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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP JULIANA NERI MUNHOZ ENTRE ESTUDOS E REZAS: Alunos não confessionais no Colégio Arautos do Evangelho e Colégio Adventista de Cotia SP Mestrado em Ciências da Religião SÃO PAULO 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

JULIANA NERI MUNHOZ

ENTRE ESTUDOS E REZAS: Alunos não confessionais no Colégio

Arautos do Evangelho e Colégio Adventista de Cotia – SP

Mestrado em Ciências da Religião

SÃO PAULO 2012

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Setor de Pós-Graduação

Juliana Neri Munhoz

Entre Estudos e Rezas: Alunos não confessionais no Colégio

Arautos do Evangelho e Colégio Adventista de Cotia – SP

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para

obtenção do título de Mestre em Ciências

da Religião sob a orientação da Profª

Doutora Maria José F. Rosado Nunes.

SÃO PAULO 2012

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Banca Examinadora

____________________________________

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____________________________________

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RESUMO

Este trabalho buscou analisar a presença de alunos e alunas não-confessionais no

Colégio Arautos do Evangelho Internacional, situado na Granja Viana - SP e Colégio

Adventista de Cotia - SP. Estas escolas mostram-se interessantes para pesquisa pelo número

de alunos e alunas não-confessionais que possuem: 10% de alunos e alunas não católicos no

Colégio Arautos do Evangelho Internacional e 82% de alunos e alunas não adventistas no

Colégio Adventista de Cotia1. Embora tenha ocorrido, ao longo da pesquisa, no ano de 2010,

o fechamento do Colégio Arautos do Evangelho Internacional.

Para realizar este estudo foi necessário conhecer os grupos religiosos do Arautos do

Evangelho e Adventistas, obtendo maiores informações sobre seu histórico enquanto grupo,

suas crenças e carismas. Compreendendo assim de que forma estes grupos incutem suas

crenças em seu formato de educação. Em um segundo momento, identificamos o histórico

educacional destes grupos: católico e adventista, também o discurso de algumas pessoas que

possuíram uma influência nesta discussão sobre educação como a de Leonel Franca para

educação católica e Ellen White para educação adventista.

Observamos dentro do quadro educacional destas escolas confessionais um conjunto de

elementos que envolvem a religião, como os momentos de oração, capelas, missas e aulas de

Ensino Religioso. Por isso, em um terceiro momento fizemos um estudo de campo, assistindo

aulas de Ensino Religioso, participando de alguns momentos de capela e missas,

entrevistando professores, pais, alunos e alunas, diretores.

Através destas informações e observações foi possível relacionar e atribuir a presença

destes alunos e alunas não-confessionais nestas escolas à teoria da socialização, ou seja, as

diferenças religiosas parecem não ser tão importantes quanto o convívio com o grupo de

amigos e outros membros da escola. Por este motivo, trazemos a teoria da socialização

trabalhada por Berger e Luckmann, Maria da Graça Setton e Lahire. A escola possui esta

característica de interação cultural, de forma que o modelo, as disciplinas, os conhecimentos

são partilhados.

Aparenta existir, para estes alunos e alunas não-confessionais uma diferenciação entre a

esfera do ensino e a esfera da religião. Ou seja, estudar em uma escola confessional não

1Estes números foram fornecidos pelas entrevistas com a direção e coordenação das escolas.

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significa compartilhar da mesma religião que a escola, mesmo convivendo e participando dos

momentos socializadores religiosos desta. A escola seria o espaço do ensino, e a religião que o

aluno ou aluna confessional professa (ou que não professe nenhuma) estaria no âmbito que se

encontra fora da escola, que faz parte da esfera particular ou familiar.

Complementou a análise destas informações as pesquisas sobre o perfil religioso dos

jovens brasileiros desenvolvidos por Jorge Cláudio e Regina Novaes, que revelam o

denominado “afrouxamento” da relação do jovem com a religião. Sendo assim, para o jovem

e no caso da pesquisa o adolescente, ter amigos de religião diferente da sua não se torna um

problema. Outros elementos como a localização da escola e um ensino que evidencie a

disciplina, trabalhe valores e ética são fatores que explicam a presença destes alunos e alunas

não-confessionais nestas escolas confessionais.

Palavras-Chave: Alunos não-confessionais - Escola Confessional - Socialização

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ABSTRACT

The present study sought to analyse the presence of male and female students who do

not practice any religion at the Colégio Arautos do Evangelho Internacional, located in Granja

Viana - SP and Colégio Adventista de Cotia - SP. These schools seem to be interesting

regarding this research due to the number of male and female students they feature: 10% non-

Catholic male and female students at the Colégio Arautos do Evangelho Internacional and

82% non-Adventist male and female students at the Colégio Adventista de Cotia (Those

numbers were given at the interviews with the schools’ principal and staff). However, during

the research, in year 2010, Colégio Arautos do Evangelho Internacional was closed. Those

numbers were given at the interviews with the schools’ principal and staff.

In order to conduct the present study it was necessary to know the religious groups from

Arautos do Evangelho Internacional and Adventists, thus obtaining further information their

history as groups, their beliefs and charisma. Therefore, it was possible to understand they

way those groups transmit their beliefs in the education format. Secondly, we identified the

educational history of both groups: the catholic one and the Adventist one as well as the

speech of certain individuals who had some influence on this discussion about Education,

such as the speech of Leonel Franca for catholic education and the one of Ellen White for the

Adventist education.

Within the educational frame of both schools we noticed a set of elements that comprehend

Religion, such as the prayer moments, chapels, mass and Religious Studies classes. For that

reason, thirdly, we conducted a field study by attending the Religious Studies classes,

participating in some moments at the chapel, attending masses and interviewing teachers,

parents, male and female students, and principals.

Through those information and observation, it was possible to make some connections and

to apply the presence of non-religious male and female students at those schools at the theory

on socialization. In other words, the religious differences do not seem to be so important as

the social interaction with friends and other members from school. Thus, we brought the

theory of socialization applied by Berger and Luckmann, Maria da Graça Setton and Lahire.

School has that characteristic of cultural interaction in a way that model, subjects and

knowledge are shared.

Seemingly, there is a difference between education scope and religion scope for those

non-religious male and female students. In other words, studying at a confessional school

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does not mean to follow the same religion of school, even IF they cope and participate in the

school religious socializing moments. School would be the space of teaching, and religion the

confessional male and female students follows (or do not follow at all) would be in a scope

outside school. It belongs to private or family environment.

The research on the religious profile of Brazilian youth conducted by Jorge Cláudio and

Regina Novaes completed the analysis of this information. Their research revealed the so-

called “loosening” of the relation between youth and religion. Thus, for the young person, in

our research, the adolescent, having friends from a religion different than his/hers does not

imply any problem. Other elements such as the school locations and an education that

emphasizes discipline, works with values and ethics are issues that explain the presence of

non-confessional male and female students at those confessional schools.

Key-words: Non-confessional students - Confessional School - Socialization

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AGRADECIMENTOS Muitas pessoas fizeram parte da construção deste trabalho. A contribuição de cada uma destas

pessoas foi de extrema valia para que a tese ficasse mais completa e mais interessante.

Primeiramente agradeço a todos os professores do curso de Ciências da Religião da PUC- SP

que, em suas aulas transmitiram conhecimentos importantes não só para o tema desta presente

dissertação, mais também para formação enquanto cientista da religião.

A minha orientadora Zeca, que fez parte de todo este trabalho, lendo, corrigindo, me ajudando

a melhorar a cada orientação e colaborando na construção do trabalho. Muito obrigada ao

Professor Afonso que já fez parte da minha banca de especialização e qualificação de

mestrado, me ajudando com leituras e discussões sobre educação e religião. A professora

Marília da USP, que colaborou no aperfeiçoamento do trabalho, através de seus

conhecimentos sobre educação.

Aos colegas de mestrado, pessoas muito queridas que o tempo todo me ajudaram, dando dicas

de leituras, trazendo livros, realizando discussões em aulas que foram muito proveitosas para

meu trabalho. A Andréia, que muito auxiliou no processo de rematrículas, informes de eventos

e por atenção dada aos alunos e alunas. Ao professor Ênio pelas aulas brilhantes.

Aos meus queridos pais que estiveram presentes o tempo todo ajudando e acompanhando meu

mestrado e meu trabalho. Ao meu querido namorado Clayton que com sua doçura e

atenciosidade leu meus textos, ajudando nas correções e esteve comigo em todos os

momentos. Também ao meu irmão Hugo Neri que leu partes desta tese, colaborando nas

discussões e devidas correções. Aos meus companheiras e companheiros de trabalho na

Escola Aurora que muito me incentivaram e ajudaram nas questões educacionais.

Ao pastor Vanderson do Colégio Adventista de Cotia, aos Arautos do Evangelho que pude ter

contato e a todos os entrevistados o meu agradecimento pela atenção e essencial participação

neste trabalho.

A CAPES, por ter investido e colaborado na realização do curso de mestrado, sem isto teria

sido difícil chegar até aqui. Também a Ivna, que colaborou na revisão e organização do

trabalho.

A Deus, amigos e familiares o meu muito obrigada!

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 1

CAPÍTULO I - OS GRUPOS RELIGIOSOS DOS ARAUTOS DO EVANGELHO

INTERNACIONAL E ADVENTISTAS: SUAS CRENÇAS, CARISMAS E HISTÓRIA.. 4

1.1 Raízes e percursos: a sociedade brasileira para a defesa da tradição, família e propriedade

e os Arautos do Evangelho..................................................................................................... 4

1.1.2 O carisma dos Arautos do Evangelho: “Os cavaleiros do novo milênio”.................... 12

1.2 Quem são os Adventistas do Sétimo Dia?...................................................................... 17

1.2.1 Os adventistas e suas doutrinas.................................................................................... 24

CAPÍTULO II - OS COLÉGIOS E SEUS GRUPOS RELIGIOSOS: UM POUCO DE SUAS

HISTÓRIAS, PEDAGOGIAS E PRÁTICAS EDUCACIONAIS........................................ 28

2.1. Educação católica no Brasil........................................................................................... 28

2.1.2. Leonel Franca e sua proposta educacional................................................................. 37

2.1.3 Educação católica e a CNBB........................................................................................ 44

2.1.4 Educação católica e o Colégio Arautos do Evangelho Internacional: parâmetros dados

pela CNBB?.......................................................................................................................... 53

2.1.5 A educação cristã e a aplicação do ER: Classificações de ER dentro dos modelos

Catequético, Teológico e das Ciências da Religião.............................................................. 60

2.2 Histórico da educação adventista no Brasil.................................................................... 66

2.2.1 Ellen White e suas propostas educacionais................................................................. 71

2.2.2 As propostas educacionais do Colégio Adventista de Cotia: parâmetros dados por Ellen

White?................................................................................................................................... 77

CAPÍTULO III - A EDUCAÇÃO, OS ADVENTISTAS E ARAUTOS DO EVANGELHO:

PERMEANDO O CAMPO EMPÍRICO.............................................................................. 82

3.1 Percepções e observações no Colégio Arautos do Evangelho Internacional.................. 83

3.1.1 As aulas de ensino religioso no Colégio Arautos do Evangelho Internacional............. 85

3.1.2 Conversas com o professor de Ensino Religioso........................................................ 90

3.1.3 O cotidiano das orações e missas com os adolescentes............................................... 92

3.1.4 As Arautos e sua participação no Colégio Arautos do Evangelho Internacional.........94

3.2 O Colégio Adventista de Cotia : percepções e observações...........................................95

3.2.1 Momento da Capela.................................................................................................... .96

3.2.2 Entrevistas com pais e alunos.................................................................................... .99

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3.2.3 Entrevista com a professora de Ensino Religioso do Colégio Adventista de Cotia..... 106

3.2.4 As aulas de ensino religioso no Colégio Adventista de Cotia....................................... 108

3.3 Os alunos e as alunas não-confessionais nos colégios Adventista e Arautos do Evangelho

Internacional: processos socializadores................................................................................. 112

3.3.1 O mundo social da escola e a socialização.................................................................. 113

3.3.2 Os alunos e alunas não-confessionais do Colégio Arautos do Evangelho Internacional e

Colégio Adventista de Cotia - SP......................................................................................... 120

3.4 O perfil religioso dos adolescentes brasileiros e os alunos e alunas não-confessionais:

algumas relações.................................................................................................................... 126

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................129

BIBLIOGRAFIA................................................................................................................... 133

SITES........................................................ ........................................................................... 137

SITE DA REVISTA ARAUTOS DO EVANGELHO INTERNACIONAL.......................... 137

REVISTA LUMEN VERITATIS.......................................................................................... 138

REVISTAS ELETRÔNICAS............................................................................................... 139

ANEXO I - Colégio Arautos do Evangelho Internacional.................................................... 139

ANEXO II – Questionários e material de ER do Colégio Arautos do Evangelho Internacional

........................................................ ...................................................................................... 144 ANEXO III – Colégio Adventista de Cotia e material de ER...............................................151

ANEXO IV – Fotos dos Colégios...................................................................................152

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INTRODUÇÃO

O objeto de estudo deste trabalho são os alunos e alunas não-confessionais nas escolas

confessionais no Colégio Arautos do Evangelho Internacional, que funcionou durante cinco

anos – 2005 a 2010 na cidade da Granja Viana – São Paulo, de confissão católica, e o Colégio

Adventista de Cotia, em Cotia – São Paulo, que funciona há 53 anos. A presença destes alunos

e alunas, cujas crenças se diferenciam da religião oficial da escola, nos permite questionar

como eles percebem, tomam contato e agem em relação à religião colocada pela escola.

Também nos faz pensar sobre como a escola lida com a pluralidade religiosa e segue os

parâmetros educacionais colocados pela sua religião.

A escolha pelo objeto de estudo advém dos primeiros contatos com o tema da religião

que ocorreram devido à presença de Grupos Universitários na faculdade de Ciências Sociais

em que estudei em Marília, São Paulo. A relação entre religião e educação se tornou elemento

de pesquisa e de interesse pessoal, e deu continuidade na especialização em Ciências da

Religião na PUC-SP. Tomei contato com a discussão do Ensino Religioso, buscando observar

a disciplina, seus conteúdos e metodologia em escolas confessionais na monografia da

especialização. Foi por meio das observações sobre o ER realizadas nas escolas confessionais

– Colégio Madre Iva e Colégio Adventista de Cotia – na especialização, que a problemática

dos alunos não-confessionais passou a desabrochar e chegou a um mestrado.

Na tese de mestrado ao invés de estudar especificamente a disciplina de Ensino

Religioso nas escolas confessionais, buscou-se entender como alunos e alunas sem religião e

de outra confissão religiosa percebiam estas aulas de Ensino Religioso de caráter

confessional. Em especial no Colégio Arautos do Evangelho Internacional e Colégio

Adventista de Cotia- SP. Inclusive foram realizadas algumas entrevistas com um olhar para o

Ensino Religioso. Porém, ao longo da pesquisa e após a qualificação, foi possível

compreender que não era somente nas aulas de Ensino Religioso que as relações destes alunos

e alunas com a religião aconteciam. E sim em diversos momentos como as capelas, as missas,

as orações diárias. Nós nos questionamos então sobre o número grande de alunos não

adventistas que estudam no Colégio Adventista de Cotia – 82% e os alunos não católicos no

Colégio Arautos do Evangelho Internacional – 10%. O Colégio Arautos do Evangelho

Internacional foi escolhido para a pesquisa porque não conhecíamos o grupo e sua forma de

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educar as crianças, além de bons comentários sobre a estrutura e o espaço da escola. Já o

Colégio Adventista de Cotia foi escolhido pela participação na trajetória da pesquisadora e

conter um elevado número de alunos e alunas não-confessionais.

Também foi objeto de interesse conhecer como eles lidavam com as possíveis

divergências de crença e em que momentos este ambiente confessional permitia que houvesse

formas de integração ou embates com estes alunos. O contato com as escolas trouxe

elementos muito interessantes e mostrou diferenças entre elas. O Colégio Arautos do

Evangelho Internacional não proporcionou um espaço aberto para entrevistas com os alunos e

alunas (ainda assim, a pesquisadora conseguiu conversar com alguns alunos e alunas do 8º

ano). Foi possível ter contato com um dos arautos, dentre os seis que administravam o

colégio, bem como com a diretora e o professor de Ensino Religioso. O acesso ao material

pedagógico da escola e seu plano pedagógico puderam ser copiados. Um dos percalços da

pesquisa foi o fechamento do Colégio, que permitiu um curto espaço de tempo para

observações mais aprofundadas e obtenção de maiores informações sobre a escola. Contudo,

as conversas com as pessoas e a observação de alguns momentos como a aula de ER, um dia

de missa com alunos e alunas, um momento de oração antes da aula aconteceram e

estimularam a relevância desta escola para a pesquisa.

O Colégio Adventista de Cotia foi bem receptivo e aberto para a pesquisa. Permitiu o

uso de sua biblioteca, participações em vários momentos, como visitas às capelas e a

participação nas aulas de Ensino Religioso. Além de entrevistas com alunos e alunas,

professora, pastor e coordenadora. Duas famílias que possuem filhos e filhas no Colégio

Adventista colaboraram com entrevistas fora da escola. Todos os contatos e diálogos que a

pesquisa me proporcionou foram extremamente ricos desde o acesso às revistas adventistas

antigas na biblioteca e participação de missas dos arautos até as visitas nas casas de pais e

mães que têm filhos estudando na instituição. Tudo isso nos permitiu tecer reflexões sobre

religião e educação, compreendendo as formas que a escola confessional utiliza para atingir

seus objetivos religiosos e como os alunos de diferente confissão da escola lidam e percebem

essas formas.

As experiências nestes Colégios e o campo empírico colaboraram com a organização

do trabalho, mostrando que a relação dos alunos não-confessionais com a escola confessional

está no espaço escolar como um todo. Metodologicamente, o trabalho se divide em três

capítulos. No primeiro capítulo, buscamos compreender os grupos religiosos presentes na

pesquisa: Arautos do Evangelho e Adventistas. Também mostrar um pouco de sua história,

suas crenças e formas de ver o mundo. No segundo, buscamos o histórico da educação ligado

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a estes grupos aqui no Brasil, identificando seus objetivos educacionais e formas de trabalho

com as crianças e adolescentes na escola. Inclusive em relação ao Ensino Religioso proposto

pela escola.

Em um terceiro momento do trabalho, identificamos o campo empírico e

apresentaremos os dados colhidos nas entrevistas, visitas, conversas, observações de campo

para, desta forma, poder realizar uma análise de todos os dados apresentados à luz da

Sociologia da Religião. A questão da socialização das crianças na escola já foi discutida por

vários autores, mostrando que este tema da socialização é relevante, em especial nesta

pesquisa. Dessa forma, os alunos e as alunas não-confessionais estão imersos no universo

simbólico e cultural de uma escola ligada a uma confissão religiosa e assim se encontram

envolvidos por um processo de formas de interação e iniciação num mundo social como diz

Berger (1985).

Além da teoria da socialização, adentramos nas discussões sobre a relação do jovem

com a religião no mundo atual em que Jorge Cláudio Ribeiro e também Regina Novaes

revelam a mudança do perfil religioso dos jovens, o acesso destes às informações imediatas e

o “afrouxamento” da relação entre o jovem e a religião. Estes elementos, além das motivações

dos pais ao colocarem seus filhos nestas escolas, são relevantes para buscar possíveis

respostas para a problemática posta no trabalho.

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CAPÍTULO I - OS GRUPOS RELIGIOSOS DOS ARAUTOS DO

EVANGELHO INTERNACIONAL E ADVENTISTAS: SUAS CRENÇAS,

CARISMAS E HISTÓRIA

Neste primeiro capítulo identificaremos os grupos religiosos a serem abordados na

pesquisa: os Arautos do Evangelho Internacioinal e os Adventistas do Sétimo Dia. Buscando

conhecer sua trajetória enquanto grupo, suas principais crenças e carismas. Também

compreender como estes se diferem das outras vertentes religiosas, percebendo assim suas

peculiaridades e especificidades.

