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1 CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO Seminário de doutorado: Os perigos da bomba informática Professor: Prof. Dr. Aires Rover 2° Trimestre de 2008 Doutoranda: Rosane Leal a Silva WILBER, Ken. O espectro da consciência. Traduzido por Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 2007. I. PRÓLOGO O autor inicia a obra explicando que ela consiste na tentativa de sintetizar os enfoques orientais e ocidentais que são utilizados para abordar a consciência, e para isso descreve a consciência como semelhante a um espectro eletromagnético. Ao propor este modelo científico (pois o próprio autor adverte que a consciência não é um espectro), pretende deixar evidente as dificuldades de comunicação entre os cientistas ocidentais e orientais, posto que os primeiros consideram que a mente oriental seria regressiva, primitiva ou débil. Os orientais, em contrapartida, consideravam que a parte ocidental representa as ilusões, ignorância e despojamento espiritual. As controvérsias entre os cientistas, que se colocam em dois universos distintos (ocidente e oriente) ocorre porque não é percebido que, em verdade, a diferença entre eles é que abordam espectros distintos da consciência, o que aponta para a inexistência de real controvérsia, pois esta só ocorreria se ambas as correntes tivessem falando sobre o mesmo aspecto, o que não acontece. Assim, longe de serem antagônicas, em verdade as abordagens ocidentais e orientais da consciência são complementares, sendo que cada nível só existe em razão do outro. A abordagem realizada na obra recai sobre três níveis principais, escolhidas em razão de sua fácil identificação, que são: 1) nível do ego, 2) nível existencial, 3) nível da

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CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Seminário de doutorado: Os perigos da bomba informática

Professor: Prof. Dr. Aires Rover

2° Trimestre de 2008

Doutoranda: Rosane Leal a Silva

WILBER, Ken. O espectro da consciência. Traduzido por Octavio Mendes Cajado. São

Paulo: Cultrix, 2007.

I. PRÓLOGO

O autor inicia a obra explicando que ela consiste na tentativa de sintetizar os

enfoques orientais e ocidentais que são utilizados para abordar a consciência, e para isso

descreve a consciência como semelhante a um espectro eletromagnético. Ao propor este

modelo científico (pois o próprio autor adverte que a consciência não é um espectro),

pretende deixar evidente as dificuldades de comunicação entre os cientistas ocidentais e

orientais, posto que os primeiros consideram que a mente oriental seria regressiva,

primitiva ou débil. Os orientais, em contrapartida, consideravam que a parte ocidental

representa as ilusões, ignorância e despojamento espiritual.

As controvérsias entre os cientistas, que se colocam em dois universos distintos

(ocidente e oriente) ocorre porque não é percebido que, em verdade, a diferença entre eles

é que abordam espectros distintos da consciência, o que aponta para a inexistência de real

controvérsia, pois esta só ocorreria se ambas as correntes tivessem falando sobre o

mesmo aspecto, o que não acontece. Assim, longe de serem antagônicas, em verdade as

abordagens ocidentais e orientais da consciência são complementares, sendo que cada

nível só existe em razão do outro.

A abordagem realizada na obra recai sobre três níveis principais, escolhidas em

razão de sua fácil identificação, que são: 1) nível do ego, 2) nível existencial, 3) nível da

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mente. Junto com eles serão estudadas faixas menores, que são: 1) nível transpessoal, 2)

nível biossocial, 3) nível filosófico, 4) nível da sombra, objetivando sobretudo coordenar

as conclusões que os diversos cientistas apresentaram sobre o assunto, com vistas a

oferecer um apanhado dos vários enfoques orientais e ocidentais, bem como coordenar as

várias sínteses que se apresentam no âmbito do próprio enfoque ocidental (enfoques da

psicoterapia e da psicologia, pois as várias escolas – freudiana e junguiana, por exemplo,

se dirigem a níveis diferentes do espectro da consciência).

Desta forma, a consciência apresenta níveis, cada um responsável por uma função,

a saber:

1) o nível do ego é o da consciência, que tem a função de compreender o papel de cada

pessoa em seus aspectos conscientes e inconscientes. Neste nível se encontram os vários

papéis que a pessoa desempenha (pai, profissional, amigo, marido, etc) e ele inclui a

mente;

2) o nível existencial, que é o principal, abrage o organismo como um todo, em suas

manifestações ligadas a psique, ligando-se ao símbolo da auto-imagem que cada pessoa

tem de si mesma e forma a consciência separada do eu. No nível existencial inclui a

mente e o corpo e é o que se percebe sob a auto-imagem, produzindo a sensação de que a

existência do sujeito se dá de forma apartada ou independente das suas experiências. O

nível existencial inclui a mente e o corpo;

3) o terceiro nível (mente), por sua vez, envolve a consciência mística, proporcionando a

sensação de que a pessoa se integra ao universo, ou seja, este nível constitui uma síntese

dos anteriores, pois inclui a mente, o corpo e o resto do universo, numa espécie de

simbiose.

A maioria dos enfoques ocidentais teve como objeto de análise os níveis do ego e

existencial, o que resulta na visão de que a pessoa é um individuo existente em si mesmo

e separado. Os enfoques orientais, por sua vez, privilegiam o nível da mente, o que faz

com que ultrapassem o egocentrismo no qual está limitado o enfoque ocidental, em

direção à transcendência da análise do eu individual.

O autor sustenta que cada enfoque oferece grandes contribuições e que podem ser

utilizados separados, como ocorre hoje, mas que as contribuições seriam ainda maiores se

fossem utilizados de maneira complementar, pois as psicologias ocidentais podem

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auxiliar as pessoas que vivem com o ego isolado, como se somente houvesse elas no

universo, para que percebam os demais seres e elementos que o integram, o que serviria

de preparação preliminar para a utilização dos enfoques orientais.

O que se constitui em equívoco é a visão fragmentada dos diferentes enfoques,

como se fossem antagônicos, pois são complementares: enquanto o ocidental visa a

fortalecer o ego e o fortalecimento da confiança, a integração do eu e a correção da auto-

imagem, com o estabelecimento de metas realizáveis (o que não libertaria a pessoa de

todas as dores e problemas, mas atenuaria as neuroses normais), a abordagem oriental se

propõe a transcender o nível do ego, no qual fica centrado o enfoque ocidental, buscando

a libertação, a virtude do absoluto e a iluminação, o que conduziria a um nível de

entendimento mais rico.

O autor critica aqueles que não ultrapassam o nível do ego em direção ao da

mente, embora não negue o valor das descobertas daqueles que ficam no nível do ego,

pois isso contribui para que se alcance o nível da mente. Todavia, diz que não se pode

pretender ter um visão total renegando-se o que existe nos outros níveis e com isso

introduz a noção de subavaliação, processo que permite a avaliação do que foi obtido

num determinado nível de consciência quando se ascende a outro. Assim, ao atingir um

outro nível, considera-se que aquele é mais real, mais básico e significativo que o

anterior, conduzindo ao sentimento de que os anteriores são ilusórios.

II. DOIS MODOS DE CONHECER

Da mesma forma que ocorrem os dualismos entre espírito e matéria, entre os

enfoques ocidentais e orientais da consciência, também ocorre entre os modos de

conhecer, que operam a partir de cisões.

Ao analisar os modos de conhecer, o autor sustenta que a busca pelo

conhecimento produz, paradoxalmente, ao desconhecimento, pois são produzidos campos

simbólicos para explicar o que é conhecido (para traduzir o que se conhece), e estes

campos simbólicos operam uma cisão entre o sujeito e o objeto, o pensador e o pensado,

o conhecedor e o conhecido, etc. Cria-se, assim, uma visão dualista do conhecimento que

acaba tornando o objeto falso em si mesmo.

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A forma de conhecimento dualística, que opera em cisão (colocando em campos

opostos o sujeito e objeto; mente e corpo; bem e o mal; verdade e falsidade; destino e

livre arbítrio; espaço e tempo...) é própria do ocidente, manifestando-se em sua filosofia,

teologia e ciência, todas oriundas da filosofia grega, que se estabelece sobre dualismos.

O enfoque dualístico produz uma série de contradições, mas apesar delas, ele se

encontra enraizado na forma de pensar e agir das pessoas, mostrando-se uma tarefa

bastante difícil superá-lo. A superação desta condição exige, segundo o autor, que se leve

às últimas conseqüências este enfoque, pois só assim será possível perceber as suas

insuficiências, possibilitando o discernimento dos enganos.

Um caminho para se levar às últimas conseqüências este enfoque, revelando seus

enganos, seria pela experimentação, mas o próprio autor revela as dificuldades disso,

posto que a maioria dos ramos da ciência também opera sob esta lógica. Assim, a

exceção da matemática, da física e da ecologia, que têm desafiado esta lógica, as demais

se mantêm dentro dela, o que demonstra que a percepção das fragilidades e insuficiências

do modo dualístico de conhecer é algo recente.

