apropriaÇÃo de valores simbÓlicos em discursos … · é a relação da marca com o contexto...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-graduação em Comunicação Social Interações Midiáticas APROPRIAÇÃO DE VALORES SIMBÓLICOS EM DISCURSOS DE MARCA: um estudo sobre a Casa Fiat de Cultura. Hérica Luzia Maimoni Belo Horizonte 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-graduação em Comunicação Social – Interações Midiáticas

APROPRIAÇÃO DE VALORES SIMBÓLICOS EM DISCURSOS DE

MARCA: um estudo sobre a Casa Fiat de Cultura.

Hérica Luzia Maimoni

Belo Horizonte

2011

Hérica Luzia Maimoni

APROPRIAÇÃO DE VALORES SIMBÓLICOS EM DISCURSOS DE

MARCA: um estudo sobre a Casa Fiat de Cultura.

Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação da Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de mestre em comunicação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ivone de Lourdes Oliveira

Belo Horizonte

2011

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Maimoni, Hérica Luzia

M223a Apropriação de valores simbólicos em discursos de marca: um estudo sobre a

Casa Fiat de Cultura / Hérica Luzia Maimoni. Belo Horizonte, 2011.

154f. : il.

Orientador: Ivone de Lourdes Oliveira

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.

1. Comunicação nas organizações. 2. Análise do discurso. 3. Simbolismo. I.

Oliveira, Ivone de Lourdes. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.

CDU: 658.012.45

Hérica Luzia Maimoni

Apropriação de valores simbólicos em discursos de marca: um estudo sobre a

Casa Fiat de Cultura.

Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação da Faculdade de Comunicação e Artes da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de mestre em comunicação.

___________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Ivone de Lourdes Oliveira (Orientadora) – PUC MINAS

___________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Luciana de Oliveira - UFMG

___________________________________________________________________

Prof. Dr. Júlio César Machado Pinto – PUC MINAS

Belo Horizonte, 2011.

Aos grandes Mestres da minha vida, meus pais,

Francisco e Maria.

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar este trabalho jamais seria possível sem a força espiritual

que vem de Deus, a quem agradeço por ser a base da minha fé, fonte inspiradora

para a realização dos meus sonhos.

Agradeço especialmente aos meus pais, Francisco e Maria, exemplos de vida

e de conduta, que sempre me inspiraram a ser uma pessoa melhor. A vocês meu

amor, admiração, respeito e gratidão. Ao meu irmão Henrique, companheiro de

profissão, de brincadeiras, de vida, obrigado por sua presença! À querida Vó Siflor,

que muito me ensinou por meio da sua simplicidade. Mesmo não estando mais

presente, deixo minha homenagem aos queridos tia Maurinha, avôs José e Braz e

avós Mariana e Luzia. A lembrança destas pessoas especiais foi essencial para a

minha formação. Enfim, a toda a minha família, tios, primos, afilhados, por cada

sorriso compartilhado, apoio e convívio.

Aos queridos professores do Mestrado da PUC Minas, por mostrarem sempre

novas possibilidades de perceber o mundo e aos colegas do grupo de pesquisa

―Comunicação no contexto organizacional: aspectos teórico-conceituais (PUC Minas

/CNPQ)‖, pelas longas conversas e discussões que tanto enriqueceram meu

processo de aprendizagem. Em especial agradeço à Adelina pela oportunidade de

lecionar a minha primeira aula.

Agradeço também ao professor José Coelho de Andrade Albino, por quem

tenho grande respeito e por me incentivar a cursar o Mestrado, ao professor Júlio

Pinto por sua disposição, por sempre compartilhar sua sabedoria, ao professor Mario

Viggiano pelo apoio e correção do meu abstract, à Gisele e Isana pelo carinho e

disposição em atender, aos colegas de Mestrado pela convivência.

Ao Grupo Fiat, em especial à gestora de Cultura da Casa Fiat de Cultura: Ana

Vilela, por acolher este projeto, pela abertura do espaço e fornecimento de todo

material disponibilizado. A observação da prática organizacional desta empresa

possibilitou construir reflexões relevantes sobre os processos de comunicação e as

relações sociais.

Aos amigos queridos que sempre estiveram comigo, incentivando e torcendo

para que tudo corresse da melhor maneira, companheiros que me querem bem em

todos os momentos: Arê, Erika, Sirlene, Rê, Lú, Deza, Ana, a pequena Duda e

tantos outros que acompanharam a minha trajetória.

A minha tão compreensiva e carinhosa orientadora Ivone de Lourdes Oliveira,

Doutora em comunicação, em respeito, amizade e tantas outras virtudes. Obrigado

por entender o meu momento e por ter contribuído tantas vezes para o meu

crescimento. As nossas orientações foram conversas que extrapolaram o tema

proposto e que me ensinaram que um título somente não faz de alguém um bom

educador. Você é especial porque faz questão de tratar os que estão a sua volta de

forma especial. A você meu eterno respeito e agradecimento!

Ao Wellington, meu amigo, companheiro, meu grande amor. Há onze anos

que sonhamos e comemoramos juntos cada conquista. Obrigado por compreender

todas as emoções que se passaram até este momento, por entender a minha

ausência. O seu amor me ajudou a ultrapassar obstáculos. Ter você ao meu lado fez

que todo esforço valesse a pena.

Enfim, a todos os autores que inspiraram essa dissertação com suas teorias,

às pessoas que se disponibilizaram a responder minha pesquisa acadêmica e a

todos que durante esta trajetória contribuíram de alguma maneira para que este

trabalho fosse concluído. No fim, aprendi que Charles Chaplin é quem tinha razão:

―O tempo é o melhor autor: sempre encontra um final perfeito para todas as coisas‖.

Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver

apesar de todos os desafios,

incompreensões e períodos de crise.

Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas

e se tornar um autor da própria história.

É atravessar desertos fora de si,

mas ser capaz de encontrar um oásis

no recôndito da sua alma.

É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.

Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.

É saber falar de si mesmo.

É ter coragem para ouvir um “não”.

É ter segurança para receber uma crítica,

mesmo que injusta.

Pedras no caminho?

Guardo todas, um dia vou

construir um castelo ...

Fernando Pessoa - Felicidade

RESUMO

Ao estudar um contexto organizacional privado – a Casa Fiat de Cultura -, pretende-

se compreender como ocorre a apropriação de valores simbólicos em estratégias de

marca. Neste processo, a marca é percebida como ato discursivo, utilizada pela

organização para interagir com seus interlocutores. Parte-se da perspectiva de que

ela tornou-se um fenômeno social que extrapola as trocas comerciais, pois carrega

uma carga simbólica significativa. Percebe-se que a marca tornou-se uma

importante forma discursiva das organizações na contemporaneidade, uma vez que

atua na construção de realidades imaginárias, que ativam anseios e modos de vida

de uma sociedade. A sua capacidade de gerar mundos possíveis oferece, aos que

se relacionam com ela, simulacros que funcionam como estímulos para a construção

de identidades. Desta maneira, a primeira reflexão desenvolvida é sobre a evolução

da marca na sociedade, a forma como ela amplia sua presença na vida dos

indivíduos e as implicações deste processo. Para tal, busca-se elaborar uma

retrospectiva histórica sobre a evolução recente das marcas nas sociedades

industrializadas, para compreender porque passaram de um símbolo ligado ao

comércio a um fenômeno social de amplas proporções. Outra questão desenvolvida

é a relação da marca com o contexto organizacional, principalmente no âmbito

privado, uma vez que as empresas não hesitaram em investir em mecanismos que

excedessem a realidade objetiva de seus produtos e serviços. Após a discussão

deste processo e dos conceitos relacionados à palavra marca, investiu-se em refletir

sobre o seu potencial simbólico. Sob este aspecto, a discussão gira em torno do

quanto o caráter simbólico é crescente no consumo de marcas, devido ao imaginário

proposto por elas. A seguir apresenta-se o objeto empírico, a metodologia proposta,

a análise dos dados e a apresentação dos resultados da pesquisa, que evidenciam

as especificidades do discurso simbólico da referida marca e como ela é percebida

pelos grupos que recebem tal enunciação.

PALAVRAS-CHAVE: Marca. Organizações. Discurso. Valores simbólicos.

ABSTRACT

By studying a private organizational context - Casa Fiat de Cultura - this dissertation

aimed to understand how the appropriation of symbolic values in branding strategies

occurs. In this process, brand is perceived as a discursive act, used by the

organization to interact with its interlocutors. It starts with the perspective that brand

became a social phenomenon that goes beyond commerce and has a significant

symbolic perception. It is noticed that it became an important discursive form in

contemporary organizations, as it acts in the structure of imaginary realities, which

activate yearnings and lifestyles of a society. Its ability to generate possible worlds

offers, to the ones who relate with it, simulacra that act as stimuli for the construction

of identities. This way, the first consideration developed is about the brand evolution

in society, how it expands its presence in individuals’ lives and the implications of this

process. For this, it was necessary to develop a historical retrospective on recent

brands development in industrial societies, to understand why they have been

transformed from a symbol linked to commerce to a social phenomenon of large

proportions. Another issue developed is the relationship between brands with

organizational context, mainly in the private one, as companies have not hesitated to

invest in mechanisms which exceeded the objective reality of their products and

services. After the discussion of this process and of concepts related to the word

brand, its symbolic potential was investigated. In this aspect, the discussion is about

the increase of the symbolic character in the consumption of brands, due to the

imaginary proposed by them. Finally it is shown the empirical object, the proposed

methodology, data analysis and the presentation of search results, showing the

specificities of brand symbolic discourse and how it is perceived by groups that

receive the enunciation.

KEY-WORDS: Brand. Organizations. Discourse. Symbolic values.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Modelo de interação comunicacional dialógica........................ 39

Figura 2: Campanha Louis Vuitton com Madonna.................................... 41

42

Figura 3: Campanha Louis Vuitton com Mikhail Gorbachev.................... 43

Figura 4: Identidade de marca..................................................................... 50

Figura 5: A marca é mais que um produto................................................. 51

Figura 6: Representação gráfica da marca Johnnie Walker..................... 58

Figura 7: Logomarca Petrobras................................................................... 59

Figura 8: Campanha da Benetton................................................................ 61

Figura 9: Marcas que invadem a paisagem urbana................................... 71

72

Figura 10: Empresas do Grupo FIAT S/A do Brasil..................................... 76

Figura 11: Relacionamento Fiat com os grupos de interesse.................... 78

Figura 12: Comunicação por atitude............................................................. 79

Figura 13: Objetivos do investimento em atitude........................................ 80

Figura 14: Raio X da Cultura no Brasil.......................................................... 81

Figura 15: Valores corporativos e atributos da marca................................ 82

Figura 16: Crescimento da Política Cultural Fiat......................................... 83

Figura 17: Casa Fiat de Cultura 1.................................................................. 85

Figura 18: Casa Fiat de Cultura 2.................................................................. 86

Figura 19: Casa Fiat de Cultura 3.................................................................. 86

Figura 20: Casa Fiat de Cultura 4.................................................................. 87

Figura 21: Casa Fiat de Cultura 5.................................................................. 88

Figura 22: Projeção do público da Casa Fiat de Cultura............................. 88

Figura 23: Arte Italiana do MASP 2006.......................................................... 89

Figura 24: Speed – A arte da velocidade 2007............................................. 89

Figura 25: Com que roupa eu vou – 2008..................................................... 90

Figura 26: Olhar viajante – 2008.................................................................... 90

Figura 27: Marc Chagall e Rodin – 2009....................................................... 91

Figura 28: Ciclo de Palestras Mutações – 2007 / 2010................................ 92

Figura 29: Roma – A potência do Império – 2011........................................ 93

Figura 30: O discurso de sustentabilidade Fiat........................................... 107

Figura 31: Grupo Fiat no Brasil – 2009......................................................... 110

Figura 32: Públicos do Grupo Fiat................................................................ 111

Figura 33: Grupo Fiat na vida de cada brasileiro......................................... 112

Figura 34: Ferramentas de Comunicação exemplo 1.................................. 114

Figura 35: Ferramentas de Comunicação exemplo 2.................................. 115

Figura 36: Ferramentas de Comunicação exemplo 3.................................. 116

Figura 37: Ferramentas de Comunicação exemplo 4.................................. 117

Figura 38: Ferramentas de Comunicação exemplo 5.................................. 117

Figura 39: Ferramentas de Comunicação exemplo 6.................................. 118

Figura 40: Ferramentas de Comunicação exemplo 7.................................. 119

Figura 41: Investimento cultural corporativo............................................... 122

Figura 42: Reconhecimento da marca Fiat................................................... 122

Figura 43: Gestão do relacionamento 1........................................................ 124

Figura 44: Gestão do relacionamento 2........................................................ 125

Figura 45: Gestão do relacionamento 3........................................................ 126

Figura 46: Gestão do relacionamento 4........................................................ 126

Figura 47: Gestão do relacionamento 5........................................................ 127

Figura 48: Objetivos da Casa Fiat de Cultura............................................... 128

Figura 49: Casa Fiat de Cultura e Fiat S/A do Brasil................................... 137

Figura 50: Logomarca Casa Fiat de Cultura e Fiat Automóveis................. 138

Figura 51: A experiência estética e cultural................................................. 141

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO……………………………………………………………………… 15

2 REFLEXÕES SOBRE AS MARCAS E AS ORGANIZAÇÕES....................... 18

2.1 O desenvolvimento das marcas e da sociedade de consumo.................. 20

2.2 A marca e o contexto das organizações..................................................... 30

2.3 A marca como ato discursivo das organizações........................................ 37

3 O POTENCIAL SIMBÓLICO DA MARCA ORGANIZACIONAL.................... 45

3.1 Origem, conceitos e evolução das marcas................................................. 45

3.2 Branding, o processo de gestão das marcas............................................. 51

3.3 O papel simbólico das marcas..................................................................... 55

3.4 O processo de produção de sentido............................................................ 67

4 APRESENTAÇÃO DO OBJETO EMPÍRICO, DO CONCEITO DE

CULTURA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..................................

74

4.1 Breve histórico sobre o Grupo Fiat S/A do Brasil...................................... 74

4.2 Investimentos do Grupo Fiat S/A do Brasil em cultura e a criação do

espaço: Casa Fiat de Cultura........................................................................

82

4.3 Reflexões sobre o conceito de cultura........................................................ 94

4.4 Procedimentos metodológicos.................................................................... 97

5 O DISCURSO DA CASA FIAT DE CULTURA E A PRODUÇÃO DE

SENTIDOS A PARTIR DA INTERAÇÃO COM A MARCA.............................

105

5.1 O discurso da marca Casa Fiat de Cultura.................................................. 105

5.2 A produção de sentido a partir da interação com a marca........................ 120

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 143

REFERÊNCIAS............................................................................................... 147

APÊNDICE...................................................................................................... 154

15

1. INTRODUÇÃO

Faz parte do passado as estratégias de marca que investiam somente em

meios de comunicação como a TV, rádio ou jornais para a sua enunciação. A

realidade atual é mais complexa e está relacionada com grupos sociais que exigem

outras formas de relacionamento. Não há mais espaço para um discurso

unidirecional por parte das organizações. Percebe-se que o grande desafio colocado

para elas, na contemporaneidade, é envolver-se com seus grupos de interesse,

buscando a interação para legitimar os valores que são propostos.

Desta forma, esta pesquisa foi motivada pelo interesse em compreender

como uma organização - contexto de práticas discursivas que buscam a

significação de sentidos na recepção - interage com seus vários interlocutores e

utiliza-se da sua marca para tal. Vale ressaltar que estes interlocutores também

podem ser percebidos como agentes de práticas discursivas e são responsáveis

pelos sentidos atribuídos às ações comunicativas das organizações. Desta forma,

busca-se observar como a marca se constitui em ato discursivo, a partir do qual

sentidos são construídos.

Esta dissertação tem como objeto empírico a organização Casa Fiat de

Cultura, uma instituição mantida pelas empresas do Grupo Fiat S/A do Brasil,

inaugurada em 2006 e que aplica seus recursos em atividades culturais, artísticas e

educativas. Em seis anos de atuação, a Casa Fiat acumula um público de mais de

250 mil visitantes. Até o momento, foram oito grandes exposições de acervos de

museus e coleções do Brasil e da Europa e vários eventos ligados à produção

cultural como palestras, cursos e seminários.

A iniciativa de promover a cultura vem conquistando grande visibilidade e

atraindo um número cada vez maior de visitantes. Diante deste contexto, pretende-

se compreender como a partir de uma marca, uma organização privada se apropria

de um valor simbólico como a cultura, para buscar a interação com seus vários

grupos de interesse e perceber de que forma estes interlocutores constroem sentido.

Parte-se do pressuposto de que a marca é, entre outras definições possíveis,

um discurso que se constitui de forma particular. Desta forma, objetiva-se

compreender o modo como as organizações elaboram tal discurso e perceber o

16

sentido que é produzido pelos interlocutores. Outro aspecto é apontar o poder

simbólico das marcas e os meios pelos quais se dá a ação de sua simbolização.

A partir de uma empiria específica (que é a das organizações empresariais),

elege-se a marca como possibilidade para pensar os fenômenos que envolvam a

comunicação no contexto das organizações. A marca tem sido utilizada como um

discurso (permeado de questões simbólicas), que contribui para a formação de

sentido sobre as empresas. Ao estudar as marcas e a sua relação com o referido

contexto, propõe-se uma leitura que tenha sua fundamentação teórica no campo da

comunicação e, a partir desse olhar, dialogar com outros campos e entender a

organização e sua interação com a sociedade. Nesta perspectiva, o que se pretende

neste trabalho é compreender o discurso que parte das organizações e que é

projetado na marca, mas, também, a construção de sentido que se manifesta como

resposta dos interlocutores.

O primeiro capítulo é esta introdução, que apresenta a proposta do trabalho e

a forma como ele foi estruturado.

O segundo capítulo reflete sobre as marcas e as organizações. Esta

perspectiva diz respeito ao imaginário que é construído em torno de produtos e

serviços e que se projeta pelo discurso das marcas. Desta forma, apresentam-se

neste capítulo algumas reflexões para a compreensão da marca em sua condição de

discurso, a começar por demonstrar como ela evoluiu historicamente e seu potencial

significativo. Ao demonstrar a importância da marca no contexto das organizações,

buscam-se apontamentos que respondam por que elas, em especial as

empresariais, utilizam-se cada vez mais deste símbolo como ato discursivo e como

estratégia de interação com seus interlocutores.

No terceiro capítulo mostra-se uma reflexão sobre o potencial simbólico que

permeia as marcas, principalmente com relação aos sentidos que ela gera.

Desenvolve-se o conceito de marca, sua evolução histórica e sua relação com os

atores sociais e busca-se compreender o seu potencial simbólico e seu processo de

gestão, conhecido como branding.

No quarto capítulo apresenta-se o objeto empírico – Casa Fiat de Cultura –,

instituição cultural sem fins lucrativos, inaugurada por ocasião das comemorações

dos 30 anos da Fiat no Brasil. A partir do valor simbólico ―cultura‖, este espaço vem

promovendo um discurso que se estabelece como estratégia de relacionamento,

baseado em suas ações de marca. A Casa Fiat de Cultura tem conquistado

17

visibilidade, constatada pelo volume de mídias espontâneas sobre suas ações e pela

ampliação do número de pessoas que frequentam os eventos realizados. Segundo

dados da Casa Fiat de Cultura partiu-se de um público de 30 mil visitantes/ano em

2006 para 124 mil visitantes em 2009. A metodologia proposta para a pesquisa

empírica é o estudo de caso associado à teoria da análise de discurso de

Charaudeau (2006).

No capítulo 5 apresenta-se a análise dos dados, o estudo do discurso da

marca Casa Fiat de Cultura e a percepção dos interlocutores que se relacionam com

ela. Por meio da pesquisa qualitativa, aplicada pelo contato direto do entrevistador

com o público frequentador do espaço, objetivou-se perceber como estes constroem

sentido a partir do discurso da marca. A análise do discurso da empresa e dos

questionários que foram respondidos será utilizada para compreender a realidade

observada e o fenômeno da apropriação de valores simbólicos em discursos de

marca. Esta análise foi fundamental para a construção da síntese deste trabalho,

apresentada no capítulo 6, que assume o papel das considerações finais.

18

2 REFLEXÕES SOBRE AS MARCAS E AS ORGANIZAÇÕES

Para compreender realmente a lógica das marcas contemporâneas é preciso analisar não só a evolução dos mercados, mas a evolução das sociedades. (SEMPRINI, 2006, p.26).

Os estudos sobre os processos de comunicação no contexto das

organizações têm alcançado cada vez mais reconhecimento devido ao grande

número de pesquisas desenvolvidas e dada a importância que as organizações

conquistaram na contemporaneidade, seja no cenário político, econômico ou social.

A compreensão da comunicação neste contexto como simples divulgação de

mensagens vêm se modificando, graças à variedade de fluxos informacionais que

chegam e se movimentam por vários meios. ―O uso intenso de novas tecnologias

cria novos cenários e força as empresas a considerar não só as informações que

produzem, mas as dinâmicas de circulação e recepção delas‖ (OLIVEIRA, 2009,

p.79). Desta forma, as organizações deixam de ter a centralidade do processo

comunicativo e o foco passa a ser as ações interativas.

A globalização e a crescente articulação da sociedade em rede vêm redimensionando a interlocução e as formas de relacionamento das empresas com a sociedade. (...) As possibilidades de conexão criam novos cenários para elas, forçando-as a considerar não só as informações que produzem, mas também as dinâmicas de circulação. (...) Percebe-se aí a presença do mundo simbólico, ou seja, da significação, da circulação e produção de sentidos. (OLIVEIRA, 2009, p.80).

Na perspectiva do simbólico, da significação e da circulação e produção de

sentidos que se dão a partir do contexto organizacional, este trabalho elege a marca

como objeto de observação da prática comunicativa no ambiente empresarial –

―instituição privada em que a lógica definidora das relações é guiada pela produção

e consumo‖ (LIMA, 2009). Discute-se muito acerca da importância de se refletir

―sobre a forma como é percebida a marca de uma corporação e, consequentemente,

de seus produtos e serviços, pelos públicos (...) com os quais a empresa se

relaciona‖ (CARRIL, 2004, p.21). Daí a necessidade de dialogar com a sociedade,

para articular proposições, e assim, se legitimar.

19

Por isto, existir como organização e exercer poder de empresa implicam em mais do que produzir produtos ou serviços de maneira mais lucrativa possível. Implica (...) interpretar a si mesma e ao ambiente onde atua, apresentar credenciais de competência técnica, viabilidade econômica e responsabilidade social e conseguir a cooperação das pessoas, grupos e instituições dos quais depende a sobrevivência da organização. (HALLIDAY, 1987, p.12, 13).

Nota-se que estabelecer e manter um conjunto de ações e valores que sejam

assimilados de forma positiva tem sido uma tarefa desafiadora para as organizações

empresariais. A partir de suas marcas, elas buscam maior capacidade para produzir

suas argumentações e legitimidade ao comunicar-se, ―de maneira a construir com

palavras e outros símbolos uma realidade dentro da qual os outros vejam as coisas

como gostaríamos que eles as vissem‖ (HALLIDAY, 1987, p.9). A autora refere-se à

expansão simbólica das fronteiras organizacionais, quando elas buscam construir

por meio de símbolos (palavras, imagens, entre outros), um discurso em que se

indica ao outro, o que pretende comunicar/significar. Desta forma, observa-se como

a marca torna-se um elemento importante deste processo.

(...) o poder simbólico – presente em marcas – está na representação de um discurso, que é inculcado no receptor não pelos meios lógicos, mas pelos canais do emocional e da fixação das crenças, por meio da ação de simbolização. Daí, a comunicação encontrar hoje nos aspectos simbólicos sua base mais eficaz para a construção da imagem de marca forte e consistente. (CARRIL, 2004, p.23).

Diante desta realidade, este capítulo busca demonstrar o desenvolvimento da

marca nas sociedades industrializadas e o impacto desta transformação na relação

com seus grupos de interesse1. Para tal, apresentam-se reflexões essenciais para

demonstrar como ela evoluiu historicamente em seu potencial significativo e as

relações deste símbolo2 com os atores sociais3.

_____________________________ 1 Numa perspectiva da organização como espaço que promove a interlocução entre ela e os atores

sociais, buscando contemplar possíveis interações entre a organização e os grupos ligados a ela, considera-se como ―grupos de interesse‖ os vários interlocutores que se relacionam com ela: acionistas, trabalhadores, fornecedores, clientes, comunidades, governo, imprensa, concorrência etc. (OLIVEIRA, PAULA, 2008). Vale ressaltar que neste trabalho utilizaremos os dois termos: ―grupos de interesse‖ e ―interlocutores‖. 2

O símbolo em seu caráter representativo consiste em regras que irão determinar o seu interpretante, ou seja, um símbolo aponta para o seu significado (PINTO, 1995). 3 Consideram-se como atores sociais pessoas ou grupos que participam de um processo de

interação na sociedade e que, a partir destas relações, produzem sentido (OLIVEIRA, PAULA, 2008).

20

Neste capítulo trata-se também da utilização das marcas como estratégia de

relacionamento das organizações com seus interlocutores. Percebe-se que esta

questão está relacionada ao imaginário simbólico que é construído em torno de

produtos e serviços e é projetado nas ações estratégicas das organizações,

principalmente no âmbito empresarial.

Enfim, apresenta-se uma primeira reflexão sobre as marcas e as

organizações como uma contextualização para o tema proposto.

2.1 O desenvolvimento das marcas e da sociedade de consumo

Para compreender como a marca se estabelece como um ato discursivo é

preciso pensá-la em seu potencial significativo e refletir sobre a formação e evolução

da sociedade. Apresenta-se inicialmente a ―Sociedade de Consumo‖, um processo

que impactou a cultura contemporânea e que agiu diretamente sobre o papel das

marcas. A partir deste histórico é possível demonstrar a transição do consumo de

massa para o consumo emocional, simbólico e apontar as principais questões que

influenciaram a mudança do referencial de valor da marca.

Segundo Lipovetsky (2007, p.23) ―a expressão sociedade de consumo

aparece pela primeira vez nos anos 1920, populariza-se nos anos 1950-60, e seu

êxito permanece absoluto em nossos dias‖. O termo nos remete às transformações

sociais que repercutiram na contemporaneidade, mudanças que foram impactadas

pelos efeitos do consumismo4 e desencadeadas pelas implicações do processo de

Revolução Industrial5. Aponta também para as consequências advindas das ações

de consumo, que tendem a se tornar um dos principais fatores de interação das

relações humanas (BAUMAN, 2008). O autor refere-se à centralidade que o

consumo ocupa na configuração das relações sociais. Vale ressaltar que a relação

da marca com os atores sociais é anterior ao processo Industrial e à proliferação do

_____________________________ 4 O consumismo na visão de Bauman (2008) representa a aquisição supérflua de bens e a busca por

prazeres e satisfação de desejos individuais por meio da aquisição de produtos, um processo impactado, por exemplo, pelas campanhas publicitárias e ações de marca. 5 Movimento que surgiu no século XVIII e consistiu num conjunto de mudanças com profundo impacto

no processo produtivo de bens de consumo, se expandindo pelo mundo ao longo do século XIX. A mão de obra artesanal passou a ser substituída pela produção mecanicista, suplantando o trabalho humano e modificando as bases da economia e sociedade.

21

capitalismo no mundo. Como recorte, este capítulo elege como pontos de mudança

a Revolução Industrial e a proliferação do capitalismo, por serem processos que

impactaram fortemente as relações sociais e o papel da marca na sociedade.

Assim Lipovetsky (2007) propõe um esquema da evolução da sociedade de

consumo baseado em três momentos históricos: Fase I (1880-1945), Fase II (1950-

1980) e Fase III (a partir de 1980). A primeira fase refere-se ao nascimento dos

mercados de massa:

(...) constitui-se, no lugar dos pequenos mercados locais, os grandes mercados nacionais tornados possíveis pelas infra-estruturas modernas de transporte e de comunicação: estradas de ferro, telégrafo, telefone. Aumentando a regularidade, o volume e a velocidade dos transportes para as fábricas e para as cidades, as redes ferroviárias, em particular, permitiram o desenvolvimento do comércio em grande escala, o escoamento regular de quantidades maciças de produtos, a gestão dos fluxos de produtos de um estágio de produção a outro. (LIPOVETSKY, 2007, p. 26 e 27).

Os avanços tecnológicos que propiciaram o surgimento de novos processos

de produção e distribuição de mercadorias impactaram o desenvolvimento do

consumo, já que uma série de produtos tornou-se acessível a um número cada vez

maior de pessoas. Percebe-se, então, o começo da proliferação do consumo de

massa. Até o início dos anos 1880 a maioria das mercadorias eram anônimas e

vendidas em pequenas quantidades. Com o rápido crescimento da indústria, o foco

passou a ser a fabricação em larga escala, o que gerou um efeito de comoditização6.

Nota-se que o desenvolvimento industrial levou as mercadorias à saturação do seu

valor de uso, criando um processo em que se tornou mais difícil vender os produtos

do que fabricá-los. Este excesso de oferta e a proliferação de bens oferecidos no

mercado impactaram a promoção das mercadorias e o desenvolvimento de

estratégias de gestão, modificando-as. Investir nas marcas foi uma tentativa de

tornar os produtos e serviços mais desejáveis e distinguíveis. O mercado estava

inundado de produtos uniformes produzidos em massa, quase indistinguíveis uns

dos outros, ―a marca competitiva tornou-se uma necessidade da era da máquina –

_____________________________ 6 ―Comoditização deriva do termo commoditiy, que significa produto que não apresenta diferenciação,

como: chapas de aço, produtos químicos, papel, milho, feijão, entre outros. As transformações na relação entre o consumidor e as empresas devem-se, também, em razão do processo de comoditização de produtos e serviços, isto é, da oferta de produtos similares com preços e qualidade paritárias; custo-benefício equiparado. Nessa lógica, os produtos e serviços precisam consolidar sua marca para um consumidor cada vez mais exigente e crítico (CARRIL, 2004, p. 33, 34).

22

no contexto da uniformidade manufaturada‖ (KLEIN, 2003, p.30).

A Fase I ilustra um período em que os produtos padronizados e produzidos

em série passam a ter um nome atribuído pelo fabricante: a marca. Paralelamente e

por intermédio da publicidade e do marketing, o consumo passa a ser exaltado. Já a

Fase II surge como ―sociedade da abundância‖, marcada pelo crescimento

econômico e pelo surgimento de uma série de produtos que se tornaram

emblemáticos: ―automóvel, televisão, aparelhos eletrônicos. A época vê o nível de

consumo elevar-se, a estrutura de consumo modificar-se, a compra de bens

duráveis espalhar-se‖ (LIPOVETSKY, 2007, p. 32).

Após a II Guerra Mundial (um período que representou a reconstrução da

economia global), a sociedade dava mais valor ao conforto, a uma boa vida e o

consumo passa a ser oferecido como resposta a determinados anseios (CARRIL,

2004). A comunicação que girava em torno dos produtos passou a difundir valores

que ultrapassavam a realidade objetiva deles (LIPOVETSKY, 2007). Desta forma, a

publicidade e o marketing foram decisivos na construção simbólica do referencial de

valor das marcas:

A passagem do capitalismo industrial para seu estágio pós- industrial decorre de uma queda da ênfase na produção material em favor da imaterialidade das marcas e outros intangíveis. Mais uma vez os pilares publicidade e marketing entram em cena, buscando moldar de forma favorável a percepção da imagem através da qual uma marca venha a ser reconhecida e valorizada. Se antes vendiam-se coisas, atualmente vendem-se, sobretudo, imagens e modos de ser. (CASTRO, 2008, p.139).

―Marcas, não produtos!‖ Tornou-se o grito de guerra de um renascimento do marketing liderado por uma nova estirpe de empresas que se viam como ―agentes de significados‖, em vez de fabricantes de produtos. O que mudava era a idéia de o que – na publicidade e na gestão de marcas – estava sendo vendido. Segundo o velho paradigma, tudo que o marketing vendia era um produto. De acordo com um novo modelo, contudo, o produto sempre é secundário ao verdadeiro produto, a marca. (KLEIN, 2003, p.45).

Tanto Castro (2008) como Klein (2003) atestam que o papel da publicidade e

do marketing mudou em função da necessidade de criar atributos de valor que

diferenciassem as mercadorias e passou do fornecimento de informes sobre os

produtos e serviços para a construção de uma imagem em torno da marca do

produto.

