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REZAS DE OLHADO E QUEBRANTE: ASPECTOS SIMBÓLICOS E PERFORMÁTICOS Cronos: R. Pós-Grad. Ci. Soc. UFRN, Natal, v. 15, n.2, p.114 - 132 jul./dez. 2014, ISSN 1518-0689 114 Rezas de olhado e quebrante: aspectos simbólicos e performáticos João Irineu de França Neto - UEPB RESUMO Este trabalho analisa os aspectos simbólicos e performáticos nas práticas das rezas de olhado e quebrante, realizadas por rezadeiras e rezadores da Paraíba, que documentamos por meio de pesquisa etnográfica, mediante gravações audiovisuais. A pesquisa fundamentou-se na teoria sobre a vocalidade e performance, estabelecida por Paul Zumthor, em diálogo com a teoria do imaginário, postulada por Gilbert Durand. As análises são de caráter qualitativo, direcionan- do-se às depreensões de sentidos das vozes das rezadeiras, registradas nas entrevistas, e suas performances em circunstâncias ritualísticas de seu fazer religioso popular. Palavras-chave: Rezas. Olhado. Imaginário. Oralidade. Performance. ABSTRACT This paper analyzes the symbolic and performative aspects in the practices of prayers of eye and chipping, carried by mourners and chanters of Paraiba, which documented through ethnographic research through audiovisual recordings. The research was based on the theory of vocality and performance, established by Paul Zumthor, in dialogue with the imaginary theory postulated by Gilbert Durand. The analyzes are qualitative, directing to the senses the voices of mourners, recorded interviews, and his performances in ritual circumstances of his popular religious do. Keywords: Prayers. Eye. Imaginary. Orality. Performance.

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REZAS DE OLHADO E QUEBRANTE: ASPECTOS SIMBÓLICOS E PERFORMÁTICOS

Cronos: R. Pós-Grad. Ci. Soc. UFRN, Natal, v. 15, n.2, p.114 - 132 jul./dez. 2014, ISSN 1518-0689 114

Rezas de olhado e quebrante: aspectos simbólicos e performáticos

João Irineu de França Neto - UEPB

RESUMO

Este trabalho analisa os aspectos simbólicos e performáticos nas práticas das rezas de olhado

e quebrante, realizadas por rezadeiras e rezadores da Paraíba, que documentamos por meio de

pesquisa etnográfica, mediante gravações audiovisuais. A pesquisa fundamentou-se na teoria

sobre a vocalidade e performance, estabelecida por Paul Zumthor, em diálogo com a teoria do

imaginário, postulada por Gilbert Durand. As análises são de caráter qualitativo, direcionan-

do-se às depreensões de sentidos das vozes das rezadeiras, registradas nas entrevistas, e suas

performances em circunstâncias ritualísticas de seu fazer religioso popular.

Palavras-chave: Rezas. Olhado. Imaginário. Oralidade. Performance.

ABSTRACT

This paper analyzes the symbolic and performative aspects in the practices of prayers of eye and

chipping, carried by mourners and chanters of Paraiba, which documented through ethnographic

research through audiovisual recordings. The research was based on the theory of vocality and

performance, established by Paul Zumthor, in dialogue with the imaginary theory postulated

by Gilbert Durand. The analyzes are qualitative, directing to the senses the voices of mourners,

recorded interviews, and his performances in ritual circumstances of his popular religious do.

Keywords: Prayers. Eye. Imaginary. Orality. Performance.

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JOÃO IRINEU DE FRANÇA NETO

Cronos: R. Pós-Grad. Ci. Soc. UFRN, Natal, v. 15, n.2, p.114 - 132 jul./dez. 2014, ISSN 1518-0689

DOSSIÊ – NARRATIVAS E MATERIALIDADES EM FORMAS EXPRESSIVAS DAS CULTURAS POPULARES

INTRODUÇÃO

A cosmovisão acerca dos fatos e aspectos simbólicos, como fórmulas de rezas e sinais

gestuais, daquilo é concebido no meio popular como olhado, remontam a uma larga tradição

oral de tempos imemoriais, da qual as rezadeiras e rezadores fazem parte enquanto atores sociais

que constroem, transmitem e atualizam sentidos de uma memória arquetípica. O fenômeno do

olhado ocupa a centralidade das práticas de muitas rezadeiras e rezadores, sendo principal tipo

de problema que tais sujeitos sociais se propõem a rezar, uma vez que todos os entrevistados de

nossa pesquisa que fazem práticas de rezas afirmam rezarem de olhado.

Nesta perspectiva, o presente trabalho descreve os aspectos simbólicos e performáticos

na realização ritualística das rezas de olhado e quebrante, demonstrando os sentidos atribuídos

pelas rezadeiras e rezadores que investigamos na pesquisa etnográfica. Assim, este estudo

consiste em um recorte de nossa tese de doutorado.

A base teórica que fundamenta nossa análise são os conceitos de vocalidade e performance, de

Paul Zumthor (2000), bem como a teoria antropológica do imaginário, postulada por Gilbert Durand

(1998). A metodologia de nossa pesquisa seguiu os critérios da etnografia, descrita no célebre trabalho

antropológico A interpretação das Culturas, de Geertz (1989). Realizamos as análises do corpus,

no tocante às significações das vozes das rezadeiras e rezadores, bem como das performances que

permeiam suas enunciações orais nos depoimentos sobre o fazer das rezas.

A categoria teórica da performance é concebida como o momento de produção e

enunciação do texto oral, “quando a comunicação e a recepção [...] coincidem no tempo”

(ZUMTHOR, 1993, p. 19). O termo performance, na explicação de Zumthor (2005, p. 55-56)

possui o termo forma, com o prefixo com significado de acabamento e o sufixo signifi-

cado de movimento dinâmico. Segundo o autor, a performance é a materialização de uma

mensagem poética através da voz humana e dos gestos que a acompanham, “ou mesmo a

totalidade dos movimentos corporais”.