Ao evidenciar como se construiu este dualismo, o autor deixa claro que as idéias

de mensuração, de quantidade e a busca pelo conhecimento que tivesse como base a

razão (e não mais as revelações divinas) deram impulso às visões dualísticas, pois

operavam a partir de um corte, onde a realidade, vista como objetiva e mensurável ficava

separada das dimensões subjetivas, que envolviam a possibilidade de emoção. A

verdadeira observação e apreensão do sentido das coisas dependeria da separação entre

observador e observado, impondo-se ao primeiro neutralidade e afastamento para não

contaminar o objeto. A crença que vigorava era de que a ação do observador (o ato de

observar, mensurar, medir, verificar) não alteraria a realidade da coisa em si e que o

universo ficaria limitado somente ao que era passível desta verificação. Logo, tudo o que

fugisse deste limitado esquema, desta moldura, não existia ou sua existência era

insignificante.

Nesta acepção, o conhecimento é limitado a uma moldura criada, tornando-se um

conjunto de dogmas hermeticamente fechados e todo aquele que ousasse adotar posição

diferente diante da realidade seria logo criticado.

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A evolução da ciência, especialmente na área da física (com a revolução

quântica), conduziu os cientistas a perceberem que a construção dualística era um mito

(muito bem engendrado, mas um mito) e que a suposição, até então em vigor, de que era

possível trabalhar “[...] como amadores no universo, sem afetá-lo, era insustentável.”

(WILBER, 2007, p. 31). Finalmente, começava-se perceber, naquela área do

conhecimento, que sujeito e objetos estavam intimamente ligados, o que acaba por abalar

os fundamentos que serviram de base para a construção do conhecimento científico.

Portanto, ao lado da crença da cisão, começam a surgir alguns questionamentos,

tais como: se tudo pode ser medido e se somente o que pode ser verificável existe, quem

mede o verificador? Isso mostra que nenhum sistema observador pode observar-se

enquanto observa, o que evidencia um ponto cego, ou seja, o reconhecimento da

incompletude daquela construção.

III. A REALIDADE COMO CONSCIÊNCIA

A crença de que tudo era certo começa a ser abalada pelo sentimento de incerteza,

o que coloca em suspenso (ou interroga) a velha ciência, que reconhecia como existente

somente aquilo que era passível de verificação.

A maior dificuldade em refutar os argumentos contrários ao conhecimento

dualístico era a fonte de onde os questionamentos provinham, eis que a insuficiência de

suas bases tinha sido revelada pela física (pois se fosse denunciada pela filosofia seria

mais fácil desconsiderá-los). Era a própria racionalidade mostrando as insuficiências do

pensamento racional.

Os novos físicos (com destaque para Albert Einstein) tentam abandonar o

dualismo, a começar pelo dualismo entre espaço e tempo, energia e matéria e espaço e

objetos.

Wilber cita Eddington (2007, p. 35), numa passagem em que este autor explica

que há duas espécies de conhecimento: o íntimo e o simbólico, sendo que enquanto o

primeiro não se sujeita às codificações, não se traduzindo em conceituações e por isso

mantendo-se mais perto da realidade, o segundo se afasta dela, justamente porque tenta

codificá-la, o que conduz a que se perca a intimidade, substituindo-a pelo simbolismo.

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Assim, os símbolos que são criados para explicar a realidade acabam por distorcê-la,

criando uma imagem ilusória. Esta foi a atividade realizada pelas ciências, que não

trabalhavam com o própria realidade, mas com a impressão distorcida que se fazia dela,

ou seja, com as representações simbólicas do mundo, com suas imagens.

Assim, foram construídos mapas simbólicos para explicar a realidade, que é o

território. O maior problema consiste em que muitos, a partir disso, passaram a acreditar

que o território (a realidade em se tratando de conhecimento; a mente em relação à

consciência) consistia realmente naquilo desenhado no mapa geográfico, numa atitude

perigosamente reducionista.

Embora a ciência em geral tenha começado pelo modo simbólico de analisar a

realidade (atendo-se ao mapa), os progressos da física revelaram sua insuficiência,

apontando a necessidade de se chegar ao território. Da mesma forma isso acontece com

as abordagens religiosas, pois, conforme o autor, o Taoísmo reconhece duas formas de

conhecer: o conhecimento convencional (tal como o universo é convencionado pelas

pessoas) e o natural (como ele é realmente). O Hinduísmo caminha no mesmo sentido,

falando do modo superior e do inferior de conhecer as coisas, sendo o último a forma

inferencial de conhecer, baseada em conceitos e comparações que separam o conhecedor

do conhecido; ao passo que o conhecimento superior não opera nesta lógica de cisão. De

igual forma isso acontece na teologia cristã, com o conhecimento crepuscular (dual,

operando com mapas simbólicos) e o alvorecente (maneira divina de conhecer,

reconhecida pela teologia cristã. Isso não se mostra diferente do Budismo (WILBER,

2007, p. 38).

Portanto, quer na área das ciências, quer na das abordagens da consciência

(realizadas no ocidente e no oriente), ou nas religiões, o que fica evidente é que o modo

de conhecer e de explicar as coisas se dá pelo pensamento simbólico, calcado em

conceituações e representações construídas a partir da cisão entre sujeito e objeto,

representação da realidade e realidade, na qual esta última acaba limitada ao que

convencionalmente se entende como tal, havendo muita resistência em romper com este

modelo.

O autor refere que embora se saiba que a física já evoluiu, revelando que há duas

formas de conhecer a realidade e que o enfoque calcado nos simbolismos não conduzirá

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ao conhecimento do território (realidade), mesmo assim há grande resistência em

reconhecer as incompletudes desta visão, o que contribuiria para dificultar a sua

ultrapassagem. Desta forma, a pessoa fica presa, lutando com todas as forças para manter

a ilusão que construiu.

Ao transferir os ensinamentos sobre as duas maneiras de conhecer para os

diferentes níveis da consciência, diz que a identidade pessoal esta ligada ao nível da

consciência a partir do qual se opera e que as mudanças na forma de conhecer produzirão

alterações no sentido básico da identidade. Adverte, porém, que quando se afirma que o

conteúdo da forma não-dual de conhecer é a realidade absoluta (revela o universo como

realmente é e não como é convencionado e simbolizado), isso é apenas uma forma

metafórica de expressar esta idéia, vez que, ao separar em realidade e conhecimento da

realidade estar-se-ia recaindo no mesmo enfoque dualístico repudiado, o que o leva a

concluir (WILBER, 2007, p. 45):

Chegamos, portanto, a uma surpreendente conclusão. Visto que os modos de conhecer correspondem aos níveis de consciência, e visto que a Realidade é um modo particular de conhecer, disso se segue que a Realidade é um nível de consciência, o que, todavia, não quer dizer que a “substância” da realidade seja a “substância da consciência”, nem que os “objetos materiais”sejam realmente feitos de consciência, nem que a consciência seja alguma nuvem nebulosa de algum grude não-diferenciado. Quer dizer apenas – e aqui precisamos voltar atrás temporariamente, e recorrer à linguagem dualística – que a Realidade é o revelado a partir do nível não-dual da consciência a que demos o nome de Mente. Que ela é revelada é uma questão de fato experimental; o que é revelado, contudo, não pode ser precisamente descrito sem voltarmos ao modo simbólico de conhecer. Assim sendo, sustentamos que a realidade não é ideal, não é material, não é espiritual, não é concreta, não é mecanicista, não é vitalista – a Realidade é um nível de consciência, e só este nível é Real. (grifos do autor).

Com a percepção acima transcrita é possível, segundo o autor, juntar num só nível

o observador e o observado, ou seja, o sujeito e o objeto estariam fundidos e isso

proporcionaria a superação do modo dualístico de conhecer, o que, por conseguinte,

abalaria a própria noção de identidade, pois o objeto não seria mais estranho.

Para corroborar sua tese, apresenta as tradições que subscreveram esta idéia,

comunicando suas principais bases. Antes de adentrar na abordagem, porém, adverte que

é preciso tomar bastante cuidado com as palavras que serão utilizadas para indicar ou

sugerir a realidade, pois a linguagem recorre a imagens e símbolos, o que permite um

retorno às representações.

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Explica que no primeiro tipo de elaboração simbólica, as palavras podem ser

utilizadas de forma linear, unidimensional, analítica e lógica, reduzindo a complexidade

da realidade a simples linhas, como é comum nos tratados jurídicos e publicações

científicas. Esta classe pode dividir-se em dedutiva, indutiva, alógica, analógica, binária,

metalógica.

No segundo tipo, aparece a imaginação, o que relaciona esta elaboração simbólica

com as atividades artísticas, com os sonhos e, embora não se apresente de forma lógica,

como o anterior, em verdade carrega um significado que pode ser percebido com um

simples olhar.

O problema destas duas formas de elaboração simbólica é que nenhuma delas

consegue explicar a realidade, pois utilizam os meios: a) analógico (descreve a realidade

como parece ser), b) negativo (descreve a realidade de modo negativo, o que significa

que é desviando os olhos dos mapas que se consegue chegar ao território) c) e injuntivo

(que convida a conhecer a realidade por si só, o que demonstra que embora a realidade

não posa ser descrita, pode ser indicada por grupos de regras e experiências, o que leva a

sustentar que a mente ou consciência é a realidade; apresenta a idéia do que se pode fazer

para chegar à realidade). Assim, somente este último meio permitiria que se chegasse à

realidade.