23

Não foram somente a publicidade e o marketing que agiram sobre a

mudança nas relações de consumo. Marcado por um grande crescimento

econômico, o período entre 1950 e 1960 foi impulsionado pela ascensão da classe

média e a massa de jovens consumidores, fruto do baby boom7 do pós-guerra nos

EUA. Para Lipovetsky (2007) na Fase II, nasce uma nova sociedade guiada pelo

crescimento e a melhoria nas condições de vida.

Eis um tipo de sociedade que substituiu a coerção pela sedução, o dever pelo hedonismo, a poupança pelo dispêndio, a solenidade pelo humor, o recalque pela liberação, as promessas do futuro pelo presente. A fase II se mostra como ―sociedade do desejo‖, achando-se toda a cotidianidade impregnada de imaginário de felicidade consumidora, de sonhos de praia, de ludismo erótico, de modas ostensivamente jovens. Música rock, quadrinhos, pin-up, liberação sexual, fun morality, design modernista: o período heróico do consumo rejuvenesceu, exaltou, suavizou os signos da cultura cotidiana. Através de mitologias adolescentes, liberatórias e despreocupadas com o futuro, produziu-se uma profunda mutação cultural. (LIPOVETSKY, 2007, p. 34, 35).

Para o autor, nasce uma nova sociedade em que o crescimento, a melhoria

das condições de vida e os objetos guias do consumo se tornaram os critérios do

progresso.

É importante notar que o baby boom americano também impactou a mudança

nos modos de consumo. Nota-se que a Fase II representou a renovação dos

anseios de consumo impulsionados pelo gosto do público jovem. Esta fase propagou

ainda mais a necessidade de compra e a forma de vida estimulada por valores

materialistas. Baudrillard (1995) ressalta que surge uma sociedade que começa a

viver cada vez mais pelos objetos e bens materiais, onde a vida cotidiana se tornou

o lugar do consumo. Este modo de vida conduzido pelos valores materialistas foi

chamado por Lipovetsky (2004) de ―sociedade do hiperconsumo‖, um período que

começa a surgir por volta dos anos 1970, época em que o mercado se impõe e o

consumo passa a atingir níveis de hipertrofia.

____________________________ 7 Com a volta dos soldados da Segunda Guerra Mundial, nasceram muitas crianças, o que gerou

oportunidades de consumo para vários produtos: fraldas, alimentos infantis, medicamentos, roupas, entre outros. Esse aumento na população também impactou o mercado dos próximos anos, uma vez que esta população de crianças se tornou adolescentes e jovens ávidos por consumir produtos como: roupas, comidas, inovações tecnológicas, entretenimento, etc. (COBRA, 2006).

24

Já faz tempo que a sociedade de consumo se exibe sob o signo do excesso, da profusão de mercadorias. Até os comportamentos individuais são pegos na engrenagem do extremo, do que são prova o frenesi consumista, o doping, os esportes radicais, os assassinos em série, as bulimias e anorexias, a obesidade, as compulsões e vícios. (...) A escalada paroxística do ―sempre mais‖ se imiscui em todas as esferas do conjunto coletivo. (LIPOVETSKY, 2004, p.54, 55).

O autor ressalta, ainda, os paradoxos que se desenvolveram na

hipermodernidade, uma vez que os desejos estimulados por esta sociedade são

diretamente proporcionais às frustrações que são por ela geradas. Se o consumo é

oferecido como promessa de um bem-estar absoluto, conduzido por ações de marca

que se encarregam de transmitir inúmeros simulacros da realidade, nota-se como o

excesso de compras funciona como uma compensação para angústias e

desventuras da própria existência. ―Talvez esteja aí o desejo fundamental do

consumidor hipermoderno: renovar sua vivência do tempo, revivificá-la por meio de

novidades que se oferecem como simulacro‖ (LIPOVETSKY, 2004, p.79).

Desta forma, aponta-se a importância das marcas na hipermodernidade, uma

vez que as pessoas buscam nelas o que possa exprimir uma ―realidade‖ desejada.

Para o autor, a sociedade de hiperconsumo é ―fissurada‖ pelas marcas. Tudo entra

em sua lógica. Antes comprávamos produtos, agora compramos marcas. Em todo

lugar a marca é um elemento-chave. Cada vez menos o produto, cada vez mais a

marca.

Neste processo, quando o valor de uso de um produto torna-se menos

relevante do que a marca que responde por ele, percebe-se o consumo de valores

simbólicos que remetam a uma identidade desejada. Este símbolo torna-se uma

forma de apropriação, uma busca por valores que remetam a desejos cada vez mais

individualizados. ―É neste sentido que a compra de uma marca é vivida como a

expressão de uma identidade a um só tempo clânica e singular‖ (LIPOVETSKY,

2007, p.51).

O autor afirma que da Fase II para a Fase III surge um novo modelo de

consumo, mais voltado para valores individualistas, um período centrado no

indivíduo e na sua satisfação pessoal. ―O consumo para si suplantou o consumo

―para o outro‖, em sintonia como irresistível movimento de individualização das

expectativas, dos gostos e dos comportamentos‖ (LIPOVETSKY, 2007, p.42). O

pensamento de Bauman (2008) complementa a ideia do consumo voltado ao

25

individualismo, quando defende que o indivíduo não se torna um sujeito, sem antes

virar uma mercadoria:

Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável. A ―subjetividade‖ do ―sujeito‖, e a maior parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir, concentra-se num esforço sem fim para ele próprio se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável. (BAUMAN, 2008, p.20).

Neste processo, as marcas refletem valores que são absorvidos pelos sujeitos

para a construção da sua identidade, para que, desta forma, se constituam como

pessoas valorizadas pela sociedade de consumo. ―Harley-Davidson, uma marca

mitologizada, que representa liberdade, rebeldia, aventura, fetiche, charme, status,

objeto de desejo‖ (CARRIL, 2007, p.22). Ao interagir com as marcas é a vez de

―comprar e vender os símbolos empregados na construção da identidade – a

expressão supostamente pública do self que na verdade é o simulacro de Jean

Baudrillard, colocando a representação no lugar daquilo que ela deveria representar‖

(BAUMAN, 2008, p.23, 24).

A teoria do simulacro de Baudrillard nos faz refletir sobre a ―realidade‖

proposta pelo consumo por meio das marcas, uma vez que o autor afirma que não

consumimos mais ―coisas‖, mas signos. É possível apontar a marca como um signo,

uma vez que ela é capaz de produzir sentidos que remetam a várias realidades.

O signo é qualquer coisa de qualquer espécie (uma palavra, um livro, uma biblioteca, um grito, uma pintura, um museu, uma pessoa, uma mancha de tinta, um vídeo, etc.) que representa uma outra coisa, chamada de objeto do signo, e que produz um efeito interpretativo em uma mente real ou potencial, efeito que é chamado de interpretante do signo. (CARRIL, 2004, p.61)

A marca pode ser percebida como um signo, porque o signo não é o objeto,

ela apenas está no lugar do objeto para representá-lo. Desta forma, quando

compramos marcas, consumimos o que este signo aponta como interpretante.

Podemos dar o exemplo da marca Mercedes. Ela pode representar alto

desempenho, segurança, prestígio, etc. (CARRIL, 2004). A partir desta relação

passamos da funcionalidade ao simbolismo de um produto. ―Hoje, adquirir um

produto ou serviço não é apenas a resposta imediata a uma necessidade. Trata-se

26

da busca de um status social e de respeito a valores que sua posse representa‖

(CARRIL, 2004, p.33). A marca passa a sua propriedade simbólica. Nela se

conjugam um mundo de possibilidades: estilo, atitude, valor, desejo, simpatia ou

mesmo aversão. Ela é o signo através do qual, todos os aspectos que a envolvem,

vem ocupar um espaço dinâmico e emocional na mente do interlocutor, dentro do

contexto do seu sistema de valores socioculturais (CIMATTI, 2006).

Desta forma, passando para a Fase III, a partir dos anos 1980 observa-se o

fortalecimento do consumo emocional, voltado para o campo das experiências

afetivas, imaginárias e sensoriais que emanam das relações de consumo. As

marcas que buscam oferecer, por meio de produtos e serviços, uma aventura

sensitiva dá ao consumo uma lógica centrada na oferta da satisfação dos desejos.

Em nossos dias, a mania pelas marcas alimenta-se do desejo narcísico de gozar do

sentimento íntimo de ser uma ―pessoa de qualidade‖, de se comparar

vantajosamente com os outros, de ser diferente da massa. Desde o fim dos anos

1970, surge um terceiro ato da sociedade de consumo, em que os prazeres e ideais

de felicidades são cada vez mais incitados pela propagação do consumo. Conforme

aponta Lipovetsky (2007) a Fase III demonstra a nova relação emocional dos

indivíduos com as mercadorias.

É neste momento que se observa uma transformação no papel das marcas,

uma vez que elas passam a atuar na ―comodificação‖ do sujeito social. Para

Bauman (2008) o sentido da sociedade contemporânea é conduzido por consumir

sempre mais e mais rápido, descartando sempre o velho produto em troca de uma

nova mercadoria. Assim os indivíduos se tornam, ao mesmo tempo, os produtores e

promotores da lógica consumista. Para o autor, a vida para o consumo ocorre

porque, ―para entrar na sociedade de consumidores e receber um visto de residência

permanente, homens e mulheres devem atender às condições de elegibilidade

definidas pelos padrões do mercado‖ (BAUMAN, 2008, p.82). Desta forma, a

―comodificação‖ seria a transformação do sujeito em uma mercadoria, processo

estimulado pelo consumismo e aquisição crescente de produtos e serviços. Neste

processo, o consumo de marcas remete à compra de valores que representem uma

identidade desejada. O indivíduo busca se constituir como um produto valorizado

pelo mercado. Retomando o pensamento de Bauman (2008) a vida para o consumo

transforma as pessoas em mercadorias:

27

A ―sociedade de consumidores‖, em outras palavras, representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumistas, e rejeita todas as opções culturais alternativas. Uma sociedade em que se adaptar aos preceitos da cultura de consumo e segui-los estritamente é, para todos os fins e propósitos práticos, a única escolha aprovada de maneira incondicional. (BAUMAN, 2008, p.71).

O autor refere-se às consequências advindas do processo de consumo, que

acabam por impactar nas relações sociais e consequentemente, na formação da

cultura contemporânea. Para Castro (2008, p.132) a contemporaneidade

compreende um período de transição que diferencia ―como éramos‖ em ―no que

estamos nos tornando‖, o que reflete nos modos atuais como percebemos e nos

comportamos no mundo. É perceptível que mudaram os costumes, os gêneros de

vida e a relação com os objetos de consumo:

A fluidez, o desenraizamento, a vida líquida, a velocidade no lugar da duração, a aparente predominância da imagem, que caracterizam essa hipermodernidade ou sobremodernidade, carregam a possibilidade de transmutação de toda a realidade em objetos de consumo. (...) O processo de consumo revela-se como um conjunto de comportamentos com os quais o sujeito consumidor recolhe e amplia, em seu âmbito privado, do modo que ele for capaz de ressignificar, as mudanças culturais da sociedade em seu conjunto. (BACCEGA, 2008, p. 2, 3).

A expressão ―cultura de consumo‖, segundo Featherstone (1995, p.121),

―significa enfatizar que o mundo das mercadorias e seus princípios de estruturação

são centrais para a compreensão da sociedade contemporânea‖. A cultura de

consumo tem como premissa a expansão e produção de mercadorias que se

baseiam nas lógicas impostas pelo mercado. Nesta perspectiva, as formas de

consumo constroem relações. Quando um produto é consumido de maneira

semelhante, tende a derrubar as fronteiras sociais. Quando consumido de maneira

diferente, gera barreiras. Além disso, um mesmo produto traz dimensões simbólicas

distintas, pois são geradores de sonhos e desejos. Desta forma, o uso dos bens

materiais adquiriu uma dimensão simbólica, em que as mercadorias perdem sua

ênfase utilitária e tornam-se comunicadoras de valores que remetem a estilos de

vida desejados. De fato, nota-se que o consumo na contemporaneidade

transformou-se em um modo de vida. Os indivíduos passam a ser reconhecidos,

avaliados e julgados pelo que consomem. O ―bem-estar‖ tem sido cada vez mais

associado aos valores acionados pelas conquistas materiais.

28

A Fase III é descrita por Lipovetsky (2007) como ―a época do triunfo das

marcas‖. Aponta-se como a comunicação construída em torno de um produto e do

seu uso. A preocupação é com a difusão de valores que enfatizam a emoção e o

sentido que ultrapassam a realidade objetiva das mercadorias. Como já citado, o

consumo torna-se determinante para a satisfação de anseios e é conduzido por

questões simbólicas, cada vez mais, mediadas pelas marcas.

O simbólico caracteriza-se por recriar a realidade usando um sistema de

símbolos que impactam na interpretação e ressignificação do ―mundo real‖. Nota-se

que as estratégias de marca buscam criar valores baseados em realidades

propostas por organizações. As marcas refletem o poder simbólico das organizações

sobre a sociedade, um poder de constituir realidades e de transformar a visão do

mundo. ―Como construções simbólicas o nosso tempo investiu e continua a investir

em todas as direções para a criação de estruturas e realidades imaginárias,

simulacros de simulacros, capazes de ativar experiências e projetos de vida‖

(OLIVEIRA, 2006, p.4).

A contemporaneidade refere-se a um conjunto de mudanças e

transformações que refletem na configuração da sociedade. Semprini (2006, p.4)

ressalta que a marca transformou-se na própria contemporaneidade, que o seu

expansionismo ultrapassa a esfera e os objetivos comerciais e que, ―a sua

discursividade instala-se no espaço social da atualidade‖.

Em minha calça está grudado um nome, que não é meu de batismo ou de cartório, um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produto, que nunca experimentei, mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama colorido de alguma coisa não provada por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e pente, meu copo, minha xícara, minha toalha de banho e sabonete, meu isso, meu aquilo, desde a cabeça ao bico dos sapatos, são mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência, costume, hábito, premência, indispensabilidade, e fazem de mim homem — anúncio itinerante, escravo da matéria

(ANDRADE, 1984)

8.

Escrito pelo poeta Carlos Drumond Andrade, o famoso poema ―Eu, etiqueta‖ é

um reflexo da crescente exposição das pessoas às marcas, da sua discursividade

_____________________________ 8 Trecho do Poema ―Eu etiqueta‖, de Carlos D. Andrade, publicado no livro ―O Corpo‖ (Ed. Record,

1984).

29

simbólica e do importante papel que elas exercem na formação identitária dos atores

sociais. Os sujeitos que interagem com as marcas fazem circular nas ações

cotidianas o que Semprini (2006) chama de ―forma marca‖, uma espécie de

onipresença da lógica da marca no espaço social. A forma marca, seria uma

tentativa de formatação e concentração do sentido relacionado aos discursos de

marca. Este processo é estimulado pela capacidade da marca de impactar esferas

importantes como a economia, o consumo, a comunicação e as relações sociais.

(...) a marca moderna, nascida há mais ou menos cento e cinqüenta anos na esfera comercial, tornou-se hoje uma marca pós-moderna, um princípio abstrato de gestão do sentido que continua a se aplicar, em primeiro lugar, ao universo do consumo, mas que se torna utilizável, com as devidas modificações, ao conjunto dos discursos sociais que circulam no espaço público. (...) Potentes e frágeis, amadas e odiadas, arrogantes e cúmplices, as marcas são uma presença fundamental nas sociedades contemporâneas. (SEMPRINI, 2006, p.20, 24).

O autor ressalta que a sociedade contemporânea também foi afetada pela

capacidade das marcas de gerar ―mundos possíveis‖. Nesta perspectiva, este

―mundo possível‖ seria permeado de apropriações simbólicas, uma tentativa de

construção de sentido, ―na qual confluem elementos narrativos, fragmentos de

imaginário, referencias socioculturais, elementos arquétipos, e qualquer outro

componente que possa tornar este mundo significativo para o destinatário‖

(SEMPRINI, 2006, p.21). Nota-se que este ―mundo possível‖ é proposto com base

em interesses organizacionais. Não se vende mais um produto, mas uma visão, um

conceito, ―um estilo de vida associado à marca: daí em diante, a construção da

identidade de marca encontra-se no centro do trabalho da comunicação das

empresas‖ (LIPOVETSKY, 2007, p.47).

Como símbolo, a marca passa a representar uma série de significados que se

relacionam com as crenças, percepções, sentimentos e experiências dos atores

sociais. Carril (2007) defende que as marcas operam recorrendo à transmissão de

sentimentos e emoções e à fixação de crenças e valores que representem o

diferencial de corporações e dos produtos por ela comercializados. ―A empresa que

não trabalha a própria marca, está sujeita a que os consumidores imputem a ela

uma imagem com a qual não deseja ser vista‖ (CARRIL, 2004, p.34).

Desta forma, a marca passa a representar um bem precioso para as

organizações nas relações com seus grupos de interesse, elemento transformado

30

em um discurso deste contexto. Dada a importância desta relação, a lógica da

marca articulada aos interesses organizacionais será a próxima reflexão deste

capítulo.

2.2 A marca e o contexto das organizações

É no contexto organizacional que a marca é revestida de significados para ser

utilizada de maneira estratégica, como forma de valoração dos produtos. Nota-se

que os esquemas estratégicos que partem das organizações, principalmente das

empresariais, buscam a interação com a sociedade visando à convivência,

adequação ao ambiente contemporâneo e a geração de vantagem competitiva.

No mundo corporativo e mesmo em nossa vida pessoal, estamos em constante estado de mudança. Essa dinâmica impacta o cotidiano das pessoas e das empresas, proporcionando uma novidade a cada dia. (...) Tais mudanças foram acentuadas pela passagem da era industrial para a era da informação; internacionalização dos mercados, sofisticação de novas tecnologias e novas mídias; crise do marketing de massa; pressões por resultado por parte dos acionistas; Emancipação do comportamento do consumidor, e mais recentemente pela emergência do desenvolvimento sustentável. (...) A marca passou a ser percebida como vantagem competitiva por criar associações de promessas e sentimentos junto ao consumidor. (...) Daí a importância de se refletir sobre a transformação de seu papel nas empresas e funções mercadológicas. (CARRIL, 2007, p.9).

Entende-se as organizações como atores sociais de grande abrangência e

significado, que exercem papéis e compromissos junto à sociedade. Segundo

Oliveira (2009, p.82) ―é porque precisa dialogar com vários grupos, sem

desconsiderar seus objetivos, valores, enfim, o negócio, mas na perspectiva

relacional, na qual o outro é visto como componente do processo‖, que a

comunicação vem ganhando reconhecimento nas empresas, para auxiliar a

construção do seu discurso a partir das interações. Desta forma, discutir o conceito

de ―organização‖ é importante para compreender porque elas se apropriam das

marcas como forma de dialogo e interface com seus interlocutores.

De acordo com Morgan (1996) a palavra organização deriva do grego

organon, que significa ferramenta ou instrumento, e daí, portanto, o surgimento de

tantos conceitos que associem às organizações a tarefas, metas, propósitos e

objetivos funcionais. A expressão é geralmente utilizada de forma ampla e refere-se

a todos os tipos de congregação de pessoas em prol de objetivos definidos. São

31

chamadas de organizações tanto as empresas privadas (objeto de análise proposto

por este trabalho), como públicas, governamentais, ONGs - associações sem fim

lucrativo -, grupos civis, entre outros.

(...) organização é a combinação de esforços individuais para a realização de (em torno de) objetivos comuns. A organização não se reduz a estrutura, equipamentos e recursos financeiros, mas compreende, principalmente, pessoas em relação, trabalhando por objetivos bem definidos, claros e específicos. (...) Essa perspectiva evidencia o caráter de centralidade que as noções de ―relação‖ e, conseqüentemente, de ―comunicação‖ têm para as organizações. (...) É em/ pela comunicação que ela materializa seus processos organizadores, comunica e faz reconhecer sua existência, instituindo-se. (BALDISSERA, 2008, p.41, 42).

Reconhece-se aí a importância de refletir sobre a comunicação no contexto

organizacional. Um processo que se realiza a partir de algo em relação e não

somente na perspectiva do fazer, mesmo que a comunicação seja percebida como

algo que se relaciona com as estratégias e discursos que são construídos para

consolidar a legitimação das organizações. Nesta perspectiva, este contexto não

deve ser percebido como uma estrutura independente da sociedade, pois ele integra

e faz parte dela, e desta forma, configura-se como um objeto de análise para

fenômenos sociais (LIMA, 2009). Se entendemos as organizações como sujeitos

sociais que, em interação com outros atores, instituem a sociedade (e sendo ela

própria constituída pela interação de seus integrantes) percebe-se a importância do

estudo sobre estas relações (comunicação organizacional) – que podem contribuir

para a compreensão de fenômenos sociais mais amplos. Portanto, entende-se a

comunicação neste contexto como todas as ações de interação envolvendo a

organização e outros atores sociais em que, a partir de determinada materialidade

simbólica, os interlocutores deste processo (instâncias comunicativas ativas)

produzem sentido.

A partir de uma empiria específica (que é a das organizações empresariais),

elege-se a marca como possibilidade para pensar os fenômenos que envolvam a

comunicação, uma vez que ela tem sido utilizada como um discurso permeado de

questões simbólicas, que contribui para a formação de sentidos. Ao estudar as

marcas e a sua relação com o referido contexto, propõe-se uma leitura que tenha

sua fundamentação teórica no campo da comunicação e, ―a partir desse olhar,

dialogar com outros campos e entender a organização, sua inserção na sociedade

32

globalizada e seus relacionamentos com os atores sociais‖ (OLIVEIRA; PAULA,

2007, p.6).

Para Cimatti (2006, p.2) ―a marca sintetiza informações, de forma ágil e

simplificada. Informações que se deslocam do produtor ao consumidor e vice-versa,

num movimento dialógico no qual a marca funciona como dispositivo de mediação‖.

Nota-se que a marca se constitui como meio relacional no processo de comunicação

das organizações e seus interlocutores, por ser capaz de mediar inúmeras

mensagens.

Para Silverstone (2002) a mediação é um movimento de circulação de

significados que transitam de uma fala para outra. No caso das organizações,

aponta-se como a marca é utilizada como elemento mediador, responsável pelo

transporte das intencionalidades que buscam repercutir sobre os sentidos dos seus

interlocutores. É esta característica interativa, a forma pela qual ela transita entre as

instâncias comunicativas, que lhe dá a capacidade de atuar sobre os sentidos

(CIMATTI, 2006). Percebe-se que é pelo seu potencial de mediação, que a marca é

utilizada como estratégia no processo de comunicação das organizações. Para

Oliveira e Paula (2007, p.23) as estratégias ―têm como fator propulsor a verificação

pelas organizações da necessidade de se relacionarem de forma intencional e

estruturada com a sociedade‖.

As organizações buscam atuar de forma estratégica em suas redes de

relacionamento e muitas destas ações se apropriam da marca como forma de

discurso, objetivando atuar sobre a construção de sentido dos seus interlocutores.

Embora as ações organizacionais colaborem para a produção de sentido dos seus

interlocutores é somente a partir da interação com eles que isso de fato se constrói.

―No processo de interação com a sociedade, a organização não é soberana, visto

que se movimenta a base de construções e estratégias‖, que precisam ser

legitimadas pelos grupos com os quais se relaciona (OLIVEIRA; PAULA, 2007, p.

51).

Nesta perspectiva, a marca se insere como um elemento estratégico no

processo de produção de sentido. ―Uma marca forte é fonte poderosa de vantagem

competitiva para as empresas‖ (CIMATTI, 2006, p.3). A marca é um símbolo

revestido de valores emocionais que transforma o produto em uma entidade dotada

de personalidade. A mudança de comportamento nos processos de consumo leva

33

as organizações à formulação de novas estratégias que visam conquistar maior

identificação e o envolvimento dos seus interlocutores.

Este movimento, que vai do produto à imagem de marca, tem levado os profissionais de comunicação e marketing a apelar para outros métodos de compreensão dos mecanismos que conduzem ao consumo, (...) uma vez que as pesquisas de mercado tradicionais parecem não dar mais conta da complexidade da situação em que se encontra a sociedade atual. (CIMATTI, 2006, p.3)

Percebe-se que a comunicação, em algumas empresas, passa a ser tratada

para além da sua dimensão informativa. O objeto empírico proposto por este

trabalho é um exemplo desta relação. A Casa Fiat de Cultura pode ser percebida

como uma estratégia de relacionamento do grupo Fiat S/A do Brasil com seus

grupos de interesse, que se apropria do conceito de cultura para um discurso de

marca.

Nos últimos anos tem sido cada vez maior o volume de investimentos das empresas no setor cultural. Esse fenômeno pode ser atribuído a fatores como o acesso da iniciativa privada aos recursos das leis de incentivo à cultura, a evolução do processo de responsabilidade social, com um comprometimento mais estreito das empresas com a sociedade, bem como os novos conceitos aplicados ao marketing corporativo, que fazem da cultura um eixo estratégico do processo de relacionamento e comunicação das marcas com seus públicos. A participação das empresas nesse segmento vai de patrocínios pontuais, passando por ações mais estruturadas e contínuas, culminando na criação e manutenção de centros culturais, fundações e institutos. (VILELA, 2009, p.32).

A participação e o investimento da iniciativa privada na área cultural podem

ser percebidos como uma estratégia que gera boa reputação junto à sociedade.

Nota-se que a cultura assinada por uma marca torna-se uma ação que atua sobre a

valorização da identidade de uma empresa. Identidade que, geralmente, busca

refletir a distinção e a singularidade de uma organização. Assim, as empresas

estariam buscando descobrir como podem relacionar sua identidade a valores que

remetam a atributos que elas queiram representar.

O conceito de identidade é apresentado por Almeida (2006) como uma

coleção de atributos específicos de uma organização, que formam o referencial de

como ela é vista por seus membros. A identidade pode ser percebida como as

características individuais que definem a essência de cada organização. Desta

34

forma, as organizações se empenham em refletir uma identidade que demonstre

características admiradas por seus públicos de relacionamento.

A identidade organizacional é considerada pela maioria como a essência da

organização; o que faz a organização se distinguir de outras e o que é percebido

como estável ao longo do tempo, ou seja, o que faz a ligação entre o presente e

passado e, provavelmente, o futuro. (...) A identidade exerce forte papel na

diferenciação e posicionamento da organização através do uso adequado do seu

processo de comunicação, em que são criadas estratégias e instrumentos para

gerar um alto nível de conscientização sobre o que a organização deseja expressar

a grupos internos e externos do seu relacionamento. (ALMEIDA, 2006, p. 35, 36).

Um dos elementos utilizados para comunicar a identidade organizacional é a

marca. Por meio de suas ações, busca projetar referências que, consequentemente,

possam ser associadas como positivas por seus interlocutores. Desta forma,

objetiva-se que a soma destes referenciais também possam agir sob a formação de

uma ―boa‖ imagem organizacional (ALMEIDA, 2006).

Dowling citado por Riel e Fombrun (2007) descrevem o conceito de ―imagem‖

como um conjunto de significados em que um dado objeto é reconhecido pelas

pessoas. Alvesson (1990) define imagem como o retrato interno e particular que as

pessoas constroem de um objeto. Esta construção é baseada nos atributos

comunicados deste objeto, que vão gerar um registro subjetivo de referências, que

vão influenciar a formação/constituição de uma dada imagem. A imagem se localiza

em algum lugar entre o que é comunicado e o que é recebido, formando a partir de

um senso individual, uma impressão visual da possível existência de um objeto.

Entende-se que esse ―objeto comunicado‖ pode ser uma organização.

A formação da imagem de uma organização segundo Riel (1997) remete a

um conjunto de significados. É a forma como as pessoas descrevem ou se recordam

de uma organização. É o resultado das crenças, idéias, sentimentos e percepções

que formamos sobre elas. O autor ainda ressalta que elaboramos a imagem de uma

organização, a partir das referências da comunicação da marca e das impressões

sobre seus produtos e serviços. A formação da imagem está associada

principalmente à experiência global que as pessoas têm com uma organização

(KENNEDY apud RIEL, 1997). A marca é um elo referencial, transmissora de

valores, conceitos e experiências que atuam sobre a formação da imagem. Como

reflexo, a imagem percebida age sobre a formação da reputação, uma vez que, ela

35

se forma a partir de um conjunto de significados pelos quais as empresas são

reconhecidas.

Reputação para Riel e Fombrun (2007) são avaliações globais das

organizações feitas pelos seus interlocutores. A reputação organizacional é a

referência geral que temos dela. Representa o valor afetivo e emocional (se ela é

boa ou ruim, fraca ou forte) seja do ponto de vista de clientes, investidores,

empregados, imprensa ou do público em geral (FOMBRUN apud RIEL; FOMBRUN,

2007). A reputação seria a percepção que temos do comportamento empresarial

(PRUZAN, 2001). Este conceito tem despertado a reflexão das organizações acerca

de sua importância, uma vez que a sociedade está cada vez mais atenta as suas

atitudes frente aos funcionários, ao meio ambiente e à sociedade como um todo.

Desta forma, nota-se como as empresas têm investido em ações estratégicas que

gerem valor tanto para a sociedade quanto para a sua própria reputação.

O investimento cultural promovido pela iniciativa privada constituiu-se em um importante eixo da plataforma de comunicação. A amplitude da atividade cultural permite uma interação emocional, intelectual e transformadora entre a empresa e as pessoas, que ultrapassa a relação racional e comercial, agindo no campo afetivo e fortalecendo os vínculos com a marca. (...) Se a política cultural de uma empresa reflete o seu jeito de ser, ela permite a construção de laços mais fortes e permanentes com seus públicos. (VILELA, 2009, p.36).

A marca é percebida como fator decisivo para a construção de valor nas

organizações. Entende-se que a marca não só contribui para a formação de

percepções sobre as empresas, mas, também, sobre a expansão dos pontos de

contato entre elas e seus diferentes interlocutores. Apesar das organizações

empresariais terem como objetivos a geração de valor, o lucro e a formação de uma

imagem positiva junto à sociedade, é perceptível que, para alcançar tais objetivos,

depende-se das relações de cooperação que se estabelecem com os seus

interlocutores. Organizações e pessoas são indissociáveis. Desta forma, as

organizações buscariam interagir com seus interlocutores para preservar seus

objetivos e interesses, investindo em suas marcas como uma forma de comunicação

que vende conceitos, no lugar de produtos (LIPOVETSKY, 2007).

Muitas destas ações de comunicação propõem um tipo de ―comunicação por

atitude‖, uma forma de gerar sentidos que privilegiem as empresas a partir da

execução de projetos que enfatizem valores admirados pela sociedade. Cita-se

36

como exemplo a Casa Fiat de Cultura de Belo Horizonte, um espaço mantido pela

Fiat com a finalidade institucional de difundir a cultura e promover a integração social

junto às comunidades9. A partir de ações e estratégias associadas à cultura, a

empresa busca vestir a sua marca de um valor reconhecido, admirado e desejado por

aqueles com os quais quer se relacionar.

Se a política cultural de uma empresa reflete o seu jeito de ser, ela permite a construção de laços mais fortes e permanentes com seus públicos. Favorece também uma experiência única da marca com sua rede de relacionamento: empregados e familiares, revendedores e fornecedores, clientes e consumidores, formadores de opinião, governo, imprensa, terceiro setor e comunidade, agregando a essa rede, públicos estratégicos ligados à atividade cultural como artistas, curadores, professores, escolas e universidades, instituições culturais e órgãos governamentais, patrocinadores, fornecedores, produtores, especialistas e tantos outros. A cultura, portanto, expande o potencial de relacionamento e de comunicação de valores e princípios de uma marca. (VILELA, 2009, p.36).

Esta experiência demonstra a importância da postura organizacional para

relacionar-se com seus grupos de interesse e como a marca se insere nestas

relações. ―Ser estratégico significa ―oportunizar‖ uma mudança, um novo

comportamento, e não simplesmente informar o que aconteceu na organização, (...)

a comunicação deve agir no sentido de construir e consolidar o futuro‖ (MARCHIORI,

2008, p.32). Percebe-se que o ―futuro‖ das organizações só será possível mediante

a preservação das redes de relacionamento que mantém com a sociedade. A

maneira como elas conduzem estas relações é essencial para sua sobrevivência.

―Afinal uma empresa é uma sociedade em miniatura, uma maquete do que acontece

no mundo e, como tal, deve ser viva e dinâmica, representando o que para ela tem

valor‖ (MARCHIORI, 2008, p.33). Para a autora, são os processos de

relacionamento entre as organizações e a sociedade que as mantêm ―vivas‖. Assim

percebe-se que a marca é um elemento estratégico, um discurso elaborado a partir

de uma perspectiva simbólica, que busca a sustentação das relações entre

empresas e seus interlocutores. Para sustentar esta perspectiva, a defesa da marca

como discurso será o próximo assunto a ser abordado neste trabalho.

