizada de forma ampla e refere-se
a todos os tipos de congregação de pessoas em prol de objetivos definidos. São
31
chamadas de organizações tanto as empresas privadas (objeto de análise proposto
por este trabalho), como públicas, governamentais, ONGs - associações sem fim
lucrativo -, grupos civis, entre outros.
(...) organização é a combinação de esforços individuais para a realização de (em torno de) objetivos comuns. A organização não se reduz a estrutura, equipamentos e recursos financeiros, mas compreende, principalmente, pessoas em relação, trabalhando por objetivos bem definidos, claros e específicos. (...) Essa perspectiva evidencia o caráter de centralidade que as noções de ―relação‖ e, conseqüentemente, de ―comunicação‖ têm para as organizações. (...) É em/ pela comunicação que ela materializa seus processos organizadores, comunica e faz reconhecer sua existência, instituindo-se. (BALDISSERA, 2008, p.41, 42).
Reconhece-se aí a importância de refletir sobre a comunicação no contexto
organizacional. Um processo que se realiza a partir de algo em relação e não
somente na perspectiva do fazer, mesmo que a comunicação seja percebida como
algo que se relaciona com as estratégias e discursos que são construídos para
consolidar a legitimação das organizações. Nesta perspectiva, este contexto não
deve ser percebido como uma estrutura independente da sociedade, pois ele integra
e faz parte dela, e desta forma, configura-se como um objeto de análise para
fenômenos sociais (LIMA, 2009). Se entendemos as organizações como sujeitos
sociais que, em interação com outros atores, instituem a sociedade (e sendo ela
própria constituída pela interação de seus integrantes) percebe-se a importância do
estudo sobre estas relações (comunicação organizacional) – que podem contribuir
para a compreensão de fenômenos sociais mais amplos. Portanto, entende-se a
comunicação neste contexto como todas as ações de interação envolvendo a
organização e outros atores sociais em que, a partir de determinada materialidade
simbólica, os interlocutores deste processo (instâncias comunicativas ativas)
produzem sentido.
A partir de uma empiria específica (que é a das organizações empresariais),
elege-se a marca como possibilidade para pensar os fenômenos que envolvam a
comunicação, uma vez que ela tem sido utilizada como um discurso permeado de
questões simbólicas, que contribui para a formação de sentidos. Ao estudar as
marcas e a sua relação com o referido contexto, propõe-se uma leitura que tenha
sua fundamentação teórica no campo da comunicação e, ―a partir desse olhar,
dialogar com outros campos e entender a organização, sua inserção na sociedade
32
globalizada e seus relacionamentos com os atores sociais‖ (OLIVEIRA; PAULA,
2007, p.6).
Para Cimatti (2006, p.2) ―a marca sintetiza informações, de forma ágil e
simplificada. Informações que se deslocam do produtor ao consumidor e vice-versa,
num movimento dialógico no qual a marca funciona como dispositivo de mediação‖.
Nota-se que a marca se constitui como meio relacional no processo de comunicação
das organizações e seus interlocutores, por ser capaz de mediar inúmeras
mensagens.
Para Silverstone (2002) a mediação é um movimento de circulação de
significados que transitam de uma fala para outra. No caso das organizações,
aponta-se como a marca é utilizada como elemento mediador, responsável pelo
transporte das intencionalidades que buscam repercutir sobre os sentidos dos seus
interlocutores. É esta característica interativa, a forma pela qual ela transita entre as
instâncias comunicativas, que lhe dá a capacidade de atuar sobre os sentidos
(CIMATTI, 2006). Percebe-se que é pelo seu potencial de mediação, que a marca é
utilizada como estratégia no processo de comunicação das organizações. Para
Oliveira e Paula (2007, p.23) as estratégias ―têm como fator propulsor a verificação
pelas organizações da necessidade de se relacionarem de forma intencional e
estruturada com a sociedade‖.
As organizações buscam atuar de forma estratégica em suas redes de
relacionamento e muitas destas ações se apropriam da marca como forma de
discurso, objetivando atuar sobre a construção de sentido dos seus interlocutores.
Embora as ações organizacionais colaborem para a produção de sentido dos seus
interlocutores é somente a partir da interação com eles que isso de fato se constrói.
―No processo de interação com a sociedade, a organização não é soberana, visto
que se movimenta a base de construções e estratégias‖, que precisam ser
legitimadas pelos grupos com os quais se relaciona (OLIVEIRA; PAULA, 2007, p.
51).
Nesta perspectiva, a marca se insere como um elemento estratégico no
processo de produção de sentido. ―Uma marca forte é fonte poderosa de vantagem
competitiva para as empresas‖ (CIMATTI, 2006, p.3). A marca é um símbolo
revestido de valores emocionais que transforma o produto em uma entidade dotada
de personalidade. A mudança de comportamento nos processos de consumo leva
33
as organizações à formulação de novas estratégias que visam conquistar maior
identificação e o envolvimento dos seus interlocutores.
Este movimento, que vai do produto à imagem de marca, tem levado os profissionais de comunicação e marketing a apelar para outros métodos de compreensão dos mecanismos que conduzem ao consumo, (...) uma vez que as pesquisas de mercado tradicionais parecem não dar mais conta da complexidade da situação em que se encontra a sociedade atual. (CIMATTI, 2006, p.3)
Percebe-se que a comunicação, em algumas empresas, passa a ser tratada
para além da sua dimensão informativa. O objeto empírico proposto por este
trabalho é um exemplo desta relação. A Casa Fiat de Cultura pode ser percebida
como uma estratégia de relacionamento do grupo Fiat S/A do Brasil com seus
grupos de interesse, que se apropria do conceito de cultura para um discurso de
marca.
Nos últimos anos tem sido cada vez maior o volume de investimentos das empresas no setor cultural. Esse fenômeno pode ser atribuído a fatores como o acesso da iniciativa privada aos recursos das leis de incentivo à cultura, a evolução do processo de responsabilidade social, com um comprometimento mais estreito das empresas com a sociedade, bem como os novos conceitos aplicados ao marketing corporativo, que fazem da cultura um eixo estratégico do processo de relacionamento e comunicação das marcas com seus públicos. A participação das empresas nesse segmento vai de patrocínios pontuais, passando por ações mais estruturadas e contínuas, culminando na criação e manutenção de centros culturais, fundações e institutos. (VILELA, 2009, p.32).
A participação e o investimento da iniciativa privada na área cultural podem
ser percebidos como uma estratégia que gera boa reputação junto à sociedade.
Nota-se que a cultura assinada por uma marca torna-se uma ação que atua sobre a
valorização da identidade de uma empresa. Identidade que, geralmente, busca
refletir a distinção e a singularidade de uma organização. Assim, as empresas
estariam buscando descobrir como podem relacionar sua identidade a valores que
remetam a atributos que elas queiram representar.
O conceito de identidade é apresentado por Almeida (2006) como uma
coleção de atributos específicos de uma organização, que formam o referencial de
como ela é vista por seus membros. A identidade pode ser percebida como as
características individuais que definem a essência de cada organização. Desta
34
forma, as organizações se empenham em refletir uma identidade que demonstre
características admiradas por seus públicos de relacionamento.
A identidade organizacional é considerada pela maioria como a essência da
organização; o que faz a organização se distinguir de outras e o que é percebido
como estável ao longo do tempo, ou seja, o que faz a ligação entre o presente e
passado e, provavelmente, o futuro. (...) A identidade exerce forte papel na
diferenciação e posicionamento da organização através do uso adequado do seu
processo de comunicação, em que são criadas estratégias e instrumentos para
gerar um alto nível de conscientização sobre o que a organização deseja expressar
a grupos internos e externos do seu relacionamento. (ALMEIDA, 2006, p. 35, 36).
Um dos elementos utilizados para comunicar a identidade organizacional é a
marca. Por meio de suas ações, busca projetar referências que, consequentemente,
possam ser associadas como positivas por seus interlocutores. Desta forma,
objetiva-se que a soma destes referenciais também possam agir sob a formação de
uma ―boa‖ imagem organizacional (ALMEIDA, 2006).
Dowling citado por Riel e Fombrun (2007) descrevem o conceito de ―imagem‖
como um conjunto de significados em que um dado objeto é reconhecido pelas
pessoas. Alvesson (1990) define imagem como o retrato interno e particular que as
pessoas constroem de um objeto. Esta construção é baseada nos atributos
comunicados deste objeto, que vão gerar um registro subjetivo de referências, que
vão influenciar a formação/constituição de uma dada imagem. A imagem se localiza
em algum lugar entre o que é comunicado e o que é recebido, formando a partir de
um senso individual, uma impressão visual da possível existência de um objeto.
Entende-se que esse ―objeto comunicado‖ pode ser uma organização.
A formação da imagem de uma organização segundo Riel (1997) remete a
um conjunto de significados. É a forma como as pessoas descrevem ou se recordam
de uma organização. É o resultado das crenças, idéias, sentimentos e percepções
que formamos sobre elas. O autor ainda ressalta que elaboramos a imagem de uma
organização, a partir das referências da comunicação da marca e das impressões
sobre seus produtos e serviços. A formação da imagem está associada
principalmente à experiência global que as pessoas têm com uma organização
(KENNEDY apud RIEL, 1997). A marca é um elo referencial, transmissora de
valores, conceitos e experiências que atuam sobre a formação da imagem. Como
reflexo, a imagem percebida age sobre a formação da reputação, uma vez que, ela
35
se forma a partir de um conjunto de significados pelos quais as empresas são
reconhecidas.
Reputação para Riel e Fombrun (2007) são avaliações globais das
organizações feitas pelos seus interlocutores. A reputação organizacional é a
referência geral que temos dela. Representa o valor afetivo e emocional (se ela é
boa ou ruim, fraca ou forte) seja do ponto de vista de clientes, investidores,
empregados, imprensa ou do público em geral (FOMBRUN apud RIEL; FOMBRUN,
2007). A reputação seria a percepção que temos do comportamento empresarial
(PRUZAN, 2001). Este conceito tem despertado a reflexão das organizações acerca
de sua importância, uma vez que a sociedade está cada vez mais atenta as suas
atitudes frente aos funcionários, ao meio ambiente e à sociedade como um todo.
Desta forma, nota-se como as empresas têm investido em ações estratégicas que
gerem valor tanto para a sociedade quanto para a sua própria reputação.
O investimento cultural promovido pela iniciativa privada constituiu-se em um importante eixo da plataforma de comunicação. A amplitude da atividade cultural permite uma interação emocional, intelectual e transformadora entre a empresa e as pessoas, que ultrapassa a relação racional e comercial, agindo no campo afetivo e fortalecendo os vínculos com a marca. (...) Se a política cultural de uma empresa reflete o seu jeito de ser, ela permite a construção de laços mais fortes e permanentes com seus públicos. (VILELA, 2009, p.36).
A marca é percebida como fator decisivo para a construção de valor nas
organizações. Entende-se que a marca não só contribui para a formação de
percepções sobre as empresas, mas, também, sobre a expansão dos pontos de
contato entre elas e seus diferentes interlocutores. Apesar das organizações
empresariais terem como objetivos a geração de valor, o lucro e a formação de uma
imagem positiva junto à sociedade, é perceptível que, para alcançar tais objetivos,
depende-se das relações de cooperação que se estabelecem com os seus
interlocutores. Organizações e pessoas são indissociáveis. Desta forma, as
organizações buscariam interagir com seus interlocutores para preservar seus
objetivos e interesses, investindo em suas marcas como uma forma de comunicação
que vende conceitos, no lugar de produtos (LIPOVETSKY, 2007).
Muitas destas ações de comunicação propõem um tipo de ―comunicação por
atitude‖, uma forma de gerar sentidos que privilegiem as empresas a partir da
execução de projetos que enfatizem valores admirados pela sociedade. Cita-se
36
como exemplo a Casa Fiat de Cultura de Belo Horizonte, um espaço mantido pela
Fiat com a finalidade institucional de difundir a cultura e promover a integração social
junto às comunidades9. A partir de ações e estratégias associadas à cultura, a
empresa busca vestir a sua marca de um valor reconhecido, admirado e desejado por
aqueles com os quais quer se relacionar.
Se a política cultural de uma empresa reflete o seu jeito de ser, ela permite a construção de laços mais fortes e permanentes com seus públicos. Favorece também uma experiência única da marca com sua rede de relacionamento: empregados e familiares, revendedores e fornecedores, clientes e consumidores, formadores de opinião, governo, imprensa, terceiro setor e comunidade, agregando a essa rede, públicos estratégicos ligados à atividade cultural como artistas, curadores, professores, escolas e universidades, instituições culturais e órgãos governamentais, patrocinadores, fornecedores, produtores, especialistas e tantos outros. A cultura, portanto, expande o potencial de relacionamento e de comunicação de valores e princípios de uma marca. (VILELA, 2009, p.36).
Esta experiência demonstra a importância da postura organizacional para
relacionar-se com seus grupos de interesse e como a marca se insere nestas
relações. ―Ser estratégico significa ―oportunizar‖ uma mudança, um novo
comportamento, e não simplesmente informar o que aconteceu na organização, (...)
a comunicação deve agir no sentido de construir e consolidar o futuro‖ (MARCHIORI,
2008, p.32). Percebe-se que o ―futuro‖ das organizações só será possível mediante
a preservação das redes de relacionamento que mantém com a sociedade. A
maneira como elas conduzem estas relações é essencial para sua sobrevivência.
―Afinal uma empresa é uma sociedade em miniatura, uma maquete do que acontece
no mundo e, como tal, deve ser viva e dinâmica, representando o que para ela tem
valor‖ (MARCHIORI, 2008, p.33). Para a autora, são os processos de
relacionamento entre as organizações e a sociedade que as mantêm ―vivas‖. Assim
percebe-se que a marca é um elemento estratégico, um discurso elaborado a partir
de uma perspectiva simbólica, que busca a sustentação das relações entre
empresas e seus interlocutores. Para sustentar esta perspectiva, a defesa da marca
como discurso será o próximo assunto a ser abordado neste trabalho.
_____________________________ 9 Informações do link ―Apresentação‖, do site da Casa Fiat de Cultura.
37
2.3 A marca como ato discursivo das organizações
A discussão sobre a marca como um ato discursivo das organizações é uma
tentativa de ampliar a reflexão sobre as práticas comunicativas deste contexto, uma
vez que as organizações ―são espaços de relações entre enunciador e enunciatário,
num processo de enunciação entremeado pela cultura, poder, símbolos, discursos e
significação (LIMA; OLIVEIRA, 2010). Desta forma, torna-se necessário apontar o
que se compreende como discurso e qual o seu papel no contexto das
organizações. Para Spink e Medrado (2004) o discurso refere-se:
(...) ao uso institucionalizado da linguagem e de sistemas de sinais de tipo linguístico. Esse processo de institucionalização pode ocorrer tanto no nível macro dos sistemas políticos e disciplinares, como no nível mais restrito dos grupos sociais. Diferentes domínios de saber – tais como a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a História – têm seus discursos oficiais. Diferentes grupos sociais – como uma organização, um sindicato, um partido – têm seus discursos. Diferentes estruturas de poder têm seus discursos. (SPINK; MEDRADO, 2004, p.43).
Para os autores, o discurso aproxima-se da noção de linguagens sociais, ou
seja, formas peculiares de um dado estrato específico da sociedade de se
comunicar. Pode-se citar como exemplo uma profissão, um grupo etário, um
determinado contexto. Entende-se como ―contexto‖ o lugar de fala, espaço de
sentido, onde ocorrem os discursos e que conduz a forma e o estilo das
enunciações. Desta forma, ―é inegável que existem prescrições e regras linguísticas
situadas que orientam as práticas cotidianas das pessoas que tendem a manter e
reproduzir discursos‖ (SPINK, MEDRADO, 2004, p.44).
Para tratar a questão do discurso no contexto organizacional, referências
foram buscadas na teoria de Charaudeau (2006) chamada de ―contrato de
comunicação‖. Segundo o autor, todo discurso se estabelece a partir de regras, em
que o processo de comunicação se constitui como um quadro de referência, um
diálogo constituído da interação de sujeitos em uma ação de linguagem. Ao observar
a forma como a marca é convertida num discurso, este trabalho pretende identificar,
por meio da referida teoria, como se constitui tal relação, uma vez que a situação de
comunicação ―é como um palco, com suas restrições de espaço, de tempo, de
relações, de palavras, no qual se encenam as trocas sociais e aquilo que constitui o
seu valor simbólico‖ (CHARAUDEAU, 2006, p.67). Nesta perspectiva, num discurso
38
organizacional, as instâncias que se comunicam entre si devem considerar as
especificidades de cada situação de interação.
Pesquisar o discurso no contexto organizacional não se restringe a
compreendê-lo como algo que é projetado na marca e que parte unicamente das
organizações. É necessário reconhecer o papel de outros atores, ou seja, dos
grupos de interesse das empresas que se inserem nesta relação. Charaudeau
ressalta que:
O ato de linguagem não deve ser concebido como um ato de comunicação resultante da simples produção de uma mensagem que um Emissor envia a um Receptor. Tal ato deve ser visto como um encontro dialético (encontro esse que fundamenta a atividade metalingüística de elucidação dos sujeitos da linguagem) entre dois processos: processo de Produção, criado por um EU e dirigido a um TU-destinatário; processo de Interpretação, criado por um TU-interpretante, que constrói uma imagem EU do locutor. (CHARAUDEAU, 2009, p.44).
O contrato de comunicação proposto por Charaudeau (2006) supõe que toda
troca linguageira se realiza mediante um quadro de referências, uma espécie de
acordo prévio, restrições reconhecidas pelos parceiros envolvidos em uma relação
discursiva. Nesta perspectiva, para a análise da apropriação de valores simbólicos
em discursos de marca, leva-se em consideração que antes de qualquer intenção ou
estratégia particular de uma instância discursiva é necessário um contrato de
reconhecimento das condições da troca linguageira. Para tal, Charaudeau (2006)
propõe algumas conceituações. O autor chama de ―dados externos‖ as
regularidades comportamentais dos participantes de um discurso:
(...) essas regularidades são confirmadas por discursos de representação que atribuem valores e determinam assim o quadro convencional no qual os atos de linguagem fazem sentido. Esses dados não são essencialmente linguageiros, (...) mas, são semiotizados, pois correspondem a índices que, retirados do conjunto dos comportamentos sociais, apresentam uma convergência, configurando-se em constantes. Os dados externos podem ser reagrupados em quatro categorias, sendo que cada uma corresponde a um tipo de condição de enunciação da produção linguageira: condição de identidade, condição de finalidade, condição de propósito e condição de dispositivo. (CHARAUDEAU, 2006, p.68).
Partindo do pressuposto que o discurso busca uma construção de sentido
sobre o contexto organizacional, a categoria ―condição de identidade‖ refere-se aos
parceiros envolvidos neste processo, pois ―todo ato de linguagem depende dos que
39
aí se acham inscritos‖ (CHARAUDEAU, 2006, p.68). Para o autor, esta categoria
está relacionada a perguntas como ―quem troca com quem‖, ―quem fala a quem‖,
―quem se dirige a quem‖. Trata-se de perceber os traços identitários que interferem
no ato de comunicação. Nesta relação, a organização troca, se dirige e relaciona-se
com seus interlocutores, a partir dos atos comunicativos, do seu discurso. Para
visualizar melhor as possíveis identidades dos grupos de interesse de uma
organização, propõe-se o modelo de interação comunicacional dialógica (OLIVEIRA
e PAULA, 2007). Este modelo não compreende as interações organizacionais como
algo estanque, mas como projeções dos tipos de interação que podem acontecer
entre uma organização e seus diversos interlocutores.
Figura 1: Modelo de interação comunicacional dialógica Fonte: OLIVEIRA; PAULA, 2007, p. 27
40
As organizações nas suas práticas discursivas se relacionam com vários
atores sociais e se torna um dos interlocutores. O modelo mostra esta dinâmica e
volta-se para a autonomia dos possíveis receptores do discurso. Estes perdem a
função passiva de receber mensagens e assumem uma posição de sujeitos que
compartilham informações e interesses (OLIVEIRA; PAULA, 2007). A legitimidade do
discurso depende das interações que se dão. Os envolvidos precisam estar
inevitavelmente em relação. A comunicação só se efetiva quando existe um
encontro das consciências envolvidas, que travam uma negociação a partir do
discurso que se estabelece.
Outra condição do contrato de comunicação é a finalidade do discurso,
―condição que requer que todo ato de linguagem seja ordenado em função de um
objetivo‖ (CHARADEAU, 2006, p.69). Para o autor esta condição define o sentido da
troca, ―estamos aqui para dizer o quê‖? ―Quando falamos, estamos invariavelmente
realizando ações – acusando, perguntando, justificando etc. – produzindo um jogo
de posicionamento com nossos interlocutores, tenhamos ou não essa intenção‖
(SPINK; MEDRADO, 2004, p.47).
O discurso organizacional é elaborado a partir de uma intencionalidade
prévia, mas vale ressaltar que não se restringe a tal intencionalidade, uma vez que o
discurso somente se realiza quando circula entre a organização e os interlocutores
(LIMA, OLIVEIRA, 2010). Percebe-se como finalidade do discurso organizacional,
mais do que transmitir suas intencionalidades, produzir práticas discursivas mais
avançadas que propiciem a interação entre ela e os atores sociais, visando sua
legitimação.
É por meio das interações que as organizações materializam, a partir do seu
discurso, intervenções simbólicas. O discurso organizacional busca direcionar
processos de significação, ―formam seus quadros de referência, posicionam-se,
constroem e compartilham significados capazes de orientar seus processos de
construção de sentido‖ (LIMA; OLIVEIRA, 2010).
Percebem-se, no discurso das organizações empresariais, objetivos que se
associam as quatro visadas propostas por Charaudeau (2006) quando ele se refere
à condição de finalidade de um discurso:
41
(...) na comunicação linguageira o objetivo é, da parte de cada um, fazer com que o outro seja incorporado à sua própria intencionalidade. Quatro tipos de visadas (que podem combinar-se entre si) parecem particularmente operatórias: a prescritiva, que consiste em querer ―fazer fazer‖, isto é, querer levar o outro a agir de uma determinada maneira; a informativa, que consiste em querer ―fazer saber‖, isto é, querer transmitir um saber a quem se presume não possuí-lo; a incitativa, que consiste em querer ―fazer crer‖, isto é, querer levar o outro a pensar que o que está sendo dito é verdadeiro (ou possivelmente verdadeiro); a visada do páthos, que consiste em ―fazer sentir‖, ou seja, provocar no outro um estado emocional agradável ou desagradável. (CHARAUDEAU, 2006, p.69).
Nota-se ainda que as quatro visadas propostas - prescritiva, informativa,
incitativa e páthos - se manifestam no discurso organizacional, porque é enunciado
em função de um objetivo e se define por uma expectativa de gerar sentidos. A
empresa Louis Vuitton, por exemplo, quando se utiliza da imagem de uma artista
como Madonna para seu discurso de marca, não quer apenas lançar uma nova
campanha. A partir discurso e do seu jogo cênico, a marca convoca seus grupos de
interesse e busca convencê-los de sua veracidade. Madonna usa e adora este
produto. Para tal, a Louis Vuitton busca associar-se ao que representa um ícone da
música pop. O valor de uso da bolsa é substituído por valores simbólicos: estilo,
ousadia, exclusividade, entre outros. Percebe-se que o público ao qual o discurso se
destina produz sentido com base nas percepções sobre o produto e a imagem da
artista que esta sendo apropriada pela marca.
42
Figura 2: Campanha Louis Vuitton com Madonna Fonte: Fotos de Steven Maisel, 2008
Neste anúncio especificamente, não existe a presença visual da Marca Louis
Vuitton. A empresa parte do suposto que a marca já é conhecida e que a imagem do
produto (bolsa), versus os valores que Madonna representa, já são suficientes para
que o contrato discursivo seja estabelecido. Como propõe Charaudeau (2006), na
comunicação linguageira o objetivo é fazer com que o outro seja incorporado à
intencionalidade proposta.
A terceira condição do contrato de comunicação proposto por Charaudeau
(2006) é a condição de propósito, que corresponde ao universo construído em torno
do discurso. Para o autor, todo ato de comunicação se constrói com o propósito de
recortar o mundo e dar a este uma espécie de ―macro-tema‖. Nota-se que dentro do
contexto das organizações seria a forma como ela constrói o seu discurso. O
posicionamento de uma organização deve ser compreendido antecipadamente pelos
interlocutores, para que eles não atuem fora do que está sendo proposto
(CHARAUDEAU, 2006).
Nas organizações, muito mais do que transmitir seus valores num discurso
impositivo e unilateral percebe-se ―nas práticas de comunicação, a tentativa da
criação de um quadro de significados comum a partir do qual sentidos poderão ser
compartilhados‖ (LIMA; OLIVEIRA, 2010, p.5). Voltando à campanha da Louis
43
Vuitton, outro anúncio utilizando o político Mikhail Gorbachev usando uma bolsa
desta marca também foi veiculado.
Figura 3: Campanha Louis Vuitton com Mikhail Gorbachev Fonte: Foto de Annie Leibovitz, 2008
É importante notar que este político não é uma figura tão popular como
Madonna (Mikhail Gorbachev foi líder da extinta União Soviética de 1985 até o
colapso do país) e que se o receptor do anúncio não reconhecer tal personalidade, o
discurso não será reconhecido em sua dimensão simbólica.
A quarta condição proposta por Charaudeau (2006, p.70) ao processo
discursivo refere-se ao dispositivo, ―condição que requer que o ato de comunicação
se construa de uma maneira particular, segundo circunstâncias materiais em que se
desenvolve‖. Nesta condição, o autor aponta as seguintes perguntas: ―Em que
ambiente se inscreve o ato de comunicação?‖, ―que canal de transmissão é
utilizado?‖. O dispositivo é o elemento usado para a montagem do discurso, é o
objeto que será pensado para transmitir de forma cênica e estratégica o ato
linguageiro. Se as organizações são um ambiente onde se inscreve o ato de
comunicação, percebe-se que a marca é utilizada como elemento do ato discursivo,
capaz de promover ―relações de força ou de aliança, de exclusão ou inclusão, de
agressão ou convivência com o interlocutor‖ (CHARAUDEAU, 2006, p.71).