O referido pesquisador enfatiza a relação entre a voz e o corpo, quando afirma que a

“performance se refere de modo imediato a um acontecimento oral e gestual [...]; perfor-

mance designa um ato de comunicação como tal; refere-se a um momento tomado como

presente (ZUMTHOR, 2000, p. 45-59).

Enquanto atualização do texto oral, a categoria da performance, consiste em um fenômeno

linguístico e semiótico, por se expressar na simultaneidade de um ato oral e gestual, se revelando

no fazer ritualístico que as rezadeiras e rezadores trazem em sua memória coletiva. Pode-se

compreender que a voz destas mulheres e homens se impregna no corpo, dando origem ao

ritual em que se inserem as diversas fórmulas de rezas e benzimentos.

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DOSSIÊ – NARRATIVAS E MATERIALIDADES EM FORMAS EXPRESSIVAS DAS CULTURAS POPULARES

1 ASPECTOS SIMBÓLICOS DO OLHADO/QUEBRANTE NAS VOZES NAS REZADEIRAS

A palavra olhado, do ponto de vista da construção morfo-lexical, com sufixo -ado,

assume a categoria gramatical de verbo na forma nominal do particípio. O referido lexema

é uma derivação imprópria, posto que o verbo olhar se torna nome. O olhar e o olhado são,

desse modo, formas nominais do verbo. Pode-se evidenciar essa denominação no Livro

de São Cipriano, no qual encontra-se uma definição do que seria o olhado, que citamos

nestas linhas, a fim de demonstrar a continuidade de uma tradição, cuja significação de um

imaginário religioso medieval, em que se situa a obra de São Cipriano, encontra-se presente

nos discursos orais das rezadeiras e rezadores:

Há pessoas que dispõem de grande poder ou força magnética. Geralmente essa força reside nos olhos e daí a teoria do mau-olhado. Quem não tem, por acaso, encontrado certa pessoa que, ao lhe ser apresentada, desde logo grandemente nos impressiona pela força do seu olhar e faz sentir esquisitas sensações? Muitas vezes, em uma reunião, os olhos humanos são levados, atraídos irresistivelmente por outro humano olhar. Sem explicação, sente-se preso, e não consegue livrar-se dele. É a força do olhar. Pois bem, há o olhar que além de fixar e penetrar, consegue secar, paralisar e até matar (SÃO CIPRIANO, p. 2009, 117).

Do ponto de vista morfo-lexical, ocorre uma variação e até uma mudança linguística da lexia

mau-olhado (registrado em São Cipriano) para a lexia olhado (enunciado na voz das rezadeiras

e rezadores pesquisados). Assim, ocorre uma redução a nível mórfico (supressão do adjetivo

qualificador do nome composto), conservando, porém, o conteúdo semântico-pragmático da

lexia, o que nos leva a afirmar a permanência, ao longo do tempo, da relação de sentido acerca de

um olhar que transmite uma má energia, um olho mau direcionado a outro ser.

Vemos, na descrição, que o olhar é portador de uma energia metafísica, representada nas

expressões “grande poder” e “força magnética”, provocando um efeito no ser para o qual se

direciona, de modo especial impactos destruidores como “secar”, “paralisar” e “matar”. Desse

modo, identificamos no Livro de São Cipriano o imaginário da força que reside nos olhos

humanos e é transmitida nas interações cotidianas, imaginário este que serve de motivação

semântico-pragmática para as crenças e práticas das rezadeiras e rezadores, manifestan-

do-se em fórmulas mágicas de rezas, cuja finalidade é curar o ser que está com essa energia

destruidora, manifestada na forma de sinais de doença física. A evidencia de tal manifestação

é constatada na voz na rezadeira Cocota, da cidade de Uiraúna-PB, que expressa a concepção

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do olhado como uma energia metafísica manifesta na forma de sinais físicos de doença,

conforme trechos do depoimento abaixo:

P.: E (+) o qui é o olhado e o qui é o quebrante? Eles são/ R.: Quebrante e olhado tudo uma coisa só (+) é/ bota um uiado im você (+) você dá febre (+) a criança fica vomitando é assim (+) dá febre dá disinteria (++) P.: Certo! (+) Dá outas coisas mais? R.: Dá: (+) dá tod/ todo dô (+) às veze a pessoa fica (+) assim tão triste cum um negócio ruim (+) mau pensamento uma coisa ruim (+) e a genti reza pá tirá né (+) lançá nas onda do mar sagrado o mar sem fim P.: Certo! E (+) pur que manda pr’as onda do mar sagrado? R.: Purque o mar quem recebe todo mal (+) é (+) o mal distrói tudo (+) o MAR É SAGRADO (+) distrói tudo (+) é (+++) P.: Interessante (+) isso é uma tradição muito longa né de (+) mandá pr’as ondas do mar sagrado? R.: É é! Lá ele distrói (+) o mar distrói. (Fala de Cocota, Uiraúna-PB, em 26 de maio de 2010. Fonte: Transcrição dos dados da pesquisa de Campo).

R.: [...] às veze a pessoa bota na sua gurdura bota na sua/ no seu olhá: (+) bota no/ IM TUDO NÉ (+) bota (+) na cumida (+) você quand/ tá cumendo/ “VICHI! COMO VOCÊ COME BEM! VI/” ((bate forte o parte externa da mão direita na esquerda)) (+) aí já (+) a pessoa tá cum sangue RUIM aí pega (+) aí pronto você fica cum fastii um bucado de coisa (+). (Fala de Cocota, Uiraúna-PB, em 26 de maio de 2010. Fonte: Transcrição dos dados da pesquisa de Campo).