_____________________________ 9 Informações do link ―Apresentação‖, do site da Casa Fiat de Cultura.

37

2.3 A marca como ato discursivo das organizações

A discussão sobre a marca como um ato discursivo das organizações é uma

tentativa de ampliar a reflexão sobre as práticas comunicativas deste contexto, uma

vez que as organizações ―são espaços de relações entre enunciador e enunciatário,

num processo de enunciação entremeado pela cultura, poder, símbolos, discursos e

significação (LIMA; OLIVEIRA, 2010). Desta forma, torna-se necessário apontar o

que se compreende como discurso e qual o seu papel no contexto das

organizações. Para Spink e Medrado (2004) o discurso refere-se:

(...) ao uso institucionalizado da linguagem e de sistemas de sinais de tipo linguístico. Esse processo de institucionalização pode ocorrer tanto no nível macro dos sistemas políticos e disciplinares, como no nível mais restrito dos grupos sociais. Diferentes domínios de saber – tais como a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a História – têm seus discursos oficiais. Diferentes grupos sociais – como uma organização, um sindicato, um partido – têm seus discursos. Diferentes estruturas de poder têm seus discursos. (SPINK; MEDRADO, 2004, p.43).

Para os autores, o discurso aproxima-se da noção de linguagens sociais, ou

seja, formas peculiares de um dado estrato específico da sociedade de se

comunicar. Pode-se citar como exemplo uma profissão, um grupo etário, um

determinado contexto. Entende-se como ―contexto‖ o lugar de fala, espaço de

sentido, onde ocorrem os discursos e que conduz a forma e o estilo das

enunciações. Desta forma, ―é inegável que existem prescrições e regras linguísticas

situadas que orientam as práticas cotidianas das pessoas que tendem a manter e

reproduzir discursos‖ (SPINK, MEDRADO, 2004, p.44).

Para tratar a questão do discurso no contexto organizacional, referências

foram buscadas na teoria de Charaudeau (2006) chamada de ―contrato de

comunicação‖. Segundo o autor, todo discurso se estabelece a partir de regras, em

que o processo de comunicação se constitui como um quadro de referência, um

diálogo constituído da interação de sujeitos em uma ação de linguagem. Ao observar

a forma como a marca é convertida num discurso, este trabalho pretende identificar,

por meio da referida teoria, como se constitui tal relação, uma vez que a situação de

comunicação ―é como um palco, com suas restrições de espaço, de tempo, de

relações, de palavras, no qual se encenam as trocas sociais e aquilo que constitui o

seu valor simbólico‖ (CHARAUDEAU, 2006, p.67). Nesta perspectiva, num discurso

38

organizacional, as instâncias que se comunicam entre si devem considerar as

especificidades de cada situação de interação.

Pesquisar o discurso no contexto organizacional não se restringe a

compreendê-lo como algo que é projetado na marca e que parte unicamente das

organizações. É necessário reconhecer o papel de outros atores, ou seja, dos

grupos de interesse das empresas que se inserem nesta relação. Charaudeau

ressalta que:

O ato de linguagem não deve ser concebido como um ato de comunicação resultante da simples produção de uma mensagem que um Emissor envia a um Receptor. Tal ato deve ser visto como um encontro dialético (encontro esse que fundamenta a atividade metalingüística de elucidação dos sujeitos da linguagem) entre dois processos: processo de Produção, criado por um EU e dirigido a um TU-destinatário; processo de Interpretação, criado por um TU-interpretante, que constrói uma imagem EU do locutor. (CHARAUDEAU, 2009, p.44).

O contrato de comunicação proposto por Charaudeau (2006) supõe que toda

troca linguageira se realiza mediante um quadro de referências, uma espécie de

acordo prévio, restrições reconhecidas pelos parceiros envolvidos em uma relação

discursiva. Nesta perspectiva, para a análise da apropriação de valores simbólicos

em discursos de marca, leva-se em consideração que antes de qualquer intenção ou

estratégia particular de uma instância discursiva é necessário um contrato de

reconhecimento das condições da troca linguageira. Para tal, Charaudeau (2006)

propõe algumas conceituações. O autor chama de ―dados externos‖ as

regularidades comportamentais dos participantes de um discurso:

(...) essas regularidades são confirmadas por discursos de representação que atribuem valores e determinam assim o quadro convencional no qual os atos de linguagem fazem sentido. Esses dados não são essencialmente linguageiros, (...) mas, são semiotizados, pois correspondem a índices que, retirados do conjunto dos comportamentos sociais, apresentam uma convergência, configurando-se em constantes. Os dados externos podem ser reagrupados em quatro categorias, sendo que cada uma corresponde a um tipo de condição de enunciação da produção linguageira: condição de identidade, condição de finalidade, condição de propósito e condição de dispositivo. (CHARAUDEAU, 2006, p.68).

Partindo do pressuposto que o discurso busca uma construção de sentido

sobre o contexto organizacional, a categoria ―condição de identidade‖ refere-se aos

parceiros envolvidos neste processo, pois ―todo ato de linguagem depende dos que

39

aí se acham inscritos‖ (CHARAUDEAU, 2006, p.68). Para o autor, esta categoria

está relacionada a perguntas como ―quem troca com quem‖, ―quem fala a quem‖,

―quem se dirige a quem‖. Trata-se de perceber os traços identitários que interferem

no ato de comunicação. Nesta relação, a organização troca, se dirige e relaciona-se

com seus interlocutores, a partir dos atos comunicativos, do seu discurso. Para

visualizar melhor as possíveis identidades dos grupos de interesse de uma

organização, propõe-se o modelo de interação comunicacional dialógica (OLIVEIRA

e PAULA, 2007). Este modelo não compreende as interações organizacionais como

algo estanque, mas como projeções dos tipos de interação que podem acontecer

entre uma organização e seus diversos interlocutores.

Figura 1: Modelo de interação comunicacional dialógica Fonte: OLIVEIRA; PAULA, 2007, p. 27

40

As organizações nas suas práticas discursivas se relacionam com vários

atores sociais e se torna um dos interlocutores. O modelo mostra esta dinâmica e

volta-se para a autonomia dos possíveis receptores do discurso. Estes perdem a

função passiva de receber mensagens e assumem uma posição de sujeitos que

compartilham informações e interesses (OLIVEIRA; PAULA, 2007). A legitimidade do

discurso depende das interações que se dão. Os envolvidos precisam estar

inevitavelmente em relação. A comunicação só se efetiva quando existe um

encontro das consciências envolvidas, que travam uma negociação a partir do

discurso que se estabelece.

Outra condição do contrato de comunicação é a finalidade do discurso,

―condição que requer que todo ato de linguagem seja ordenado em função de um

objetivo‖ (CHARADEAU, 2006, p.69). Para o autor esta condição define o sentido da

troca, ―estamos aqui para dizer o quê‖? ―Quando falamos, estamos invariavelmente

realizando ações – acusando, perguntando, justificando etc. – produzindo um jogo

de posicionamento com nossos interlocutores, tenhamos ou não essa intenção‖

(SPINK; MEDRADO, 2004, p.47).

O discurso organizacional é elaborado a partir de uma intencionalidade

prévia, mas vale ressaltar que não se restringe a tal intencionalidade, uma vez que o

discurso somente se realiza quando circula entre a organização e os interlocutores

(LIMA, OLIVEIRA, 2010). Percebe-se como finalidade do discurso organizacional,

mais do que transmitir suas intencionalidades, produzir práticas discursivas mais

avançadas que propiciem a interação entre ela e os atores sociais, visando sua

legitimação.

É por meio das interações que as organizações materializam, a partir do seu

discurso, intervenções simbólicas. O discurso organizacional busca direcionar

processos de significação, ―formam seus quadros de referência, posicionam-se,

constroem e compartilham significados capazes de orientar seus processos de

construção de sentido‖ (LIMA; OLIVEIRA, 2010).

Percebem-se, no discurso das organizações empresariais, objetivos que se

associam as quatro visadas propostas por Charaudeau (2006) quando ele se refere

à condição de finalidade de um discurso:

41

(...) na comunicação linguageira o objetivo é, da parte de cada um, fazer com que o outro seja incorporado à sua própria intencionalidade. Quatro tipos de visadas (que podem combinar-se entre si) parecem particularmente operatórias: a prescritiva, que consiste em querer ―fazer fazer‖, isto é, querer levar o outro a agir de uma determinada maneira; a informativa, que consiste em querer ―fazer saber‖, isto é, querer transmitir um saber a quem se presume não possuí-lo; a incitativa, que consiste em querer ―fazer crer‖, isto é, querer levar o outro a pensar que o que está sendo dito é verdadeiro (ou possivelmente verdadeiro); a visada do páthos, que consiste em ―fazer sentir‖, ou seja, provocar no outro um estado emocional agradável ou desagradável. (CHARAUDEAU, 2006, p.69).

Nota-se ainda que as quatro visadas propostas - prescritiva, informativa,

incitativa e páthos - se manifestam no discurso organizacional, porque é enunciado

em função de um objetivo e se define por uma expectativa de gerar sentidos. A

empresa Louis Vuitton, por exemplo, quando se utiliza da imagem de uma artista

como Madonna para seu discurso de marca, não quer apenas lançar uma nova

campanha. A partir discurso e do seu jogo cênico, a marca convoca seus grupos de

interesse e busca convencê-los de sua veracidade. Madonna usa e adora este

produto. Para tal, a Louis Vuitton busca associar-se ao que representa um ícone da

música pop. O valor de uso da bolsa é substituído por valores simbólicos: estilo,

ousadia, exclusividade, entre outros. Percebe-se que o público ao qual o discurso se

destina produz sentido com base nas percepções sobre o produto e a imagem da

artista que esta sendo apropriada pela marca.

42

Figura 2: Campanha Louis Vuitton com Madonna Fonte: Fotos de Steven Maisel, 2008

Neste anúncio especificamente, não existe a presença visual da Marca Louis

Vuitton. A empresa parte do suposto que a marca já é conhecida e que a imagem do

produto (bolsa), versus os valores que Madonna representa, já são suficientes para

que o contrato discursivo seja estabelecido. Como propõe Charaudeau (2006), na

comunicação linguageira o objetivo é fazer com que o outro seja incorporado à

intencionalidade proposta.

A terceira condição do contrato de comunicação proposto por Charaudeau

(2006) é a condição de propósito, que corresponde ao universo construído em torno

do discurso. Para o autor, todo ato de comunicação se constrói com o propósito de

recortar o mundo e dar a este uma espécie de ―macro-tema‖. Nota-se que dentro do

contexto das organizações seria a forma como ela constrói o seu discurso. O

posicionamento de uma organização deve ser compreendido antecipadamente pelos

interlocutores, para que eles não atuem fora do que está sendo proposto

(CHARAUDEAU, 2006).

Nas organizações, muito mais do que transmitir seus valores num discurso

impositivo e unilateral percebe-se ―nas práticas de comunicação, a tentativa da

criação de um quadro de significados comum a partir do qual sentidos poderão ser

compartilhados‖ (LIMA; OLIVEIRA, 2010, p.5). Voltando à campanha da Louis

43

Vuitton, outro anúncio utilizando o político Mikhail Gorbachev usando uma bolsa

desta marca também foi veiculado.

Figura 3: Campanha Louis Vuitton com Mikhail Gorbachev Fonte: Foto de Annie Leibovitz, 2008

É importante notar que este político não é uma figura tão popular como

Madonna (Mikhail Gorbachev foi líder da extinta União Soviética de 1985 até o

colapso do país) e que se o receptor do anúncio não reconhecer tal personalidade, o

discurso não será reconhecido em sua dimensão simbólica.

A quarta condição proposta por Charaudeau (2006, p.70) ao processo

discursivo refere-se ao dispositivo, ―condição que requer que o ato de comunicação

se construa de uma maneira particular, segundo circunstâncias materiais em que se

desenvolve‖. Nesta condição, o autor aponta as seguintes perguntas: ―Em que

ambiente se inscreve o ato de comunicação?‖, ―que canal de transmissão é

utilizado?‖. O dispositivo é o elemento usado para a montagem do discurso, é o

objeto que será pensado para transmitir de forma cênica e estratégica o ato

linguageiro. Se as organizações são um ambiente onde se inscreve o ato de

comunicação, percebe-se que a marca é utilizada como elemento do ato discursivo,

capaz de promover ―relações de força ou de aliança, de exclusão ou inclusão, de

agressão ou convivência com o interlocutor‖ (CHARAUDEAU, 2006, p.71).

44

O dispositivo constitui um ambiente, o quadro, o suporte físico da mensagem, mas não se trata de um simples vetor indiferente do que veicula, ou de um meio de transportar qualquer mensagem sem que este se ressinta das características do suporte. Todo dispositivo formata a mensagem e, com isso, contribui para lhe conferir um sentido. (CHARAUDEAU, 2006, p.104, 105).

O dispositivo constitui a referência da troca, o objeto de uma montagem

cênica, pensada de forma estratégica. Nas organizações percebe-se que este

dispositivo é a marca, pois ela é capaz de transformar-se e adaptar-se para assumir

uma variedade de conteúdos. ―A marca torna-se, assim, um dispositivo de alcance

geral, um modo de organização e de gestão da discursividade‖ (SEMPRINI, 2006,

p.292). Para o autor, em virtude da sua capacidade discursiva, ou seja, de formatar

o sentido e enunciá-lo, este dispositivo permite tornar comunicáveis as

intencionalidades de uma organização. Desta forma, a marca também pode ser

percebida como um ato discursivo das organizações.

Nesta perspectiva, objetiva-se descobrir, ao longo deste trabalho, como se

organiza o discurso de uma marca e de que forma interpreta-se esse universo

simbólico proposto por uma organização. Por considerar fundamental entender este

processo, serão trabalhadas no próximo capítulo as implicações da marca com os

interlocutores, abordando o surgimento da noção de marca e suas diversas

conceituações, priorizando a importância de seu potencial simbólico e da sua

interferência na produção de sentidos.

45

3 O POTENCIAL SIMBÓLICO DA MARCA ORGANIZACIONAL

Estamos, dessa forma, divididos entre o imaginário do sentido, a exigência de verdade e a hipótese cada vez mais provável de que o mundo não tem qualquer verdade final, que é uma ilusão definitiva. (BAUDRILLARD, 2002, p.132).

Este capítulo se propõe a fazer uma reflexão sobre o potencial simbólico que

permeia as marcas, principalmente em relação aos efeitos (sentidos) que ela gera

em seus interlocutores. O sentido é uma construção social baseada em relações

interativas, um processo por meio do qual pessoas (pela dinâmica das relações

sociais) constroem seus repertórios culturais e, a partir destes, compreendem e

lidam com situações e fenômenos a sua volta (SPINK, MEDRADO, 2004). A partir da

perspectiva da construção do sentido percebe-se que as marcas participam deste

processo e medeiam discursos organizacionais que geram ações interpretativas nos

grupos com os quais a organização se relaciona.

Nesta perspectiva, este capítulo começa por apontar o conceito de marca,

sua evolução histórica e suas relações com os atores sociais, visando compreender

o seu vasto potencial simbólico. Para tal, faz-se necessário tecer considerações

sobre o branding, um processo de gestão de marcas, que se estabelece como um

esforço planejado para construir um universo simbólico, capaz de fomentar os

processos identificatórios para a organização (LIMA, 2009, p.51, 52). Percebe-se

que este processo impactou na forma como as marcas se posicionaram em suas

relações.

Busca-se, então, discutir o processo de produção de sentido e a forma como

a marca (re) significa o referencial da ―realidade‖ a partir das interações que se dão

entre elas e seus interlocutores. O que se propõe é demonstrar como ela se

comunica e é utilizada para impulsionar o consumo através da apropriação de

valores simbólicos.

3.1. Origem, conceitos e evolução das marcas

Para discutir o conceito de marca é necessário perceber o potencial simbólico

ao longo da sua evolução histórica. Acredita-se que o papel desempenhado por ela

46

seja compreendido a partir de apontamentos teóricos que demonstrem a sua origem

e evolução. Faz-se necessário traçar um breve histórico da marca, objetivando

identificar os primeiros indícios de sua existência e utilização. Segundo Pinho

(1996), desde a Antiguidade já existiam sinais que eram utilizados como ―marcas‖

para identificar mercadorias:

Sinetes, selos, siglas e símbolos eram as mais comuns, utilizados como um sinal distintivo e de identificação para assinalar animais, armas e utensílios. Naqueles tempos, bem antes de as marcas terem adquirido o seu sentido moderno, era costume indicar a proveniência do produto agrícola ou manufaturado. (PINHO, 1996, p.11).

Observa-se na literatura que a prática do uso de marcas para identificar

mercadorias é bem anterior ao período industrial. Existem indícios do uso das

marcas no antigo Egito, quando fabricantes de tijolos colocavam símbolos para

identificá-los. Também foram encontrados objetos antigos como porcelanas

chinesas, jarros gregos e romanos e mercadorias da índia, com sinais de

identificação datados de 1300 a.C. (CARRIL, 2007). Na Roma antiga, açougues

exibiam a figura de uma pata de boi para indicar a venda de carne e comerciantes

de vinho afixavam em suas fachadas o desenho de uma ânfora. Estes são alguns

exemplos que indicam como as figuras eram usadas para identificar produtos, numa

época em que a população era, em grande parte, analfabeta (PINHO, 1996).

Segundo Carril (2007) as marcas utilizadas para o comércio aparecem no

período da Idade Média. Corporações de ofício e mercadores usavam as marcas

como forma de controle da quantidade e qualidade da produção. Nesta época, foi

atribuída à marca a ideia de vínculo, que informava ao consumidor a identidade do

seu fabricante. ―Os ourives na França e Itália, os tecelões na Inglaterra e muitos

membros das guildas na Alemanha eram forçados a usar marcas individuais, que

permitiam às corporações preservar o monopólio e identificar as falsificações‖

(PINHO, 1996, p.12). O autor ressalta que com o passar dos tempos estas ―marcas

individuais‖ foram se tornando uma estratégia obrigatória para representar a

excelência e a boa qualidade dos produtos frente aos concorrentes. Tal evolução, já

foi demonstrada no primeiro capítulo, quando se discute a sociedade de consumo e

a relação da marca com o contexto das organizações.

Na verdade, não se conseguiu identificar uma data específica das práticas de

―marcar‖. Pinto (2010) esclarece que o surgimento do termo ―marca‖ vem do inglês

47

medieval e significava tocha, espada, tição, sendo oriundo do inglês antigo

“boernan‖ (queimar). Já na Idade Média, o termo brand era usado como verbo e

substantivo para se referir à marcação com ferro em brasa no corpo de criminosos

para fim de identificação. A forma moderna de significação da marca se refere à

marcação de produtos ou gado. O traço semântico predominante é o da

identificação, que foi o que restou da antiga noção de Boernan (que gerou o inglês

moderno “burn”) queimar, arder, incendiar10. Conclui-se com isto que o termo

―marca‖ relacionou-se às praticas de identificação.

Em relações comerciais, o uso pioneiro da marca como diferenciação foi

observado em 1835, quando o uísque escocês Old Smuggler apresentou como

diferencial de marca seu processo especial de destilação. Desde então, percebeu-se

que as marcas poderiam ser utilizadas para distinguir o valor de um produto (PINHO,

1996). Para Carril (2004) o conceito de marca começou a evoluir no século XVIII

quando ―surgiram os primeiros nomes, gravuras de animais, lugares, pessoas

famosas, sempre com o propósito de associar o nome do produto com a marca‖.

Desta forma, a marca passa a ser utilizada não apenas para diferenciar, mas para

informar as pessoas os atributos de valor associados aos produtos.

Como reflexo, no início do século XIX, inicia-se a preocupação com as

questões legais que visavam proteger o direito de uso das marcas, em países como

Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha.

Apesar da evolução lenta e confusa da legislação de proteção às marcas, decorrente das dificuldades inerentes aos valores intangíveis da marca, difíceis de serem provados nos tribunais, a demanda legal acarretou na segunda metade do século a promulgação da Lei de Marcas de Mercadorias na Inglaterra (1862), da Lei Federal de Marcas de Comércio nos Estados Unidos (1870) e da Lei para a Proteção de Marcas na Alemanha (1874). (PINHO, 1996, p.12, 13).

No Brasil, a primeira lei de proteção às marcas foi registrada em 1875, devido

à entrada de um processo da empresa de rapé ―Área Preta‖ pedindo a proteção de

sua marca contra uma concorrente denominada ―Área Parda‖ (PINHO, 1996). O

surgimento das leis de proteção ao registro de marcas demonstra como este

símbolo já vinha sendo percebido como valor na comercialização de produtos.

__________________________ 10

PINTO, Julio. Significado do termo ―marca‖. Belo Horizonte: PUC Minas, 2010. Notas de aula.

48

É a partir de 1880 que começam a surgir as marcas registradas que se

tornaram célebres ao longo dos anos, como Coca-Cola, Procter & Gamble, Kodak,

Heinz, Quaker, entre outras. Para Lipovetsky (2007), o aparecimento das grandes

marcas mudou profundamente a relação do consumidor com as mercadorias. A

marca passa a exercer o papel de entidade que atesta a garantia e qualidade dos

produtos. Desta forma, os produtos passam a ser julgados pelo seu nome. Compra-

se uma assinatura no lugar de uma coisa. Outro fator de valorização das marcas

está associado ao processo de Revolução Industrial:

Com os bens sendo produzidos em grande variedade e quantidade, novos mercados precisavam ser conquistados e assim apareceram os primeiros cartazes publicitários e catálogos de compra, onde figuravam algumas marcas. No começo do século XX, o sucesso das marcas lançadas pelas indústrias e divulgadas intensamente pela publicidade comercial motivou cooperativas, organismos oficiais e grupos econômicos a criarem suas marcas e divulgá-las. (PINHO, 1996, p.13).

O que se percebe é que o atual papel desempenhado pelas marcas não é o

mesmo desde o seu surgimento. Mudanças de cunho social, cultural e econômico

marcaram o desenvolvimento do seu histórico e do seu valor simbólico. Para Klein

(2003) quando os produtos começaram a ser produzidos em série e passaram a

inundar o mercado de massa, diferenciá-los (utilizando-se das marcas) tornou-se

uma tendência. Desde então, a marca transformou-se em elemento essencial para

as organizações.

No final da década de 1940 surgiu a consciência de que uma marca não era

apenas ―um mascote, um slogan ou uma imagem impressa na etiqueta do produto

da empresa; toda a empresa podia ter uma identidade de marca ou uma consciência

corporativa‖ (KLEIN, 2003, p.31).

O que de fato uma marca representa? Partindo para o conceito de marca é

importante apontar como vários autores a descrevem e a conceituam.

A AMA11 (American Marketing Association) define marca como "um nome,

termo, sinal, símbolo ou desenho, ou uma combinação destes, que pretende

identificar os bens e serviços de uma empresa e diferenciá-los dos concorrentes".

Esta definição esclarece o conceito básico da marca, mas não evidencia as relações

___________________________ 11

Dado fornecido pela AMA – Associação Americana de Marketing, entidade mundial de Marketing.

49

associadas a ela. Autores como Klein (2002) a conceituam como uma entidade de

personalidade, parte sensível da construção relacional com o público, uma vez que

ela oferece uma série de experiências que podem ser vividas em relações de

consumo.

Para Riel e Fombrun (2007) a marca é uma mistura dos atributos tangíveis e

intangíveis que simbolizam o espaço empresarial, criando valor e influenciando os

públicos de relacionamento. Ela é a soma de todos os atributos relacionados

(produto, preço, história, publicidade, reputação entre outros) que são geridos para

identificar produtos e serviços e diferenciá-los frente aos concorrentes.

Para Schultz (2004) as marcas são artefatos simbólicos utilizados para

expressar a identidade do produto, da empresa ou do consumidor, estando

associados a nomes distintivos, cores, ícones e formas. Esses atributos são

gerenciados pelas empresas, visando facilitar o reconhecimento e as percepções

dos clientes sobre a identidade. Para a autora, uma marca é capaz de demonstrar

uma diferença relevante e significativa para os clientes em relação aos concorrentes.

Isso se explica devido ao potencial simbólico que a marca exerce.

Nós não compramos produtos somente pelo que eles SÃO: um carro como meio de transporte ou um relógio como medida de tempo; Nós não compramos produtos somente pelo que eles TÊM: um carro com cinco lugares e 200HP ou relógio 99,999% de precisão; Nós compramos produtos pelo que eles SIGNIFICAM: um Volvo (segurança) ou um BMW (prazer em dirigir), um Swatch (informal, jovem) ou um Rolex (luxúria perdulária, status). (CICCOLELLA apud SCHULTZ, 2004, p.4).

Para Schultz (2004, p.2) a maioria das pessoas associa as marcas com

nomes distintivos, cores, ícones, e formas: ―a garrafa sinuosa da Coca-Cola e sua

lata vermelha‖. Percebe-se que as organizações empresariais (empresas) trabalham

para o reconhecimento de suas marcas buscando despertar nos seus grupos de

interesse as expectativas oferecidas por elas.

Aaker (2007) define marca como um conjunto de associações que apontam

para uma identidade, que representa como as organizações desejam ser vistas. No

modelo de ―Identidade de Marca‖ proposto por Aaker (2007) a marca pode ser vista

como produto, como pessoa, como símbolo ou como a própria organização,

formando um conjunto de percepções relacionais.

50

Figura 4: Identidade de Marca Fonte: Adaptado de Aaker (2007)

Pode-se perceber que a marca está diretamente associada à questão da

identidade. Assim as marcas têm sido utilizadas para tentar estabelecer e manter um

conjunto de valores e atributos passíveis de serem assimilados como imagem

atrativa, visando conquistar a preferência do público para o qual as organizações

dirigem suas mensagens. Segundo Klein (2003) a marca adquire um status de

―conceito‖, que busca vender experiências e estilos de vida. A marca passa a

identificar não somente um produto, mas um meio de vida, uma atitude e um

conjunto de valores. Para a autora, o que a marca vende não é o produto, mas o

sentido oferecido por ela.

Randazzo (1996) defende que a marca é mais do que a representação de um

produto, podendo ser, ao mesmo tempo, uma entidade física e perceptual. O

aspecto físico estaria relacionado a questões tangíveis como o conteúdo do produto,

a embalagem, o próprio produto. Já a propriedade perceptual está associada às

características presentes na mente das pessoas que se relacionam com a marca. A

soma dos atributos físicos e perceptuais de uma marca vai gerar o que Randazzo

(1996, p.25) chama de ―mitologia latente do produto‖, uma espécie de totalidade das

percepções, crenças, experiências e sentidos associados a um produto.

A mitologia da marca é tudo aquilo que a marca representa na mente do consumidor. É geralmente uma mistura de imagens, símbolos, sentimentos e valores que resultam do inventário perceptual específico da marca, e que coletivamente definem a marca na mente do consumidor. (...) É transmitida através dos efeitos combinados de anúncios, embalagens, rótulos, logotipos, e das experiências do consumidor com o produto. (RANDAZZO, 1996, p.29).

51

Desta forma, a mitologia formada em torno da marca seria a responsável pelo

sentido que a mesma projeta em seus interlocutores.

Figura 5: A marca é mais que um produto Fonte: Adaptado de Randazzo (1996)

Assim, uma das principais propriedades da marca está relacionada a sua

capacidade de construir um discurso que atua no imaginário da sociedade,

oferecendo uma rede de atributos cognitivos e simbólicos, propondo um universo de

significados em torno de um produto ou serviço. ―A marca é, em certo sentido, a

instância que fornece um contexto dotado de sentido a uma experiência ou a um

imaginário‖ (SEMPRINI, 2006, p.50).

A marca desempenha, então, o importante papel de ―re-semantizar‖ produtos

e dar a eles significado simbólico. Trata-se de dar outro significado ao ―universo do

consumo em sua globalidade, de tornar a dar um sentido e um valor ao próprio ato

de consumir, de saber mostrar às pessoas que consumir pode ser outra coisa que a

simples aquisição de produtos‖ (SEMPRINI, 2006, p.51). Dada a importância desta

relação, torna-se necessário discutir a seguir, o processo de gestão das marcas e a

construção do seu referencial de valor, o que reflete diretamente sobre o seu poder

simbólico.

3.2 Branding, o processo de gestão das marcas

À medida que a dimensão simbólica se sobrepõe ao valor de uso de um

produto, vender conceitos associados a uma marca tornou-se uma tendência no

52

processo de gestão das organizações. Observa-se um modelo de gestão de marcas

conhecido como branding, que visa conduzir o sentido para a construção de valor

delas.

O branding corporativo surgiu da noção de ―marcas registradas‖. Estas marcas registradas foram definidas como marcadores simbólicos para artefatos etc. Tais marcas mostraram pertencimento e propriedade de artefatos para stakeholders específicos e simbolizaram a diferenciação desses artefatos comparados com outros artefatos compatíveis (por exemplo, este é o nosso símbolo, que se diferencia do seu símbolo). Das marcas de ferro que queimavam as vacas no Velho Oeste para o caso de amor do mundo contemporâneo com as grifes, as marcas são artefatos que têm sempre sido usadas simbolicamente para expressar identidade (do produto, da empresa ou do usuário). (SCHULTZ, 2004, p.2).

Nesta perspectiva, pode-se dizer que branding é um processo para exprimir a

identidade organizacional a partir das ações da sua marca e tem como finalidade

associar a ela um conjunto de valores e atributos que sejam percebidos de forma

positiva. As dimensões centrais do branding podem ser apontadas como a criação

de ideias centrais que privilegiem uma organização e a associação destas ideias a

nomes, símbolos e experiências que sejam percebidas e reconhecidas pelos seus

grupos de interesse. Na contemporaneidade, uma organização não se sustenta

somente pelo seu produto, é preciso distingui-lo expressando promessas de

qualidade, estilo, emoção e promovendo experiências que se concretizem pela

interação com a marca (SCHULTZ, 2004).

O conceito de branding surgiu com a disciplina de Marketing e se

desenvolveu com base em duas correntes distintas. A primeira percebe a gestão de

marcas a partir do produto, do marketing e da comunicação visual e enfatiza a

criação de um posicionamento que diferencie a empresa e seus produtos,

considerando que a identidade é fruto de uma escolha estratégica da organização

(SCHULTZ, 2005). Desconsidera-se, portanto, a criação de sentido e significado a

partir da relação entre organização e seus grupos de interesse. A segunda corrente

defende que o sentido não está no objeto. Ele se constrói na interação, um processo

em que se busca continuamente adaptar a realidade organizacional a partir do que

se estabelece com a sociedade (SCHULTZ, 2005).

Nos tempos atuais, pode-se dizer que o foco mudou do branding de produtos

para um branding das organizações. Muitos acadêmicos e profissionais como

53

Schultz (2005) têm discutido que o modelo clássico de branding associado à

primeira corrente apresenta uma visão limitada.

Para a autora a mudança no processo de branding é resultado da percepção

de que a marca é uma moldura das relações da organização com a sociedade.

Desta forma, entende-se que as questões associadas a uma organização como

tecnologia, qualidade, preço, design, estilo, ambiente, credibilidade, apelo emocional

estão presentes no julgamento de valor de uma marca.

Nesta perspectiva, o chamado branding corporativo (SCHULTZ, 2005)

associado à segunda corrente, demonstra que as organizações estão buscando em

suas relações com a sociedade construir diferenças significativas, atrair e envolver

os que se relacionam com a sua marca.

Para Klein (2002) mais que um processo de gestão, o branding tornou-se um

esforço de construir um mundo simbólico para a venda de produtos. As marcas

comerciais não só se empenham em projetar sua identidade e vender seus

produtos. Elas buscam re-significar o universo do consumo. Entende-se que a marca

é um discurso permanente dos atributos de valor de uma organização e, para tal, o

branding tem a função de promover ações que enaltecem este valor. Desta forma, o

consumo não se foca no produto, mas sim no simbólico. A comunicação que parte

de uma organização passa a investir na marca como forma de vender ideias e

imaginários (SEMPRINI, 2006).

Para o autor a comunicação nas organizações empresariais é essencialmente

considerada como uma função da marca, uma variável que permite torná-la familiar

a seus destinatários. Este processo ocorreu porque a oferta de comunicação passou

por um processo de multiplicação e de saturação no espaço público.

Até o inicio dos anos 90, a palavra comunicação é praticamente um sinônimo de publicidade. A publicidade veiculada pela grande mídia (televisão, rádio, imprensa, cartazes, cinema) é a ―estrada real‖ para instalar o discurso de uma marca, para apresentar seus valores, suas ofertas. (...) Por conseguinte, vemos aparecer uma panóplia impressionante de instrumentos e suportes que enriquecem de forma considerável o arsenal de comunicação das marcas: a embalagem, os catálogos de todo tipo, os jornais e os newsletters, os pontos de venda, as malas-diretas, o evento, o mecenato, os patrocínios, o co-branding, as relações públicas, os sites Internet, etc. (SEMPRINI, 2006, p.44, 45).