Faz um retorno às tradições para mostrar que o modo de conhecer que não faz a

separação entre sujeito e objeto, mas que os integra (universo que se conhece a si mesmo)

corresponde à mente.

Capítulo IV. TEMPO/ETERNIDADE, ESPAÇO/INFINITO

O autor inicia o capítulo dizendo que a realidade é um nível de consciência, o da

mente não-dual e que falar sobre isso é bastante difícil, porque quase todos os autores e

pessoas trabalham com a idéia de que a consciência não pode estar no objeto,

pertencendo apenas ao sujeito que conhece, reproduzindo uma forma de raciocínio que é

resultado da visão dualística. A partir do momento em que se reconhece que a

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consciência é a realidade e que esta é não-dual, a consciência pode ser encarada como a

Subjetividade Absoluta, que fica acima do dualismo, abrangendo os dois.

Ele faz uma crítica porque a maioria das pessoas sente que o seu ego, o seu eu, é o

sujeito das suas experiências e pensamentos, mas na verdade, o eu subjetivo é apenas um

objeto de percepção, não sendo um sujeito real. O que olha, vê, não é o eu (ego

subjetivo), pois seu o meu eu pode ser percebido, ele não pode ser o que percebe.

A partir disso o autor faz toda a análise da questão da subjetividade e introduz o

conceito absoluto do eu-eu, a mente que pensa antes de pensar-se, explicando que isso é a

chamada Subjetividade Absoluta (antes nominada como consciência não-dual). Quando

ele fala em mente como subjetividade, não quer caracterizá-la como objetiva ou

subjetiva, mas se refere a algo que mantém em harmonia o sujeito e o objeto.

Diz que é um equívoco tomar o ego pelo eu, separando o eu dos objetos externos,

pois isso vai recair no modo dualístico e simbólico de conhecimento.

Todo o equívoco e fonte de ilusão é o processo de objetivação, em que se tenta

reduzir a realidade num objeto que é visto através de um sujeito. A ilusão se origina da

forma como se trabalha com os mapas simbólicos, sendo que a realidade nunca é vista

como um sujeito e sim como um símbolo que expressa a realidade.

A conceituação e a objetivação são atos primordiais da objetividade e isso causa a

falsidade da Subjetividade Absoluta. Esta constatação não significa que o homem deva

abandonar o uso da linguagem, apenas deixa claro que para chegar até o território é

necessário identificar os símbolos que são utilizados para representá-lo e não confundir

os símbolos com a realidade.

O modo de conhecer não-dual é universalmente reconhecido, da mesma forma da

metáfora da Subjetividade Absoluta. Na teologia cristã se utiliza a idéia de divindade

(reino dos céus), no Hinduísmo é tratado por Artman (o conhecedor supremo em cada um

de nós); no Budismo Mahayana este dentro do qual é além chama-se Dharmadhatu ou

campo universal; no Budismo Ch’na, a posição de Subjetividade Absoluta é do estado de

conhecer a realidade não-dualmente e denomina-se Anfitrião, em oposição a conviva, que

é o que conhece a realidade através de conceitos objetivos. No Taoísmo, o homem que

conhece a realidade é o homem superior.

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É interessante que o autor faz uma síntese disso dizendo que toda a discussão

sobre a Subjetividade Absoluta, o que conhece (também chamado de homem supremo, o

anfitrião, a testemunha, a subjetividade absoluta, a divindade, homem universal) é a

Mente, a própria realidade. O que é separado, o homem como objeto de conhecimento, é

o ego, a pessoa individual, separada e alienada.

Para o autor, a separação entre sujeito e objeto é feita pelo espaço. O espaço, ao

criar a separação, conduz a que se pense que o eu subjetivo é real e que ele está separado

dos objetos de percepção. O autor diz que isso é falso, pois o eu não é real, já que pode

ser observado e percebido. No momento em que se coloca o sujeito separado, ele é

apenas um complexo de elementos com os quais o homem se identifica, sendo apenas um

pseudo-sujeito.

Na procura do verdadeiro eu, o que se encontra na verdade são objetos de

percepção. Na Subjetividade Absoluta, por outro lado, não há o espaço entre sujeito e

objeto, não há distanciamento e sim comunhão entre sujeito e objeto.

Toda a criação, inclusive o espaço, é uma ilusão, pois o verdadeiro eu não

conhece o universo à distancia. Da mesma forma, o infinito está presente em cada ponto

do espaço e todo o infinito está presente em cada ponto do tempo, pois todo o tempo é

agora e todo o espaço é aqui (WILBER, 2007, p. 75).

O autor refere que há um consenso filosófico de extensão universal que entende

que a realidade é eterna.

O Budismo tem como meta despertar para o presente eterno, e isso mostra a idéia

de que o tempo não tem existência real. Na mesma senda segue o Islamismo, pois

Jalalu’d Rumi, ao falar de Deus, diz que a Sua existência em relação a um tempo passado

ou futuro é convencionado pelas pessoas e que o verdadeiro seguidor o Islamismo

Esotérico se chama Filho do Momento (WILBER, 2007, p. 77).

Na mesma linha vão os físicos quânticos, que destruíram a noção de tempo serial

e substituíram isso pelo aqui-agora infinito e é por isso que a mente não pode ser

destruída pelo tempo.

A idéia central é de que a mente não pode ser destruída pelo tempo, pois ela é

atual, é agora.

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A mecânica quântica e a teoria da relatividade produziram uma nova teoria, de

que espaço, tempo e objetos são contínuos. O espaço é algo que encerra objetos e ele não

existe fora dos objetos, pois circunda os objetos. Espaço e objeto, então, são um. Como

os objetos precisam ter uma duração no tempo, a existência da duração depende dos

objetos, pois sem eles não haveria esta duração. Isso mostra que tempo e objeto são um e,

por conseguinte, espaço e tempo também são um, mostrando que espaço, tempo e objeto

são dependentes e inseparáveis (WILBER, 2007, p. 77).

O autor lembra que as coisas são produtos do pensamento (convencionais) e não

reais e segundo sua visão, a coisa é apenas uma figura recordada.

O autor apresenta uma explicação para a linha do tempo, dizendo que o homem

corta o mundo num vasto número de fatias e vai dispondo delas linearmente,

sucessivamente. Esta linha pela qual utiliza as coisas é o tempo. Assim, o tempo nada

mais é do que a maneira sucessiva de que se vale o pensamento para encarar o mundo

(WILBER, 2007p. 79).

Como o homem olha para as coisas de forma linear, sucessiva e temporal, conclui

que a natureza segue desta forma e ignora que esta linearidade não existe, sendo apenas

uma maneira como as coisas são vistas. Na verdade, há um número infinito de processos

que ocorrem ao mesmo tempo, simultaneamente: acontece a todo o momento, em toda a

parte, e isso faz com que a natureza não prossiga numa linha linear.

A idéia de que há uma coisa que procede a outra está ligada à memória, pois sem

memória não se teria a noção de passado, que é o que informa e projeta um tempo futuro.

É a memória que conduz esta informação sobre estes fenômenos, criando a ilusão do

tempo.

Com isso fica-se com a idéia de que a memória informa sobre algo real, o que

produz um sentido vivo do tempo, fazendo crer que ele está se movendo em direção ao

futuro. Na verdade, quando se utiliza a memória, não se está trabalhando com o passado

real, mas como imagens que são um pensamento presente. A mesma coisa vai acontecer

com o futuro, que vai ser sempre um pensamento presente. Só se consegue conhecer o

passado e o futuro como parte do presente. A mente será sempre o agora e este é somente

o único tempo que existe (isso já era dito por Santo Agostinho). O passado se identifica

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com a memória e o futuro com a expectativa e ambos ocorrem no presente, conforme

entendimento de Bertrand Russell (WILBER , 2007, p. 80).

Quando se consegue compreender que a memória é percebida como experiência

do presente, tal qual a expectativa do futuro, a ilusão do tempo cai por terra. Isso conduz

ao desmoronamento do passado e do futuro e o tempo se esvai na eternidade.

O autor nega a existência do tempo e do espaço e diz que para ver o mundo

corretamente, experimentando a Subjetividade Absoluta, além de abolir o dualismo

temporal e o dualismo espacial (todos ilusórios) tem que se compreender que tempo e

espaço não podem ser abolidos porque não existem, não passando de ilusões criadas.

O estado de percepção que não é dual é a mente, pois é ela que mostra que o

sujeito não se desprende do objeto. A percepção não-dual é a Subjetividade Absoluta.

O verdadeiro conhecedor é o que está em comunhão com o universo de

conhecimento: a Subjetividade Absoluta conhece o universo simultaneamente, sem

seqüência de tempo ou espaço.

O autor diz que como a maioria das pessoas esquece disso, ele seguirá a idéia do

espectro da consciência desde a base até o momento em que somos egos divorciados do

corpo.

CAPÍTULO V. EVOLUÇÃO DO ESPECTRO

Para acontecer a compreensão, para descrever a geração do espetro a partir da

Subjetividade Absoluta é preciso compreender que existe a só mente não dual, e que

isso faz a pessoa se identificar com o todo e ficar em comunhão com o universo.

Quando isso acontece se está no primeiro nível da consciência, que é a mente.