Alguns líderes importantes se enquadram neste contexto: quanto aos Arautos do

Evangelho, o Mons. João Scognamiglio Clá Dias, condecorado pelo Papa em 2009 e fundador

da Associação Internacional Privada de Fiéis de Direito Pontifício (leigos, casados, solteiros),

também da Virgo Flos Carmeli (membros dos Arautos do Evangelho ligados ao sacerdócio e

colaboradores) e da Regina Virginum (grupo de membros do ramo feminino dos arautos). No

âmbito adventista, a profetisa Ellen White e seus escritos, os quais trouxeram para o grupo

elementos importantes a serem seguidos como a questão da saúde, alimentação, educação,

família, dentre outros.

Este conhecimento dos grupos religiosos se torna essencial para a pesquisa, pois irá

colaborar para o entendimento do contexto educacional confessional dos Colégios Arautos do

Evangelho Internacional e Colégio Adventista de Cotia. A partir deste capítulo,

conseguiremos visualizar a relevância da questão educacional para ambos e como esta se

insere em seus preceitos religiosos.

1.1 Raízes e percursos: a sociedade brasileira para a defesa da tradição, família e propriedade e os arautos do evangelho

A TFP recorda continuamente que só na fidelidade aos princípios eternos da verdade revelada, ensinada pela Santa Igreja Católica, será possível construir uma autêntica civilização, ou seja, a Civilização Cristã. (Plinio Corrêa de Oliveira).1

Para conhecermos o grupo dos Arautos do Evangelho Internacional e 1 Disponível em http://www.tfp.org.br/tradicao-familia-e-propriedade/fundador/pagina-4 Acesso em: 02 mar. 2012.

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consequentemente suas relações com os alunos e alunas não-confessionais e princípios

educacionais, precisamos, em um primeiro momento, seguir seu percurso histórico a partir da

Sociedade Brasileira para a Defesa da Tradição, Família e Propriedade. As raízes da TFP se

encontram na genealogia do grupo dos Arautos do Evangelho, pois seus fundadores e

doutrinas possuem laços históricos que precisam ser analisados dentro do contexto do

catolicismo brasileiro.

O fundador da TFP foi Plinio Corrêa de Oliveira. Em 1928, aos 19 anos, Plinio

participou de um Congresso de Mocidade Católica, tomando contato com as Congregações

Marianas. Fundou a AUC – Ação Universitária Católica2 e idealizou e participou da

organização da Liga Eleitoral Católica – LEC.3 Foi deputado e professor, assumiu a cátedra

de História da Civilização na Faculdade de Direito na Universidade de São Paulo e lecionou

História Moderna e Contemporânea nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras São Bento,

da PUC - SP.4

Os elementos que são observados pela TFP e que revelam seu diferencial dentro da

Igreja Católica são a defesa da família, da tradição e da propriedade. Quanto à tradição, a TFP

acredita que “o verdadeiro progresso não é destruir, mas somar”. Ou seja, é a soma do

passado com o presente. A família gera a tradição e a hierarquia social, o que demonstra sua

importância para a TFP. A propriedade é um “direito do homem, direito a liberdade e ao

trabalho” e faz parte da essência humana.5

O nascimento da TFP se dá na década de 19606, no período de regime militar. A

relação da Igreja com o Estado neste período se diferencia entre os grupos católicos:

Há vários setores da Igreja que, de bom grado, cooperam com o regime,

2 Em 1928, juntamente com alguns congregados marianos, ele funda na Universidade de São Paulo, a Ação Universitária Católica- AUC. “Um grupo de jovens católicos que além do estudo acurado da filosofia tomista e da doutrina cristã pretendiam desenvolver uma série de ações no meio universitário com o intuito de evangelização e de promoção da civilização cristã.” SANTOS, Ivanaldo. O tomismo militante: o discurso-ação de Plinio Corrêa de Oliveira. Disponível no site: http://www.revolucao-contrarevolucao.com/verartigo.asp?id=182 Acesso em: 12 jan. 2012. 3 “No período de 1910 a 1930 encontramos uma busca da Igreja Católica,enquanto instituição, em se aproximar do Estado, como na tentativa de organização de partidos católicos, como exemplo a LEC- Liga Eleitoral Católica.” (JUNQUEIRA, 2007). 4 Informações obtidas no site oficial da TFP: http://www.tfp.org.br/tradicao-familia-e-propriedade/fundador Acesso em: 03 jan. 2012. 5 Informações obtidas no site oficial da TFP: http://www.tfp.org.br/tradicao-familia-e-propriedade/fundador Acesso em: 03 jan. 2012. 6 “Essa Sociedade logo se espalhou por dezenas de países. E mesmo os países que não possuíam oficialmente casas da TFP eram influenciados por sua ação pastoral. Plinio Corrêa de Oliveira imprimiu na TFP toda a sua determinação e a experiência acumulada durante décadas em defesa da sociedade cristã.”SANTOS, Ivanaldo. O tomismo militante: o discurso-ação de Plinio Corrêa de Oliveira. Disponível no site: http://www.revolucao contrarevolucao.com/verartigo.asp?id=182 Acesso em: 12 jan. 2012.

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mesmo que a instituição mostre uma clara tendência a abandonar essa orientação. Um desses setores é a bem organizada Sociedade Brasileira para a Defesa da Tradição, Família e Propriedade, a TFP. Essa organização foi fundada em 1960 por Plínio Correia de Oliveira, advogado e antigo professor de história. A organização se inspira numa ideologia “integrista” que anima uma militância ativa em defesa do catolicismo tradicional. (BRUNEAU, 1974, p. 395).

Bruneau mostra que este período de nascimento da TFP contém um antagonismo entre

os objetivos da Igreja e do Estado. O regime militar estava preocupado com o

desenvolvimento e sucesso econômico. Mas os bispos observavam a não preocupação com o

aspecto humano e divergiam do Estado, pois viam a necessidade da volta da democracia, de

pôr fim à tortura e de melhorias sociais. Por motivo deste conflito, que envolvia quatro

pontos: missão social, defesa institucional, abordagem do desenvolvimento e situação política

– a Igreja foi obrigada a desenvolver sua identidade própria e em oposição ao Estado

(BRUNEAU, 1974). Uma relação de conflito ali se aplicava7. O governo cortava as verbas

atribuídas às atividades e grupos da Igreja e aumentava taxas. Colocava assim limites rígidos

à missão social, que fazia parte do contexto de mudança na Igreja.

Contudo, cabe-nos então notar que a Sociedade Brasileira para a Defesa da Tradição,

Família e Propriedade tomou uma posição diferenciada dentro da Igreja Católica e se insere

neste quadro de relações Igreja e Estado. A TFP se aproximava da orientação do governo,

adotando a mesma abordagem de nacionalismo e desenvolvimento econômico, possuindo:

(...) um moralismo extremo, é contra o divórcio, contra o comunismo e contra qualquer mudança. (…) De fato, a TFP ignora completamente o Concílio Vaticano II e alguns dos seus membros mais importantes criticaram os Papas João XXIII e Paulo VI por suas inclinações esquerdistas. (BRUNEAU, 1974, p. 396).

A TFP ignorou assim o Concílio Vaticano II, que é significativo na vida da Igreja

contemporânea e como observa Prandi: “(...) toda a face do catolicismo no século XX ficará

marcada pela grande vontade de mudança que representou o Vaticano II, expressão de

atualidade e modernidade.” (PRANDI, 1998, p. 30). Sendo assim, o que a TFP propunha ia na

7 “Em função dessas mudanças institucionais e o recrudescimento da repressão, a CNBB começou a adotar posições mais críticas em relação ao Estado. (...) Criticaram o governo militar por ameaçar a dignidade física e moral do indivíduo e por estimular uma radicalização maior da situação política.(...) Os bispos afirmaram que o indivíduo e não critérios técnicos deveria constituir o foco do desenvolvimento.” (MAINWAIRING,1989, p. 130).

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contramão das expressões do Vaticano II.8

Dentro do processo de conflito entre Igreja e Estado, a TFP e seus membros

pertencentes à hierarquia, como vimos anteriormente, colocavam-se ao lado do governo, em

oposição aos setores da Igreja. Criticavam os Papas João XXIII e Paulo VI por suas

inclinações esquerdistas. Acrescenta Bruneau que “(...) desde a sua fundação, em 1960, a TFP

sempre divergiu da corrente principal da Igreja que, na ocasião, era definida pela CNBB.”

(BRUNEAU, 1974, p. 396).

Nos próprios estudos da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, nº 63

encontramos estes conflitos: “Desde o final do Concílio, como sabemos, grupos ideológicos

distintos, internos e externos à Instituição, apropriam-se de maneira diversa do projeto

conciliar. Nesse quadro de disputa é que se deu a polarização entre os setores progressistas e

conservadores.” (Estudos da CNBB nº 63, 1992, p. 89). Uma das relações da CNBB e a TFP

são citadas por Plinio Corrêa de Oliveira quando salienta alguns “estrondos publicitários”

contra a TFP em 1966: “No exato momento em que a TFP realizava uma campanha de âmbito

nacional, de coleta de assinaturas contra o divórcio, a Comissão Central da CNBB emite uma

nota acautelando os católicos acerca das atividades da Sociedade.” (OLIVEIRA, 1985, p.

334).

Plinio escrevia sobre a CNBB e as transformações sociais e políticas que esta apoiava

e que divergia dos ideais da TFP:

Promove a CNBB uma imensa transformação sócio econômica (sic) de sentido muito marcadamente esquerdista. Constituem pontos capitais dessa reforma, a muitos títulos (sic) inquestionavelmente revolucionária, uma remodelação da estrutura fundiária rural do País. Tal remodelação tende, em última análise, à divisão de todas as propriedades rurais grandes e médias (…) A CNBB promete engajar-se também em uma reforma fundiária urbana que, a ser logicamente deduzida dos princípios norteadores da Reforma Agrária, deve abrir campo para duas medidas essenciais: a extinção do inquilinato,(...) e uma redistribuição do espaço.(…) De maneira que haja área construída suficiente para todos. (OLIVEIRA, 1982, p. 47).

Tais transformações e reformas não fazem parte daquilo que a TFP busca, ou seja,

deve-se defender a tradição e não revoluções, reformas. E desta forma a TFP se afastava da

corrente principal da Igreja e se mostrava como uma organização influente a certos setores do 8 Depois de encorajados pelo Concílio Vaticano II, o clero e os bispos abandonaram velhas formas e adotaram uma missão que tem mais conteúdo ético e menos formas tradicionais. Logo que se percebeu isso, eles começaram a ser atacados “por abandonarem as tradições cristãs, quando deveriam ser os primeiros a garantirem a sua continuação”, e pessoas estranhas a Igreja se apressaram a interpretar a teologia e a dar aulas de Direito Canônico. (BRUNEAU, 1974).

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governo e da alta classe média. Diz Bruneau que enquanto alguns grupos de bispos se

manifestavam a favor da Reforma Agrária, a TFP denunciava esta atitude como comunismo.

Plinio escreve contra o comunismo e salienta que existem dessemelhanças de espíritos

e doutrinas entre a “ação comuno-progressista e esquerdista” e a TFP. Mostra-se assim contra

os “manejos da seita progressista-esquerdista” e considera o comunismo uma “guerra

psicológica revolucionária”, como ele mesmo define:

E sobretudo, a seita progressista-esquerdista não visa estabelecer uma cooperação justa e harmônica entre os amigos da ordem em todas as classes sociais, como é ensinada pelos documentos tradicionais do Supremo Magistério da Igreja. Pelo contrário, ela tem por meta a ditadura de um só laivo de opinião: os revoltados (…). (OLIVEIRA,1982, p. 31).

Ocorreram debates e publicações de livros sobre o assunto, em especial daqueles

bispos que aprovavam os objetivos da TFP, como Dom Antônio Castro Mayer (de Campos,

RJ):

De fato, publicaram um livro escrito por Dom Castro Mayer, Dom Proença Sigaud, Plínio Correia de Oliveira (sic) e Luis Mendonça de Freitas, intitulado: Reforma Agrária: Questão de Consciência, condenando a medida apoiada pela CNBB (...) a TFP adquiriu mais força na Igreja e na sociedade em geral. (...) Na atmosfera propícia da era pós golpe (sic), muitos, aparentemente, pensavam que a TFP era a Igreja. (BRUNEAU, 1974, p. 396-397).

A representação da TFP enquanto Igreja no Brasil não ficou livre de críticas e de

investigações em relação ao seu comportamento, considerado “arcaico e agressivo” por

Bruneau. Algumas críticas são postas por ex-membros da TFP, como J.A. Pedriali.9 Jornais,

revistas, programas evidenciavam as acusações feitas à TFP, colocando em pauta questões

como a não aprovação do divórcio no Brasil, a formação dos jovens que dela participam10, a

possível exaltação e culto da mãe de Plinio: Da. Lucilia R. Corrêa de Oliveira11, pretensões a

9 Em sua obra Guerreiros da Virgem- A vida secreta na TFP, relata possíveis imposições da TFP quanto a repressão sexual, a castidade, perda de sanidade mental, perturbações, especialmente em relação às mulheres: ''as mulheres modernas são todas pecadoras”. É respondido por Plínio em uma outra obra: A réplica da autenticidade - A TFP sem segredos. Para maiores informações: OLIVEIRA, Plínio Corrêa. A réplica da autenticidade - a TFP sem segredos. Ed. Vera Cruz, 1985. 10 A TFP era apontada como a grande instigadora e responsável pelas imaginárias aberrações moralizantes e incriminada de formar mentalidades carregadas de rancor, de desagregar as famílias, de promover exercícios paramilitares e de constituir um potencial de subversão direitista pelo Programa Fantástico da TV Globo, em 1978. (OLIVEIRA, 1985). O vídeo do programa se encontra disponível no site: http://www.youtube.com/watch?v=sKeIjG3roCo Acesso em: 05 jan. 2012. 11 Em 1979 um relatório anônimo distribuído na França acusa a TFP como uma seita que cultua de modo

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violências e atentados contra membros da própria Igreja12, de “lavagem cerebral”, “escravidão

marial”, dentre outros.

Os elementos defendidos pela TFP em ser contrários à Reforma Agrária, ao

comunismo, ao divórcio e sim defensora da tradição, família e propriedade perduraram e

deixaram resquícios. Neste contexto, João Clá Dias revela a importância de Plinio para sua

formação e consequentemente a do grupo Arautos do Evangelho, que foi dissidente da TFP.

Em seu discurso de agradecimento ao Cardeal Franc Rodé e ao Papa Bento pela condecoração

recebida para os Arautos do Evangelho, João Clá demonstra uma vertente anticomunista,

assim como Plinio: “O Cardeal acaba de falar do heroísmo de outros que aqui se encontram

no dia de hoje. Porém, ele mesmo foi um grande herói porque nasceu e se desenvolveu sobre

regime comunista, na Eslovênia, sofrendo perseguições.” 13

Também diz João Clá ter seguido Plinio Corrêa de Oliveira nos princípios de devoção

ao Papa, e que faz parte do carisma dos Arautos:

Eu fui formado por um líder católico do Brasil, Plinio Corrêa de Oliveira, que entre muitas outras virtudes, ensinou-me a amar o Papa. Em um artigo no Legionário, na época órgão oficioso da Arquidiocese de São Paulo, ele externa de uma forma belíssima o que está no meu coração e no de todos os arautos a respeito do Papa. (DIAS, 2009, p. 23).14

João Clá também escreveu sobre Plinio em sua tese de doutoramento em Teologia com

o seguinte título: “O dom da sabedoria na mente, vida e obra de Plinio Corrêa de Oliveira”.

Mons. João comenta sobre a tese: “Ora, conforme cada item, cada capítulo, é sobretudo, o que

o conjunto desta tese patenteia, tudo foi luta e glória em Plinio Corrêa de Oliveira. Portanto,

tudo lhe foi sabedoria.”15

aberrante seu fundador, Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, bem como a memória da veneranda progenitora deste, Da. Lucilia R. Corrêa de Oliveira. (OLIVEIRA, 1985). 12 “1968 - Furiosa investida publicitária lança contra a TFP uma catadupa de acusações: a entidade teria iludido a boa fé da Da. Iolanda Costa e Silva, esposa do Presidente da República, para conseguir que ela subscrevesse o abaixo-assinado contra a infiltração comunista nos meios católicos; A TFP estaria envolvida em uma conspiração contra o governo e teria participado de uma série de atos de violência.” (OLIVEIRA, 1985, p. 334). 13 Excerto das palavras de agradecimento de Mons. João Clá Sconamiglio Dias. Momento Histórico para os Arautos. Revista Arautos do Evangelho – setembro de 2009. Disponível no site: http://revista.arautos.org.br/paginas.asp?cod_mat=430&titu=Momento-historico-para-os-Arautos Acesso em: 05 jan. 2012. 14 Excerto das palavras de agradecimento de Mons. João Clá Sconamiglio Dias. Momento Histórico para os Arautos. Revista Arautos do Evangelho – setembro de 2009. Disponível no site: http://revista.arautos.org.br/paginas.asp?cod_mat=430&titu=Momento-historico-para-os-Arautos Acesso em: 05 jan. 2012. 15 Tag Arquive for ' mente e obra de Plinio Corrêa de Oliveira' publicado pelo padre Rodrigo Alonso Solera Lacayo em 22/10/2010. Disponível no site: http://academico.arautos.org/tag/mente-e-obra-de-plinio-correa-de-oliveira/ Acesso em: 05 jan. 2012.

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Outros elementos que se seguiram do que pronunciava Plinio: 1. a preocupação com as

vocações e juventude e 2. a base na filosofia de São Tomás de Aquino (tanto Plinio Corrêa de

Oliveira quando João Clá eram tomistas).16 Em relação às vocações, encontramos que estas

são na TFP:17 “Vocações para todas as atividades – como as da TFP – que exigem dedicação

desinteressada e heroísmo em prol de um grande ideal, são frequentes na adolescência e na

juventude.”(OLIVEIRA, 1985, p.336) e a “(...)média das idades dá preponderância aos

jovens.”(OLIVEIRA, 1969, s/n).18 Quanto às vocações percebemos que o grupo de João Clá,

para favorecer o surgimento destas entre os jovens, promoveu a abertura de escolas

secundárias das quais a primeira foi o Colégio Arautos do Evangelho Internacional (o da

pesquisa), na Grande São Paulo. Além do Instituto Aristotélico Tomista (IFAT) e Instituto

Teológico São Tomás de Aquino e o Filosófico-Teológico Santa Escolástica, para o ramo

feminino.