Todas estas ações e ferramentas possibilitam a abrangência da divulgação de

uma marca. No entanto, é preciso considerar que a constante exposição das

54

pessoas a inúmeras mensagens comerciais causa poluição midiática e dispersa a

compreensão delas, um processo de transmissão de informações que beira o

excesso.

A publicidade cobre atualmente cada esquina de rua, as praças históricas, os jardins públicos, os pontos de ônibus, o metrô, os aeroportos, as estações de trem, os jornais, os cafés, as farmácias, as tabacarias, os isqueiros, os cartões magnéticos de telefone. Interrompe os filmes na televisão, invade o rádio, as revistas, as praias, os esportes, as roupas, acha-se impressa até nas solas dos nossos sapatos, ocupa todo o nosso universo, todo o planeta! (TOSCANI, 2002, p.22).

Desta forma, ―para assegurar-se de ser ouvida e, melhor ainda, de se fazer

entender claramente, uma marca deve dispor de um ―poder de fogo‖ sempre maior‖

(SEMPRINI, 2006, p.44, 45). Na corrida pela visibilidade, o ―poder de fogo‖ das

marcas é promovido por um ―branding avançado‖ (Klein, 2002) que visa promover e

diferenciar a marca de uma organização das demais. O interesse pelo chamado

―branding avançado‖ se dá pela percepção de um processo evolutivo das ações de

marca na contemporaneidade, na busca de relações que multipliquem os pontos de

contato para além das relações de consumo. Pode-se citar como exemplo as

empresas do grupo FIAT, que promovem um espaço cultural - Casa FIAT de Cultura

-, não vinculado diretamente as suas ações comerciais, mas que contribui para o

seu discurso de marca. Este movimento evolutivo do branding se deve à

necessidade cada vez mais complexa para a marca ―de falar com públicos

diversificados, de lhes dirigir discursos específicos, de estender a sua presença em

suas vidas cotidianas, de interagir‖ (SEMPRINI, 2006, p.46).

Nota-se que em estratégias de branding avançado, o objetivo é construir

mundos simbólicos que despertem a atenção das pessoas e que criem vínculos

mais próximos com a marca. Para Klein (2002, p.53) o efeito do branding avançado

na sociedade contemporânea ultrapassa a esfera comercial. O projeto ambicioso

das marcas seria tornar-se ―o foco central de tudo que toca‖. Quando uma marca,

por meio de representações simbólicas, busca re-significar o valor de uso de um

produto, ela transforma o seu ―real valor‖ e altera este referencial na sociedade.

55

O processo de branding vai além dos relógios Swatch pesadamente divulgados e lança ―o tempo da internet‖, um novo empreendimento para o Swatch Group, que divide o dia em mil ―batidas Swatch‖. A empresa suíça está agora tentando convencer o mundo on-line a abandonar o relógio tradicional e migrar para o seu conceito de tempo de grife sem fusos horários. (...) Embora nem sempre seja a intenção original, o efeito do branding avançado é empurrar a cultura que a hospeda para o fundo do palco e fazer da marca a estrela (KLEIN, 2002, p.53).

As estratégias de marca, cada vez mais, constroem relações simbólicas. O

simbólico representa um poder invisível, em que sua legitimação se dá pelo

reconhecimento dos sujeitos presentes na sociedade (BOURDIEU, 2010). Nesta

perspectiva apresentam-se, a seguir, considerações sobre o papel simbólico das

marcas e o processo de produção de sentido.

3.3 O papel simbólico das marcas

Para compreender a apropriação de valores simbólicos em estratégias de

marca, opta-se por buscar referências em três perspectivas teóricas. A primeira se

baseia na Semiótica ―ciência geral de todas as linguagens‖ (SANTAELLA, 1983,

p.7), que se fundamenta nos estudos de Charles Sanders Peirce, filósofo americano

que desenvolveu a ciência dos signos, capaz de abarcar fenômenos de produção de

significado e sentido. A segunda é a perspectiva do Capital Simbólico, de Bourdieu

(2010) conceito utilizado para denominar uma espécie de poder que mobiliza e "faz

crer" e que modifica a ―realidade‖. E a terceira o Simulacro de Baudrillard (1991) que

defende que os simulacros são experiências, formas, códigos e objetos que se

apresentam mais reais do que a própria realidade. Acredita-se que partindo destas

três vertentes teóricas, a marca possa ser compreendida em sua dimensão

simbólica. Vale ressaltar que, embora se utilize estas três perspectivas como

condutores da compreensão do simbólico, outras referências também serão

abordadas para o enriquecimento da reflexão.

A começar pela Semiótica, a marca organizacional pode ser percebida como

uma forma de linguagem. A linguagem é definida por Pinto (2002) como condição

fundamental para o processo comunicativo, seja em seu aspecto verbal ou não

verbal, englobando várias práticas significantes. Nesta perspectiva, a marca constitui

um processo de linguagem, não apenas por ser um elemento significante, mas por

ser uma espécie de ―entrelugar‖, que não só medeia, mas que é constituída de

56

possibilidades de interação, de troca, que vão construir o sentido essencial da

linguagem (PINTO, 2002).

Para examinar sua condição de linguagem, propõe-se a análise da marca

como entidade significante para compreensão da sua multiplicidade expressiva. Ela

pode ser percebida como um signo, ―que representa algo para alguém em algum

aspecto ou capacidade. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um

signo equivalente, ou talvez mais desenvolvido‖ (CP 2.228)12. Ao pensar a marca

contemporânea como signo, faz-se referência ao seu potencial de significação -

verbal ou não-verbal -, seu papel e os sentidos que são produzidos por ela:

pensamentos, reações, emoção, consumo, cultura, etc.

―O signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto‖

(SANTAELLA, 1983, p.58). O nome da marca, os funcionários da marca, a

infraestrutura da marca, as ações da marca são signos representativos que evoluem

do objeto marca. A construção de cada mensagem relacionada com uma marca

parte de um processo de representação, associado diretamente à marca.

As marcas manifestam-se de maneira integrada e complexa, através de uma multiplicidade de meios e modos de expressão. Pode-se, por exemplo, assistir a um comercial de uma marca pela televisão, acessar o site da marca via internet (e assistir ao mesmo comercial), interagir com a marca através do serviço de atendimento (por telefone, carta, e-mail ou pessoalmente), receber uma mensagem personalizada (via carta, e-mail ou no visor do celular), assistir a um espetáculo cultural patrocinado pela marca

ou visitar uma loja, por exemplo. (CIMATTI, 2006, p.7).

Todas estas experiências comunicativas que partem de uma marca são

representações dela. Para Santaella (1983, p.58) para ser um signo, é necessário

possuir o poder de representar, ―o signo não é o objeto. Ele apenas está no lugar do

objeto‖. A marca em seu conceito prático é uma representação gráfica, que se

reveste de significados associados a uma organização. Dentro desta visão, o signo

(marca) reveste-se de múltiplas ―realidades‖ para representar os atributos de uma

organização e busca produzir efeitos (sentidos).

Ora, o signo só pode representar seu objeto para um intérprete, e porque representa seu objeto, produz na mente desse intérprete alguma outra coisa

___________________________ 12

CP quer dizer Collected Papers, seguido do número do volume, ponto, número do parágrafo. Assim, CP 2.228 refere-se ao parágrafo 228 do volume 2 dos Collected Papers

57

(um signo ou quase-signo) que também está relacionado ao objeto não diretamente, mas pela mediação do signo. (...) Portanto, o significado de um signo é outro signo – seja este uma imagem mental ou palpável, uma ação ou mera reação gestual, uma palavra ou um mero sentimento de alegria, raiva... uma ideia, ou seja lá o que for – porque essa seja lá o que for, que é criado na mente pelo signo, é um outro signo (tradução do primeiro). (SANTAELLA, 1983, p. 59).

O interpretante de um signo, o que aponta para o seu significado, consiste

naquilo em que o signo está apto a produzir na mente que irá interpretá-lo

(SANTAELLA, 1983). Desta forma, o sentido produzido não é reflexo puro das

intencionalidades que partem do processo de comunicação das organizações. Ele

se constrói baseado no referencial, na cultura dos seus interlocutores. O signo cria

significação, ―em vez de passivamente esperar que o sujeito o invista de sentido. O

sujeito interpreta o signo à sua maneira e gera nesse processo seus próprios

interpretantes‖ (PINTO, 1995, p.50).

Ao lançar um olhar semiótico sobre a marca busca-se revelar a articulação

simbólica que reflete nos efeitos que é capaz de produzir. O simbólico caracteriza-se

por recriar a realidade, usando um sistema de símbolos que impactam na

interpretação e ressignificação do mundo real. O símbolo é um signo que será

representado, ou seja, chamar um signo de símbolo significa que o representante

deste signo é um objeto construído. ―Uma outra caracterização do símbolo poderia

ser a de que seu caráter representativo consiste precisamente no fato de que ele é

uma regra que vai determinar seu interpretante‖ (PINTO, 1995, p.54).

As estratégias de marca buscam criar valores simbólicos que se convertem

em realidades projetadas por ela mesma. Pode-se pensar que as marcas são signos

que se estabelecem em um jogo de disputas pelo direito de significar e que neste

processo, os significados oferecidos pelas marcas se configuram em realidades

propostas por organizações, objetivando o consumo. Nesta relação, a marca se

estabelece como um agente de ligação capaz de estabelecer um diálogo entre dois

tipos de linguagem (o discurso organizacional e a resposta dos interlocutores). Nesta

interlocução, a marca se torna um símbolo, um meio geral para o desenvolvimento

de um interpretante.

Percebe-se claramente a transformação do símbolo marca nos seus aspectos referenciais e significativos. Isto porque, se temos, por exemplo, uma marca que representava seu contexto, em um dado momento do tempo – digamos em 1960 -, sob o prisma dos benefícios de seus produtos,

58

gerando interpretantes como ―qualidade‖ e ―praticidade‖, esta mesma marca pode representar o seu contexto atual pelo viés de um dado estilo de vida, desenvolvendo interpretantes como ―prestígio‖ e ―status‖. (...) Desta forma, sua razão de ser signo reside na geração de interpretantes e sua função é crescer nos interpretantes que gerará. (CIMATTI, 2006, p.11).

Esta relação se deve porque o símbolo é um signo que se relaciona com seu

objeto por meio de seu interpretante e também porque ele ―apresenta uma aptidão

natural para a mudança, no decorrer do tempo, quando ocorrem transformações em

seu hábito interpretativo‖ (CIMATTI, 2006, p.11).

Figura 6: Representação gráfica da marca Johnnie Walker Fonte: Mundo das marcas, 2006

Toma-se como exemplo a evolução da representação gráfica da marca

Johnnie Walker. O famoso logotipo da marca, chamado de Striding Man ou

caminhante, foi criado em 1908. A figura de um homem, com botas de montaria,

roupas que refletiam a elegância da época e monóculo, foi criada para representar o

progresso, pioneirismo e a saga da família Walker, produtores do whisky Johnnie

Walker. À medida que esta marca foi adquirindo visibilidade e prestígio no mercado,

seu símbolo foi sendo redesenhado por renomados artistas plásticos como Basil

Partridge, Leo Cheney, Clive Upton e Michael Peters13. Percebe-se que as roupas e

acessórios do símbolo caminhante da Johnnie Walker foram se adaptando e

evoluindo, mas sempre buscando remeter ao atual conceito de status, uma das

referencias significativas que a marca busca representar.

___________________________ 13

Disponível no site ―Mundo das Marcas‖.

59

Se aplicarmos esse raciocínio ao contexto da marca, temos, pelo menos, uma reflexão analítica possível, inspirada na evolução histórica da marca como signo simbólico. (…) a importância crescente da marca no mundo contemporâneo pode ser atribuída, numa perspectiva mercadológica, aos avanços técnicos que possibilitaram uma homogeneização dos produtos fabricados. A concorrência entre os produtos deslocou-se, assim, para aspectos menos tangíveis, não tão ligados às características físicas dos produtos, mas aos valores ideais, sonhos, desejos de uma sociedade numa determinada época (CIMATTI, 2006, p.11).

Observa-se que não só a representação gráfica de uma marca evolui, mas

também suas estratégias se adaptam às mudanças da sociedade de cada época. O

signo marca quando se torna parte de uma ação estratégica que parte de uma

organização, é utilizado objetivando gerar interpretantes, significados que sejam

benquistos por seus interlocutores. Por exemplo, as formas e as cores de uma

marca em sua representação gráfica (logotipo) têm uma grande capacidade de

despertar relações de familiaridade a partir do seu design. ―As formas e as cores do

logotipo da empresa Petrobras guardam estreita associação com as formas e cores

da bandeira brasileira‖ (CARRIL, 2004, p.95). Por meio da marca, a Petrobras busca

produzir interpretantes que se traduzam em valores positivos, que criem vínculos

com a identidade do Brasil.

.

Figura 7: Logomarca Petrobras Fonte: Adaptado de Carril (2004)

O interpretante ―é um conteúdo objetivo que se depreende da referência que

o signo faz a seu objeto e somente nesse sentido pode ser visto como uma

interpretação‖ (PINTO, 1995, p.29). O interpretante da marca aponta para os

sentidos que ela visa construir e, desta forma, molda percepções e gera cada vez

mais interpretantes.

60

Toda esta discussão em torno da Semiótica justifica-se pela tentativa de

compreender os sentidos que se configuram entre a marca organizacional e os

atores sociais. Como explicitado, as estratégias de branding evoluíram e se

tornaram um discurso avançado, que perpassa a tradicional lógica da publicidade e

da propaganda utilizada para divulgar o produto. Hoje, o interpretante da marca

remete a ações que insistem em não parecer o interpretante direto de uma marca,

mas que, de forma sutil, torna seu conceito latente.

Toma-se como exemplo uma marca que se tornou célebre por defender um

tipo de publicidade que não remetia diretamente aos seus produtos. Esta marca é a

Benetton, que usava a publicidade para denunciar um mundo de preconceitos e não

para vender suas roupas diretamente. Conflitos raciais, violência, AIDS, poluição

estampavam a campanha da Benetton acompanhado por um slogan ―United colors

of Benetton‖ (cores unidas da Benetton). Como propôs Toscani (2002, p.86) criador

da campanha, em vez de longos discursos, de cansativa argumentação ou de

qualquer outra coisa que se dirija prioritariamente à razão, ―a Benetton visa ao

choque emotivo, ao peso da carne marcada com todas as conotações que a

metáfora implica‖. Segundo Toscani (2002, p.26) hoje, em se tratando de produtos

de mesmo segmento, todos são muito parecidos em seu valor de uso, ―como

mostrar a diferença entre estes senão pelo engajamento, uma visão de mundo,

tomadas de posição e criatividade?‖. Esta é uma estratégia que se preocupa mais

com a imagem da marca do que a com venda objetiva de um produto.

O primeiro anúncio polêmico criado pela Benetton trazia um bebê branco nos

braços de uma mulher negra e transformou um slogan publicitário em uma iniciativa

humanista, ―aparentemente‖. Essa campanha foi muito bem recebida no mundo

inteiro e ganhou vários prêmios. Com exceção dos Estados Unidos, onde

organizações minoritárias negras julgaram-na racista (TOSCANI, 2002, p.48).

Em alguns anos, com uma comunicação original, a United Colors of Benetton se fez conhecer internacionalmente como nenhuma outra marca de prêt-à-porter. Fizeram-se estudos em 1994 sobre a popularidade do título no mundo inteiro: o nome United Colors of Benetton bate desde então a Chanel na memorização das marcas e entrou no pelotão das cinco marcas mundiais mais conhecidas. (TOSCANI, 2002, p.56).

61

Nota-se como efeito, que mesmo não tendo investido no jeito tradicional de se

vendar roupas, a Benetton, mais do que nunca, vendeu um conceito, vendeu sua

marca.

Figura 8: Campanha da Benetton Fonte: Adaptado de Toscani (2002)

A campanha foi discutida e analisada por todo mundo e foi motivo de diversos

estudos acadêmicos. Indiretamente falando de temas não ligados ao consumo de

roupas, a Benetton divulgou e aumentou o valor da sua marca. ―A Benetton entrou

num outro domínio da publicidade, ela superou a noção de produto para vender uma

filosofia de marca‖ (TOSCANI, 2002, p.58).

62

O exemplo da Benetton nos leva a compreender melhor a ideia de

interpretante, ou seja, o que o signo produz como efeito em uma mente. Desta

forma, é preciso considerar que ele se relaciona com três níveis propostos por

Peirce, uma vez que todo signo tem uma natureza triádica: primeiridade,

secundidade e terceiridade (SANTAELLA, 2002). A mente que interpreta a marca o

faz pela mediação do signo marca. Ao produzir um sentido, a marca em sua

condição de signo produz três efeitos: o primeiro chamado de primeiridade ―modo de

ser daquilo que é tal como é positivamente e se referencia a outra qualquer‖ (CP

8.328). Corresponde às noções de sentimento sem reflexão, de possibilidade.

―Assim a primeiridade é também a categoria da sensação ou do sentimento,

entendidos como pré-reflexivos, isto é, anteriores a uma consciência deles‖ (PINTO,

1995, p.41). Ela é o potencial de sentido de uma mente, o que foge a racionalidade

no momento em que atinge a consciência.

Em se tratando das marcas, a primeiridade é esta sensação que um anúncio

desperta, antes mesmo da tomada de consciência sobre o nome do anunciante. É o

efeito, impacto primeiro que causa um anúncio, uma ação, uma estratégia de marca

que visa atrair, antes mesmo que se tenha tempo de interpretar uma mensagem. É o

impacto que as campanhas da Benetton causam nas pessoas com uma roupa suja

de sangue, um beijo entre uma freira e um padre, uma parte íntima tatuada com a

sigla HIV.

A secundidade ocorre quando um fenômeno que foi percebido como primeiro

é relacionado a um segundo qualquer. É uma categoria de comparação entre uma

realidade proposta e a experiência da mente interpretante.

Os signos segundos, portanto, não dizem da regularidade, do hábito, do propósito ou da lei. Falam, entretanto, de ação e reação, de resistência ao impacto, de causa e efeito, de força bruta. Assim, enquanto o sentimento não analisado estaria na primeiridade, o registro do sentimento, a atenção a ele, seria um fato da secundidade, porque implica por parte de quem o sente uma resistência análoga à que uma parede oferece ao tato. (PINTO, 1995, p.48).

A secundidade representa a ―ação de um sentimento sobre nós e nossa

reação específica, comoção do eu para um estímulo‖ (SANTAELLA, 1983, p.48).

Quando se expõe uma mente a um estímulo de uma marca, um sentimento

relacionado à primeiridade é a primeira referência de sentido desta mente. Logo

após vem a ação advinda deste contato, que se relaciona com os parâmetros

63

interpretativos de cada um, com a cultura, que somados ao primeiro impacto que se

recebe, produz uma ação. Voltando ao exemplo da Benetton, a secundidade é a

soma do sentimento primeiro despertado pelo anúncio que, em contato com as

convicções individuais, produz uma decisão frente ao estímulo recebido.

A terceiridade é uma categoria que designa a aprendizagem e o

desenvolvimento. Refere-se à ação do signo e ao seu processo de representação. É

a relação que se estabelece entre o signo, o objeto e interpretante, capacidade que

algo tem de representar. ―O terceiro é na verdade, a conexão entre a qualidade e o

fato, entre o primeiro e o segundo‖ (PINTO, 1995, p.57). Vale ressaltar que existe,

entre as três referidas categorias, ―uma relação de dependência, um terceiro inclui

um segundo, que inclui um primeiro‖, (PINTO, 1995, p.58). O terceiro não seria uma

somatória, mas algo que se constituí pela conexão com as duas primeiras. Isso

reflete na interpretação que fazemos do mundo atual, na relação que temos com as

coisas presentes neste mundo, ―é a capacidade que algo tem de representar‖

(PINTO, 1995, p.57).

O terceiro efeito significado de um signo, que é o interpretante, refere-se a quando o signo é interpretado por intermédio de uma regra interpretativa internalizada pelo intérprete. Sem essas regras interpretativas, os símbolos não poderiam significar, pois o símbolo está associado ao objeto que representa por meio de um hábito associativo que processa na mente do intérprete, associação essa que estabelece a conexão entre o signo e o seu objeto. Daí Peirce ter repetido muitas vezes que o símbolo se constituiu como tal apenas por meio do interpretante. (CARRIL, 2004, p.64).

Transferindo esta lógica para o signo marca, pode-se indicar que o

sentimento primeiro conjugado à reação, que é segunda, se associam na

composição do sentido. Para exemplificar, volta-se ao anúncio da Benetton. A

mensagem polêmica associada à marca Benetton leva a mente interpretante a

relacionar a mensagem a valores positivos ou negativos. Se a regra interpretativa

formada for positiva, refletirá em boas percepções sobre a marca Benetton. Desta

forma, a marca Benetton pode se tornar um símbolo que remete a uma organização

com propósitos sociais.

O exemplo da marca Benetton vem ressaltar que, ao oferecer um imaginário,

as marcas adquirem um novo caráter, que não mais enfatiza o desempenho da

mercadoria, mas, sim, a emoção, o sentimento. A ação de consumo, somada à

experiência, a cultura dos interlocutores torna possível a produção de sentido.

64

Exige-se das marcas comerciais um esforço mais profundo e mais complexo. Trata-se de re-semantizar o universo do consumo em sua globalidade, de tornar a dar um sentido e um valor ao próprio ato de consumir, de saber mostrar às pessoas que consumir pode ser outra coisa que a simples aquisição de produtos de que se necessita. (SEMPRINI, 2006, p.50, 51).

Percebe-se que a marca, a partir de suas várias representações simbólicas,

acaba por adquirir uma espécie de poder associado à propriedade de "fazer ver" e

"fazer crer", poder que se relaciona ao que Bourdieu (2010) chamou de ―poder

simbólico‖. A obra de Bourdieu é voltada ao campo das ciências sociais e um dos

aspectos que ele se propõe a analisar é a produção simbólica. Para Bourdieu (2010)

o poder simbólico é um poder que atua sobre a construção da realidade e tende a

estabelecer uma ordem para a produção de sentido do mundo social. Tem como

objetivo uma função estruturante, que utiliza os símbolos para tal.

Os símbolos são os instrumentos por excelência da integração social: enquanto instrumentos de conhecimento e comunicação. (...) Eles tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribuí fundamentalmente para a reprodução da ordem social. (BOURDIEU, 2010, p.10).

O autor afirma que as produções simbólicas partem de interesses de

instâncias dominantes e servem a intuitos particulares que tendem a mostrá-los

como universais. Os símbolos, encadeados pelos sistemas simbólicos, têm como

função preponderante a integração social. Eles conferem sentido ao mundo social,

possibilitando, desse modo, um consenso acerca da ordem estabelecida. O poder

simbólico emerge como um poder capaz de impor significações e as impõe como

legítimas, contribuindo, dessa forma, com a dominação vigente. O poder simbólico é

imperceptível e invisível, uma forma transfigurada e legitimada de outras formas de

poder. Embora a teoria do poder simbólico de Bourdieu (2010) seja baseada em

grande parte na teoria marxista sobre instrumentos de dominação, pode-se utilizar a

lógica do seu pensamento para as relações que se estabelecem entre marcas e os

atores sociais.

Organizações empresariais podem ser vistas como instâncias que possuem

interesses particulares relacionados ao consumo e, para tal, tendem a direcionar o

seu processo de comunicação para legitimar seus objetivos. Neste processo, a

marca é utilizada como um símbolo que interage com os atores presentes na

sociedade. A partir destas interações, a marca busca refletir uma série de conceitos

65

que não se relacionam a uma realidade objetiva. Muitas vezes, o mundo da marca

altera o referencial de valor de uma sociedade. Mas quem legitima os conceitos que

são refletidos por ela são as pessoas que com ela interagem. O que dá o poder às

marcas é a cumplicidade dos que participam do mundo proposto por ela.

Toma-se como exemplo a marca Nike. Em 1985 a empresa contratou o

jogador de basquete Michael Jordan (uma das grandes referências do esporte

naquele momento) para estrelar um comercial em que ele parecia voar enquanto

jogava basquete. Esses comerciais foram um dos primeiros vídeos de marca que

investiram em tecnologia avançada para promover produtos. ―Muitos dos mais

famosos comerciais da Nike usaram astros para levar a ideia do esporte. (...) Como

disse Michael Jordan, o que a Nike tem feito é me transformar em um sonho‖

(KLEIN, 2002, p.78). Para Klein (2002) ao se relacionar com estrelas do esporte

como Michael Jordan, a Nike deixou de se promover como fabricante de artigos

esportivos e assumiu o papel de marca que pratica esportes junto com os seus

consumidores.

Muitas vezes, as marcas se apresentam com conceitos, atitudes, valores e

experiências tão fortes que podem se tornar, por consequência, um estilo de vida.

―Acordo toda manhã, pulo para o chuveiro, olho para o símbolo e ele me sacode

para o dia. É para lembrar a cada dia de como tenho de agir, isto é‖ ―Just Do It”,

(apenas faça)14 (COLLECTION apud KLEIN 2002, p.76). É esta inversão de valores,

a substituição da utilidade objetiva de um produto por um ―real‖ imaginário associado

a ele, que reflete o valor simbólico de uma marca. É perceptível a capacidade que a

marca tem de transformar a visão do mundo.

Seus cabelos caem porque você não está usando esta loção milagrosa de ―extratos naturais‖; suas gengivas estão sangrando e não são de ―concreto‖ porque você esta comprando o dentifrício errado; você não arranjará um novo emprego se não fizer uso deste barbeador para vencedores e deste computador portátil; você está ficando feio(a) e vivendo à margem da ―verdadeira vida‖, da ―vida cheia de vida‖, da ―vida autêntica‖, da ―vida total‖ porque ainda não adquiriu este queijo magro sem sal ou esta refrescante soda gasosa. (...) nos propõem um mundo de ninharias entusiastas cada vez mais batidas nestes tempos de crise econômica e espiritual. (TOSCANI, 2002, p.28).

___________________________ 14

Empresário de 24 anos, Carmine Collection, sobre sua decisão de tatuar a logo da Nike em seu umbigo.

66

A marca atua na substituição do ―real‖ e, desta forma, pode-se relacioná-la ao

que Baudrillard (1981) chama de simulacro. A teoria do simulacro de Jean

Baudrillard pode ser percebida como uma crítica à perda do referente da realidade.

Para o autor, o simulacro anula a representação como relação a uma origem que a

preceda, anula o real como referente. Desta forma, o simulacro permite uma

encenação dos signos, que não mais remete ao ―real‖, mas ao hiper-real.

O hiper-real (elemento sem origem, sem uma ―real‖ referência) remete a

muitas ―verdades‖ e permitiria várias manifestações do sentido a respeito de um

mesmo signo. ―Assim, vivemos por toda parte num universo estranhamente

semelhante ao original‖ (BAUDRILLARD, 1981, p.20). Para explicar melhor esta

afirmação, o autor defende que o simulacro estimula a perda da dimensão funcional

em virtude de outro valor, o valor da simulação. Como exemplo, Baudrillard (1981)

cita a Disneylândia.

A Disneylândia é um modelo perfeito de todos os tipos de simulacros confundidos. É antes de mais um jogo de ilusões e de fantasmas: os Piratas, a Fronteira, o Futuro World, etc. Supõe-se que este mundo imaginário constitui o êxito da operação. Mas o que atraí as multidões é sem dúvida muito mais o microcosmo social, o gozo religioso, miniaturizado da América real, dos seus constrangimentos e alegrias. (...) A Disneylândia é colocada como imaginário a fim de fazer crer que o resto é real, quando toda Los Angeles e a América que a rodeia já não são reais, mas do domínio do hiper-real e da simulação. Já não se trata de uma representação falsa da realidade (a ideologia), trata-se de esconder que o real já não é o real e, portanto, de salvaguardar o princípio da realidade. (BAUDRILLARD, p.20, 21).

A Disneylândia é uma espécie de ―simulação‖ porque se verifica em seu

significado uma ―emancipação do signo‖: desligado da obrigação de designar algo

pré-referenciado por um jogo estrutural. O valor imaginário passa a dominar a

―verdade‖ e o interpretante dos signos. No simulacro o hiper-real é produzido na

lógica da reprodutibilidade. ―O imaginário da Disneylândia não é verdadeiro nem

falso, é uma máquina de dissuasão encenada para regenerar no plano oposto a

ficção do real‖ (BAUDRILLARD, 1981, p.21). A Disneylândia é uma das muitas

metáforas que pode ser usadas para se falar do simulacro.

Outro simulacro possível está associado ao sentido que é projetado pelas

marcas. ―Marcas também são símbolos, signos que têm algum sentido por outra

convenção, alem da identificadora‖ (CIMATTI, 2006, p.9). Percebe-se que seu

potencial significativo não se esgota em nenhuma interpretação particular. Ela

67

representa vários simulacros da realidade. Por meio de um conjunto de experiências

proporcionadas àqueles que convivem com elas, a marca gera, a partir da interação,

uma fonte de significações que podem produzir sentidos variados.

O uso do produto, o anúncio da TV, a embalagem, o logotipo. Todos os ―pontos de contato‖ são signos e compartilham o mesmo objeto dinâmico – eles se referem em última instância, à marca. Por isso a marca já foi chamada de ―super-signo‖ (BAUDRILLARD, 1995), em direção ao qual culminam todos os signos cujos conteúdos aludem a sua existência. (...) Os processos comunicativos da marca são capazes de produzir efeitos interpretativos múltiplos e diversos, camadas sobrepostas e interligadas de sensações, sentimentos, ações e pensamentos que se manifestam a partir dos contatos entre o consumidor e marca. (CIMATTI, 2006, p.10, 11).

A marca se constitui como um símbolo complexo, por que se constitui pela

soma/ articulação de várias linguagens e comunica a partir de vários canais de

comunicação. Como reflexo, ela se estabelece como meio pelo qual os discursos

organizacionais promovem a lógica mercantilista.

A utilização de várias teorias (não necessariamente complementares e muitas

vezes divergentes) para buscar a compreensão da marca, se deve à percepção do

seu vasto potencial de significação junto à sociedade. Numa tentativa de apontar o

seu importante papel na produção de sentidos, o que se buscou foi apresentar

diferentes perspectivas dos efeitos que ela pode causar na sociedade. Para maior

compreensão desta relação, discutir-se-á a seguir o processo de produção de

sentido.

3.4 O processo de produção de sentido

No esforço de demonstrar como o processo de comunicação pode ser

percebido como espaço de produção e circulação de sentidos, utilizado para a

construção de realidades simbólicas, propõe-se explicitar as especificidades desse

processo resultado das relações que se dão no contexto das organizações. Neste

contexto, considera-se que o sentido é uma construção social interativa, pois é na

dinâmica das relações sociais (em suas várias perspectivas de cultura) que se

constroem os repertórios com os quais lidamos com as situações e fenômenos a

nossa volta. O sentido é algo a ser construído, sendo, portanto, uma operação que

só se constitui de fato quando atinge a instância de recepção no percurso do

processo comunicativo.

68

Entender a ―construção de sentido‖ é percebê-la como processos historicamente localizados e, portanto, condicionados por fatores sociais, políticos, econômicos, culturais e educacionais que estruturam as regras, os hábitos e os modos de proceder dos atores sociais que, por meio de práticas discursivas, entram em interação. Esses atores em interação buscam estabelecer trocas simbólicas por meio do diálogo, da negociação, da contestação e/ou da tomada de decisão, de modo a se posicionarem socialmente, conforme seus interesses, preferências, expectativas e intenções. (PAULA, 2010, p.1).

Para compreender o ―sentido‖, segundo Paula (2010), é necessário

reconhecer que todo processo comunicativo é constituído por instâncias: a

produção, a circulação e a recepção. Todo contexto em que ocorrem processos de

interação (seja este processo presencial, ou não) a comunicação parte de uma

instância produtora que seleciona, edita e evidencia aquilo a que se quer dar

visibilidade. Tal visibilidade está localizada na instância da circulação, que age como

uma mídia, uma ponte que faz a mediação entre a produção e a recepção. Nesta

relação, ocorre uma disputa entre as intencionalidades da instância enunciadora e a

apropriação que a recepção faz. Os produtos construídos nesta relação seriam os

valores simbólicos que circulam na esfera pública (PAULA, 2010).