Como o homem apresenta dualidades e cria mundos (irreais, aparentes) acaba se

segurando no dualismo eu/não-eu, organismo/meio ambiente, e com isso se transfere de

uma identidade cósmica, com o todo, para uma identidade pessoal, com o seu organismo.

Quando isso ocorre tem-se o segundo nível da consciência, que é o existencial,

mostrando o homem identificado com o seu organismo.

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Isso é tão sério que a maioria das pessoas não se identifica nem mesmo consigo,

pois não se considera um corpo, mas que tem um corpo. O eu que tem é o ego e com isso

faz com que a pessoa se transfira de um organismo como todo para o ego, ficando

resumida a ele. Neste momento, tudo fica centrado no terceiro nível da consciência, que é

o ego.

O autor explica que cada nível do espectro da consciência representa a aparente

identificação da Subjetividade Absoluta com um grupo de objetos, como se estivessem

um contra os outros. O espectro tem várias faixas e níveis, embora o autor advirta que só

escolheu alguns níveis para trabalhar mais pormenorizadamente e que seu estudo será das

distinções sobrepostas à realidade.

O autor explica (p. 89) que quando o homem corta alguma um espaço, cria dois

mundos a partir de um e pousa diretamente num mundo de aparências. Este rompimento

é o dualismo primário (separa entre conhecedor e conhecido, infinito/finito).

O autor diz que ao criar mapas simbólicos, o homem se perde e não chega até o

território. O ato de cortar, de criar o universo a partir de corte dá origem ao dualismo

primário.

Na verdade, segundo sua tese, todas as pessoas são ignorantes porque não

conseguem superar o modo dualístico de ver e o pensamento é o principal instrumento

que produz esta ignorância, pois é ele que é responsável pela criação do universo

convencional.

O autor mostra como se deu a cisão, fala da teologia cristã, onde são utilizadas

imagens para apresentar ao intelecto algumas sugestões do infinito e fala da forma como

se criam palavras para representar o pensamento, produzindo cisões: luz e trevas, água e

águas (Gênese), dia e noite, macho e fêmea (expressa muito mais a dualidade do que

sexualidade). Quando Adão come o fruto da árvore do conhecimento, este conhecimento

é do bem e do mal, ou seja, tudo expressa uma idéia dualística (WILBER, 2007, p. 92-

93).

As duas metades do dualismo podem ser chamadas de sujeito/objeto;

macho/fêmea; interior/exterior; céu/terra; sol/lua; ying/yang; eu/outro; libido do

ego/libido do objeto; organismo/meio ambiente.

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Da mesma forma como o dualismo primário, o homem se vê identificado com o

seu organismo e em confronto com o meio ambiente. Isso o faz imaginar real este

dualismo, o que principia o espectro da consciência.

Utilizando-se de uma série de desenhos, a começar por uma grade, explica que a

partir do que é construído já não se enxerga mais a unidade que estava sob ela, que é não

notada quando fica reprimida e entrecortada pela grade, tornando-se a multiplicidade de

coisas separadas. Representa o que acontece quando se pega a não-dualidade, reprime e

projeta ela como multiplicidade, originando o dualismo-repressão-projeção (WILBER,

2007, p. 96).

Wilber (2007, p. 97), a partir de um complexa construção, explica que o dualismo

primário é o dualismo-repressão-projeção, que desmembra o processo, reprime-lhe o

caráter não-dual ou unitário e projeta-o como dois pontos aparentemente antagônicos.

Isso gera uma nova faixa do espectro da consciência, o que aumenta a ignorância do

homem sobre a sua Identidade Suprema.

As faixas entre o nível da mente e o nível existencial são denominadas de faixas

transpessoais, onde se encontra o inconsciente coletivo, a percepção extra-sensorial, a

testemunha transpessoal, a projeção astral, as experiências fora do corpo, as

clarividências (WILBER, 2007, p. 97).

O autor explica que o nível existencial é produzido com o dualismo primário-

repressão-projeção, no qual se desmembra a mente, reprimindo-se a sua não-dualidade e

logo a projetando como organismo versus meio ambiente. Isso faz com que tudo se

concentre na identidade pessoal e o todo é convertido para o seu organismo, fazendo com

que ele saia da subjetividade absoluta para o mundo de dualidade, marcado pela cisão

sujeito/objeto.

Este processo origina a criação do espaço (o espaço é produzido pelo

distanciamento entre o vedor e o visto) ocorrendo a produção do tempo, cuja gênese traz

a evitação da morte pelo homem.

O medo da morte surge exatamente da separação que ele produz entre o homem e

o meio ambiente, o que faz com que a existência do seu organismo ganhe destaque e se

torne um problema soberano para o homem. Como ele não consegue compreender que a

vida e a morte são uma coisa só, passa a temer a morte e a aniquilação, e deste dualismo

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primário segue-se o segundo dualismo: repressão-projeção: “[...] o homem desmembra a

unidade entre a vida e a morte, reprime-a e projeta-a como guerra contra a

morte”(WILBER, 2007, p. 100).

O autor explica que ao fazer isso o homem desmembra a unidade do momento

presente, pois ao recusar a morte, ele recusa o fato de não ter futuro. Ao fazer isso, ele

também recusa o momento presente e ao recusá-lo, não vive de maneira alguma.

No nível existencial, a fuga da morte, além de gerar a cega vontade de vida, ainda

colore cada parte da vida, fazendo com que se produza uma imagem idealizada das

coisas, que é o ego. Wilber (2007, p. 101) explica que “[...] na ansiedade de fugir à morte,

a vida do próprio organismo se desmembra, sua unidade se reprime e, em seguida, se

projeta como psique versus soma, como a alma versus o corpo, como o ego versus a

carne.”

Como a imagem ideal de si mesmo (o ego) parece prometer algo mais ao homem

(a imortalidade) a sua fuga da morte é, ao mesmo tempo, a fuga ao corpo, origina-se o

terceiro dualismo-repressão-projeção: psique versus soma. Tudo o que resta à mente é a

percepção do corpo, que é sentido como algo sobre o qual o homem tem propriedade.

No momento em que ocorre a identificação exclusiva do homem com o ego e a

simultânea alienação do corpo, o homem é conduzido ao modo dualístico e simbólico de

conhecer.

O autor refere que ao lado da percepção dual e simbólica existe a percepção

organísmica, que é sensual e não-simbólica, não-conceitual. A percepção organísmica é a

percepção do presente, sendo intertemporal e inespacial. Esta percepção, por ser pura,

participa da Subjetividade Absoluta.

Os dualismos construídos (primário e secundário, com a separação simbólica

entre interior e exterior; passado e futuro) limitam e reduzem a Identidade Suprema do

homem, fazendo com que ele fique no nível existencial, ou seja, identificado tão-somente

com o seu organismo tal como existe no espaço (dualismo primário) e no tempo

(dualismo secundário). Estes dois dualismo, operando juntos, transformam a percepção

organísmica não-limitada (Subjetividade Absoluta) em percepção existencial. (WILBER,

2007, P. 104).

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Como a percepção existencial envolve tempo e espaço e o homem tenta

desesperadamente ter outro presente a sua frente (ou seja, ter futuro, fugir da morte),

acaba produzindo um presente efêmero. A geração do tempo, sobretudo como presente

passageiro, está intimamente ligada à vontade, fazendo com que o nível existencial seja

marcado pela vontade que o homem tem de vida contra a morte (vontade deve ser vista

como um ato de ser total da pessoa) (WILBER, 2007, p. 105).

O autor diz que todos estes aspectos do nível Existencial são o que parecem ser a

Mente após a ocorrência do Dualismo Primário (cisão entre interior/exterior – espaço) e

do Dualismo Secundário (cisão entre passado e futuro – tempo) e que embora o homem

compreenda mal o que acontece, em verdade, neste nível Existencial, o homem ainda

está em comunhão com os sentidos e o corpo. A percepção existencial pode se chamar

centáurea.Todavia, no momento em que se produz o Dualismo Terciário (separação da

psique da carne, fuga do homem para um mundo de símbolos estáticos) o centauro se

esfacela e o homem passa a identificar-se unicamente com o seu ego. O Dualismo

terciário nada mais é do que a cisão entre a psique e a soma, o que conduz o homem ao

Nível do Ego.

Quando o homem atinge o nível do Ego, ele corta todos os vínculos

remanescentes com a consciência organísmica não-dual e ele aceita que, em lugar da

realidade, seja colocada a intelecção, a fantasia, a imaginação. O conhecimento do mapa

simbólico se cristaliza plenamente.

O autor, após apresentar algumas evoluções sobre o nível do Ego, retorna ao

Nível Existencial para dizer que nele o homem, embora erroneamente, ainda está em

contato com o seu organismo total, sua unidade psicossomática e que este nível apresenta

como principais dualismos o eu versus o outro (o organismo versus o meio ambiente) e a

vida versus a morte.

O autor refere que neste nível o dualismo que se mostra mais facilmente é o eu

versus o outro, ou seja, o sentimento de identidade parece estar destacado do meio

ambiente. Caso este dualismo se dissipasse, haveria a transferência do homem para o

Nível da Mente.