44
O dispositivo constitui um ambiente, o quadro, o suporte físico da mensagem, mas não se trata de um simples vetor indiferente do que veicula, ou de um meio de transportar qualquer mensagem sem que este se ressinta das características do suporte. Todo dispositivo formata a mensagem e, com isso, contribui para lhe conferir um sentido. (CHARAUDEAU, 2006, p.104, 105).
O dispositivo constitui a referência da troca, o objeto de uma montagem
cênica, pensada de forma estratégica. Nas organizações percebe-se que este
dispositivo é a marca, pois ela é capaz de transformar-se e adaptar-se para assumir
uma variedade de conteúdos. ―A marca torna-se, assim, um dispositivo de alcance
geral, um modo de organização e de gestão da discursividade‖ (SEMPRINI, 2006,
p.292). Para o autor, em virtude da sua capacidade discursiva, ou seja, de formatar
o sentido e enunciá-lo, este dispositivo permite tornar comunicáveis as
intencionalidades de uma organização. Desta forma, a marca também pode ser
percebida como um ato discursivo das organizações.
Nesta perspectiva, objetiva-se descobrir, ao longo deste trabalho, como se
organiza o discurso de uma marca e de que forma interpreta-se esse universo
simbólico proposto por uma organização. Por considerar fundamental entender este
processo, serão trabalhadas no próximo capítulo as implicações da marca com os
interlocutores, abordando o surgimento da noção de marca e suas diversas
conceituações, priorizando a importância de seu potencial simbólico e da sua
interferência na produção de sentidos.
45
3 O POTENCIAL SIMBÓLICO DA MARCA ORGANIZACIONAL
Estamos, dessa forma, divididos entre o imaginário do sentido, a exigência de verdade e a hipótese cada vez mais provável de que o mundo não tem qualquer verdade final, que é uma ilusão definitiva. (BAUDRILLARD, 2002, p.132).
Este capítulo se propõe a fazer uma reflexão sobre o potencial simbólico que
permeia as marcas, principalmente em relação aos efeitos (sentidos) que ela gera
em seus interlocutores. O sentido é uma construção social baseada em relações
interativas, um processo por meio do qual pessoas (pela dinâmica das relações
sociais) constroem seus repertórios culturais e, a partir destes, compreendem e
lidam com situações e fenômenos a sua volta (SPINK, MEDRADO, 2004). A partir da
perspectiva da construção do sentido percebe-se que as marcas participam deste
processo e medeiam discursos organizacionais que geram ações interpretativas nos
grupos com os quais a organização se relaciona.
Nesta perspectiva, este capítulo começa por apontar o conceito de marca,
sua evolução histórica e suas relações com os atores sociais, visando compreender
o seu vasto potencial simbólico. Para tal, faz-se necessário tecer considerações
sobre o branding, um processo de gestão de marcas, que se estabelece como um
esforço planejado para construir um universo simbólico, capaz de fomentar os
processos identificatórios para a organização (LIMA, 2009, p.51, 52). Percebe-se
que este processo impactou na forma como as marcas se posicionaram em suas
relações.
Busca-se, então, discutir o processo de produção de sentido e a forma como
a marca (re) significa o referencial da ―realidade‖ a partir das interações que se dão
entre elas e seus interlocutores. O que se propõe é demonstrar como ela se
comunica e é utilizada para impulsionar o consumo através da apropriação de
valores simbólicos.
3.1. Origem, conceitos e evolução das marcas
Para discutir o conceito de marca é necessário perceber o potencial simbólico
ao longo da sua evolução histórica. Acredita-se que o papel desempenhado por ela
46
seja compreendido a partir de apontamentos teóricos que demonstrem a sua origem
e evolução. Faz-se necessário traçar um breve histórico da marca, objetivando
identificar os primeiros indícios de sua existência e utilização. Segundo Pinho
(1996), desde a Antiguidade já existiam sinais que eram utilizados como ―marcas‖
para identificar mercadorias:
Sinetes, selos, siglas e símbolos eram as mais comuns, utilizados como um sinal distintivo e de identificação para assinalar animais, armas e utensílios. Naqueles tempos, bem antes de as marcas terem adquirido o seu sentido moderno, era costume indicar a proveniência do produto agrícola ou manufaturado. (PINHO, 1996, p.11).
Observa-se na literatura que a prática do uso de marcas para identificar
mercadorias é bem anterior ao período industrial. Existem indícios do uso das
marcas no antigo Egito, quando fabricantes de tijolos colocavam símbolos para
identificá-los. Também foram encontrados objetos antigos como porcelanas
chinesas, jarros gregos e romanos e mercadorias da índia, com sinais de
identificação datados de 1300 a.C. (CARRIL, 2007). Na Roma antiga, açougues
exibiam a figura de uma pata de boi para indicar a venda de carne e comerciantes
de vinho afixavam em suas fachadas o desenho de uma ânfora. Estes são alguns
exemplos que indicam como as figuras eram usadas para identificar produtos, numa
época em que a população era, em grande parte, analfabeta (PINHO, 1996).
Segundo Carril (2007) as marcas utilizadas para o comércio aparecem no
período da Idade Média. Corporações de ofício e mercadores usavam as marcas
como forma de controle da quantidade e qualidade da produção. Nesta época, foi
atribuída à marca a ideia de vínculo, que informava ao consumidor a identidade do
seu fabricante. ―Os ourives na França e Itália, os tecelões na Inglaterra e muitos
membros das guildas na Alemanha eram forçados a usar marcas individuais, que
permitiam às corporações preservar o monopólio e identificar as falsificações‖
(PINHO, 1996, p.12). O autor ressalta que com o passar dos tempos estas ―marcas
individuais‖ foram se tornando uma estratégia obrigatória para representar a
excelência e a boa qualidade dos produtos frente aos concorrentes. Tal evolução, já
foi demonstrada no primeiro capítulo, quando se discute a sociedade de consumo e
a relação da marca com o contexto das organizações.
Na verdade, não se conseguiu identificar uma data específica das práticas de
―marcar‖. Pinto (2010) esclarece que o surgimento do termo ―marca‖ vem do inglês
47
medieval e significava tocha, espada, tição, sendo oriundo do inglês antigo
“boernan‖ (queimar). Já na Idade Média, o termo brand era usado como verbo e
substantivo para se referir à marcação com ferro em brasa no corpo de criminosos
para fim de identificação. A forma moderna de significação da marca se refere à
marcação de produtos ou gado. O traço semântico predominante é o da
identificação, que foi o que restou da antiga noção de Boernan (que gerou o inglês
moderno “burn”) queimar, arder, incendiar10. Conclui-se com isto que o termo
―marca‖ relacionou-se às praticas de identificação.
Em relações comerciais, o uso pioneiro da marca como diferenciação foi
observado em 1835, quando o uísque escocês Old Smuggler apresentou como
diferencial de marca seu processo especial de destilação. Desde então, percebeu-se
que as marcas poderiam ser utilizadas para distinguir o valor de um produto (PINHO,
1996). Para Carril (2004) o conceito de marca começou a evoluir no século XVIII
quando ―surgiram os primeiros nomes, gravuras de animais, lugares, pessoas
famosas, sempre com o propósito de associar o nome do produto com a marca‖.
Desta forma, a marca passa a ser utilizada não apenas para diferenciar, mas para
informar as pessoas os atributos de valor associados aos produtos.
Como reflexo, no início do século XIX, inicia-se a preocupação com as
questões legais que visavam proteger o direito de uso das marcas, em países como
Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha.
Apesar da evolução lenta e confusa da legislação de proteção às marcas, decorrente das dificuldades inerentes aos valores intangíveis da marca, difíceis de serem provados nos tribunais, a demanda legal acarretou na segunda metade do século a promulgação da Lei de Marcas de Mercadorias na Inglaterra (1862), da Lei Federal de Marcas de Comércio nos Estados Unidos (1870) e da Lei para a Proteção de Marcas na Alemanha (1874). (PINHO, 1996, p.12, 13).
No Brasil, a primeira lei de proteção às marcas foi registrada em 1875, devido
à entrada de um processo da empresa de rapé ―Área Preta‖ pedindo a proteção de
sua marca contra uma concorrente denominada ―Área Parda‖ (PINHO, 1996). O
surgimento das leis de proteção ao registro de marcas demonstra como este
símbolo já vinha sendo percebido como valor na comercialização de produtos.
__________________________ 10
PINTO, Julio. Significado do termo ―marca‖. Belo Horizonte: PUC Minas, 2010. Notas de aula.
48
É a partir de 1880 que começam a surgir as marcas registradas que se
tornaram célebres ao longo dos anos, como Coca-Cola, Procter & Gamble, Kodak,
Heinz, Quaker, entre outras. Para Lipovetsky (2007), o aparecimento das grandes
marcas mudou profundamente a relação do consumidor com as mercadorias. A
marca passa a exercer o papel de entidade que atesta a garantia e qualidade dos
produtos. Desta forma, os produtos passam a ser julgados pelo seu nome. Compra-
se uma assinatura no lugar de uma coisa. Outro fator de valorização das marcas
está associado ao processo de Revolução Industrial:
Com os bens sendo produzidos em grande variedade e quantidade, novos mercados precisavam ser conquistados e assim apareceram os primeiros cartazes publicitários e catálogos de compra, onde figuravam algumas marcas. No começo do século XX, o sucesso das marcas lançadas pelas indústrias e divulgadas intensamente pela publicidade comercial motivou cooperativas, organismos oficiais e grupos econômicos a criarem suas marcas e divulgá-las. (PINHO, 1996, p.13).
O que se percebe é que o atual papel desempenhado pelas marcas não é o
mesmo desde o seu surgimento. Mudanças de cunho social, cultural e econômico
marcaram o desenvolvimento do seu histórico e do seu valor simbólico. Para Klein
(2003) quando os produtos começaram a ser produzidos em série e passaram a
inundar o mercado de massa, diferenciá-los (utilizando-se das marcas) tornou-se
uma tendência. Desde então, a marca transformou-se em elemento essencial para
as organizações.
No final da década de 1940 surgiu a consciência de que uma marca não era
apenas ―um mascote, um slogan ou uma imagem impressa na etiqueta do produto
da empresa; toda a empresa podia ter uma identidade de marca ou uma consciência
corporativa‖ (KLEIN, 2003, p.31).
O que de fato uma marca representa? Partindo para o conceito de marca é
importante apontar como vários autores a descrevem e a conceituam.
A AMA11 (American Marketing Association) define marca como "um nome,
termo, sinal, símbolo ou desenho, ou uma combinação destes, que pretende
identificar os bens e serviços de uma empresa e diferenciá-los dos concorrentes".
Esta definição esclarece o conceito básico da marca, mas não evidencia as relações
___________________________ 11
Dado fornecido pela AMA – Associação Americana de Marketing, entidade mundial de Marketing.
49
associadas a ela. Autores como Klein (2002) a conceituam como uma entidade de
personalidade, parte sensível da construção relacional com o público, uma vez que
ela oferece uma série de experiências que podem ser vividas em relações de
consumo.
Para Riel e Fombrun (2007) a marca é uma mistura dos atributos tangíveis e
intangíveis que simbolizam o espaço empresarial, criando valor e influenciando os
públicos de relacionamento. Ela é a soma de todos os atributos relacionados
(produto, preço, história, publicidade, reputação entre outros) que são geridos para
identificar produtos e serviços e diferenciá-los frente aos concorrentes.
Para Schultz (2004) as marcas são artefatos simbólicos utilizados para
expressar a identidade do produto, da empresa ou do consumidor, estando
associados a nomes distintivos, cores, ícones e formas. Esses atributos são
gerenciados pelas empresas, visando facilitar o reconhecimento e as percepções
dos clientes sobre a identidade. Para a autora, uma marca é capaz de demonstrar
uma diferença relevante e significativa para os clientes em relação aos concorrentes.
Isso se explica devido ao potencial simbólico que a marca exerce.
Nós não compramos produtos somente pelo que eles SÃO: um carro como meio de transporte ou um relógio como medida de tempo; Nós não compramos produtos somente pelo que eles TÊM: um carro com cinco lugares e 200HP ou relógio 99,999% de precisão; Nós compramos produtos pelo que eles SIGNIFICAM: um Volvo (segurança) ou um BMW (prazer em dirigir), um Swatch (informal, jovem) ou um Rolex (luxúria perdulária, status). (CICCOLELLA apud SCHULTZ, 2004, p.4).
Para Schultz (2004, p.2) a maioria das pessoas associa as marcas com
nomes distintivos, cores, ícones, e formas: ―a garrafa sinuosa da Coca-Cola e sua
lata vermelha‖. Percebe-se que as organizações empresariais (empresas) trabalham
para o reconhecimento de suas marcas buscando despertar nos seus grupos de
interesse as expectativas oferecidas por elas.
Aaker (2007) define marca como um conjunto de associações que apontam
para uma identidade, que representa como as organizações desejam ser vistas. No
modelo de ―Identidade de Marca‖ proposto por Aaker (2007) a marca pode ser vista
como produto, como pessoa, como símbolo ou como a própria organização,
formando um conjunto de percepções relacionais.
50
Figura 4: Identidade de Marca Fonte: Adaptado de Aaker (2007)
Pode-se perceber que a marca está diretamente associada à questão da
identidade. Assim as marcas têm sido utilizadas para tentar estabelecer e manter um
conjunto de valores e atributos passíveis de serem assimilados como imagem
atrativa, visando conquistar a preferência do público para o qual as organizações
dirigem suas mensagens. Segundo Klein (2003) a marca adquire um status de
―conceito‖, que busca vender experiências e estilos de vida. A marca passa a
identificar não somente um produto, mas um meio de vida, uma atitude e um
conjunto de valores. Para a autora, o que a marca vende não é o produto, mas o
sentido oferecido por ela.
Randazzo (1996) defende que a marca é mais do que a representação de um
produto, podendo ser, ao mesmo tempo, uma entidade física e perceptual. O
aspecto físico estaria relacionado a questões tangíveis como o conteúdo do produto,
a embalagem, o próprio produto. Já a propriedade perceptual está associada às
características presentes na mente das pessoas que se relacionam com a marca. A
soma dos atributos físicos e perceptuais de uma marca vai gerar o que Randazzo
(1996, p.25) chama de ―mitologia latente do produto‖, uma espécie de totalidade das
percepções, crenças, experiências e sentidos associados a um produto.
A mitologia da marca é tudo aquilo que a marca representa na mente do consumidor. É geralmente uma mistura de imagens, símbolos, sentimentos e valores que resultam do inventário perceptual específico da marca, e que coletivamente definem a marca na mente do consumidor. (...) É transmitida através dos efeitos combinados de anúncios, embalagens, rótulos, logotipos, e das experiências do consumidor com o produto. (RANDAZZO, 1996, p.29).
51
Desta forma, a mitologia formada em torno da marca seria a responsável pelo
sentido que a mesma projeta em seus interlocutores.
Figura 5: A marca é mais que um produto Fonte: Adaptado de Randazzo (1996)
Assim, uma das principais propriedades da marca está relacionada a sua
capacidade de construir um discurso que atua no imaginário da sociedade,
oferecendo uma rede de atributos cognitivos e simbólicos, propondo um universo de
significados em torno de um produto ou serviço. ―A marca é, em certo sentido, a
instância que fornece um contexto dotado de sentido a uma experiência ou a um
imaginário‖ (SEMPRINI, 2006, p.50).
A marca desempenha, então, o importante papel de ―re-semantizar‖ produtos
e dar a eles significado simbólico. Trata-se de dar outro significado ao ―universo do
consumo em sua globalidade, de tornar a dar um sentido e um valor ao próprio ato
de consumir, de saber mostrar às pessoas que consumir pode ser outra coisa que a
simples aquisição de produtos‖ (SEMPRINI, 2006, p.51). Dada a importância desta
relação, torna-se necessário discutir a seguir, o processo de gestão das marcas e a
construção do seu referencial de valor, o que reflete diretamente sobre o seu poder
simbólico.
3.2 Branding, o processo de gestão das marcas
À medida que a dimensão simbólica se sobrepõe ao valor de uso de um
produto, vender conceitos associados a uma marca tornou-se uma tendência no
52
processo de gestão das organizações. Observa-se um modelo de gestão de marcas
conhecido como branding, que visa conduzir o sentido para a construção de valor
delas.
O branding corporativo surgiu da noção de ―marcas registradas‖. Estas marcas registradas foram definidas como marcadores simbólicos para artefatos etc. Tais marcas mostraram pertencimento e propriedade de artefatos para stakeholders específicos e simbolizaram a diferenciação desses artefatos comparados com outros artefatos compatíveis (por exemplo, este é o nosso símbolo, que se diferencia do seu símbolo). Das marcas de ferro que queimavam as vacas no Velho Oeste para o caso de amor do mundo contemporâneo com as grifes, as marcas são artefatos que têm sempre sido usadas simbolicamente para expressar identidade (do produto, da empresa ou do usuário). (SCHULTZ, 2004, p.2).
Nesta perspectiva, pode-se dizer que branding é um processo para exprimir a
identidade organizacional a partir das ações da sua marca e tem como finalidade
associar a ela um conjunto de valores e atributos que sejam percebidos de forma
positiva. As dimensões centrais do branding podem ser apontadas como a criação
de ideias centrais que privilegiem uma organização e a associação destas ideias a
nomes, símbolos e experiências que sejam percebidas e reconhecidas pelos seus
grupos de interesse. Na contemporaneidade, uma organização não se sustenta
somente pelo seu produto, é preciso distingui-lo expressando promessas de
qualidade, estilo, emoção e promovendo experiências que se concretizem pela
interação com a marca (SCHULTZ, 2004).
O conceito de branding surgiu com a disciplina de Marketing e se
desenvolveu com base em duas correntes distintas. A primeira percebe a gestão de
marcas a partir do produto, do marketing e da comunicação visual e enfatiza a
criação de um posicionamento que diferencie a empresa e seus produtos,
considerando que a identidade é fruto de uma escolha estratégica da organização
(SCHULTZ, 2005). Desconsidera-se, portanto, a criação de sentido e significado a
partir da relação entre organização e seus grupos de interesse. A segunda corrente
defende que o sentido não está no objeto. Ele se constrói na interação, um processo
em que se busca continuamente adaptar a realidade organizacional a partir do que
se estabelece com a sociedade (SCHULTZ, 2005).
Nos tempos atuais, pode-se dizer que o foco mudou do branding de produtos
para um branding das organizações. Muitos acadêmicos e profissionais como
53
Schultz (2005) têm discutido que o modelo clássico de branding associado à
primeira corrente apresenta uma visão limitada.
Para a autora a mudança no processo de branding é resultado da percepção
de que a marca é uma moldura das relações da organização com a sociedade.
Desta forma, entende-se que as questões associadas a uma organização como
tecnologia, qualidade, preço, design, estilo, ambiente, credibilidade, apelo emocional
estão presentes no julgamento de valor de uma marca.
Nesta perspectiva, o chamado branding corporativo (SCHULTZ, 2005)
associado à segunda corrente, demonstra que as organizações estão buscando em
suas relações com a sociedade construir diferenças significativas, atrair e envolver
os que se relacionam com a sua marca.
Para Klein (2002) mais que um processo de gestão, o branding tornou-se um
esforço de construir um mundo simbólico para a venda de produtos. As marcas
comerciais não só se empenham em projetar sua identidade e vender seus
produtos. Elas buscam re-significar o universo do consumo. Entende-se que a marca
é um discurso permanente dos atributos de valor de uma organização e, para tal, o
branding tem a função de promover ações que enaltecem este valor. Desta forma, o
consumo não se foca no produto, mas sim no simbólico. A comunicação que parte
de uma organização passa a investir na marca como forma de vender ideias e
imaginários (SEMPRINI, 2006).
Para o autor a comunicação nas organizações empresariais é essencialmente
considerada como uma função da marca, uma variável que permite torná-la familiar
a seus destinatários. Este processo ocorreu porque a oferta de comunicação passou
por um processo de multiplicação e de saturação no espaço público.
Até o inicio dos anos 90, a palavra comunicação é praticamente um sinônimo de publicidade. A publicidade veiculada pela grande mídia (televisão, rádio, imprensa, cartazes, cinema) é a ―estrada real‖ para instalar o discurso de uma marca, para apresentar seus valores, suas ofertas. (...) Por conseguinte, vemos aparecer uma panóplia impressionante de instrumentos e suportes que enriquecem de forma considerável o arsenal de comunicação das marcas: a embalagem, os catálogos de todo tipo, os jornais e os newsletters, os pontos de venda, as malas-diretas, o evento, o mecenato, os patrocínios, o co-branding, as relações públicas, os sites Internet, etc. (SEMPRINI, 2006, p.44, 45).
Todas estas ações e ferramentas possibilitam a abrangência da divulgação de
uma marca. No entanto, é preciso considerar que a constante exposição das
54
pessoas a inúmeras mensagens comerciais causa poluição midiática e dispersa a
compreensão delas, um processo de transmissão de informações que beira o
excesso.
A publicidade cobre atualmente cada esquina de rua, as praças históricas, os jardins públicos, os pontos de ônibus, o metrô, os aeroportos, as estações de trem, os jornais, os cafés, as farmácias, as tabacarias, os isqueiros, os cartões magnéticos de telefone. Interrompe os filmes na televisão, invade o rádio, as revistas, as praias, os esportes, as roupas, acha-se impressa até nas solas dos nossos sapatos, ocupa todo o nosso universo, todo o planeta! (TOSCANI, 2002, p.22).
Desta forma, ―para assegurar-se de ser ouvida e, melhor ainda, de se fazer
entender claramente, uma marca deve dispor de um ―poder de fogo‖ sempre maior‖
(SEMPRINI, 2006, p.44, 45). Na corrida pela visibilidade, o ―poder de fogo‖ das
marcas é promovido por um ―branding avançado‖ (Klein, 2002) que visa promover e
diferenciar a marca de uma organização das demais. O interesse pelo chamado
―branding avançado‖ se dá pela percepção de um processo evolutivo das ações de
marca na contemporaneidade, na busca de relações que multipliquem os pontos de
contato para além das relações de consumo. Pode-se citar como exemplo as
empresas do grupo FIAT, que promovem um espaço cultural - Casa FIAT de Cultura
-, não vinculado diretamente as suas ações comerciais, mas que contribui para o
seu discurso de marca. Este movimento evolutivo do branding se deve à
necessidade cada vez mais complexa para a marca ―de falar com públicos
diversificados, de lhes dirigir discursos específicos, de estender a sua presença em
suas vidas cotidianas, de interagir‖ (SEMPRINI, 2006, p.46).
Nota-se que em estratégias de branding avançado, o objetivo é construir
mundos simbólicos que despertem a atenção das pessoas e que criem vínculos
mais próximos com a marca. Para Klein (2002, p.53) o efeito do branding avançado
na sociedade contemporânea ultrapassa a esfera comercial. O projeto ambicioso
das marcas seria tornar-se ―o foco central de tudo que toca‖. Quando uma marca,
por meio de representações simbólicas, busca re-significar o valor de uso de um
produto, ela transforma o seu ―real valor‖ e altera este referencial na sociedade.
55
O processo de branding vai além dos relógios Swatch pesadamente divulgados e lança ―o tempo da internet‖, um novo empreendimento para o Swatch Group, que divide o dia em mil ―batidas Swatch‖. A empresa suíça está agora tentando convencer o mundo on-line a abandonar o relógio tradicional e migrar para o seu conceito de tempo de grife sem fusos horários. (...) Embora nem sempre seja a intenção original, o efeito do branding avançado é empurrar a cultura que a hospeda para o fundo do palco e fazer da marca a estrela (KLEIN, 2002, p.53).
As estratégias de marca, cada vez mais, constroem relações simbólicas. O
simbólico representa um poder invisível, em que sua legitimação se dá pelo
reconhecimento dos sujeitos presentes na sociedade (BOURDIEU, 2010). Nesta
perspectiva apresentam-se, a seguir, considerações sobre o papel simbólico das
marcas e o processo de produção de sentido.
3.3 O papel simbólico das marcas
Para compreender a apropriação de valores simbólicos em estratégias de
marca, opta-se por buscar referências em três perspectivas teóricas. A primeira se
baseia na Semiótica ―ciência geral de todas as linguagens‖ (SANTAELLA, 1983,
p.7), que se fundamenta nos estudos de Charles Sanders Peirce, filósofo americano
que desenvolveu a ciência dos signos, capaz de abarcar fenômenos de produção de
significado e sentido. A segunda é a perspectiva do Capital Simbólico, de Bourdieu
(2010) conceito utilizado para denominar uma espécie de poder que mobiliza e "faz
crer" e que modifica a ―realidade‖. E a terceira o Simulacro de Baudrillard (1991) que
defende que os simulacros são experiências, formas, códigos e objetos que se
apresentam mais reais do que a própria realidade. Acredita-se que partindo destas
três vertentes teóricas, a marca possa ser compreendida em sua dimensão
simbólica. Vale ressaltar que, embora se utilize estas três perspectivas como
condutores da compreensão do simbólico, outras referências também serão
abordadas para o enriquecimento da reflexão.
A começar pela Semiótica, a marca organizacional pode ser percebida como
uma forma de linguagem. A linguagem é definida por Pinto (2002) como condição
fundamental para o processo comunicativo, seja em seu aspecto verbal ou não
verbal, englobando várias práticas significantes. Nesta perspectiva, a marca constitui
um processo de linguagem, não apenas por ser um elemento significante, mas por
ser uma espécie de ―entrelugar‖, que não só medeia, mas que é constituída de
56
possibilidades de interação, de troca, que vão construir o sentido essencial da
linguagem (PINTO, 2002).
Para examinar sua condição de linguagem, propõe-se a análise da marca
como entidade significante para compreensão da sua multiplicidade expressiva. Ela
pode ser percebida como um signo, ―que representa algo para alguém em algum
aspecto ou capacidade. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um
signo equivalente, ou talvez mais desenvolvido‖ (CP 2.228)12. Ao pensar a marca
contemporânea como signo, faz-se referência ao seu potencial de significação -
verbal ou não-verbal -, seu papel e os sentidos que são produzidos por ela:
pensamentos, reações, emoção, consumo, cultura, etc.