Para se entender o olhado, é preciso compreender a relação dialética entre os verbos botar

e tirar, que aparecem na voz da rezadeira, posto que ela explica que o olhado é algo que alguém

coloca em outrem, sendo a rezadeira aquela que tem a função místico-simbólica de retirar o

olhado (“a genti reza pá tirá né”).

O elemento sintagmático transcrito em caixa alta (aumento do timbre da voz) funciona do

ponto de vista do imaginário como uma imagem síntese dos lugares para os quais é direcionada

a energia do olhado. Esta significação de síntese não encontra-se somente no nível do signifi-

cado mas também do significante, que dialeticamente constroem o sentido de síntese, que é um

aspecto simbólico do conhecimento dos místicos, que transcendem a dualidade do universo

racional, entrando num nível metafísico de transcendência onde tudo é em todos, em que deixa

de haver as partes separadas para haver a consciência do uno, da unidade, da totalidade.

O estado de admiração do sujeito em relação a outrem se encontra como um elemento

desencadeador do olhado, conforme expresso na voz da rezadeira acima, a qual atribui a

causalidade do olhado a uma pessoa que se admira. Como se constata marcado na transcrição,

a rezadeira reproduz em sua voz a voz do outro, demonstrando ênfase vocal mediante os

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recursos suprassegmentais da elevação do timbre, num sentido exclamativo de admiração,

e da teatralização da voz de outra pessoa impressionada, o que fica evidenciado no trecho da

enunciação discursiva: “VICHI! COMO VOCÊ COME BEM! VI/”.

O olhado é identificado pela rezadeira, através dos sinais corporais de desequilíbrio, em

que o indivíduo perde o total controle sobre seu estado de saúde. Neste sentido, o corpo do

interlocutor da rezadeira está falando nos sinais silenciosos da doença, por meio dos quais esta

mulher do meio popular interpreta a significação de que seu interlocutor está com olhado, como

afirma nas seguintes expressões: “[...] bota um uiado im você (+) você dá febre (+) a criança fica

vomitando é assim (+) dá febre dá disinteria (++)”; “você fica cum fastii um bucado de coisa”.

Desse modo, ainda que o individuo doente não tenha consciência da mensagem transmitida

à rezadeira, os dois sujeitos sociais encontram-se em uma situação comunicativa de perfor-

mance. A rezadeira faz uma leitura dos códigos imagéticos do corpo do outro, não só numa

perspectiva de decodificação, mas de interpretação de uma mensagem que está além do visível,

de uma realidade transcendente ao corpo, mas cujo acesso cognitivo se dá pela observação

dos sinais corporais, do dizer silencioso do corpo. No corpo falando (realidade material),

a rezadeira identifica o não dito transcendente (realidade imaterial). Essa realidade transcen-

dente, acessada mediante à leitura da performance corporal, é o olhado. O corpo fala,

mas também a emoção e o pensamento do sujeito que procura a rezadeira, levando-a atribuir o

sentido de olhado à forma como o indivíduo se demonstra para ela na interação comunicativa,

que se reflete no discurso oral com a marca de adjetivação acerca do estado psicoemocional da

pessoa rezada: “assim tão triste cum um negócio ruim (+) mau pensamento uma coisa ruim”.

A causalidade do olhado ou quebrante, expressa na voz da rezadeira, é um aspecto

mágico que se encontra no corpo da pessoa, na sua constituição fisiológica: “a pessoa tá cum

sangue RUIM”. A ênfase na elevação vocal se realiza no adjetivo qualificador referente ao

sangue, que reforça essa significação da crença da rezadeira acerca da raiz do mal, da origem

do olhado, que reside no corpo de alguém e é transmitido a outrem.

De modo semelhante a este imaginário que a referida rezadeira atualiza em seu discurso

vocal, podemos identificar a cosmovisão dos azande, povo da África Central, no tocante

às práticas de bruxaria, feitiçaria e adivinhação, conforme as pesquisas etnográficas de

Evans-Pritchard (2005). De acordo com este antropólogo, o povo zande faz uma distinção clara

entre bruxaria e feitiçaria. “Um bruxo não pratica ritos, não profere encantações e não possui

drogas mágicas. A bruxaria é um ato psíquico” (EVANS-PRITCHARD, 2005, p. 33).

Na cosmovisão da rezadeira, o fato de o sangue da pessoa estar ruim e, por isso,

ela transmitir olhado a outrem, demostra a involuntariedade de tal transmissão maléfica,

dando uma significação de pertencimento à natureza de determinadas pessoas, como também

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Olhado Quebrante

Sinônimo de quebrante Sinônimo de olhado

Sentido divergente Sentido divergente

se evidencia no depoimento de Dona Odaísa, Araçagi-PB, quando ela afirma o que é o olhado:

“Disse que é uma/ um negócio qui tem no Olho ((abre bem os olhos)) (+) é: um negócio forte

qui tem no Olho na vISta (+) num pricisa nem a pessoa falá basta olhá assim ((virando o olhar

e a cabeça para o lado esquerdo))”. A entrevistada enfatiza a voz nos sons vocálicos das sílabas

iniciais e na consonantal sibilante dos lexemas olho e vista, sendo este segundo um coesivo de

substituição do primeiro. Não somente a voz se direciona para indicar o causador do olhado

e o lugar físico onde ele reside – o olho –, mas também o corpo, em performance, se articula

para indicar este movimento significativo de uma crença específica da religiosidade popular.

A força magnética ou mágica que habita este olhar é enfatizada pela rezadeira quando ela

dispensa qualquer tipo de voz, atribuindo a força de transmissão dessa mensagem-energia de

desequilíbrio apenas ao olhar direcionado a outrem, ou seja, ao movimento do olhar lançado a

alguém. Além disso, no depoimento fica clara a ação do corpo em performance, que completa

o que na voz não aparece tão claramente (“basta olhá assim”). A expressão traz o sentido da

indefinição acerca da forma do olhar. Entretanto, o corpo, num movimento performático,

preenche os sentidos que faltaram na elocução vocal, conforme citamos acima a transcrição

do registro etnográfico: “((virando o olhar e a cabeça para o lado esquerdo))”.