É válido lembrar que não há garantias de que o processo da recepção se dê nos moldes previstos pela instância produtora, sendo a circulação a instância onde ocorrem interações sociais em torno dos produtos midiáticos, sejam eles produtos propriamente ditos, imagens, serviços, discursos, pessoas públicas ou organizações. Como não há uma correspondência direta entre os produtos intencionalmente elaborados pela produção e as interpretações que esses produtos adquirem ao serem apropriados na recepção, o processo comunicativo possibilita oportunidades múltiplas de atribuir sentidos novos àquilo que fora inicialmente pré-definido (PAULA, 2010, p.1).

Nesta perspectiva, a marca pode ser percebida como um processo

comunicativo que atua sobre a (re) significação dos sentidos. Isso ocorre porque as

organizações podem ser vistas como instâncias discursivas, que buscam produzir

sentidos junto aos seus grupos de interesse. Estes, por sua vez, podem ser

considerados como instâncias discursivas, já que se manifestam sobre os discursos

que partem das organizações. Paula (2010, p.1) afirma que a organização dita:

―normas de condutas e comportamentos aos seus diversos públicos, por outro,

existe também um processo de (re) significação por parte deles, que vão construir os

sentidos de acordo com seus repertórios sociais‖. Assim todo processo

comunicativo, que parte das organizações, está para além de supostos controles e

69

da transmissão de informações. Mesmo que as organizações, em uma condição de

instância de produção, que investem sentidos nas mensagens de forma a preenchê-

las de conteúdo simbólico a serem postos em circulação para reconhecimento e

consumo por parte dos seus interlocutores, não há garantias de justaposição de

sentidos que decorram do processo comunicativo (LA FUENTE; PAULA, 2010). Mas

por que as organizações, em uma condição de instância produtora, busca investir de

sentido as mensagens que põe em circulação no processo de comunicação com

seus interlocutores?

Fausto Neto (2008) ressalta que em contextos organizacionais, a

comunicação pode ser utilizada como um tipo de mecanismo regulador. Para o

autor, trata-se de uma interação em que se instala uma lógica de alerta por parte

das organizações, mas que não garante as intencionalidades que são propostas.

(...) a comunicação aparece associada à noção de ―radar‖, enquanto um dispositivo cuja atividade visaria proteger, através de captura, processamento, análise e de disseminação de informação – as atividades e a vida de uma organização face às manifestações do ambiente que lhe oferecem perigo ou restrições ao seu funcionamento (FAUSTO NETO, 2008, p.42).

Para o autor, ―a comunicação não é um ato de atribuição de sentidos, que se

realizaria automaticamente entre produtor e receptor‖, mas, ao contrário, ―um jogo

no qual a questão dos sentidos se engendra em meio às disputas de estratégias de

enunciação‖ (FAUSTO NETO, 2008, p.54). Desta forma, nem a organização nem os

grupos de interesse podem ser vistos como sujeitos passivos, pois possuem

interesses e intencionalidades no processo de interação.

Significa que produtor e receptor ocupam posições diferentes, na medida em que o ato que os une, enquanto comunicação, se realiza a partir de gramáticas, enquanto regras, e estratégias que tratam de diferenciar o status de cada um. (...) O sentido se faria em decorrência de um ―feixe de relações‖, o que admite que os efeitos de uma mensagem não estariam na competência específica de um dos pólos (produção/ recepção), uma vez que nem um e nem outro pode estabelecer a priori os modos como seu interlocutor lidará com a mensagem que lhe foi destinada. (FAUSTO NETO, 2008, p.54).

O sentido se dá na relação, no processo de interação, ou seja, na dinâmica

das relações dos atores sociais, e esta lógica se aplica ao contexto das

organizações. A lógica regulatória da comunicação como processo de vigilância no

70

contexto das organizações nasce do seu objetivo mercadológico de ofertar bens

para fins de consumo. Como já explicitado, para fugir da defasagem entre produção/

consumo, investiu-se em dispositivos cujo objetivo é construir sentido a partir de

relações simbólicas.

A dinâmica sobre as quais se instala a vida material e simbólica da organização e seus parceiros externos são, por natureza marcadas por um ―desajuste‖. E, nestas condições, é que se inventa dispositivo cujas soluções visam capturar o ―jogo do concorrente‖ ou as inquietações do cliente, segundo atividade do radar, algo que se assentaria na criação, por parte do próprio mundo da organização, de modalidades de interação que permitem a voz do consumidor fluir até o próprio nicho produtivo‖. (...) As cartas enviadas aos jornais, por leitores, não seriam um bom exemplo? Busca-se como isso, estabelecer as previsões de perigos, mas, ao mesmo tempo, corrigir, ou prever, os efeitos das ―estratégias desviantes‖ ou mesmo dos ―pontos de fuga‖ (FAUSTO NETO, 2008, p.51).

O autor ressalta que é próprio do mundo empresarial buscar estratégias para

enfrentar os chamados ―pontos de fuga‖. Nesta perspectiva, se a marca pode ser

vista como um signo e ―nunca temos um só sentido para um único signo, por mais

simples que ele seja‖ (PINTO, 2002, p.35), as estratégias que partem das

organizações pressupõem ―um processo de interação segundo regras de controle

que vão qualificar as relações que vinculam empresa e cliente‖ (FAUTO NETO,

2008, p.52).

Toda esta discussão nos leva a entender como a marca empresarial se insere

nesta relação, uma vez que pode ser considerada mediadora do discurso das

organizações. A construção da marca é parte do processo de comunicação no

contexto das organizações, pois se insere na transmissão de conteúdo e nos

aspectos relacionais que são adicionados à produção de sentido. Considera-se que

a marca é uma instância de circulação, uma ―ponte‖ para a construção de

significados entre produtores (organizações) e receptores (interlocutores das

organizações).

Para Klein (2003) o verdadeiro objetivo das marcas seria re-significar o valor

de uso de um produto e convertê-lo em uma desejada opção de consumo, em um

estilo de vida. Para a autora, a partir da tentativa de conformação do sentido, há

uma lógica que parte das organizações empresariais, surgindo um novo padrão que

guia suas relações junto aos seus interlocutores: ―à medida que mais e mais

empresas buscam ser aquela que fabrica a marca que consumimos, a que produz

arte, (...) todo o conceito de espaço público está sendo redefinido‖ (KLEIN, 2003,

71

p.154). As autoras La Fuente e Paula (2010) apontam o quanto à sociedade vem

sendo exposta a intenções comunicativas de organizações.

Viver numa metrópole é necessariamente estar em interação com bens culturais e simbólicos, informações, produtos midiáticos e pessoas que nos remeta a alguma organização e nos convidam a sermos receptores de seus discursos e intenções comunicativas. (LA FUENTE; PAULA, 2010, p.2).

A criação de estratégias que visam promover e legitimar as marcas junto à

sociedade impacta não só a produção de sentido sobre o chamado ―real objetivo‖,

mas transforma a paisagem das cidades, a partir da reconfiguração dos seus

espaços.

72

Figura 9: Marcas que invadem a paisagem urbana Fonte: Culturamix.com, 2009

O poder simbólico que uma marca adquire extrapola a capacidade de vender

produtos. Para Klein (2003) o domínio da marca se expande e a atenção

empresarial se volta para outras formas de interação. Para além de um espaço de

consumo, a marca ―cria um destino‖ (um lugar não somente para comprar, mas

também para visitar) que possa despertar a atenção dos seus interlocutores.

Percebe-se que para se destacar no meio de tantos excessos midiáticos, as

organizações, principalmente as empresariais, buscam para além da divulgação de

suas marcas, criam lugares que possibilitam novas experiências de interação.

Esses mundos de marca particulares estão estética e criativamente trilhando um caminho totalmente estranho a qualquer um que não compreenda o boom pós-guerra. O poder emocional desses enclaves está em sua capacidade de capturar uma ânsia nostálgica, aumentado depois sua intensidade: um ginásio esportivo escolar com equipamento de qualidade NBA; acampamento de verão com água quente e comida gourmet; uma biblioteca do velho mundo com móveis e cafés de grife; um museu com os enormes recursos de Hollywood. Sim, essas criações podem ser um tanto fantasmagóricas e de ficção cientifica, mas não devem ser repudiadas como apenas mais um comercialismo crasso pelas massas estouvadas: bem ou mal, são utopias públicas privatizadas. (KLEIN, 2003, p.181, 182).

Percebe-se que as ações estratégicas de uma marca visam criar ambientes

de interação em torno de bens simbólicos. Vale ressaltar que, mesmo diante das

intencionalidades das estratégias de marca, no universo da linguagem, lidamos

sempre com n signos que possuem n sentidos potenciais (SEMPRINI, 2006). Mesmo

73

diante do poder de (re) significação das marcas, sempre existem outras formas de

interpretá-las. Se há intencionalidades de produzir um sentido que atue sobre os

―pontos de fuga‖ dos grupos que se relacionam com as organizações, ―a produção

de sentido é aquela em que escolhemos uma significação dentre muitas para que a

semiose possa ser levada em frente‖ (PINTO, 2002, p.34). Desta forma, se a marca

pode ser vista como signo ela é um objeto em construção, por mais que seja

permeada de intencionalidades.

O signo é sempre isso, um objeto (signo também é construção) sempre inadequado porque ele, além de ter em si algo que não significa, que tem a ver com a sua subjetividade (dor também tem subjetividade, assim como pedras), quando significa, ele significa incompletamente. (PINTO, 2002, p.18).

Nesta perspectiva, por mais que a marca possua um vasto potencial

simbólico, o sentido se constitui na experiência e no compartilhamento que circula

entre ela e seus interlocutores. Esse compartilhamento de sentido entre

organizações e seus grupos de interesse se materializa nas ações de comunicação

que promovem as interações, pois é na troca da prática discursiva que a produção

de sentido ocorre.

74

4 APRESENTAÇÃO DO OBJETO EMPÍRICO, DO CONCEITO DE CULTURA E

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

De modo geral, poder-se-ia dizer que a cultura é simbólica, na medida em que ela dita e é responsável por certos padrões comportamentais, sociais, intelectuais e ideológicos de uma determinada comunidade (PINTO, 1995, p.55).

Este capítulo apresenta um breve historico do objeto empírico da pesquisa, -

Casa Fiat de Cultura -, começando pelo grupo Fiat S/A do Brasil, que criou e

mantém o referido espaço. Desta forma, objetiva-se demonstrar o percurso dos

investimentos em projetos culturais da Fiat no Brasil, até a concepção e motivos

pelos quais criou-se um espaço físico que promovesse ações culturais de grande

visibilidade. Em seguida apresenta-se uma reflexão sobre o conceito de cultura, uma

vez que ―promover a cultura‖ é o fio condutor dos discursos enunciados pela Casa

Fiat.

Num segundo momento passaremos aos procedimentos metodológicos de

análise do estudo de caso da Casa Fiat de Cultura, que é a referência para detectar

as especificidades do discurso deste contexto organizacional e para perceber como

este foi elaborado e como é percebido pelos interlocutores. Vale ressaltar que será

retomado o conceito de marca como ato discursivo, introduzido no primeiro capítulo.

A metodologia se fundamenta na análise de discurso proposta por Charaudeau

(2006). A marca como ato discursivo é apenas uma, das muitas conceituações

possíveis, para se estudar este signo dinâmico e complexo, uma vez que ele é

capaz de produzir vários sentidos.

4.1. Breve histórico sobre o Grupo Fiat S/A do Brasil

A organização empresarial Fiat é um dos maiores grupos industriais da Itália

(país de origem), com grande representatividade em todo o mundo devido a sua

atuação em mais de 60 países. A sigla Fiat refere-se ao descritivo “Fabbrica Italiana

Automobili Torino” (Fábrica Italiana Automóveis Turim) e sua principal atividade é a

atuação no setor automotivo - veículos de passeio, comerciais leves, caminhões em

todos os segmentos, microônibus, máquinas agrícolas, máquinas de construção,

75

fundidos, motores, câmbios e componentes automotivos, automação industrial e

projetos e serviços industriais (MUNDO FIAT, 2010). O maior mercado para o Grupo

Fiat depois da Itália é o Brasil, onde se estabelece como um dos principais

complexos industriais do país, com atuação diversificada nos segmentos metal-

mecânico e de serviços.

A Fiat do Brasil S.A., constituída em 1947, é a empresa mais antiga do Grupo Fiat no Brasil. É a representante, no país, do Fiat SpA, a holding mundial do Fiat Group. A Fiat do Brasil S.A tem a função de representação institucional perante as autoridades governamentais, comunicação corporativa, auditoria interna, treinamento, contabilidade, normatização e gestão das áreas fiscal e tributária, metodologia, folha de pagamento e outras atividades de suporte às operações do Grupo. No Brasil, o Grupo Fiat reúne 19 empresas, divisões, associações e fundações localizadas em três estados e com atuação no setor automotivo, no setor de serviços e nas áreas de educação e cultura, constituindo-se no 11º grupo empresarial do país (2007), segundo a revista Valor Grandes Grupos (novembro de 2008). A receita líquida do Grupo Fiat no Brasil apresentou crescimento de 17% em 2008 em comparação com o exercício anterior, ascendo a R$ 30,3 bilhões. (MUNDO FIAT, 2010, p.96).

Com plantas industriais nos estados de Minas Gerais, Paraná e São Paulo, as

principais empresas, associações e fundações ligadas ao grupo Fiat no Brasil são:

- Fiat Automóveis e Iveco: produção e venda de automóveis e caminhões

respectivamente;

- FPT – Powertrain Technologies: desenvolvimento e produção de motores e

transmissões;

- Teksid do Brasil: produção de peças fundidas em ferro para a indústria

automobilística nacional;

- Case New Holland CNH: fabricação de máquinas agrícolas e de construção;

- Magneti Marelli: produção e comercialização de componentes automotivos;

- Comau: fornecimento de equipamentos de automação industrial;

- Isvor: Instituto de desenvolvimento organizacional do Grupo Fiat, consultoria e

formação de pessoal;

- Fiat Services: consultoria e administração empresarial.

O Grupo Fiat também atua no setor financeiro por meio da Fiat Finanças,

Banco Fidis, CNH Capital e Fides Corretagens de Seguros. A presença do grupo

também se projeta a partir de movimentos em prol da educação e da cultura como a

Fundação Torino e a Casa Fiat de Cultura.

76

Figura 10: Empresas do Grupo FIAT S/A do Brasil

Fonte: Mundo FIAT, 2010

O Grupo Fiat S/A do Brasil tem como presidente o Sr. Cledorvino Belini e

apresenta como Missão: ―desenvolver, produzir e comercializar carros e serviços

que as pessoas prefiram comprar e tenham orgulho de possuir, garantindo a criação

de valor e a sustentabilidade do negócio‖. A Visão do grupo é ―estar entre os

principais players do mercado e ser referência de excelência em produtos e serviços

automobilísticos‖ (FIAT, 2010). Como Valores, o Grupo Fiat apresenta: ―satisfação

77

do cliente‖ (por ser a razão da existência de qualquer negócio), a ―valorização e

respeito às pessoas‖ (por ser o grande diferencial que torna tudo possível), ―atuar

sempre como parte integrante do Grupo Fiat‖ (para que a marca fique mais forte),

―responsabilidade social‖ (forma de crescer em uma sociedade mais justa) e

―respeito ao meio ambiente‖ (como perspectiva do amanhã)15.

Percebe-se que o discurso da organização, a partir do texto apresentado em

sua Missão, Visão e Valores, busca apresentar a Fiat S/A do Brasil como uma

empresa que busca ser líder de mercado, mas que investe em questões como

relacionamento com o cliente e sustentabilidade.

Nota-se como a principal empresa do Grupo no Brasil, - Fiat Automóveis -,

reflete a estratégia proposta na Visão. Instalada em Betim (MG) desde 1976, a Fiat

Automóveis apresenta capacidade produtiva para até 800.000 veículos por ano.

Segundo o site da empresa, em 2009, o faturamento líquido foi de R$ 20,6 bilhões,

11,5% maior que o obtido no ano anterior. Em 2011, a Fiat faz novos investimentos

no Brasil, com um total de R$ 10 bilhões a serem aplicados até 2014.

Além de ampliar a capacidade da fábrica de Betim (MG) para 950 mil veículos

por ano, a Fiat busca sua expansão no País com o início das obras de uma nova

fábrica em Pernambuco, um investimentos de R$ 3 bilhões e que terá capacidade de

produção anual de 200 mil veículos (FIAT, 2010). Dada a importância do mercado

brasileiro para o Grupo Fiat, principalmente pela atuação da Fiat Automóveis no

País, nota-se que o discurso desta organização preza por buscar relações que

extrapolem a relação comercial. Em seu site, dentro de um link denominado ―Mundo

Fiat‖, a empresa apresenta como quer e pretende se relacionar com o povo

brasileiro, buscando articular-se com a sociedade. Nota-se que a organização Fiat,

por meio de suas empresas, investe no relacionamento intersetorial buscando

articular-se com a sociedade:

Compromisso com o Brasil, pioneirismo e inovação como características marcantes, produtos de alta qualidade e tecnologia, design admirado, respeito ao consumidor e responsabilidade social. Desde que chegou ao Brasil, em 1976, a Fiat Automóveis estabeleceu uma relação com o país que extrapola os limites da fábrica e das relações comerciais. (...) Ao eleger a educação e a

_____________________________

15 Todas as informações sobre o Grupo Fiat foram cedidas pela empresa, coletadas a partir da

Revista Mundo Fiat publicada pelo Grupo Fiat S/A do Brasil e o site oficial da organização Fiat.

78

inovação como pilares de suas estratégias socioculturais, a empresa reforça o ideal de contribuir com a formação de cidadãos mais conscientes e criativos. Por acreditar plenamente na união entre desenvolvimento e sustentabilidade, cada passo dessa grande indústria envolve o equilíbrio entre perspectivas econômicas, ambientais e sociais. (FIAT, 2010).

As empresas, como parte de comunidades dinâmicas, buscam ser cada vez

mais participativas. Dentro desta perspectiva, percebe-se que o Grupo Fiat

apresenta enunciados a partir dos seus canais de comunicação (site, revistas, entre

outros) enfatizando o ―equilíbrio entre perspectivas econômicas, ambientais e

sociais, e que valorizem o relacionamento permanente com a sociedade‖ (FIAT,

2010). Desta forma, as estratégias de comunicação não devem se desenvolver

apenas como apoio ao negócio para venda de produtos e serviços. Uma empresa

deve investir na construção do relacionamento com seus públicos de interesse,

como uma importante estratégia de valorização da sua marca (figura 11).

Figura 11: Relacionamento Fiat com os grupos de interesse

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

Além disso, a sociedade apresenta, cada vez mais, demandas às empresas,

levando-as a revisitar sua atuação, valores e posicionamento. Diante de todas as

79

transformações da sociedade, elas se voltam para outras formas de relacionamento

como investimentos em cultura e educação.

Esse fenômeno pode ser atribuído a fatores como o acesso da iniciativa privada aos recursos das leis de incentivo à cultura, a evolução do processo de responsabilidade social, com um comportamento mais estreito das empresas com a sociedade, bem como os novos conceitos aplicados ao marketing corporativo, que fazem da cultura um eixo estratégico do processo de relacionamento e comunicação das marcas com seus públicos. (VILELA, 2009, p.32).

Com esta perspectiva, o Grupo Fiat propõe ―comunicação por atitude‖, na

qual a força da marca se dá pela interação promovida pelas ações com seus grupos

de relacionamento.

Figura 12: Comunicação por atitude

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

A Casa Fiat pode ser vista como uma estratégia de branding que busca

interação por meio de causas e conteúdos da marca Fiat, ―as marcas agem para

gerar resultados para o negócio e beneficiar seus públicos‖ (Casa Fiat de Cultura,

2010). Para Klein (2003) este movimento das empresas que patrocinam ações e

eventos culturais faz parte de um avanço do branding, em que os patrocinadores (no

80

caso as organizações empresariais) buscam referências simbólicas para associar as

suas marcas. ―A maioria dos fabricantes ou varejistas começa a buscar cenários

autênticos, causas importantes e eventos públicos caritativos para que essas coisas

dêem significado a suas marcas‖ (KLEIN, 2003, p.60). Investir em ações que

demonstrem atitudes altruístas é uma forma das organizações se relacionarem com

a sociedade e, para tal, elas investem em valores simbólicos. Como mostra a figura

13, dentre os principais objetivos dos investimentos da Fiat em atitude, estão à

valorização da marca, a reputação de cidadania e o relacionamento com os

interlocutores.

Figura 13: Objetivos do investimento em atitude

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

Neste cenário, a cultura passa a ter uma força no processo de relacionamento

para os investimentos da Fiat em ―atitude‖. Vale ressaltar que a decisão de investir

cada vez mais em cultura foi baseada em dados de pesquisa (figura 14) e na

percepção da organização de que este tipo de investimento proporciona um

importante processo de relacionamento com a sociedade (CASA FIAT DE

CULTURA, 2010).

81

Figura 14: Raio X da Cultura no Brasil

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

Nesta perspectiva, as empresas percebem que para construir estratégias de

comunicação é preciso investir no desenvolvimento de ações que propiciem um

melhor relacionamento com a sociedade. ―Reconhece-se aí a importância de estar

atento às mudanças e de entender a comunicação como movimento‖ (OLIVEIRA,

2009, p.84). Percebe-se que é preciso compreender as práticas comunicativas numa

perspectiva relacional. Avaliar a comunicação somente sob a perspectiva do

emissor, que a partir de um canal, transmite uma mensagem específica a um

receptor, é reduzir a complexidade deste fenômeno a um sistema de transporte de

um ponto a outro. Por isso, os interlocutores envolvidos num processo de

comunicação não podem ser desconsiderados em sua capacidade de produção de

sentido, vistos somente numa condição de codificadores ou decodificadores de

mensagens.

Na figura 15 observa-se como a comunicação é percebida pela Fiat como um

dos quatro pilares para a construção de valor da sua marca e como a cultura

assume um importante papel ao lado de ações como patrocínios, investimentos no

campo social, ambiental e esportivo.

82

Figura 15: Valores corporativos e atributos da marca

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

A ―comunicação por atitude‖ proposta pela marca Fiat demonstra como muitas

empresas estão investindo em um relacionamento diferenciado com a sociedade.

Desta forma, percebe-se o investimento social das organizações como uma

tendência contemporânea, que reflete em ações mais abrangentes como a Casa

Fiat de Cultura. A Casa é uma iniciativa que se apresenta como realizadora de

projetos culturais e educativos, com programação nas áreas de artes plásticas,

música, cinema, educação, seminários e palestras. Assim, pensando na proposta

deste espaço que se apropria de valores simbólicos como a cultura para um

discurso de marca, busca-se demonstrar no próximo tópico alguns dos

investimentos do Grupo Fiat S/A do Brasil em ações culturais, até culminar na

criação da Casa Fiat de cultura.

4.2 Investimentos do Grupo Fiat S/A do Brasil em cultura e a criação do

espaço: Casa Fiat de Cultura

Como a cultura é apropriada e revestida de questões simbólicas para agregar

valor à marca de uma organização? A partir desta pergunta torna-se importante

83

entender o processo de criaçao de um espaço cultural pelo Grupo Fiat S/A do Brasil.

Segundo Vilela (2009), ao criar a Casa Fiat de Cultura em 2006, o Grupo Fiat

buscou consolidar seu compromisso com a sociedade, comemorando, a partir da

criação deste espaço, os 30 anos de atuação no Brasil.

Após cumprir, nos anos 70 e 80, uma trajetória voltada à preservação de patrimônios, ao incentivo à música e à dança, contribuindo também para revelar novos talentos artísticos, a empresa se dedicou – na década seguinte – à promoção da cultura dentro das escolas, envolvendo milhares de professores e alunos de todo o Brasil. (VILELA, 2009, p.33).

Vale ressaltar que a Fiat do Brasil investe em cultura desde os anos 1970 e

que intensificou estes investimentos gradativamente ao longo dos anos, conforme

mostra a figura 16.

Figura 16: Crescimento da Política Cultural Fiat

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

O gráfico demonstra o crescimento dos investimentos culturais desde a

década de 1970 e como a empresa ampliou sua atuação neste campo,

principalmente a partir dos anos 1990. Para compreender o aumento destes

investimentos, busca-se refletir sobre os projetos culturais de maior importância,

como um conjunto de ações socioculturais que passaram a ser desenvolvidos a

partir de 1997, pelo Grupo Fiat S/A no Brasil.

VA

LO

RIZ

ÃO

APROXIMAÇÃO

CASA FIAT DE

CULTURA

CULTURA NA

ESCOLA

CONCORRÊNCIA

FIAT

PATRIMÔNIO

MÚSICA

DANÇA

PUBLICAÇÕES

84

O primeiro foi a coletânea de vídeos, - Retrato do Brasil -, um panorama

cinematográfico realizado sobre o país. No ano de 2000 (três anos após o início do

processo), a Fiat apresentou à sociedade este projeto cultural, associando-o à

comemoração dos 500 anos do descobrimento do país. Esta coletânea de vídeos

(24 filmes de curta-metragem) mostrava as belezas naturais, culturais e humanas do

país e foram distribuídas para várias escolas.

Em continuidade aos investimentos em educação foi lançado em 2002 o

concurso, - O Brasil dos Meus Olhos -, voltado para o público jovem, alunos do

ensino fundamental e médio de todo o país16. O objetivo era que jovens estudantes

brasileiros tivessem a oportunidade de mostrar, por meio de imagens e textos, o que

eles pensavam e sentiam sobre seu país. O projeto mobilizou 31.366 estudantes e

professores de 1.886 escolas públicas e particulares, incluindo a participação de

deficientes visuais, crianças hospitalizadas, membros de comunidades indígenas

entre outros. Foram mais de 30 mil trabalhos inscritos, dos quais, 100 foram

selecionados para compor o livro: ―O Brasil dos Meus Olhos‖.

Em 2003 a Fiat promoveu o concurso literário, - Um Poema Chamado Brasil -,

que consistia na tradução do pensamento dos alunos das escolas do ensino

fundamental e médio de todo o país sobre o Brasil em contos, crônicas ou poemas.

Foram 132.380 trabalhos inscritos. Destes, 62 foram selecionados para integrar o

livro: ―Um Poema Chamado Brasil‖.

Nos anos de 2004 e 2005 a Fiat promoveu o concurso, - Tesouros do Brasil -,

também voltado aos estudantes dos ensinos fundamental e médio, visando à

valorização do patrimônio histórico, natural, artístico e afetivo dos brasileiros. As 40

ações mais representativas e as 20 melhores produções artísticas dos alunos

fizeram parte do livro: ―Tesouros do Brasil‖, editado e distribuído em escolas,

bibliotecas e museus de todo país. Por meio do incentivo à cultura, percebe-se que o

Grupo Fiat buscou se posicionar como parceira da cultura no Brasil. Este percurso

de estimulo às atividades culturais refletiu sobre a decisão de se criar um espaço

físico de promoção à cultura.

Desta forma, em 2006, quando a Fiat Automóveis comemora 30 anos de

chegada ao país, foi inaugurada em Nova Lima, região metropolitana de Belo

Horizonte a Casa Fiat de Cultura, apresentando como objetivos o desenvolvimento

_____________________________ 16

Idem 15

85

de projetos culturais de alto valor ―histórico, artístico e educativo, além de promover

a inclusão cultural e a democratização do acesso às artes‖, por meio de produções

artísticas do Brasil e do mundo (FIAT, 2010).

Figura 17: Casa Fiat de Cultura 1

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

A instituição é mantida pelas empresas do Grupo Fiat S/A do Brasil e aplica

seus recursos em atividades culturais, sendo o primeiro espaço cultural criado por

uma fabricante de automóveis no País (figura 18).

Um empreendimento que não nasceu por acaso. Minas Gerais – terra que abraçou a Fiat e que junto com a empresa se transformou em dos principais pólos industriais e automobilísticos do país – contava com poucos equipamentos culturais adequados para receber exposições de grande porte, que exigem tecnologia museológica. Apresentações de acervos consagrados e exposições internacionais raramente passavam pelo estado. Com a chegada da Casa Fiat de Cultura esse cenário vem se modificando, integrando Minas de forma decisiva no circuito nacional e internacional das artes. (VILELA, 2009, p.33).

86

Figura 18: Casa Fiat de Cultura 2

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

Com moderna tecnologia a infraestrutura da Casa permite que exposições

com alto padrão de exigências técnicas sejam recebidas em Minas Gerais.

Figura 19: Casa Fiat de Cultura 3

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

87

A infraestrutura do local ainda conta com Auditório, Salão de Eventos, Espaço

Multiuso, Café e loja para venda de souvenires.

Figura 20: Casa Fiat de Cultura 4

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

A Casa apresenta como principais objetivos o estímulo à circulação dos bens

culturais, a difusão da cultura brasileira e mundial, à formação do público, à

democratização do acesso às artes e à inclusão social (CASA FIAT DE CULTURA,

2010). Segundo a assessoria de imprensa da Casa Fiat de Cultura17, o espaço atua

como um portal aberto às mais expressivas manifestações culturais, integrando

informação, conhecimento, formação e entretenimento. A programação se destaca

pelo valor histórico, artístico e educativo, contribuindo para o estímulo à produção

cultural, formação de público, democratização do acesso às artes e inclusão social.

Desta foram, a infraestrutura do local oferece acessibilidade universal, através do

atendimento a públicos especiais (figura 21).

_____________________________ 17

Informações fornecidas pela Assessoria de Imprensa da Casa Fiat de Cultura, - Árvore de Comunicação – [email protected].

88

Figura 21: Casa Fiat de Cultura 5

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

Em quatro anos de atuação, a Casa Fiat de Cultura acumula um público de

mais de 250 mil visitantes em oito grandes exposições realizadas com acervos de

importantes museus e coleções do Brasil e da Europa. A figura 22 mostra o aumento

crescente de público da Casa Fiat, desde a sua inauguração em 2006.

Figura 22: Projeção do público da Casa Fiat de Cultura

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

89

A primeira exposição realizada pela Casa Fiat de Cultura foi: A Arte Italiana

do MASP (figura 23).

Figura 23: Arte Italiana do MASP 2006

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

Em 2007, a Casa realizou a exposição inédita: Speed - A Arte da Velocidade.

Figura 24: Speed – A arte da Velocidade 2007

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

90

No ano de 2008, o espaço apresentou a exposição Amilcar de Castro e

lançou o projeto, - Música na Casa Fiat de Cultura -, (recitais de cravo). Em julho do

mesmo ano exibiu simultaneamente as exposições, - Com que roupa eu vou

(figura25) e A Arte nos Mapas.

Figura 25: Com que roupa eu vou - 2008

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

Em 2008 também foi exibida a mostra: Olhar Viajante.

Figura 26: Olhar Viajante - 2008

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

91

De outubro a dezembro foram reunidas 184 obras, entre pinturas, aquarelas e

gravuras, capazes de resumir a experiência dos viajantes europeus que por aqui

passaram no século XIX. Em 2009, a Casa Fiat de Cultura exibiu no mês de abril o

ciclo de palestras: A Arte em Dez Tempos. No segundo semestre do mesmo ano,

celebrando o Ano da França no Brasil, o espaço promoveu o encontro de dois

grandes mestres, Rodin e Chagall (figura 27).

Figura 27: Marc Chagall e Rodin - 2009

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

92

Estas duas exposições trouxeram obras jamais vistas pelo público no Brasil e

marcou o roteiro das artes plásticas no país. Após registrar recorde de público, 124

mil pessoas, a Casa Fiat de Cultura fez um intervalo em suas atividades para

realizar obras de redimensionamento estrutural, com o objetivo de ampliar a

capacidade de suas galerias para 500 kg por metro quadrado. Ao longo do ano de

2010 investiu-se na reestruturação, nas instalações e no aprimoramento da

tecnologia de climatização do ambiente.

Devido à reforma das galerias, a Casa Fiat realizou em parceria com o

Instituto Tomie Ohtake em São Paulo, a exposição de Guignard e o Oriente: China,

Japão e Minas. Depois de receber mais de 50 mil visitantes em São Paulo, a

exposição partiu para Porto Alegre. Desta forma, a marca Fiat tem realizado

exposições fora do seu espaço em Nova Lima. Segundo o presidente da Casa Fiat

de Cultura, José Eduardo de Lima Pereira, não há fronteiras para a arte. ―Por

acreditar em tal ideia é que a Casa Fiat de Cultura busca levar as obras dos grandes

artistas do mundo a diversos pontos do Brasil‖.

Também em 2010, com o tema, - Mutações: a invenção das crenças -, a

instituição realizou pela quarta vez este ciclo de conferências, simultaneamente em

Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília (Ciclo organizado pelo filósofo

Adauto Novaes) nos meses de agosto e setembro.