Conforme ressaltado, há inúmeros fatores (biológicos, culturais e sociais) que

interferem na formação do Nível Existencial, moldando como o organismo percebe e age

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em relação ao meio ambiente. Cada indivíduo interioriza a sociedade de uma forma, o

que produz a faixa Biossocial, que representa os limites superiores do nível Existencial.

Esta faixa é inconsciente (WILBER, 2007, p. 108).

Dentre os vários conjuntos de relações que constituem esta faixa, a linguagem

desempenha um importante papel, pois ela cria distinções, ou seja, a linguagem e seu

produto de intelecção abstrata constituem a principal fonte de dualismos do homem.

Desta forma, os processos lingüísticos cumprem importante papel de fatiar a

realidade, introduzindo dualismos e depois, ingenuamente, o homem acredita neles.

A faixa Biossocial (com a linguagem e as instituições sociológicas) é a matriz das

distinções que dividem convencionalmente o universo, reforçando os dualismos (como

sujeito/verbo que reforça o dualismo primário organismo versus meio ambiente).

A Faixa Biossocial ainda cumpre outras três funções: a) faz parte do sentimento

de o homem ser separado e distinto do meio ambiente, modelando e enrijecendo o

dualismo entre o eu e o outro; b) fornece símbolos para o pensamento, produzindo idéias;

c) oferece alimento para o pensamento e também alimento para o ego, agindo como

reservatório a partir do qual muitas características do ego são modeladas.

Wilber (2007, p. 111) resume da seguinte maneira a geração do espectro da

consciência no Nível do Ego:

O dualismo Primário ocorreu, reprimindo a Mente, projetando-a como

organismo versus meio ambiente, e gerando o Nível Existencial à

medida que o Homem se identifica com o seu organismo em contraste

com o meio ambiente. Isso desencadeia o Dualismo Secundário da vida

versus morte, o qual, por seu turno, gera o dualismo Terciário entre a

psique e o soma, que assinala a emergência do Nível do Ego.

O Nível existencial é definido como identificação sentida mais ou menos total

(organismo psicossomático existente no tempo e no espaço) e o Ego é a representação

simbólica e mental do organismo psicossomático, ou seja, é uma auto-imagem

relativamente precisa, de acordo com a convenção, sendo relativamente aceitável e

saudável. O eu, desta forma, é apresentado como um conjunto de lembranças,

identificado com o passado.

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Como esta constante miragem do passado não lhe traz felicidade, ele projeta o

futuro, como se houvesse um bonito prêmio ao final da caminhada. A ilusão da

premiação o consola e faz agüentar as misérias do presente.

Como o ego passa o tempo todo correndo atrás da felicidade futura, logo ele

começa a identificar a felicidade com o fato de correr atrás, e isso faz com que se corra

cada vez mais depressa. O Ego jamais consegue experimentar a alegria, que é do

momento presente. Como ressalta Wilber (2007, p. 113) “Assim o homem, no Nível do

Ego, tenta evitar a morte do Momento intertemporal vivendo num passado que não existe

e buscando um futuro que nunca chegará.”

Segundo o autor, o instrumento que o homem utiliza para esta tentativa é o mapa

simbólico. Isso oferece problemas quando se confunde o mapa com o território,

passando-se a acreditar que a realidade é tal qual a forma como é reproduzida.

Nesta linha de idéias, o autor diz que o conhecimento do mapa simbólico é um

dos ingredientes do processo de transferência de informação, conhecido por

comunicação, fenômeno complexo, que pode operar em vários planos distintos, pois

junto com a linguagem há a metalinguagem (o autor fala da linguagem do corpo), que

pode contribuir para que se entenda a mensagem (ou não). Muitas vezes a pessoa se

confunde na análise da linguagem e da metalinguagem, o que a conduz a atribuir

significados diversos a esta última, produzindo problemas em seus hábitos

metacomunicativos. Isso forma o quarto Dualismo-Repressão-Projeção ou dualismo

quaternário-Repressão-Projeção - o que acontece quando as mensagens e metamensagens

se contradizem mutuamente (WILBER, 2007, p. 114).

A distorção dos processos de comunicação e metacomunicação podem se dar ao

Nível do Ego - predominantemente (embora não se dêem somente neste Nível), o que

ocorre quando o indivíduo separa e aliena de si certas facetas, não as percebendo em si

mesmo, mas as projetando no meio ambiente. Isso conduz ao empobrecimento da auto-

imagem da pessoa.

O autor chama a auto-imagem inexata e empobrecida de persona e as facetas

repudiadas e alienadas ao meio ambiente ele denomina de sombra. Com isso, o homem

impõe um dualismo ao seu próprio Ego, gerando o Dualismo Quaternário-Repressão-

Projeção (WILBER, 2007, p. 116).

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Quando o homem renega facetas que são suas, fazendo-as parecer que pertencem

ao outro, estas facetas acabam por persegui-lo (efeito bumerangue), produzindo sintomas

neuróticos. Esta fusão quaternária origina o nível final do espectro da consciência, que é a

Sombra.

Estes níveis estão interligados e é por isso que o autor não apresenta uma

cronologia real aos quatro dualismos principais, apenas propondo que os dualismos

começam pelo primário e terminam no quaternário.

VI. RESENHANDO AS TRADIÇÕES

Neste capítulo o autor não apresenta nenhuma idéia nova, apenas explora o modo

como as diversas tradições analisam ou trabalham com os dualismos (primário,

secundário, terciário e quaternário) antes apresentados.

Retoma a idéia de que os dualismos fazem com que a percepção da realidade, do

mundo e da pessoa fique distinta de si e, por conseqüência, apresente falsidade,

afirmando que o universo só existe realmente quando é percebido por meio do senso e da

sensibilidade não-dual.

As idéias apresentadas neste capítulo são acompanhadas de diagramas que,

segundo o autor, facilitariam o entendimento. Apesar de seu esforço, ele mesmo admite

que a utilização dos diagramas não apresenta corretamente os níveis da consciência, pois

a mente fica disposta em lugar como se fosse do mesmo nível ou igual a qualquer outro

nível do espectro, o que não é correto. Informa que a mente é o não-nível, ou seja, a base

de todos os níveis, mas que como não é possível desenhar imagens sobrepostas, usa

diagramas para representar as idéias, embora ciente de suas insuficiências.

Refere o mito da Caverna, de Platão, para dizer que o homem, porque tem as

costas voltadas para a luz, vê apenas as sombras e fica fascinado por esta visão ilusória,

construindo grandes sistemas de ciência e filosofia para explicar estes fantasmas

ilusórios.

Ao confrontar a descrição da consciência com as várias tradições metafísicas, o

autor traça a seguinte explicação:

Na Psicologia vedântica há a introvisão de que o Brahman-Atman é a única

realidade e sua busca é pela compreensão do porquê o homem não conseguir identificar

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sua básica e suprema identidade com Brahman, aceitando cegamente os dualismos, um

mundo de ilusões (maya) e um mundo de sofrimento (samsara). O homem ficaria preso

em invólucros (kosas) o que obscurece sua própria identidade com o Absoluto.

Semelhante a uma cebola, o homem seria constituído de várias camadas, ficando a

realidade enterrada no centro da cebola, sendo a casca mais externa (invólucro da

existência material) equivalente ao ego. As camadas entre o ego e a realidade constituem

o corpo sutil, sendo o invólucro da vitalidade (vontade de viver, de sobreviver a tudo) da

discriminação e do raciocínio (inclinação básica, parte adquirida e parte inata, para

estender sobre o real uma série de dualismos). A parte mais central é ocupada pela

Realidade do Centro, consciência de Brahman que sustenta os cinco invólucros.

A idéia dos invólucros, utilizada pela psicologia vedântica (Hinduísmo Vedântico)

é muito semelhante, segundo o autor, aos espectros da consciência.

No Budismo Mahayana há oito vijnanas, que correspondem à evolução do

espectro da consciência. Ao nível da mente corresponde o Citta (consciência absoluta ou

não-dual). No momento em que surge o primeiro dualismo, os oito vijnanas evolvem ,

sendo que o primeiro a evolver é a consciência do depósito (alaya-vijnana), onde ficam

guardadas todos os arquétipos de todas as ações do homem. Para cima e para fora da

Citta tem-se o manas (pensar, tencionar, sendo que aqui se cria a idéia de sujeito e objeto

discriminados da pura unicidade e se produzem os desejos baseados em visões e juízos

errados – dualismos). A manas corresponde ao segundo dualismo, onde fica

desmembrada a vida e a morte e o homem tem cega compulsão por sobreviver, o que dá

origem à terceira função da manas, que é o sentimento do EU como sujeito isolado de

todas as demais experiências. O manas se identifica com o nível existencial. Continuando

a evolução dos vijnanas, o autor diz que o nível seguinte ao manas é o Mano-vijnana,

traduzido pelo intelecto (poderes simbólicos e abstrações, o que leva o homem a

identificar-se com a apreciação intelectual de si mesmo, com seu ego). Os demais

vijnanas correspondem aos cinco sentidos. Nesta tradição, o alaya é o equivalente de

Atman (para o Hinduísmo vedântico) e a Mente (para o autor).