―O signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto‖
(SANTAELLA, 1983, p.58). O nome da marca, os funcionários da marca, a
infraestrutura da marca, as ações da marca são signos representativos que evoluem
do objeto marca. A construção de cada mensagem relacionada com uma marca
parte de um processo de representação, associado diretamente à marca.
As marcas manifestam-se de maneira integrada e complexa, através de uma multiplicidade de meios e modos de expressão. Pode-se, por exemplo, assistir a um comercial de uma marca pela televisão, acessar o site da marca via internet (e assistir ao mesmo comercial), interagir com a marca através do serviço de atendimento (por telefone, carta, e-mail ou pessoalmente), receber uma mensagem personalizada (via carta, e-mail ou no visor do celular), assistir a um espetáculo cultural patrocinado pela marca
ou visitar uma loja, por exemplo. (CIMATTI, 2006, p.7).
Todas estas experiências comunicativas que partem de uma marca são
representações dela. Para Santaella (1983, p.58) para ser um signo, é necessário
possuir o poder de representar, ―o signo não é o objeto. Ele apenas está no lugar do
objeto‖. A marca em seu conceito prático é uma representação gráfica, que se
reveste de significados associados a uma organização. Dentro desta visão, o signo
(marca) reveste-se de múltiplas ―realidades‖ para representar os atributos de uma
organização e busca produzir efeitos (sentidos).
Ora, o signo só pode representar seu objeto para um intérprete, e porque representa seu objeto, produz na mente desse intérprete alguma outra coisa
___________________________ 12
CP quer dizer Collected Papers, seguido do número do volume, ponto, número do parágrafo. Assim, CP 2.228 refere-se ao parágrafo 228 do volume 2 dos Collected Papers
57
(um signo ou quase-signo) que também está relacionado ao objeto não diretamente, mas pela mediação do signo. (...) Portanto, o significado de um signo é outro signo – seja este uma imagem mental ou palpável, uma ação ou mera reação gestual, uma palavra ou um mero sentimento de alegria, raiva... uma ideia, ou seja lá o que for – porque essa seja lá o que for, que é criado na mente pelo signo, é um outro signo (tradução do primeiro). (SANTAELLA, 1983, p. 59).
O interpretante de um signo, o que aponta para o seu significado, consiste
naquilo em que o signo está apto a produzir na mente que irá interpretá-lo
(SANTAELLA, 1983). Desta forma, o sentido produzido não é reflexo puro das
intencionalidades que partem do processo de comunicação das organizações. Ele
se constrói baseado no referencial, na cultura dos seus interlocutores. O signo cria
significação, ―em vez de passivamente esperar que o sujeito o invista de sentido. O
sujeito interpreta o signo à sua maneira e gera nesse processo seus próprios
interpretantes‖ (PINTO, 1995, p.50).
Ao lançar um olhar semiótico sobre a marca busca-se revelar a articulação
simbólica que reflete nos efeitos que é capaz de produzir. O simbólico caracteriza-se
por recriar a realidade, usando um sistema de símbolos que impactam na
interpretação e ressignificação do mundo real. O símbolo é um signo que será
representado, ou seja, chamar um signo de símbolo significa que o representante
deste signo é um objeto construído. ―Uma outra caracterização do símbolo poderia
ser a de que seu caráter representativo consiste precisamente no fato de que ele é
uma regra que vai determinar seu interpretante‖ (PINTO, 1995, p.54).
As estratégias de marca buscam criar valores simbólicos que se convertem
em realidades projetadas por ela mesma. Pode-se pensar que as marcas são signos
que se estabelecem em um jogo de disputas pelo direito de significar e que neste
processo, os significados oferecidos pelas marcas se configuram em realidades
propostas por organizações, objetivando o consumo. Nesta relação, a marca se
estabelece como um agente de ligação capaz de estabelecer um diálogo entre dois
tipos de linguagem (o discurso organizacional e a resposta dos interlocutores). Nesta
interlocução, a marca se torna um símbolo, um meio geral para o desenvolvimento
de um interpretante.
Percebe-se claramente a transformação do símbolo marca nos seus aspectos referenciais e significativos. Isto porque, se temos, por exemplo, uma marca que representava seu contexto, em um dado momento do tempo – digamos em 1960 -, sob o prisma dos benefícios de seus produtos,
58
gerando interpretantes como ―qualidade‖ e ―praticidade‖, esta mesma marca pode representar o seu contexto atual pelo viés de um dado estilo de vida, desenvolvendo interpretantes como ―prestígio‖ e ―status‖. (...) Desta forma, sua razão de ser signo reside na geração de interpretantes e sua função é crescer nos interpretantes que gerará. (CIMATTI, 2006, p.11).
Esta relação se deve porque o símbolo é um signo que se relaciona com seu
objeto por meio de seu interpretante e também porque ele ―apresenta uma aptidão
natural para a mudança, no decorrer do tempo, quando ocorrem transformações em
seu hábito interpretativo‖ (CIMATTI, 2006, p.11).
Figura 6: Representação gráfica da marca Johnnie Walker Fonte: Mundo das marcas, 2006
Toma-se como exemplo a evolução da representação gráfica da marca
Johnnie Walker. O famoso logotipo da marca, chamado de Striding Man ou
caminhante, foi criado em 1908. A figura de um homem, com botas de montaria,
roupas que refletiam a elegância da época e monóculo, foi criada para representar o
progresso, pioneirismo e a saga da família Walker, produtores do whisky Johnnie
Walker. À medida que esta marca foi adquirindo visibilidade e prestígio no mercado,
seu símbolo foi sendo redesenhado por renomados artistas plásticos como Basil
Partridge, Leo Cheney, Clive Upton e Michael Peters13. Percebe-se que as roupas e
acessórios do símbolo caminhante da Johnnie Walker foram se adaptando e
evoluindo, mas sempre buscando remeter ao atual conceito de status, uma das
referencias significativas que a marca busca representar.
___________________________ 13
Disponível no site ―Mundo das Marcas‖.
59
Se aplicarmos esse raciocínio ao contexto da marca, temos, pelo menos, uma reflexão analítica possível, inspirada na evolução histórica da marca como signo simbólico. (…) a importância crescente da marca no mundo contemporâneo pode ser atribuída, numa perspectiva mercadológica, aos avanços técnicos que possibilitaram uma homogeneização dos produtos fabricados. A concorrência entre os produtos deslocou-se, assim, para aspectos menos tangíveis, não tão ligados às características físicas dos produtos, mas aos valores ideais, sonhos, desejos de uma sociedade numa determinada época (CIMATTI, 2006, p.11).
Observa-se que não só a representação gráfica de uma marca evolui, mas
também suas estratégias se adaptam às mudanças da sociedade de cada época. O
signo marca quando se torna parte de uma ação estratégica que parte de uma
organização, é utilizado objetivando gerar interpretantes, significados que sejam
benquistos por seus interlocutores. Por exemplo, as formas e as cores de uma
marca em sua representação gráfica (logotipo) têm uma grande capacidade de
despertar relações de familiaridade a partir do seu design. ―As formas e as cores do
logotipo da empresa Petrobras guardam estreita associação com as formas e cores
da bandeira brasileira‖ (CARRIL, 2004, p.95). Por meio da marca, a Petrobras busca
produzir interpretantes que se traduzam em valores positivos, que criem vínculos
com a identidade do Brasil.
.
Figura 7: Logomarca Petrobras Fonte: Adaptado de Carril (2004)
O interpretante ―é um conteúdo objetivo que se depreende da referência que
o signo faz a seu objeto e somente nesse sentido pode ser visto como uma
interpretação‖ (PINTO, 1995, p.29). O interpretante da marca aponta para os
sentidos que ela visa construir e, desta forma, molda percepções e gera cada vez
mais interpretantes.
60
Toda esta discussão em torno da Semiótica justifica-se pela tentativa de
compreender os sentidos que se configuram entre a marca organizacional e os
atores sociais. Como explicitado, as estratégias de branding evoluíram e se
tornaram um discurso avançado, que perpassa a tradicional lógica da publicidade e
da propaganda utilizada para divulgar o produto. Hoje, o interpretante da marca
remete a ações que insistem em não parecer o interpretante direto de uma marca,
mas que, de forma sutil, torna seu conceito latente.
Toma-se como exemplo uma marca que se tornou célebre por defender um
tipo de publicidade que não remetia diretamente aos seus produtos. Esta marca é a
Benetton, que usava a publicidade para denunciar um mundo de preconceitos e não
para vender suas roupas diretamente. Conflitos raciais, violência, AIDS, poluição
estampavam a campanha da Benetton acompanhado por um slogan ―United colors
of Benetton‖ (cores unidas da Benetton). Como propôs Toscani (2002, p.86) criador
da campanha, em vez de longos discursos, de cansativa argumentação ou de
qualquer outra coisa que se dirija prioritariamente à razão, ―a Benetton visa ao
choque emotivo, ao peso da carne marcada com todas as conotações que a
metáfora implica‖. Segundo Toscani (2002, p.26) hoje, em se tratando de produtos
de mesmo segmento, todos são muito parecidos em seu valor de uso, ―como
mostrar a diferença entre estes senão pelo engajamento, uma visão de mundo,
tomadas de posição e criatividade?‖. Esta é uma estratégia que se preocupa mais
com a imagem da marca do que a com venda objetiva de um produto.
O primeiro anúncio polêmico criado pela Benetton trazia um bebê branco nos
braços de uma mulher negra e transformou um slogan publicitário em uma iniciativa
humanista, ―aparentemente‖. Essa campanha foi muito bem recebida no mundo
inteiro e ganhou vários prêmios. Com exceção dos Estados Unidos, onde
organizações minoritárias negras julgaram-na racista (TOSCANI, 2002, p.48).
Em alguns anos, com uma comunicação original, a United Colors of Benetton se fez conhecer internacionalmente como nenhuma outra marca de prêt-à-porter. Fizeram-se estudos em 1994 sobre a popularidade do título no mundo inteiro: o nome United Colors of Benetton bate desde então a Chanel na memorização das marcas e entrou no pelotão das cinco marcas mundiais mais conhecidas. (TOSCANI, 2002, p.56).
61
Nota-se como efeito, que mesmo não tendo investido no jeito tradicional de se
vendar roupas, a Benetton, mais do que nunca, vendeu um conceito, vendeu sua
marca.
Figura 8: Campanha da Benetton Fonte: Adaptado de Toscani (2002)
A campanha foi discutida e analisada por todo mundo e foi motivo de diversos
estudos acadêmicos. Indiretamente falando de temas não ligados ao consumo de
roupas, a Benetton divulgou e aumentou o valor da sua marca. ―A Benetton entrou
num outro domínio da publicidade, ela superou a noção de produto para vender uma
filosofia de marca‖ (TOSCANI, 2002, p.58).
62
O exemplo da Benetton nos leva a compreender melhor a ideia de
interpretante, ou seja, o que o signo produz como efeito em uma mente. Desta
forma, é preciso considerar que ele se relaciona com três níveis propostos por
Peirce, uma vez que todo signo tem uma natureza triádica: primeiridade,
secundidade e terceiridade (SANTAELLA, 2002). A mente que interpreta a marca o
faz pela mediação do signo marca. Ao produzir um sentido, a marca em sua
condição de signo produz três efeitos: o primeiro chamado de primeiridade ―modo de
ser daquilo que é tal como é positivamente e se referencia a outra qualquer‖ (CP
8.328). Corresponde às noções de sentimento sem reflexão, de possibilidade.
―Assim a primeiridade é também a categoria da sensação ou do sentimento,
entendidos como pré-reflexivos, isto é, anteriores a uma consciência deles‖ (PINTO,
1995, p.41). Ela é o potencial de sentido de uma mente, o que foge a racionalidade
no momento em que atinge a consciência.
Em se tratando das marcas, a primeiridade é esta sensação que um anúncio
desperta, antes mesmo da tomada de consciência sobre o nome do anunciante. É o
efeito, impacto primeiro que causa um anúncio, uma ação, uma estratégia de marca
que visa atrair, antes mesmo que se tenha tempo de interpretar uma mensagem. É o
impacto que as campanhas da Benetton causam nas pessoas com uma roupa suja
de sangue, um beijo entre uma freira e um padre, uma parte íntima tatuada com a
sigla HIV.
A secundidade ocorre quando um fenômeno que foi percebido como primeiro
é relacionado a um segundo qualquer. É uma categoria de comparação entre uma
realidade proposta e a experiência da mente interpretante.
Os signos segundos, portanto, não dizem da regularidade, do hábito, do propósito ou da lei. Falam, entretanto, de ação e reação, de resistência ao impacto, de causa e efeito, de força bruta. Assim, enquanto o sentimento não analisado estaria na primeiridade, o registro do sentimento, a atenção a ele, seria um fato da secundidade, porque implica por parte de quem o sente uma resistência análoga à que uma parede oferece ao tato. (PINTO, 1995, p.48).
A secundidade representa a ―ação de um sentimento sobre nós e nossa
reação específica, comoção do eu para um estímulo‖ (SANTAELLA, 1983, p.48).
Quando se expõe uma mente a um estímulo de uma marca, um sentimento
relacionado à primeiridade é a primeira referência de sentido desta mente. Logo
após vem a ação advinda deste contato, que se relaciona com os parâmetros
63
interpretativos de cada um, com a cultura, que somados ao primeiro impacto que se
recebe, produz uma ação. Voltando ao exemplo da Benetton, a secundidade é a
soma do sentimento primeiro despertado pelo anúncio que, em contato com as
convicções individuais, produz uma decisão frente ao estímulo recebido.
A terceiridade é uma categoria que designa a aprendizagem e o
desenvolvimento. Refere-se à ação do signo e ao seu processo de representação. É
a relação que se estabelece entre o signo, o objeto e interpretante, capacidade que
algo tem de representar. ―O terceiro é na verdade, a conexão entre a qualidade e o
fato, entre o primeiro e o segundo‖ (PINTO, 1995, p.57). Vale ressaltar que existe,
entre as três referidas categorias, ―uma relação de dependência, um terceiro inclui
um segundo, que inclui um primeiro‖, (PINTO, 1995, p.58). O terceiro não seria uma
somatória, mas algo que se constituí pela conexão com as duas primeiras. Isso
reflete na interpretação que fazemos do mundo atual, na relação que temos com as
coisas presentes neste mundo, ―é a capacidade que algo tem de representar‖
(PINTO, 1995, p.57).
O terceiro efeito significado de um signo, que é o interpretante, refere-se a quando o signo é interpretado por intermédio de uma regra interpretativa internalizada pelo intérprete. Sem essas regras interpretativas, os símbolos não poderiam significar, pois o símbolo está associado ao objeto que representa por meio de um hábito associativo que processa na mente do intérprete, associação essa que estabelece a conexão entre o signo e o seu objeto. Daí Peirce ter repetido muitas vezes que o símbolo se constituiu como tal apenas por meio do interpretante. (CARRIL, 2004, p.64).
Transferindo esta lógica para o signo marca, pode-se indicar que o
sentimento primeiro conjugado à reação, que é segunda, se associam na
composição do sentido. Para exemplificar, volta-se ao anúncio da Benetton. A
mensagem polêmica associada à marca Benetton leva a mente interpretante a
relacionar a mensagem a valores positivos ou negativos. Se a regra interpretativa
formada for positiva, refletirá em boas percepções sobre a marca Benetton. Desta
forma, a marca Benetton pode se tornar um símbolo que remete a uma organização
com propósitos sociais.
O exemplo da marca Benetton vem ressaltar que, ao oferecer um imaginário,
as marcas adquirem um novo caráter, que não mais enfatiza o desempenho da
mercadoria, mas, sim, a emoção, o sentimento. A ação de consumo, somada à
experiência, a cultura dos interlocutores torna possível a produção de sentido.
64
Exige-se das marcas comerciais um esforço mais profundo e mais complexo. Trata-se de re-semantizar o universo do consumo em sua globalidade, de tornar a dar um sentido e um valor ao próprio ato de consumir, de saber mostrar às pessoas que consumir pode ser outra coisa que a simples aquisição de produtos de que se necessita. (SEMPRINI, 2006, p.50, 51).
Percebe-se que a marca, a partir de suas várias representações simbólicas,
acaba por adquirir uma espécie de poder associado à propriedade de "fazer ver" e
"fazer crer", poder que se relaciona ao que Bourdieu (2010) chamou de ―poder
simbólico‖. A obra de Bourdieu é voltada ao campo das ciências sociais e um dos
aspectos que ele se propõe a analisar é a produção simbólica. Para Bourdieu (2010)
o poder simbólico é um poder que atua sobre a construção da realidade e tende a
estabelecer uma ordem para a produção de sentido do mundo social. Tem como
objetivo uma função estruturante, que utiliza os símbolos para tal.
Os símbolos são os instrumentos por excelência da integração social: enquanto instrumentos de conhecimento e comunicação. (...) Eles tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribuí fundamentalmente para a reprodução da ordem social. (BOURDIEU, 2010, p.10).
O autor afirma que as produções simbólicas partem de interesses de
instâncias dominantes e servem a intuitos particulares que tendem a mostrá-los
como universais. Os símbolos, encadeados pelos sistemas simbólicos, têm como
função preponderante a integração social. Eles conferem sentido ao mundo social,
possibilitando, desse modo, um consenso acerca da ordem estabelecida. O poder
simbólico emerge como um poder capaz de impor significações e as impõe como
legítimas, contribuindo, dessa forma, com a dominação vigente. O poder simbólico é
imperceptível e invisível, uma forma transfigurada e legitimada de outras formas de
poder. Embora a teoria do poder simbólico de Bourdieu (2010) seja baseada em
grande parte na teoria marxista sobre instrumentos de dominação, pode-se utilizar a
lógica do seu pensamento para as relações que se estabelecem entre marcas e os
atores sociais.
Organizações empresariais podem ser vistas como instâncias que possuem
interesses particulares relacionados ao consumo e, para tal, tendem a direcionar o
seu processo de comunicação para legitimar seus objetivos. Neste processo, a
marca é utilizada como um símbolo que interage com os atores presentes na
sociedade. A partir destas interações, a marca busca refletir uma série de conceitos
65
que não se relacionam a uma realidade objetiva. Muitas vezes, o mundo da marca
altera o referencial de valor de uma sociedade. Mas quem legitima os conceitos que
são refletidos por ela são as pessoas que com ela interagem. O que dá o poder às
marcas é a cumplicidade dos que participam do mundo proposto por ela.
Toma-se como exemplo a marca Nike. Em 1985 a empresa contratou o
jogador de basquete Michael Jordan (uma das grandes referências do esporte
naquele momento) para estrelar um comercial em que ele parecia voar enquanto
jogava basquete. Esses comerciais foram um dos primeiros vídeos de marca que
investiram em tecnologia avançada para promover produtos. ―Muitos dos mais
famosos comerciais da Nike usaram astros para levar a ideia do esporte. (...) Como
disse Michael Jordan, o que a Nike tem feito é me transformar em um sonho‖
(KLEIN, 2002, p.78). Para Klein (2002) ao se relacionar com estrelas do esporte
como Michael Jordan, a Nike deixou de se promover como fabricante de artigos
esportivos e assumiu o papel de marca que pratica esportes junto com os seus
consumidores.
Muitas vezes, as marcas se apresentam com conceitos, atitudes, valores e
experiências tão fortes que podem se tornar, por consequência, um estilo de vida.
―Acordo toda manhã, pulo para o chuveiro, olho para o símbolo e ele me sacode
para o dia. É para lembrar a cada dia de como tenho de agir, isto é‖ ―Just Do It”,
(apenas faça)14 (COLLECTION apud KLEIN 2002, p.76). É esta inversão de valores,
a substituição da utilidade objetiva de um produto por um ―real‖ imaginário associado
a ele, que reflete o valor simbólico de uma marca. É perceptível a capacidade que a
marca tem de transformar a visão do mundo.
Seus cabelos caem porque você não está usando esta loção milagrosa de ―extratos naturais‖; suas gengivas estão sangrando e não são de ―concreto‖ porque você esta comprando o dentifrício errado; você não arranjará um novo emprego se não fizer uso deste barbeador para vencedores e deste computador portátil; você está ficando feio(a) e vivendo à margem da ―verdadeira vida‖, da ―vida cheia de vida‖, da ―vida autêntica‖, da ―vida total‖ porque ainda não adquiriu este queijo magro sem sal ou esta refrescante soda gasosa. (...) nos propõem um mundo de ninharias entusiastas cada vez mais batidas nestes tempos de crise econômica e espiritual. (TOSCANI, 2002, p.28).
___________________________ 14
Empresário de 24 anos, Carmine Collection, sobre sua decisão de tatuar a logo da Nike em seu umbigo.
66
A marca atua na substituição do ―real‖ e, desta forma, pode-se relacioná-la ao
que Baudrillard (1981) chama de simulacro. A teoria do simulacro de Jean
Baudrillard pode ser percebida como uma crítica à perda do referente da realidade.
Para o autor, o simulacro anula a representação como relação a uma origem que a
preceda, anula o real como referente. Desta forma, o simulacro permite uma
encenação dos signos, que não mais remete ao ―real‖, mas ao hiper-real.
O hiper-real (elemento sem origem, sem uma ―real‖ referência) remete a
muitas ―verdades‖ e permitiria várias manifestações do sentido a respeito de um
mesmo signo. ―Assim, vivemos por toda parte num universo estranhamente
semelhante ao original‖ (BAUDRILLARD, 1981, p.20). Para explicar melhor esta
afirmação, o autor defende que o simulacro estimula a perda da dimensão funcional
em virtude de outro valor, o valor da simulação. Como exemplo, Baudrillard (1981)
cita a Disneylândia.
A Disneylândia é um modelo perfeito de todos os tipos de simulacros confundidos. É antes de mais um jogo de ilusões e de fantasmas: os Piratas, a Fronteira, o Futuro World, etc. Supõe-se que este mundo imaginário constitui o êxito da operação. Mas o que atraí as multidões é sem dúvida muito mais o microcosmo social, o gozo religioso, miniaturizado da América real, dos seus constrangimentos e alegrias. (...) A Disneylândia é colocada como imaginário a fim de fazer crer que o resto é real, quando toda Los Angeles e a América que a rodeia já não são reais, mas do domínio do hiper-real e da simulação. Já não se trata de uma representação falsa da realidade (a ideologia), trata-se de esconder que o real já não é o real e, portanto, de salvaguardar o princípio da realidade. (BAUDRILLARD, p.20, 21).
A Disneylândia é uma espécie de ―simulação‖ porque se verifica em seu
significado uma ―emancipação do signo‖: desligado da obrigação de designar algo
pré-referenciado por um jogo estrutural. O valor imaginário passa a dominar a
―verdade‖ e o interpretante dos signos. No simulacro o hiper-real é produzido na
lógica da reprodutibilidade. ―O imaginário da Disneylândia não é verdadeiro nem
falso, é uma máquina de dissuasão encenada para regenerar no plano oposto a
ficção do real‖ (BAUDRILLARD, 1981, p.21). A Disneylândia é uma das muitas
metáforas que pode ser usadas para se falar do simulacro.
Outro simulacro possível está associado ao sentido que é projetado pelas
marcas. ―Marcas também são símbolos, signos que têm algum sentido por outra
convenção, alem da identificadora‖ (CIMATTI, 2006, p.9). Percebe-se que seu
potencial significativo não se esgota em nenhuma interpretação particular. Ela
67
representa vários simulacros da realidade. Por meio de um conjunto de experiências
proporcionadas àqueles que convivem com elas, a marca gera, a partir da interação,
uma fonte de significações que podem produzir sentidos variados.
O uso do produto, o anúncio da TV, a embalagem, o logotipo. Todos os ―pontos de contato‖ são signos e compartilham o mesmo objeto dinâmico – eles se referem em última instância, à marca. Por isso a marca já foi chamada de ―super-signo‖ (BAUDRILLARD, 1995), em direção ao qual culminam todos os signos cujos conteúdos aludem a sua existência. (...) Os processos comunicativos da marca são capazes de produzir efeitos interpretativos múltiplos e diversos, camadas sobrepostas e interligadas de sensações, sentimentos, ações e pensamentos que se manifestam a partir dos contatos entre o consumidor e marca. (CIMATTI, 2006, p.10, 11).
A marca se constitui como um símbolo complexo, por que se constitui pela
soma/ articulação de várias linguagens e comunica a partir de vários canais de
comunicação. Como reflexo, ela se estabelece como meio pelo qual os discursos
organizacionais promovem a lógica mercantilista.
A utilização de várias teorias (não necessariamente complementares e muitas
vezes divergentes) para buscar a compreensão da marca, se deve à percepção do
seu vasto potencial de significação junto à sociedade. Numa tentativa de apontar o
seu importante papel na produção de sentidos, o que se buscou foi apresentar
diferentes perspectivas dos efeitos que ela pode causar na sociedade. Para maior
compreensão desta relação, discutir-se-á a seguir o processo de produção de
sentido.
3.4 O processo de produção de sentido
No esforço de demonstrar como o processo de comunicação pode ser
percebido como espaço de produção e circulação de sentidos, utilizado para a
construção de realidades simbólicas, propõe-se explicitar as especificidades desse
processo resultado das relações que se dão no contexto das organizações. Neste
contexto, considera-se que o sentido é uma construção social interativa, pois é na
dinâmica das relações sociais (em suas várias perspectivas de cultura) que se
constroem os repertórios com os quais lidamos com as situações e fenômenos a
nossa volta. O sentido é algo a ser construído, sendo, portanto, uma operação que
só se constitui de fato quando atinge a instância de recepção no percurso do
processo comunicativo.
68
Entender a ―construção de sentido‖ é percebê-la como processos historicamente localizados e, portanto, condicionados por fatores sociais, políticos, econômicos, culturais e educacionais que estruturam as regras, os hábitos e os modos de proceder dos atores sociais que, por meio de práticas discursivas, entram em interação. Esses atores em interação buscam estabelecer trocas simbólicas por meio do diálogo, da negociação, da contestação e/ou da tomada de decisão, de modo a se posicionarem socialmente, conforme seus interesses, preferências, expectativas e intenções. (PAULA, 2010, p.1).