Em relação à filosofia tomista, pode-se dizer que “(...) Plinio é um pensador

genuinamente tomista. É dentro e ao mesmo tempo, inspirado na tradição tomista que ele

desde a juventude tem uma postura moldada pelo discurso-ação.” (SANTOS, 2009, s/n).19 Diz

Santos que para Plinio a expressão “verdadeira filosofia” deve ser entendida como sendo

aquela produzida por São Tomás de Aquino. Também João Clá, sendo tomista escreve sobre a

importância de São Tomás de Aquino:

O brilho da fulgurante aura de São Tomás não ficou circunscrito à Idade Média; ainda hoje suas luzes nos assistem em seus raios. (...)Também o Concílio Vaticano II recomendou duas vezes, São Tomás as escolas católicas. Com efeito ao tratar da formação sacerdotal, afirmou: 'Para explicar de forma mais completa possível os mistérios da Salvação, aprendam os alunos a aprofundar-se neles e a descobrir sua conexão, por

16 Por tomismo entende-se todo o sistema teológico- filosófico de São Tomás de Aquino. A moral tomista, a de São Tomás de Aquino é intelectualista e essencialista e se afirma como o início da filosofia no pensamento cristão. Segundo João Clá: “Segundo o pensamento de São Tomás, a razão humana por assim dizer “respira”: isto é, move-se em um horizonte amplo, aberto, no qual pode expressar o melhor de si.(...) A fé supõe a razão e a aperfeiçoa. E a razão, iluminada pela fé, encontra a força para se elevar ao conhecimento de Deus e das realidades espirituais. A razão humana nada perde abrindo-se aos conteúdos da fé (...)” Artigo de João Clá Dias na Revista Lumen Veritatis: número 01- 2007.Disponível no site: http://lumenveritatis.blogspot.com/ Acesso em: 13 jan. 2012. 17 Diz Plinio que os jovens devem dedicar seu tempo com ocupações nobres e dentro da lei e da ordem: “Não é digno de aplauso que um grande número de jovens poupe até as migalhas de seu tempo disponível, ou ainda mais, dedique seu tempo integral para estudar e agir de maneira a enfrentar, dentro da lei e da ordem, o inimigo insidioso da civilização cristã e da própria Igreja? E isso em uma época em que tantos e tantos jovens desperdiçam o tempo em ocupações menos nobres e até francamente condenáveis?” (OLIVEIRA, 1985, p. 113). 18 Plinio Corrêa de Oliveira. Artigos na Folha de SP. Luz, água ou lenha? 22 de janeiro de 1969. Disponível no site: http://www.pliniocorreadeoliveira.info/FSP%2069-01-22%20Luz.htm Acesso em: 05 jan. 2012. 19 SANTOS, Ivanaldo. O tomismo militante: o discurso-ação de Plinio Corrêa de Oliveira. Disponível no site: http://www.revolucao-contrarevolucao.com/verartigo.asp?id=182 Acesso em: 12 jan. 2012.

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meio da especulação, sob o magistério de São Tomás.’ (DIAS,2007, s/p.).20

João Clá coloca que João Paulo II dizia que Tomás de Aquino atingiu o cume de toda

Teologia e Filosofia escolástica que desenvolveu o pensamento cristão. Sendo importante

assim que as escolas católicas seguissem este pensamento.

Percebemos então que houve uma ligação entre os Arautos do Evangelho e a TFP –

Tradição, Família e Propriedade de Plinio Corrêa de Oliveira.21 Constatando-se também nos

Arautos do Evangelho a presença dos símbolos não só da TFP, mas também de gírias22,

elementos utilizados em reuniões; há campanhas de rua em contato direto com o público, nas

quais os propagandistas carregam altaneiros estandartes, marcados com o leão heráldico

(presente no brasão do papa Bento XVI), e envergam capas vermelhas, evocando a

simbologia da cavalaria cristã medieval. Após a morte de Plinio Corrêa de Oliveira e disputas

internas, houve a quebra de relações entre os Arautos e a TFP, que se revela na aderência da

simbologia:23:

(…) os Arautos do Evangelho adotaram como símbolo a cruz em forma de espada de São Tiago. Era uma figura heráldica da preferência de Doutor Plinio, estampada na roupa com a qual ele foi enterrado. As principais diferenças entre a organização de João Clá e a TFP original são duas. Os Arautos do Evangelho admitem também mulheres – apelidadas de "fidúcias", palavra que em latim significa "confiança". E, ao contrário da TFP, que sempre peitou a cúpula do clero quando esta defendia causas como a reforma agrária, a(sic) Arautos do Evangelho se submetem à hierarquia. Tanto que foi reconhecida pelo Vaticano como Associação Internacional de Direito Pontifício. (LIMA, 2004, s/n).24

Como vimos acima, também existem diferenças entre os Arautos e a TFP. Pois os

Arautos do Evangelho são uma Associação Internacional de Direito Pontifício e possuem a 20 Artigo de João Clá Dias na Revista Lumen Veritatis - número 01- 2007. Disponível no site: http://lumenveritatis.blogspot.com/ Acesso em: 13 jan. 2012. 21 Plínio dizia em seu famoso livro Revolução e Contra- Revolução, disponível no site: http://www.revolucao-contrarevolucao.com/apresentacao.asp Acesso em: 19 nov. 2009 :“Se a Revolução é a desordem, a Contra-Revolução é a restauração da ordem. E por ordem entendemos a paz de Cristo no reino de Cristo. Ou seja, a civilização cristã, austera e hierárquica, fundamentalmente sacral, anti-igualitária e antiliberal.” 22 Gírias e elementos possivelmente ligados à Maçonaria, como visto em uma resposta do Prof. Orlando Fedeli dada em uma carta aos leitores em 01/01/2004 no site Monfort Associação Cultural: http://www.montfort.org.br/old/index.php?secao=cartas&subsecao=tfp&artigo=20040728141231&lang=bra#top . Acesso em: 19 nov. 2010. 23 Quanto aos símbolos a TFP - Tradição, Família e Propriedade, se mostra cultuadora de ícones medievais, propagandista da castidade. 24 LIMA, João Gabriel de. A TFP do B – Dissidentes tomam o poder na mais tradicional organização conservadora do Brasil. Revista Veja on-line - 28 de abril de 2004. Disponível no site http://veja.abril.com.br/280404/p_094.html Acesso em: 17 nov. 2010.

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presença de mulheres que aderiram ao carisma dos Arautos do Evangelho em uma Sociedade

de vida Apostólica de Direito Pontifício Regina Virginum. Falaremos mais sobre o grupo dos

Arautos do Evangelho, sua formação e características no próximo tópico.

1.1.2 O carisma dos arautos do evangelho: “os cavaleiros do novo milênio”

Surgiu uma nova cavalaria não secular, mas religiosa, com um novo ideal de santidade e um heroico (sic) empenho pela Igreja. Cardeal Franc Rodé.25

A formação do grupo dos Arautos do Evangelho advém do Mons. João Clá Dias26,

fundador e presidente da Associação Internacional Privada de Fiéis de Direito Pontifício

Arautos do Evangelho, da Sociedade Clerical da Vida Apostólica Virgo Flos Carmeli e da

Sociedade Feminina da Vida apostólica Regina Virginium.27 Foi membro das Congregações

Marianas, da Ordem Terceira do Carmo, dos P.P Carmelitas da antiga observância, formado

em Teologia e Filosofia pelo Centro Universitário Ítalo-Brasileiro de São Paulo. Fez

doutorado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade S. Tomás de Aquino

(Angelicum, Roma) e em Teologia pela Universidad Pontifícia Bolivariana, de Medellin,

Colômbia. (DIAS, 2008, s/n).28

No período da década de 1970, em São Paulo, a Sociedade Clerical Virgo Flos

Carmeli (Carmelitas da Antiga Observância) se constitui com João Clá Dias (ainda leigo) e

alguns terciários carmelitas – os da antiga observância, com experiência de vida comunitária,

oração e estudo. Nem todos seguiram a vida religiosa:

Nem todos os primeiros companheiros do Pe. João Clá se sentiram chamados à vida religiosa. Todavia, em 1976, um grupo de jovens, seguindo a sua orientação, estabeleceu uma Regra de Vida Comunitária (chamada em linguagem corrente “Ordo”) que no decurso dos anos se desenvolveria até

25Disponível em: http://revista.arautos.org.br/RAE93-Cardeal-Franc-Rode-comemora-aprovacoes-pontiicias.asp?title=Cardeal%20Franc%20Rod%E9%20comemora%20aprova%E7%F5es%20pontif%EDcias Acesso em: 02 mar. 2012. 26 “O vosso fundador tem sido para vós como é o Senhor: pai e mãe! Ele vos acolheu e fez crescer no amor, na descoberta e no viver a vossa vocação específica.” Homilia de D. Giovanni no dia 01/11/2001, disponível no site da Revista Arautos do Evangelho, edição nº 1: http://revista.arautos.org.br/paginas.asp?cod_mat=1679&titu=Um-novo-carisma-na-Igreja Acesso em: 27 dez. 2011. 27 Falaremos sobre estes grupos mais a frente. 28 Site oficial Mons. João Clá Sconamiglio Dias. Biografia. Disponível no site: http://www.joaocladias.org.br/curriculum.asp Acesso em: 28 dez. 2011.

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dar lugar às Constituições e Regulamentos ora em vigor. Nos anos subseqüentes (sic), outros grupos de jovens se uniram aos primeiros, seguindo o seu exemplo de vida comunitária, não só em São Paulo, como também noutras cidades do Brasil e em outros países das três Américas e Europa. (DIAS, s/n). 29

Seguindo a orientação de João Clá, estabeleceu-se uma Regra de Vida Comunitária e

de consagração à Virgem Maria. As ordenações sacerdotais da Virgo Flos Carmeli ocorreram

e tiveram seu estabelecimento em 2005. Neste mesmo ano João Clá Dias foi eleito como

primeiro Superior Geral em Roma.

Aconteceu que, uma vez constituída a Sociedade de Vida Apostólica Clerical Virgo Flos Carmeli, seus membros deram- se conta de que o carisma dos Arautos não podia ser alheio ao sacerdócio. Porque, uma vez que nosso carisma se caracteriza por uma peculiar visão de todo o universo, e uma vez que não é possível sacralizar o mundo sem a mão e a bênção da Igreja, era necessário existir um ramo sacerdotal dentro da Instituição. Com a ordenação de arautos presbíteros, o carisma se tornou muito mais sólido, muito mais penetrante, muito mais amplo e, portanto, muito mais eficaz. Começou-se por uma razão prática e hoje se chega à conclusão de que, de fato, o ramo sacerdotal é indispensável a este carisma. (DIAS, 2010, s/n).30

O grupo é formado por membros que dizem ter recebido o chamado ao sacerdócio e de

alguns que não seguiram o sacerdócio, mas colaboram e dão assistência ministerial, ajudando

nas atividades de vida apostólica e comunitária.

Também existe o grupo feminino dos Arautos do Evangelho, a Sociedade Regina

Virginum. Este grupo tem origens anteriores ao seu reconhecimento, pois em 1996 já havia

moças que constituíram um instituto, com uma manifestação de conservação da virgindade

por amor a Deus, vivendo em comunidade. Em 2002, as moças receberam de João Clá, em

uma missa na Igreja de Nossa Senhora do Brasil em São Paulo, o hábito dos Arautos do

Evangelho, “consagrando seu amor a Jesus, pelas mãos de Maria”.

O movimento formado por João Clá foi aceito pela Igreja e:

Juridicamente, o movimento formado por Mons. João Clá tomou a forma de uma Associação Privada de fiéis, os Arautos do Evangelho, na diocese de Campo Limpo (Brasil). E em decorrência de sua implantação em outros 20

29 Informações obtidas no site oficial de João Clá Dias. Disponível no site: http://www.joaocladias.org.br/Virgo_Flos_Carmeli.asp Acesso em: 28 dez. 2011. 30 João Clá e seu discurso na defesa da tese de mestrado. Disponível no site: http://revista.arautos.org.br/paginas.asp?cod_mat=948&titu=Originalidade,-cientificidade-e-experiencia. Acesso em: 28 dez. 2011.

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países foi reconhecido pelo Pontifício Conselho dos Leigos, em 22 de fevereiro de 2001, como uma Associação Internacional Privada de Fiéis de Direito Pontifício. 31

Os Arautos do Evangelho possuem alguns carismas e formas de espiritualidade, que

são evidenciados pelo grupo para alcançar a santidade: valorização do belo, vida de oração

contemplativa, meditação, obediência, cumprimento dos sacramentos da Igreja Católica,

disciplina, ordem, devoção à eucaristia, a Maria Santíssima e ao Papa – Cátedra de Pedro.

A valorização do belo para os Arautos está ligada à beleza de Deus: “Nesse mundo em

que o homem perdeu até o senso do belo, os Arautos do Evangelho podem ajudar os homens a

redescobrir a Deus, restaurando neles esse senso de pulcritude que foi deformado pelo

pecado.” (D. Giovanni, 2001, p. 16).32 Redescobrir a beleza do universo criado e da redenção

significa para os Arautos a possibilidade de salvação: “A beleza salvará o mundo.”

A busca da perfeição e salvação está relacionada à redescoberta do belo: “É essa

beleza de Deus, de que o homem precisa tanto, que os Arautos do Evangelho devem refletir

em todos os seus atos, seguindo o mandamento dado por Jesus Cristo. Sede perfeitos, assim

como vosso Pai Celeste é perfeito (Mt 5, 48).” (D. Giovanni, 2001, p. 17).33 Percebemos que

os Arautos, em seus cerimoniais, cantos, hábito, arquitetura das igrejas, almejam a perfeição e

o beleza.

Da consideração admirativa dos esplendores da arte católica, nasce para os Arautos do Evangelho um ideal: fazer surgir de entre as luzes matizadas e sublimes dos vitrais medievais uma aurora de novo brilho e fulgor dentro da Santa Igreja. Levar o belo a pobres e ricos, a todos os carentes o maravilhoso, é a alta missão evangelizadora decorrente deste novo carisma, recentemente reconhecido pelo Papa. (D. Giovanni, 2001, p. 17).34

A vida contemplativa e a prática da oração também estão vinculadas ao carisma dos

Arautos do Evangelho: “Porque este carisma consiste em ver o reflexo de Deus no universo

31 Informações obtidas no site oficial de João Clá Dias. Disponível no site: http://www.joaocladias.org.br/curriculum.asp Acesso em: 28 dez. 2011. 32 Homilia de D. Giovanni D’Ercole – Conselheiro Espiritual Internacional dos Arautos do Evangelho, no dia 01/11/2001, disponível no site da Revista Arautos do Evangelho, edição nº 1 :http://revista.arautos.org.br/paginas.asp?cod_mat=1679&titu=Um-novo-carisma-na-Igreja Acesso em: 27 dez. 2011. 33 Homilia de D. Giovanni no dia 01/11/2001, disponível no site da Revista Arautos do Evangelho, edição nº 1: http://revista.arautos.org.br/paginas.asp?cod_mat=1679&titu=Um-novo-carisma-na-Igreja Acesso em: 27 dez. 2011. 34 Homilia de D. Giovanni no dia 01/11/2001, disponível no site da Revista Arautos do Evangelho, edição nº 1: http://revista.arautos.org.br/paginas.asp?cod_mat=1679&titu=Um-novo-carisma-na-Igreja Acesso em: 27 dez. 2011.

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(...) e no esplendor da bondade as perfeições do próprio Criador.”(D. Giovanni, 2001, p. 17).35

Uma norma que consta nos costumes dos Arautos são os momentos de recolhimento e

meditação, realizando leituras de trechos do Evangelho. A prática da reza do terço também

está presente.

Especialmente o terço e consagração à Virgem Maria: “Aos Arautos do Evangelho:

Sede mensageiros do Evangelho pela intercessão do Coração Imaculado de Maria” (S.S João

Paulo II, audiência de 28 de fevereiro de 2001).36 O carisma da devoção a Nossa Senhora é

salientado por João Clá: “Temos o empenho total de uma entrega completa em relação a Ela.”

E reafirmado por D. Giovanni: “Vocês devem procurar a Cristo por Maria, em Maria e para

Maria.”

A espiritualidade dos Arautos contém a devoção ao Papa, à Cátedra de Pedro:

Tudo quanto na Igreja há de santidade, de autoridade, de virtude sobrenatural, tudo isto está subordinado, condicionado, dependente da união à Cátedra de Pedro. As instituições mais sagradas, as obras mais veneráveis, as tradições mais santas, (...) tudo que orne a Igreja de Deus, tudo isto se torna nulo, estéril, digno do fogo terno e da ira de Deus, se separado do Sumo Pontífice. (DIAS, 2009, p. 23).37

No discurso de João Clá e para os Arautos: “(...) entre o Papa e Jesus Cristo que não há

diferença, tudo que diga respeito ao Papa diz respeito direta, íntima, indissoluvelmente, a

Jesus Cristo.”38 A fidelidade ao Papa e a Santa Sé fazem parte do carisma dos Arautos.

Completa Giovanni D’Ercole, Conselheiro Espiritual Internacional dos Arautos do

Evangelho: “(...) O Papa ensina que, se pusermos nossas esperanças na oração, não temos

motivos para temer o futuro. (...)Se queremos ser santos devemos rezar sempre.”(D’ERCOLE,

2002, p. 16).39 Para isso ele diz que os Arautos buscam essa santidade nas suas doutrinas:

35 Homilia de D. Giovanni no dia 01/11/2001, disponível no site da Revista Arautos do Evangelho, edição nº 1: http://revista.arautos.org.br/paginas.asp?cod_mat=1679&titu=Um-novo-carisma-na-Igreja Acesso em: 27 dez. 2011. 36 Trecho citado por Louis Goyard em artigo da revista Arautos do Evangelho chamado “A beleza salvará o mundo”, nº 01, disponível em: http://revista.arautos.org.br/paginas.asp?cod_mat=1682&titu=-A-beleza-salvara-o-mundo- Acesso em: 27 dez. 2011. 37 Excertos das palavras do agradecimento à condecoração recebida pelo Papa Bento XVI por João Clá Dias na Revista Arautos do Evangelho, setembro/2009. Disponível no site: http://revista.arautos.org.br/paginas.asp?cod_mat=430&titu=Momento-historico-para-os-Arautos Acesso em: 27 dez. 2011. 38 Excertos das palavras de agradecimento a condecoração recebida pelo Papa Bento XVI por João Clá Dias na Revista Arautos do Evangelho, setembro/2009. Disponível no site: http://revista.arautos.org.br/paginas.asp?cod_mat=430&titu=Momento-historico-para-os-Arautos Acesso em: 27 dez. 2011. 39 Revista Arautos do Evangelho do mês de janeiro de 2002. Matéria: Um novo carisma na Igreja: contemplar e refletir os esplendores do Pai Celeste. Homilia proferida em 1 de novembro de 2001 por Giovanni D’Ercole.

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“Santidade é contemplação e ação, santidade é evangelização que de maneira apropriada está

simbolizada em vosso hábito: o capuz indica a superioridade da contemplação, causa da

eficácia da ação. E esta se encontra representada pelas botas de cavalaria que calçam vossos

pés”. (D’ERCOLE, 2002, p. 17).40

Para D’Ercole a santidade pode estar representada nos símbolos e vestimentas, como

o uso de botas pelos arautos citado anteriormente, e também demonstrar relações de

integração e dissidência religiosa. João Clá reutilizou os símbolos tradicionais, como os

relacionados à cavalaria medieval por exemplo: a cruz utilizada pelos Arautos tem a forma da

espada de São Tiago. Como amante da música vocal, líder dos dissidentes da TFP, passou a

reger o grupo “Cavaleiros do Novo Milênio”, que se dedica aos cantos gregorianos.

Aqueles que porventura não são celibatários entre os Arautos não possuem as mesmas

características quanto às vestimentas: em suas vestes a cruz é toda vermelha e no mesmo

formato, mas a cor branca, em vez de marrom em seu hábito. As mulheres que se dedicam à

vida religiosa utilizam o cabelo sempre preso. À cintura, portam uma corrente de ferro que

representa a fortíssima ligação de cada Arauto com Maria Santíssima, ao ponto de se

chamarem “Escravos de Jesus através de Maria”. Pendente desta corrente está o rosário,

frequentemente recomendado por Maria em suas aparições. Calçam botas de cano alto de cor

marrom. Os arautos em uma celebração se mostram de forma disciplinada, como a de um

cavaleiro inclusive na prostração que se faz ao santíssimo.

O símbolo chave dos Arautos, o brasão, é o da cruz em forma de espada, de cor

vermelha e branca, com a figura de Nossa Senhora de Fátima no centro, com os seguintes

dizeres: ETP. Mostrando o alicerce da espiritualidade dos Arautos: Eucaristia, Maria e o

Papa.41 Também são símbolos: as chaves de São Pedro (simbolizando o Papa), Maria

Santíssima e a Santíssima Eucaristia. Dos símbolos o que mais chama a atenção e caracteriza

o grupo é seu hábito, uma túnica branca, guarnecida de um escapulário marrom que ostenta a

Cruz de Santiago, em vermelho e branco.