No Budismo Zen há harmonização com estes oito vijnanas, o que não impediu

que os mestres budistas desenvolvessem suas próprias interpretações, apresentadas pelo

autor na seqüência do livro (WILBER, 2007, p. 139-141).

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O Busdismo tibetano também apresenta, em sua psicologia, similaridade com o

espectro da consciência, sendo quase idêntica ao Hinduísmo Vedantino (construída sobre

a idéia dos cinco invólucros – metáfora das cascas da cebola).

Desta forma, o autor conclui que os sistemas psicológicos das grandes tradições

metafísicas se harmonizam com a construção que ele propõe e que o espectro da

consciência é uma versão moderna desta psicologia que ele chama de perene, que

congrega a um só tempo as introvisões ocidentais (centrada no nível do EGO) e orientais

(calcada no nível da MENTE). Volta a referir a importância de se entender que as

abordagens se complementam misteriosamente, pois tomadas em conjunto elas exploram

todos os espectros da consciência.

Wilber (2007, p. 144-154) se utiliza da mesma lógica impressa nos capítulos

iniciais e mostra que a complementaridade dos enfoques do espectro da consciência

(entre ocidente o oriente) também se apresentam nas maneiras de conhecer

(epistemologicamente) e que isso se dá a partir das idéias de mapa simbólico e de

percepção não-dual.

Sustenta que a ciência e a filosofia do ocidente se propõem a separar o

conhecimento falso do verdadeiro; enquanto o oriente tenta chegar ao conhecimento

absoluto, à verdade absoluta e estas noções diferentes de realidade, existentes em cada

um dos enfoques, conduzem a que se identifiquem e se construam noções distintas de

psicopatologias.

Wilber apresenta, sucintamente, o pensamento de três autores que ele considera

mais “ocidentais”. Em síntese, o primeiro autor apresentado – Gurdjieff – sustenta que no

nível das sombras (de dor e medo consideráveis) pode-se chegar ao outro extremo, ou

seja, embora muito raro, é possível que o nível das sombras conduza aos níveis mais

positivos do espectro (embora advirta que eles continuarão não passando de uma

caricatura dos aspectos positivos) (WILBER, 2007, p. 147).

Na seqüência, invoca o psicanalista e intérprete da filosofia oriental Hubert

Benoit, que apresenta níveis da consciência similares aos propostos por Wilber,

reconhecendo o nível da Mente, o Nível Existencial, o Nível do Ego e o Nível da

Sombra, que os apelida de Princípio Absoluto, consciência emotivo-subjetiva,

consciência objetiva e diabo (respectivamente). O que chama mais a atenção de Wilber

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(2007, p. 148) é a forma como Benoit associa o Absoluto com Energia, dizendo que a

reação primária que se tem quando é agredido, por exemplo (a enorme explosão de

energia) é o modo não-dual de sentir. Quando se desenvolve a reação secundária, ou seja,

quando esta energia é traduzida em raiva, em algo negativo, ela aflora numa grande

explosão (forma simbólica de conhecer e sentir). Segundo os ensinamentos de Benoit os

fenômenos do universo são formas de energia e ela pode ser mobilizada de forma não-

dual ou de forma dual. A energia mobilizada no nível da Mente é pura, sem forma,

intertemporal e infinita, mas começa a se desintegrar à medida que vai se elevando aos

demais níveis do espectro da consciência.

VII. INTEGRANDO A SOMBRA

A partir da narrativa de uma experiência assistida por Freud e que teria modulado

todo o seu pensamento, Wilber introduz a idéia de que a verdadeira razão do homem é

inconsciente e que em verdade este não sabe o que determina suas necessidades e

motivações. A inconsciência das suas motivações e desejos faria com que nunca

conseguisse satisfazê-las plenamente, produzindo insatisfações que resultariam em

doenças.

Wilber (2007, p. 159) diz que o próprio Freud foi o causador de algumas

confusões, pois para ele primeiro a natureza dos desejos se ligava ao sexo e à

sobrevivência; depois teria pensado que eram relacionados ao amor e á agressão e, por

fim, que estariam relacionados à vida e à morte, sendo que desde este momento, segundo

Wilber, Freud estaria tentando descobrir as verdadeiras necessidades do homem.

O autor apresenta uma série de outros pensadores, dizendo que cada um deles

identifica as necessidades, desejos ou instintos de forma diversa, o que produz uma série

de escolas psicoterapêuticas, gerando enorme confusão. Segundo ele, esta confusão seria

resolvida utilizando-se o modelo que criou (o espectro da consciência), que permitiria o

desvelamento do que há por trás da aparência de ordem.

Reitera que cada escola ou psicoterapia se dirige a um espectro diferente da

consciência e que as conclusões a que chegam são complementares. Cada nível do

espectro da consciência (Mente, Nível Existencial, Nível do Ego) é produtor de uma

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classe de doenças, sendo que sua natureza piora na medida em que o espectro é escalado.

Explica que desenvolverá seu raciocínio a começar pelo nível da sombra, avançando em

direção ao Nível da Mente, fazendo, logo a seguir, o caminho inverso.

Sustenta que no Nível da sombra não existem somente os aspectos maus e

demoníacos (agressividade, etc), havendo também os bons, enérgicos e divinos e que por

mais que se tente alienar estes aspectos, projetando para outros, eles fazem parte da

pessoa.

No Nível do Ego, além dos aspectos ou facetas não parecerem da pessoa, elas

ainda parecem existir no meio ambiente, nos outros, o que faz com que as energias

projetadas nos outros acabem se voltando contra a própria pessoa que as alienou, num

efeito bumerangue. Sustenta que o homem projeta tanto as emoções positivas, quanto as

negativas, criando verdadeiros bichos-papões que depois passam a aterrorizá-los

(WILBER, 2007, p. 163).

A projeção produz dualismos como os bons contra os maus/ honestos contra

desonestos/ belos contra feios e assim por diante e que o homem projeta nos outros e nas

coisas o que está dentro dele. Entender este mecanismo se projeção permite que se

conheça alguém a partir do que ela diz a respeito dos outros. Assim, as emoções não são

intersubjetivas, mas são experimentadas dentro da pessoa, entre seus diversos níveis do

espectro da consciência.

O autor apresenta vários exemplos de projeções: projeção de emoção positiva

(caso de John que tem encontro marcado com Mary e que ao se dirigir para a casa da

moça é recebido pelo pai dela - p. 164); exemplo de Jack que quer limpar a garagem (p.

165); projeção de emoções negativas, como o exemplo de Marta, que manteve contato

com emoções negativas de ódio enquanto estudava em escola no leste, o que fazia com

que sua experiência com o ódio não fosse do tipo violento e quando ela muda de escola e

perde contato com o seu ódio, passa a achar que o mundo a odeia e com isso não percebe

que é ela que odeia o mundo. Como reprime e projeta o ódio, passa a não ter mais

controle sobre ele, que explode de forma descontrolada (p. 168-169). A projeção Pode

acontecer a projeção de qualidades positivas (como acontece quando se projeta toda a

admiração e a sabedoria num professor, terapeuta, namorado, etc) e projeção de

qualidades negativas, como preconceitos e formalismos.

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Wilber sustenta que a projeção que acontece no nível do ego é identificável

facilmente, afirmando (2007, p. 171-172): “[...] se uma pessoa ou uma coisa no meio

ambiente nos informa, provavelmente não estamos projetando; por outro lado, se ela nos

afeta, o mais provável é que sejamos vítimas de nossas próprias projeções.”

Segundo ele, o primeiro passo para obter a cura das projeções da sombra é

assumir a responsabilidade pelas projeções e o segundo passo consiste em inverter a

direção da própria projeção, pois o que parece estar nos outros, em verdade está na

própria pessoa. Na mesma linha de raciocínio, o que parece provocado ou causado pelos

outros, em verdade é produzido pela própria pessoa.

Assim, antes de tentar enfrentar as demais pessoas (opostos), é necessário que se

tente enfrentar o desejo secreto de conservar e manter os próprios sintomas. Não se pode

se livrar (simplesmente dos sintomas), pois isso é mascarar a situação, não enxergando

que eles são produzidos pela própria pessoa. Ao contrário de se livrar do sintoma, o ideal

é que a pessoa tente experimentá-lo em toda a sua extensão e profundidade, pois isso

permitirá que se perceba que sua origem está na própria pessoa, lhe dando condições de

parar com aquele comportamento. Com isso o autor propõe que a pessoa assuma a

responsabilidade pela sua sombra e, no passo seguinte, inverta a projeção.

VIII. O GRANDE FILTRO

Neste capítulo o autor se propõe a explorar o que acontece na faixa Biossocial e o

seu uso equivocado. Esta faixa se encontra acima do nível Existencial e representa os

limites superiores deste nível. Os dualismos mais salientes desta Faixa são vida/morte;

passado/futuro; eu/outro; organismo/meio ambiente e aqui o homem se sente

fundamentalmente separado. Isso desperta o interesse dos investigadores e sociólogos,

que querem saber os fatores que influenciam nas interações entre duas ou mais pessoas.