Figura 28: Ciclo de Palestras Mutações – 2007 / 2010

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

93

Outros projetos realizados pela Casa Fiat de Cultura, além de exposições e

palestras:

- Mostra Jovens Designers, que levou a quatro capitais brasileiras, incluindo Belo

Horizonte, uma exposição de 120 produtos selecionados entre mais de 60

universidades de design de produto de 10 estados brasileiros.

- Parceria com o projeto Sempre um Papo, o seminário ―Filosofia e

Autoconhecimento – Diálogos com Marcia Tiburi‖ - filósofa e escritora gaúcha.

Foram cinco discussões com enfoque no autoconhecimento. Cada sessão contou

com um importante nome da filosofia brasileiro como convidado. Ao final do ciclo

será publicado um livro sobre os temas abordados.

A Casa Fiat de Cultura prepara-se, ainda, para apresentar ao público projetos

inéditos em 2011, dentro da programação do Ano da Itália no Brasil, a ser

comemorado do 2° semestre de 2011 até o 1° semestre de 2012. Para o ano de

2011 está programada a exposição: Roma – A Potência do Império.

Figura 29: Roma – A potencia do Império - 2011

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

Associado ao trabalho de promoção da cultura, a Casa Fiat desenvolve um

programa educativo para atender setores da sociedade: crianças, jovens, adultos,

94

estudantes das redes públicas e privadas e grupos como associações e ONGs, com

objetivo de estimular a busca do conhecimento e a maior interação entre a obra de

arte e o público. Com acesso gratuito, o programa educativo oferece assessoria a

professores, visitas orientadas, palestras e oficinas (CASA FIAT DE CULTURA,

2010).

Todo trabalho cultural assinado pela Casa Fiat de Cultura vem repercutindo

de forma significativa junto à sociedade. Assim a marca torna-se um discurso que

permite a interação emocional e simbólica entre o Grupo Fiat S/A do Brasil e as

pessoas que têm contato com o espaço. O investimento cultural promovido pela

iniciativa privada ―constitui-se como um importante eixo da plataforma de

comunicação, (...) que ultrapassa a relação racional e comercial, agindo no campo

afetivo e fortalecendo os vínculos com a marca‖ (VILELA, 2009, p.36).

Para Vilela (2006), a cultura expande o potencial de relacionamento de uma

marca com seus interlocutores. Desta forma, considerando a marca Casa Fiat de

Cultura como um ato discursivo do Grupo Fiat S/A do Brasil, que se apropria da

cultura para buscar interações, faz-se necessária uma breve reflexão sobre o

conceito de cultura para, posteriormente, refletir sobre o seu significado e as

apropriações simbólicas que a referida organização tem associado a ela.

4.3 Reflexões sobre o conceito de cultura

Afinal, o que é cultura? Este trabalho reflete sobre este conceito, mas não

objetiva-se estabelecer uma definição definitiva, uma vez que se busca apenas

apontar significados associados ao termo. Primeiramente entende-se que a cultura

em seu conceito mais amplo é ponto de partida para compreender a interação entre

classes sociais, uma vez que ela pode ser associada ao desenvolvimento de um

indivíduo, de um grupo ou de uma sociedade. Segundo Eliot (1965), a cultura

individual do ser humano seria formada pela cultura do grupo ou classe social em

que está inserida, que por sua vez é formada pela cultura dominante da sociedade a

que pertence.

Nesta perspectiva, no Brasil, várias seriam as culturas. Um misto de costumes

dos inúmeros povos que constituem a demografia do país. Como resultado da

intensa miscigenação surgiram manifestações culturais próprias de cada um dos

grupos étnicos e entre classes sociais. Desta forma, alguns grupos diferem-se de

95

outros em suas crenças, valores, comportamentos e formas sociais. Segundo

Kaplan (1975), as diferenças de comportamento que se transformam pelos tempos

são evidências da dissimilaridade do homem, a partir de mecanismos coletivos que

visam à diferenciação do comportamento cotidiano. São essas manifestações

exteriores do ser humano que os antropólogos denominam como cultura. A cultura

surge, principalmente, como explicação para as variações em padrões de

comportamento que não poderiam ser explicados biologicamente.

O termo cultura tendia a referir-se à arte, literatura e música. Hoje, contudo, seguindo o exemplo dos antropólogos, historiadores e outros que utilizam "cultura" muito mais amplamente, o termo é utilizado para referir-se a quase tudo que pode ser apreendido em uma dada sociedade, como comer, beber, andar, falar, silenciar e assim por diante. (BURKE, 1989, p.25).

A cultura diz respeito às práticas individuais ou coletivas, mas suas diferentes

manifestações podem levar à distinção de indivíduos ou grupos entre classes. O

desenvolvimento das sociedades foi formado pela diversidade de culturas inseridas

em classes sociais distintas, em que os grupos primitivos eram relacionados à

cultura popular e os indivíduos das elites hegemônicas eram adeptos da cultura

erudita. Vale ressaltar que a expressão ―popular‖ não deve ser associada a

manifestações de classes inferiores, devendo ser entendida como uma forma mais

moderna de designar as manifestações folclóricas de uma sociedade (BURKE,

1989).

Alguns autores como Canclini (1983) atestam que seu conceito esteja

diretamente relacionado a manifestações de um povo, em sua forma de expressão

do mundo e do conhecimento. Para o autor, ―a cultura produz fenômenos que

contribuem, mediante a representação simbólica, as estruturas materiais para a

compreensão ou transformação do sistema social‖ (CANCLINE, 1983, p.29). Desta

forma, para entender a cultura é necessário compreender o povo, pois não há

cultura de elite que seja constituída, ou que não se modifique, na medida da própria

coletivização popular. Pode-se dizer que o conjunto de práticas culturais de uma

sociedade é em grande parte constituída pela maioria de seus habitantes, ou seja, ―o

povo‖.

O conceito de cultura está associado à compreensão de costumes e da

complexidade dos modos de vida, dos usos, das estruturas familiares e sociais, das

crenças, dos conhecimentos e das concepções de valores que se encontram em

96

cada grupo social. Para Durhan (1986) o termo ―cultura‖, não reflete mais o antigo

rigor das fronteiras de classe, pois boa parte dos movimentos sociais não apresenta

mais uma homogeneidade cultural nítida.

Hoje, as minorias desprivilegiadas emergem como novos atores políticos, organizam movimentos e exigem uma participação na vida nacional da qual estiveram secularmente excluídos, passando a possuir uma nova importância na compreensão da dinâmica da transformação da sociedade. (DURHAN, 1986, p.18).

Desta forma, a cultura equivale ao modo de vida da sociedade em todos os

seus aspectos: ideias, crenças, instituições, costumes, leis, técnicas, conhecimentos

etc. Por isso é um termo tão abrangente e carregado de questões simbólicas. A

cultura não está relacionada somente às questões artísticas, é uma criação

individual ou coletiva que envolve valores, comportamentos e imaginário humano.

Percebe-se que é por meio da cultura que se promovem condições para o

desenvolvimento de uma sociedade, estimulando a criação, a produção e a

circulação de bens e serviços culturais, valorizando a memória e a diversidade

cultural.

Em se tratando de cultura pode-se dizer que nada é simples. Cada forma de

manifestação humana tem seu valor e remete a vários significados. Assim, a cultura

pertence a um processo coletivo, em que nossas experiências entram em contato

com novas e fazem com que o sujeito não seja isento de mudanças e evoluções.

Neste trabalho, ao apontar a apropriação deste valor para um discurso de

marca, percebe-se porque ela adquire uma amplitude simbólica. Como já citado, a

cultura é responsável por padrões comportamentais, sociais e ideológicos de uma

determinada sociedade (PINTO, 1995), e pode ser associada a um conjunto de

sistemas, como, por exemplo, a linguagem, as relações econômicas, a arte, a

ciência, a religião, entre outros. Uma vez que a cultura pode ser vista como um

símbolo (signo que será representado em seu interpretante) supõe uma estrutura

dupla, um representante e um representado.

Os símbolos podem ser mais reais do que aquilo que simbolizam, já que o

significante precede e determina o significado. Por exemplo, os símbolos sociais têm

a função de guiar o comportamento dos cidadãos, na medida em que apontam para

seus interpretantes; o papel moeda aponta para o valor financeiro, as bandeiras

97

nacionais apontam para a identidade de seus países, a sinalização de trânsito

aponta para comandos e regras preestabelecidas (PINTO, 1995).

Vale ressaltar que o símbolo não pode ser compreendido somente em uma

suposta função do ―real‖, uma vez que se associa à organização de experiências

sensíveis. Por exemplo, o signo papel moeda remete ao interpretante dinheiro,

moeda de troca, mas pode produzir outros interpretantes como tornar-se um objeto

de coleção. A sinalização de trânsito gera um interpretante associado a regras, que

podem ser cumpridas ou não, depende da mente interpretante.

Todo signo tem uma dimensão triádica: une o conceito (significado) a uma

imagem (significante) e supõe (a coisa, o real). Como se estivesse entre parênteses,

supõe-se que o real é aquilo que nunca se atinge diretamente, mas que está sempre

suposto.

É neste sentido que se percebe a cultura como simbólica, pois ela parte de

uma produção humana e compõe um universo cuja rede de relações e significações

lançam o homem num mundo codificado e repleto de referentes. Desta forma, a

cultura não tem um único significado, pois é resultado da manifestação do homem,

um produtor de símbolos. A cultura assinada por uma marca pode se relacionar a

outros sentidos propostos por uma organização. ―O investimento cultural corporativo

é um dos mais valiosos processos de parceria com a sociedade, (...) diferencia a

empresa no mercado‖ (VILELA, 2009, 32,37).

Esta discussão se fez necessária, pois ao perceber a cultura como elemento

simbólico, sendo apropriada para um discurso de marca, tornou-se essencial buscar

reflexões sobre o seu conceito e suas possíveis formas de representação. Cumprida

esta etapa, apresentam-se a seguir a metodologia proposta para a análise da

apropriação de valores simbólicos em discursos de marca.

4.4 Procedimentos metodológicos

A metodologia deste trabalho foi guiada, primeiramente, por uma pesquisa

bibliográfica que buscou um maior conhecimento sobre autores e teorias que

pudessem contribuir com a reflexão teórica. Após a revisão da literatura, partiu-se

para a escolha de procedimentos metodológicos que contribuíssem para a

organização e consistência das fases da pesquisa empírica.

98

Considerou-se o estudo de caso e seus procedimentos de análise qualitativa

como um método que auxiliaria na análise. O estudo de caso deve ser utilizado

quando se pretende ―examinar eventos contemporâneos, em situações onde não se

podem manipular comportamentos relevantes e é possível empregar duas fontes de

evidência‖ (DUARTE, 2005, P.219). Segundo o autor, estas fontes seriam a

observação direta e aplicação de entrevistas.

A partir da referida técnica buscou-se reunir evidências, partindo do

pressuposto que a marca Casa Fiat de Cultura é um ato discursivo do Grupo Fiat

S/A do Brasil, que se apropria de valores simbólicos como a cultura, para a

construção de estratégias de relacionamento com seus grupos de interesse.

A pesquisa é de característica exploratória. Os estudos exploratórios são

frequentemente usados para gerar hipóteses e identificar variáveis que devem ser

incluídas na pesquisa. Conforme Malhotra (1993, p. 156) a pesquisa com dados

qualitativos é a principal metodologia utilizada nos estudos exploratórios e consiste

em ―um método de coleta de dados não-estruturado, baseado em pequenas

amostras e cuja finalidade é promover uma compreensão inicial do conjunto do

problema de pesquisa‖.

A realidade a ser explorada é a apropriação de valores simbólicos em

discursos de marca, utilizando como objeto empírico a Casa Fiat de Cultura e o seu

contexto de interações com os interlocutores, a partir da sua enunciação. Estudos

exploratórios também fazem parte da metodologia de estudo de caso.

(...) os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se colocam questões do tipo ―como‖ e ―por que‖, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real. (YIN, 2005, p.19).

Para o autor, como estratégia de pesquisa o estudo de caso contribui para o

conhecimento dos fenômenos, sejam eles organizacionais, sociais, políticos, entre

outros, por permitir uma investigação de acontecimentos da vida real, auxiliando

questões como definir o caso a ser estudado, determinando os dados relevantes a

serem coletados e a forma como estes dados devem ser interpretados. Como já

referido, duas fontes de evidências são muito utilizadas por este método: a

observação direta dos acontecimentos e entrevistas com pessoas que estejam

envolvidas.

99

(...) a clara necessidade pelos estudos de caso surge do desejo de se compreender fenômenos sociais mais complexos. (...) O estudo de caso permite uma investigação para se preservar as características holísticas e significativas dos acontecimentos da vida real – tais como ciclos de vida individuais, processos organizacionais e administrativos, mudanças ocorridas em regiões urbanas, relações internacionais e a maturação de setores econômicos. (YIN, 2005, p.20).

Somada a técnica de estudo de caso, propõe-se a análise de discurso

ancorada na teoria do contrato de comunicação proposto por Charaudeau (2006).

Esta teoria propõe que a situação de comunicação se estabelece a partir de

restrições instauradas pelos indivíduos envolvidos e que tal situação é como um

palco no qual se encenam as trocas sociais e aquilo que constitui o seu valor

simbólico. Assim, propõe-se verificar, dentro das regras propostas por Charaudeau

(2006), como se dá a apropriação de valores simbólicos nos discursos de marca e

como os indivíduos reconhecem e se manifestam sobre tal enunciação.

(...) para todo estudo do discurso, é necessário levar em conta que os atores de um determinado contrato de comunicação agem em parte através de atos, segundo determinados critérios de coerência, e em parte através de palavras – construindo, paralelamente, representações de suas ações e de suas palavras, às quais atribuem valores. Essas representações não coincidem necessariamente com as práticas, mas acabam por influir nelas, produzindo um mecanismo dialético entre práticas e representações, através do qual se constrói a significação psicossocial do contrato. (CHARAUDEAU, 2006, p.73).

Tal perspectiva nos leva a demonstrar tanto o discurso produzido pela

organização quanto a produção de sentido dos seus interlocutores. Assim, a

instância de produção será considerada como organizadora da enunciação

discursiva e a instância de recepção será desdobrada, vista sob o ponto de vista de

destinatária, mas levando em consideração as representações que são construídas

por ela, a forma pela qual ela manifesta interesse em consumir tal discurso

(CHARAUDEAU, 2006). Trata-se de pesquisar tanto a construção simbólica como as

manifestações de sentido dos sujeitos.

Neste trabalho, estudar a marca como ato discursivo é uma forma de buscar

compreender as relações e as mensagens das organizações, as quais funcionam

como irradiadoras de índices que apontam para outros componentes do processo

comunicativo. Toda mensagem, seja verbal, visual ou mesmo sonora, está sempre

―prenhe de índices contextuais, situacionais, históricos, culturais, ideológicos,

políticos que apontam, de modo mais ou menos explícito, para o contexto

100

representado na mensagem‖ (SANTAELLA, 2001, p.91). Espera-se que, a partir do

estudo realizado, seja possível compreender as relações que se conformam no

contexto organizacional mediadas pela marca e observar, também, como os

sentidos se manifestam.

Segundo Duarte (2005) a metodologia de estudo de caso pode utilizar seis

fontes distintas para análise de dados: documentos, registros em arquivo,

entrevistas, observação direta, observação participante e artefatos físicos. Utilizou-

se para este estudo documentos e registros em arquivo sobre o objeto empírico

(artigos publicados sobre o Grupo Fiat, informações do site, releases, notas da

assessoria de impressa do Grupo Fiat, arquivos impressos cedidos pela empresa,

entre outros), observação direta (foram feitas várias visitas ao local e aos projetos

realizados no espaço) e entrevistas (tanto com a gestora de cultura responsável pela

Casa, como com os grupos que frequentaram, em algum momento, o espaço).

Foram realizadas 20 entrevistas individuais e em profundidade (do tipo

questionário aberto), com as pessoas que frequentaram atividades culturais e

eventos da Casa Fiat desde a sua inauguração em 2006. Este número mostrou-se

suficiente, uma vez que o objetivo da pesquisa é colher uma amostragem das

possíveis interpretações a respeito do discurso da marca Casa Fiat de Cultura.

Pessoas que frequentaram diferentes eventos foram entrevistadas. Elas foram

fundamentais para mapear as práticas, crenças e valores da organização e para

colher a opinião dos interlocutores. A entrevista em profundidade permite coletar

indícios e perceber a realidade, levantando informações consistentes que permitam

descrever e compreender a lógica que preside tal relação.

A partir do estudo realizado buscou-se perceber as relações que se

conformam no contexto organizacional a partir de um discurso intencional,

transformado em ações de comunicação que se projetam na marca.

Como foi dito, neste trabalho associamos a metodologia do estudo de caso à

teoria da análise de discurso proposta por Charaudeau (2006). O autor propõe que

os indivíduos que se comunicam entre si levam em conta um contrato que se

estabelece em cada situação de comunicação, uma vez que ―toda troca linguageira

se realiza num quadro de co-intencionalidade, cuja garantia são as restrições da

situação de comunicação‖ (CHARAUDEAU, 2006, p.68).

Vale ressaltar que em todo ato de comunicação estão em relação duas

instâncias: uma de produção e outra de recepção. A primeira tem duplo papel, ou

101

seja, fornecer informações e impulsionar o desejo pelo consumo. Não se trata

somente de transmitir, mas de construir representações que despertem a interação

com o outro (CHARAUDEAU, 2006). Desta forma, aponta-se como instância de

produção as organizações e como instância de recepção os grupos de interesse18

que se relacionam com ela. Neste sentido, as referidas instâncias, quando se

comunicam entre si, constroem seus discursos de representação. Nesta relação,

acredita-se que a teoria de Charadeau (2006) ajude a compreender a forma como a

marca é utilizada na interação com a sociedade e porque um valor simbólico como a

cultura é utilizado como estratégia para construir enunciações no contexto das

organizações.

A análise de discurso permite um desafio teórico que busca compreender

como se dá a articulação entre os atores envolvidos neste processo. Cada vez mais,

busca-se entender a mediação que se dá entre o sujeito (com suas intenções,

preferências e estratégias mais ou menos conscientes) e outros atores sociais, que

também participam de um processo discursivo.

Como poderiam trocar palavras, influenciar-se, agredir-se, seduzir-se, se não existisse um quadro de referência? Como atribuiriam valor a seus atos de falas que emitem, um lugar cujos dados permitissem avaliar o teor de cada fala? (...) Como se estabelecem tais restrições? Por um jogo de regulação das práticas sociais, instauradas pelos indivíduos que tentam viver em comunidade e pelos discursos de representação, produzidos para justificar essas mesmas práticas a fim de valorizá-las. (CHARAUDEAU, 2006, p.67).

A teoria de Charaudeau (2006) insere-se nesse esforço, uma vez que propõe

uma análise dos discursos capaz de contemplar as várias dimensões presentes num

ato de linguagem. De acordo com sua perspectiva, é no encontro com o outro que

as identidades e recursos sociais dos parceiros são ou não utilizados e que o

discurso se constrói de uma forma ou de outra.

Vale ressaltar que a interação dos parceiros e o discurso que eles produzem

não estão predefinidos em relação ao momento de interação. Essas expectativas só

se realizam a partir de um processo dinâmico de interação social no qual a natureza

do próprio intercâmbio e do discurso a ser produzido vão sendo construídas

continuamente.

_____________________________ 18

A perspectiva dos possíveis grupos de interesse de uma organização foi apresentada pela figura 1 deste trabalho (página 39).

102

Na concepção de Charaudeau (2006) a intencionalidade dos sujeitos é

complexa. Eles não são meros portadores de uma intencionalidade, nem seres

plenamente conscientes, que agem racionalmente, livres de qualquer adesão

identitária. Os sujeitos são caracterizados como tendo um ―projeto de fala‖, ou seja,

objetivos mais ou menos claros que os motivam na construção de seus discursos e

que são, de certa forma, estratégicos. Esses sujeitos são seres socialmente

situados, portadores de identidades e de recursos específicos que os condicionam

na definição de seus discursos.

Para Charaudeau (2006) todo ato de linguagem realiza-se dentro de um tipo

específico de relação contratual, implicitamente reconhecido pelos sujeitos, e que

define, por um lado, aspectos ligados ao plano situacional - qual a identidade dos

parceiros, seus objetivos, o assunto de que falam, em que circunstâncias materiais -

e, por outro, aspectos relativos ao plano comunicacional e discursivo - quais as

maneiras de dizer ou quais as estratégias discursivas pertinentes. Os contratos de

comunicação funcionam, assim, como parâmetros, ―códigos implícitos‖, expectativas

compartilhadas e mais ou menos institucionalizadas. Desta forma, essas

expectativas referem-se, simultaneamente, às condições de produção e ao discurso

produzido, aos componentes situacionais e linguísticos conjuntamente.

Os contratos de comunicação não são formas gerais e socialmente

compartilhadas de se tipificar os vários atos de linguagem, mas, sim, um intercâmbio

linguageiro que se organiza. Para que esse contrato se estabeleça, é necessário

que o sujeito comunicante tenha seu direito de fala reconhecido pelo sujeito

interpretante, ou seja, que ele seja considerado um sujeito normal, não alienado,

alguém digno de ser escutado.

Esse reconhecimento é conquistado pelo sujeito comunicante, na medida em

que ele consegue apresentar sua identidade, o tema de sua fala e sua motivação

para falar de uma forma que possa ser considerada pertinente - no sentido de

adequada em relação às representações que o sujeito destinatário faz do mundo - e

legítima - no sentido de que o tema e a motivação de sua fala são vistos como

adequados em relação a sua identidade individual e coletiva. Fica claro, portanto,

que o contrato de comunicação não é algo pronto e definitivo.

Nesta perspectiva, para análise e tratamento dos dados coletados, buscou-se

perceber o discurso da marca Casa Fiat de Cultura dentro do contrato de

103

comunicação e das categorias propostas por Charaudeau (2006)19, mencionadas

brevemente a seguir.

Para o autor, toda troca linguageira deve ser analisada reconhecendo as

restrições da situação dos parceiros que nela se inserem. Antes de qualquer

intenção e estratégia particular, há um contrato de reconhecimento das condições de

realização do discurso, questões próprias à situação de troca, dados externos,

características discursivas e dados internos, situação que Charaudeau (2006)

chamou de ―contrato de comunicação‖.

Os dados externos são determinados pelo autor como regularidades

comportamentais dos indivíduos que efetuam as trocas linguageiras, as

representações que atribuem valor ao discurso, para que ele faça sentido. Esses

dados são agrupados em quatro categorias que se relacionam à condição de

enunciação da produção do discurso: condição de identidade (quem são os

parceiros envolvidos na troca), condição de finalidade (qual é o objetivo do discurso),

condição de propósito (do que se trata o discurso) e condição de dispositivo (em que

ambiente se inscreve o discurso, que canal de transmissão é utilizado.

Neste momento, o objetivo é organizar e demonstrar os dados externos

propostos pelo autor, a partir das informações reunidas. Os dados internos são

aqueles propriamente discursivos relacionados ao ―como dizer‖.

Uma vez determinados os dados externos, trata-se de saber como devem ser os comportamentos dos parceiros da troca, suas maneiras de falar, os papéis linguageiros que devem assumir, as formas verbais (ou icônicas) que devem empregar, em função das instruções contidas nas restrições situacionais. (...) São o conjunto dos comportamentos linguageiros esperados quando os dados externos da situação de comunicação são percebidos, depreendidos, reconhecidos. (CHARAUDEAU, 2006, p.70).

Para o autor são três os espaços comportamentais linguageiros: o espaço de

locução (quem toma a palavra e porque tomou a palavra) tem a ver com a forma

como se busca legitimar um discurso, espaço de relação (onde se estabelece as

relações de troca, no qual o sujeito falante constrói sua identidade de locutor e

busca relações com o seu interlocutor) e o espaço de tematização (organização do

saber ou tema proposto na troca introduzido pelos participantes do ato discursivo).

_____________________________ 19

As categorias propostas por Charaudeau (2006) já foram explicitadas no segundo capitulo deste trabalho, no tópico 2.3: A marca como ato discursivo das organizações (página 36).

104

Se é verdade que o sujeito falante está sempre determinado pelo contrato de comunicação que caracteriza cada situação de troca (condição de sociabilidade do ato de linguagem e da construção de sentido), é apenas em parte que está determinado, pois dispõe de uma margem de manobra que lhe permite realizar o seu projeto de fala pessoal, ou seja, que permite manifestar um ato de individualização: na realização do ato de linguagem, pode escolher os modos de expressão que correspondem a seu próprio projeto de fala. (CHARAUDEAU, 2006, p.71)

Desta forma, dentro do contexto específico de uma organização, a Casa Fiat

de Cultura, pretende-se perceber a marca como um discurso, a enunciação proposta

em sua perspectiva simbólica (se legítima ou não), e a forma como os interlocutores

produzem sentido a partir desta relação. Apresenta-se a seguir a análise dos dados,

a descrição analítica dos resultados da pesquisa e das informações relevantes que

foram coletadas e observadas.

105

5 O DISCURSO DA CASA FIAT DE CULTURA E A PRODUÇÃO DE SENTIDOS A

PARTIR DA INTERAÇÃO COM A MARCA

A amplitude da atividade cultural permite uma interação emocional, intelectual e transformadora entre a empresa e as pessoas, que ultrapassa a relação racional e comercial, agindo no campo afetivo e fortalecendo os vínculos com a marca. (VILELA, 2009, p.35,36).

O objetivo deste capítulo é o de fazer uma análise da marca Casa Fiat de

Cultura em sua condição de discurso, por meio de dados secundários (material

sobre a organização) e da observação dos eventos e das visitas feitas ao espaço.

No primeiro momento, a partir da análise da marca e da forma como a empresa

busca interagir com seus grupos de interesse, percebeu-se como o discurso é

elaborado e, num segundo momento, apresenta-se a análise do material coletado na

pesquisa qualitativa. As reflexões sobre o objeto empírico e os sentidos produzidos

por seus interlocutores compõem o conteúdo deste capítulo.

5.1 O discurso da marca Casa Fiat de Cultura

A disseminação da marca no espaço social fez com que ela ocupasse um

crescente papel de elemento discursivo nas relações com a sociedade. Em virtude

da capacidade de formatar sentidos, percebe-se que a marca Casa Fiat de Cultura

tornou-se um dispositivo que permite comunicar as intenções da organização. Desta

forma, se converte em discurso, seja para vender, convencer, seduzir ou propor

projetos. Vale ressaltar que a defesa da marca como discurso que se apropria do

simbólico ancora-se em sua capacidade de construir e veicular significados

propostos por organizações.

Estes discursos podem se organizar em narrativas explícitas fortemente estruturadas e organizadas, como no caso da comunicação comercial e na publicidade, mas elas podem, igualmente, ser veiculadas por um grande número de outras manifestações de marca, que funcionam então como tantos outros atos discursivos, mesmo não seguindo o mesmo caminho da comunicação publicitária tradicional. (SEMPRINI, 2006, p.106).

106

Desta forma propõe-se que as organizações usam de seu referencial

simbólico para criar discursos, em que os interlocutores possam se identificar com o

proposto. É por meio da marca e deste emaranhado de símbolos empregados no

discurso que se propõem os significados, uma vez que estes símbolos precisam ser

interpretados, gerados e lidos no contexto social e cultural da organização. Assim se

efetiva um processo de comunicação organizacional.

Na tentativa de refletir como podem ser criados e lidos estes discursos

repletos de simbolismo, iniciam-se os trabalhos de análise empírica do fenômeno.

Primeiramente é relevante explicitar como a Casa Fiat de Cultura tornou-se uma

marca, que se articula ao discurso do Grupo Fiat S/A do Brasil em defesa da

sustentabilidade, tornando-se conseguentemente, uma estratégia de

relacionamento.

A pesquisa de dados secundários nos mostra como a organização Fiat

justifica a criação da Casa Fiat de Cultura dentro da política de sustentabilidade

(conceito associado a manter o equilíbrio entre aspectos econômicos, sociais,

culturais e ambientais da sociedade humana). No site da Fiat20 observa-se um

processo discursivo que demonstra que as empresas devem buscar outras formas

de relacionamento (que não sejam apenas comerciais) com a sociedade.

Por acreditar plenamente na união entre desenvolvimento e sustentabilidade, cada passo dessa grande indústria envolve o equilíbrio entre perspectivas econômicas, ambientais e sociais. Também por compreender que as empresas são parte de comunidades dinâmicas, e cada vez mais participativas, a Fiat valoriza o relacionamento intersetorial, articulando-se, permanentemente, com o governo e a sociedade civil. (FIAT, 2010).

Pode-se perceber a relaçao com o que Charaudeau (2006) chama de

―discurso de representação‖, uma enunciação que busca divulgar ideias que se

tornem valores aceitos pela sociedade. Nesta perspectiva, o discurso vai sendo

criado para promover o interesse dos parceiros convocados para a situação de

comunicação. A enunciação busca valorizar a atitude da organização quando ela

afirma promover o equilíbrio entre perspectivas econômicas, ambientais e sociais e

não somente a fabricação de produtos em larga escala.

___________________________ 20

www.fiat.com.br

107

Para Charaudeau (2006), antes de qualquer intenção ou estratégia de

relacionamento é necessário promover um contrato de reconhecimento das

condições de realização da troca linguageira.

Assim, a marca se encarrega de envolver os interlocutores para que estes

tenham vontade de participar do discurso proposto. Neste processo ela é utilizada

para selecionar elementos que deem significado ao processo discursivo, produzindo

uma narração pertinente e atraente.

Figura 30: O discurso de sustentabilidade Fiat

Fonte: Casa Fiat de Cultura (2010)

Vale ressaltar, que o discurso não é legitimado apenas por ser enunciado. É

preciso que a organização promova ações que atestem o que está sendo dito. Para

Charaudeau (2006) a finalidade do contrato de comunicação segue uma lógica

comercial que busca enunciar de forma credível para ―convencer‖ da ideia que se

vende. Para o autor, a representação discursiva é idealizada para se legitimar

socialmente.

108

Nesta perspectiva, nota-se que o poder simbólico de uma marca está

associado a sua capacidade de articular um projeto de sentido que seja reconhecido

e que se materialize nas várias ações de comunicação. Por exemplo, se a Fiat

discursa sobre a sustentabilidade, suas ações de marca (anúncios, revistas ou

espaços como a Casa Fiat de Cultura) tornam-se representações do que está sendo

dito e atuam para gerar sentidos que legitimem sua enunciação. A marca busca

apropriar-se de uma realidade que faz sentido para as pessoas e que é reconhecida

por elas (no caso o discurso organizacional sobre a sustentabilidade).

A partir da figura 30, é possível observar duas manifestações discursivas

sobre o conceito de sustentabilidade. A primeira é a revista da organização,

intitulada ―Mundo Fiat‖, que traz como conteúdo uma série de discussões sobre

assuntos em voga na sociedade e sobre os projetos executados pela Fiat S/A do

Brasil. A edição de número 98, de 2009, trouxe como tema ―o desafio da

sustentabilidade‖, uma forma de atestar a preocupação da empresa com o referido

tema.

Nota-se que a estratégia é apropriar-se de uma mudança, um comportamento

e agir no sentido de construir e consolidar a reputação, uma vez que este processo

preserva as redes de relacionamento que promove com a sociedade. Desta forma,

nas organizações, as marcas podem ser entendidas como elemento estratégico,

elaborado a partir de uma perspectiva simbólica para a sustentação de suas

relações com os interlocutores.

Dentro do que Charaudeau (2006, p.68) chamou de ―dados externos, (...) a

identidade dos parceiros engajados na troca é a condição que requer que todo ato

de linguagem dependa dos sujeitos que aí se acham inscritos‖. A forma como o

discurso é elaborado deve levar em consideração aspectos como quem são os

sujeitos envolvidos? Quem fala para quem? Reconhecer quem são os parceiros aos

quais se dirige o discurso é perceber que traços relacionados ao sexo, etnia, status

social, econômico, cultural, entre outros, serão relevantes para que faça sentido.

Observa-se no anúncio (figura 30), o seguinte enunciado: ―O mundo que vamos

deixar para nossos netos depende dos carros que estamos fazendo hoje - Fiat 500,

o carro do nosso tempo‖. Este texto reflete como a marca busca associar o seu

produto a valores que não são diretamente comerciais.