Na instituição educacional confessional dos Arautos do Evangelho Internacional

existem vários símbolos que fazem parte da compreensão de seus carismas e de sua história.

Ao interpretar os símbolos podemos analisar vários elementos importantes sobre o grupo que Disponível no site: http://revista.arautos.org.br/paginas.asp?cod_mat=1679&titu=Um-novo-carisma-na-Igreja Acesso em: 05 jan. 2012. 40 Revista Arautos do Evangelho do mês de janeiro de 2002. Matéria: Um novo carisma na Igreja: contemplar e refletir os esplendores do Pai Celeste. Homilia proferida em 1º de novembro de 2001 por Giovanni D’Ercole. Disponível no site: http://revista.arautos.org.br/paginas.asp?cod_mat=1679&titu=Um-novo-carisma-na-Igreja Acesso em: 05 jan. 2012. 41 A tradução da sigla ETP para o português em sentido literal fica incorreto, mas estão relacionadas a Maria (no centro), à Eucaristia e ao Papa, não ao seguimento de tradução que vem da TFP.

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ali se insere. No Colégio Arautos do Evangelho Internacional os símbolos se mostram na

própria vestimenta dos arautos. As salas de aula possuem imagens de Nossa Senhora de

Fátima, que relembram as aparições da santa em Portugal. Os Arautos seguem o que foi

revelado nas aparições, pois entendem que, se o mundo não se convertesse, viria a guerra.

Também a estrutura do Colégio, em forma de castelos, remetendo ao período medieval,

relembra os ideais dos Arautos do Evangelho, que são o belo e o perfeito.

Compreendemos o grupo religioso dos Arautos do Evangelho para um melhor

entendimento de sua estrutura educacional e formas de se trabalhar com os alunos e alunas

não-confessionais. No tópico seguinte faremos o mesmo com o grupo dos adventistas do

sétimo dia.

1.2 Quem são os Adventistas do Sétimo Dia?

Através da dedicação de muitas pessoas e com muito sacrifício, o adventismo tornou-se o grupo protestante unificado mais amplamente disseminado da história do cristianismo. (KNIGHT, 2001, p. 7).

Nosso estudo ligado aos alunos e alunas não-confessionais no Colégio Adventista de

Cotia permite-nos situá-los em uma rede educacional confessional que tem origem e ligação

com a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Por essa razão, a necessidade de compreendermos

essa proposta educacional confessional42 por intermédio da origem e história da Igreja

Adventista do Sétimo Dia.

Partindo desta premissa, podemos observar que a origem deste pensamento religioso

adventista e de sua orientação teológica advém do protestantismo norte-americano do século

XIX, que vinha da Reforma do século XVI. (KNIGHT, 2011). Knight acrescenta que a

orientação dos adventistas tem mais a ver com a Reforma radical ou anabatistas. Estes

pretendiam um retorno completo aos ensinos da Bíblia, rejeitaram o batismo infantil e o

patrocínio estatal da igreja: “Para os anabatistas era um erro parar onde Lutero, Calvino e

42 Menslin coloca que: “A educação confessional pressupõe um credo e uma religião. (…) A confessionalidade deve permear toda estrutura administrativa e projeto acadêmico da Instituição: em seu estatuto, sua ética, na presença e atuação da pastoral ou estudos bíblicos extra-curriculares, nas disciplinas e no seu objetivo de formação integral da pessoa.” (MENSLIN, 2009, p. 21).

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Zuínglio43 tinham parado teologicamente. Em seu melhor, o anabatismo era um afastamento

da tradição igrejeira e da formulação de credos, e uma aproximação dos ideais do Novo

Testamento.” (KNIGHT, 2011, p. 29).

Apesar de o anabatismo não exercer forte influência sobre a religião norte-americana

no início do século XIX, podemos perceber que ela foi sentida no restauracionismo. Este

visava: “(...) reformar as igrejas pela restauração de todos os ensinos do Novo Testamento.

(...) A tarefa do movimento restauracionista era completar a reforma inacabada.” (KNIGHT,

2011, p. 30). Assim como para os anabatistas, a Bíblia deveria ser a guia da fé, o único credo.

Estas ideias e mentalidade fizeram parte da maioria dos protestantes norte-americanos no

início do século XIX.

Uma vertente do movimento restauracionista, em que encontramos dois dos

fundadores do adventismo, Tiago White e José Bates, era a Conexão Cristã44. Também fez

parte deste contexto de orientação adventista o metodismo, do qual Ellen White, uma das

fundadoras do adventismo, participara45. Esta denominação crescia muito na época e tinha

ênfase no livre-arbítrio: “O metodismo popularizou ideias como a de que Cristo morreu por

todas as pessoas, em vez de ser apenas por eleitos predestinados; a de que as pessoas têm

livre-arbítrio em vez de uma vontade predestinada.” (KNIGHT, 2011, p. 31). Também o

conceito de santificação defendido por John Wesley (1703-1791) influenciou o adventismo:

ele enfatizava a santificação como processo de se assemelhar a Jesus e ser obediente à vida

cristã. Enfatizou também a perfeição cristã do caráter.

Percebemos assim que muitas interpretações fizeram parte da construção do

adventismo e que estas estiveram situadas e ligadas às mudanças na história estadunidense:

“O momento histórico que marca o início do pensamento cristão adventista está relacionado

com o período que correspondeu à introdução da modernidade e a mudança cultural nos

Estados Unidos da América.” (MENSLIN, 2009, p. 27).

Este período era de interesse pelos eventos finais e de um despertar religioso ligado a

um reavivamento para o início de outro milênio que tivera uma duração de 1790 até 1840

(KNIGHT, 2011). Acrescenta Knight que o movimento sem precedentes da Revolução

Francesa na década de 1790 foi um dos vários fatores que fez os estudantes da Bíblia

43 Teólogo suíço e principal líder da reforma protestante em seu país. 44 Bates e White como membros da Conexão Cristã colocavam o sábado como um dia a ser restaurado e introduziram o antitrinitarismo no adventismo, ou seja, diziam que a Bíblia não usa o termo Trindade e que este termo era doutrina da Idade Média. (KNIGHT, 2011). 45 Falaremos mais sobre Ellen White durante o percurso do trabalho.

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voltarem seus olhos para as profecias de Daniel e Apocalipse.46

Também podemos acrescentar que, nos anos de 1820 a 1860, houve uma expansão

territorial ligada a um senso de eleição divina do povo norte-americano, justificando assim a

expulsão de indígenas da região, o chamado “Destino Manifesto”. Houve assim, como dito

anteriormente, um reavivamento religioso juntamente com o interesse pelos eventos finais:

“Com isso, várias denominações religiosas despertaram para esse movimento, também

chamado de ‘milerismo’, pois eram baseadas na doutrina de cunho pós-milenarista, segundo a

qual os Estados Unidos desempenhariam o papel de instrumento divino de redenção

universal”. (MENSLIN, 2009, p. 28). Acrescenta Knight que, perto do fim do século XVIII e

início do século XIX, a perspectiva pós-milenista havia se reafirmado a ponto de quase

eclipsar totalmente o pré-milenismo nos EUA. Pois o ensino de que Jesus voltaria no período

dos mil anos não era novo e encontrara nova vida no período da Reforma protestante.

(KNIGHT, 2011).

Os adventistas são herdeiros deste movimento Milleriano da década de 1840.47 Entre

1831 e 1844, Willian Miller48 – um leigo batista que começou a pregar na década de 1830 –,

lançou o “grande despertar” do segundo advento, espalhando-se assim pelo mundo.

Recorrendo à Bíblia, Miller buscou interpretá-la e descobrira que Jesus prometera voltar à

Terra: “Descobrira que muitas outras promessas proféticas haviam sido cumpridas, então por

que não esta? Um dia, então, deparou-se com o texto que haveria de marcá-lo para o resto da

vida – Daniel 8:14: “Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado.”

(MAXWELL, 1982, p. 13).

Conviveu Ellen White com esta realidade e conta sua experiência: “Em março de

1840, Guilherme Miller visitou Portland (Maine) e fez uma série de pregações sobre a

segunda vinda de Cristo. Eles produziram grande sensação, e a Igreja Cristã da rua Casco,

onde foram realizadas, estava completa dia e noite.” (WHITE, 1947, p. 16). E completa: “O

Sr Miller apresentou as profecias com uma precisão que convencia o coração dos ouvintes.”

46 Miller cria que o tempo do fim havia começado em 15 de fevereiro de 1798, quando o general francês Berthier entrou em Roma com o exército francês, depôs o papa e aboliu o governo papal. (KNIGHT, 2011). 47 “Os ensinos de Miller formariam finalmente a base teológica do adventismo do sétimo dia. Quatro temas são especialmente importantes dessa subestrutura: a maneira como Miller utilizava a Bíblia, sua escatologia (doutrina das últimas coisas); a perspectiva milerita das mensagens do primeiro e segundo anjos; e o movimento do sétimo mês e o que veio a ser conhecido como o Grande Desapontamento.” (KNIGHT, 2011, p. 38). 48 Não nos deteremos na história de Miller, porém acrescentamos: Guilherme Miller nasceu em 15 de fevereiro de 1782, no estado de Nova York. Todos os membros de sua família eram frequentadores de igreja, no caso batista. (SEAMAN, 2011). “Antes que Guilherme Miller se dedicasse ao Senhor e se transformasse no líder do grande desapontamento do segundo advento na América, ele argumentou com Deus e lutou com sua consciência por treze anos. Deve ser dito de saída que ele não desejava contar ao mundo que Cristo estava voltando em breve.” (MAXWELL, 1982, p. 9).

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(WHITE, 1947, p. 16).

O movimento de Miller adotou o tipo de reuniões campais em Boston, em maio de

1842. O movimento continuou atraindo milhares de pessoas: “Miller chamava a atenção dos

outros para a Bíblia e também praticava o que pregava. Foi seu próprio e extenso estudo da

Bíblia que conduziu a suas mais surpreendentes conclusões.” (KNIGHT, 2011, p. 39). A

mensagem original incluía um elemento de tempo, sem apresentar uma data específica, mas

posteriormente determinou que Jesus voltaria em 1843.

Seu estudo intensificou-se de modo impressionante, às vezes durando todo o dia; às vezes toda noite. Empregando Ezequiel 4:6 e 7 e outros textos, ele concluiu que os 2300 dias eram 2300 anos e que se iniciaram em 457 AC. Equivocadamente raciocinou que a “purificação do santuário” era o fim do mundo e a segunda vinda de Cristo. Em 1818, após dois anos de inarredável concentração ele chegou à impressionante conclusão de que Cristo retornaria “por volta do ano de 1843” (2300 anos após 457 AC). (MAXWELL, 1982, p. 13).

Esta contagem foi de fácil compreensão, como colocou Ellen White: o contar da data

do decreto do rei da Pérsia, como se encontra no capítulo 7 de Esdras, o qual foi baixado no

ano 457 antes de Cristo, supunha-se que os 2.300 anos de Daniel 8:14 terminariam em 1843:49

O Senhor Miller e os que com ele se achavam, supuseram que a purificação do santuário, de que fala Daniel 8:14 significava a purificação da terra, pelo fogo, antes de se tornar a habitação dos santos. Isto devia ocorrer por ocasião do segundo advento de Cristo; portanto, esperávamos aquele acontecimento no fim dos 2300 dias ou anos. Depois de nosso desapontamento, porém, as Escrituras foram cuidadosamente investigadas, com oração e intenção fervorosa. E após um período de indecisão derramou-se luz em nossas trevas: a dúvida e a incerteza foram varridas. (WHITE, 1947, p. 56).

Como tal fato não ocorreu, revisaram seus cálculos e fixaram que, em 22 de outubro

de 1844, ocorreria o tão grande e aguardado advento de Jesus. Apesar do desapontamento,

Ellen White salienta que não renunciavam a sua fé, e alguns estavam esperançosos que Jesus

não tardaria: “Nossas esperanças centralizaram-se então na vinda do Senhor em 1844. Esse

49 Embora concordasse que 230 dias terminariam “por volta do ano de 1843”, Miller tinha suas próprias ideias a respeito do que iria acontecer naquele ano. Daniel 8:14 continha três símbolos a serem decifrados, ele precisava demonstrar o que se entendia por santuário e purificação. Miller concluiu que duas coisas podem ser chamadas de santuário e requerem purificação; são elas a TERRA e a IGREJA. A terra seria purificada pelo fogo, observando a seguinte passagem: II Pedro 3: 7: “Ora os céus que agora existem e a terra, pela mesma palavra têm sido entesourados para fogo, estando reservados para o dia do Juízo e destruição dos homens ímpios.” (KNIGHT, 2011).

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também era o tempo para mensagem do segundo anjo, que voando pelo meio do céu clamou.

Caiu, caiu Babilônia aquela grande cidade Apocalipse 14:8.” (WHITE, 1947, p. 50).

No entanto, ficaram desapontados, pois Cristo não voltou como esperavam.50

A mensagem de Apocalipse 14, proclamando que é vinda a hora do juízo de Deus, é dada no tempo do fim; e o anjo do Apocalipse 10 é apresentado como tendo um pé no mar e outro em terra, mostrando que a mensagem será levada a terras distantes.(...) A decepção dos que esperavam ver o Senhor em 1844 foi na verdade amarga para os que haviam tão ardentemente antecipado Seu aparecimento. (WHITE, 1947, p. 16).

Como resultado do desapontamento de 22 de outubro, o adventismo milerita

mergulhou em completa confusão. A tarefa dos diversos mileritas no final de 1844 e durante

todo o ano de 1845 foi encontrar sentido e buscar identidade, descobrir o que significava ser

adventista. (KNIGHT, 2011). Knight diz que os que defendiam a ideia de que nenhuma

profecia se cumprira naquela data tornaram-se conhecidos como adventistas de “porta aberta”,

enquanto os que afirmavam um cumprimento profético eram vistos adventistas da “porta

fechada”.

O senso de missão dos adventistas permanece, mesmo após o desapontamento da

vinda de Jesus, já que o grupo desde o seu remoto início tem-se constituído num movimento

com uma mensagem e missões.

Os primeiros adventistas rejeitaram a tradição, a autoridade da Igreja e mesmo os dons do Espírito em sua formação doutrinária. Eles eram o povo do Livro. (...) Nos meses que se seguiram do Grande Desapontamento, formulariam uma segunda concepção doutrinária. Essa segunda posição envolvia o significado do santuário que precisava ser purificado no fim dos 2300 dias. (KNIGHT, 2011, p. 64 - 65).

A purificação citada em Daniel era uma purificação do pecado e levada a efeito por

meio do sangue e não pelo fogo. Também se observou a importância do sétimo dia. Como

relata Maxwell, Tiago White em 1849 já escrevia: “Que a mensagem voe, pois o tempo é

curto”. E neste mesmo período convenceu-se de que o sábado haveria de soar pelas nações:

Após o desapontamento os mileritas que aceitaram o sábado e a doutrina do santuário desfrutavam tão cálida comunhão cristã que continuaram a

50 Site da IASD on-line. Texto sobre 1844 e o retorno de Jesus. Sem autoria. Disponível no site: https://sites.google.com/site/iasdonline/home/reparador/1844 Acesso em: 08 dez. 2011.

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considerar-se como Filadélfia (amor fraternal) e referiram-se aos demais adventistas como “Laodicéia”. (...)Tiago White lançou uma série de artigos relacionados na Review, demonstrando convincentemente pela Bíblia que os adventistas observadores do sábado, a última igreja para os últimos dias, constituíam sem dúvida a sétima igreja de apocalipse. (MAXWELL, 1982, p. 153).

Maxwell coloca então que um grande número de americanos julgava que precisavam

observar um dia santificado, mesmo quando a maioria não o fazia: “Uma vez desaparecido o

preconceito contra o adventismo desapontado, as conversões se multiplicaram. Tiago White

calculou entusiasticamente que o número de membros subiu de um punhado para quase dois

mil nos primeiros dois anos da década iniciada em 1850.” (MAXWELL, 1982, p. 154).

A partir destes fatos, o casal White e os outros que compartilharam suas ideias

escreviam, discursavam e faziam a “mensagem voar”. Como coloca Knight: “A tarefa

teológica dos adventistas nas décadas seguintes a 185051 seria expor e expandir o núcleo de

doutrinas centrais e as profecias apocalípticas que deram à jovem igreja sua identidade.”

(KNIGHT, 2011, p. 89).

Ellen White teve um papel significativo neste processo. Tinha visões52 e chamados do

Senhor, que revelavam as promessas de Deus, e confirmava a missão que lhe fora confiada de

“explicar ao povo as santas verdades de Deus”. Tais experiências foram relatadas por ela de

forma muito interessante, mostrando o medo por ser tão jovem e possuir tal encargo religioso.

Em uma destas visões podemos identificar a angústia e a missão a ela destinada:

(...) Senhor me apresentou uma perspectiva das provas por que eu iria passar, e disse-me que eu deveria ir relatar a outros o que Ele havia revelado. Foi-me mostrado que meus trabalhos encontrariam grande oposição e que angústia me feriria o coração; mas a graça de Deus seria suficiente para amparar-me em tudo. (WHITE, 1947, p. 65).

Por meio dessas visões, muitos elementos que fazem parte da doutrina adventista se

afirmaram ou se confirmaram. Contudo, lembremos que os pioneiros do adventismo tinham

51 “Desta forma, em 1848, os que se tornavam adventistas guardadores do sábado aceitavam uma mensagem que lhes empolgava e lhes inspirava o senso de evangelismo e, assim começou-se a formar um povo. Os resultados foram surpreendentes. Entre o fim de 1848 e início de 1853, o movimento formado por 100 membros aumentou rapidamente para 2500 membros.” (KNIGHT, 2010, p. 46). 52 Maxwell escreve sobre a primeira visão de Ellen: “Um mês após completar dezessete anos, Ellen Harmor recebeu sua primeira visão. Referia-se aos santos desde o desapontamento até a árvore da vida. Ela cantou “Aleluia” com os anjos e tornou-se mais ansiosa em ver pessoas salvas. Ela havia visto o céu! Sabia por observação que nenhuma vestimenta terrena, nenhum conforto, popularidade ou recompensa financeira podia comparar-se com a vida na Cidade de Deus.” (MAXWELL, 1982, p. 205).

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um conceito de “verdade presente”53 dinâmica e uma história progressiva, como vimos

anteriormente. Ao evitar a rigidez de um credo, a teologia adventista ficou aberta a correções

(KNIGHT, 2011). Assim, a geração de adventistas do sétimo dia se preocupou em adicionar

seu ponto especial de interesse aos fundamentos do adventismo.

Mas o espírito do adventismo não está tanto nas doutrinas que o tornam distinto nem nas crenças que ele tem em comum com outros comuns, mas em uma combinação de ambas as concepções dentro da estrutura do tema do grande conflito encontrada no núcleo do livro do Apocalipse, que vai desde o capítulo 11:19 até o fim do capítulo 14. É este discernimento profético que distingue os adventistas do sétimo dia de outros adventistas,de outros sabatistas e de todos os outros cristãos. (KNIGHT, 2011, p. 211).

A visão apocalíptica no adventismo faz parte de sua existência e de sua doutrina e

é um diferencial dentro do adventismo, pois para eles: “A visão apocalíptica mostra o fim do

pecado e um novo céu e uma nova Terra.” (KNIGHT, 2010, p. 27). O evangelismo adventista

concentrou-se nas áreas doutrinárias em que igreja diferia das outras denominações. Porém,

existem elementos compartilhados com outros cristãos como a Trindade, a inspiração divina

da Bíblia, o problema do pecado, a vida, a morte vicária e a ressurreição de Jesus e o plano da

salvação. (KNIGHT, 2011, p. 210).