O item lexical olhado aparece como uma variável, que comporta outras formas variantes,

tanto a nível fonético-fonológico (ulhado, uiado) quanto a nível léxico-semântico (olhado,

quebrante, quizila). Nossa análise direciona-se neste segundo aspecto, posto que este nível nos

assegura um suporte básico para análises no nível textual e discursivo das fórmulas das rezas de

olhado. Estabelecemos, desse modo, a seguinte tabela acerca dos itens lexicais que formam a

variável olhado, com suas relações de sentidos, advindas de contextos socioculturais distintos:

Tabela 1. Variável do item lexical Olhado

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Quanto à constituição dos sentidos das variantes do item lexical olhado, que dá nome

às crenças populares, às fórmulas mágicas e aos rituais das rezas, identificamos os sentidos

contextuais da dinâmica oral da religiosidade popular. O sentido contextual é aquele que nas

relações semânticas se afasta do sentido de base, conforme descreve Pierre Guirraud (1972),

no livro A semântica. Logo, o sentido contextual vai além da palavra, sendo inferido a partir

das situações concretas da comunicação, das situações enunciativas em que os interlocutores,

usuários da língua, interagem construindo e ressignificando o imaginário coletivo.

Nesta perspectiva, observamos as motivações morfológicas e semânticas na construção

dos itens lexicais da tabela acima, que fazem parte da construção discursiva do imaginário

místico das rezadeiras e rezadores. Conforme a cosmovisão de alguns dos sujeitos sociais

que investigamos, os vocábulos olhado e quebrante possuem uma similitude de sentido ou,

em outras palavras, a mesma significação, constituindo um par sinonímico, como aparece na

voz da rezadeira Cocota, Uiraúna-PB: “Quebrante e olhado tudo uma coisa só”. No caso desta

relação sinonímica, o que ocorre seria uma variação lexical, posto que vocábulos diferentes são

utilizados, na oralidade, para atribuir o mesmo sentido.

O sentido divergente dos itens lexicais da tabela acima é construído em virtude da

polissemia da língua, em decorrência dos contextos de uso. No caso desses vocábulos,

concebemos que é o contexto sociocultural da cosmovisão religiosa o elemento motivador da

polissemia que faz os sujeitos fazedores da cultura atribuírem diferentes sentidos a um mesmo

vocábulo denominador de um estado de espírito. Assim, nas vozes de outras rezadeiras e

rezadores pode-se constatar essas diferentes significações acerca do olhado e quebrante, como

ocorre nos depoimentos abaixo:

R.: quebrante é qui tem O OLHADO MERMO e tem o olhado quebrante qui dêxa a pessoa (+) mais morto de que vivo de/ de a/ de cama P.: o olhado e o quebranto são a mesma coisa? ou são coisas diferentes? R.: é (+) só qui o olhado é manêro e o quebrante é desses qui dêxa a pessoa muído (+) qui tem o olhado qui dêxa a pessoa/ a pessoa num tem corage de se levantá da cama aí esse é qu’é quebrante mermo (+) o olhado quebrante (Depoimento de Dona Alice – Conde).

P.: e olhado é a mesma coisa qui quebrante? R.: nã:o ele fica/ já/ quebrante já chama (+) fica cum a vista quebrada né? P.: é:? R.: o caba viu né? ela bem quebra-dinha (+) eu digo aqui já é ôto caso né? (+) que a vista quebrada num é otra coisa (+) já se sabe (+) já sabe qué aquilo né? P.: e o olhado é o quê? R.: olhado (+) uiado é uma pessoa (+) dos olhos mau qui olha p’aquele minino e atrasa ele (+) fi/ dá o fastii é qué o uiado (+) e o quebrante fica acabrunhado (+) o coipo

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duído cum febre né? e uiado é o olho (+) daquela pessoa qui tem o oi mau e butô naquela pessoa (+) e ele num come (+) num dorme (+) fica aperriano (+) purque tá cum uiado (Depoimento de Seu Antônio José – Uiraúna).

No primeiro trecho do depoimento citado acima, da rezadeira Cocota, está enunciado o

simbolismo religioso que o mar desempenha na memória coletiva daqueles que participam da

tradição oral das práticas religiosas de rezadeiras e rezadores, remetendo à significação arquetí-

pica da transmutação das energias, o que se constata na presença dos verbos receber e destruir.

O mar cumpre, assim, um duplo movimento no imaginário cosmológico das rezadeiras: receber

(“recebe todo mal”) e destruir (“distrói tudo”), que sintetizam essa ideia de transformação das

energias que desequilibram o ser.

O sentido de movimento e transformação cósmica presentes nesses verbos pode remeter,

numa interpretação do imaginário, ao simbolismo de Iemanjá, ainda que a rezadeira não seja

pertencente a uma religião de matriz africana; ela se autoafirma católica. Na língua iorubá,

Iemanjá significa mãe dos peixes, conforme indica Bernardo (2003). Enquanto símbolo da

água assume a significação de nascimento-renascimento, numa temporalidade cíclica, como é

recorrente em diversas religiões essa função do simbolismo aquático (cf. ELIADE, 2002).