Para compreender o ―sentido‖, segundo Paula (2010), é necessário
reconhecer que todo processo comunicativo é constituído por instâncias: a
produção, a circulação e a recepção. Todo contexto em que ocorrem processos de
interação (seja este processo presencial, ou não) a comunicação parte de uma
instância produtora que seleciona, edita e evidencia aquilo a que se quer dar
visibilidade. Tal visibilidade está localizada na instância da circulação, que age como
uma mídia, uma ponte que faz a mediação entre a produção e a recepção. Nesta
relação, ocorre uma disputa entre as intencionalidades da instância enunciadora e a
apropriação que a recepção faz. Os produtos construídos nesta relação seriam os
valores simbólicos que circulam na esfera pública (PAULA, 2010).
É válido lembrar que não há garantias de que o processo da recepção se dê nos moldes previstos pela instância produtora, sendo a circulação a instância onde ocorrem interações sociais em torno dos produtos midiáticos, sejam eles produtos propriamente ditos, imagens, serviços, discursos, pessoas públicas ou organizações. Como não há uma correspondência direta entre os produtos intencionalmente elaborados pela produção e as interpretações que esses produtos adquirem ao serem apropriados na recepção, o processo comunicativo possibilita oportunidades múltiplas de atribuir sentidos novos àquilo que fora inicialmente pré-definido (PAULA, 2010, p.1).
Nesta perspectiva, a marca pode ser percebida como um processo
comunicativo que atua sobre a (re) significação dos sentidos. Isso ocorre porque as
organizações podem ser vistas como instâncias discursivas, que buscam produzir
sentidos junto aos seus grupos de interesse. Estes, por sua vez, podem ser
considerados como instâncias discursivas, já que se manifestam sobre os discursos
que partem das organizações. Paula (2010, p.1) afirma que a organização dita:
―normas de condutas e comportamentos aos seus diversos públicos, por outro,
existe também um processo de (re) significação por parte deles, que vão construir os
sentidos de acordo com seus repertórios sociais‖. Assim todo processo
comunicativo, que parte das organizações, está para além de supostos controles e
69
da transmissão de informações. Mesmo que as organizações, em uma condição de
instância de produção, que investem sentidos nas mensagens de forma a preenchê-
las de conteúdo simbólico a serem postos em circulação para reconhecimento e
consumo por parte dos seus interlocutores, não há garantias de justaposição de
sentidos que decorram do processo comunicativo (LA FUENTE; PAULA, 2010). Mas
por que as organizações, em uma condição de instância produtora, busca investir de
sentido as mensagens que põe em circulação no processo de comunicação com
seus interlocutores?
Fausto Neto (2008) ressalta que em contextos organizacionais, a
comunicação pode ser utilizada como um tipo de mecanismo regulador. Para o
autor, trata-se de uma interação em que se instala uma lógica de alerta por parte
das organizações, mas que não garante as intencionalidades que são propostas.
(...) a comunicação aparece associada à noção de ―radar‖, enquanto um dispositivo cuja atividade visaria proteger, através de captura, processamento, análise e de disseminação de informação – as atividades e a vida de uma organização face às manifestações do ambiente que lhe oferecem perigo ou restrições ao seu funcionamento (FAUSTO NETO, 2008, p.42).
Para o autor, ―a comunicação não é um ato de atribuição de sentidos, que se
realizaria automaticamente entre produtor e receptor‖, mas, ao contrário, ―um jogo
no qual a questão dos sentidos se engendra em meio às disputas de estratégias de
enunciação‖ (FAUSTO NETO, 2008, p.54). Desta forma, nem a organização nem os
grupos de interesse podem ser vistos como sujeitos passivos, pois possuem
interesses e intencionalidades no processo de interação.
Significa que produtor e receptor ocupam posições diferentes, na medida em que o ato que os une, enquanto comunicação, se realiza a partir de gramáticas, enquanto regras, e estratégias que tratam de diferenciar o status de cada um. (...) O sentido se faria em decorrência de um ―feixe de relações‖, o que admite que os efeitos de uma mensagem não estariam na competência específica de um dos pólos (produção/ recepção), uma vez que nem um e nem outro pode estabelecer a priori os modos como seu interlocutor lidará com a mensagem que lhe foi destinada. (FAUSTO NETO, 2008, p.54).
O sentido se dá na relação, no processo de interação, ou seja, na dinâmica
das relações dos atores sociais, e esta lógica se aplica ao contexto das
organizações. A lógica regulatória da comunicação como processo de vigilância no
70
contexto das organizações nasce do seu objetivo mercadológico de ofertar bens
para fins de consumo. Como já explicitado, para fugir da defasagem entre produção/
consumo, investiu-se em dispositivos cujo objetivo é construir sentido a partir de
relações simbólicas.
A dinâmica sobre as quais se instala a vida material e simbólica da organização e seus parceiros externos são, por natureza marcadas por um ―desajuste‖. E, nestas condições, é que se inventa dispositivo cujas soluções visam capturar o ―jogo do concorrente‖ ou as inquietações do cliente, segundo atividade do radar, algo que se assentaria na criação, por parte do próprio mundo da organização, de modalidades de interação que permitem a voz do consumidor fluir até o próprio nicho produtivo‖. (...) As cartas enviadas aos jornais, por leitores, não seriam um bom exemplo? Busca-se como isso, estabelecer as previsões de perigos, mas, ao mesmo tempo, corrigir, ou prever, os efeitos das ―estratégias desviantes‖ ou mesmo dos ―pontos de fuga‖ (FAUSTO NETO, 2008, p.51).
O autor ressalta que é próprio do mundo empresarial buscar estratégias para
enfrentar os chamados ―pontos de fuga‖. Nesta perspectiva, se a marca pode ser
vista como um signo e ―nunca temos um só sentido para um único signo, por mais
simples que ele seja‖ (PINTO, 2002, p.35), as estratégias que partem das
organizações pressupõem ―um processo de interação segundo regras de controle
que vão qualificar as relações que vinculam empresa e cliente‖ (FAUTO NETO,
2008, p.52).
Toda esta discussão nos leva a entender como a marca empresarial se insere
nesta relação, uma vez que pode ser considerada mediadora do discurso das
organizações. A construção da marca é parte do processo de comunicação no
contexto das organizações, pois se insere na transmissão de conteúdo e nos
aspectos relacionais que são adicionados à produção de sentido. Considera-se que
a marca é uma instância de circulação, uma ―ponte‖ para a construção de
significados entre produtores (organizações) e receptores (interlocutores das
organizações).
Para Klein (2003) o verdadeiro objetivo das marcas seria re-significar o valor
de uso de um produto e convertê-lo em uma desejada opção de consumo, em um
estilo de vida. Para a autora, a partir da tentativa de conformação do sentido, há
uma lógica que parte das organizações empresariais, surgindo um novo padrão que
guia suas relações junto aos seus interlocutores: ―à medida que mais e mais
empresas buscam ser aquela que fabrica a marca que consumimos, a que produz
arte, (...) todo o conceito de espaço público está sendo redefinido‖ (KLEIN, 2003,
71
p.154). As autoras La Fuente e Paula (2010) apontam o quanto à sociedade vem
sendo exposta a intenções comunicativas de organizações.
Viver numa metrópole é necessariamente estar em interação com bens culturais e simbólicos, informações, produtos midiáticos e pessoas que nos remeta a alguma organização e nos convidam a sermos receptores de seus discursos e intenções comunicativas. (LA FUENTE; PAULA, 2010, p.2).
A criação de estratégias que visam promover e legitimar as marcas junto à
sociedade impacta não só a produção de sentido sobre o chamado ―real objetivo‖,
mas transforma a paisagem das cidades, a partir da reconfiguração dos seus
espaços.
72
Figura 9: Marcas que invadem a paisagem urbana Fonte: Culturamix.com, 2009
O poder simbólico que uma marca adquire extrapola a capacidade de vender
produtos. Para Klein (2003) o domínio da marca se expande e a atenção
empresarial se volta para outras formas de interação. Para além de um espaço de
consumo, a marca ―cria um destino‖ (um lugar não somente para comprar, mas
também para visitar) que possa despertar a atenção dos seus interlocutores.
Percebe-se que para se destacar no meio de tantos excessos midiáticos, as
organizações, principalmente as empresariais, buscam para além da divulgação de
suas marcas, criam lugares que possibilitam novas experiências de interação.
Esses mundos de marca particulares estão estética e criativamente trilhando um caminho totalmente estranho a qualquer um que não compreenda o boom pós-guerra. O poder emocional desses enclaves está em sua capacidade de capturar uma ânsia nostálgica, aumentado depois sua intensidade: um ginásio esportivo escolar com equipamento de qualidade NBA; acampamento de verão com água quente e comida gourmet; uma biblioteca do velho mundo com móveis e cafés de grife; um museu com os enormes recursos de Hollywood. Sim, essas criações podem ser um tanto fantasmagóricas e de ficção cientifica, mas não devem ser repudiadas como apenas mais um comercialismo crasso pelas massas estouvadas: bem ou mal, são utopias públicas privatizadas. (KLEIN, 2003, p.181, 182).
Percebe-se que as ações estratégicas de uma marca visam criar ambientes
de interação em torno de bens simbólicos. Vale ressaltar que, mesmo diante das
intencionalidades das estratégias de marca, no universo da linguagem, lidamos
sempre com n signos que possuem n sentidos potenciais (SEMPRINI, 2006). Mesmo
73
diante do poder de (re) significação das marcas, sempre existem outras formas de
interpretá-las. Se há intencionalidades de produzir um sentido que atue sobre os
―pontos de fuga‖ dos grupos que se relacionam com as organizações, ―a produção
de sentido é aquela em que escolhemos uma significação dentre muitas para que a
semiose possa ser levada em frente‖ (PINTO, 2002, p.34). Desta forma, se a marca
pode ser vista como signo ela é um objeto em construção, por mais que seja
permeada de intencionalidades.
O signo é sempre isso, um objeto (signo também é construção) sempre inadequado porque ele, além de ter em si algo que não significa, que tem a ver com a sua subjetividade (dor também tem subjetividade, assim como pedras), quando significa, ele significa incompletamente. (PINTO, 2002, p.18).
Nesta perspectiva, por mais que a marca possua um vasto potencial
simbólico, o sentido se constitui na experiência e no compartilhamento que circula
entre ela e seus interlocutores. Esse compartilhamento de sentido entre
organizações e seus grupos de interesse se materializa nas ações de comunicação
que promovem as interações, pois é na troca da prática discursiva que a produção
de sentido ocorre.
74
4 APRESENTAÇÃO DO OBJETO EMPÍRICO, DO CONCEITO DE CULTURA E
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
De modo geral, poder-se-ia dizer que a cultura é simbólica, na medida em que ela dita e é responsável por certos padrões comportamentais, sociais, intelectuais e ideológicos de uma determinada comunidade (PINTO, 1995, p.55).
Este capítulo apresenta um breve historico do objeto empírico da pesquisa, -
Casa Fiat de Cultura -, começando pelo grupo Fiat S/A do Brasil, que criou e
mantém o referido espaço. Desta forma, objetiva-se demonstrar o percurso dos
investimentos em projetos culturais da Fiat no Brasil, até a concepção e motivos
pelos quais criou-se um espaço físico que promovesse ações culturais de grande
visibilidade. Em seguida apresenta-se uma reflexão sobre o conceito de cultura, uma
vez que ―promover a cultura‖ é o fio condutor dos discursos enunciados pela Casa
Fiat.
Num segundo momento passaremos aos procedimentos metodológicos de
análise do estudo de caso da Casa Fiat de Cultura, que é a referência para detectar
as especificidades do discurso deste contexto organizacional e para perceber como
este foi elaborado e como é percebido pelos interlocutores. Vale ressaltar que será
retomado o conceito de marca como ato discursivo, introduzido no primeiro capítulo.
A metodologia se fundamenta na análise de discurso proposta por Charaudeau
(2006). A marca como ato discursivo é apenas uma, das muitas conceituações
possíveis, para se estudar este signo dinâmico e complexo, uma vez que ele é
capaz de produzir vários sentidos.
4.1. Breve histórico sobre o Grupo Fiat S/A do Brasil
A organização empresarial Fiat é um dos maiores grupos industriais da Itália
(país de origem), com grande representatividade em todo o mundo devido a sua
atuação em mais de 60 países. A sigla Fiat refere-se ao descritivo “Fabbrica Italiana
Automobili Torino” (Fábrica Italiana Automóveis Turim) e sua principal atividade é a
atuação no setor automotivo - veículos de passeio, comerciais leves, caminhões em
todos os segmentos, microônibus, máquinas agrícolas, máquinas de construção,
75
fundidos, motores, câmbios e componentes automotivos, automação industrial e
projetos e serviços industriais (MUNDO FIAT, 2010). O maior mercado para o Grupo
Fiat depois da Itália é o Brasil, onde se estabelece como um dos principais
complexos industriais do país, com atuação diversificada nos segmentos metal-
mecânico e de serviços.
A Fiat do Brasil S.A., constituída em 1947, é a empresa mais antiga do Grupo Fiat no Brasil. É a representante, no país, do Fiat SpA, a holding mundial do Fiat Group. A Fiat do Brasil S.A tem a função de representação institucional perante as autoridades governamentais, comunicação corporativa, auditoria interna, treinamento, contabilidade, normatização e gestão das áreas fiscal e tributária, metodologia, folha de pagamento e outras atividades de suporte às operações do Grupo. No Brasil, o Grupo Fiat reúne 19 empresas, divisões, associações e fundações localizadas em três estados e com atuação no setor automotivo, no setor de serviços e nas áreas de educação e cultura, constituindo-se no 11º grupo empresarial do país (2007), segundo a revista Valor Grandes Grupos (novembro de 2008). A receita líquida do Grupo Fiat no Brasil apresentou crescimento de 17% em 2008 em comparação com o exercício anterior, ascendo a R$ 30,3 bilhões. (MUNDO FIAT, 2010, p.96).
Com plantas industriais nos estados de Minas Gerais, Paraná e São Paulo, as
principais empresas, associações e fundações ligadas ao grupo Fiat no Brasil são:
- Fiat Automóveis e Iveco: produção e venda de automóveis e caminhões
respectivamente;
- FPT – Powertrain Technologies: desenvolvimento e produção de motores e
transmissões;
- Teksid do Brasil: produção de peças fundidas em ferro para a indústria
automobilística nacional;
- Case New Holland CNH: fabricação de máquinas agrícolas e de construção;
- Magneti Marelli: produção e comercialização de componentes automotivos;
- Comau: fornecimento de equipamentos de automação industrial;
- Isvor: Instituto de desenvolvimento organizacional do Grupo Fiat, consultoria e
formação de pessoal;
- Fiat Services: consultoria e administração empresarial.
O Grupo Fiat também atua no setor financeiro por meio da Fiat Finanças,
Banco Fidis, CNH Capital e Fides Corretagens de Seguros. A presença do grupo
também se projeta a partir de movimentos em prol da educação e da cultura como a
Fundação Torino e a Casa Fiat de Cultura.
76
Figura 10: Empresas do Grupo FIAT S/A do Brasil
Fonte: Mundo FIAT, 2010
O Grupo Fiat S/A do Brasil tem como presidente o Sr. Cledorvino Belini e
apresenta como Missão: ―desenvolver, produzir e comercializar carros e serviços
que as pessoas prefiram comprar e tenham orgulho de possuir, garantindo a criação
de valor e a sustentabilidade do negócio‖. A Visão do grupo é ―estar entre os
principais players do mercado e ser referência de excelência em produtos e serviços
automobilísticos‖ (FIAT, 2010). Como Valores, o Grupo Fiat apresenta: ―satisfação
77
do cliente‖ (por ser a razão da existência de qualquer negócio), a ―valorização e
respeito às pessoas‖ (por ser o grande diferencial que torna tudo possível), ―atuar
sempre como parte integrante do Grupo Fiat‖ (para que a marca fique mais forte),
―responsabilidade social‖ (forma de crescer em uma sociedade mais justa) e
―respeito ao meio ambiente‖ (como perspectiva do amanhã)15.
Percebe-se que o discurso da organização, a partir do texto apresentado em
sua Missão, Visão e Valores, busca apresentar a Fiat S/A do Brasil como uma
empresa que busca ser líder de mercado, mas que investe em questões como
relacionamento com o cliente e sustentabilidade.
Nota-se como a principal empresa do Grupo no Brasil, - Fiat Automóveis -,
reflete a estratégia proposta na Visão. Instalada em Betim (MG) desde 1976, a Fiat
Automóveis apresenta capacidade produtiva para até 800.000 veículos por ano.
Segundo o site da empresa, em 2009, o faturamento líquido foi de R$ 20,6 bilhões,
11,5% maior que o obtido no ano anterior. Em 2011, a Fiat faz novos investimentos
no Brasil, com um total de R$ 10 bilhões a serem aplicados até 2014.
Além de ampliar a capacidade da fábrica de Betim (MG) para 950 mil veículos
por ano, a Fiat busca sua expansão no País com o início das obras de uma nova
fábrica em Pernambuco, um investimentos de R$ 3 bilhões e que terá capacidade de
produção anual de 200 mil veículos (FIAT, 2010). Dada a importância do mercado
brasileiro para o Grupo Fiat, principalmente pela atuação da Fiat Automóveis no
País, nota-se que o discurso desta organização preza por buscar relações que
extrapolem a relação comercial. Em seu site, dentro de um link denominado ―Mundo
Fiat‖, a empresa apresenta como quer e pretende se relacionar com o povo
brasileiro, buscando articular-se com a sociedade. Nota-se que a organização Fiat,
por meio de suas empresas, investe no relacionamento intersetorial buscando
articular-se com a sociedade:
Compromisso com o Brasil, pioneirismo e inovação como características marcantes, produtos de alta qualidade e tecnologia, design admirado, respeito ao consumidor e responsabilidade social. Desde que chegou ao Brasil, em 1976, a Fiat Automóveis estabeleceu uma relação com o país que extrapola os limites da fábrica e das relações comerciais. (...) Ao eleger a educação e a
_____________________________
15 Todas as informações sobre o Grupo Fiat foram cedidas pela empresa, coletadas a partir da
Revista Mundo Fiat publicada pelo Grupo Fiat S/A do Brasil e o site oficial da organização Fiat.
78
inovação como pilares de suas estratégias socioculturais, a empresa reforça o ideal de contribuir com a formação de cidadãos mais conscientes e criativos. Por acreditar plenamente na união entre desenvolvimento e sustentabilidade, cada passo dessa grande indústria envolve o equilíbrio entre perspectivas econômicas, ambientais e sociais. (FIAT, 2010).
As empresas, como parte de comunidades dinâmicas, buscam ser cada vez
mais participativas. Dentro desta perspectiva, percebe-se que o Grupo Fiat
apresenta enunciados a partir dos seus canais de comunicação (site, revistas, entre
outros) enfatizando o ―equilíbrio entre perspectivas econômicas, ambientais e
sociais, e que valorizem o relacionamento permanente com a sociedade‖ (FIAT,
2010). Desta forma, as estratégias de comunicação não devem se desenvolver
apenas como apoio ao negócio para venda de produtos e serviços. Uma empresa
deve investir na construção do relacionamento com seus públicos de interesse,
como uma importante estratégia de valorização da sua marca (figura 11).
Figura 11: Relacionamento Fiat com os grupos de interesse
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
Além disso, a sociedade apresenta, cada vez mais, demandas às empresas,
levando-as a revisitar sua atuação, valores e posicionamento. Diante de todas as
79
transformações da sociedade, elas se voltam para outras formas de relacionamento
como investimentos em cultura e educação.
Esse fenômeno pode ser atribuído a fatores como o acesso da iniciativa privada aos recursos das leis de incentivo à cultura, a evolução do processo de responsabilidade social, com um comportamento mais estreito das empresas com a sociedade, bem como os novos conceitos aplicados ao marketing corporativo, que fazem da cultura um eixo estratégico do processo de relacionamento e comunicação das marcas com seus públicos. (VILELA, 2009, p.32).
Com esta perspectiva, o Grupo Fiat propõe ―comunicação por atitude‖, na
qual a força da marca se dá pela interação promovida pelas ações com seus grupos
de relacionamento.
Figura 12: Comunicação por atitude
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
A Casa Fiat pode ser vista como uma estratégia de branding que busca
interação por meio de causas e conteúdos da marca Fiat, ―as marcas agem para
gerar resultados para o negócio e beneficiar seus públicos‖ (Casa Fiat de Cultura,
2010). Para Klein (2003) este movimento das empresas que patrocinam ações e
eventos culturais faz parte de um avanço do branding, em que os patrocinadores (no
80
caso as organizações empresariais) buscam referências simbólicas para associar as
suas marcas. ―A maioria dos fabricantes ou varejistas começa a buscar cenários
autênticos, causas importantes e eventos públicos caritativos para que essas coisas
dêem significado a suas marcas‖ (KLEIN, 2003, p.60). Investir em ações que
demonstrem atitudes altruístas é uma forma das organizações se relacionarem com
a sociedade e, para tal, elas investem em valores simbólicos. Como mostra a figura
13, dentre os principais objetivos dos investimentos da Fiat em atitude, estão à
valorização da marca, a reputação de cidadania e o relacionamento com os
interlocutores.
Figura 13: Objetivos do investimento em atitude
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
Neste cenário, a cultura passa a ter uma força no processo de relacionamento
para os investimentos da Fiat em ―atitude‖. Vale ressaltar que a decisão de investir
cada vez mais em cultura foi baseada em dados de pesquisa (figura 14) e na
percepção da organização de que este tipo de investimento proporciona um
importante processo de relacionamento com a sociedade (CASA FIAT DE
CULTURA, 2010).
81
Figura 14: Raio X da Cultura no Brasil
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
Nesta perspectiva, as empresas percebem que para construir estratégias de
comunicação é preciso investir no desenvolvimento de ações que propiciem um
melhor relacionamento com a sociedade. ―Reconhece-se aí a importância de estar
atento às mudanças e de entender a comunicação como movimento‖ (OLIVEIRA,
2009, p.84). Percebe-se que é preciso compreender as práticas comunicativas numa
perspectiva relacional. Avaliar a comunicação somente sob a perspectiva do
emissor, que a partir de um canal, transmite uma mensagem específica a um
receptor, é reduzir a complexidade deste fenômeno a um sistema de transporte de
um ponto a outro. Por isso, os interlocutores envolvidos num processo de
comunicação não podem ser desconsiderados em sua capacidade de produção de
sentido, vistos somente numa condição de codificadores ou decodificadores de
mensagens.
Na figura 15 observa-se como a comunicação é percebida pela Fiat como um
dos quatro pilares para a construção de valor da sua marca e como a cultura
assume um importante papel ao lado de ações como patrocínios, investimentos no
campo social, ambiental e esportivo.
82
Figura 15: Valores corporativos e atributos da marca
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
A ―comunicação por atitude‖ proposta pela marca Fiat demonstra como muitas
empresas estão investindo em um relacionamento diferenciado com a sociedade.
Desta forma, percebe-se o investimento social das organizações como uma
tendência contemporânea, que reflete em ações mais abrangentes como a Casa
Fiat de Cultura. A Casa é uma iniciativa que se apresenta como realizadora de
projetos culturais e educativos, com programação nas áreas de artes plásticas,
música, cinema, educação, seminários e palestras. Assim, pensando na proposta
deste espaço que se apropria de valores simbólicos como a cultura para um
discurso de marca, busca-se demonstrar no próximo tópico alguns dos
investimentos do Grupo Fiat S/A do Brasil em ações culturais, até culminar na
criação da Casa Fiat de cultura.
4.2 Investimentos do Grupo Fiat S/A do Brasil em cultura e a criação do
espaço: Casa Fiat de Cultura
Como a cultura é apropriada e revestida de questões simbólicas para agregar
valor à marca de uma organização? A partir desta pergunta torna-se importante
83
entender o processo de criaçao de um espaço cultural pelo Grupo Fiat S/A do Brasil.
Segundo Vilela (2009), ao criar a Casa Fiat de Cultura em 2006, o Grupo Fiat
buscou consolidar seu compromisso com a sociedade, comemorando, a partir da
criação deste espaço, os 30 anos de atuação no Brasil.
Após cumprir, nos anos 70 e 80, uma trajetória voltada à preservação de patrimônios, ao incentivo à música e à dança, contribuindo também para revelar novos talentos artísticos, a empresa se dedicou – na década seguinte – à promoção da cultura dentro das escolas, envolvendo milhares de professores e alunos de todo o Brasil. (VILELA, 2009, p.33).
Vale ressaltar que a Fiat do Brasil investe em cultura desde os anos 1970 e
que intensificou estes investimentos gradativamente ao longo dos anos, conforme
mostra a figura 16.
Figura 16: Crescimento da Política Cultural Fiat
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
O gráfico demonstra o crescimento dos investimentos culturais desde a
década de 1970 e como a empresa ampliou sua atuação neste campo,
principalmente a partir dos anos 1990. Para compreender o aumento destes
investimentos, busca-se refletir sobre os projetos culturais de maior importância,
como um conjunto de ações socioculturais que passaram a ser desenvolvidos a
partir de 1997, pelo Grupo Fiat S/A no Brasil.
VA
LO
RIZ
AÇ
ÃO
APROXIMAÇÃO
CASA FIAT DE
CULTURA
CULTURA NA
ESCOLA
CONCORRÊNCIA
FIAT
PATRIMÔNIO
MÚSICA
DANÇA
PUBLICAÇÕES
84
O primeiro foi a coletânea de vídeos, - Retrato do Brasil -, um panorama
cinematográfico realizado sobre o país. No ano de 2000 (três anos após o início do
processo), a Fiat apresentou à sociedade este projeto cultural, associando-o à
comemoração dos 500 anos do descobrimento do país. Esta coletânea de vídeos
(24 filmes de curta-metragem) mostrava as belezas naturais, culturais e humanas do
país e foram distribuídas para várias escolas.
Em continuidade aos investimentos em educação foi lançado em 2002 o
concurso, - O Brasil dos Meus Olhos -, voltado para o público jovem, alunos do
ensino fundamental e médio de todo o país16. O objetivo era que jovens estudantes
brasileiros tivessem a oportunidade de mostrar, por meio de imagens e textos, o que
eles pensavam e sentiam sobre seu país. O projeto mobilizou 31.366 estudantes e
professores de 1.886 escolas públicas e particulares, incluindo a participação de
deficientes visuais, crianças hospitalizadas, membros de comunidades indígenas
entre outros. Foram mais de 30 mil trabalhos inscritos, dos quais, 100 foram
selecionados para compor o livro: ―O Brasil dos Meus Olhos‖.