A Faixa Biossocial assinala a primeira acumulação dos símbolos que faz com que

sejam construídos os mapas simbólicos. O indivíduo transforma suas experiências em

algo socialmente aceitável para sentir-se pertencente (sentimento de pertencimento) a um

grupo ou sociedade. A pessoa introjeta os valores daquela sociedade para sentir-se

pertencente a ela e esta manufatura de significados e valores que o homem assume é,

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segundo Wilber (2007, p. 184), a única fonte de todos os problemas fundamentais,

lógicos e psicológicos.

Segundo o autor, ao assumir (ou construir) mapas e símbolos adequados à

sociedade que integra, o homem confunde o mapa com a realidade (território real), não

conseguindo perceber que os mapas nada mais são do que ficções.

Salienta o papel da linguagem, que filtra o mundo externo, e com isso ele retoma

os conceitos básicos, antes apresentados, sobre os diferentes dualismos, o que faz com

que aqueles que não obedecem às regras dos grupos (as leis) sejam tratados como fora da

lei.

A Faixa Biossocial determina como a pessoa trabalha com suas experiências para

adequá-las à sociedade, sujeitando-se às regras que modelam o comportamento social.

Sustenta que o comportamento social forma jogos sociais e toda a questão consiste em

saber o que acontece quando a pessoa, para sentir-se pertencente a um grupo, estabelece

distinções inadequadas, ou seja, adota comportamento ou jogos que frustra a si mesma. O

resultado disso é o aparecimento de neuroses e psicoses (WILBER, 2007, p. 189).

Diz que a insanidade no indivíduo (tomado individualmente) é rara e que a regra é

a insanidade em grupos, partidos e nações, o que mostra que as questões relativas à Faixa

Biossocial não dizem respeito ao homem ou ao seu ego individual, mas às instituições

sociais que sustentam este ego.

IX. O HOMEM COMO CENTAURO

A percepção do homem como centauro nada mais é do que o reconhecimento de

que a pessoa é o resultado do corpo e da mente e que para cada problema ou nó mental

corresponde um nó corpóreo e vice-versa. A partir de uma série de exemplos, Wilber

(2007, p. 197-198) mostra como acontece esta interferência (quem deseja reprimir o

choro e os gritos, por exemplo, retesa violentamente os olhos e os músculos dos olhos).

Conforme visto ao longo da obra, há diferentes abordagens, sendo que algumas

privilegiam o corpo e outras a mente e o autor diz que aquelas que trabalham

prioritariamente o corpo serão denominadas por ele de existencialismo somático e as que

trabalham com ênfase na mente serão chamadas de existencialismo noético, sustentando

que se elas forem levadas a cabo de forma favorável pode-se alcançar um contato cabal

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com o nível existencial. Este nível pode ser alcançado a partir de massagens e exercícios

(rolfing) e de outras abordagens existenciais somáticas, como a hatha yoga, que desperta

o corpo e promove a sua união com a psique.

O existencialismo noético trabalha com o mesmo nível que o somático, tentando,

igualmente, por fim ao dualismo terciário. Um exemplo de existencialista noético é Jean-

Paul Sartre.

Wilber diz que os existencialistas noéticos tentam autenticar a plenitude concreta

da pessoa, o que deixa evidente que a psicoterapia convencional, que trabalha com a

personalidade humana vista como ego isolado deve ser substituída por uma abordagem

mais abrangente, pois só assim será possível chegar ao Nível Existencial, pois chega-se

ao nível Existencial pela expansão da identidade (a partir do ego em direção ao centauro,

ao organismo total).

O autor menciona que a verdadeira terapia existencial deve levar em conta a

capacidade de filtração da Faixa Biossocial, que é o maior filtro da percepção existencial.

A forma de reviver o centauro é a partir da percepção do próprio corpo, dar-lhe percepção

e explorar-lhe os sentimentos ou impulsos, ou seja, deve-se enfrentar o corpo e em

seguida entrar em contato com ele.

Há muitas pessoas que já não percebem partes do seu corpo e que em lugar dos

órgãos têm verdadeiros buracos, ou seja, é preciso perceber esta lacuna para depois poder

trabalhar sobre elas. Outras pessoas apresentam retesamento nos músculos e sua

tendência é tentar relaxá-los. Segundo a teoria de Wilber (2007, p. 204), o correto é

contrair ainda mais os músculos, para que se tome consciência que a causa da tensão

reside na própria pessoa (e não responsabilizar algo de fora como causa), pois este é o

primeiro passo para começar a ter responsabilidade por todas as atividades orgânicas.

Aduz que apesar de ser perfeitamente possível utilizar as duas abordagens do

existencialismo, é raro combinar os dois enfoques. Há alguns existencialistas noéticos

que, na esteira dos estudos de Reich trabalham com as três dimensões da realidade

pessoal, a saber: Umwelt (mundo biológico), Mitwelt (mundo social) e Eigenwelt (mundo

dos processos psíquicos ou egóticos), o que permite o enfrentamento direto e a

manipulação desses dois dualismos principais. Este trabalho proposto pelos

existencialistas noéticos possibilita que se compreenda que a pessoa não pode escolher o

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seu destino, mas ela pode decidir (pela vontade) a atitude que adotará em face dele, ou

seja, ela se reserva a sua liberdade existencial.

Em vez de uma recusa por perceber os dualismos, o existencialismo prega a

adoção de atitude corajosa, que permitirá antecipar nova fragmentação ascendente na

direção dos níveis do Ego e da Sombra (WILBER, 2007, p. 208).

X. UMA TERRA DE NINGUÉM

O autor começa o capítulo dizendo que entre o Nível Existencial e o da Mente

encontra-se uma porção do espectro da consciência que é inexplorada e misteriosa, que é

a Faixa Transpessoal. É aqui que ocorrem as experiências paranormais, que podem

conduzir o homem para uma viagem para fora do corpo. O autor explica que a

importância de se identificar isso é porque, quando a pessoa rompe o dualismo primário

incompletamente e depois entra nas faixas transpessoais, costuma levar consigo os mapas

que recebeu nos níveis Biossociais e do Ego e que isso determinará como ele encara o

território. Os mapas de muitas pessoas lhes dizem que estas faixas não existem ou que

elas são patológicas.

O autor sustenta o caráter plenamente curativo das autênticas terapias das Faixas

Transpessoais, pois uma característica destas faixas é a suspensão dos dualismos (com

exceção de algumas formas de dualismo primário) e isso inclui o dualismos

persona/sombra; psique /alma. Ao minar estes dualismos, são minados o apoio das

neuroses individuais (tanto egóticas, quanto existenciais). A terapia da faixa Transpessoal

possibilita que a pessoa olhe para os complexos emocionais e ideacionais individuais,

deixando de distorcê-los. O fato de olhar para eles significa que a pessoa já não se

identifica exclusivamente com estes complexos. Só que quando o indivíduo compreende

que sua mente e seu corpo podem ser percebidos objetivamente, compreende

espontaneamente que não podem constituir um eu subjetivo verdadeiro.

Partindo desta construção, Wilber defende que os estados místicos têm diferenças

e que nos estados místicos menores do eu transpessoal a pessoa testemunha a realidade;

enquanto no outro (estado místico verdadeiro) a pessoa é a realidade.

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Ao comentar as chamadas ocorrências paranormais (percepção extra-sensorial,

clarividência, visões do outro mundo, viagem astral) diz que elas, a exemplo de todas as

outras experiências que acontecem na faixa transpessoal, têm em comum a suspensão

incompleta do dualismo primário, pois embora a pessoa ainda esteja experimentando

como sendo mais ou menos separado do mundo, já avançou no entendimento do seu

limite. O autor diz que os estudos pela percepção extra-sensorial despertam interesse da

parapsicologia porque seus resultados podem ser submetidos a critérios ortodoxos de

verificabilidade, criando-se controles de laboratório e dados que justificariam uma

conclusão. Acentua que estas áreas nada têm a ver com o nível da Mente, pois ele não

pode ser provado exteriormente - já que não existe lugar que se possa ir que esteja fora da

Mente (WILBER, 2007, p. 221).

O autor, ao encerrar a análise da Faixa Transpessoal, reitera a necessidade de se

identificar e compreender cada Nível do espectro da consciência, para que seja possível

adotar a terapia adequada. Lembra que a Mente ou a Subjetividade Absoluta não podem

ser vistas, pois ali é onde se desvanesce o hiato entre sujeito e objeto e é a partir da

Subjetividade Absoluta que evolui o espectro da consciência.

O autor chama a atenção de que há possibilidade de se chegar a pseudo-

subjetividades, daquilo que é sentido como o sujeito separado da pessoa, e o mundo lá

fora é enfrentado como objeto fora da pessoa. Ele repisa a idéia de que cada nível do

espectro é um nível da pseudo-subjetividade, assinalando em cada nível um determinado

dualismo-repressão-projeção. Assim, cada nível de pseudo-subjetividade equivocada com

a metade do dualismo que cria este nível (WILBER, 2007, p. 224). Conforme sustentou

ao longo do livro, quando se percebe isso e se reverte a situação, muitas doenças

desaparecem, pois ficam sem o suporte para o seu desenvolvimento.

Enfatiza que as necessidades básicas não satisfeitas porque o indivíduo se utilizou

de repressão, alienação ou algum mecanismo projetivo acabam retornando em doenças,

tornando-se necessidades neuróticas insaciáveis e que isso se dá no nível da sombra.