Corroboramos com Bernardo, que discorre sobre a representação de Iemanjá, no

sincretismo religioso do Brasil, como as águas salgadas do mar, sendo associada em regiões

diferentes do país à Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora da Conceição (João Pessoa-

PB), Nossa Senhora da Luz, Nossa Senhora das Candeias (no Juazeiro do Norte – CE). Nesta

perspectiva, ela é o símbolo da maternidade, tanto no Brasil quanto na África, atualizando

o arquétipo da mãe universal. Iemanjá é celebrada nas praias do Brasil dia 31 de dezembro,

devido ao significado transformador de dissolução do mal. O mar é a origem. Tudo nasce

e renasce no mar. Do mar é que nascem os orixás. Ainda que de modo inconsciente,

na tecitura do imaginário coletivo, o texto oral da reza de olhado atualiza o símbolo arquetípico

de Imanjá. Esta é a matriz afro-brasileira do imaginário presente nas práticas das rezadeiras

que pronunciam nas fórmulas de suas rezas o símbolo do mar, como o lugar onde os males

são destruídos e, assim, a cura acontece; lugar sagrado, logo, do renascimento cósmico do ser.

A relação semântica da sacralidade da natureza, que faz o mar ser caracterizado como

sagrado, fornece a este elemento um caráter mágico de transcendência e transformação

da vida cotidiana, naquilo que ela tem de anímica. O trecho é marcado pela repetição dos

seguintes itens lexicais destacados: “[...] o mar quem recebe todo mal (+) é (+) o mal distrói

tudo (+) o MAR É SAGRADO (+) distrói tudo (+) é (+++)”. Neste sentido, a significação dos males

diversos é sintetizada no discurso oral pela pronominalização indefinida, como se constata na

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expressão “todo mal”, substituída, nos enunciados seguintes, por “tudo”. Vale ressaltar a ênfase

na elevação da voz da rezadeira, ao enunciar a significação explícita da sacralidade do mar

(“o MAR É SAGRADO”), tornando mais evidente para o interlocutor, numa perspectiva de

convencimento da crença deste acerca da importância simbólica da imagem do mar na consti-

tuição das práticas de rezas da religiosidade popular.

A expressão “lançá nas onda do mar sagrado”, que a rezadeira traz em seu depoimento ao

falar como se realiza a reza de olhado, mas também que faz parte da fórmula da reza, vem de

uma tradição discursiva do texto religioso popular com a funcionalidade pragmática de afastar

os males. Se estabelecermos uma comparação, observamos uma semelhança e uma diferença

ou variação entre a fórmula textual que registramos na pesquisa etnográfica e a fórmula que

Cascudo (1978, p. 150) descreveu no concernente a uma das expressões nas rezas fortes da

tradição catimbozeira do sertão nordestino: “Vai-te pro mar qualhado”. O autor remete histori-

camente o uso desta expressão aos esconjuros da bruxaria europeia do século XVII, citando o

exemplo da feiticeira Ana Martins, processada em Portugal em 1694, que enunciava a referida

fórmula numa parlenda para afastar o demônio.

A tradição discursiva referente à significação do mar ser considerado sagrado, pode ser

observada no Livro de São Cipriano (2009, P. 112): “Assim como a água apaga o fogo, assim

como o mar é sagrado, eu afasto daqui tudo que não seja limpo e bom. Amém”. Diz-se esta

reza, jogando água do mar, em todos os lugares da casa, vindo da cozinha para frente. Fica

claro que o mar consiste em um símbolo que constitui o imaginário de limpeza, de purificação,

de destruição dos males, havendo assim uma semelhança interdiscursiva entre a escritura desse

texto do imaginário medieval e a enunciação vocal da rezadeira Cotota, mencionada acima, que

assegura: “o MAR É SAGRADO (+) distrói tudo”. Nesta perspectiva, evidencia-se a resistência

da oralidade, que conserva expressões fixas e fórmulas textuais, independentemente de essa

produção discursiva estar registrada num código escrito.

2 ASPECTOS PERFORMÁTICOS DA REZA DE OLHADO E QUEBRANTE

A referida rezadeira enuncia a fórmula da reza de olhado no trecho seguinte de seu depoimento:

R.: Mas tem qui rezá primero o Pai Nosso né (+) aí depois reza pá quebranto (+) “pá uiado quebranto que tivé na pele, na carne, nos ossu, no olhá, na cumida, na formusura, na durmida e lança nas onda do mar sagrado” ((estas palavras são uma fórmula de reza; diz o trecho entre aspas bem rápido e mexendo os

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braços como se estivesse rezando e quando finaliza gesticula com a mão para o lado direito como que jogando algo)) (+).

Como está explícito no comentário da transcrição, a rezadeira, ao enunciar a fórmula da

reza, movimenta continuamente o corpo, embora não esteja rezando alguém mas narrando sua

prática de rezar, o que caracteriza a situação performática na enunciação do texto oral da religio-

sidade popular. Tal performance é constatada nas imagens abaixo, em cujos signos icônicos se

evidencia a emanação da voz, na pronuncia da reza, em intrínseca e dialética relação com o corpo.

Fig, 1. Dona Cocota – Uiraúna-PB – performance do final da reza, lançando nas ondas

do mar sagrado.Fonte: Produzida pelo autor com base no corpus da pesquisa.

Ambas as imagens, capturadas do registro etnográfico audivisial (portanto, registro em

movimento) deixam clara a expressão de vocalidade e performance da rezadeira. Delimitamos dois

planos semiológicos das imagens: a) altura do pescoço e do braço direito; b) expressão facial, com

destaque para a boca e os olhos. Em ambos os planos, constatamos uma relação de continuidade

no movimento da voz e do corpo. Na primeira imagem, a mulher ergue o braço direito com a mão

fechada, movendo-a até a altura da testa; a boca entreaberta sugere que está pronunciando algo.

Ao franzir a testa, as pálpebras e demais músculos da face (maxilar e têmporas), expressa força no

que diz e pensa. Seu olhar vai em direção ao posicionamento da mão, fazendo-a baixar o pescoço.

A conclusão do movimento de jogar algo fora aparece na segunda imagem, no significante gestual

que se manifesta nos dois planos, mediante os seguintes traços: no braço estendido para o lado;

nos dedos totalmente abertos; no pescoço erguido; na face relaxada; nos olhos bem abertos e na

boca um pouco mais fechada, embora ainda entreaberta.