Em 2003 a Fiat promoveu o concurso literário, - Um Poema Chamado Brasil -,
que consistia na tradução do pensamento dos alunos das escolas do ensino
fundamental e médio de todo o país sobre o Brasil em contos, crônicas ou poemas.
Foram 132.380 trabalhos inscritos. Destes, 62 foram selecionados para integrar o
livro: ―Um Poema Chamado Brasil‖.
Nos anos de 2004 e 2005 a Fiat promoveu o concurso, - Tesouros do Brasil -,
também voltado aos estudantes dos ensinos fundamental e médio, visando à
valorização do patrimônio histórico, natural, artístico e afetivo dos brasileiros. As 40
ações mais representativas e as 20 melhores produções artísticas dos alunos
fizeram parte do livro: ―Tesouros do Brasil‖, editado e distribuído em escolas,
bibliotecas e museus de todo país. Por meio do incentivo à cultura, percebe-se que o
Grupo Fiat buscou se posicionar como parceira da cultura no Brasil. Este percurso
de estimulo às atividades culturais refletiu sobre a decisão de se criar um espaço
físico de promoção à cultura.
Desta forma, em 2006, quando a Fiat Automóveis comemora 30 anos de
chegada ao país, foi inaugurada em Nova Lima, região metropolitana de Belo
Horizonte a Casa Fiat de Cultura, apresentando como objetivos o desenvolvimento
_____________________________ 16
Idem 15
85
de projetos culturais de alto valor ―histórico, artístico e educativo, além de promover
a inclusão cultural e a democratização do acesso às artes‖, por meio de produções
artísticas do Brasil e do mundo (FIAT, 2010).
Figura 17: Casa Fiat de Cultura 1
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
A instituição é mantida pelas empresas do Grupo Fiat S/A do Brasil e aplica
seus recursos em atividades culturais, sendo o primeiro espaço cultural criado por
uma fabricante de automóveis no País (figura 18).
Um empreendimento que não nasceu por acaso. Minas Gerais – terra que abraçou a Fiat e que junto com a empresa se transformou em dos principais pólos industriais e automobilísticos do país – contava com poucos equipamentos culturais adequados para receber exposições de grande porte, que exigem tecnologia museológica. Apresentações de acervos consagrados e exposições internacionais raramente passavam pelo estado. Com a chegada da Casa Fiat de Cultura esse cenário vem se modificando, integrando Minas de forma decisiva no circuito nacional e internacional das artes. (VILELA, 2009, p.33).
86
Figura 18: Casa Fiat de Cultura 2
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
Com moderna tecnologia a infraestrutura da Casa permite que exposições
com alto padrão de exigências técnicas sejam recebidas em Minas Gerais.
Figura 19: Casa Fiat de Cultura 3
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
87
A infraestrutura do local ainda conta com Auditório, Salão de Eventos, Espaço
Multiuso, Café e loja para venda de souvenires.
Figura 20: Casa Fiat de Cultura 4
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
A Casa apresenta como principais objetivos o estímulo à circulação dos bens
culturais, a difusão da cultura brasileira e mundial, à formação do público, à
democratização do acesso às artes e à inclusão social (CASA FIAT DE CULTURA,
2010). Segundo a assessoria de imprensa da Casa Fiat de Cultura17, o espaço atua
como um portal aberto às mais expressivas manifestações culturais, integrando
informação, conhecimento, formação e entretenimento. A programação se destaca
pelo valor histórico, artístico e educativo, contribuindo para o estímulo à produção
cultural, formação de público, democratização do acesso às artes e inclusão social.
Desta foram, a infraestrutura do local oferece acessibilidade universal, através do
atendimento a públicos especiais (figura 21).
_____________________________ 17
Informações fornecidas pela Assessoria de Imprensa da Casa Fiat de Cultura, - Árvore de Comunicação – [email protected].
88
Figura 21: Casa Fiat de Cultura 5
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
Em quatro anos de atuação, a Casa Fiat de Cultura acumula um público de
mais de 250 mil visitantes em oito grandes exposições realizadas com acervos de
importantes museus e coleções do Brasil e da Europa. A figura 22 mostra o aumento
crescente de público da Casa Fiat, desde a sua inauguração em 2006.
Figura 22: Projeção do público da Casa Fiat de Cultura
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
89
A primeira exposição realizada pela Casa Fiat de Cultura foi: A Arte Italiana
do MASP (figura 23).
Figura 23: Arte Italiana do MASP 2006
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
Em 2007, a Casa realizou a exposição inédita: Speed - A Arte da Velocidade.
Figura 24: Speed – A arte da Velocidade 2007
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
90
No ano de 2008, o espaço apresentou a exposição Amilcar de Castro e
lançou o projeto, - Música na Casa Fiat de Cultura -, (recitais de cravo). Em julho do
mesmo ano exibiu simultaneamente as exposições, - Com que roupa eu vou
(figura25) e A Arte nos Mapas.
Figura 25: Com que roupa eu vou - 2008
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
Em 2008 também foi exibida a mostra: Olhar Viajante.
Figura 26: Olhar Viajante - 2008
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
91
De outubro a dezembro foram reunidas 184 obras, entre pinturas, aquarelas e
gravuras, capazes de resumir a experiência dos viajantes europeus que por aqui
passaram no século XIX. Em 2009, a Casa Fiat de Cultura exibiu no mês de abril o
ciclo de palestras: A Arte em Dez Tempos. No segundo semestre do mesmo ano,
celebrando o Ano da França no Brasil, o espaço promoveu o encontro de dois
grandes mestres, Rodin e Chagall (figura 27).
Figura 27: Marc Chagall e Rodin - 2009
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
92
Estas duas exposições trouxeram obras jamais vistas pelo público no Brasil e
marcou o roteiro das artes plásticas no país. Após registrar recorde de público, 124
mil pessoas, a Casa Fiat de Cultura fez um intervalo em suas atividades para
realizar obras de redimensionamento estrutural, com o objetivo de ampliar a
capacidade de suas galerias para 500 kg por metro quadrado. Ao longo do ano de
2010 investiu-se na reestruturação, nas instalações e no aprimoramento da
tecnologia de climatização do ambiente.
Devido à reforma das galerias, a Casa Fiat realizou em parceria com o
Instituto Tomie Ohtake em São Paulo, a exposição de Guignard e o Oriente: China,
Japão e Minas. Depois de receber mais de 50 mil visitantes em São Paulo, a
exposição partiu para Porto Alegre. Desta forma, a marca Fiat tem realizado
exposições fora do seu espaço em Nova Lima. Segundo o presidente da Casa Fiat
de Cultura, José Eduardo de Lima Pereira, não há fronteiras para a arte. ―Por
acreditar em tal ideia é que a Casa Fiat de Cultura busca levar as obras dos grandes
artistas do mundo a diversos pontos do Brasil‖.
Também em 2010, com o tema, - Mutações: a invenção das crenças -, a
instituição realizou pela quarta vez este ciclo de conferências, simultaneamente em
Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília (Ciclo organizado pelo filósofo
Adauto Novaes) nos meses de agosto e setembro.
Figura 28: Ciclo de Palestras Mutações – 2007 / 2010
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
93
Outros projetos realizados pela Casa Fiat de Cultura, além de exposições e
palestras:
- Mostra Jovens Designers, que levou a quatro capitais brasileiras, incluindo Belo
Horizonte, uma exposição de 120 produtos selecionados entre mais de 60
universidades de design de produto de 10 estados brasileiros.
- Parceria com o projeto Sempre um Papo, o seminário ―Filosofia e
Autoconhecimento – Diálogos com Marcia Tiburi‖ - filósofa e escritora gaúcha.
Foram cinco discussões com enfoque no autoconhecimento. Cada sessão contou
com um importante nome da filosofia brasileiro como convidado. Ao final do ciclo
será publicado um livro sobre os temas abordados.
A Casa Fiat de Cultura prepara-se, ainda, para apresentar ao público projetos
inéditos em 2011, dentro da programação do Ano da Itália no Brasil, a ser
comemorado do 2° semestre de 2011 até o 1° semestre de 2012. Para o ano de
2011 está programada a exposição: Roma – A Potência do Império.
Figura 29: Roma – A potencia do Império - 2011
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
Associado ao trabalho de promoção da cultura, a Casa Fiat desenvolve um
programa educativo para atender setores da sociedade: crianças, jovens, adultos,
94
estudantes das redes públicas e privadas e grupos como associações e ONGs, com
objetivo de estimular a busca do conhecimento e a maior interação entre a obra de
arte e o público. Com acesso gratuito, o programa educativo oferece assessoria a
professores, visitas orientadas, palestras e oficinas (CASA FIAT DE CULTURA,
2010).
Todo trabalho cultural assinado pela Casa Fiat de Cultura vem repercutindo
de forma significativa junto à sociedade. Assim a marca torna-se um discurso que
permite a interação emocional e simbólica entre o Grupo Fiat S/A do Brasil e as
pessoas que têm contato com o espaço. O investimento cultural promovido pela
iniciativa privada ―constitui-se como um importante eixo da plataforma de
comunicação, (...) que ultrapassa a relação racional e comercial, agindo no campo
afetivo e fortalecendo os vínculos com a marca‖ (VILELA, 2009, p.36).
Para Vilela (2006), a cultura expande o potencial de relacionamento de uma
marca com seus interlocutores. Desta forma, considerando a marca Casa Fiat de
Cultura como um ato discursivo do Grupo Fiat S/A do Brasil, que se apropria da
cultura para buscar interações, faz-se necessária uma breve reflexão sobre o
conceito de cultura para, posteriormente, refletir sobre o seu significado e as
apropriações simbólicas que a referida organização tem associado a ela.
4.3 Reflexões sobre o conceito de cultura
Afinal, o que é cultura? Este trabalho reflete sobre este conceito, mas não
objetiva-se estabelecer uma definição definitiva, uma vez que se busca apenas
apontar significados associados ao termo. Primeiramente entende-se que a cultura
em seu conceito mais amplo é ponto de partida para compreender a interação entre
classes sociais, uma vez que ela pode ser associada ao desenvolvimento de um
indivíduo, de um grupo ou de uma sociedade. Segundo Eliot (1965), a cultura
individual do ser humano seria formada pela cultura do grupo ou classe social em
que está inserida, que por sua vez é formada pela cultura dominante da sociedade a
que pertence.
Nesta perspectiva, no Brasil, várias seriam as culturas. Um misto de costumes
dos inúmeros povos que constituem a demografia do país. Como resultado da
intensa miscigenação surgiram manifestações culturais próprias de cada um dos
grupos étnicos e entre classes sociais. Desta forma, alguns grupos diferem-se de
95
outros em suas crenças, valores, comportamentos e formas sociais. Segundo
Kaplan (1975), as diferenças de comportamento que se transformam pelos tempos
são evidências da dissimilaridade do homem, a partir de mecanismos coletivos que
visam à diferenciação do comportamento cotidiano. São essas manifestações
exteriores do ser humano que os antropólogos denominam como cultura. A cultura
surge, principalmente, como explicação para as variações em padrões de
comportamento que não poderiam ser explicados biologicamente.
O termo cultura tendia a referir-se à arte, literatura e música. Hoje, contudo, seguindo o exemplo dos antropólogos, historiadores e outros que utilizam "cultura" muito mais amplamente, o termo é utilizado para referir-se a quase tudo que pode ser apreendido em uma dada sociedade, como comer, beber, andar, falar, silenciar e assim por diante. (BURKE, 1989, p.25).
A cultura diz respeito às práticas individuais ou coletivas, mas suas diferentes
manifestações podem levar à distinção de indivíduos ou grupos entre classes. O
desenvolvimento das sociedades foi formado pela diversidade de culturas inseridas
em classes sociais distintas, em que os grupos primitivos eram relacionados à
cultura popular e os indivíduos das elites hegemônicas eram adeptos da cultura
erudita. Vale ressaltar que a expressão ―popular‖ não deve ser associada a
manifestações de classes inferiores, devendo ser entendida como uma forma mais
moderna de designar as manifestações folclóricas de uma sociedade (BURKE,
1989).
Alguns autores como Canclini (1983) atestam que seu conceito esteja
diretamente relacionado a manifestações de um povo, em sua forma de expressão
do mundo e do conhecimento. Para o autor, ―a cultura produz fenômenos que
contribuem, mediante a representação simbólica, as estruturas materiais para a
compreensão ou transformação do sistema social‖ (CANCLINE, 1983, p.29). Desta
forma, para entender a cultura é necessário compreender o povo, pois não há
cultura de elite que seja constituída, ou que não se modifique, na medida da própria
coletivização popular. Pode-se dizer que o conjunto de práticas culturais de uma
sociedade é em grande parte constituída pela maioria de seus habitantes, ou seja, ―o
povo‖.
O conceito de cultura está associado à compreensão de costumes e da
complexidade dos modos de vida, dos usos, das estruturas familiares e sociais, das
crenças, dos conhecimentos e das concepções de valores que se encontram em
96
cada grupo social. Para Durhan (1986) o termo ―cultura‖, não reflete mais o antigo
rigor das fronteiras de classe, pois boa parte dos movimentos sociais não apresenta
mais uma homogeneidade cultural nítida.
Hoje, as minorias desprivilegiadas emergem como novos atores políticos, organizam movimentos e exigem uma participação na vida nacional da qual estiveram secularmente excluídos, passando a possuir uma nova importância na compreensão da dinâmica da transformação da sociedade. (DURHAN, 1986, p.18).
Desta forma, a cultura equivale ao modo de vida da sociedade em todos os
seus aspectos: ideias, crenças, instituições, costumes, leis, técnicas, conhecimentos
etc. Por isso é um termo tão abrangente e carregado de questões simbólicas. A
cultura não está relacionada somente às questões artísticas, é uma criação
individual ou coletiva que envolve valores, comportamentos e imaginário humano.
Percebe-se que é por meio da cultura que se promovem condições para o
desenvolvimento de uma sociedade, estimulando a criação, a produção e a
circulação de bens e serviços culturais, valorizando a memória e a diversidade
cultural.
Em se tratando de cultura pode-se dizer que nada é simples. Cada forma de
manifestação humana tem seu valor e remete a vários significados. Assim, a cultura
pertence a um processo coletivo, em que nossas experiências entram em contato
com novas e fazem com que o sujeito não seja isento de mudanças e evoluções.
Neste trabalho, ao apontar a apropriação deste valor para um discurso de
marca, percebe-se porque ela adquire uma amplitude simbólica. Como já citado, a
cultura é responsável por padrões comportamentais, sociais e ideológicos de uma
determinada sociedade (PINTO, 1995), e pode ser associada a um conjunto de
sistemas, como, por exemplo, a linguagem, as relações econômicas, a arte, a
ciência, a religião, entre outros. Uma vez que a cultura pode ser vista como um
símbolo (signo que será representado em seu interpretante) supõe uma estrutura
dupla, um representante e um representado.
Os símbolos podem ser mais reais do que aquilo que simbolizam, já que o
significante precede e determina o significado. Por exemplo, os símbolos sociais têm
a função de guiar o comportamento dos cidadãos, na medida em que apontam para
seus interpretantes; o papel moeda aponta para o valor financeiro, as bandeiras
97
nacionais apontam para a identidade de seus países, a sinalização de trânsito
aponta para comandos e regras preestabelecidas (PINTO, 1995).
Vale ressaltar que o símbolo não pode ser compreendido somente em uma
suposta função do ―real‖, uma vez que se associa à organização de experiências
sensíveis. Por exemplo, o signo papel moeda remete ao interpretante dinheiro,
moeda de troca, mas pode produzir outros interpretantes como tornar-se um objeto
de coleção. A sinalização de trânsito gera um interpretante associado a regras, que
podem ser cumpridas ou não, depende da mente interpretante.
Todo signo tem uma dimensão triádica: une o conceito (significado) a uma
imagem (significante) e supõe (a coisa, o real). Como se estivesse entre parênteses,
supõe-se que o real é aquilo que nunca se atinge diretamente, mas que está sempre
suposto.
É neste sentido que se percebe a cultura como simbólica, pois ela parte de
uma produção humana e compõe um universo cuja rede de relações e significações
lançam o homem num mundo codificado e repleto de referentes. Desta forma, a
cultura não tem um único significado, pois é resultado da manifestação do homem,
um produtor de símbolos. A cultura assinada por uma marca pode se relacionar a
outros sentidos propostos por uma organização. ―O investimento cultural corporativo
é um dos mais valiosos processos de parceria com a sociedade, (...) diferencia a
empresa no mercado‖ (VILELA, 2009, 32,37).
Esta discussão se fez necessária, pois ao perceber a cultura como elemento
simbólico, sendo apropriada para um discurso de marca, tornou-se essencial buscar
reflexões sobre o seu conceito e suas possíveis formas de representação. Cumprida
esta etapa, apresentam-se a seguir a metodologia proposta para a análise da
apropriação de valores simbólicos em discursos de marca.
4.4 Procedimentos metodológicos
A metodologia deste trabalho foi guiada, primeiramente, por uma pesquisa
bibliográfica que buscou um maior conhecimento sobre autores e teorias que
pudessem contribuir com a reflexão teórica. Após a revisão da literatura, partiu-se
para a escolha de procedimentos metodológicos que contribuíssem para a
organização e consistência das fases da pesquisa empírica.
98
Considerou-se o estudo de caso e seus procedimentos de análise qualitativa
como um método que auxiliaria na análise. O estudo de caso deve ser utilizado
quando se pretende ―examinar eventos contemporâneos, em situações onde não se
podem manipular comportamentos relevantes e é possível empregar duas fontes de
evidência‖ (DUARTE, 2005, P.219). Segundo o autor, estas fontes seriam a
observação direta e aplicação de entrevistas.
A partir da referida técnica buscou-se reunir evidências, partindo do
pressuposto que a marca Casa Fiat de Cultura é um ato discursivo do Grupo Fiat
S/A do Brasil, que se apropria de valores simbólicos como a cultura, para a
construção de estratégias de relacionamento com seus grupos de interesse.
A pesquisa é de característica exploratória. Os estudos exploratórios são
frequentemente usados para gerar hipóteses e identificar variáveis que devem ser
incluídas na pesquisa. Conforme Malhotra (1993, p. 156) a pesquisa com dados
qualitativos é a principal metodologia utilizada nos estudos exploratórios e consiste
em ―um método de coleta de dados não-estruturado, baseado em pequenas
amostras e cuja finalidade é promover uma compreensão inicial do conjunto do
problema de pesquisa‖.
A realidade a ser explorada é a apropriação de valores simbólicos em
discursos de marca, utilizando como objeto empírico a Casa Fiat de Cultura e o seu
contexto de interações com os interlocutores, a partir da sua enunciação. Estudos
exploratórios também fazem parte da metodologia de estudo de caso.
(...) os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se colocam questões do tipo ―como‖ e ―por que‖, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real. (YIN, 2005, p.19).
Para o autor, como estratégia de pesquisa o estudo de caso contribui para o
conhecimento dos fenômenos, sejam eles organizacionais, sociais, políticos, entre
outros, por permitir uma investigação de acontecimentos da vida real, auxiliando
questões como definir o caso a ser estudado, determinando os dados relevantes a
serem coletados e a forma como estes dados devem ser interpretados. Como já
referido, duas fontes de evidências são muito utilizadas por este método: a
observação direta dos acontecimentos e entrevistas com pessoas que estejam
envolvidas.
99
(...) a clara necessidade pelos estudos de caso surge do desejo de se compreender fenômenos sociais mais complexos. (...) O estudo de caso permite uma investigação para se preservar as características holísticas e significativas dos acontecimentos da vida real – tais como ciclos de vida individuais, processos organizacionais e administrativos, mudanças ocorridas em regiões urbanas, relações internacionais e a maturação de setores econômicos. (YIN, 2005, p.20).
Somada a técnica de estudo de caso, propõe-se a análise de discurso
ancorada na teoria do contrato de comunicação proposto por Charaudeau (2006).
Esta teoria propõe que a situação de comunicação se estabelece a partir de
restrições instauradas pelos indivíduos envolvidos e que tal situação é como um
palco no qual se encenam as trocas sociais e aquilo que constitui o seu valor
simbólico. Assim, propõe-se verificar, dentro das regras propostas por Charaudeau
(2006), como se dá a apropriação de valores simbólicos nos discursos de marca e
como os indivíduos reconhecem e se manifestam sobre tal enunciação.
(...) para todo estudo do discurso, é necessário levar em conta que os atores de um determinado contrato de comunicação agem em parte através de atos, segundo determinados critérios de coerência, e em parte através de palavras – construindo, paralelamente, representações de suas ações e de suas palavras, às quais atribuem valores. Essas representações não coincidem necessariamente com as práticas, mas acabam por influir nelas, produzindo um mecanismo dialético entre práticas e representações, através do qual se constrói a significação psicossocial do contrato. (CHARAUDEAU, 2006, p.73).
Tal perspectiva nos leva a demonstrar tanto o discurso produzido pela
organização quanto a produção de sentido dos seus interlocutores. Assim, a
instância de produção será considerada como organizadora da enunciação
discursiva e a instância de recepção será desdobrada, vista sob o ponto de vista de
destinatária, mas levando em consideração as representações que são construídas
por ela, a forma pela qual ela manifesta interesse em consumir tal discurso
(CHARAUDEAU, 2006). Trata-se de pesquisar tanto a construção simbólica como as
manifestações de sentido dos sujeitos.
Neste trabalho, estudar a marca como ato discursivo é uma forma de buscar
compreender as relações e as mensagens das organizações, as quais funcionam
como irradiadoras de índices que apontam para outros componentes do processo
comunicativo. Toda mensagem, seja verbal, visual ou mesmo sonora, está sempre
―prenhe de índices contextuais, situacionais, históricos, culturais, ideológicos,
políticos que apontam, de modo mais ou menos explícito, para o contexto
100
representado na mensagem‖ (SANTAELLA, 2001, p.91). Espera-se que, a partir do
estudo realizado, seja possível compreender as relações que se conformam no
contexto organizacional mediadas pela marca e observar, também, como os
sentidos se manifestam.
Segundo Duarte (2005) a metodologia de estudo de caso pode utilizar seis
fontes distintas para análise de dados: documentos, registros em arquivo,
entrevistas, observação direta, observação participante e artefatos físicos. Utilizou-
se para este estudo documentos e registros em arquivo sobre o objeto empírico
(artigos publicados sobre o Grupo Fiat, informações do site, releases, notas da
assessoria de impressa do Grupo Fiat, arquivos impressos cedidos pela empresa,
entre outros), observação direta (foram feitas várias visitas ao local e aos projetos
realizados no espaço) e entrevistas (tanto com a gestora de cultura responsável pela
Casa, como com os grupos que frequentaram, em algum momento, o espaço).
Foram realizadas 20 entrevistas individuais e em profundidade (do tipo
questionário aberto), com as pessoas que frequentaram atividades culturais e
eventos da Casa Fiat desde a sua inauguração em 2006. Este número mostrou-se
suficiente, uma vez que o objetivo da pesquisa é colher uma amostragem das
possíveis interpretações a respeito do discurso da marca Casa Fiat de Cultura.
Pessoas que frequentaram diferentes eventos foram entrevistadas. Elas foram
fundamentais para mapear as práticas, crenças e valores da organização e para
colher a opinião dos interlocutores. A entrevista em profundidade permite coletar
indícios e perceber a realidade, levantando informações consistentes que permitam
descrever e compreender a lógica que preside tal relação.
A partir do estudo realizado buscou-se perceber as relações que se
conformam no contexto organizacional a partir de um discurso intencional,
transformado em ações de comunicação que se projetam na marca.
Como foi dito, neste trabalho associamos a metodologia do estudo de caso à
teoria da análise de discurso proposta por Charaudeau (2006). O autor propõe que
os indivíduos que se comunicam entre si levam em conta um contrato que se
estabelece em cada situação de comunicação, uma vez que ―toda troca linguageira
se realiza num quadro de co-intencionalidade, cuja garantia são as restrições da
situação de comunicação‖ (CHARAUDEAU, 2006, p.68).
Vale ressaltar que em todo ato de comunicação estão em relação duas
instâncias: uma de produção e outra de recepção. A primeira tem duplo papel, ou
101
seja, fornecer informações e impulsionar o desejo pelo consumo. Não se trata
somente de transmitir, mas de construir representações que despertem a interação
com o outro (CHARAUDEAU, 2006). Desta forma, aponta-se como instância de
produção as organizações e como instância de recepção os grupos de interesse18
que se relacionam com ela. Neste sentido, as referidas instâncias, quando se
comunicam entre si, constroem seus discursos de representação. Nesta relação,
acredita-se que a teoria de Charadeau (2006) ajude a compreender a forma como a
marca é utilizada na interação com a sociedade e porque um valor simbólico como a
cultura é utilizado como estratégia para construir enunciações no contexto das
organizações.
A análise de discurso permite um desafio teórico que busca compreender
como se dá a articulação entre os atores envolvidos neste processo. Cada vez mais,
busca-se entender a mediação que se dá entre o sujeito (com suas intenções,
preferências e estratégias mais ou menos conscientes) e outros atores sociais, que
também participam de um processo discursivo.
Como poderiam trocar palavras, influenciar-se, agredir-se, seduzir-se, se não existisse um quadro de referência? Como atribuiriam valor a seus atos de falas que emitem, um lugar cujos dados permitissem avaliar o teor de cada fala? (...) Como se estabelecem tais restrições? Por um jogo de regulação das práticas sociais, instauradas pelos indivíduos que tentam viver em comunidade e pelos discursos de representação, produzidos para justificar essas mesmas práticas a fim de valorizá-las. (CHARAUDEAU, 2006, p.67).
A teoria de Charaudeau (2006) insere-se nesse esforço, uma vez que propõe
uma análise dos discursos capaz de contemplar as várias dimensões presentes num
ato de linguagem. De acordo com sua perspectiva, é no encontro com o outro que
as identidades e recursos sociais dos parceiros são ou não utilizados e que o
discurso se constrói de uma forma ou de outra.
Vale ressaltar que a interação dos parceiros e o discurso que eles produzem
não estão predefinidos em relação ao momento de interação. Essas expectativas só
se realizam a partir de um processo dinâmico de interação social no qual a natureza
do próprio intercâmbio e do discurso a ser produzido vão sendo construídas
continuamente.