Considerando o adventismo e seus diferenciais quanto às demais confissões,

evidenciamos a missão de propagação de suas doutrinas juntamente com as pregações e

criação de escolas, e de sua visão apocalíptica (Apocalipse 14:12):

(...) Logo no início do século 20, as principais denominações protestantes, ao perceberem a imensidão do campo missionário, decidiram dividir certas áreas do mundo entre os anglicanos, metodistas, presbiterianos, e assim por diante. Mas os adventistas não quiseram fazer parte dessa abordagem, por mais sensata que pudesse parecer. Rejeitaram a lógica e reivindicaram o mundo inteiro como sua esfera de ação e influência.(...) eram impulsionados por uma visão apocalíptica que provinha diretamente do centro do livro do Apocalipse e acreditavam que o mundo inteiro precisava conhecê-la. (KNIGHT, 2010, p.14-15).

Os adventistas do sétimo dia creem que foram chamados para proclamar a mensagem

53 “Em seu primeiro editorial, White escreveu: No tempo de Pedro havia verdade presente ou verdade aplicável àquele tempo presente. A Igreja sempre tem tido uma verdade presente. A verdade presente agora é aquela que revela o dever presente, e a correta posição para nós que estamos para testemunhar o tempo da angústia tal como nunca houve. A verdade presente era sem dúvida o sábado.” (MAXWELL, 1982, p. 103).

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final de Deus e anunciar ao mundo as bênçãos de Deus e que o “segundo advento de Cristo

está por vir”. Maxweel completa: “De que melhor maneira poderiam os adventistas do sétimo

dia “anunciar ao mundo”– a toda cidade, vila e pessoa no mundo – senão pelo viver Seu amor

todos os dias em seus próprios lares, vizinhanças, locais de trabalho e por toda parte, no

mundo inteiro?” (MAXWELL, 1982, p. 276). As vivências e as doutrinas adventistas que

“foram anunciadas” serão discutidas no próximo tópico.

1.2.1 As adventistas e suas doutrinas

(...) o adventismo considera-se um povo chamado e que possui uma missão profética.(...) É um movimento evangélico com uma mensagem profética para o mundo centralizada no Cordeiro de Deus e no Leão da tribo de Judá apresentado no Apocalipse. (KNIGHT, 2010, p. 29).

Como posto no tópico anterior, as doutrinas que fizeram parte da identidade adventista

foram se firmando após o Segundo Desapontamento. Dentro desta perspectiva, podemos

observar que uma delas, além de uma visão apocalíptica, é a de guardar o sábado, pois: “Ao

descobrir que Miller estava correto em suas datas, mas errado quanto ao acontecimento, esse

pequeno grupo de mileritas deparou-se com outras verdades durante o processo de estudo da

Bíblia. Uma delas foi a redescoberta do sábado bíblico: o sétimo dia da semana.” (SEAMAN,

2011, p.14). Completa Ellen White: “Quando foram postos os fundamentos da terra, também

foi posto o fundamento do sábado. Foi-me mostrado que se o verdadeiro sábado houvesse

sido guardado, jamais haveria um incrédulo ou ateu. A observância do sábado teria preservado

da idolatria o mundo.” (WHITE, 2006, p. 86).

Também Tiago White fala da importância do sábado: “E nunca percebi nem senti a

importância do sábado como neste momento. Certamente a verdade do sábado, como o surgir

o Sol em sua ascensão no nascente, aumentou em luz, poder e importância até se tornar a

grande verdade do selamento.” (KNIGHT, 2011, p. 77). Completa Ellen White, no relato de

uma de suas visões: “(...) O primeiro dia é o sábado do Senhor teu Deus. (…) Vi que o santo

sábado é e será o muro de separação entre o verdadeiro Israel de Deus e os incrédulos; e é a

instituição mais apropriada para unir os corações dos queridos e expectantes santos de Deus.”

(WHITE, 2006, p. 93).

Convém lembrar que o interesse pelo sábado e seu “impulso” dentro do adventismo

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não veio por Ellen White e Thiago White. Partiu das influências dos batistas do sétimo dia e

por um capitão naval convertido ao milerismo, José Bates.54 Bates ficou desconcertado no dia

seguinte do desapontamento e pode ser considerado o pai da verdade do sábado entre os

adventistas do sétimo dia:

Como membro altamente respeitado da comunidade ele havia instado seus vizinhos a prepararem-se para a segunda vinda. Agora eles zombavam dele nas ruas. (...) Ele logo superou isso, todavia, e identificou-se com os adventistas que esperavam que seus cálculos estivessem errados, e que Jesus ainda voltasse em breve. (...) Até 1852 ele buscou levar nova luz a mileritas, desde o Maine até Michigan. (...) Bates foi escolhido para presidir a maioria das mais importantes assembleias (sic) realizadas pelos adventistas observadores do sábado. (MAXWELL, 1982, p. 78).

Bates, como coloca Maxwell, era um habilidoso escritor e escreveu um livreto em

1846 chamado o Sábado do Sétimo Dia, Um Sinal Perpétuo: “(...) que ganhou Tiago e Ellen

White, e muitos outros para o sábado. Em 1855, ele contou (...) uma experiência que teve

enquanto escrevia um de seus três livros sobre o sábado.” (MAXWELL, 1982, p. 83). Este

livreto postulado por Bates foi fundamental para a teologia do sábado, pois:

(...) apresentou ideias de que o sábado do sétimo dia era o dia correto de adoração e que o papado havia tentado modificar a lei de Deus (Dan 7: 25) Dois pontos de especial interesse na edição de 1846 mostram que Bates estava começando a interpretar o sábado à luz de uma estrutura teológica adventista. O primeiro é o pensamento no “Prefácio” de que o sábado do sétimo dia devia ser restaurado antes do segundo advento de Jesus Cristo. (...) O segundo aspecto bem adventista na edição de 1846 é a interpretação que Bates faz do sábado no contexto do livro do Apocalipse. (KNIGHT, 2011, p. 70).

Os primeiros adventistas observadores do sábado viam que proclamar o sábado mais

plenamente era essencial em sua doutrina. O modo diferenciado que estes observaram o

sábado em relação aos outros observadores do sábado envolvia:

(...) discernimento de termos bíblicos como o 'selo de Deus', 'a mensagem dos três anjos', 'a marca da besta', 'o santuário' e o 'juízo'. Os adventistas do sétimo dia aceitam essencialmente tudo quanto os batistas do sétimo dia ensinavam, mas do estudo da Bíblia acrescentaram conceitos altamente

54 Bates nasceu em 1792 em Massachusetts. Maxwell atribui a Bates algumas características e cita algumas experiências de vida dele: “Que homem foi ele! Intrépido, inventivo, infatigável, disciplinado, dedicado, bondoso. Patriarca dos pioneiros adventistas do sétimo dia, ele viajou mais e ficou doente muito menos do que qualquer dentre os outros fundadores da igreja. Ele viveu até completar 80 anos.” (MAXWELL, 1982, p. 79).

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práticos com relação às profecias do tempo do fim. (MAXWELL, 1982, p. 93).

As mensagens traziam a eles uma missão, observada no Apocalipse, relativas à hora

do juízo e evangelho eterno. Ou seja, possuíam um papel específico no tempo predito na

Escritura. Um exemplo é em Apocalipse 14: 9-12, que possui a mensagem em Cristo sobre a

guarda do sábado. Knight coloca que assim os adventistas passaram a encontrar sua

identidade e a se considerar como o povo da profecia. Nas palavras de Tiago White:

(...) Nossa experiência passada com o advento, nossa atual posição e nossa obra futura estão assinaladas no capítulo 14 de Apocalipse de maneira tão clara como poderia escrever a pena profética. Louvado seja Deus por vermos isso...Creio que a verdade do sábado ainda deve repercutir através da terra como o advento nunca conseguiu.(...). (KNIGHT, 2011, p. 78).

A crença do sétimo dia talvez seja uma das doutrinas mais distintivas da igreja.

Contudo, não é só a questão da observância do sábado é importante para os adventistas,

também outros princípios de fé são compartilhados por eles, como a autoridade de Deus e das

Escrituras. (SEAMAN, 2011). Para eles, as Escrituras revelam a vontade de Deus, e sempre

se recorre a elas para se estabelecer suas doutrinas:

As Escrituras Sagradas, o Antigo e o Novo Testamentos são a Palavra de Deus escrita, dada por inspiração divina por intermédio de santos homens de Deus que falaram e escreveram ao serem movidos pelo Espírito Santo. (II Pedro 1:20 e 21; II Tim. 3:16 e 17; Sal. 119:105; Prov. 30:5 e 6; Isa. 8:20; João 10:35; 17:17; I Tess. 2:13; Heb. 4:12). (Portal Adventista, 2011).55

Acreditam também na Trindade: Pai, Filho, Espírito Santo e na salvação da

humanidade, vinda por intermédio de Jesus Cristo. Pela sua morte na cruz, Jesus haveria

triunfado sobre as forças do mal para os adventistas.

Um diferencial dos adventistas e que faz parte de sua doutrina são os cuidados com a

alimentação, a prática de exercício físico e os hábitos saudáveis de higiene. Ellen White

escreveu sobre regime alimentar e deu alguns conselhos. Em suas palestras e escritos através

de sucessivos anos, o regime dietético foi um assunto abordado, que exerceu influência sobre

os adventistas do sétimo dia e na própria educação adventista.

55 Disponível no site: http://www.portaladventista.org/portal/quem-somos/5-crencas-fundamentais Acesso em: 17 nov. 2011.

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Abordando vários temas e ensinando sobre a dieta alimentar mais saudável, Ellen

White evidencia a importância da alimentação e salienta a necessidade do cumprimento deste

tipo de alimentação pelos adventistas: “A falta de cuidado pela maquinaria viva é um insulto

ao Criador. Há regras divinamente indicadas que se observadas livrariam os seres humanos de

enfermidades e morte prematura.” (WHITE, 1965, p.16).56 Para ela, o ser humano que não

leva a sério estas questões peca contra Deus.

Os alimentos considerados saudáveis e que para Ellen “(...) constituem o regime

dietético escolhido por Nosso Criador.” (WHITE, 1965, p. 43). são os cereais, frutas, nozes e

verduras. A carne não faria parte desta alimentação saudável, pois: “Pelo comer carne, são

enfraquecidas as faculdades físicas, mentais e morais.” (WHITE, 1965, p. 268).57

Muitos adventistas do sétimo dia são vegetarianos: “Isso se deve em parte à sua crença

de que os alimentos mais saudáveis são aqueles fornecidos originalmente por Deus à

humanidade – frutas, nozes, cereais e verduras. Muitos membros praticam exercícios físicos

com regularidade, visando à boa forma física e à saúde mental.” (SEAMAN, 2011, p. 26).

Também a bebida alcoólica deve ser deixada de lado bem como o exagero na quantidade de

açúcar utilizada na alimentação: “(...) açúcar não é bom para o estômago. Causa fermentação,

e isto obscurece o cérebro e ocasiona mal (sic) humor.” (WHITE, 1965, p. 327).

Estas questões voltadas à alimentação, à necessidade de exercícios físicos e ao cuidado

com o corpo fazem parte do conteúdo apreendido nas escolas adventistas, dando continuidade

ao que Ellen White propunha: “No estudo dos princípios de saúde deve ensinar-se aos alunos

valor nutritivo dos vários alimentos.” (WHITE,1996, p. 204). Pois: “À relação do regime

alimentar com o desenvolvimento intelectual deve dar-se muito mais atenção do que tem

recebido.” (WHITE, 1996, p. 204).

Observamos assim que as doutrinas adventistas fazem parte de sua própria proposta

educacional, já que os escritos de Ellen White exerceram uma forte influência no processo de

desenvolvimento da Igreja Adventista do Sétimo Dia: “Dentro do campo educacional, oficiais

e líderes têm moldado os programas educacionais de acordo com os ensinamentos de Ellen

White.” (TIMM, 2004, p. 25). O estímulo missionário adventista acompanhou sua expansão

educacional. Sobre a educação adventista falaremos no próximo capítulo.

56 Livro disponível no site do museu de livros de Ellen White: http://www.ellenwhitebooks.com/museu/?categoria=livro&livro=14&ordem=asc&pagina=329 Acesso em: 07 jan. 2012. 57 “Estão-se os animais tornando mais e mais enfermos, e não demorará muito até que o alimento cárneo tenha que ser abandonado por muitos, além dos adventistas do sétimo dia.” (WHITE, 1965, p. 267).

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CAPÍTULO II - OS COLÉGIOS E SEUS GRUPOS RELIGIOSOS: UM

POUCO DE SUAS HISTÓRIAS, PEDAGOGIAS E PRÁTICAS

EDUCACIONAIS

Neste capítulo apresentaremos uma síntese do histórico da educação católica no Brasil,

compreendendo elementos importantes na construção da estrutura educacional ligada ao

catolicismo. Iremos analisar algumas defesas deste tipo de educação, como a de Leonel

Franca (1931). Também a adaptação das escolas católicas à legislação educacional brasileira

(inclusive para o ensino religioso) e a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

podendo assim compreender como o Colégio Arautos do Evangelho Internacional se enquadra

nesta estrutura educacional de escola confessional católica.

Neste mesmo capítulo, apresentaremos uma síntese do histórico da educação

adventista no Brasil, podendo assim ilustrar como os adventistas se instalaram no Brasil e

cresceram no panorama educacional. Para tanto, é essencial referir-nos às propostas

educacionais de Ellen White dentro deste contexto e como elas são relacionadas ao que

encontramos no Colégio Adventista de Cotia tanto para o ensino religioso quanto para a

estrutura educacional como um todo.

2.1. Educação católica no Brasil58

A educação sempre foi um instrumento muito importante para a Igreja Católica, para a criação de influência. (BRUNEAU, 1974, p. 122).

O sistema educacional brasileiro nasceu em um ambiente de ordem social e econômica

ligada ao domínio português. Esta dominação sobre as terras brasileiras se realizou por meio

do projeto de conversão dos povos indígenas e ocupação de território. (AZZI, 2008). A

educação e o ensino estavam vinculados à Igreja Católica “(...) desde o primeiro século,

precisamente desde o dia 29 de março de 1549, quando desembarcou na Baía de Todos os

Santos o primeiro grupo de padres jesuítas.” (ARAÚJO, 2001, p. 72). Sendo assim, “a história

da educação católica no Brasil confunde-se com a própria história da educação em nosso país, 58 O tema da educação católica já foi bastante discutido e não pretendemos esgotá-lo nesta pesquisa. Porém, para o nosso estudo sobre a educação confessional dos Arautos do Evangelho será de grande valia retomar elementos da história deste processo educacional.

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do período que vai do descobrimento do Brasil à expulsão dos jesuítas em 1759.” (MOURA,

2000, p. 19).

Neste primeiro momento foi decisiva a atuação dos jesuítas na evolução do ensino no

Brasil, pois estes desenvolveram um grande esforço na área da educação, assegurando o

funcionamento de escolas nos seus estabelecimentos que eram abertos aos leigos. (ARAÚJO,

2001). Os jesuítas buscaram assegurar seu trabalho missionário pela via da educação, por

meio de escolas, “instruindo crianças para preparar os homens do futuro.”

As condições que favoreceram esse quadro educacional foram a organização social e o

conteúdo cultural, lembrando ainda o poder político e econômico da classe dominante

europeia em nosso País. Também a condição de um Brasil com uma economia de base

escravocrata, de latifúndio, expansão agrária e sociedade patriarcal. “E foi a família patriarcal

que favoreceu, pela natural receptividade, a importação de formas de pensamento e idéias

(sic) dominantes na cultura medieval europeia, feita através da obra dos jesuítas.” (OTAÍZA,

1994, p. 33).

A obra educativa da Companhia de Jesus, com a formação dos padres, contribuiu para

que esta sociedade tomasse alguns hábitos aristocráticos da camada nobre portuguesa,

transformasse os índios em súditos da Coroa pela conversão e se empenhasse em consolidar a

presença de Portugal nas terras recentemente descobertas. Os objetivos práticos da missão

jesuítica era o recrutamento de fiéis com a catequese, e como a “educação que se dava aos

curumins estendia-se aos filhos dos colonos.” (OTAÍZA, 1994, p. 33). A obra de catequese,

que era o objetivo principal da Companhia de Jesus, cedia lugar em importância à educação

da elite. Otaíza lembra ainda que o ensino que os padres jesuítas ministravam era alheio à

realidade da vida na Colônia: “sem a preocupação de qualificar para o trabalho” (OTAÍZA,

1994, p. 34), não contribuindo para modificações estruturais na sociedade brasileira, além do

que “falar em instrução na época não era grande coisa” (OTAÍZA, 1994, p. 34), pois a prática

era de trabalho na agricultura e regime de escravidão, próprio de uma colônia de exploração.

Na realidade, neste período colonial, além de uma busca de conversão das almas à fé

cristã, o poder da metrópole e dos próprios missionários trouxe inúmeros problemas para estes

indígenas com o trabalho forçado, tendo agredida sua cosmovisão e crenças, sendo a atitude

missionária uma ideia de “superioridade política, cultural e religiosa da civilização européia.”

(AZZI, 2008, p.?).

A tarefa de conversão pelos jesuítas não era tão simples. Muitos não renunciaram a

suas crenças religiosas e costumes, consideradas idolatria pelos europeus, e isso se refere não

só às populações indígenas, mas também aos africanos trazidos em seguida como escravos

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para o Brasil e estes “(...) elaboraram uma fusão sincrética entre os santos católicos e seus

personagens míticos.” (AZZI, 2008, p.19). O modo de os jesuítas conseguirem realizar suas

tarefas de conversão foi optar pelos jovens, pois estes eram “mais maleáveis” e se “adaptavam

à cultura portuguesa com maior rapidez.” (AZZI, 2008, p. 22). Porém, suas ações não ficavam

somente na conversão indígena. Também mantinham seus colégios para formação de

sacerdotes, e os filhos de senhores de engenho eram educados pelos jesuítas.

Dentro deste quadro, as ordens religiosas também se estabeleceram na Colônia: “(...)

motivadas por duas razões principais: o desejo de expansão de suas obras no novo território e

as solicitações insistentes das lideranças locais.” (AZZI, 2008, p. 35). Estabelecidas na

colônia em 1587, além dos jesuítas, havia três grandes ordens religiosas: os franciscanos, os

beneditinos59 e os carmelitas.

Como podemos coligir de todos os dados citados até agora, para esta população de 60 mil pessoas em contato com a civilização existiam os seguintes recursos educacionais, fornecidos pela Igreja: colégios dirigidos pelos jesuítas. (…) A essa rede de educação jesuítica deve-se acrescentar a de escolas existentes nas missões dos franciscanos e carmelitas, bem como o trabalho educacional da Igreja. (MOURA, 2000, p. 40).

As ordens religiosas receberam ajuda da nobreza local e da população. Estes

religiosos60 conseguiam, desta forma, prestígio social e se tornavam senhores de “grandes

latifúndios e grandes fazendas”. Contudo, se pensarmos nos jesuítas, a situação era

diferenciada pois “(...) já se faziam notar os atritos entre estes e a população, em torno da

questão da escravização dos índios.”(OTAÍZA, 1994, p. 37). Completa Bruneau:

Os grupos locais não conseguiram integrar os jesuítas como fizeram com a maioria da Igreja. Eles atacavam a frouxidão dos padres nas famílias rurais e eram os únicos a condenar a exploração dos índios nas mãos dos colonizadores. Os Jesuítas eram uma anomalia na sociedade que os via com muita animosidade. (BRUNEAU, 1974, p. 43).

A expulsão dos jesuítas em 1759 trouxe mudanças na história da educação no Brasil e

marca o início de outra fase que revelou dificuldades no sistema educacional. A expulsão dos 59 Estes também promoviam atividades de instrução, sobretudo ao que concerne a seu trabalho de tutoria dos filhos de família relacionadas com os conventos, à ação educativa que exerciam nas fazendas que organizavam com as terras recebidas em doação para a sustentação dos conventos. (MOURA, 2000). 60 Religiosos porque as mulheres religiosas deviam viver em reclusão, dedicando-se à oração e à meditação, revestindo-se de longos hábitos, havendo a marca de separação do mundo dentro dos conventos femininos. (AZZI, 2008).