De um ponto de vista do imaginário da religiosidade popular, as imagens acima refletem

a necessidade que a referida mulher tem, ao narrar seu fazer religioso, de expressar-se não

só pelo discurso narrativo oral. A narração oral leva-a a entrar em um estado ritual (pronucia

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rapidamente a fórmula da reza; realiza gestos como se estivesse rezando alguém). Acontece,

desse modo, um processo de teatralização da reza a partir do discurso narrativo oral, ou seja,

o fluxo da voz narrativa da rezadeira atualiza a memória do ritual, que se faz presente na

circunstancia enunciativa do depoimento, possibilitando a fazedora da cultura dizer o texto

da reza não mais como narração de um fenômeno ausente. A reza é, pois, presentificada na

voz narrativa, mediante o processo de teatralização do dizer. A reza se epifaniza em situação

de performance do discurso oral. Não se trata apenas da simultaneidade voz e corpo no dizer,

mas da encarnação da voz no corpo no ato de fala enunciativo em que emerge o texto da reza.

No trecho do depoimento seguinte, a rezadeira Cocota explica que o olhado e quebrante

são destinados de modo especial às crianças. Ela faz uma separação entre as energias que

pegam em crianças e em adultos, expressando que estes últimos são vítimas de perturbação,

feitiços, bruxarias. Então, no meio do depoimento, surge a fórmula de uma reza para tais tipos

de energia, em cuja enunciação a rezadeira eleva a voz:

R.: É (+) e aí a pessoa qui tem um um/ GENTE GRANDE/ a criança não (+) criança é um ulhadinho, um quebrante/ gente grande qui tem uma perturbação (+) “FEITIÇO, MACUMBA, BRUXARIA, REZA BRABA EPIDICE SEJA LANÇADO NAS ONDA DO MAR SAGRADO! (+) EU VO CURÁ FULANO DE PERTURBAÇÃO, MAU FLUÍDO, FEITIÇO, MACUMBA, BRUXARIA, REZA BRABA EPIDICE E LANÇA NAS ONDA DO MAR SAGRADO!” (+) aí vai tudo p’as onda do mar sagrado né (+).

Constatamos, na fórmula da reza, que existe uma equiparação entre feitiço e bruxaria.

No que concerne à reza enunciada acima, se buscarmos um sentido mais genérico que

abarque todos itens lexicais referentes aos fenômenos espirituais, pelos quais alguém será

rezado, teríamos o sentido da causa dos males ou causa da doença, compreendendo desde a

perturbação até a bruxaria. O tom elevado da voz (recurso suprassegmental) na pronúncia da

fórmula da reza, como se observa marcado na transcrição do texto oral, torna-se uma epifania

que evidencia o sentido da força mágica que tem a reza para destruir o mal.

As culturas populares são marcadas pela circularidade dos fenômenos ou, zumthoria-

namente falando, pela movência, e não por uma separação ou demarcação tão explícita dos

fenômenos. Por isto que a rezadeira não faz distinção entre feitiçaria, pertubação e macumba,

bem como os outros elementos enunciados em sua voz.

Constatamos no fazer religioso das rezadeiras práticas advinhatórias no tocante ao saber

se alguém tem olhado ou quebrante, sendo as fórmulas das rezas um elemento de mediação

para acessar este saber intuitivo, conforme se observa nos seguintes trechos de entrevistas:

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P.: Sinhora Cocota é (+) como é qui a sinhora sabe qui uma pessoa tem olhado ou quebrante? R.: Ói! Se fô HO:MI (+) ói se fô homi qui butô a gente erra no Pai Nosso (+) se fô mulhé nas Avi Maria (+) a gente sabe qui foi quebrante qui butô naquela pessoa P.: Erra? R.: Sim! Se fô um homi qui BUTÁ IM VOCÊ OU BUTÁ IM MIM eu re/ a gente erra no Pai Nosso (+) Se FÔ MULHÉ qui butá im você você erra nas Avi Maria (+) aí sabe qui é quebrante ((a rezadeira expressa um sorriso no semblante)) P.: Erra a reza? R.: A reza (+) reza nas A/ vai rezá as Avi Maria e erra (+) e homi é o Pai Nosso.

(Fala de Cocota, Uiraúna-PB, em 26 de maio de 2010. Fonte: Transcrição dos dados da pesquisa de Campo).

P.: Mas me diga uma coisa quando é qui a pessoa sabe/ a sinhora sabe qui a pessoa tem olhado? R.: Quando a gente reza ((olha para trás)) (+) aí se tivé (+) dá pa pessoa abri a boca (+) os Pai Nosso é de homi (+) quando é mulé é das Avi Maria (+) das Avi Maria (++) aí quando num tem mai quando a gente reza num abre mai a boca (+) P.: Ah! R.: Tu vai vê quando fô de tarde qui tu vinhé de tarde qui eu te rezá aí num abre mai a boca aí num tem mai olhado (+) ((ao dizer isto apressadamente se levanta e sai em direção à casa)). (Fala de Dona Júlia, Araçagi-PB, em 26 de dezembro de 2008. Fonte: Transcrição dos dados da pesquisa de Campo).

Nas palavras de ambas as rezadeiras, aparecem metaforizados os arquétipos das energias

masculina e feminina quanto à origem do quebrante ou olhado. Neste sentido, constata-se o

seguinte paralelismo arquetípico: homem / Pai Nosso ; mulher / Ave Maria. Embora levando

em consideração que haja uma distância geográfica muito grande entre as duas rezadeiras,

pois a primeira é de Uiraúna – alto Sertão da Paraíba –, e a segunda é de Araçagi – região da

Borborema, a manifestação dos aspectos simbólicos é bastante semelhante. Dessa forma,

os arquétipos são os mesmos nas duas falas, entretanto variam em sua materialização no

discurso do depoimento acerca de sua realização ritualística no fazer das rezas.