_____________________________ 18
A perspectiva dos possíveis grupos de interesse de uma organização foi apresentada pela figura 1 deste trabalho (página 39).
102
Na concepção de Charaudeau (2006) a intencionalidade dos sujeitos é
complexa. Eles não são meros portadores de uma intencionalidade, nem seres
plenamente conscientes, que agem racionalmente, livres de qualquer adesão
identitária. Os sujeitos são caracterizados como tendo um ―projeto de fala‖, ou seja,
objetivos mais ou menos claros que os motivam na construção de seus discursos e
que são, de certa forma, estratégicos. Esses sujeitos são seres socialmente
situados, portadores de identidades e de recursos específicos que os condicionam
na definição de seus discursos.
Para Charaudeau (2006) todo ato de linguagem realiza-se dentro de um tipo
específico de relação contratual, implicitamente reconhecido pelos sujeitos, e que
define, por um lado, aspectos ligados ao plano situacional - qual a identidade dos
parceiros, seus objetivos, o assunto de que falam, em que circunstâncias materiais -
e, por outro, aspectos relativos ao plano comunicacional e discursivo - quais as
maneiras de dizer ou quais as estratégias discursivas pertinentes. Os contratos de
comunicação funcionam, assim, como parâmetros, ―códigos implícitos‖, expectativas
compartilhadas e mais ou menos institucionalizadas. Desta forma, essas
expectativas referem-se, simultaneamente, às condições de produção e ao discurso
produzido, aos componentes situacionais e linguísticos conjuntamente.
Os contratos de comunicação não são formas gerais e socialmente
compartilhadas de se tipificar os vários atos de linguagem, mas, sim, um intercâmbio
linguageiro que se organiza. Para que esse contrato se estabeleça, é necessário
que o sujeito comunicante tenha seu direito de fala reconhecido pelo sujeito
interpretante, ou seja, que ele seja considerado um sujeito normal, não alienado,
alguém digno de ser escutado.
Esse reconhecimento é conquistado pelo sujeito comunicante, na medida em
que ele consegue apresentar sua identidade, o tema de sua fala e sua motivação
para falar de uma forma que possa ser considerada pertinente - no sentido de
adequada em relação às representações que o sujeito destinatário faz do mundo - e
legítima - no sentido de que o tema e a motivação de sua fala são vistos como
adequados em relação a sua identidade individual e coletiva. Fica claro, portanto,
que o contrato de comunicação não é algo pronto e definitivo.
Nesta perspectiva, para análise e tratamento dos dados coletados, buscou-se
perceber o discurso da marca Casa Fiat de Cultura dentro do contrato de
103
comunicação e das categorias propostas por Charaudeau (2006)19, mencionadas
brevemente a seguir.
Para o autor, toda troca linguageira deve ser analisada reconhecendo as
restrições da situação dos parceiros que nela se inserem. Antes de qualquer
intenção e estratégia particular, há um contrato de reconhecimento das condições de
realização do discurso, questões próprias à situação de troca, dados externos,
características discursivas e dados internos, situação que Charaudeau (2006)
chamou de ―contrato de comunicação‖.
Os dados externos são determinados pelo autor como regularidades
comportamentais dos indivíduos que efetuam as trocas linguageiras, as
representações que atribuem valor ao discurso, para que ele faça sentido. Esses
dados são agrupados em quatro categorias que se relacionam à condição de
enunciação da produção do discurso: condição de identidade (quem são os
parceiros envolvidos na troca), condição de finalidade (qual é o objetivo do discurso),
condição de propósito (do que se trata o discurso) e condição de dispositivo (em que
ambiente se inscreve o discurso, que canal de transmissão é utilizado.
Neste momento, o objetivo é organizar e demonstrar os dados externos
propostos pelo autor, a partir das informações reunidas. Os dados internos são
aqueles propriamente discursivos relacionados ao ―como dizer‖.
Uma vez determinados os dados externos, trata-se de saber como devem ser os comportamentos dos parceiros da troca, suas maneiras de falar, os papéis linguageiros que devem assumir, as formas verbais (ou icônicas) que devem empregar, em função das instruções contidas nas restrições situacionais. (...) São o conjunto dos comportamentos linguageiros esperados quando os dados externos da situação de comunicação são percebidos, depreendidos, reconhecidos. (CHARAUDEAU, 2006, p.70).
Para o autor são três os espaços comportamentais linguageiros: o espaço de
locução (quem toma a palavra e porque tomou a palavra) tem a ver com a forma
como se busca legitimar um discurso, espaço de relação (onde se estabelece as
relações de troca, no qual o sujeito falante constrói sua identidade de locutor e
busca relações com o seu interlocutor) e o espaço de tematização (organização do
saber ou tema proposto na troca introduzido pelos participantes do ato discursivo).
_____________________________ 19
As categorias propostas por Charaudeau (2006) já foram explicitadas no segundo capitulo deste trabalho, no tópico 2.3: A marca como ato discursivo das organizações (página 36).
104
Se é verdade que o sujeito falante está sempre determinado pelo contrato de comunicação que caracteriza cada situação de troca (condição de sociabilidade do ato de linguagem e da construção de sentido), é apenas em parte que está determinado, pois dispõe de uma margem de manobra que lhe permite realizar o seu projeto de fala pessoal, ou seja, que permite manifestar um ato de individualização: na realização do ato de linguagem, pode escolher os modos de expressão que correspondem a seu próprio projeto de fala. (CHARAUDEAU, 2006, p.71)
Desta forma, dentro do contexto específico de uma organização, a Casa Fiat
de Cultura, pretende-se perceber a marca como um discurso, a enunciação proposta
em sua perspectiva simbólica (se legítima ou não), e a forma como os interlocutores
produzem sentido a partir desta relação. Apresenta-se a seguir a análise dos dados,
a descrição analítica dos resultados da pesquisa e das informações relevantes que
foram coletadas e observadas.
105
5 O DISCURSO DA CASA FIAT DE CULTURA E A PRODUÇÃO DE SENTIDOS A
PARTIR DA INTERAÇÃO COM A MARCA
A amplitude da atividade cultural permite uma interação emocional, intelectual e transformadora entre a empresa e as pessoas, que ultrapassa a relação racional e comercial, agindo no campo afetivo e fortalecendo os vínculos com a marca. (VILELA, 2009, p.35,36).
O objetivo deste capítulo é o de fazer uma análise da marca Casa Fiat de
Cultura em sua condição de discurso, por meio de dados secundários (material
sobre a organização) e da observação dos eventos e das visitas feitas ao espaço.
No primeiro momento, a partir da análise da marca e da forma como a empresa
busca interagir com seus grupos de interesse, percebeu-se como o discurso é
elaborado e, num segundo momento, apresenta-se a análise do material coletado na
pesquisa qualitativa. As reflexões sobre o objeto empírico e os sentidos produzidos
por seus interlocutores compõem o conteúdo deste capítulo.
5.1 O discurso da marca Casa Fiat de Cultura
A disseminação da marca no espaço social fez com que ela ocupasse um
crescente papel de elemento discursivo nas relações com a sociedade. Em virtude
da capacidade de formatar sentidos, percebe-se que a marca Casa Fiat de Cultura
tornou-se um dispositivo que permite comunicar as intenções da organização. Desta
forma, se converte em discurso, seja para vender, convencer, seduzir ou propor
projetos. Vale ressaltar que a defesa da marca como discurso que se apropria do
simbólico ancora-se em sua capacidade de construir e veicular significados
propostos por organizações.
Estes discursos podem se organizar em narrativas explícitas fortemente estruturadas e organizadas, como no caso da comunicação comercial e na publicidade, mas elas podem, igualmente, ser veiculadas por um grande número de outras manifestações de marca, que funcionam então como tantos outros atos discursivos, mesmo não seguindo o mesmo caminho da comunicação publicitária tradicional. (SEMPRINI, 2006, p.106).
106
Desta forma propõe-se que as organizações usam de seu referencial
simbólico para criar discursos, em que os interlocutores possam se identificar com o
proposto. É por meio da marca e deste emaranhado de símbolos empregados no
discurso que se propõem os significados, uma vez que estes símbolos precisam ser
interpretados, gerados e lidos no contexto social e cultural da organização. Assim se
efetiva um processo de comunicação organizacional.
Na tentativa de refletir como podem ser criados e lidos estes discursos
repletos de simbolismo, iniciam-se os trabalhos de análise empírica do fenômeno.
Primeiramente é relevante explicitar como a Casa Fiat de Cultura tornou-se uma
marca, que se articula ao discurso do Grupo Fiat S/A do Brasil em defesa da
sustentabilidade, tornando-se conseguentemente, uma estratégia de
relacionamento.
A pesquisa de dados secundários nos mostra como a organização Fiat
justifica a criação da Casa Fiat de Cultura dentro da política de sustentabilidade
(conceito associado a manter o equilíbrio entre aspectos econômicos, sociais,
culturais e ambientais da sociedade humana). No site da Fiat20 observa-se um
processo discursivo que demonstra que as empresas devem buscar outras formas
de relacionamento (que não sejam apenas comerciais) com a sociedade.
Por acreditar plenamente na união entre desenvolvimento e sustentabilidade, cada passo dessa grande indústria envolve o equilíbrio entre perspectivas econômicas, ambientais e sociais. Também por compreender que as empresas são parte de comunidades dinâmicas, e cada vez mais participativas, a Fiat valoriza o relacionamento intersetorial, articulando-se, permanentemente, com o governo e a sociedade civil. (FIAT, 2010).
Pode-se perceber a relaçao com o que Charaudeau (2006) chama de
―discurso de representação‖, uma enunciação que busca divulgar ideias que se
tornem valores aceitos pela sociedade. Nesta perspectiva, o discurso vai sendo
criado para promover o interesse dos parceiros convocados para a situação de
comunicação. A enunciação busca valorizar a atitude da organização quando ela
afirma promover o equilíbrio entre perspectivas econômicas, ambientais e sociais e
não somente a fabricação de produtos em larga escala.
___________________________ 20
www.fiat.com.br
107
Para Charaudeau (2006), antes de qualquer intenção ou estratégia de
relacionamento é necessário promover um contrato de reconhecimento das
condições de realização da troca linguageira.
Assim, a marca se encarrega de envolver os interlocutores para que estes
tenham vontade de participar do discurso proposto. Neste processo ela é utilizada
para selecionar elementos que deem significado ao processo discursivo, produzindo
uma narração pertinente e atraente.
Figura 30: O discurso de sustentabilidade Fiat
Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)
Vale ressaltar, que o discurso não é legitimado apenas por ser enunciado. É
preciso que a organização promova ações que atestem o que está sendo dito. Para
Charaudeau (2006) a finalidade do contrato de comunicação segue uma lógica
comercial que busca enunciar de forma credível para ―convencer‖ da ideia que se
vende. Para o autor, a representação discursiva é idealizada para se legitimar
socialmente.
108
Nesta perspectiva, nota-se que o poder simbólico de uma marca está
associado a sua capacidade de articular um projeto de sentido que seja reconhecido
e que se materialize nas várias ações de comunicação. Por exemplo, se a Fiat
discursa sobre a sustentabilidade, suas ações de marca (anúncios, revistas ou
espaços como a Casa Fiat de Cultura) tornam-se representações do que está sendo
dito e atuam para gerar sentidos que legitimem sua enunciação. A marca busca
apropriar-se de uma realidade que faz sentido para as pessoas e que é reconhecida
por elas (no caso o discurso organizacional sobre a sustentabilidade).
A partir da figura 30, é possível observar duas manifestações discursivas
sobre o conceito de sustentabilidade. A primeira é a revista da organização,
intitulada ―Mundo Fiat‖, que traz como conteúdo uma série de discussões sobre
assuntos em voga na sociedade e sobre os projetos executados pela Fiat S/A do
Brasil. A edição de número 98, de 2009, trouxe como tema ―o desafio da
sustentabilidade‖, uma forma de atestar a preocupação da empresa com o referido
tema.
Nota-se que a estratégia é apropriar-se de uma mudança, um comportamento
e agir no sentido de construir e consolidar a reputação, uma vez que este processo
preserva as redes de relacionamento que promove com a sociedade. Desta forma,
nas organizações, as marcas podem ser entendidas como elemento estratégico,
elaborado a partir de uma perspectiva simbólica para a sustentação de suas
relações com os interlocutores.
Dentro do que Charaudeau (2006, p.68) chamou de ―dados externos, (...) a
identidade dos parceiros engajados na troca é a condição que requer que todo ato
de linguagem dependa dos sujeitos que aí se acham inscritos‖. A forma como o
discurso é elaborado deve levar em consideração aspectos como quem são os
sujeitos envolvidos? Quem fala para quem? Reconhecer quem são os parceiros aos
quais se dirige o discurso é perceber que traços relacionados ao sexo, etnia, status
social, econômico, cultural, entre outros, serão relevantes para que faça sentido.
Observa-se no anúncio (figura 30), o seguinte enunciado: ―O mundo que vamos
deixar para nossos netos depende dos carros que estamos fazendo hoje - Fiat 500,
o carro do nosso tempo‖. Este texto reflete como a marca busca associar o seu
produto a valores que não são diretamente comerciais.
Se as marcas ignoram as tendências e preocupações que estão sendo
discutidas em seu ambiente relacional, elas podem enfraquecer-se. Semprini (2006)
109
defende que a marca é uma entidade ―viva‖ e que para manter seu caráter simbólico
é preciso estar em constante evolução referente às mudanças do seu ambiente. Se
a contemporaneidade é um tempo em que se discutem constantemente sobre as
formas de preservação do planeta, uma empresa que não se manifesta frente a
estas preocupações, corre o risco de tornar-se obsoleta. O processo de discurso
deve abarcar os acontecimentos do mundo (CHARAUDEAU, 2006).
Desta forma, aponta-se como a Fiat S/A do Brasil investe em um discurso
contemporâneo (como a sustentabilidade), reforçando-o na sua missão:
―desenvolver, produzir e comercializar carros e serviços que as pessoas prefiram
comprar e tenham orgulho de possuir, garantindo a criação de valor e a
sustentabilidade do negócio‖ (FIAT, 2010).
Uma empresa não se define somente pelo seu nome, estatuto, serviço ou
produto, mas também pela sua missão, que é vista no mundo empresarial como a
razão de existir da organização e a forma como ela busca tornar possível seus
objetivos (DRUCKER apud PAGNONCELLI, 1992). A missão deve estar alinhada
aos demais discursos produzidos pela empresa. Outra questão é o ―jogo‖ discursivo
promovido pela organização. Dentro do seu segmento de atuação, a Fiat fala de
responsabilidade social associada à comercialização dos seus produtos. O discurso
institucional está relacionado ao compromisso com o Brasil e à qualidade de seus
produtos demonstrado no enunciado abaixo.
Compromisso com o Brasil, pioneirismo e inovação como características marcantes, produtos de alta qualidade e tecnologia, design admirado, respeito ao consumidor e responsabilidade social. Estes atributos compõem o perfil da Fiat, uma das empresas com maior crescimento no mercado brasileiro e líder de vendas no setor. (FIAT, 2010).
Para Charaudeau (2006) o discurso pode reporta-se a um macro-tema, como
por exemplo, compromisso com o Brasil, respeito ao consumidor, responsabilidade
social. É possível também que se acrescente a ele outros temas e subtemas como
produtos de alta qualidade, liderança, empresa com maior crescimento no mercado
brasileiro, líder de vendas no setor. Valorizar o relacionamento com os cidadãos do
país em que a empresa atua também é uma forma de promover a pertinência do seu
discurso.
Abaixo, pela figura 31, pode-se perceber a importância comercial do mercado
brasileiro para a Fiat, um dos motivos pelos quais nota-se a finalidade do seu
110
discurso ―condição que requer que todo ato de linguagem seja ordenado em função
de um objetivo‖ (CHARAUDEAU, 2006, p.69).
Figura 31: Grupo Fiat no Brasil - 2009
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
A importância do mercado brasileiro pode ser observada pelo volume de
produtos vendidos e pelo faturamento alcançado no país, um dos objetivos pelos
quais se percebe que uma ―empresa busca se relacionar com todos os públicos
através de vários canais e atitudes‖ (figura 32). Observa-se no anúncio que as duas
mãos entrelaçadas se convertem num globo. A imagem simbólica de um mundo
formado pela parceria, uma forma de se apropriar do conceito de união para o bem
coletivo. Como todo ato de comunicação põe em relação duas instâncias, uma de
produção e outra de recepção, a instância de produção (no caso da figura 32 a
organização Fiat), assume um duplo papel ―de fornecedor de informação, pois deve
fazer saber, e de propulsor do desejo de consumir as informações, pois deve captar
seu público‖ (CHAURAUDEAU, 2006, p.72).
111
Figura 32: Públicos do grupo Fiat
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
Desta forma, exaltar a importância do relacionamento com o povo brasileiro é
uma forma de despertar o interesse da instância de recepção (no caso, seus grupos
de interesse).
A brasilidade é outro valor percebido no discurso do Grupo Fiat, é um dos
conceitos que ela utiliza para defender sua atuação no país. A Fiat estabeleceu
―uma relação com o país que extrapola os limites da fábrica e das relações
comerciais. Hoje, a montadora sustenta um forte relacionamento de compromisso e
respeito com a sociedade brasileira‖ (FIAT, 2010).
Ao buscar enunciações que exaltem os traços, a identidade dos
interlocutores, a empresa torna-se um espaço de relação, onde se manifestam as
identidades dos sujeitos envolvidos na troca linguageira. Nesta relação o sujeito
falante se posiciona como locutor e estabelece ―relações de força ou de aliança, de
exclusão ou de inclusão, de agressão ou de convivência com o interlocutor‖
(CHARAUDEAU, 2006, p. 71).
112
Figura 33: Grupo Fiat na vida de cada brasileiro
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
A partir da expectativa de sentido em que se baseia o discurso, os envolvidos
têm como objetivo induzir o outro a sua própria intencionalidade. Por exemplo, se o
Grupo Fiat tem como intenção buscar interações com o povo brasileiro, o povo, por
sua parte, precisa sentir que está sendo, de fato, reconhecido e valorizado nesta
relação. Existe uma expectativa de sentido entre emissor e receptor com relação ao
que é proposto por um discurso. A partir desta expectativa é que as duas instâncias
conduzirão a sua enunciação.
Ao perceber o discurso da Fiat em prol da sustentabilidade, associado à
defesa do seu negócio, supõe-se que a criação da Casa Fiat de Cultura é um ato
discursivo da marca Fiat S/A do Brasil, ou seja, uma forma de promover o seu
negócio, articulando-se com a sociedade por meio da valorização de iniciativas que
propiciem o relacionamento.
A finalidade deste espaço cultural está associada às quatro visadas propostas
por Charaudeau (2006). A primeira visada é chamada prescritiva (levar o outro a agir
conforme o proposto) quando utiliza o discurso: ―desenvolver, produzir e
comercializar carros e serviços que as pessoas prefiram comprar e tenham orgulho
de possuir‖. A compra de um carro Fiat pode ser influenciada pela percepção do
consumidor que acredita nos projetos voltados para sustentabilidade. Ele pode
acreditar no discurso proposto e agir estimulado por ele. Criar um espaço que apoia
113
projetos culturais é uma forma de investir em uma necessidade social (a formação e
transformação das pessoas pelo acesso às artes, por exemplo). Esta iniciativa atrai
e conquista um grande público e repercussão midiática, e se constitui em um
importante eixo da plataforma de comunicação da Fiat S/A no Brasil (VILELA, 2009).
A segunda visada é chamada informativa: transmitir um saber a quem se
presume não possuí-lo (CHARAUDEAU, 2006). Ela pode ser percebida na
enunciação abaixo.
A Fiat é a primeira montadora no país a criar e manter um espaço cultural. Localizada em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, a instituição tem, como convergência , a arte e a cultura integradas ao conhecimento, um diálogo permanente com a sociedade. (...) Minas Gerais – terra que abraçou a Fiat e que junto com a empresa se transformou em dos principais pólos industriais e automobilísticos do país – contava com poucos equipamentos culturais adequados para receber exposições de grande porte, que exigem tecnologia museológica. Apresentações de acervos consagrados e exposições internacionais raramente passavam pelo estado. Com a chegada da Casa Fiat de cultura esse cenário vem se modificando, interando Minas de forma decisiva no circuito nacional e internacional das artes. (VILELA, 2009, p. 33).
O texto acima assume o papel de discurso informativo sobre a importância de
uma organização privada investir em projetos que não sejam diretamente
comerciais. Ao apresentar o espaço, várias informações são exaltadas para valorizar
a Fiat S/A do Brasil e a importância da criação desta ―casa cultural‖. ―A Fiat é a
primeira montadora no país a criar e manter um espaço cultural‖ (VILELA, 2009, p.
33).
Percebe-se como é exaltada a postura da empresa. ―Minas Gerais (...)
contava com poucos equipamentos culturais adequados para receber exposições de
grande porte‖ (VILELA, 2009, p. 33). Observa-se que o discurso investe na
justificativa da criação do espaço. ―Apresentações de acervos consagrados e
exposições internacionais raramente passavam pelo estado‖ (VILELA, 2009, p. 33).
Apontam-se como os interlocutores da empresa devem ser informados de questões
importantes para a defesa do discurso. ―Com a chegada da Casa Fiat de cultura
esse cenário vem se modificando, interando Minas de forma decisiva no circuito
nacional e internacional das artes‖ (VILELA, 2009, p. 33). As informações
apresentadas objetivam valorizar a expectativa de sentido proposta, a fim de
contribuir para que o outro - no caso os grupos de interesse da Fiat - sejam
incorporados à intencionalidade proposta.
114
A terceira visada proposta por Charaudeau (2006) é denominada incitativa:
levar o outro a pensar que o que está sendo dito é verdadeiro. Observa-se esta
visada no enunciado abaixo.
Com uma ampla programação que abrange exposições, ciclos de conferências, oficinas, cursos e palestras, concertos de música e cinema, a instituição já recebeu um público de 132 mil pessoas nos primeiros três anos de atuação. Mantida pelas empresas do Grupo Fiat no Brasil, com um caráter de associação cultural sem fins lucrativos, a instituição aplica seus recursos na realização de atividades culturais, artísticas e educativas com acesso gratuito a toda programação. Entre seus objetivos destacam-se o estímulo à produção cultural, à formação de público, à democratização do acesso às artes e à inclusão social. (VILELA, 2009, p. 33, 34).
O trecho acima busca convencer o leitor/receptor a acreditar e legitimar o
discurso organizacional. Percebe-se como a Casa Fiat de Cultura articula suas
ações, estratégias e ferramentas de comunicação para agregar valor a sua marca e
consolidar uma boa imagem. Abaixo segue uma série de ferramentas de
comunicação que foram utilizadas para promover o espaço e as ações da Casa.
Percebe-se que por meio de uma comunicação integrada, a marca investe em várias
possibilidades de legitimar o seu discurso.
Figura 34: Ferramentas de Comunicação exemplo 1
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
115
A partir do momento que a iniciativa é noticiada de forma positiva (figura 34),
a credibilidade e o reconhecimento de uma organização podem aumentar. Os
discursos enunciados por meios de comunicação credíveis constroem referências
sobre a expectativa da informação dos interlocutores. A organização que está sendo
notícia (no caso, a Casa Fiat de Cultura) não é mais a enunciadora direta da
mensagem. Ela apenas empenha-se, por meio das suas ações, para rentabilizar seu
produto e eventos culturais.
Para tal, a composição de um todo comunicacional que faça sentido deve ser
organizado. Quando a organização gerencia suas interações comunicacionais,
adotando uma sistemática complexa de procedimentos – incluindo pesquisas,
planejamento, implementação, avaliação e controle, pode-se dizer da gestão de
seus processos comunicacionais. E é nesta perspectiva de gestão que encontramos
o conceito de comunicação integrada, num entendimento de que os relacionamentos
organizacionais serão tanto mais efetivos, quanto forem orientados estrategicamente
(LIMA, MAIMONI, 2011).
Figura 35: Ferramentas de Comunicação exemplo 2
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
116
A ideia de integração dos esforços de comunicação pode ser vista como
estratégia mercadológica das organizações com o objetivo de conquistar a confiança
dos seus interlocutores. Integração, neste sentido, compreende a coordenação das
funções mercadológicas das organizações, de modo que suas mensagens de marca
sejam consistentes e coerentes. Percebe-se a partir da divulgação midiática e da
composição de peças de divulgação da Casa que a comunicação integrada tem
como objetivo maior manter a coerência discursiva na interação da organização com
seus interlocutores.
Figura 36: Ferramentas de Comunicação exemplo 3 Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
O uso dos meios digitais (figuras 37 e 38) é outra forma de discurso. A prática
da comunicação integrada está relacionada, ainda, a conteúdos múltiplos. As
transformações do mercado e das ferramentas tecnológicas envolvidas em
processos de comunicação, tais como internet, vídeo conferência, salas de bate-
papo, entre outros, também têm alterado as formas de interação entre organizações
e sociedade. A Internet se institui como uma mídia de grande visibilidade, uma vez
que os sentidos que se dão neste contexto produzem repercussões importantes
117
sobre os modos de circulação de conteúdos e sobre a formação da cultura e da
sociedade contemporânea.
Figura 37: Ferramentas de Comunicação exemplo 4
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
Figura 38: Ferramentas de Comunicação exemplo 5
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
118
De forma estratégica, as oportunidades de interação com os interlocutores
organizacionais devem receber todo o apoio de meios que favoreçam um claro
posicionamento das organizações frente a questões de interesse destes (OLIVEIRA;
PAULA, 2007).
Figura 39: Ferramentas de Comunicação exemplo 6
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
A comunicação integrada torna-se um conjunto de ações desenvolvidas para
agregar valor ao posicionamento estratégico de uma marca, que se utiliza de várias
formas discursivas para a otimização dos seus esforços e para a construção de um
todo organizacional coerente. Uma coletividade que age de forma organizada e
articulada, com base em objetivos compartilhados (bem definidos e convergentes)
para, assim, alcançá-los de forma eficaz (LIMA; MAIMONI, 2011).