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jesuítas e o confisco das suas propriedades se deveram ao Marquês de Pombal, que “(…)

tornou-se o ministro todo-poderoso, conseguindo que fossem referendadas pelo Rei suas

iniciativas. Atuou como um déspota, apesar de professar-se um seguidor do Iluminismo.”

(MOURA, 2000, p. 63).

Os colégios dos jesuítas privilegiavam a formação humanista e clássica em detrimento

das ciências naturais. Isto causava questionamentos do ensino jesuítico em Portugal, visto que

avançavam as ciências físicas e naturais no século XVIII na Europa. E estes foram acusados

de alinhar-se ao lado da antiga aristocracia e de dificultar as aspirações da burguesia

emergente, expressa na mentalidade iluminista. (AZZI, 2008).

O panorama da educação no Brasil alterou-se, havendo a diminuição da extensão e

intensidade com que a Igreja vinha se dedicando na Colônia. Uma destas transformações foi

em relação aos educadores: outros membros da Igreja continuaram e assumiram novas tarefas

na educação. Para suprir as carências vieram as escolas monásticas dos beneditinos,

carmelitas e franciscanos. Também educadores que eram mestres nomeados, bispos, padres:

Eram geralmente padres seculares, muitos deles de grande capacidade, que trabalhavam para o ensino público e particular. Muitos abriram escolas e colégios por iniciativa própria, outros lecionaram em escolas públicas. (...) O clero era a classe mais culta, com um bom número de padres formados pela Universidade de Coimbra. (MOURA, 2000, p. 65).

Sendo assim, muitos dos clérigos com uma formação básica nos estudos das ciências

físicas e naturais, mas também iluministas, se transformaram em importantes educadores da

população, sobretudo após a expulsão dos jesuítas. Envolvidos nas ideias liberais e

democráticas, tinham duas posturas básicas: “(...) a de se rebelarem contra o tradicional

pensamento católico que servia de sustentáculo à cristandade colonial e, ao mesmo tempo, a

assumirem uma posição política em favor da independência e da liberdade do Brasil.” (AZZI,

2008, p. 60).

Leigos também começaram a ser introduzidos, e o Estado assumiu os encargos da

educação. Todavia, as bases não se alteraram, ou seja, o ensino se realizou com os mesmos

métodos pedagógicos com apelo à autoridade e à disciplina estreita, “concretizados nas varas

de marmelo e nas palmatórias de sucupira”, não dando espaço para a criatividade individual.

A presença da classe intermediária ou pequena burguesia vai utilizar-se desta educação

escolarizada para se afirmar e aumentar a demanda escolar. (OTAÍZA,1994).

Desse modo, a reforma educacional que Pombal havia implementado tinha como meta

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levar a educação ao controle do Estado, secularizá-la e uniformizar o currículo. (MOURA,

2000). Do ponto de vista de Moura, a descontinuidade, a improvisação, o amadorismo e a

falta absoluta de senso pedagógico caracterizavam muito da empreitada educacional de

Pombal. Evidenciando o papel do Estado na educação e concentrando-o no governo central, o

marquês reduzia as possibilidades de a Igreja brasileira exercer a ação educativa que vinha

realizando. Ademais, era muito escassa a estruturação institucional da Igreja no Brasil

Colônia.

Já no período imperial, a característica da história da educação no Brasil diverge dos

períodos anteriores, pois se efetua o fracionamento do ensino, o central e os provinciais

(MOURA, 2000). Neste período, ainda muitas instituições mantidas por entidades da Igreja

no campo da educação primária e secundária tornam-se conhecidas. Também se nota que

entre 1860 e 1890:

(...) é considerado o apogeu do ensino secundário particular devido ao caos que se instaurou a partir das decisões do império no campo da instrução. Diante desses números, compreende-se o fundamento da afirmação acima transcrita, dado os numerosos colégios que surgiram em consequência da insuficiente instrução pública. (MOURA, 2000, p. 88).

A Igreja contribuiu com a educação, porém teve sua ação limitada pelo Estado, a

atividade de ordens e congregações religiosas estava obstaculizada e seu desenvolvimento,

afetado.61

Esta relação entre a Igreja e o Estado alterou-se com a Proclamação da República e

também no que concerne à atuação da Igreja na educação. A partir da segunda metade do

século XIX, a prioridade da atuação dos religiosos é dada na esfera educativa. Outros

elementos dentro do cenário brasileiro no século XIX dão condições favoráveis ao

desenvolvimento urbano (com a expansão da cultura do café) e à formação da sociedade

burguesa, com a valorização da cultura letrada. (AZZI, 2008).

E neste período ainda lembra Otaíza:

A intensificação do processo de urbanização, que tem na deteriorização das formas de produção no campo e na industrialização crescente suas causas principais, (…) no que toca à demanda social de educação introduziu um contingente cada vez maior de estratos médios e populares que passaram a pressionar o sistema escolar para que se expandisse. A estreita oferta de

61Dado o exemplo de Moura (2000) que, em 1889, para atender a população que crescia no Brasil, havia somente doze dioceses.

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ensino de então começou a chocar-se com a crescente procura. (OTAÍZA, 1994, p. 46).

Encontramos, pois, uma educação como um instrumento de preparação das pessoas para

o ingresso na sociedade urbana, e a instituição católica, que também se amoldou às exigências

da sociedade urbana em formação, via a necessidade da alfabetização de seus fiéis,

especialmente os jovens. Para que este processo seguisse:

(…) os bispos do Brasil foram estimulados por Roma para assumir o importante papel de propagadores do modelo católico tridentino. (...) Ao mesmo tempo, o caráter letrado e europeizante deste movimento reformista permitiu uma maior aproximação da Igreja ao projeto burguês de modernização do país. (AZZI, 2008, p. 74).

A formação intelectual e os estudos eram base também para os futuros sacerdotes, com

um currículo escolar embasado em uma ótica humanista e com ênfase na disciplina. Azzi

coloca que nos centros urbanos, havia uma postura ambígua da educação realizada pela Igreja,

que de um lado evidenciava a necessidade de estabelecer normas de comportamento e o

ingresso de pessoas no espaço urbano, e de outro reforçava a manutenção dos valores

burgueses. Contudo, esta mesma burguesia era exortada a colaborar com as suas riquezas para

multiplicação das obras sociais católicas e dos cultos.

Dentro deste panorama educacional, com a implantação da República, a Igreja foi posta

para fora da educação pública conforme o artigo 72 em que a educação religiosa foi proibida

nas escolas públicas. A Igreja podia ter suas próprias escolas, “(...) mas era obrigada a

sustentá-las do seu bolso, ou cobrar taxas.” (BRUNEAU, 1974, p. 122). Uma saída foi o

esquema de escolas particulares ligadas ao catolicismo. Quanto a esta realidade das escolas

católicas, Bruneau coloca que, desde 1891, as escolas da Igreja se expandiram rapidamente e

insere alguns exemplos:

Por volta de 1931, por exemplo, havia poucas escolas católicas de nível primário, porém mais de ¾ das 700 escolas secundárias eram católicas. (…) Quer dizer que a Igreja estava apta a dominar o nível mais importante da educação secundária com pessoal e recursos financeiros importados do estrangeiro e produzidos localmente. (BRUNEAU, 1974, p. 122).

A promoção da escola católica passou a constituir outro componente importante da

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ação pastoral da Igreja, e o grande número de escolas surgiu da ação das congregações

religiosas, quer já existentes na época, quer vindas para o Brasil a chamado dos bispos.

(MOURA, 2000).

A educação desempenhava papel de influência neste sentido, pois a maioria dos alunos

das escolas católicas se tornaria membro da elite62. A educação provida pela Igreja formava a

elite porque suas escolas eram particulares e cobravam taxas. (BRUNEAU, 1974). Mesmo

assim, a educação não era uma prioridade política, porém um assunto de decisão política. Um

dos projetos elaborados para a educação em 1948 detinha o Estado com poder supremo na

educação, e a questão do auxílio público para a educação particular não havia sido tratada.

Interessante perceber aqui a atuação de uma organização de defesa da Igreja na

educação, a AEC – Associação de Educação Católica, fundada em 1945 que argumentava:

“(...) sendo a religião católica parte integrante da sociedade brasileira, o Estado devia assistir a

família e a Igreja, amparando a educação particular.” (BRUNEAU, 1974, p. 133). A intenção

da Igreja em relação à influência educacional é clara e demonstrada nas declarações da

AEC.63 Tal influência pode ser vista na lei de 1961, na qual o Estado providenciava recursos

para as escolas, e o ensino particular e o público ficaram equiparados em termos de

benefícios. Percebe-se então que as questões referentes ao Estado e à educação perpassam a

educação particular católica, que depois enfoca a questão da ação social.

O Concílio Vaticano que se iniciou em 1962 e perdurou até 1965 revelou em seus

documentos aprovados a posição da Igreja em matéria de educação, ressaltando que, entre

todos os meios de educação, a escola é especialmente importante e tem uma missão

promovendo o sentido dos valores, preparando para vida profissional e social. (MOURA,

2000). A Igreja então estaria presente por meio da escola católica e teria um envolvimento

social maior.64 E mais do que isso: no Concílio Vaticano II há uma reviravolta na maneira de a

Igreja perceber-se a si mesma e de entender sua relação com o mundo: “(...) o clero e os

bispos abandonaram velhas formas, especialmente depois de encorajados pelo Concílio

Vaticano II, e adotaram uma missão que tem mais conteúdo ético e menos formas

tradicionais.” (BRUNEAU, 1974, p. 405).65

62 Diversas congregações religiosas tinham vindo ao Brasil para trabalhar com doentes, velhos, órfãos e outros grupos marginalizados da sociedade. Esses colégios passam a ser frequentados exclusivamente por famílias da média e alta burguesia. (AZZI, 2008.) 63 Para um maior aprofundamento sobre o assunto consultar BRUNEAU, p. 132-133, 1974. 64 Neste período da década de 1960 houve diversos problemas nas relações Igreja e Estado, a Igreja defendia sua missão social. Inclusive alguns bispos questionavam o governo e eram vistos como revolucionários. Os exemplos de alguns conflitos estão em BRUNEAU, 1974. 65 Neste período, o clero e os bispos que assim agiram começaram a ser mal vistos por abandonarem as tradições cristãs, especialmente aqueles que cooperam com o moralismo extremo, o catolicismo tradicional como a TFP-

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Esta atuação católica no aspecto social bem como a assistência ao menor abandonado

ficam mais patentes na década de 1970, observadas no fortalecimento das estruturas

autoritárias do regime militar (AZZI, 2008). A dimensão sócio-libertadora tomada no Plano

Pastoral de Conjunto (1966 - 1970), por exemplo, possuía como objetivos e linhas de atuação

a “educação libertadora”.66 O desafio desta educação não é compreendido em suas exigências

de transformação social num primeiro momento, pois havia dificuldades à adaptação das

escolas católicas à lei que exigia, em 1971, o ensino profissionalizante colocado pelo regime

militar. A expressão “Educação para a Justiça” permitiu um espaço maior para continuidade

do trabalho educativo na linha de transformações das estruturas na sociedade.

Nos planos da CNBB, em 1975, aparece o item de pastoral especial, em que a maioria

dos participantes era de religiosos que se dedicavam à educação de menores carentes.

Também várias religiosas em missão pastoral foram atuar nas regiões periféricas, deixando

seus colégios e conventos. Encontramos em 1977, no período também de repressão, o

documento da CNBB Exigências Cristãs de uma Ordem Política, em que a questão da

educação e das relações Estado e cidadãos é discutida, de forma que se vê a educação do povo

como algo necessário à participação política e também de qualidade, como um direito de

todos.

Os menores carentes e órfãos eram alvo de atenção das escolas particulares

confessionais das congregações religiosas como a da Congregação das Irmãs Azuis. A

preocupação em atender às minorias nas escolas e a atenção dada a esta melhoria social

podem ser vistas na própria Campanha da Fraternidade de 1982: “Educação e Fraternidade” –

a proposta de escola para todos e a contribuição da educação para “construção de uma

sociedade de irmãos.”

Dentro desta trajetória educacional católica seguida pelas escolas particulares,

podemos pensar em como esta se manteve e se financiava. Isto nos remete à compreensão de

como o Estado, por meio da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Constituições e

organizações de defesa da educação católica, atribuíram em seus incisos a preocupação com o

ensino. Este elemento é discutido nos documentos elaborados pela CNBB em 1985 em que se

defende o direito de as organizações religiosas organizarem escolas próprias e com o direito

de receberem do Estado recursos adequados para que possam ser gratuitas, ao menos no Sociedade Brasileira para Defesa da Tradição, Família e Propriedade fundada por Plínio Correia de Oliveira em 1960. (BRUNEAU, 1974). 66 O documento do DEC - CELAM em 1972 retoma e acrescenta aquilo que a Conferência de Medellín em1968 aborda sobre educação libertadora. Coloca que a educação libertadora é antes de mais nada educação, vista aqui como um processo personalizante cujo objetivo é produzir mudanças nas pessoas e não na sociedade, deixando algumas escolas católicas inseguras quanto a que atitude tomar. (GARCIA; CAPDEVILLE, 2001).

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ensino fundamental.67

Na Constituição de 1988, temos o exemplo dado por Moura (2000), no parágrafo

primeiro do artigo 213, em que se afirma a possibilidade de ajuda às pessoas com

insuficiência de recursos e falta de vagas nas escolas públicas (na localidade da residência do

aluno) com bolsas de estudo.

(…) o governo poderia desincumbir-se de sua obrigação assegurando o acesso gratuito do cidadão, mediante a concessão de uma bolsa para frequentar uma escola particular na localidade, ou até mesmo uma bolsa mais substanciosa que lhe permitisse frequentar uma escola de localidade vizinha. (MOURA, 2000, p. 243).

A Constituição estabelece que o dever do Estado com a educação em geral será

efetivado mediante a garantia do ensino fundamental obrigatório e gratuito sem distinguir

rede pública de rede particular. (MOURA, 2000). A liberdade de escolha de uma escola da

preferência do cidadão – se particular ou pública, religiosa ou não – especialmente daquele

com carência de recursos é um elemento que remete a inúmeras discussões. Lembrando que

não só as escolas públicas atendem à demanda, mas também às demais escolas particulares.

Por essa razão, o dever do Estado para com a educação ultrapassa os limites da escola pública

e “(...) ainda se investe pouco em educação e desperdiça-se muito mais por não admitir uma

parceria com a iniciativa privada na busca de soluções educacionais.” (MOURA, 2000, p.

244).

A Constituição de 1988 e a LDB-9394/96, no que se refere ao uso dos recursos

públicos destinados à educação, possuem elementos que geram alguns questionamentos

relacionados à sustentação da rede pública de ensino. Esta tem como princípio considerar os

direitos colocados na Constituição e na LDB. Na Constituição, como coloca Moura, o dever

do Estado é para com a educação em geral, sem distinguir rede pública de rede particular. Já

na LDB isso se dá por meio da escola pública: “É evidente a diferença entre as expressões ‘o

dever do Estado com a educação’ (Const) e o ‘dever do Estado com a educação escolar

pública’ (LDB).”68 (MOURA, 2000, p. 245). A educação pública e a particular fazem parte da

estrutura de nossa sociedade e para Moura um diálogo maior entre elas poderia colaborar na

67 O documento pode ser encontrado no site da CNBB: http://www.cnbb.org.br/site/component/docman/cat_view/134-documentos-cnbb?start=40 Acesso em: 07 ago. 2011. 68 Na Constituição de 1988, o ensino e iniciativa privada deve atender as condições de cumprimento das normas gerais da educação em geral e ter a avaliação de qualidade pelo Poder Público.

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resolução de problemas educacionais.69

Percebemos, assim, que a organização do ensino ao longo da história esteve ligada à

forma como se encontravam a economia, a política, a interferência europeia na estrutura

educacional e cultural, além de uma adaptação à demanda social das escolas brasileiras.

Elementos que fizeram a diferença nesta organização das escolas, e nisto se enquadram as

confessionais, encontram-se no próprio crescimento demográfico, na urbanização, nos

interesses das classes dominantes, na legislação vigente.

2.1.2. Leonel Franca e sua proposta educacional

A educação interior das almas é a condição indispensável da organização externa da sociedade. (FRANCA, 1931, p. 28).

A partir do que foi colocado sobre a educação católica, podemos analisar a presença

desta frente às legislações educacionais e como esta foi se adaptando às transformações

ocorridas na sociedade brasileira. Muitos elementos podem ser percebidos pela presença da

disciplina do Ensino Religioso em nossas escolas, e suas diferentes características no âmbito

particular e público. Dentro deste debate se enquadram autores como Leonel Franca (1931).

É importante salientar quem foi Leonel Franca e seus argumentos em defesa de uma

educação religiosa na escola, para que se possa melhor compreender sua relevância para a

discussão sobre educação católica. Padre Leonel Edgard da Silveira Franca S.J. nasceu em 6

de janeiro de 1893, em São Gabriel, Rio Grande do Sul, embora sua família seja de origem

baiana. Obteve influência cultural e religiosa no Brasil, dedicando-se à fundação e

consolidação da primeira universidade particular do país em 193970. Por isso, a defesa de

69 Alguns problemas educacionais voltados para a disciplina de ensino religioso com uma vertente confessional católica podem ser observados na Concordata Brasil-Vaticano em novembro de 2008. O artigo 11, parágrafo 1, diz que: “O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.” Nos comentários de Luiz Antônio Cunha (2009),o artigo contraria ao artigo 33 da LDB e mostra uma “luta interna” no campo religioso. Ou seja, o parágrafo citado acima não trata das escolas católicas e sim das escolas públicas, o que mostra de um lado um ensino religioso católico e de outro o considerado “não religioso, indefinido, de outras confissões”. Disponível no site: http://www.scielo.br/pdf/es/v30n106/v30n106a13.pdf Acesso em: 12 out. 2011. 70 Em 1939, o Concílio Plenário dos Bispos do Brasil decidiu criar a Universidade Católica do Brasil, no Rio de Janeiro. Dom Sebastião Leme, Cardeal Arcebispo do Rio encarregou seu conselheiro, Pe. Franca, de incumbir-se desta missão. Em outubro de 1940, decreto presidencial criava as "Faculdades Católicas", que começaram a

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Leonel Franca por uma educação voltada a uma moral religiosa na escola acabou se

ampliando, junto com Dom Leme71 (Cardeal Arcebispo do Rio na época) e com as Faculdades

Católicas72, para o âmbito do ensino superior. A escolha do autor para esta pesquisa se dá pela

sua importância enquanto padre, também como intelectual73 pois produziu várias obras como

A crise do mundo moderno, O problema de Deus, Ensino Religioso e Ensino Leigo, dentre

outros. Foi ele também o primeiro reitor da Universidade Católica do Rio de Janeiro74 e

defensor do Ensino Religioso nas escolas, uma referência para a realização de um Ensino

Religioso confessional.

Ensino Religioso este que fez e faz parte da educação católica e se encontra presente

nas escolas estaduais de forma confusa, pois cada Estado Brasileiro estabelece a disciplina de

uma forma diferente. Também a própria questão da preparação de professores, material

didático, conteúdos, dentre outros. As mudanças que foram ocorrendo no ensino também

fizeram com que o Ensino Religioso fosse se adaptando às diferentes realidades: tanto

legislativas, postas por um Estado laico, quanto sociais e econômicas; daí a relevância em

discuti-lo.

São muito variados os argumentos em favor de uma educação religiosa na escola,

defendidos por Franca75, nas palavras do autor: “(...) uma escola que pretende realmente

educar o homem não lhe pode esquecer a formação moral e religiosa”. (FRANCA, 1931, p.