Nesse contexto, a fórmula das rezas do Pai nosso e da Ave Maria, enquanto textos

sagrados, tornam-se arquétipos de uma identificação advinhatória da pessoa que destinou

o olhado ou quebrante. (“[...] se fô homi qui butô a gente erra no Pai Nosso (+) se fô mulhé

nas Avi Maria (+) a gente sabe qui foi quebrante qui butô naquela pessoa”). O discurso é

marcado por paralelismos sintáticos condiconais entre a figura masculina e feminina, de

quem procedeu o quebrante (“qui butô”). A expressão “qui butô” e “qui butá” são repetidas

conjuntamente cinco vezes, o que constroi uma significação de crença convicta acerca da

origem do quebrante, enquanto resultado da ação de outrem.

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Além disso, o paralelismo sintático “a gente erra” / “a gente sabe” evidencia essa teia signifi-

cativa entre a reza e o acesso ao saber do invisível, da causa dos males. A advinhação se dá no

movimento da enunciação ritualística do texto da reza. Para a primeira rezadeira, é a fórmula

da reza que, ao sofrer uma quebra pelo equívoco em sua vocalização, torna-se um elemento

significativo acerca da origem do desequilibrio. Para a segunda, é o gesto de abrir a boca, que

surge repentinamente no ritual da reza como um indício de sentido para identificação dos

arquétipos mencionados. Desse modo, a reza ritualizada não se constitui apenas como um

espaço místico de cura, mas também de advinhação acerca das causas originárias dos males.

Semelhantemente a Dona Júlia, a rezadeira Cocota identifica a linguagem do corpo

como portadora dessa significação de que a pessoa está com olhado ou quebrante, como se

constata no trecho do diálogo abaixo:

P.: Vai rezá o Pai Nosso e erra! R.: Aí erra é (+) aí já sabe qui é homi (+) aí torna a rezá de novo (+) aí pronto já/ P.: Aí quando sabe qui o olhado saiu é qui/? R.: Aí fica pronto/ você num abre a boca nem nada/ já fica todo/ P.: A abertura de boca também é sinal de qui tá cum olhado? R.: TAMBÉM (+) é uiado quebrante é (+) P.: Aí abre a boca no Pai Nosso também? R.: Também ói inda agora me deu isso/ tu tem quebrante! ((abre a boca na forma de um bocejo e sai levando a cadeira para outro lado do terreiro de sua casa)).

Um elemento significativo novo que esta rezadeira traz para seu discurso é que o outro,

quando está com quebrante, revela-lhe no dizer silencioso do corpo através do bocejo. Daí

que quando ocorre a cura por meio da reza este sinal corporal desaparece (“Aí fica pronto/

você num abre a boca nem nada/ já fica todo/”). Constatamos que as expressões “pronto”

e “todo” após o verbo de ligação assumem posições sinonímicas em relação ao sentido de

curado. A mesma relação de sentido da abertura de boca no Pai Nosso indicando olhado de

homem, como Dona Júlia enuncia acima, pode ser constatada também na voz de Cocota,

embora tal afirmação só tenha sido feita após a pergunta curiosa do pesquisador. Entretanto,

uma variação no costume cultural/religioso é que Dona Júlia não afirmou o erro da fórmula

da reza como indício de olhado, apenas o gesto de abrir a boca.

Subtamente, enquanto conversávamos, Cocota bocejou abundantemente e fez a

afirmação diagnóstica acerca de meu estado de energia: “ói inda agora me deu isso/ tu tem

quebrante!”. A rezadeira não identifica o quebrante, numa perspectiva advinhatória, apenas

no ritual de rezar, mas tamanha é sua sensibilidade para esses fenômenos do nível anímico do

ser que ela percebe em seu corpo, por meio do bocejo, que o interlocutor está com quebrante,

embora não esteja rezando-o mas conversando sobre suas práticas de rezas.

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Nas duas imagens, que foram capturadas a partir da filmagem do ritual da reza de olhado,

constata-se a presença do signo icônico dos ramos, bem como os signos gestuais da rezadeira,

especificamente o signo de um forte bocejamento numa perspectiva contínua, que chega a

fugir ao controle da rezadeira, levando-a a fechar os olhos. Os signos linguísticos, por meio

dos quais é construído o texto da reza são pronunciados em silencio, de modo que nem a mãe

da criança escuta nem o pesquisador. A união desses diferentes signos (icônicos, gestuais e

linguísticos) é articulada pela fazedora da cultura religiosa popular na realização da perfor-

mance – o ritual da reza de olhado.

Essa performance não ocorre apenas no ritual da reza, mas também após seu término,

no ato performático de jogar o ramo fora, sendo tal gesto recorrente, do litoral ao sertão,

nas práticas de rezas de olhado das rezadeiras e rezadores que registramos na pesquisa etnográ-

fica. No litoral, registramos Dona Alice, rezadeira do Conde que, após rezar as pessoas que

vão até ela para se curarem do olhado, joga o ramo no terreiro da frente de casa. No sertão,

registramos Dona Zefinha e Seu Antônio José, ambos de Uiraúna, jogando os ramos após o

Evidenciamos no trecho citado uma correspondência entre o gesto (abertura de boca)

– indagação do pesquisador – e o sentido, prontamente atribuído pela rezadeira (“é uiado

quebrante é”), cuja enunciação se deu antes mesmo de terminarmos a pergunta, de modo

que houve uma simultaneidade de nossas vozes, como registrado na transcrição. Desse modo,

identificamos como os saberes e memórias das vozes são nômades, posto que uma rezadeira

do sertão (Uiraúna) realiza a mesma codificação simbólica acerca do olhado/quebrante que

uma rezadeira do brejo (Araçagi), bem como as coincidências na significação dos gestos que

constituem as performances de um seguimento cultural, embora sendo os sujeitos sociais de

regiões diferentes.