Se as marcas ignoram as tendências e preocupações que estão sendo

discutidas em seu ambiente relacional, elas podem enfraquecer-se. Semprini (2006)

109

defende que a marca é uma entidade ―viva‖ e que para manter seu caráter simbólico

é preciso estar em constante evolução referente às mudanças do seu ambiente. Se

a contemporaneidade é um tempo em que se discutem constantemente sobre as

formas de preservação do planeta, uma empresa que não se manifesta frente a

estas preocupações, corre o risco de tornar-se obsoleta. O processo de discurso

deve abarcar os acontecimentos do mundo (CHARAUDEAU, 2006).

Desta forma, aponta-se como a Fiat S/A do Brasil investe em um discurso

contemporâneo (como a sustentabilidade), reforçando-o na sua missão:

―desenvolver, produzir e comercializar carros e serviços que as pessoas prefiram

comprar e tenham orgulho de possuir, garantindo a criação de valor e a

sustentabilidade do negócio‖ (FIAT, 2010).

Uma empresa não se define somente pelo seu nome, estatuto, serviço ou

produto, mas também pela sua missão, que é vista no mundo empresarial como a

razão de existir da organização e a forma como ela busca tornar possível seus

objetivos (DRUCKER apud PAGNONCELLI, 1992). A missão deve estar alinhada

aos demais discursos produzidos pela empresa. Outra questão é o ―jogo‖ discursivo

promovido pela organização. Dentro do seu segmento de atuação, a Fiat fala de

responsabilidade social associada à comercialização dos seus produtos. O discurso

institucional está relacionado ao compromisso com o Brasil e à qualidade de seus

produtos demonstrado no enunciado abaixo.

Compromisso com o Brasil, pioneirismo e inovação como características marcantes, produtos de alta qualidade e tecnologia, design admirado, respeito ao consumidor e responsabilidade social. Estes atributos compõem o perfil da Fiat, uma das empresas com maior crescimento no mercado brasileiro e líder de vendas no setor. (FIAT, 2010).

Para Charaudeau (2006) o discurso pode reporta-se a um macro-tema, como

por exemplo, compromisso com o Brasil, respeito ao consumidor, responsabilidade

social. É possível também que se acrescente a ele outros temas e subtemas como

produtos de alta qualidade, liderança, empresa com maior crescimento no mercado

brasileiro, líder de vendas no setor. Valorizar o relacionamento com os cidadãos do

país em que a empresa atua também é uma forma de promover a pertinência do seu

discurso.

Abaixo, pela figura 31, pode-se perceber a importância comercial do mercado

brasileiro para a Fiat, um dos motivos pelos quais nota-se a finalidade do seu

110

discurso ―condição que requer que todo ato de linguagem seja ordenado em função

de um objetivo‖ (CHARAUDEAU, 2006, p.69).

Figura 31: Grupo Fiat no Brasil - 2009

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

A importância do mercado brasileiro pode ser observada pelo volume de

produtos vendidos e pelo faturamento alcançado no país, um dos objetivos pelos

quais se percebe que uma ―empresa busca se relacionar com todos os públicos

através de vários canais e atitudes‖ (figura 32). Observa-se no anúncio que as duas

mãos entrelaçadas se convertem num globo. A imagem simbólica de um mundo

formado pela parceria, uma forma de se apropriar do conceito de união para o bem

coletivo. Como todo ato de comunicação põe em relação duas instâncias, uma de

produção e outra de recepção, a instância de produção (no caso da figura 32 a

organização Fiat), assume um duplo papel ―de fornecedor de informação, pois deve

fazer saber, e de propulsor do desejo de consumir as informações, pois deve captar

seu público‖ (CHAURAUDEAU, 2006, p.72).

111

Figura 32: Públicos do grupo Fiat

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

Desta forma, exaltar a importância do relacionamento com o povo brasileiro é

uma forma de despertar o interesse da instância de recepção (no caso, seus grupos

de interesse).

A brasilidade é outro valor percebido no discurso do Grupo Fiat, é um dos

conceitos que ela utiliza para defender sua atuação no país. A Fiat estabeleceu

―uma relação com o país que extrapola os limites da fábrica e das relações

comerciais. Hoje, a montadora sustenta um forte relacionamento de compromisso e

respeito com a sociedade brasileira‖ (FIAT, 2010).

Ao buscar enunciações que exaltem os traços, a identidade dos

interlocutores, a empresa torna-se um espaço de relação, onde se manifestam as

identidades dos sujeitos envolvidos na troca linguageira. Nesta relação o sujeito

falante se posiciona como locutor e estabelece ―relações de força ou de aliança, de

exclusão ou de inclusão, de agressão ou de convivência com o interlocutor‖

(CHARAUDEAU, 2006, p. 71).

112

Figura 33: Grupo Fiat na vida de cada brasileiro

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

A partir da expectativa de sentido em que se baseia o discurso, os envolvidos

têm como objetivo induzir o outro a sua própria intencionalidade. Por exemplo, se o

Grupo Fiat tem como intenção buscar interações com o povo brasileiro, o povo, por

sua parte, precisa sentir que está sendo, de fato, reconhecido e valorizado nesta

relação. Existe uma expectativa de sentido entre emissor e receptor com relação ao

que é proposto por um discurso. A partir desta expectativa é que as duas instâncias

conduzirão a sua enunciação.

Ao perceber o discurso da Fiat em prol da sustentabilidade, associado à

defesa do seu negócio, supõe-se que a criação da Casa Fiat de Cultura é um ato

discursivo da marca Fiat S/A do Brasil, ou seja, uma forma de promover o seu

negócio, articulando-se com a sociedade por meio da valorização de iniciativas que

propiciem o relacionamento.

A finalidade deste espaço cultural está associada às quatro visadas propostas

por Charaudeau (2006). A primeira visada é chamada prescritiva (levar o outro a agir

conforme o proposto) quando utiliza o discurso: ―desenvolver, produzir e

comercializar carros e serviços que as pessoas prefiram comprar e tenham orgulho

de possuir‖. A compra de um carro Fiat pode ser influenciada pela percepção do

consumidor que acredita nos projetos voltados para sustentabilidade. Ele pode

acreditar no discurso proposto e agir estimulado por ele. Criar um espaço que apoia

113

projetos culturais é uma forma de investir em uma necessidade social (a formação e

transformação das pessoas pelo acesso às artes, por exemplo). Esta iniciativa atrai

e conquista um grande público e repercussão midiática, e se constitui em um

importante eixo da plataforma de comunicação da Fiat S/A no Brasil (VILELA, 2009).

A segunda visada é chamada informativa: transmitir um saber a quem se

presume não possuí-lo (CHARAUDEAU, 2006). Ela pode ser percebida na

enunciação abaixo.

A Fiat é a primeira montadora no país a criar e manter um espaço cultural. Localizada em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, a instituição tem, como convergência , a arte e a cultura integradas ao conhecimento, um diálogo permanente com a sociedade. (...) Minas Gerais – terra que abraçou a Fiat e que junto com a empresa se transformou em dos principais pólos industriais e automobilísticos do país – contava com poucos equipamentos culturais adequados para receber exposições de grande porte, que exigem tecnologia museológica. Apresentações de acervos consagrados e exposições internacionais raramente passavam pelo estado. Com a chegada da Casa Fiat de cultura esse cenário vem se modificando, interando Minas de forma decisiva no circuito nacional e internacional das artes. (VILELA, 2009, p. 33).

O texto acima assume o papel de discurso informativo sobre a importância de

uma organização privada investir em projetos que não sejam diretamente

comerciais. Ao apresentar o espaço, várias informações são exaltadas para valorizar

a Fiat S/A do Brasil e a importância da criação desta ―casa cultural‖. ―A Fiat é a

primeira montadora no país a criar e manter um espaço cultural‖ (VILELA, 2009, p.

33).

Percebe-se como é exaltada a postura da empresa. ―Minas Gerais (...)

contava com poucos equipamentos culturais adequados para receber exposições de

grande porte‖ (VILELA, 2009, p. 33). Observa-se que o discurso investe na

justificativa da criação do espaço. ―Apresentações de acervos consagrados e

exposições internacionais raramente passavam pelo estado‖ (VILELA, 2009, p. 33).

Apontam-se como os interlocutores da empresa devem ser informados de questões

importantes para a defesa do discurso. ―Com a chegada da Casa Fiat de cultura

esse cenário vem se modificando, interando Minas de forma decisiva no circuito

nacional e internacional das artes‖ (VILELA, 2009, p. 33). As informações

apresentadas objetivam valorizar a expectativa de sentido proposta, a fim de

contribuir para que o outro - no caso os grupos de interesse da Fiat - sejam

incorporados à intencionalidade proposta.

114

A terceira visada proposta por Charaudeau (2006) é denominada incitativa:

levar o outro a pensar que o que está sendo dito é verdadeiro. Observa-se esta

visada no enunciado abaixo.

Com uma ampla programação que abrange exposições, ciclos de conferências, oficinas, cursos e palestras, concertos de música e cinema, a instituição já recebeu um público de 132 mil pessoas nos primeiros três anos de atuação. Mantida pelas empresas do Grupo Fiat no Brasil, com um caráter de associação cultural sem fins lucrativos, a instituição aplica seus recursos na realização de atividades culturais, artísticas e educativas com acesso gratuito a toda programação. Entre seus objetivos destacam-se o estímulo à produção cultural, à formação de público, à democratização do acesso às artes e à inclusão social. (VILELA, 2009, p. 33, 34).

O trecho acima busca convencer o leitor/receptor a acreditar e legitimar o

discurso organizacional. Percebe-se como a Casa Fiat de Cultura articula suas

ações, estratégias e ferramentas de comunicação para agregar valor a sua marca e

consolidar uma boa imagem. Abaixo segue uma série de ferramentas de

comunicação que foram utilizadas para promover o espaço e as ações da Casa.

Percebe-se que por meio de uma comunicação integrada, a marca investe em várias

possibilidades de legitimar o seu discurso.

Figura 34: Ferramentas de Comunicação exemplo 1

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

115

A partir do momento que a iniciativa é noticiada de forma positiva (figura 34),

a credibilidade e o reconhecimento de uma organização podem aumentar. Os

discursos enunciados por meios de comunicação credíveis constroem referências

sobre a expectativa da informação dos interlocutores. A organização que está sendo

notícia (no caso, a Casa Fiat de Cultura) não é mais a enunciadora direta da

mensagem. Ela apenas empenha-se, por meio das suas ações, para rentabilizar seu

produto e eventos culturais.

Para tal, a composição de um todo comunicacional que faça sentido deve ser

organizado. Quando a organização gerencia suas interações comunicacionais,

adotando uma sistemática complexa de procedimentos – incluindo pesquisas,

planejamento, implementação, avaliação e controle, pode-se dizer da gestão de

seus processos comunicacionais. E é nesta perspectiva de gestão que encontramos

o conceito de comunicação integrada, num entendimento de que os relacionamentos

organizacionais serão tanto mais efetivos, quanto forem orientados estrategicamente

(LIMA, MAIMONI, 2011).

Figura 35: Ferramentas de Comunicação exemplo 2

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

116

A ideia de integração dos esforços de comunicação pode ser vista como

estratégia mercadológica das organizações com o objetivo de conquistar a confiança

dos seus interlocutores. Integração, neste sentido, compreende a coordenação das

funções mercadológicas das organizações, de modo que suas mensagens de marca

sejam consistentes e coerentes. Percebe-se a partir da divulgação midiática e da

composição de peças de divulgação da Casa que a comunicação integrada tem

como objetivo maior manter a coerência discursiva na interação da organização com

seus interlocutores.

Figura 36: Ferramentas de Comunicação exemplo 3 Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

O uso dos meios digitais (figuras 37 e 38) é outra forma de discurso. A prática

da comunicação integrada está relacionada, ainda, a conteúdos múltiplos. As

transformações do mercado e das ferramentas tecnológicas envolvidas em

processos de comunicação, tais como internet, vídeo conferência, salas de bate-

papo, entre outros, também têm alterado as formas de interação entre organizações

e sociedade. A Internet se institui como uma mídia de grande visibilidade, uma vez

que os sentidos que se dão neste contexto produzem repercussões importantes

117

sobre os modos de circulação de conteúdos e sobre a formação da cultura e da

sociedade contemporânea.

Figura 37: Ferramentas de Comunicação exemplo 4

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

Figura 38: Ferramentas de Comunicação exemplo 5

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

118

De forma estratégica, as oportunidades de interação com os interlocutores

organizacionais devem receber todo o apoio de meios que favoreçam um claro

posicionamento das organizações frente a questões de interesse destes (OLIVEIRA;

PAULA, 2007).

Figura 39: Ferramentas de Comunicação exemplo 6

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

A comunicação integrada torna-se um conjunto de ações desenvolvidas para

agregar valor ao posicionamento estratégico de uma marca, que se utiliza de várias

formas discursivas para a otimização dos seus esforços e para a construção de um

todo organizacional coerente. Uma coletividade que age de forma organizada e

articulada, com base em objetivos compartilhados (bem definidos e convergentes)

para, assim, alcançá-los de forma eficaz (LIMA; MAIMONI, 2011).

(...) Comunicação integrada: segundo o professor Wilson da Costa Bueno, ela consiste no conjunto articulado de ações, estratégias e ferramentas de comunicação desenvolvidas por uma empresa com o objetivo de agregar valor à sua marca ou de consolidar a sua imagem junto a públicos específicos ou a sociedade como um todo‖. (VILELA, 2009, p.35).

119

Figura 40: Ferramentas de Comunicação exemplo 7

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

A comunicação integrada assume o papel, portanto, de um conjunto de ações

desenvolvidas para agregar valor ao discurso de uma organização. Para Vilela

(2009) um conjunto articulado de ações, estratégias e ferramentas de comunicação

que são desenvolvidas por uma empresa e que objetiva agregar valor a sua marca e

consolidar a sua imagem junto à sociedade como um todo (seja por meio da

veiculação em meios de comunicação, visitas guiadas, souvenires ou exposições).

Nota-se como a Casa Fiat busca se estabelecer como uma marca que interage e

atende a todos os públicos, como mostra o enunciado abaixo.

Com programação que atende a todos os públicos – crianças, jovens, universitários e adultos –, a Casa Fiat quer fazer parte da vida das pessoas, contribuir com a formação de massa crítica, na tradução e interação produtiva entre público e conteúdo, sendo mediadora na apreensão do conhecimento. Como filosofia de trabalho, a Casa Fiat de Cultura desenvolve programas educativos para estimular a busca do conhecimento entre os jovens, conectando a obra de arte ao público. Voltado tanto para estudantes quanto para o público em geral, o serviço educativo inclui atividades lúdicas, laboratórios e visitas orientadas, sempre vinculadas às exposições promovidas pela instituição. (FIAT, 2010).

120

Para convencer da veracidade de um discurso, nota-se como é importante

promover o contato com o público a partir de ações que comprovem o que está

sendo dito. As estratégias de marca assumem o papel de representações que

acabam por influir sobre o seu discurso e os significados que serão construídos

pelos interlocutores. Desta forma, dada a importância do processo de produção de

sentido, apresenta-se no próximo tópico, de forma mais específica, o resultado da

pesquisa empírica com os frequentadores da Casa Fiat de Cultura. Percebe-se que

os sentidos gerados são parte da consolidação desta marca.

5.2 A produção de sentido a partir da interação com a marca

No processo de compreensão da construção de sentidos é importante

analisar e entender como as pessoas que frequentam o espaço da Casa Fiat de

Cultura o percebe. As entrevistas com este pûblico nos demonstram que a Casa é

entendida como uma iniciativa importante para a ampliação da cultura na cidade e

que de fato contribui com a formação de massa crítica, sendo mediadora na

apreensão do conhecimento.

Aqui você é bem-vindo, bem recebido, eu gosto muito. As exposições escolhidas aqui também são das melhores. (INTERLOCUTOR 1).

Oferece a oportunidade de a gente estar interagindo com estas manifestações na área de Filosofia, na área das artes visuais, bem interessante isto. Eu acho que é levar essas manifestações de cultura no modo geral. (INTERLOCUTOR 3).

Entendo que a Casa Fiat de Cultura tem entre seus objetivos a difusão das artes e da cultura brasileira. Para tanto, o espaço oferece diferentes possibilidades de intercâmbio e fruição de diferentes manifestações artísticas. (INTERLOCUTOR 5).

Por meio das entrevistas, retomamos a proposta teórica das ―visadas‖

(CHARAUDEAU, 2006). A última e quarta visada proposta, a do páthos (provocar no

outro um estado emocional agradável ou desagradável), nos indica como a marca se

manifesta em sua característica simbólica. A partir das experiências com a marca é

possível perceber como os sujeitos percebem e se manifestam emocionalmente

sobre suas ações.

121

Especialmente por meio da cultura, a marca pode agir em 360o. Se a

política cultural de uma empresa reflete o seu jeito de ser, ela permite a construção de laços mais fortes e permanentes com seus públicos. Favorece também uma experiência única da marca com sua rede de relacionamentos: empregados e familiares, revendedores e fornecedores, clientes e consumidores, formadores de opinião, governo, imprensa, terceiro setor e comunidade, agregando a essa rede, públicos estratégicos ligados à atividade cultural. (...) A cultura, portanto, expande o potencial de relacionamento e de comunicação de valores e princípios de uma marca. (VILELA, 2009, p.36).

As entrevistas nos indicam que existe assimilação por parte dos

frequentadores do espaço e como são impactados pelo contato com as ações da

Casa Fiat de Cultura. Alguns discursos coletados confirmam como há uma

articulação entre as respostas.

O objetivo da Casa Fiat é transmitir para as pessoas a importância da cultura nas nossas vidas. Oferece lazer e através dele aumenta o meu conhecimento. (INTERLOCUTOR 14).

Me oferece conhecimento e lazer. Seu objetivo é difundir cada vez mais a cultura em nossa cidade. (INTERLOCUTOR 15).

Ela proporciona maior conhecimento referente à arte. (INTERLOCUTOR

17).

Em relação ao que pensam do espaço de cultura assinado por uma empresa,

as pessoas manifestaram apoio à iniciativa, valorizaram a ação da Fiat e citam

outras empresas que também promovem a cultura.

Eu acho que faz parte da nossa cultura social mesmo, as empresas patrocinam, então isto é uma coisa que eu não vejo diferente. É a Casa Fiat, é a Vale, é o Banco do Brasil, e daí vai... Acho bem bacana, sempre apoiei e apoio. (INTERLOCUTOR 1).

Essas empresas se diferenciam com certeza! Eu acho que é um compromisso importante, bacana, eu acho que devia até ser geral. Deveria ser um compromisso de todas as grandes empresas. Não vejo nenhum problema esse tipo de espaço ser assinado por uma marca, acho até legal. Eu acho que está levando o propósito pra marca, divulgando uma preocupação social de responsabilidade. Eu acho que agrega pra marca e agrega pra cidade, uma troca bacana. (INTERLOCUTOR 6).

Apropriar-se da cultura como um discurso de marca é uma estratégia que

diferencia a empresa frente às demais. O espaço Casa Fiat de Cultura, embora seja

uma instituição sem fins lucrativos e não diretamente voltada a objetivos comerciais,

122

acaba se convertendo em uma marca que contribui para o reconhecimento de boas

iniciativas do Grupo Fiat S/A do Brasil. Como demonstra a figura 41, ―o investimento

cultural corporativo é um dos mais valiosos processos de parceria com a sociedade‖.

Figura 41: Investimento cultural corporativo

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

Acredita-se que este tipo de investimento contribui para reconhecimento do

Grupo Fiat e que seus discursos constroem sentidos de credibilidade e preocupação

com o social.

Figura 42: Reconhecimento da Marca Fiat

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

123

De fato, iniciativas como a Casa Fiat de Cultura podem expandir o potencial

de relacionamento com a sociedade, mas é importante lembrar que a instância de

recepção é portadora de um ―conjunto impreciso de valores ético-sociais e,

acrescentemos afetivo-sociais‖ (CHARAUDEAU, 2006, p.79), que devem ser

levados em consideração. O interlocutor é capaz de avaliar seu interesse com

relação àquilo que é proposto e separar o que ele percebe como verdadeiro,

confiável e autêntico. Por mais que a cultura seja reconhecida como valioso

processo de relacionamento com a sociedade, a pesquisa indicou que o público

frequentador também reconhece as estratégias implícitas nesta iniciativa.

Acredito na atitude responsável de empresas que criam espaços e promovem cultura e muitos países já mostraram que esse compromisso social é possível. No entanto, no Brasil, ainda estamos a passos lentos na construção de um compromisso coletivo de promoção da cultura. Vivemos distorções no uso dos recursos oriundos de leis de incentivo, com concentrações absurdas e promoção desequilibrada de interesses privados. Empresas que promovem cultura com compromisso coletivo ainda são poucas e a cultura acaba sendo somente ―um adereço‖ do negócio, sem concentração e sem permanência. (INTERLOCUTOR 5).

Eu acho que é uma troca, né. Não sei se é muito justa ou não. (...) sem dúvida, a gente associa muito a marca ao que ela faz. Então, se faz alguma coisa que você gosta, por exemplo, Usiminas, eu não conheço a Usiminas, mas pra mim, cinema é Usiminas, porque eu vou no Usiminas e tenho contato com ele constantemente. Se muda o patrocinador eu já tenho uma dificuldade, pra mim. Cinema sempre vai ser Usiminas. Então eu acho que as empresas deveriam investir nisso, porque elas vão ter um ganho muito maior do que elas próprias imaginam. Porque a gente conhece determinado produto não pelo nome dele, mas pela marca. (INTERLOCUTOR 7).

Eu acho interessante que essas empresas tenham esta preocupação, tipo a Fiat a Petrobras e CEMIG que financiam vários projetos no Palácio das Artes que eu já vi. (...) A empresa esta aqui, usa a mão de obra daqui, está produzindo e vendendo aqui, é uma forma de nos dar um retorno daquilo que ela está fazendo aqui. Porque ela está tendo lucro, então ela tem que dar um retorno pra nossa cidade daquilo que ela está tirando dela. (INTERLOCUTOR 9).

Uma coisa complexa, porque tem todo o problema do acesso e da circulação da cultura, quer dizer, qual é o tipo de cultura que vai ser mostrado neste espaço? O fato de ter uma marca neste espaço interfere na produção da cultura. Na verdade é uma relação entre o mercado e a arte. Você meio que direciona a produção artística, você tem uma arte que fica de fora de um espaço de visibilidade. (INTERLOCUTOR 11).

A marca formata o ―como dizer‖ as formas verbais (ou icônicas) que serão

124

empregadas em função da situação de comunicação. Embora a organização

construa um projeto de sentido é por meio da interação que ele se legitima.

Vemos, então, que qualquer discurso, antes de representar o mundo, representa, primeiro, uma relação. Isso porque o objetivo do homem na fala não é o de descrever e explicar o mundo, mas, sim, reconhecer-se no mundo, relacionar-se com o outro para, então, se perceber no mundo. Ou seja, o sujeito informador deve conhecer a situação de troca na qual está inserido, suas características e as características de seu interlocutor para que seu discurso seja elaborado e direcionado ao outro. (BASTOS; LIMA, 2009).

Se a partir da interação o discurso se legitima, percebe-se na Casa Fiat de

cultura a preocupação com esta relação. O espaço investe em programas de diálogo

permanente com seus interlocutores que abrange desde personalidades do meio

artístico a estudantes de todos os níveis.

Figura 43: Gestão do relacionamento 1

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

O diálogo é proporcionado por ações com a comunidade do entorno,

qualificação de profissionais terceirizados para atendimento, um canal de ―Fale

Conosco‖, análise dos feedbacks recebidos, relatório de visitas, acompanhamento

da opinião de especialistas, entre outras ações (CASA FIAT DE CULTURA, 2010).

125

Nota-se que todo este acompanhamento é uma das formas de promover a Casa,

uma das estratégias discursivas utilizadas para estabelecer-se como ―espaço de

locução‖: a tomada da palavra deve ser justificada por quem a tomou, para que o

enunciador se imponha como aquele que tem o poder de comunicar

(CHARAUDEAU, 2006).

No caso da Casa Fiat, nota-se como o poder de comunicar é legítimo, devido

ao sucesso de suas várias exposições e projetos associados à cultura. Para

Charaudeau (2006) o enunciador constrói sua identidade (se estabelecer como uma

casa que promove a cultura, por exemplo), para conquistar relações de força,

aliança, inclusão e convivência com os interlocutores. O espaço é frequentado por

pessoas de várias classes sociais, dentre as quais, personalidades do Estado de

Minas Gerais, do Brasil e do mundo (figuras 46, 47, 48 e 49).

Figura 44: Gestão do relacionamento 2

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

126

Figura 45: Gestão do relacionamento 3

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

Figura 46: Gestão do relacionamento 4

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

127

Figura 47: Gestão do relacionamento 5

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

Toda marca é um processo enunciativo permanente, pois cada ação de

marca é uma nova enunciação que visa dar continuidade a seu discurso

(SEMPRINI, 2006). Para o autor, as marcas de sucesso investem constantemente

no seu objetivo. ―Para a L’Oréal é tornar as mulheres orgulhosas delas mesmas,

para Ajax é liberar a mulher do trabalho doméstico, para Nokia é conectar os

indivíduos‖ (SEMPRINI, 2006, p.159). Nesta perspectiva, um dos objetivos

apresentados pela Casa Fiat de Cultura está associado ao conceito de

universalidade.

Oferecer a toda sociedade arte, conhecimento e entretenimento, promovendo o desenvolvimento cultural através de programação de alto valor histórico, artístico e educativo que contribua para a formação de público, democratização do acesso às artes e inclusão social. (CASA FIAT DE CULTURA, 2010).

Dentro deste conceito, a marca apresenta seus objetivos culturais associados

aos empresariais.

128

Figura 48: Objetivos da Casa Fiat de Cultura

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

Acredita-se que a eficácia simbólica e legitimação destes objetivos estão

associadas à utilização da marca como um dispositivo.

O dispositivo constitui o ambiente, o quadro, o suporte físico da mensagem, mas não se trata de um simples vetor indiferente ao que veicula, ou de um meio de transportar qualquer mensagem sem que esta se ressinta das características do suporte. Todo dispositivo formata a mensagem e, com isso, contribuí para lhe conferir um sentido. (CHARAUDEAU, 2006, p. 104, 105).

Desta forma, a marca se torna um suporte das intencionalidades de uma

empresa, o dispositivo que possibilita a interpretação das mensagens que são

transmitidas, do discurso proposto. Vale ressaltar que o discurso não é proferido

apenas por meio de palavras. Ele refere-se à circulação de informações, em que

haja troca, uma relação entre duas perspectivas (a do emissor e a do receptor).

Desta forma o discurso é um processo interacional, em que os sujeitos se colocam

em relação e, a partir dela, constroem sentido. ―O dispositivo é um componente do

contrato de comunicação sem o qual não há interpretação possível das mensagens‖

(CHARAUDEAU, 2006, p.105).

129

O discurso da marca Casa Fiat de Cultura é uma soma de representações

que se manifestam sejam por palavras, atos, representações gráficas e realizações.

Ele depende do outro para se legitimar e das relações que se estabelecem. É

preciso que os interlocutores ajam, que julguem a enunciação e que produzam

sentidos que a avaliem. A circulação de sentidos é que legitima, ou não, o poder

simbólico de uma marca, sua capacidade de representar um ―mundo possível‖.

O interesse que pode ser despertado por meio de um dispositivo como a

marca Casa Fiat de Cultura apoia-se na hipótese de que o outro possa ser motivado

e levado a agir, quando a mensagem que lhe é proposta (no caso o apoio cultural),

será direta ou indiretamente útil na orientação da sua conduta. Para Charaudeau

(2006), a partir de um dispositivo é possível construir hipóteses para tocar a

afetividade do sujeito alvo e, desta forma, levá-lo a agir.

Se o discurso se dá por meio de uma relação entre instâncias (emissor e

receptor) não se pode desconsiderar a opinião dos sujeitos a quem ele se destina.

Assim, após apresentar as considerações sobre o discurso da Casa Fiat de Cultura,

mostra-se de forma mais detalhada as opiniões colhidas pela pesquisa empírica. A

partir da observação da interação dos interlocutores com a marca, foi elaborado um

questionário que se baseou, também, na observação do discurso da organização,

para avaliar que sentidos são construídos a partir das proposições da marca junto

aos seus grupos de interesse.

A Casa Fiat associa o conceito de cultura à transformação das pessoas.

―Quando falamos de cultura, estamos falando de educação e construção de

cidadania‖ (VILELA, 2009). Desta forma, começa-se por apontar o entendimento dos

interlocutores sobre o conceito de cultura. A primeira pergunta foi: o que é cultura

para você? Grande parte dos entrevistados entende a cultura como algo mais

abrangente, relacionado não somente a manifestações artísticas, mas aos costumes

primários do ser humano.

Cultura é toda e qualquer forma de representação da vida humana. (INTERLOCUTOR 2).

São as relações múltiplas onde tragam a questão dos costumes, a maneira do povo agir, de falar, conviver, com seus rituais, com a sua religiosidade, com seu convívio. (INTERLOCUTOR 1).

130

Para mim não existe uma definição só de cultura, é um dos conceitos mais complicados que têm no mundo, então eu não teria uma única definição de cultura para dizer. (INTERLOCUTOR 20).

Cultura para mim é todo o universo de criação simbólica do homem, ou seja, toda representação que medeia à relação direta do homem com o mundo. É um conceito amplo, antropológico. (INTERLOCUTOR 21).

Com relação à cultura, percebe-se que não existe um consenso devido à

abrangência de significados que podem ser associados a esta palavra. Os sentidos

produzidos se baseiam em fatores sociais, políticos, econômicos, culturais e

educacionais que estruturam os modos de interpretação de ambas as instâncias

que, por meio de práticas discursivas, entram em interação e propõem sentidos.

Para Vilela (2009) projetos culturais geram valor para a sociedade. A segunda

pergunta está associada a esta afirmação. Ao perguntar que importância você dá

para existência de espaços de cultura na cidade, os entrevistados demonstram

reconhecer a importância de toda e qualquer iniciativa que promova a cultura.

Toda a importância. Sou a pessoa que dá o maior valor, desde o Parque Municipal que eu amo de paixão, vivo lá participando das coisas, e vejo que isso é uma riqueza da gente, do povo de Minas, que nós somos artistas, desde as famílias mais carentes, as pessoas todas que fazem artesanato, arte, pessoas que são ligadas à música. (...) A arte é esta convivência que eu busco sempre e que alimenta a minha alma. Então, alivia a tensão do dia cotidiano. (INTERLOCUTOR 1).

No meu entendimento, espaços de cultura são essenciais em qualquer cidade, sejam eles públicos ou privados. (INTERLOCUTOR 2).

Eu acho que é de fundamental importância, pena que nós temos poucos aqui em Belo Horizonte, mas eu acho que quanto mais, melhor. (INTERLOCUTOR 13).

Vital. Uma forma harmônica de mesclar a busca de conhecimentos e da informação com lazer e reconhecimentos de dons individuais ou em grupo. (INTERLOCUTOR 16).

Considero essencial que uma cidade tenha diferentes espaços culturais, de forma a dar conta da diversidade cultural da sua população. Mas, mais importante que o espaço físico em si, são as condições de se fazer e fruir a cultura. (INTERLOCUTOR 20).

Como as entrevistas foram realizadas dentro do espaço Casa Fiat de Cultura,

com pessoas que estavam ali de forma espontânea, observou-se que o interesse

pela cultura é uma característica predominante dos frequentadores. Nesta

131

perspectiva, valorizar a cultura é uma das condições que compõem o contrato de

comunicação entre a Casa Fiat de Cultura e seus interlocutores. Para Charaudeau

(2006) uma das características que permite que os parceiros de uma troca

linguageira se reconheçam é a percepção da finalidade, propósito da troca, ou seja,

reconhecerem o que constitui o objeto temático proposto, no caso, a cultura.

O interesse pela cultura pode ser comprovado a partir da terceira pergunta da

pesquisa: quais são seus hábitos de frequentação de eventos de cultura? As

opiniões indicam que as pessoas valorizam a cultura, os projetos culturais e os

espaços que envolvam a cultura na cidade.

Eu frequentei muita coisa em vários bairros da cidade que são os movimentos gratuitos, participei demais e frequento exposições, cinema. (INTERLOCUTOR 1).

Todo tipo de evento, em especial na Casa Fiat procuro frequentar sempre, e estou sempre de olho na sua programação. (INTERLOCUTOR 2).

Eu gosto muito do Palácio das Artes. Eu vejo lá bastante coisa de arte moderna, eu vi poesia concreta, eu vi balé, eu vi o Grupo Corpo, ópera. Eu vou no Museu de Arte da Pampulha, eu vejo muito a programação da TV Cultura de São Paulo. (INTERLOCUTOR 9).