118). Assim, uma educação moral da infância não pode dar resultado se não for fundamentada

na religião. Contudo, deve ser lembrado que as relações entre Estado e religião afetam

funcionar no ano seguinte, tendo como seu Reitor o próprio Pe. Franca. Em 1945 as "Faculdades Católicas" passariam a ser Universidade e dois anos depois, Pontifícia, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC- Rio. Disponível no site http://www.fplf.org.br/fplf_franca.asp Acesso em: 04 jan. 2011. 71 Uma das questões-chave no programa de D. Leme para promover a influência da Igreja por meio da política, era a educação. (BRUNEAU, 1974, p.122). 72 Na inauguração da Universidade Católica do Brasil, no Rio de Janeiro em 1941,Leonel Franca diz, segundo a revista A Ordem, que a Universidade “surgia como os esplendores e as auroras de uma aurora na vida de um cristão, tendo por missão formar o homem superiormente culto”, do qual dependeria o nível de cultura de uma nação,a solidez e eficiência de suas instituições, a riqueza de valores”. (RODRIGUES, 2005, p. 170). 73 Também é importante ressaltar que o Pe. Leonel Franca também tinha uma colaboração intelectual e estreita amizade com Plinio Corrêa de Oliveira. Eram tomistas e o Pe. Leonel Franca, um dos grandes nomes do neotomismo no Brasil. Ele considerava que o tomismo era a Filosofia, com letra maiúscula, enquanto as demais tendências especulativas são meras filosofias, com minúsculas. SANTOS, Ivanaldo. O tomismo militante: o discurso-ação de Plinio Corrêa de Oliveira. Disponível no site: http://www.revolucao-contrarevolucao.com/verartigo.asp?id=182 Acesso em: 12 jan. 2012. 74 “(...) em 15 de janeiro de 1946, foi reconhecida a Universidade Católica do Rio de Janeiro. (...) Foi a primeira universidade particular reconhecida no Brasil. Seu reitor foi o Pe. Leonel Franca, que com Dom Sebastião Leme havia sido um dos fundadores do núcleo inicial de duas faculdades Católicas, de Filosofia e Direito, constituindo para isto uma entidade mantenedora, a Sociedade Civil Faculdades Católicas.” (MOURA, 2000, p. 134). 75 Leonel Franca segue a diretriz de Pio XI, que escreve uma encíclica ligada à educação em 1929, em que encontramos um ponto em que Pio XI condena o laicismo escolar e exige, para os jovens católicos, escolas católicas e ambiente católico. Para ele os pais cristãos têm o direito de assegurar aos seus filhos a educação conforme a sua fé. (GARCIA; CAPDEVILLE, 2001).

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diretamente a educação e tais relações são observadas por Franca. Um destes momentos como

já visto, foi quando se instituiu a Constituição Federal de 1891, em que o ensino se tornou

secular nas escolas públicas. Momento importante, pois a laicidade do Estado modifica a

maneira de se ensinar religião nas escolas públicas, tornando-o, assim, um ponto de discussão

potencial – especialmente feito por Franca, que acredita que as crianças devem continuar o

ensino de sua religião na escola, indo contra a laicização do Estado. A laicidade modifica

também a organização das escolas particulares, especialmente as confessionais católicas, que

passam a assegurar sua identidade religiosa frente a esta realidade, a fim de atender à

demanda daqueles que buscam dar continuidade a sua religião na escola.

Dentro deste quadro, é importante compreender o que Franca, representando o que os

intelectuais católicos da época discutiam, entendia por educação: primeiramente, ele a

diferencia do que se denomina instrução, pois “(...) a educação abraça o homem na totalidade

de sua natureza, desenvolvendo-lhe harmoniosamente todas as faculdades. A instrucção é

apenas um meio; a educação, o fim, a razão de ser da actividade pedagógica.” (FRANCA,

1931, p. 8). Para ele, pois, dentro da educação, a religião ocupa um lugar imprescindível e

essencial para “formar o homem para sua felicidade.” Educar seria formar para a vida e a

“educação interior das almas” traria a formação completa da personalidade. A ligação com

Deus na educação proporciona a verdadeira liberdade. (FRANCA, 1931). Esse tipo de

educação estaria na escola católica e não em escolas laicistas.

Estes elementos ligados à religião e à educação nos permitem discutir e elencar pontos

desfavoráveis a um Estado laico para uma educação buscada pelas escolas católicas que seria

uma educação que leve em conta a parte da formação religiosa. Alguns pontos desfavoráveis

são apresentados por Leonel Franca (1931) em diversos âmbitos: social, pedagógico e

jurídico, a fim de, por meio de exemplos de países variados e dados estatísticos, provar a

inviabilidade do Estado laico.76 Assim, no âmbito social, ele lida com questões referentes à

violência utilizando-se de índices de criminalidade que apontam que os maiores números em

relação à violência se encontram maiores em países laicistas.77 No âmbito pedagógico, o

76 Assim como Franca, Alceu Amoroso Lima, professor de Literatura da primeira Universidade Católica no Rio de Janeiro, dizia que o laicismo educativo era responsável por uma educação insuficiente, que não integrava o ser humano. (RODRIGUES, 2005). 77 A questão dos tipos de violência nas escolas na França não foi só observada por Franca na década de 1930, como também se tem uma discussão atual sobre esta questão que foram postos por Abramovay e Rua: “Porém, particularmente na França, é consenso que a incivilidade - sendo expressão de agressividade, insensibilidade para com direitos dos outros ou violência – requer cuidados para que as relações sociais no meio escolar sejam menos hostis”, assim “Considerando pesquisas que desenvolveu na França, Peralva (1997) trata a violência enquanto fenômeno urbano, interno à escola e que se sustenta na incivilidade, em contraponto ao termo 'civilidade' adotado por Norbert Elias. Segundo a autora, mais que a ordem dos delitos, a violência escolar na França passou, em meados da década de 90, a pertencer à ordem das “transgressões puramente

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Estado laico se mostra insuficiente porque “é impotente para formar a personalidade

humana”. E, finalmente, no âmbito jurídico, ele “oprime as liberdades espirituais”

estabelecendo uma educação que não atende à liberdade religiosa impedindo o Ensino

Religioso confessional.

O contexto em que Franca se encontra remete a algumas informações e conclusões que

precisam ser compreendidas em seu âmbito histórico e cultural. Ele se mostra convicto de que

a educação moral não pode dar resultado se não for fundamentada na religião, pois esta é, em

suas palavras: “(...) um freio moral de primeira ordem; melhor ainda, são (sic) um estímulo

moral.” (FRANCA, 1931, p. 44). Isto é, Franca acredita que a religião ajuda a formar a

personalidade humana, a conservar valores importantes para se viver em paz e harmonia na

sociedade, permitindo que os dados sociais de violência sejam mais satisfatórios. Como o

exemplo da França78, que é dado pelo autor. Lá, segundo ele, devido a um laicismo escolar

muito forte, os índices de criminalidade eram elevados79. Este fator do laicismo na escola

explicaria para Franca os dados referentes à violência; porém, poderia não explicar, tendo em

vista inúmeros fatores que podem acarretar e acarretam o aumento dos índices de

criminalidade, sobretudo pautados nas grandes desigualdades sociais bem como na não

atenção e na falta de programas aos jovens.80

Atribuir as “virtudes” cívicas à religião elimina, de certa forma, a possível atuação

cidadã daqueles que não professam uma religião. Sendo assim, é o caso de que somente os

religiosos possuam valores81 para o exercício da cidadania? Sendo assim somente as escolas

confessionais católicas seriam apropriadas?

comportamentais.” (ABRAMOVAY; RUA, 2002, p. 74). Percebemos que a questão da violência é bem mais complexa e pode ser analisada na escola não somente por delitos e agressões físicas, mas também por intimidações, injúrias, xingamentos. Neste sentido, em uma escola pública laica como na França, a questão da violência chama a atenção e nos remete a maiores observações. Será que estes aspectos possuem alguma relação com a religião como propõe Franca? 78 Sobre a laicidade francesa, Patrícia Birman relata uma possível “ameaça das seitas” em uma escola pública francesa, e lembra que na França a escola privada surge em continuidade com a formação oferecida nas famílias católicas, pois haveria em ambas as instituições uma sintonia com valores religiosos combatidos na esfera pública. Na França, as mães de família eram aliadas da religião e tinham a influência dos padres. De outro lado, estariam os valores da razão, da República, da figura masculina e do laicismo na esfera pública. Para maior compreensão desta questão, ver Birman, Patrícia. Laços sem nós: vida familiar, valores comunitários e percursos religiosos, in Família e Religião (Duarte, L. F. D.; Heilborn, M. L.; Lins de Barros, M.; Peixoto, C. – orgs.). Rio de Janeiro: Contra Capa, 2006. 79 Os dados de criminalidade dados por Franca eram dados obtidos até 1931. 80 Para compreensão dos níveis de violência, existem trabalhos muito interessantes que dirigem a questão da violência para o ambiente escolar, que mostra o que ocorre na sociedade em geral. Teorias sobre o status dos alunos que têm essas atitudes agressivas nas escolas, também a ansiedade, a insegurança, principalmente em países com tensões políticas, o indivíduo que associa comportamentos agressivos à socialização na infância. Para maiores informações ler ABRAMOVAY e RUA (2002). 81 A questão dos valores é algo passível de discussão e seu conceito não pode ser rigorosamente definido. Podemos pensá-lo como vivência, qualidade ou na própria ideia de valor. (D. EURICO, 2001).

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A defesa de Franca se firma no argumento de que o ER forma a personalidade

humana; com isso, estando o indivíduo em uma escola laica, esta deteria aquelas ditas

virtudes sendo incapaz de conservar o “tesouro de virtudes” cívicas, como colocado

anteriormente. Porém, não é apenas Leonel Franca que mantém esse ponto de vista

estritamente favorável a uma educação religiosa. Outros contemporâneos dele, que não são

necessariamente ligados a igrejas, partidos, dividem esse mesmo ponto de vista, justificando a

presença do ER na escola com argumentos de que ela é continuadora da família, fazendo parte

da formação integral do ser humano que o prepara para a vida e sendo um direito de todo

cidadão. Nesse sentido, o ER se coloca como uma disciplina que deve ser garantida, pois traz

benefícios, o que para Franca não ocorre em um Estado laico.82

O autor coloca que alguns aspectos jurídicos mostram-se injustificáveis para a

existência de um Estado laico. Primeiramente, o Estado deve preservar a liberdade, assim

como posto na legislação, mas “ele se torna injusto e irritante oprimindo as liberdades

espirituais”, permitindo um ER laico. Se não se pode dar continuidade a sua crença religiosa

na escola, isso seria uma controvérsia à dita liberdade posta na legislação.83

Segundo ele, mesmo com um Estado laico, ocorreria uma “violação” aos direitos de

liberdade de consciência ou de religião e, apesar de um discurso de neutralidade religiosa, não

a comportaria, tendo em seu domínio uma “incredulidade” e “materialidade”: “(...) A escola

com pretensões a neutra em questões que, de sua natureza, não comportam neutralidade,

resolve-se, de facto, numa escola anti-chistã e athea. O laicismo é, no dominio da pedagogia,

o corollario do materialismo e da incredulidade.” (FRANCA, 1931, p. 90). Ou seja, a

neutralidade escolar em relação à religião não existe: o professor tem suas próprias

convicções e filosofias de vida, o mesmo ocorre com o processo pedagógico:

Falam-nos de neutralidade escolar; mas já é tempo de dizer que a neutralidade escolar nunca passou de uma mentira diplomática (...) não ha, não pode haver uma educação neutra; “a pedagogia ou cessa de ser pedagogia ou cessa de ser neutra”. Todo o systema pedagógico é necessariamente baseado numa philosophia de vida. Não é possível formar um homem sem ter uma concepção da sua natureza, dos seus destinos, das suas relações com os outros seres. (FRANCA, 1931, p. 86).

82 A preocupação com a disciplina se coloca tanto para os favoráveis quanto para os contrários à presença do ER na escola pública. Quem seriam os profissionais habilitados a ministrar a disciplina? Qual a metodologia a ser utilizada? As relações hegemônicas da Igreja católica prevaleceriam nas aulas neste contexto? 83 A Instituição pública, para Franca, deveria continuar a orientação dada pela família, não se opondo e negando a educação doméstica.

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Não sendo uma educação neutra, Franca se coloca averso à laicização e sim a favor de

uma educação religiosa, pois pensa que a laicização do ensino não contribui para a dita

“elevação moral” da sociedade, não proporcionando “a formação das almas da juventude” e

“os valores morais do homem”, sendo a escola laica então incapaz de educar o indivíduo

integralmente. Seriam então as escolas religiosas as que educam o indivíduo integralmente?

Para tais afirmações, vale lembrar o contexto histórico em que se encontra Leonel

Franca: situado no período da Segunda República (1930 - 1937), fase de reivindicações da

Igreja Católica à laicidade do Estado, momento em que estavam à frente desta discussão o

próprio Leonel Franca e líderes católicos, na exposição de motivos para admissão do ER.

De um lado, a Igreja atua através de comissão composta de líderes católicos, tendo a frente o Padre Leonel Franca, autor da exposição de motivos para admissão do ER nas escolas públicas e da minuta de um decreto ambos apresentados ao ministro da educação. (FIGUEIREDO, 1999, p. 118).

Franca coloca que, mesmo a escola laica, com pretensão à neutralidade, não comporta

tal neutralidade, pois conforme já dito anteriormente, o professor tem suas convicções e a elas

adapta seus atos. Para o autor, se a escola nega a educação doméstica, violaria assim a

liberdade dos educandos e não teria o apoio da orientação familiar. Como um exemplo: as

famílias católicas que gostariam de ter a liberdade de continuar professando sua religião na

escola não teriam este apoio.

Sem o ER na escola, para ele, haveria certa incompatibilidade desta com o que as

famílias pensam e querem para seus filhos, ou seja, ao invés de seus filhos obterem uma

“preparação para a vida e uma convivência social harmoniosa”, teriam em uma escola laica

uma violação de seus direitos sagrados e estariam “a serviço de uma seita.” Não só o ER mas

também as demais disciplinas do currículo possuem elementos que se utilizam de crenças e

valores, como as Ciências no Ensino Fundamental e a Biologia no Ensino Médio, com

conteúdos que abordam temas sobre a formação da vida, a criação do Universo, preservativos,

abortos e outros temas. Vale observar o que Franca coloca sobre o serviço da escola laica a

alguma seita: esta discussão faz parte de um contexto histórico em que novas seitas que

estavam aparecendo, mesmo ainda não reconhecidas, eram vistas de forma preconceituosa

pelas famosas religiões universais.

Pensando na realidade brasileira: “Entremos, porém no mais vivo das difficuldades. E'

exacto que já existem na população brasileira grupos tão consideraveis pertencentes a outros

credos? Se assim é deveremos viver socialmente uns ao lado dos outros, em bôa harmonia.”

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(FRANCA, 1931, p. 154). Viver em “boa harmonia” com a diversidade escolar no sentido de

uma adaptação saudável à vida coletiva seria a não imposição religiosa.

É possível entender que para Franca, no que tange à discussão dos aspectos sociais

dado pela presença do ER nas escolas, a “alma” seria relacionada aos valores morais do ser

humano. Teria o ser humano como medida de valor a moralidade? “A medida do valor moral

do homem será também a medida de suas prestações sociais.” (FRANCA, 1931, p. 27). Para

ele, a educação moral, especialmente das crianças, tem resultado com a religião, sendo as

religiões um “estímulo moral”. Portanto, estas estimulam as prestações sociais e assim

permitem o exercício de uma boa cidadania e de colaboração com a sociedade. Neste sentido,

Franca acredita que formar com princípios religiosos seria a formação que restauraria

moralmente a sociedade: “(…) É preciso restaurar moral e religiosamente o Brasil.”

(FRANCA, 1931, p. 158).

Neste sentido, a educação católica seria aquela que, para Franca, faria este papel de

restauradora dos princípios morais da sociedade, que não ignoraria a religião, educaria para a

vida e mais do que isso:

(...) O Christianismo em particular foi definido como um systema complexo de repressão de todas as tendencias más. Merecimento especial seu, pelo qual se oppõe as (sic) religiões antigas, é o de prevenir as determinações más da vontade, combatendo-as no seu primeiro germe, “o desejo” e mesmo a “idea”. (FRANCA, 1931, p. 44).

Esta seria a forma de uma educação que, para Franca, organizaria externamente a

sociedade, por intermédio da educação interior das almas.

Dentro do que foi apresentado sobre as ideias de Leonel Franca, podemos incutir

alguns questionamentos importantes:

Primeiramente em relação ao Estado Laico, tomando o exemplo da França com a realidade

das seitas: O espaço laico realmente abriria espaço para estas seitas, violando direitos

sagrados? Ele não poderia dar espaço a outras crenças? Se ele se propôs laico, não pode

entender que existam crenças melhores que outras. Quais seriam estes direitos sagrados e

violados? E de qual religião? Provavelmente daquelas que detêm um domínio maior.84 No

caso da França, a questão é melhor observada, pois ao longo dos anos 1980 e 1990, as seitas

eram denominadas como um risco social à formação da juventude francesa.85

84 Estas questões não serão aqui discutidas, porém podem ser melhor aprofundadas em um novo trabalho. 85 Uma política de prevenção as seitas foi promovida pelo Estado francês, principalmente em instituições sociais

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Podemos pensar, ao longo do texto de Franca, sobre a relação da pluralidade religiosa

e educação. No caso do Brasil, que possui uma vasta pluralidade religiosa, esta educação

precisaria garantir que todos pudessem ter sua liberdade atendida, tanto faz se são judeus,

ateus, maçons ou de qualquer outra confissão. E, por exemplo, se um judeu quiser dar

continuidade a sua crença na escola? E aqueles que são religiosos e não têm condições e

acesso a uma escola confessional? Também podemos fazer alguns questionamentos acerca

dos valores religiosos “que restaurariam moralmente” a sociedade e estimulariam as

prestações sociais: e os que não têm religião, não seriam eles também propensos a ajudar a

sociedade? Necessariamente, a religião é que permite estabelecer uma preocupação do

homem e da mulher com a sociedade?

Franca diz que a organização da sociedade e, de certa forma, a vida coletiva, se dá a

partir da “formação das almas” dos alunos. Sendo assim, levantamos outros questionamentos:

não estaria um homem ou uma mulher sem religião com a alma “bem formada”? Como

formar as almas? É possível formá-las? O que entendemos por alma? A escola confessional

católica o faz de forma adequada? Estas questões que fazem parte da discussão sobre

educação católica, sua formação religiosa e Estado laico, emergiram ao longo da leitura do

texto de Franca.

Dentro desta discussão sobre educação pelo viés católico, encontramos, mais à frente

de Leonel Franca – a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que elaborou

documentos importantes relacionados a este tema e relevantes para o trabalho como veremos

no próximo capítulo.

2.1.3 Educação católica e a CNBB

No Brasil, a CNBB tem se pronunciado diante dos desafios da Educação, e vem oferecendo elementos não apenas para reflexão, mas também para um posicionamento definido e uma prática condizente com nossa fé. (MOURA, 2000, p. 207).

Dentro das discussões acerca da educação iremos abordar neste tópico a CNBB – que poderiam ser alvo destas seitas, as ligadas a formação da juventude, e a escola pública francesa, republicana e laica sendo ameaçada por um “guru” foi um grande dilema. Para maior compreensão desta questão, ver Birman, Patrícia. Laços sem nós: vida familiar, valores comunitários e percursos religiosos, in Família e Religião (Duarte, L. F. D.; Heilborn, M. L.; Lins de Barros, M.; Peixoto, C. – orgs.). Rio de Janeiro: Contra Capa, 2006.

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Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – que é uma instituição da Igreja Católica

congregadora de todos os Bispos em comunhão com a Santa Sé e que exerce um ministério

pastoral no Brasil e/ou tem domicílio canônico no país (CÂNDIDO, 2002) – e suas relações

com as diretrizes das escolas católicas e estrutura legislativa voltada para a educação no

Brasil.