(...) Comunicação integrada: segundo o professor Wilson da Costa Bueno, ela consiste no conjunto articulado de ações, estratégias e ferramentas de comunicação desenvolvidas por uma empresa com o objetivo de agregar valor à sua marca ou de consolidar a sua imagem junto a públicos específicos ou a sociedade como um todo‖. (VILELA, 2009, p.35).
119
Figura 40: Ferramentas de Comunicação exemplo 7
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
A comunicação integrada assume o papel, portanto, de um conjunto de ações
desenvolvidas para agregar valor ao discurso de uma organização. Para Vilela
(2009) um conjunto articulado de ações, estratégias e ferramentas de comunicação
que são desenvolvidas por uma empresa e que objetiva agregar valor a sua marca e
consolidar a sua imagem junto à sociedade como um todo (seja por meio da
veiculação em meios de comunicação, visitas guiadas, souvenires ou exposições).
Nota-se como a Casa Fiat busca se estabelecer como uma marca que interage e
atende a todos os públicos, como mostra o enunciado abaixo.
Com programação que atende a todos os públicos – crianças, jovens, universitários e adultos –, a Casa Fiat quer fazer parte da vida das pessoas, contribuir com a formação de massa crítica, na tradução e interação produtiva entre público e conteúdo, sendo mediadora na apreensão do conhecimento. Como filosofia de trabalho, a Casa Fiat de Cultura desenvolve programas educativos para estimular a busca do conhecimento entre os jovens, conectando a obra de arte ao público. Voltado tanto para estudantes quanto para o público em geral, o serviço educativo inclui atividades lúdicas, laboratórios e visitas orientadas, sempre vinculadas às exposições promovidas pela instituição. (FIAT, 2010).
120
Para convencer da veracidade de um discurso, nota-se como é importante
promover o contato com o público a partir de ações que comprovem o que está
sendo dito. As estratégias de marca assumem o papel de representações que
acabam por influir sobre o seu discurso e os significados que serão construídos
pelos interlocutores. Desta forma, dada a importância do processo de produção de
sentido, apresenta-se no próximo tópico, de forma mais específica, o resultado da
pesquisa empírica com os frequentadores da Casa Fiat de Cultura. Percebe-se que
os sentidos gerados são parte da consolidação desta marca.
5.2 A produção de sentido a partir da interação com a marca
No processo de compreensão da construção de sentidos é importante
analisar e entender como as pessoas que frequentam o espaço da Casa Fiat de
Cultura o percebe. As entrevistas com este pûblico nos demonstram que a Casa é
entendida como uma iniciativa importante para a ampliação da cultura na cidade e
que de fato contribui com a formação de massa crítica, sendo mediadora na
apreensão do conhecimento.
Aqui você é bem-vindo, bem recebido, eu gosto muito. As exposições escolhidas aqui também são das melhores. (INTERLOCUTOR 1).
Oferece a oportunidade de a gente estar interagindo com estas manifestações na área de Filosofia, na área das artes visuais, bem interessante isto. Eu acho que é levar essas manifestações de cultura no modo geral. (INTERLOCUTOR 3).
Entendo que a Casa Fiat de Cultura tem entre seus objetivos a difusão das artes e da cultura brasileira. Para tanto, o espaço oferece diferentes possibilidades de intercâmbio e fruição de diferentes manifestações artísticas. (INTERLOCUTOR 5).
Por meio das entrevistas, retomamos a proposta teórica das ―visadas‖
(CHARAUDEAU, 2006). A última e quarta visada proposta, a do páthos (provocar no
outro um estado emocional agradável ou desagradável), nos indica como a marca se
manifesta em sua característica simbólica. A partir das experiências com a marca é
possível perceber como os sujeitos percebem e se manifestam emocionalmente
sobre suas ações.
121
Especialmente por meio da cultura, a marca pode agir em 360o. Se a
política cultural de uma empresa reflete o seu jeito de ser, ela permite a construção de laços mais fortes e permanentes com seus públicos. Favorece também uma experiência única da marca com sua rede de relacionamentos: empregados e familiares, revendedores e fornecedores, clientes e consumidores, formadores de opinião, governo, imprensa, terceiro setor e comunidade, agregando a essa rede, públicos estratégicos ligados à atividade cultural. (...) A cultura, portanto, expande o potencial de relacionamento e de comunicação de valores e princípios de uma marca. (VILELA, 2009, p.36).
As entrevistas nos indicam que existe assimilação por parte dos
frequentadores do espaço e como são impactados pelo contato com as ações da
Casa Fiat de Cultura. Alguns discursos coletados confirmam como há uma
articulação entre as respostas.
O objetivo da Casa Fiat é transmitir para as pessoas a importância da cultura nas nossas vidas. Oferece lazer e através dele aumenta o meu conhecimento. (INTERLOCUTOR 14).
Me oferece conhecimento e lazer. Seu objetivo é difundir cada vez mais a cultura em nossa cidade. (INTERLOCUTOR 15).
Ela proporciona maior conhecimento referente à arte. (INTERLOCUTOR
17).
Em relação ao que pensam do espaço de cultura assinado por uma empresa,
as pessoas manifestaram apoio à iniciativa, valorizaram a ação da Fiat e citam
outras empresas que também promovem a cultura.
Eu acho que faz parte da nossa cultura social mesmo, as empresas patrocinam, então isto é uma coisa que eu não vejo diferente. É a Casa Fiat, é a Vale, é o Banco do Brasil, e daí vai... Acho bem bacana, sempre apoiei e apoio. (INTERLOCUTOR 1).
Essas empresas se diferenciam com certeza! Eu acho que é um compromisso importante, bacana, eu acho que devia até ser geral. Deveria ser um compromisso de todas as grandes empresas. Não vejo nenhum problema esse tipo de espaço ser assinado por uma marca, acho até legal. Eu acho que está levando o propósito pra marca, divulgando uma preocupação social de responsabilidade. Eu acho que agrega pra marca e agrega pra cidade, uma troca bacana. (INTERLOCUTOR 6).
Apropriar-se da cultura como um discurso de marca é uma estratégia que
diferencia a empresa frente às demais. O espaço Casa Fiat de Cultura, embora seja
uma instituição sem fins lucrativos e não diretamente voltada a objetivos comerciais,
122
acaba se convertendo em uma marca que contribui para o reconhecimento de boas
iniciativas do Grupo Fiat S/A do Brasil. Como demonstra a figura 41, ―o investimento
cultural corporativo é um dos mais valiosos processos de parceria com a sociedade‖.
Figura 41: Investimento cultural corporativo
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
Acredita-se que este tipo de investimento contribui para reconhecimento do
Grupo Fiat e que seus discursos constroem sentidos de credibilidade e preocupação
com o social.
Figura 42: Reconhecimento da Marca Fiat
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
123
De fato, iniciativas como a Casa Fiat de Cultura podem expandir o potencial
de relacionamento com a sociedade, mas é importante lembrar que a instância de
recepção é portadora de um ―conjunto impreciso de valores ético-sociais e,
acrescentemos afetivo-sociais‖ (CHARAUDEAU, 2006, p.79), que devem ser
levados em consideração. O interlocutor é capaz de avaliar seu interesse com
relação àquilo que é proposto e separar o que ele percebe como verdadeiro,
confiável e autêntico. Por mais que a cultura seja reconhecida como valioso
processo de relacionamento com a sociedade, a pesquisa indicou que o público
frequentador também reconhece as estratégias implícitas nesta iniciativa.
Acredito na atitude responsável de empresas que criam espaços e promovem cultura e muitos países já mostraram que esse compromisso social é possível. No entanto, no Brasil, ainda estamos a passos lentos na construção de um compromisso coletivo de promoção da cultura. Vivemos distorções no uso dos recursos oriundos de leis de incentivo, com concentrações absurdas e promoção desequilibrada de interesses privados. Empresas que promovem cultura com compromisso coletivo ainda são poucas e a cultura acaba sendo somente ―um adereço‖ do negócio, sem concentração e sem permanência. (INTERLOCUTOR 5).
Eu acho que é uma troca, né. Não sei se é muito justa ou não. (...) sem dúvida, a gente associa muito a marca ao que ela faz. Então, se faz alguma coisa que você gosta, por exemplo, Usiminas, eu não conheço a Usiminas, mas pra mim, cinema é Usiminas, porque eu vou no Usiminas e tenho contato com ele constantemente. Se muda o patrocinador eu já tenho uma dificuldade, pra mim. Cinema sempre vai ser Usiminas. Então eu acho que as empresas deveriam investir nisso, porque elas vão ter um ganho muito maior do que elas próprias imaginam. Porque a gente conhece determinado produto não pelo nome dele, mas pela marca. (INTERLOCUTOR 7).
Eu acho interessante que essas empresas tenham esta preocupação, tipo a Fiat a Petrobras e CEMIG que financiam vários projetos no Palácio das Artes que eu já vi. (...) A empresa esta aqui, usa a mão de obra daqui, está produzindo e vendendo aqui, é uma forma de nos dar um retorno daquilo que ela está fazendo aqui. Porque ela está tendo lucro, então ela tem que dar um retorno pra nossa cidade daquilo que ela está tirando dela. (INTERLOCUTOR 9).
Uma coisa complexa, porque tem todo o problema do acesso e da circulação da cultura, quer dizer, qual é o tipo de cultura que vai ser mostrado neste espaço? O fato de ter uma marca neste espaço interfere na produção da cultura. Na verdade é uma relação entre o mercado e a arte. Você meio que direciona a produção artística, você tem uma arte que fica de fora de um espaço de visibilidade. (INTERLOCUTOR 11).
A marca formata o ―como dizer‖ as formas verbais (ou icônicas) que serão
124
empregadas em função da situação de comunicação. Embora a organização
construa um projeto de sentido é por meio da interação que ele se legitima.
Vemos, então, que qualquer discurso, antes de representar o mundo, representa, primeiro, uma relação. Isso porque o objetivo do homem na fala não é o de descrever e explicar o mundo, mas, sim, reconhecer-se no mundo, relacionar-se com o outro para, então, se perceber no mundo. Ou seja, o sujeito informador deve conhecer a situação de troca na qual está inserido, suas características e as características de seu interlocutor para que seu discurso seja elaborado e direcionado ao outro. (BASTOS; LIMA, 2009).
Se a partir da interação o discurso se legitima, percebe-se na Casa Fiat de
cultura a preocupação com esta relação. O espaço investe em programas de diálogo
permanente com seus interlocutores que abrange desde personalidades do meio
artístico a estudantes de todos os níveis.
Figura 43: Gestão do relacionamento 1
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
O diálogo é proporcionado por ações com a comunidade do entorno,
qualificação de profissionais terceirizados para atendimento, um canal de ―Fale
Conosco‖, análise dos feedbacks recebidos, relatório de visitas, acompanhamento
da opinião de especialistas, entre outras ações (CASA FIAT DE CULTURA, 2010).
125
Nota-se que todo este acompanhamento é uma das formas de promover a Casa,
uma das estratégias discursivas utilizadas para estabelecer-se como ―espaço de
locução‖: a tomada da palavra deve ser justificada por quem a tomou, para que o
enunciador se imponha como aquele que tem o poder de comunicar
(CHARAUDEAU, 2006).
No caso da Casa Fiat, nota-se como o poder de comunicar é legítimo, devido
ao sucesso de suas várias exposições e projetos associados à cultura. Para
Charaudeau (2006) o enunciador constrói sua identidade (se estabelecer como uma
casa que promove a cultura, por exemplo), para conquistar relações de força,
aliança, inclusão e convivência com os interlocutores. O espaço é frequentado por
pessoas de várias classes sociais, dentre as quais, personalidades do Estado de
Minas Gerais, do Brasil e do mundo (figuras 46, 47, 48 e 49).
Figura 44: Gestão do relacionamento 2
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
126
Figura 45: Gestão do relacionamento 3
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
Figura 46: Gestão do relacionamento 4
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
127
Figura 47: Gestão do relacionamento 5
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
Toda marca é um processo enunciativo permanente, pois cada ação de
marca é uma nova enunciação que visa dar continuidade a seu discurso
(SEMPRINI, 2006). Para o autor, as marcas de sucesso investem constantemente
no seu objetivo. ―Para a L’Oréal é tornar as mulheres orgulhosas delas mesmas,
para Ajax é liberar a mulher do trabalho doméstico, para Nokia é conectar os
indivíduos‖ (SEMPRINI, 2006, p.159). Nesta perspectiva, um dos objetivos
apresentados pela Casa Fiat de Cultura está associado ao conceito de
universalidade.
Oferecer a toda sociedade arte, conhecimento e entretenimento, promovendo o desenvolvimento cultural através de programação de alto valor histórico, artístico e educativo que contribua para a formação de público, democratização do acesso às artes e inclusão social. (CASA FIAT DE CULTURA, 2010).
Dentro deste conceito, a marca apresenta seus objetivos culturais associados
aos empresariais.
128
Figura 48: Objetivos da Casa Fiat de Cultura
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
Acredita-se que a eficácia simbólica e legitimação destes objetivos estão
associadas à utilização da marca como um dispositivo.
O dispositivo constitui o ambiente, o quadro, o suporte físico da mensagem, mas não se trata de um simples vetor indiferente ao que veicula, ou de um meio de transportar qualquer mensagem sem que esta se ressinta das características do suporte. Todo dispositivo formata a mensagem e, com isso, contribuí para lhe conferir um sentido. (CHARAUDEAU, 2006, p. 104, 105).
Desta forma, a marca se torna um suporte das intencionalidades de uma
empresa, o dispositivo que possibilita a interpretação das mensagens que são
transmitidas, do discurso proposto. Vale ressaltar que o discurso não é proferido
apenas por meio de palavras. Ele refere-se à circulação de informações, em que
haja troca, uma relação entre duas perspectivas (a do emissor e a do receptor).
Desta forma o discurso é um processo interacional, em que os sujeitos se colocam
em relação e, a partir dela, constroem sentido. ―O dispositivo é um componente do
contrato de comunicação sem o qual não há interpretação possível das mensagens‖
(CHARAUDEAU, 2006, p.105).
129
O discurso da marca Casa Fiat de Cultura é uma soma de representações
que se manifestam sejam por palavras, atos, representações gráficas e realizações.
Ele depende do outro para se legitimar e das relações que se estabelecem. É
preciso que os interlocutores ajam, que julguem a enunciação e que produzam
sentidos que a avaliem. A circulação de sentidos é que legitima, ou não, o poder
simbólico de uma marca, sua capacidade de representar um ―mundo possível‖.
O interesse que pode ser despertado por meio de um dispositivo como a
marca Casa Fiat de Cultura apoia-se na hipótese de que o outro possa ser motivado
e levado a agir, quando a mensagem que lhe é proposta (no caso o apoio cultural),
será direta ou indiretamente útil na orientação da sua conduta. Para Charaudeau
(2006), a partir de um dispositivo é possível construir hipóteses para tocar a
afetividade do sujeito alvo e, desta forma, levá-lo a agir.
Se o discurso se dá por meio de uma relação entre instâncias (emissor e
receptor) não se pode desconsiderar a opinião dos sujeitos a quem ele se destina.
Assim, após apresentar as considerações sobre o discurso da Casa Fiat de Cultura,
mostra-se de forma mais detalhada as opiniões colhidas pela pesquisa empírica. A
partir da observação da interação dos interlocutores com a marca, foi elaborado um
questionário que se baseou, também, na observação do discurso da organização,
para avaliar que sentidos são construídos a partir das proposições da marca junto
aos seus grupos de interesse.
A Casa Fiat associa o conceito de cultura à transformação das pessoas.
―Quando falamos de cultura, estamos falando de educação e construção de
cidadania‖ (VILELA, 2009). Desta forma, começa-se por apontar o entendimento dos
interlocutores sobre o conceito de cultura. A primeira pergunta foi: o que é cultura
para você? Grande parte dos entrevistados entende a cultura como algo mais
abrangente, relacionado não somente a manifestações artísticas, mas aos costumes
primários do ser humano.
Cultura é toda e qualquer forma de representação da vida humana. (INTERLOCUTOR 2).
São as relações múltiplas onde tragam a questão dos costumes, a maneira do povo agir, de falar, conviver, com seus rituais, com a sua religiosidade, com seu convívio. (INTERLOCUTOR 1).
130
Para mim não existe uma definição só de cultura, é um dos conceitos mais complicados que têm no mundo, então eu não teria uma única definição de cultura para dizer. (INTERLOCUTOR 20).
Cultura para mim é todo o universo de criação simbólica do homem, ou seja, toda representação que medeia à relação direta do homem com o mundo. É um conceito amplo, antropológico. (INTERLOCUTOR 21).
Com relação à cultura, percebe-se que não existe um consenso devido à
abrangência de significados que podem ser associados a esta palavra. Os sentidos
produzidos se baseiam em fatores sociais, políticos, econômicos, culturais e
educacionais que estruturam os modos de interpretação de ambas as instâncias
que, por meio de práticas discursivas, entram em interação e propõem sentidos.
Para Vilela (2009) projetos culturais geram valor para a sociedade. A segunda
pergunta está associada a esta afirmação. Ao perguntar que importância você dá
para existência de espaços de cultura na cidade, os entrevistados demonstram
reconhecer a importância de toda e qualquer iniciativa que promova a cultura.
Toda a importância. Sou a pessoa que dá o maior valor, desde o Parque Municipal que eu amo de paixão, vivo lá participando das coisas, e vejo que isso é uma riqueza da gente, do povo de Minas, que nós somos artistas, desde as famílias mais carentes, as pessoas todas que fazem artesanato, arte, pessoas que são ligadas à música. (...) A arte é esta convivência que eu busco sempre e que alimenta a minha alma. Então, alivia a tensão do dia cotidiano. (INTERLOCUTOR 1).
No meu entendimento, espaços de cultura são essenciais em qualquer cidade, sejam eles públicos ou privados. (INTERLOCUTOR 2).
Eu acho que é de fundamental importância, pena que nós temos poucos aqui em Belo Horizonte, mas eu acho que quanto mais, melhor. (INTERLOCUTOR 13).
Vital. Uma forma harmônica de mesclar a busca de conhecimentos e da informação com lazer e reconhecimentos de dons individuais ou em grupo. (INTERLOCUTOR 16).
Considero essencial que uma cidade tenha diferentes espaços culturais, de forma a dar conta da diversidade cultural da sua população. Mas, mais importante que o espaço físico em si, são as condições de se fazer e fruir a cultura. (INTERLOCUTOR 20).
Como as entrevistas foram realizadas dentro do espaço Casa Fiat de Cultura,
com pessoas que estavam ali de forma espontânea, observou-se que o interesse
pela cultura é uma característica predominante dos frequentadores. Nesta
131
perspectiva, valorizar a cultura é uma das condições que compõem o contrato de
comunicação entre a Casa Fiat de Cultura e seus interlocutores. Para Charaudeau
(2006) uma das características que permite que os parceiros de uma troca
linguageira se reconheçam é a percepção da finalidade, propósito da troca, ou seja,
reconhecerem o que constitui o objeto temático proposto, no caso, a cultura.
O interesse pela cultura pode ser comprovado a partir da terceira pergunta da
pesquisa: quais são seus hábitos de frequentação de eventos de cultura? As
opiniões indicam que as pessoas valorizam a cultura, os projetos culturais e os
espaços que envolvam a cultura na cidade.
Eu frequentei muita coisa em vários bairros da cidade que são os movimentos gratuitos, participei demais e frequento exposições, cinema. (INTERLOCUTOR 1).
Todo tipo de evento, em especial na Casa Fiat procuro frequentar sempre, e estou sempre de olho na sua programação. (INTERLOCUTOR 2).
Eu gosto muito do Palácio das Artes. Eu vejo lá bastante coisa de arte moderna, eu vi poesia concreta, eu vi balé, eu vi o Grupo Corpo, ópera. Eu vou no Museu de Arte da Pampulha, eu vejo muito a programação da TV Cultura de São Paulo. (INTERLOCUTOR 9).
Eu gosto de ir ao cinema, ir ao Palácio das Artes, gosto de vir à Casa Fiat de Cultura, mas aqui é mais difícil, porque aqui é muito longe. Gosto mais das artes visuais e literatura, menos eventos ligados à música‖. (INTERLOCUTOR 11).
Museus, exposições diversas, apresentação de canto e coral, teatro e feiras de livros. (INTERLOCUTOR 16).
Com a pesquisa pôde-se observar que o discurso da casa Fiat é legítimo, que
o espaço é percebido como positivo, e que estimula a ida dos frequentadores a
outras ações promovidas pela Casa. A quarta pergunta, em quais situações,
(eventos) da Casa Fiat você já esteve presente?, demonstrou que a maioria dos
entrevistados já visitou o espaço mais de uma vez e que eles procuram informações
sobre próximos eventos.
Já estive em exposições, coquetéis e seminários diversos. (INTERLOCUTOR 2).
132
Na Exposição do Chagall, na Exposição do Rodin, em algumas outras mostras de pintura que não vêm à memória agora e a série Mutações, que eu já participei de todos que teve até hoje. (INTERLOCUTOR 3).
Palestras, exposições: Com que roupa eu vou, Rodin, Amilcar de Castro, sempre que fico sabendo da programação eu procuro vir. (INTERLOCUTOR 7).
Eu vim na mostra do Chagall, no Rodin e na coleção Mineriana e vim também no ano passado na abertura do Ciclo Mutações. (INTERLOCUTOR 20).
As exposições de Marc Chagall e Rodin, realizadas em 2009, foram as mais
citadas. Elas promoveram um aumento significativo do público e grande repercussão
midiática (vide figura 22, no capítulo 4). Além disso, contribuíram para aumentar a
visibilidade da Casa Fiat de Cultura, assim como o número de mídias espontâneas
sobre os projetos promovidos pelo espaço. A repercussão das exposições, palestras
e eventos em prol da cultura promovem a expansão do relacionamento da marca
com os interlocutores. Para Vilela (2009) a cultura é capaz de gerar valor para o
negócio e envolver todos que se relacionam com o espaço.
A forma como as pessoas tiveram acesso ao espaço também despertou o
interesse desta pesquisa. A quinta pergunta, qual foi a situação que te levou a ter
acesso ao espaço Casa Fiat de Cultura?, demonstrou o quanto uma comunicação
integrada é importante para promover o discurso de uma organização. Os
interlocutores tomaram conhecimento sobre o espaço pelos vários canais de
comunicação e também da opinião pública.
Enquanto eu fui aluna de Pedagogia da UEMG e a gente tinha uma disciplina chamada ACA - Atividade de Cultura e Arte, então eu conheci muito Belo Horizonte por causa deste movimento e a Casa Fiat foi uma delas. (INTERLOCUTOR 1).
Foi num anúncio que eu vi no Estado de Minas, na parte de Gerais, ai eu tomei conhecimento, gosto muito da área de Filosofia, ai resolvi vir, conhecer. (INTERLOCUTOR 3).
Fiquei sabendo do espaço pela Internet e pelo rádio. (INTERLOCUTOR 4).
Pelo Ciclo Mutações, a primeira vez através de uma amiga. (INTERLOCUTOR 6).
133
Primeiro porque meu marido trabalha na Fiat, então fiquei sabendo por ele e porque eu vejo sempre a programação do que tem no teatro, cinema, eu sempre vejo o que tem. (INTERLOCUTOR 7).
Porque eu procuro muito, museus essas coisas e nestas idas e vindas eu vi um folder aqui da Casa em outro museu tipo o Palácio das Artes, Museu de Artes da Pampulha, aí eu fiquei sabendo que ia ter o Rodin, aí eu vim. (INTERLOCUTOR 9).
A palestra da Márcia Tiburi eu vi no Twitter, quando eu vim no Rodin e no Chagall eu fiquei sabendo pela Faculdade. (INTERLOCUTOR 12).
Informação na imprensa. (INTERLOCUTOR 20).
Ao perceber as várias formas pelas quais as pessoas tiveram acesso ao
espaço, reconhece-se a importância da comunicação integrada. Trata-se da
otimização dos esforços para a construção de um todo organizacional coerente
(numa perspectiva interna e externa), uma coletividade que age de forma organizada
e articulada, com base em objetivos compartilhados (bem definidos e convergentes)
para, assim, legitimá-los. Seja a partir de mídias de massa como a TV, jornais ou
rádio, da Internet, da comunicação interna (no caso dos funcionários) ou da
repercussão da opinião pública, é perceptível que este processo busca a sinergia de
todos os pontos de contato que são desejáveis para a organização. O desafio é
pensar em novas formas de interação que, de fato, estabeleçam um contato possível
frente à natureza dinâmica, mutável e imprevisível dos processos de comunicação e
das relações sociais. E, nesta perspectiva, constata-se que a Casa Fiat é uma
marca que possibilita uma interação diferenciada com os grupos de interesse da Fiat
S/A do Brasil.
A resposta dos entrevistados sobre a sexta pergunta, o que a Casa Fiat de
Cultura oferece?, já foi explicitada neste capítulo.
A partir da afirmação abaixo, que justifica a criação do espaço Casa Fiat de
Cultura no Estado de Minas Gerais foi elaborada a sétima pergunta: na sua opinião
o que a Casa Fiat de Cultura oferece no âmbito da cultura para o Estado de Minas
Gerais?
Minas Gerais – terra que abraçou a Fiat e que junto com a empresa se transformou em um dos principais pólos industriais e automobilísticos do país – contava com poucos equipamentos culturais adequados para receber exposições de grande porte, que exigem tecnologia museológica. Apresentações de acervos consagrados e exposições internacionais
134
raramente passavam pelo estado. Com a chegada da Casa Fiat de Cultura esse cenário vem se modificando, integrando Minas de forma decisiva no circuito nacional e internacional das artes. (VILELA, 2009, p.33).
Notou-se por meio da pesquisa que a Casa Fiat de Cultura é reconhecida
como um importante espaço cultural do Estado. Para Charaudeau (2006) o interesse
na troca discursiva pode ser despertado pelas estratégias que se apoiam em
informações que motivam por parecerem úteis ao receptor. Se Minas Gerais não
contava com equipamentos culturais adequados e a partir da criação da Casa Fiat
de Cultura ganha notabilidade no campo nacional das artes, é visível como os
discursos são favoráveis a iniciativa.
Espaço adequado para eventos diversos, em geral com conteúdos importantes. (INTERLOCUTOR 2).