Figura 2: Cocota, rezadeira de Uiraúna, rezando umacriança de quebrante.

Fonte: Produzida pelo autor com base no corpus da pesquisa de campo.

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ritual da reza; a primeira atrás de sua casa, o segundo na frente casa. Os galhos das plantas

encontravam-se murchos, conforme imagens abaixo. Tais ramos deixam de ser apenas galhos

de plantas para se tornarem signos icônicos, que simbolizam na cosmovisão da religiosidade

popular que as pessoas estavam com olhado e este passou para os ramos.

Após a reza que Seu Antônio José, rezador de Uiraúna, realizou na criança que, segundo

ele, tinha um quebrante muito forte, senda simbolizada tal certeza no ramo murcho, a mãe da

criança diz sorrindo: “Já (+) ficô isperta já! [...] ÓIA! JÁ QUÉ IR PU CHÃO! TÁ VENO? ÓIA! (+)

Tava irmuricidinha!”. A voz da mãe consiste em um dos fios que, junto com outras vozes da

comunidade tecem essa memória coletiva acerca da eficácia da prática ritualística da reza feita

pelo rezador.

Figura 3: Seu Antônio, rezador de Uiraúna, rezandoquebrante em uma mulher da cidade.

Fonte: Produzida pelo autor com base no corpus da pesquisa de campo.

Figura 4: Ramo jogado no chão por Seu Antônio José, após a reza.Fonte: Produzida pelo autor com base no corpus da pesquisa de campo.

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Figura 5: Seu Antônio, rezador de Uiraúna, jogandoo ramo após a reza de uma criança.

Fonte: Produzida pelo autor com base no corpus da pesquisa de campo.

Figura 6: Ramos murchos, após a reza de olhado,realizada por Dona Alice, rezadeira do Conde.

Fonte: Produzida pelo autor com base no corpus da pesquisa de campo.

Figura 7: Dona Zefinha, de Uiraúna, rezando olhadoe ramo jogado fora após a reza.

Fonte: Produzida pelo autor com base no corpus da pesquisa de campo.

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Esse gesto performático de jogar o ramo fora consiste na atualização de um símbolo

presente na memória oral das rezadeiras e rezadores, que significa desfazer-se do mal, jogar o

mal ou a doença, retirada pela reza, para fora ou para longe daquele que a carregava. O ramo

torna-se, então, um receptáculo do sagrado, sendo este entendido como uma verdade metafí-

sica. Sagrado, neste sentido, não deve ser confundido como aquilo que é divino ou do bem, mas

sim aquilo que é invisível, que é transcendente. Portanto, numa análise dialética, o ramo tanto

recebe as bênçãos (o bem) que são transmitidas às pessoas, quanto recebe as doenças, o olhado

especificamente (o mal), que é retirado das pessoas e jogado fora.

Embora Seu Antônio José, rezador de Uiraúna, se autoafirme católico, evidencia-se em sua

voz e em sua performance marcas significativas que remetem a uma cosmovisão das religiões

afro-brasileiras, como se observa no trecho seguinte:

P.: e o sinhô joga assim pur que Seu Antônio? R.: purque é obrigação jogar onde (+) aquela criança num venha né P.: sim R.: qu’ela nunca andô e num vai tão cedo aí (+) qu’ela num vem aí (+) P.: certo! R.: num sabe? aí aquela duença fica puraí assim ((acena para o lugar onde jogou os ramos)) P.: fica puraí! R.: é aí assim (++) num entra nela mais (+) né?

O fato de o sujeito enunciador dizer que jogar o ramo “é obrigação”; bem como “aquela

duença fica puraí”, no ramo jogado, permite uma interpretação acerca da circularidade do

imaginario mágico de desfazer o mal, que traz uma relação de sentido aproximativa entre

esse gesto performático do rezador e os despachos realizados nas religiões de matriz africana.

Nas religiões de matriz africana, a obrigação dos Pais, Mães e Filhos de Santo é em relação ao

Orixá, realizando oferendas, abstinências sexuais, rituais específicos conforme as caracterís-

ticas dos Orixás e dos ritos iniciáticos. O rezador, ao utilizar o termo “obrigação” referente ao

gesto de jogar o ramo, mesmo sem saber, sem revelar ou afirmar conscientemente, está atuali-

zando em sua prática ritualística elementos do simbolismo das religiões de matriz africana, que

ultrapassa os limites impostos pela religião oficial católica, fazendo parte das teias da oralidade

que tecem o inconsciente coletivo dessa religiosidade popular em que se inserem os rezadores.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar a voz e a performance nos contextos das práticas religiosas populares de cura das

rezadeiras e rezadores requer uma reflexão constante acerca da complexidade da linguagem.

Nesta perspectiva, as análises realizadas não se fecham de modo engessado num campo

disciplinar da linguística, de modo que o fenômeno das oralidades dessas mulheres e homens

mobilizou a busca de elementos em vertentes interacionistas da Linguística como também na

Antropologia, demandando, assim, um olhar epistemológico transdisciplinar.

Os saberes curativos nas rezas de olhado e quebrante, na dinamicidade de seus aspectos

simbólicos e performáticos, que se manifestam no texto da reza e na sua concretização ritualís-

tica, atualizam arquétipos e símbolos de um imaginário coletivo, compartilhado por rezadeiras

e rezadores de diferentes regiões da Paraíba, razão pela qual aparecem semelhanças nos

elementos constitutivos dessa tradição cultural. Assim, portanto, nossas descrições etnográ-

ficas e linguístico-antropológicas, para além dos limites desse trabalho, visam fortalecer um

reconhecimento e valorização dessas mulheres e homens fazedores da religiosidade popular,

por parte das comunidades locais, posto que evidenciamos suas práticas culturais como um

patrimônio imaterial de nosso Estado.

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