Quando estas necessidades são percebidas e deslocadas, o indivíduo pode começar a agir

sobre elas e com isso encontra um caminho para um nível inferior do espectro, que é o

Nível Existencial. Isso, por sua vez, fará com que emerjam novas necessidades e, ao agir

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sobre este novo conjunto, a pessoa se inicia no mundo das Faixas Transpessoais. Quando

ele evita o enfrentamento destas novas necessidades, acaba produzindo novas patologias.

Destarte, cada dualismo cria, em sentido correspondente, pseudo-subjetividade e a

terapia consiste em trazer, em cada nível, a consciência deste pseudo-sujeito, pois

somente desta forma o individuo compreenderá que não se trata de um sujeito real. Ao

renunciar à identidade deste pseudo-sujeito, a pessoa desce um nível no espectro da

consciência, o que possibilita que tenha uma base mais ampla e mais firme para a

verdadeira identidade. Com isso fica claro que para o autor, cada transferência para o

nível mais baixo do espectro permite que o sujeito se desidentifique do velho sujeito

(falso), rumo à assunção das responsabilidades pelo que, no nível acima, lhe parecera

acidental e involuntário. Embora o novo nível não seja um despertar final e ainda haja um

pseudo-sujeito, este já se encontra em melhores condições, menos infestado de doenças.

XI. AQUILO QUE É SEMPRE JÁ

Wilber inicia o capítulo advertindo que embora diga que está abordando a Mente

no “nível mais profundo” do espectro, em verdade não se trata de um nível determinado,

posto que a mente não está em parte alguma por ser o estado comum e normal de

consciência. A Mente seria, então, um estado de não-nível e que por isso ela não pode ser

um nível separado dos outros (é apresentada desta forma apenas para fins de construção

ou explicitação de sua teoria).

Diz que se a mente, o Tao, ou a divindade é o estado que a pessoa está procurando

e fora da Mente não há nenhum lugar onde se possa ir, a conseqüência lógica é dizer que

a pessoa já está na Mente e que, portanto, a sua busca é um tiro que sai pela culatra, pois

como a busca implica em algo que está fora, um objeto (e a mente não está fora e não é

um objeto), ao buscá-las se está retornando ao dualismo.

O autor diz que há enorme dificuldade de a pessoa compreender que não pode

perceber o seu eu, pois se isso fosse possível, ela estaria tratando a Mente como algo fora

de si. Neste ponto o autor retoma as idéias de dualismo primário (cisão entre sujeito e

objeto, produzido pelo espaço) e secundário (produzido pelo tempo, que faz a cisão entre

vida e morte) e diz que em verdade estes dualismos também não são separados um do

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outro como foi discutido no livro e que isso somente foi feito para que fosse possível

tornar explicáveis os níveis do espectro da consciência.

Na seqüência Wilber (2007, p. 249) começa a falar do que chama de experimentos

habilidosos desenvolvidos por cientistas, ao longo dos séculos, a partir de experiências

pessoais que permitem ao experimentador decidir, por si mesmo, se a mente existe ou

não. Como foram realizados inúmeros destes experimentos e muitos deles guardam

bastante similaridade entre si, o autor fará a abordagem de apenas alguns dos expoentes, a

começar por Hubert Benoit.

Segundo Wilber, Benoit conseguiu identificar com precisão o processo que dá

origem às objetivações e conceituações para que seja possível cortá-la em sua fonte

básica. Como Benoit trabalha com a mobilização da Energia (a cada instante que a

energia da pessoa se ergue constantemente de baixo – nível da mente – que dispõe de

energia pura, intertemporal e inespacial, esta energia parece impulsionar para cima,

desintegrando-se em formas de pensamento e emoção imaginativa, que reina no nível do

Ego).

Quando a energia está no nível do Ego ela não tem relação com a realidade, pois a

energia está toda confundida em mapas simbólicos, o que acaba dificultando que se

alcance o território. Ao traduzir a energia em pensamento e ao fragmentá-la em emoção-

imaginativa a atenção está operando de modo passivo. Ao contrário, quando a atenção

atua de modo ativo (de modo vigilante), os conceitos-pensamentos não surgem, pois foi

impedida a fragmentação da energia. O mundo não fica separado, resultando na

suspensão da visão dualística e a conseqüente libertação da pessoa.

Wilber (2007, p. 253) diz que todos os Experimentos Habilidosos têm fatores em

comum, que seriam: 1) Atenção Ativa: tipo especial de vigilância em que há autorização

total ou aceitação total para as tendências da pessoa, havendo precaução para o

surgimento do pensamento. Esta atenção, se levada a efeito corretamente, redunda em 2)

cessação: da tagarelice, do pensamento e do primeiro modo de conhecer – dualístico.

Quando ocorre a cessação prevalece o silêncio mental absoluto; 3) Percepção passiva:

opera sem esforço algum, de forma espontânea e sem referência ao passado ou ao futuro.

Um instante desta percepção pura é a própria Mente.

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Wilber sustenta que estes três fatores se mostram presentes nos experimentos e

para corroborar sua afirmação apresenta as lições de Krishnamurti, que segundo ele teria

tido maior clareza em descrever a percepção passiva não contaminada pelo pensamento,

pelos símbolos e pela dualidade, percepção capaz de libertar o homem.

Segundo Krishnamurti, o próprio desejo ou a busca da pessoa pela percepção

passiva acaba promovendo o afastamento dela. Sustenta que não há preparação para o

que já é, pois Deus ou a verdade não podem ser objeto de reflexão, pois quando se

reflete nela, não é a verdade. Nesta linha de raciocínio, diz que não se deve procurar as

respostas, pois elas não estão afastadas do problema e sim dentro dele (WILBER, 2007,

p. 254-255).

Krishnamurti propõe que não se aparte os sentimentos da pessoa (medo, alegria,

etc), pois ao vê-los como o outro, são tidos fora da pessoa (e além de ela não se sentir

responsável pelos sentimentos) fazendo com que estes sentimentos se multipliquem de

várias formas. Prega que não se pode lidar com a dor, com o medo, inveja ou raiva

tentando evitá-los, senão compreendendo que os somos.

Para este autor, ver sem a imagem é a questão crucial. Ele se pergunta se a

imagem pode chegar a um fim imediatamente e para responder diz que o mecanismo que

constrói a imagem é a desatenção (chamada de atenção passiva por Benoit) e que a

atenção plena e completa (1º fator visto antes) reverte a suspensão ou cessação da

formação da imagem (2º fator), o que faz com que não surja nenhuma imagem mental.

No Hinduísmo Vedantino também estão presentes os três fatores, embora Wilber

advirta que assumem forma exterior um pouco diferente porque trabalham com a

metáfora da Subjetividade Absoluta em lugar da idéia de energia absoluta (usada pelos

dois autores apresentados acima).

Wilber diz que para Sri Ramana Maharshi o pensamento é a causa fundamental do

dualismo, ilusão e servidão e que embora não se deva renunciar ao pensamento e

conceituações, não se pode confundir pensamento com realidade, mapa com território,

etc. Quando há a confusão, a saída é suspender todo o pensamento e atirar fora os mapas

(por curtos períodos) para conseguir, a partir disso, ver claramente o território.

Para Sri Ramana Maharshi a fonte de todos os outros pensamentos é a insistência

no pensamento do eu, que sempre está por trás de todos os demais pensamentos. Ao

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suspender o pensamento do eu, seria possível suspender todos os outros. Para tanto, seria

necessário auto-indagar sobre quem é, realmente. Ao fazer isso, o que acontece na

maioria das vezes é que a pessoa responda dizendo o nome, o que faz, sua formação,

onde mora, etc, mas dificilmente conseguindo livrar-se das conceituações e definições. À

medida que se indagar novamente (e novamente) por não estar satisfeito com as respostas

conceituais, a pessoa irá se calando, a mente ficando vazia de pensamentos e este silêncio

sem objetos, produzido pela atenção ativa, abre a porta para a percepção infinita.

Partindo da construção acima apresentada, Wilber é levado a dizer que Sri

Ramana Maharshi trabalha com os mesmos fatores antes indicados.

Dito isso, passa a analisar o Budismo, nas escolas Zen e Tendai, procurando ver

se os mesmos fatores também se encontram presentes. Descreve a utilização do Koan

(advertindo que não se trata de mero exercício de concentração - condenados por

entorpecer a mente) que não apenas auxilia para que se perceba os dualismos, como

instiga a fazer a Grande Investigação (pois a partir de uma série de enigmas, não solúveis

pelo enfrentamento racional, implantam na pessoa a Grande dúvida, o que favorece a

grande investigação, que é a chave crucial da meditação Zen).

A eficácia desta meditação é que ela consegue suspender todos os processos de

pensamento em sua origem, antes que ocorra a desintegração da energia. Quando se

consegue alcançar a suspensão, sujeito e o objeto se identificam plenamente, marcando a

destruição do dualismo primário (equivale a dizer que se está diante do 2º fator, tal qual

nas outras construções anteriores).

A análise que faz evidencia que os três fatores (antes apontados por Benoit e os

demais que o seguiram) estão presentes no budismo.