Um espaço com qualidade de programação e compromisso de promoção da cultura. (INTERLOCUTOR 5).
Eu acho que é um espaço pra evento, por exemplo, essas exposições de arte mesmo, de pintura, de escultura que sempre têm aqui. Eu acho que é um espaço a mais pra cidade e mesmo de promover seus eventos, trazer pessoas de fora. Eu não conheço outro espaço que tenha este compromisso de ter, por exemplo, um ciclo regular de atividades. (INTERLOCUTOR 6).
Eu acho que é trazer o que aqui não tem. Como as obras de Rodin, até então aqui não tinha, eu tive que ir lá no MASP para ver Goya. Quando eu descobri que aqui tinha o Rodin eu fiquei muito satisfeito: eu não vou ter que ir em São Paulo pra poder ver ele, eu posso vir aqui. Eu fui até São Paulo, de moto, para ver as gravuras de Goya. (INTERLOCUTOR 9).
Através das suas exposições internacionais dá oportunidade para pessoas de diversos níveis sociais terem acesso à cultura de outros lugares do mundo. (INTERLOCUTOR 14).
No entanto, a localização da Casa Fiat de Cultura foi mencionada como um
ponto desfavorável, uma vez que limita a visitação e exclui a possibilidade de uma
parcela da população frequentar os seus eventos. Vale ressaltar que a Casa Fiat
oferece transporte gratuito para pessoas que desejam conhecer o espaço.
Eu acho que o fato dela trazer, ter uma programação onde ela se propõe a fazer grandes eventos, eu acho que isso já contribui com Belo Horizonte. Embora tenha um problema que ela tem que amenizar que é a questão da localização. Eu acho que a localização às vezes não favorece a
135
determinado público chegar até aqui. Então, ela acaba sendo muito restrita, porque ela acaba atingindo um público muito limitado. (INTERLOCUTOR 7).
Acho o espaço muito bonito, acho que é um dos melhores espaços de cultura de Belo Horizonte, mas realmente o problema é que está muito longe. Se a gente for pensar, por exemplo, o MASP em São Paulo, que também é um espaço ótimo, mas ele é central‖. (INTERLOCUTOR 12).
Ela oferece oportunidade da comunidade ter contato com acervos internacionais e eventos diferenciados. Entretanto acredito que sua localização seja ruim, de difícil acesso e que dificulta a participação em seus eventos de uma grande parcela da população. (INTERLOCUTOR 18).
Charaudeau (2006) ressalta que entre discursos a relação se torna mais
complexa, porque não se trata apenas de transmitir e convencer, porque os
interlocutores não são atraídos e seduzidos com tanta facilidade. A instância
emissora pode organizar o discurso, mas esta relação não garante a legitimidade.
As pessoas reconhecem a qualidade e importância do espaço, mas também se
manifestam sobre questões percebidas como negativas, no caso, a localização da
Casa Fiat de Cultura. Percebe-se que o fato dos frequentadores estabelecerem uma
relação positiva com a marca, não os impede de produzir críticas sobre ela.
Na oitava pergunta: O que você pensa de um espaço de cultura assinado por
uma marca de uma empresa? O que você acha de empresas que promovem
cultura? Para você, empresas que tem esta atitude se diferenciam de outras
empresas? , percebeu-se que, embora a iniciativa seja elogiada e percebida como
louvável, existem questões que desagradam o público.
Eu acho que é um sinal do dinheiro que a marca tem para patrocinar eventos. Elas se diferenciam de outras empresas porque mostra que elas têm Marketing Cultural, isso é muito importante. (INTERLOCUTOR 4).
De alguma forma sim, agora tem também o lado ―muito marketing né‖. Depende realmente do compromisso com o povo, porque cultura são várias. Então poderia ser mais abrangente. De qualquer forma acho que melhor assim, acho que a cultura deveria ser mais pública, com mais participação do Estado. Além do privado, deveria ser mais responsabilidade do estado, o estado como cultura pública. (INTERLOCUTOR 8).
Acho que esses espaços são válidos, pois de certa forma contribuem para melhorar a qualidade de vida da população. Entretanto, a empresa tem um grande benefício também, pois fortalece a sua marca. Acho que a atitude mesmo que não seja desinteressada economicamente é válida, é melhor do que as empresas que não fazem nada. (INTERLOCUTOR 18).
136
A partir dos dados coletados na pesquisa, pode-se constatar que empresas
que apoiam ações culturais são lembradas de forma mais espontânea, como
mostram os discursos. A nona pergunta: você lembra de outras empresas que
também promovam a cultura? Caso a resposta seja afirmativa, cite exemplos,
demonstrou a seguinte relação.
Sim, Banco do Brasil, a Vale, patrocinam musicais, shows, teatros. (INTERLOCUTOR 1).
Itaú, Vale do Rio Doce e Petrobras. (INTERLOCUTOR 4).
A TIM, a Oi, a Vale ta sempre promovendo a cultura, a CEMIG, várias empresas têm essa preocupação e fazem mesmo! (INTERLOCUTOR 6).
Usiminas, Vale, por exemplo, porque eu vou na praça e vejo a Vale ali! A Vale se preocupa com isso. Mas vale a pena se atentar o que a empresa de fato faz: o que exatamente ela faz? (...) Mas eu lembro mais da Vale, por causa da praça, a Usiminas por causa do cinema, a Fiat no caso por causa dos seminários, mais forte são estas. (INTERLOCUTOR 7).
Nós temos o Chevrollet Hall que patrocina uma casa de espetáculos, tem a Fiat, tem a Usiminas, tem Belgo Mineira, tem a TIM, Vivo, Claro, Petrobras. (INTERLOCUTOR 19).
Temos grandes patrocinadores entre as empresas estatais como a Petrobras. Cito ainda a Vale e a operadora de telefonia Vivo, que mantém também um espaço cultural. (INTERLOCUTOR 20).
Nota-se a empatia da sociedade com o apoio às ações culturais. Apropriar-se
da cultura para um discurso de marca é uma forma de convocar as pessoas para um
projeto de sentido que toque a afetividade delas. As representações discursivas que
se utilizam da cultura buscam justificativa na importância social do tema. ―Ao criar a
Casa Fiat de Cultura, em 2006, a Fiat renovou seu compromisso com a sociedade,
consolidando, em novo espaço, seus 30 anos de realizações na área cultural‖
(VILELA, 2009, p.32, 33).
Desta forma, a marca busca se revestir de interpretantes que demonstrem
seu ―compromisso com a sociedade‖. Para Charaudeau (2006, p.87) ―todo contrato
de comunicação se define através das representações idealizadas que o justificam
socialmente e, portanto, o legitimam‖. Algumas empresas foram citadas pela grande
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maioria dos entrevistados como ―promotoras da cultura‖: Vale, Usiminas, Petrobras,
Banco do Brasil e até mesmo o Unibanco, marca que foi extinta após ter sido
comprada pela organização Itaú.
Tem várias empresas que hoje patrocinam a cultura, mas não desta forma. Que nem a Fiat e o Unibanco, sinceramente, não me lembro. (INTERLOCUTOR 10).
Vale, Usiminas, Unibanco, Serasa, etc. (INTERLOCUTOR 18).
Citar uma empresa que nem sequer existe mais demonstra como a eficácia
simbólica de uma marca se associa a sua capacidade de propor projetos de sentido
que despertem o interesse dos interlocutores. Desta forma, quando a Casa Fiat de
Cultura se posiciona como instituição que busca transformar a sociedade, ela acaba
por associar este valor à marca Fiat S/A do Brasil.
Figura 49: Casa Fiat de Cultura e Fiat S/A do Brasil
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
A última pergunta está associada à representação gráfica da Casa Fiat de
Cultura e o que ela produz como significado. A logomarca da Casa Fiat de Cultura é
predominantemente azul, cor que remete à palavra ―Fiat‖, que vem destacada e em
fonte diferenciada do enunciado ―Casa de Cultura‖. É nítido o nome ―Fiat‖ como
palavra de destaque, que se apresenta com o mesmo grafismo da logomarca da
138
principal empresa do grupo: a Fiat Automóveis (figura 50). Acompanhada do
desenho de uma casa que remete a portas abertas, sugere receptividade,
diversidade (devido às várias cores da casa, embora o azul seja predominante) e
atributos relacionados ao ―lar‖, como aconchego e conforto.
Figura 50: Logomarca Casa Fiat de Cultura e Fiat Automóveis
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
Foi pedido para os entrevistados descreverem o significado da marca, como
forma de perceber se o discurso da organização vem sendo compreendido por meio
da sua representação gráfica. Existem diversas denominações utilizadas no
mercado, para o termo marca, sendo que a mais popular é logotipo. Portanto
adotaremos a nomenclatura proposta pelo livro da autora Carmem Carril, ―A alma da
marca Petrobras‖.
O logotipo é um símbolo ou desenho pictórico constituído para representar a marca. Em grego, a palavra logos significa fala ou discurso; na tipografia, a palavra em inglês tipe representa um conjunto de caracteres tipográficos. O logotipo tem o poder de identificar a marca e individualizá-la, pela utilização do nome como signo puramente verbal e de sua versão visual (gráfica) que adiciona ao nome da marca. (CARRIL, 2004, p.89).
O logotipo também é uma forma discursiva. A prova disso é que grande parte
dos entrevistados demonstraram perceber, por meio da representação gráfica da
marca, o principal valor proposto pela Casa Fiat, ou seja: a cultura.
Parece uma casa, um desenho quase infantil de uma casa, que tem uma ideia de proximidade e ao mesmo tempo a cor dá uma ideia mais lúdica da arte. Talvez tire um pouco o peso de ser uma empresa de mercado, competitiva. Talvez seja um contraponto a isto, uma coisa que busque valorizar mais o lado humano. (INTERLOCUTOR 11).
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Nota-se nas respostas uma associação de ideias gerais, que mostra que o
discurso de fato deve ser coeso, para se legitimar. Para alguns interlocutores a
mensagem da marca é tão forte que está diretamente associada à cultura e a
atributos humanos como credibilidade, confiança e comprometimento.
Pra mim ela remete a cultura. Só isso. A mensagem a hora que eu vejo a logomarca, ou falam em Casa Fiat, me lembra as exposições que eu já vi aqui, enfim, cultura. (INTERLOCUTOR 11).
Credibilidade. (INTERLOCUTOR 13).
Confiança e comprometimento. (INTERLOCUTOR 14).
Aconchego e segurança. (INTERLOCUTOR 15).
Um lugar de conhecimento e oportunidade para as pessoas terem acesso à informação e cultura. (INTERLOCUTOR 16).
As opiniões se basearam mais na experiência global que estes sujeitos
vivenciaram com a instituição e menos na descrição dos elementos gráficos.
Eu vejo uma casa, uma casinha de porta aberta, então ela tá te chamando pra um aconchego. Ela te acolhe, me passa um acolhimento. (INTERLOCUTOR 1).
Transmite uma coisa muito gostosa. Você está em casa, é como se você tivesse em casa, tem liberdade de estar trafegando, participando dos eventos aqui. Acho que casa com liberdade, essa é a representação. (INTERLOCUTOR 3).
Diversidade. A primeira vez que eu vi essa marquinha me lembrou assim uma ―Oca de índio‖, e o fato de ser colorido: várias tribos. Então a imagem mais que me vem é sempre a questão da diversidade. Todas as vezes que eu vejo penso nisso. (INTERLOCUTOR 6).
Você tem aí uma imagem que parece que é uma porta de uma casa, com uma porta aberta, pra mim passa isso. Casa pra mim sempre é um símbolo de aconchego e uma porta aberta é sempre uma porta aberta, seja pro que for, sejam coisas boas ou ruins, e neste caso eu acho que é coisa boa. (INTERLOCUTOR 10).
Pra mim ela remete à cultura. Só isso. A mensagem, a hora que eu vejo a logomarca, ou falam em Casa Fiat, me lembra as exposições que eu já vi aqui, enfim, cultura. (INTERLOCUTOR 13).
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Esta relação demonstra como a marca se apropria de valores simbólicos que
extrapolam aos objetivos comerciais e amplia o conceito da marca Fiat para além do
negócio em si. Mesmo quando os interlocutores entrevistados associam a Casa Fiat
à fabricação de automóveis, outros sentidos se manifestam.
Como a palavra Fiat está em destaque, minha primeira lembrança é a Fiat Automóveis e seus carros. Depois vejo um lugar que me lembra tranquilidade, leveza. Mas o que primeiro me lembro são dos carros. (INTERLOCUTOR 18).
A representação gráfica remete à marca ―Fiat‖, destacando a cultura como ―algo a mais‖, indo além de simplesmente fabricar veículos. (INTERLOCUTOR 19).
Neste caso a marca não remete apenas às estratégias de lançamento de um
novo produto ou à conquista de novos mercados, mas reflete a importância e a
capacidade de propor sentidos, ou seja, ―identificar uma proposição de tipo
semiótica e sociocultural que seja pertinente, original e atraente para um
determinado público‖ (SEMPRINI, 2006, p.158).
A marca torna-se um símbolo e o símbolo não é algo isolado, faz parte de
uma cadeia de interpretantes. A marca é o signo de uma ideia. O símbolo aponta
para algo que será interpretado, é uma tentativa de definição de sentido. Por isso a
ideia proposta por uma marca precisa ser reconhecida pelos indivíduos, para que
estes possam legitimá-la. O sujeito que recebe o discurso da marca identifica-se (ou
não) com o que é proposto e decide em que medida este sentido contribuirá para
sua experiência de vida, seus objetivos.
Embora o logotipo também seja um discurso que tenha o poder de identificar
uma marca e de individualizá-la, percebe-se, por meio dos depoimentos, a
associação da Casa Fiat de Cultura a outras empresas do Grupo Fiat, ou seja, a
Casa também é associada à proposta comercial da organização.
Que esta não é uma casa qualquer de cultura, mas a Casa ―FIAT‖ de Cultura. Ao mesmo tempo a forma da casa me lembra uma seta que lembra tráfego, trânsito, e, portanto, ―carro‖. (INTERLOCUTOR 2).
Na verdade a palavra Fiat está muito em evidência, é bem Fiat, né. Eu olhando agora, assim, a palavra Fiat tá bem forte. (INTERLOCUTOR 8).
141
Ela significa a representação da casa, uma casa colorida pra mostrar que é uma arte descontraída, talvez, e Fiat também está na mesma cor que uma parte da casa. Então faz certa ligação visual. (INTERLOCUTOR 12).
Por meio da pesquisa foi possível perceber como a cultura é uma importante
estratégia de relacionamento com os interlocutores do grupo Fiat. O discurso que se
apropria da cultura permitiu que a marca refletisse a perspectiva estratégica da
organização com a expectativa dos seus interlocutores.
Pode-se concluir que a Casa Fiat de Cultura é uma iniciativa bem sucedida e
que tem conseguido se legitimar a partir do seu discurso de marca que se apropria
da cultura. O discurso, mais do que uma proposta de sentido, reflete uma moldura
das relações entre a organização e seus grupos de interesse. Desta forma, a
capacidade de veicular propostas de sentido é que confere à marca sua
característica simbólica, uma vez que este signo, complexo e dinâmico, aponta, mas
não determina, o sentido que de fato se manifesta. Parece que a Casa Fiat de
Cultura também reconhece esta relação (figura 51) quando admite que a experiência
estética e cultural ―muda as perspectivas e transforma as pessoas, cria atalhos para
pensar o novo e que a verdade está sempre em construção‖ (CASA FIAT DE
CULTURA, 2010).
Figura 51: A experiência estética e cultural
Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010
142
A cultura expande o potencial de relacionamento de uma marca junto aos
grupos de interesse. ―Eu vejo que ela é a casa da diversidade. Você vê que tem uma
casinha, com a porta aberta e essa casa tem várias cores, ou seja, aqui pode fazer
de tudo‖ (INTERLOCUTOR 20). Os sentidos não são cristalizados. Novos sentidos
vão sendo construídos sobre o discurso proposto e é justamente esta a riqueza de
todo e qualquer processo comunicativo. Enfim, o discurso é uma forma de
comunicação, processo entendido como o grande espaço de construção e
circulação de sentidos e é, portanto, de construção de realidades simbólicas,
imateriais e desempenha esse papel-chave fascinante de constituir-se em ambiente
por excelência de construção da realidade contemporânea.
143
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância do estudo dessa temática não está apenas na análise do valor patrimonial que uma marca pode representar, (...) a temática ganha relevância, principalmente quando se percebe que algumas das marcas mais valiosas do mundo têm em comum um conceito emocional bem-definido, uma personalidade que chega a valer mais do que a própria empresa. (CARRIL, 2004, p.21).
Este trabalho aponta que os estudos da comunicação no contexto
organizacional propiciam importantes análises a respeito das instâncias produtoras
de sentido, uma vez que as organizações são campos de articulação de fluxos
informacionais e de práticas discursivas e simbólicas que interagem com a
sociedade. Nesta perspectiva, nota-se o fortalecimento dos dispositivos relacionais
que partem das organizações, visando estabelecer discursos de ligação cada vez
mais fortes. Tais discursos foram observados por meio das marcas, elemento
estudado para além de sua capacidade estratégica, pois buscou-se compreendê-la a
partir da realidade contemporânea, como um fenômeno discursivo de grande
repercussão. Com os dados empíricos analisados e o referencial teórico que
fundamenta este trabalho pode-se destacar que a Casa Fiat de Cultura é uma
importante estratégia de relacionamento que transmite valores positivos as
empresas do Grupo Fiat.
O espaço criado busca valorizar a relação com a sociedade e promover ações
culturais de grande visibilidade. A partir de um processo que envolve associações
simbólicas, o discurso foi elaborado tendo como base atributos relativos à própria
organização. Eles ordenam sentidos que se mostram reconhecidos e legitimados
pelos interlocutores, numa perspectiva relacional. Assim, este trabalho mostra que o
processo de comunicação não é algo linear, mas, sim, uma experiência construída
por instâncias, em que suas ações e práticas se realizam a partir de uma relação.
Entre organizações e a sociedade não é diferente. Entende-se que a organização é
um ator social que tem papéis e compromissos com a sociedade e, por isso, precisa
dialogar com os vários grupos que a compõem. Daí a importância dela estar atenta
às mudanças sociais, políticas, culturais e entender que a comunicação se dá por
meio de movimentos que transitam entre sujeitos. A comunicação no contexto das
144
organizações deve ser pensada como um processo capaz de consolidar e legitimar
as intenções de uma empresa.
A análise empírica possibilitou pensar a comunicação como um processo que
cria conexões em contextos organizacionais e reconhecer que a identidade visual
―marca‖ não é apenas uma representação, mas uma oportunidade de interface com
os atores sociais. Desta forma, são os interpretantes emitidos pelas marcas, como
possibilidades de sentidos, que atuam sobre as opiniões dos sujeitos. Quando a
Casa Fiat se apropria da cultura, ela transmite este valor para sua marca que busca,
a partir de suas ações culturais, valorizar a cidadania, a arte, a reflexão e o
conhecimento.
De fato, percebe-se um forte reconhecimento dos entrevistados de que a
Casa Fiat de Cultura é um espaço de aproximação e diálogo com a sociedade. A
pesquisa mostrou que a percepção da efetividade com que as empresas atuam nos
setores econômicos, ambiental, social e cultural, ligados à sustentabilidade,
transforma o investimento cultural corporativo em um importante processo de
parceria reconhecido pela sociedade. Os dados nos levam a perceber que Fiat
busca alinhar sua estratégia comercial ao discurso da sustentabilidade (tema de
grande importância na contemporaneidade) e constrói uma enunciação em prol do
equilíbrio entre perspectivas econômicas, sociais e ambientais. A Casa Fiat oferece
elementos associados à cultura que podem ser vivenciados pelos interlocutores. A
análise vem confirmar que o êxito de um processo comunicativo se dá a partir de
uma relação permeada por trocas simbólicas. É a partir da apropriação de valores
simbólicos que as marcas interagem com os sujeitos numa relação em que sentidos
são construídos.
A pesquisa também demonstrou que emergem novos comportamentos
organizacionais que apontam para a necessidade das organizações adotarem
ações de responsabilidade social, com estímulos à cultura e à cidadania social e
não apenas à prática ambiental relacionada à preservação do meio ambiente. Vale
ressaltar que os cidadãos estão cada vez mais atentos à reputação das empresas e
que esforços estratégicos são utilizados para tentar preservá-la.
A política de comunicação desenvolvida pela Casa Fiat de Cultura se pauta
na interação. Grande parte dos entrevistados reconhece o discurso da marca,
embora se perceba que ela busca construir discursos carregados de significados
intencionais. O conceito de comunicação integrada envolve a orientação estratégica
145
dos relacionamentos organizacionais e a integração de mensagens, processos e
funções de comunicação que visam à integração do sistema organizacional com
seus grupos de interesse. Desta forma, a comunicação no contexto das
organizações não é resultado de um esforço puramente intencional, é pensada a
partir do alinhamento das ações organizacionais em prol do alcance de objetivos
comuns, sendo sempre uma intenção e uma construção coletiva. O discurso da
Casa Fiat de Cultura é reconhecido pelo público frequentador, mas as estratégias
implícitas neste processo também são reconhecidas, quando os entrevistados
reconhecem os interesses comerciais.
A metodologia proposta por Charaudeau (2006) dialogou bem com o objeto
empírico. De fato, toda troca linguageira se dá conforme um contrato de
comunicação. Esse contrato traz o conjunto de referências que compõem os limites
da comunicação, construído a partir das expectativas das partes, vindo a ser
constituído pelo resultado ―das características próprias à situação de troca, os dados
externos, e das características discursivas decorrentes, os dados internos‖
(Charaudeau, 2006, p.68). Assim, esses elementos externos ao ato de comunicação
– a identidade dos parceiros, a finalidade da troca, o propósito da comunicação e as
características inerentes ao dispositivo pelo qual ocorre a troca comunicativa (no
caso a marca) – irão interferir no contrato de comunicação, nas expectativas em
relação à troca, e também na troca comunicativa em si, vindo a influenciar o discurso
que emerge nessas trocas.
Este estudo, assim, mostra sua relevância ao buscar reforçar a natureza
simbólica da marca que representa uma moldura de relações entre organizações e
sujeitos sociais. A marca contemporânea opera no nível das sensações, ou seja, ela
cumpre o papel de remeter a elementos que promovam uma interação direta com a
organização e seus valores, principalmente elementos que atuam na esfera do
sensível e promovem uma relação mais afetiva entre a marca e os sujeitos.
É relevante destacar que embora as entrevistas tenham sido realizadas
dentro do espaço físico da Casa Fiat de Cultura, percebeu-se em todas as respostas
a espontaneidade. As questões tinham como foco a resposta livre dos
frequentadores, buscando a opinião de cada um deles sobre a cultura e o discurso
da marca. Esta é a riqueza do processo comunicativo, que abre novas perspectivas
e possibilidades de produção de sentidos. Nesta medida é que as organizações
devem aceitar o fato de que ressalvas ou lacunas no processo comunicativo, ou
146
seja, construções de sentido que se diferem do que foi intencionado não diminuem a
força de uma marca, mas, justamente, reforçam as possibilidades de sentido
inerentes ao processo. Como símbolo, a marca pode apontar para um ―mundo
possível‖, mas não pode representar de forma completa, o sentido manifestado.
Novas questões surgiram ao longo da realização do trabalho. Outros projetos,
ações, atitudes e exposições da Casa Fiat de Cultura foram realizados ao longo de
2011 e não puderam ser citados. Como se trata de um espaço em constante
atuação, seria quase impossível falar de todas as suas iniciativas, uma vez que o
discurso da marca é um processo que circula constantemente. Desta forma, foram
feitos recortes que possibilitaram a análise empírica.
Por fim, destaca-se que esta pesquisa possibilitou ampliar os conhecimentos
não apenas sobre as marcas e a forma como as organizações têm buscado se
relacionar com a sociedade, mas também sobre aspectos relacionados ao processo
comunicativo na contemporaneidade. Analisar a apropriação de valores simbólicos
em discursos de marca foi uma oportunidade de constatar como o seu papel tem
sido ampliado para promover entidades, pessoas ou lugares. A marca passa a
representar um dos bens preciosos para as empresas porque reflete as
percepções, crenças e sentimentos que podem ser associados a um produto.
A investigação empírica remete-nos à premissa de que as marcas são
símbolos que operam recorrendo à transmissão de variados interpretantes, valores
que, quando contextualizados à realidade de uma organização, se tornam atributos
intangíveis que diferenciam corporações e produtos por ela comercializados. Neste
sentido, a marca exerce um papel comunicacional e age, também, sobre as
manifestações culturais dos seus consumidores. Esta dissertação aponta o grande
potencial comunicativo deste símbolo e ressalta a importância da abertura de novos
estudos que promovam a compreensão deste fenômeno e das suas variadas formas
de manifestação.
147
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APÊNDICE - ROTEIRO DE ENTREVISTA
Este questionário é relativo a uma dissertação de Mestrado de Comunicação Social
da PUC Minas. Os dados obtidos servirão apenas para análise de uma pesquisa
acadêmica. Não é necessário que você se identifique.
1) O que é cultura para você?
2) Que importância você dá para a existência de espaços de cultura na cidade?
3) Quais são seus hábitos de frequentação de eventos de cultura?
4) Você conhece, já participou de alguma palestra, evento ou exposição no espaço
Casa FIAT de Cultura? Caso a resposta seja positiva, em quais situações (eventos)
da Casa você já esteve presente?
5) Qual foi a situação que te levou a ter acesso ao espaço Casa FIAT de Cultura?
(Como ficou sabendo deste espaço?)
6) Em sua opinião, o que a Casa FIAT de Cultura te oferece? (Quais são os seus
objetivos?)
7) Em sua opinião, o que a Casa FIAT oferece, no âmbito da cultura, para o Estado
de Minas Gerais?
8) O que você pensa de um espaço de cultura assinado por uma marca de uma
empresa? (O que você acha de empresas promoverem cultura?). Para você,
empresas que têm esta atitude se diferenciam de outras empresas? Por quê?
9) Você se lembra de outras empresas que também promovam a cultura? Caso a
resposta seja positiva, cite exemplos.
10) O que a representação gráfica (marca) do espaço Casa Fiat de Cultura transmite
como mensagem para você? Descreva o significado desta marca em sua opinião.