Eu gosto de ir ao cinema, ir ao Palácio das Artes, gosto de vir à Casa Fiat de Cultura, mas aqui é mais difícil, porque aqui é muito longe. Gosto mais das artes visuais e literatura, menos eventos ligados à música‖. (INTERLOCUTOR 11).

Museus, exposições diversas, apresentação de canto e coral, teatro e feiras de livros. (INTERLOCUTOR 16).

Com a pesquisa pôde-se observar que o discurso da casa Fiat é legítimo, que

o espaço é percebido como positivo, e que estimula a ida dos frequentadores a

outras ações promovidas pela Casa. A quarta pergunta, em quais situações,

(eventos) da Casa Fiat você já esteve presente?, demonstrou que a maioria dos

entrevistados já visitou o espaço mais de uma vez e que eles procuram informações

sobre próximos eventos.

Já estive em exposições, coquetéis e seminários diversos. (INTERLOCUTOR 2).

132

Na Exposição do Chagall, na Exposição do Rodin, em algumas outras mostras de pintura que não vêm à memória agora e a série Mutações, que eu já participei de todos que teve até hoje. (INTERLOCUTOR 3).

Palestras, exposições: Com que roupa eu vou, Rodin, Amilcar de Castro, sempre que fico sabendo da programação eu procuro vir. (INTERLOCUTOR 7).

Eu vim na mostra do Chagall, no Rodin e na coleção Mineriana e vim também no ano passado na abertura do Ciclo Mutações. (INTERLOCUTOR 20).

As exposições de Marc Chagall e Rodin, realizadas em 2009, foram as mais

citadas. Elas promoveram um aumento significativo do público e grande repercussão

midiática (vide figura 22, no capítulo 4). Além disso, contribuíram para aumentar a

visibilidade da Casa Fiat de Cultura, assim como o número de mídias espontâneas

sobre os projetos promovidos pelo espaço. A repercussão das exposições, palestras

e eventos em prol da cultura promovem a expansão do relacionamento da marca

com os interlocutores. Para Vilela (2009) a cultura é capaz de gerar valor para o

negócio e envolver todos que se relacionam com o espaço.

A forma como as pessoas tiveram acesso ao espaço também despertou o

interesse desta pesquisa. A quinta pergunta, qual foi a situação que te levou a ter

acesso ao espaço Casa Fiat de Cultura?, demonstrou o quanto uma comunicação

integrada é importante para promover o discurso de uma organização. Os

interlocutores tomaram conhecimento sobre o espaço pelos vários canais de

comunicação e também da opinião pública.

Enquanto eu fui aluna de Pedagogia da UEMG e a gente tinha uma disciplina chamada ACA - Atividade de Cultura e Arte, então eu conheci muito Belo Horizonte por causa deste movimento e a Casa Fiat foi uma delas. (INTERLOCUTOR 1).

Foi num anúncio que eu vi no Estado de Minas, na parte de Gerais, ai eu tomei conhecimento, gosto muito da área de Filosofia, ai resolvi vir, conhecer. (INTERLOCUTOR 3).

Fiquei sabendo do espaço pela Internet e pelo rádio. (INTERLOCUTOR 4).

Pelo Ciclo Mutações, a primeira vez através de uma amiga. (INTERLOCUTOR 6).

133

Primeiro porque meu marido trabalha na Fiat, então fiquei sabendo por ele e porque eu vejo sempre a programação do que tem no teatro, cinema, eu sempre vejo o que tem. (INTERLOCUTOR 7).

Porque eu procuro muito, museus essas coisas e nestas idas e vindas eu vi um folder aqui da Casa em outro museu tipo o Palácio das Artes, Museu de Artes da Pampulha, aí eu fiquei sabendo que ia ter o Rodin, aí eu vim. (INTERLOCUTOR 9).

A palestra da Márcia Tiburi eu vi no Twitter, quando eu vim no Rodin e no Chagall eu fiquei sabendo pela Faculdade. (INTERLOCUTOR 12).

Informação na imprensa. (INTERLOCUTOR 20).

Ao perceber as várias formas pelas quais as pessoas tiveram acesso ao

espaço, reconhece-se a importância da comunicação integrada. Trata-se da

otimização dos esforços para a construção de um todo organizacional coerente

(numa perspectiva interna e externa), uma coletividade que age de forma organizada

e articulada, com base em objetivos compartilhados (bem definidos e convergentes)

para, assim, legitimá-los. Seja a partir de mídias de massa como a TV, jornais ou

rádio, da Internet, da comunicação interna (no caso dos funcionários) ou da

repercussão da opinião pública, é perceptível que este processo busca a sinergia de

todos os pontos de contato que são desejáveis para a organização. O desafio é

pensar em novas formas de interação que, de fato, estabeleçam um contato possível

frente à natureza dinâmica, mutável e imprevisível dos processos de comunicação e

das relações sociais. E, nesta perspectiva, constata-se que a Casa Fiat é uma

marca que possibilita uma interação diferenciada com os grupos de interesse da Fiat

S/A do Brasil.

A resposta dos entrevistados sobre a sexta pergunta, o que a Casa Fiat de

Cultura oferece?, já foi explicitada neste capítulo.

A partir da afirmação abaixo, que justifica a criação do espaço Casa Fiat de

Cultura no Estado de Minas Gerais foi elaborada a sétima pergunta: na sua opinião

o que a Casa Fiat de Cultura oferece no âmbito da cultura para o Estado de Minas

Gerais?

Minas Gerais – terra que abraçou a Fiat e que junto com a empresa se transformou em um dos principais pólos industriais e automobilísticos do país – contava com poucos equipamentos culturais adequados para receber exposições de grande porte, que exigem tecnologia museológica. Apresentações de acervos consagrados e exposições internacionais

134

raramente passavam pelo estado. Com a chegada da Casa Fiat de Cultura esse cenário vem se modificando, integrando Minas de forma decisiva no circuito nacional e internacional das artes. (VILELA, 2009, p.33).

Notou-se por meio da pesquisa que a Casa Fiat de Cultura é reconhecida

como um importante espaço cultural do Estado. Para Charaudeau (2006) o interesse

na troca discursiva pode ser despertado pelas estratégias que se apoiam em

informações que motivam por parecerem úteis ao receptor. Se Minas Gerais não

contava com equipamentos culturais adequados e a partir da criação da Casa Fiat

de Cultura ganha notabilidade no campo nacional das artes, é visível como os

discursos são favoráveis a iniciativa.

Espaço adequado para eventos diversos, em geral com conteúdos importantes. (INTERLOCUTOR 2).

Um espaço com qualidade de programação e compromisso de promoção da cultura. (INTERLOCUTOR 5).

Eu acho que é um espaço pra evento, por exemplo, essas exposições de arte mesmo, de pintura, de escultura que sempre têm aqui. Eu acho que é um espaço a mais pra cidade e mesmo de promover seus eventos, trazer pessoas de fora. Eu não conheço outro espaço que tenha este compromisso de ter, por exemplo, um ciclo regular de atividades. (INTERLOCUTOR 6).

Eu acho que é trazer o que aqui não tem. Como as obras de Rodin, até então aqui não tinha, eu tive que ir lá no MASP para ver Goya. Quando eu descobri que aqui tinha o Rodin eu fiquei muito satisfeito: eu não vou ter que ir em São Paulo pra poder ver ele, eu posso vir aqui. Eu fui até São Paulo, de moto, para ver as gravuras de Goya. (INTERLOCUTOR 9).

Através das suas exposições internacionais dá oportunidade para pessoas de diversos níveis sociais terem acesso à cultura de outros lugares do mundo. (INTERLOCUTOR 14).

No entanto, a localização da Casa Fiat de Cultura foi mencionada como um

ponto desfavorável, uma vez que limita a visitação e exclui a possibilidade de uma

parcela da população frequentar os seus eventos. Vale ressaltar que a Casa Fiat

oferece transporte gratuito para pessoas que desejam conhecer o espaço.

Eu acho que o fato dela trazer, ter uma programação onde ela se propõe a fazer grandes eventos, eu acho que isso já contribui com Belo Horizonte. Embora tenha um problema que ela tem que amenizar que é a questão da localização. Eu acho que a localização às vezes não favorece a

135

determinado público chegar até aqui. Então, ela acaba sendo muito restrita, porque ela acaba atingindo um público muito limitado. (INTERLOCUTOR 7).

Acho o espaço muito bonito, acho que é um dos melhores espaços de cultura de Belo Horizonte, mas realmente o problema é que está muito longe. Se a gente for pensar, por exemplo, o MASP em São Paulo, que também é um espaço ótimo, mas ele é central‖. (INTERLOCUTOR 12).

Ela oferece oportunidade da comunidade ter contato com acervos internacionais e eventos diferenciados. Entretanto acredito que sua localização seja ruim, de difícil acesso e que dificulta a participação em seus eventos de uma grande parcela da população. (INTERLOCUTOR 18).

Charaudeau (2006) ressalta que entre discursos a relação se torna mais

complexa, porque não se trata apenas de transmitir e convencer, porque os

interlocutores não são atraídos e seduzidos com tanta facilidade. A instância

emissora pode organizar o discurso, mas esta relação não garante a legitimidade.

As pessoas reconhecem a qualidade e importância do espaço, mas também se

manifestam sobre questões percebidas como negativas, no caso, a localização da

Casa Fiat de Cultura. Percebe-se que o fato dos frequentadores estabelecerem uma

relação positiva com a marca, não os impede de produzir críticas sobre ela.

Na oitava pergunta: O que você pensa de um espaço de cultura assinado por

uma marca de uma empresa? O que você acha de empresas que promovem

cultura? Para você, empresas que tem esta atitude se diferenciam de outras

empresas? , percebeu-se que, embora a iniciativa seja elogiada e percebida como

louvável, existem questões que desagradam o público.

Eu acho que é um sinal do dinheiro que a marca tem para patrocinar eventos. Elas se diferenciam de outras empresas porque mostra que elas têm Marketing Cultural, isso é muito importante. (INTERLOCUTOR 4).

De alguma forma sim, agora tem também o lado ―muito marketing né‖. Depende realmente do compromisso com o povo, porque cultura são várias. Então poderia ser mais abrangente. De qualquer forma acho que melhor assim, acho que a cultura deveria ser mais pública, com mais participação do Estado. Além do privado, deveria ser mais responsabilidade do estado, o estado como cultura pública. (INTERLOCUTOR 8).

Acho que esses espaços são válidos, pois de certa forma contribuem para melhorar a qualidade de vida da população. Entretanto, a empresa tem um grande benefício também, pois fortalece a sua marca. Acho que a atitude mesmo que não seja desinteressada economicamente é válida, é melhor do que as empresas que não fazem nada. (INTERLOCUTOR 18).

136

A partir dos dados coletados na pesquisa, pode-se constatar que empresas

que apoiam ações culturais são lembradas de forma mais espontânea, como

mostram os discursos. A nona pergunta: você lembra de outras empresas que

também promovam a cultura? Caso a resposta seja afirmativa, cite exemplos,

demonstrou a seguinte relação.

Sim, Banco do Brasil, a Vale, patrocinam musicais, shows, teatros. (INTERLOCUTOR 1).

Itaú, Vale do Rio Doce e Petrobras. (INTERLOCUTOR 4).

A TIM, a Oi, a Vale ta sempre promovendo a cultura, a CEMIG, várias empresas têm essa preocupação e fazem mesmo! (INTERLOCUTOR 6).

Usiminas, Vale, por exemplo, porque eu vou na praça e vejo a Vale ali! A Vale se preocupa com isso. Mas vale a pena se atentar o que a empresa de fato faz: o que exatamente ela faz? (...) Mas eu lembro mais da Vale, por causa da praça, a Usiminas por causa do cinema, a Fiat no caso por causa dos seminários, mais forte são estas. (INTERLOCUTOR 7).

Nós temos o Chevrollet Hall que patrocina uma casa de espetáculos, tem a Fiat, tem a Usiminas, tem Belgo Mineira, tem a TIM, Vivo, Claro, Petrobras. (INTERLOCUTOR 19).

Temos grandes patrocinadores entre as empresas estatais como a Petrobras. Cito ainda a Vale e a operadora de telefonia Vivo, que mantém também um espaço cultural. (INTERLOCUTOR 20).

Nota-se a empatia da sociedade com o apoio às ações culturais. Apropriar-se

da cultura para um discurso de marca é uma forma de convocar as pessoas para um

projeto de sentido que toque a afetividade delas. As representações discursivas que

se utilizam da cultura buscam justificativa na importância social do tema. ―Ao criar a

Casa Fiat de Cultura, em 2006, a Fiat renovou seu compromisso com a sociedade,

consolidando, em novo espaço, seus 30 anos de realizações na área cultural‖

(VILELA, 2009, p.32, 33).

Desta forma, a marca busca se revestir de interpretantes que demonstrem

seu ―compromisso com a sociedade‖. Para Charaudeau (2006, p.87) ―todo contrato

de comunicação se define através das representações idealizadas que o justificam

socialmente e, portanto, o legitimam‖. Algumas empresas foram citadas pela grande

137

maioria dos entrevistados como ―promotoras da cultura‖: Vale, Usiminas, Petrobras,

Banco do Brasil e até mesmo o Unibanco, marca que foi extinta após ter sido

comprada pela organização Itaú.

Tem várias empresas que hoje patrocinam a cultura, mas não desta forma. Que nem a Fiat e o Unibanco, sinceramente, não me lembro. (INTERLOCUTOR 10).

Vale, Usiminas, Unibanco, Serasa, etc. (INTERLOCUTOR 18).

Citar uma empresa que nem sequer existe mais demonstra como a eficácia

simbólica de uma marca se associa a sua capacidade de propor projetos de sentido

que despertem o interesse dos interlocutores. Desta forma, quando a Casa Fiat de

Cultura se posiciona como instituição que busca transformar a sociedade, ela acaba

por associar este valor à marca Fiat S/A do Brasil.

Figura 49: Casa Fiat de Cultura e Fiat S/A do Brasil

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

A última pergunta está associada à representação gráfica da Casa Fiat de

Cultura e o que ela produz como significado. A logomarca da Casa Fiat de Cultura é

predominantemente azul, cor que remete à palavra ―Fiat‖, que vem destacada e em

fonte diferenciada do enunciado ―Casa de Cultura‖. É nítido o nome ―Fiat‖ como

palavra de destaque, que se apresenta com o mesmo grafismo da logomarca da

138

principal empresa do grupo: a Fiat Automóveis (figura 50). Acompanhada do

desenho de uma casa que remete a portas abertas, sugere receptividade,

diversidade (devido às várias cores da casa, embora o azul seja predominante) e

atributos relacionados ao ―lar‖, como aconchego e conforto.

Figura 50: Logomarca Casa Fiat de Cultura e Fiat Automóveis

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

Foi pedido para os entrevistados descreverem o significado da marca, como

forma de perceber se o discurso da organização vem sendo compreendido por meio

da sua representação gráfica. Existem diversas denominações utilizadas no

mercado, para o termo marca, sendo que a mais popular é logotipo. Portanto

adotaremos a nomenclatura proposta pelo livro da autora Carmem Carril, ―A alma da

marca Petrobras‖.

O logotipo é um símbolo ou desenho pictórico constituído para representar a marca. Em grego, a palavra logos significa fala ou discurso; na tipografia, a palavra em inglês tipe representa um conjunto de caracteres tipográficos. O logotipo tem o poder de identificar a marca e individualizá-la, pela utilização do nome como signo puramente verbal e de sua versão visual (gráfica) que adiciona ao nome da marca. (CARRIL, 2004, p.89).

O logotipo também é uma forma discursiva. A prova disso é que grande parte

dos entrevistados demonstraram perceber, por meio da representação gráfica da

marca, o principal valor proposto pela Casa Fiat, ou seja: a cultura.

Parece uma casa, um desenho quase infantil de uma casa, que tem uma ideia de proximidade e ao mesmo tempo a cor dá uma ideia mais lúdica da arte. Talvez tire um pouco o peso de ser uma empresa de mercado, competitiva. Talvez seja um contraponto a isto, uma coisa que busque valorizar mais o lado humano. (INTERLOCUTOR 11).

139

Nota-se nas respostas uma associação de ideias gerais, que mostra que o

discurso de fato deve ser coeso, para se legitimar. Para alguns interlocutores a

mensagem da marca é tão forte que está diretamente associada à cultura e a

atributos humanos como credibilidade, confiança e comprometimento.

Pra mim ela remete a cultura. Só isso. A mensagem a hora que eu vejo a logomarca, ou falam em Casa Fiat, me lembra as exposições que eu já vi aqui, enfim, cultura. (INTERLOCUTOR 11).

Credibilidade. (INTERLOCUTOR 13).

Confiança e comprometimento. (INTERLOCUTOR 14).

Aconchego e segurança. (INTERLOCUTOR 15).

Um lugar de conhecimento e oportunidade para as pessoas terem acesso à informação e cultura. (INTERLOCUTOR 16).

As opiniões se basearam mais na experiência global que estes sujeitos

vivenciaram com a instituição e menos na descrição dos elementos gráficos.

Eu vejo uma casa, uma casinha de porta aberta, então ela tá te chamando pra um aconchego. Ela te acolhe, me passa um acolhimento. (INTERLOCUTOR 1).

Transmite uma coisa muito gostosa. Você está em casa, é como se você tivesse em casa, tem liberdade de estar trafegando, participando dos eventos aqui. Acho que casa com liberdade, essa é a representação. (INTERLOCUTOR 3).

Diversidade. A primeira vez que eu vi essa marquinha me lembrou assim uma ―Oca de índio‖, e o fato de ser colorido: várias tribos. Então a imagem mais que me vem é sempre a questão da diversidade. Todas as vezes que eu vejo penso nisso. (INTERLOCUTOR 6).

Você tem aí uma imagem que parece que é uma porta de uma casa, com uma porta aberta, pra mim passa isso. Casa pra mim sempre é um símbolo de aconchego e uma porta aberta é sempre uma porta aberta, seja pro que for, sejam coisas boas ou ruins, e neste caso eu acho que é coisa boa. (INTERLOCUTOR 10).

Pra mim ela remete à cultura. Só isso. A mensagem, a hora que eu vejo a logomarca, ou falam em Casa Fiat, me lembra as exposições que eu já vi aqui, enfim, cultura. (INTERLOCUTOR 13).

140

Esta relação demonstra como a marca se apropria de valores simbólicos que

extrapolam aos objetivos comerciais e amplia o conceito da marca Fiat para além do

negócio em si. Mesmo quando os interlocutores entrevistados associam a Casa Fiat

à fabricação de automóveis, outros sentidos se manifestam.

Como a palavra Fiat está em destaque, minha primeira lembrança é a Fiat Automóveis e seus carros. Depois vejo um lugar que me lembra tranquilidade, leveza. Mas o que primeiro me lembro são dos carros. (INTERLOCUTOR 18).

A representação gráfica remete à marca ―Fiat‖, destacando a cultura como ―algo a mais‖, indo além de simplesmente fabricar veículos. (INTERLOCUTOR 19).

Neste caso a marca não remete apenas às estratégias de lançamento de um

novo produto ou à conquista de novos mercados, mas reflete a importância e a

capacidade de propor sentidos, ou seja, ―identificar uma proposição de tipo

semiótica e sociocultural que seja pertinente, original e atraente para um

determinado público‖ (SEMPRINI, 2006, p.158).

A marca torna-se um símbolo e o símbolo não é algo isolado, faz parte de

uma cadeia de interpretantes. A marca é o signo de uma ideia. O símbolo aponta

para algo que será interpretado, é uma tentativa de definição de sentido. Por isso a

ideia proposta por uma marca precisa ser reconhecida pelos indivíduos, para que

estes possam legitimá-la. O sujeito que recebe o discurso da marca identifica-se (ou

não) com o que é proposto e decide em que medida este sentido contribuirá para

sua experiência de vida, seus objetivos.

Embora o logotipo também seja um discurso que tenha o poder de identificar

uma marca e de individualizá-la, percebe-se, por meio dos depoimentos, a

associação da Casa Fiat de Cultura a outras empresas do Grupo Fiat, ou seja, a

Casa também é associada à proposta comercial da organização.

Que esta não é uma casa qualquer de cultura, mas a Casa ―FIAT‖ de Cultura. Ao mesmo tempo a forma da casa me lembra uma seta que lembra tráfego, trânsito, e, portanto, ―carro‖. (INTERLOCUTOR 2).

Na verdade a palavra Fiat está muito em evidência, é bem Fiat, né. Eu olhando agora, assim, a palavra Fiat tá bem forte. (INTERLOCUTOR 8).

141

Ela significa a representação da casa, uma casa colorida pra mostrar que é uma arte descontraída, talvez, e Fiat também está na mesma cor que uma parte da casa. Então faz certa ligação visual. (INTERLOCUTOR 12).

Por meio da pesquisa foi possível perceber como a cultura é uma importante

estratégia de relacionamento com os interlocutores do grupo Fiat. O discurso que se

apropria da cultura permitiu que a marca refletisse a perspectiva estratégica da

organização com a expectativa dos seus interlocutores.

Pode-se concluir que a Casa Fiat de Cultura é uma iniciativa bem sucedida e

que tem conseguido se legitimar a partir do seu discurso de marca que se apropria

da cultura. O discurso, mais do que uma proposta de sentido, reflete uma moldura

das relações entre a organização e seus grupos de interesse. Desta forma, a

capacidade de veicular propostas de sentido é que confere à marca sua

característica simbólica, uma vez que este signo, complexo e dinâmico, aponta, mas

não determina, o sentido que de fato se manifesta. Parece que a Casa Fiat de

Cultura também reconhece esta relação (figura 51) quando admite que a experiência

estética e cultural ―muda as perspectivas e transforma as pessoas, cria atalhos para

pensar o novo e que a verdade está sempre em construção‖ (CASA FIAT DE

CULTURA, 2010).

Figura 51: A experiência estética e cultural

Fonte: Casa Fiat de Cultura, 2010

142

A cultura expande o potencial de relacionamento de uma marca junto aos

grupos de interesse. ―Eu vejo que ela é a casa da diversidade. Você vê que tem uma

casinha, com a porta aberta e essa casa tem várias cores, ou seja, aqui pode fazer

de tudo‖ (INTERLOCUTOR 20). Os sentidos não são cristalizados. Novos sentidos

vão sendo construídos sobre o discurso proposto e é justamente esta a riqueza de

todo e qualquer processo comunicativo. Enfim, o discurso é uma forma de

comunicação, processo entendido como o grande espaço de construção e

circulação de sentidos e é, portanto, de construção de realidades simbólicas,

imateriais e desempenha esse papel-chave fascinante de constituir-se em ambiente

por excelência de construção da realidade contemporânea.

143

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A importância do estudo dessa temática não está apenas na análise do valor patrimonial que uma marca pode representar, (...) a temática ganha relevância, principalmente quando se percebe que algumas das marcas mais valiosas do mundo têm em comum um conceito emocional bem-definido, uma personalidade que chega a valer mais do que a própria empresa. (CARRIL, 2004, p.21).

Este trabalho aponta que os estudos da comunicação no contexto

organizacional propiciam importantes análises a respeito das instâncias produtoras

de sentido, uma vez que as organizações são campos de articulação de fluxos

informacionais e de práticas discursivas e simbólicas que interagem com a

sociedade. Nesta perspectiva, nota-se o fortalecimento dos dispositivos relacionais

que partem das organizações, visando estabelecer discursos de ligação cada vez

mais fortes. Tais discursos foram observados por meio das marcas, elemento

estudado para além de sua capacidade estratégica, pois buscou-se compreendê-la a

partir da realidade contemporânea, como um fenômeno discursivo de grande

repercussão. Com os dados empíricos analisados e o referencial teórico que

fundamenta este trabalho pode-se destacar que a Casa Fiat de Cultura é uma

importante estratégia de relacionamento que transmite valores positivos as

empresas do Grupo Fiat.

O espaço criado busca valorizar a relação com a sociedade e promover ações

culturais de grande visibilidade. A partir de um processo que envolve associações

simbólicas, o discurso foi elaborado tendo como base atributos relativos à própria

organização. Eles ordenam sentidos que se mostram reconhecidos e legitimados

pelos interlocutores, numa perspectiva relacional. Assim, este trabalho mostra que o

processo de comunicação não é algo linear, mas, sim, uma experiência construída

por instâncias, em que suas ações e práticas se realizam a partir de uma relação.

Entre organizações e a sociedade não é diferente. Entende-se que a organização é

um ator social que tem papéis e compromissos com a sociedade e, por isso, precisa

dialogar com os vários grupos que a compõem. Daí a importância dela estar atenta

às mudanças sociais, políticas, culturais e entender que a comunicação se dá por

meio de movimentos que transitam entre sujeitos. A comunicação no contexto das

144

organizações deve ser pensada como um processo capaz de consolidar e legitimar

as intenções de uma empresa.

A análise empírica possibilitou pensar a comunicação como um processo que

cria conexões em contextos organizacionais e reconhecer que a identidade visual

―marca‖ não é apenas uma representação, mas uma oportunidade de interface com

os atores sociais. Desta forma, são os interpretantes emitidos pelas marcas, como

possibilidades de sentidos, que atuam sobre as opiniões dos sujeitos. Quando a

Casa Fiat se apropria da cultura, ela transmite este valor para sua marca que busca,

a partir de suas ações culturais, valorizar a cidadania, a arte, a reflexão e o

conhecimento.

De fato, percebe-se um forte reconhecimento dos entrevistados de que a

Casa Fiat de Cultura é um espaço de aproximação e diálogo com a sociedade. A

pesquisa mostrou que a percepção da efetividade com que as empresas atuam nos

setores econômicos, ambiental, social e cultural, ligados à sustentabilidade,

transforma o investimento cultural corporativo em um importante processo de

parceria reconhecido pela sociedade. Os dados nos levam a perceber que Fiat

busca alinhar sua estratégia comercial ao discurso da sustentabilidade (tema de

grande importância na contemporaneidade) e constrói uma enunciação em prol do

equilíbrio entre perspectivas econômicas, sociais e ambientais. A Casa Fiat oferece

elementos associados à cultura que podem ser vivenciados pelos interlocutores. A

análise vem confirmar que o êxito de um processo comunicativo se dá a partir de

uma relação permeada por trocas simbólicas. É a partir da apropriação de valores

simbólicos que as marcas interagem com os sujeitos numa relação em que sentidos

são construídos.

A pesquisa também demonstrou que emergem novos comportamentos

organizacionais que apontam para a necessidade das organizações adotarem

ações de responsabilidade social, com estímulos à cultura e à cidadania social e

não apenas à prática ambiental relacionada à preservação do meio ambiente. Vale

ressaltar que os cidadãos estão cada vez mais atentos à reputação das empresas e

que esforços estratégicos são utilizados para tentar preservá-la.

A política de comunicação desenvolvida pela Casa Fiat de Cultura se pauta

na interação. Grande parte dos entrevistados reconhece o discurso da marca,

embora se perceba que ela busca construir discursos carregados de significados

intencionais. O conceito de comunicação integrada envolve a orientação estratégica

145

dos relacionamentos organizacionais e a integração de mensagens, processos e

funções de comunicação que visam à integração do sistema organizacional com

seus grupos de interesse. Desta forma, a comunicação no contexto das

organizações não é resultado de um esforço puramente intencional, é pensada a

partir do alinhamento das ações organizacionais em prol do alcance de objetivos

comuns, sendo sempre uma intenção e uma construção coletiva. O discurso da

Casa Fiat de Cultura é reconhecido pelo público frequentador, mas as estratégias

implícitas neste processo também são reconhecidas, quando os entrevistados

reconhecem os interesses comerciais.

A metodologia proposta por Charaudeau (2006) dialogou bem com o objeto

empírico. De fato, toda troca linguageira se dá conforme um contrato de

comunicação. Esse contrato traz o conjunto de referências que compõem os limites

da comunicação, construído a partir das expectativas das partes, vindo a ser

constituído pelo resultado ―das características próprias à situação de troca, os dados

externos, e das características discursivas decorrentes, os dados internos‖

(Charaudeau, 2006, p.68). Assim, esses elementos externos ao ato de comunicação

– a identidade dos parceiros, a finalidade da troca, o propósito da comunicação e as

características inerentes ao dispositivo pelo qual ocorre a troca comunicativa (no

caso a marca) – irão interferir no contrato de comunicação, nas expectativas em

relação à troca, e também na troca comunicativa em si, vindo a influenciar o discurso

que emerge nessas trocas.

Este estudo, assim, mostra sua relevância ao buscar reforçar a natureza

simbólica da marca que representa uma moldura de relações entre organizações e

sujeitos sociais. A marca contemporânea opera no nível das sensações, ou seja, ela

cumpre o papel de remeter a elementos que promovam uma interação direta com a

organização e seus valores, principalmente elementos que atuam na esfera do

sensível e promovem uma relação mais afetiva entre a marca e os sujeitos.

É relevante destacar que embora as entrevistas tenham sido realizadas

dentro do espaço físico da Casa Fiat de Cultura, percebeu-se em todas as respostas

a espontaneidade. As questões tinham como foco a resposta livre dos

frequentadores, buscando a opinião de cada um deles sobre a cultura e o discurso

da marca. Esta é a riqueza do processo comunicativo, que abre novas perspectivas

e possibilidades de produção de sentidos. Nesta medida é que as organizações

devem aceitar o fato de que ressalvas ou lacunas no processo comunicativo, ou

146

seja, construções de sentido que se diferem do que foi intencionado não diminuem a

força de uma marca, mas, justamente, reforçam as possibilidades de sentido

inerentes ao processo. Como símbolo, a marca pode apontar para um ―mundo

possível‖, mas não pode representar de forma completa, o sentido manifestado.

Novas questões surgiram ao longo da realização do trabalho. Outros projetos,

ações, atitudes e exposições da Casa Fiat de Cultura foram realizados ao longo de

2011 e não puderam ser citados. Como se trata de um espaço em constante

atuação, seria quase impossível falar de todas as suas iniciativas, uma vez que o

discurso da marca é um processo que circula constantemente. Desta forma, foram

feitos recortes que possibilitaram a análise empírica.

Por fim, destaca-se que esta pesquisa possibilitou ampliar os conhecimentos

não apenas sobre as marcas e a forma como as organizações têm buscado se

relacionar com a sociedade, mas também sobre aspectos relacionados ao processo

comunicativo na contemporaneidade. Analisar a apropriação de valores simbólicos

em discursos de marca foi uma oportunidade de constatar como o seu papel tem

sido ampliado para promover entidades, pessoas ou lugares. A marca passa a

representar um dos bens preciosos para as empresas porque reflete as

percepções, crenças e sentimentos que podem ser associados a um produto.

A investigação empírica remete-nos à premissa de que as marcas são

símbolos que operam recorrendo à transmissão de variados interpretantes, valores

que, quando contextualizados à realidade de uma organização, se tornam atributos

intangíveis que diferenciam corporações e produtos por ela comercializados. Neste

sentido, a marca exerce um papel comunicacional e age, também, sobre as

manifestações culturais dos seus consumidores. Esta dissertação aponta o grande

potencial comunicativo deste símbolo e ressalta a importância da abertura de novos

estudos que promovam a compreensão deste fenômeno e das suas variadas formas

de manifestação.

147

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APÊNDICE - ROTEIRO DE ENTREVISTA

Este questionário é relativo a uma dissertação de Mestrado de Comunicação Social

da PUC Minas. Os dados obtidos servirão apenas para análise de uma pesquisa

acadêmica. Não é necessário que você se identifique.

1) O que é cultura para você?

2) Que importância você dá para a existência de espaços de cultura na cidade?

3) Quais são seus hábitos de frequentação de eventos de cultura?

4) Você conhece, já participou de alguma palestra, evento ou exposição no espaço

Casa FIAT de Cultura? Caso a resposta seja positiva, em quais situações (eventos)

da Casa você já esteve presente?

5) Qual foi a situação que te levou a ter acesso ao espaço Casa FIAT de Cultura?

(Como ficou sabendo deste espaço?)

6) Em sua opinião, o que a Casa FIAT de Cultura te oferece? (Quais são os seus

objetivos?)

7) Em sua opinião, o que a Casa FIAT oferece, no âmbito da cultura, para o Estado

de Minas Gerais?

8) O que você pensa de um espaço de cultura assinado por uma marca de uma

empresa? (O que você acha de empresas promoverem cultura?). Para você,

empresas que têm esta atitude se diferenciam de outras empresas? Por quê?

9) Você se lembra de outras empresas que também promovam a cultura? Caso a

resposta seja positiva, cite exemplos.

10) O que a representação gráfica (marca) do espaço Casa Fiat de Cultura transmite

como mensagem para você? Descreva o significado desta marca em sua opinião.