A CNBB é criada em 1952 por Hélder Câmara e aprovada por Mons. Giovanni

Montini. A ideia e os planos para sua organização nasceram de um diálogo entre os dois:

(...) Os objetivos de D. Helder ao fundar a organização eram dois: nunca houvera uma coordenação nacional da Igreja, além da que podia ser efetuada por uma personalidade forte como a de Dom Leme, e a necessidade dessa coordenação se tornara urgente com a rápida expansão das dioceses, ocorrida em princípios da década de 50; e achava ele que uma organização nacional como a CNBB animaria a instituição toda a tomar um interesse ativo na mudança social. (BRUNEAU, 1974, p. 200).

Os bispos que faziam parte deste primeiro grupo,estavam atuando em programas

sociais em suas dioceses, até mesmo realizando um balanço dos problemas do país.86 A

CNBB, como coloca Bruneau, pode funcionar e se desenvolver porque estava separada das

estruturas tradicionais da Igreja.87 Mas demanda tempo para organizar-se efetivamente. Um

passo importante se deu em 1962, o Plano de Emergência, que tinha como uma grande meta a

reforma dos educandários. (GARCIA; CAPDEVILLE, 2001). Assim também o Plano de

Pastoral de Conjunto88 (1966-1970) que “(...) procurava chegar à presença transformadora no

mundo, à ação social, à educação. (…) Nasce a Pastoral Orgânica pós conciliar, cujos

objetivos depois de 1970, serão apresentados em seis linhas de ação. Ocupar-se-á da educação

a linha seis.” (GARCIA; CAPDEVILLE, 2001, p. 167).

Podemos, desde o início, perceber que esta organização fez e faz parte das discussões

e decisões tomadas acerca da educação católica. Em seus vários documentos importantes,

podemos encontrar orientações gerais que trazem propostas para a educação, especialmente a

86 Uma das preocupações iniciais da CNBB foi com o aumento das favelas nos centros urbanos do sudeste, resultado da falta de desenvolvimento na área rural. Essa percepção levou os bispos a buscarem uma parceria com o Estado para melhorar essa situação. (AZZI, 2008). 87 Quer dizer, a CNBB não se ajustava bem ao sistema tradicional, mas a sua invasão na autoridade dos bispos era tolerada porque estes sentiam a necessidade de uma resposta a fim de afirmar a “posição da Igreja” em questões sociais e políticas. (BRUNEAU, 1974). 88 “O Plano de Emergência caducou em 1964 e foi substituído pelo Plano da Pastoral de Conjunto como continuação lógica que apresentava elaboração e aperfeiçoamentos. Era um Plano de cinco anos, prescrevia a divisão do país em 13 regiões, estipulava um extenso programa de pesquisa através do CERIS, para descobrir os problemas sociais e religiosos, e através das seis linhas mestras de ação, visava à renovação total da Igreja do Brasil a imagem do Vaticano II. (BRUNEAU, 1974, p. 250).

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católica, ideias e objetivos de como ministrar aulas de Ensino Religioso aos adolescentes, de

como trabalhar com a pastoral escolar, de como estabelecer os propósitos de uma educação

que vise à formação integral dos jovens, além de revelar aquilo que a Igreja Católica entende

por educação. Conforme colocado no próprio Concílio Vaticano II:

E por isso que o S. Sínodo emite a declaração sobre alguns princípios fundamentais da educação cristã – em particular nas escolas – princípios que deverão ser amplamente desenvolvidos por uma Comissão especial pós-conciliar e aplicados pelas Conferências dos Bispos às diferentes condições regionais.89

O Concílio Vaticano II também se detém no exame de pontos fundamentais na questão

da educação90, cuidando da fixação clara daqueles a quem incumbe o dever de educar e

afirmando que a presença da Igreja manifesta-se de modo particular por meio da escola

católica. (GARCIA; CAPDEVILLE, 2001). Vale lembrar que se afirmou na América Latina o

que foi atribuído nesse Concílio nas reuniões e discussões realizadas em Medellín no ano de

1968, quando se inseriu nos documentos oficiais que “a educação era o meio chave para

libertar os povos”. Pensando na situação em que vivia a América Latina na época, com um

sistema de injustiças e opressão, a proposta de uma educação libertadora mostrava-se

inovadora. Também para as escolas católicas, recomendando a democratização da escola

católica. (GARCIA; CAPDEVILLE, 2001).

Como visto anteriormente, a Igreja Católica inserida na história brasileira viu-se no

dever de educar, tendo em vista a evangelização e compreendendo a escola como um

ambiente que também “forme as almas”, como falava Franca (1931). A Igreja seguiu com este

trabalho nas reuniões da CNBB e na elaboração de seus documentos. Neste trajeto, suas

propostas como a da educação libertadora, visavam à transformação das estruturas da

sociedade e atingem a esfera política, discordando do Estado.91

A relação da CNBB com o Estado teve momentos favoráveis e desfavoráveis, de apoio

ou de contrariedade às suas vontades educacionais. Esses elementos podem ser percebidos no

apoio à disciplina do Ensino Religioso nas escolas públicas, na assistência do Estado às

89 Vaticano II - Coleção de textos conciliares- Ensino, educação, cultura. Ed. Vozes, 1968. 90 “Uma das finalidades do Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII, era ajustar melhor as Instituições da Igreja às necessidades de nosso tempo”. (Documentos da CNBB, 85, § 11) E a escola católica não fica de fora deste contexto e é atingida por todo movimento de renovação da Igreja, a partir do Vaticano II. 91 A Igreja se colocava presente na educação e na preocupação com os problemas sociais, especialmente na dos menores abandonados. Tendo em vista que em 1975 os problemas sociais como o do menor aparecia pela primeira vez nos planos da CNBB e no Encontro Nacional da Pastoral junto ao menor desamparado. Neste encontro a maioria de participantes era de religiosos que se dedicavam à educação. (AZZI, 2008).

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escolas católicas, em membros da Igreja que apoiavam o governo e suas medidas educativas.

Neste caso, encontramos grupos como a CNBB e o grupo da TFP – Tradição, Família e

Propriedade, conforme foi explicitado no primeiro capítulo, que divergiam quanto à parceria

com o regime militar.92

Partimos do exemplo dos estudos da CNBB nº 6: Igreja e Educação – perspectivas

pastorais, do ano de 1977, em que se mostram bem interessantes a discussão do adolescente

face ao Ensino Religioso e os motivos de seu desinteresse pela religião. Também aparecem

questões que se colocam acerca do processo educativo nas escolas católicas com as pastorais

e o Ensino Religioso.

Tal processo educativo nas escolas católicas, como posto no documento, tem a

finalidade de uma “educação global do homem” e não pode ser atingido só com a instrução.93

Também deve pautar-se nos “(...) valores que caracterizam a civilização de nosso tempo: o

senso do coletivo e do universal, o desejo de justiça e paz, o respeito às pessoas e às

categorias sociais menos desenvolvidas, a liberdade de consciência, o anseio de promoção, a

força dos grupos e o interesse pela criatividade.” (CNBB, 1977, p. 26). Valor é algo existente

na concepção de alguém, ou seja, é um conceito a ser trabalhado com cuidado, mas

basicamente é relacionado a um bom relacionamento social que pense no bem estar coletivo.

Algo passível de discussão é este anseio de promoção enquanto valor que caracteriza a

civilização do nosso tempo: seria a busca de ascensão social? Buscar sempre melhorar

enquanto pessoa? Ansiar por uma promoção é algo presente na sociedade capitalista, mas

como considerar este aspecto um valor? A escola católica, quando mencionada no documento

da CNBB – nº 6, tem como propósito:

(...) em nome da fé que os cristãos devem estar presentes em todos os setores da educação (...) e apresentar, ao meio educativo, a imagem de homem que o Evangelho oferece. É desse modo que eles contribuem para uma presença da Igreja nas instituições culturais e, singularmente, na escola. (CNBB, 1977, p. 18).

Desta forma, a escola seria assim um cumprimento de “educação da fé”, dando

testemunho do que a Igreja Católica considera como “verdade”. A educação cristã seria

cumprimento do que a comunidade eclesial concebe como verdade e acredita. Desta forma, a

92 Não iremos abarcar a questão do apoio da Igreja ao governo militar neste trabalho. Podemos conhecer no primeiro capítulo da tese o grupo da TFP e sua relação com os Arautos do Evangelho. 93 A diferenciação entre educação e instrução já havia sido feita por Leonel Franca (1931).

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escola estando aberta à sociedade, corre riscos e enfrenta a pluralidade religiosa94, tendo a

necessidade de estabelecer aos não católicos um ER e atividades escolares que não

monopolizem o catolicismo. Porém, encontramos no documento que:

Para os alunos não católicos (sic) a escola católica representa um serviço da comunidade católica. (...) O respeito à liberdade das convicções religiosas e de suas opções pessoais, que se impõe especialmente no caso de alunos não-católicos, é sem dúvida, um valor evangélico e um valor humano fundamental. (...) No respeito pleno desta liberdade, a escola católica apresenta um testemunho evangélico cujo valor até os não crentes percebem e que, de modo discreto, mas real, prepara o anúncio explícito da mensagem cristã. (CNBB, 1977, p. 26-27).

Se entendermos o respeito à liberdade religiosa como valor especificamente

evangélico, estaremos colocando as outras religiões não evangélicas como desrespeitosas à

liberdade religiosa. Pode-se afirmar que as demais religiões ou os não religiosos não

respeitam a liberdade de outras? Sendo um valor humano, pressupõe-se sua existência na

diversidade religiosa do ser humano. Ainda neste parágrafo do documento, presume-se que a

escola cumpra este respeito à liberdade religiosa, mas que de modo discreto anuncie a

mensagem cristã, o que nos permite considerá-la catequética, e assim sendo no ER (e em

outros espaços também) corre-se o risco de que a liberdade religiosa dos alunos não aconteça.

Neste sentido, é importante conhecer o contexto em que se encontrava o ER na década

de 1970 para compreender esses documentos da CNBB e como se inseria neste quadro, por

exemplo, a LDB – Lei de Diretrizes e Bases em 1971, que aponta a inclusão da Educação

Moral e Cívica além do ER facultativo. Podemos considerar que o período que se segue à

publicação da Lei 5692/7195 foi o de maior mobilização em torno da disciplina em questão,

no que se refere à implementação e sua consequente operacionalização nas escolas públicas.

Um renovado interesse é despertado em consequência da nova situação do ensino religioso na

legislação: as décadas de 1970/1980. Neste período de ditadura militar do governo Médici, há

uma mudança, pois passam a funcionar encontros nacionais do Ensino Religioso, o ENER,

em 1974, em que professores e pesquisadores podiam discutir a questão do ER.

Neste quadro de amplitude que toma a discussão do ER, a preocupação da CNBB 94 Grande é o desafio da educação para vivência da unidade na diversidade, fundado na diversidade, fundada no princípio de que todos são irmãos e iguais em dignidade. (Documentos da CNBB 94, § 98). 95 “A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, elaborada, em curto prazo, é sancionada, em 11 de agosto de 1971, sob o nº 5692 (...) Art. 7º – Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus observado quanto à primeira o disposto no decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969.” (FIGUEIREDO, 1999, p. 129) em que o Ensino Religioso facultativo era disciplina dentro dos horários normais para 1º e 2º graus.

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acerca da ação dos católicos nas escolas e a busca de continuar na escola católica a missão

evangelizadora se fazem presentes nos documentos. Pensando inclusive na manutenção da

escola católica, pois alguns elementos têm trazido problemas e fechamento de algumas

escolas. Alguns deles advêm de questões financeiras, outros da necessidade de revisão da

prática educacional da Igreja e adequação aos novos tempos. (Documentos da CNBB nº 63,

1992). Lembrando também a concorrência de outros ensinos:

De um modo geral, a crise da escola católica, enquanto empreendimento lucrativo, capaz de sustentar uma auto-expansão (sic) em termos de rede, esteve e está estruturalmente comprometido desde que a Igreja, como agência autônoma do Estado, e vendo cada vez mais reduzida a margem de negociação política que lhe garantia isenções e subsídios, não tem como acumular recursos próprios para investir e enfrentar a concorrência quer do ensino estatal, quer do ensino privado não confessional. (Estudos da CNBB nº 63, 1992, p. 86).

A observação da diminuição de alunos e alunas nestas escolas católicas revela estas

questões e aparece nos estudos da CNBB:

No Brasil, nesses últimos dez anos, muitas escolas particulares tradicionais e bastante conhecidas estão sendo fechadas. Outras caminham para a extinção, transformando-se em escolas superiores ou suprimindo as séries iniciais de seus cursos. (...) Quase todos os estabelecimentos particulares tem carteiras vazias e menos alunos em seus pátios. (CNBB, 1977, p. 13).

Tudo isso pela expansão do ensino público. Para a CNBB, “agrava a crise o

despreparo de grande número de educadores religiosos que não se sentem em condição de

enfrentar as exigências culturais de um mundo moderno secularizado.” (CNBB, 1977, p. 14).

Ou seja, a formação de educadores passa a enfrentar necessidades, não sendo tão diferente dos

dias atuais, como o de inovar-se frente ao pluralismo cultural e aos avanços dos meios de

comunicação, que fazem parte da sociedade e, consequentemente, da educação. Pluralismo

que atinge também a própria demanda de professores e professoras na escola católica:

Expressiva parte desse professorado nem ao menos é católica, nem ao menos afinidade com o catolicismo lhe era exigida para ingressar em escolas católicas. Bastava que soubesse transmitir o conteúdo das disciplinas para que fora contratada. (…) Incapacidades políticas circunstanciais, ou estruturais, de conceder, de parte a parte, tornam esse professorado muito pouco afeito à defesa incondicional da estrutura atual da escola católica. (Estudos da CNBB nº 63, 1992, p. 92).

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Como preparar esses educadores? E estes, como buscam esta preparação? Tais

questões fazem parte daquilo que as escolas católicas verificam para não se mostrarem

estranhas à sociedade que as rodeiam. Mesmo assim, a questão da afirmação de sua

identidade religiosa se mostra nas pastorais e, em algumas, no Ensino Religioso.96

E os professores de ER, frente aos adolescentes (da época de 1977, do qual o

documento é datado), encontram exigências maiores, colocam outras matérias à frente das

“aulas de religião”, não se interessando por essas aulas, porque estas se mostram

“insignificantes”, “inexpressivas”, “que nada lhes dizem.” (Documentos da CNBB nº 6, 1977,

p. 45). Será que as aulas de religião se mostraram desta forma para os adolescentes? Podemos

relacionar desinteresse pelas mesmas com o desinteresse pela religião? E como fazer para que

estas aulas, atualmente, se mostrem diferentes destas características? Estas perguntas não

serão respondidas neste trabalho, mas podem ser pontos de partida para novas pesquisas.97

Podemos compreender que o Ensino Religioso, sendo não confessional, fez as escolas

católicas pensarem em como garantir sua confessionalidade, questionando-se sobre vários

elementos como formação de professores, desinteresse dos alunos pela religião e aulas de

religião, preocupações que se mostram no documento nº 6 da CNBB.

É importante constatar que há uma evolução e posicionamento da Conferência em relação à matéria. Num primeiro momento, o ensino religioso é considerado como parte integrante da catequese, estando ligado ao setor bíblico-catequético. A partir da década de 80, o ensino religioso é ligado à dimensão sócio-transformadora, onde está o setor educação, e recebe a titulação de um setor ligado a linha de atuação da CNBB. (CÂNDIDO, 2004, p. 35).

Como bem lembra Cândido, a CNBB sempre se manteve na discussão sobre o ER e

realizava seus encontros nacionais, os ENERs – Encontros Nacionais de Ensino Religioso, de 96 No Colégio Arautos do Evangelho a afirmação de sua identidade católica se aplicou no ER, nos momentos de oração e missas. Porém, frente à CNBB encontramos em seu documento que: “As congregações docentes precisam, entretanto, se empenhar para que, em suas escolas, não se apresente uma imagem de Igreja estranha, fora do tempo, alienada ou comprometida com valores duvidosos, tais como riqueza, poder, isolamento.” (CNBB, 1977, p. 22). Trazendo estas necessidades postas pela CNBB para o Colégio Arautos, podemos pensar em seus valores e formas de atuação. Quanto ao grupo dos arautos, estes descendem da TFP Tradição, Família e Propriedade, que valorizava a tradição, o que nos remete à interpretação do que foi chamado “fora do tempo” no documento da CNBB. Abordamos este assunto no 1º Capítulo da Dissertação. 97 De início, é necessário compreender que existe a individualidade de cada aluno frente ao interesse pela disciplina, e este pode acontecer por muitos fatores. A relação que possamos fazer entre interesse religioso e interesse pelas aulas de religião pode eventualmente estar acerca do conceito de secularização (a que não iremos nos ater neste momento).

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forma que as questões levantadas nos documentos não ficavam somente ali, mas integravam

professores, mostrando assim um acompanhamento, mesmo antes de 1980, mantendo um

discurso catequético.

Enquanto Instituição que esteve se pronunciando diante dos desafios da educação, a

CNBB elaborou o documento número 41, em 1986, que se mostrou inovador para MOURA

(2000): Para uma pastoral da educação. Nesta pastoral: “(...) se oferecia como um espaço no

qual os educadores cristãos pudessem, juntos em comunidade, descobrir formas de

evangelizar nos (sic) e através dos processos educativos, principalmente na escola.”

(MOURA, 2000, p. 207).

Neste sentido, a importância dada pela CNBB à missão de educar perdura em seus

documentos, inclusive no de nº 47: “Educação, Igreja e Sociedade”, aprovado em 1992, em

que se discutem os problemas educacionais em nosso País e os posicionamentos e propostas

da Igreja para melhoria da educação. Encontramos neste documento, como preocupação da

CNBB, os dados de repetência e acesso à educação por todos, bem como o apoio e o

encorajamento para “os que assumem a vocação de educar, para que levem adiante seu árduo

trabalho e se empenhem em oferecer os valores do Evangelho, na vasta rede de ensino oficial

e particular”.98

Percebe-se que o oferecimento dos valores do Evangelho para a CNBB é algo que

deve estar contido na educação. Portanto, podemos compreender que a escola católica é marca

da Igreja no setor da educação. A questão socioeconômica, especialmente no que tange

àqueles alunos mais carentes e mais pobres, além de uma adequação da escola à realidade

deles são elementos também postos como problemas enfrentados pela educação. Pensar nesta

adaptação da escola à realidade de seus alunos é algo que envolve a dinâmica social e cultural,

e toda vivência e conhecimento que vêm com estes alunos devem ser valorizados.

Como o próprio documento coloca, é necessário ter a educação como uma urgência

nacional. Neste diz-se que a Igreja considera, desta forma, que a educação católica tenha valor

social e potencialidade pastoral das instituições católicas, especialmente aquelas instituições

“que se empenham em expressar na prática a sua identidade evangélica, confessional,

comunitária ou filantrópica”99, formando para a solidariedade humana, para a cidadania

“através da luz da fé e da vivência cristã.” Para a CNBB é urgência nacional, pois é preciso

observar quais as características que estes educandos e jovens estão possuindo na atualidade, 98 O documento está disponível no site: http://www.cnbb.org.br/site/component/docman/cat_view/134-documentos-cnbb?start=40 Acesso em: 14 ago. 2011. 99 O documento está disponível no site: http://www.cnbb.org.br/site/component/docman/cat_view/134-documentos-cnbb?start=40 Acesso em: 14 ago. 2011.

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suas mudanças devido ao uso cotidiano da Internet e dos meios de comunicação. Desta

forma, as práticas e as concepções de evangelização devem se adaptar à sua época para um

relacionamento com os jovens.100

Para tanto, pode-se pensar nestas preocupações educacionais com os jovens por meio

das formas como a escola católica trabalha com estes elementos. Um deles se dá pelo Ensino

Religioso. Não somente ele, mas todas as ações no ambiente escolar com estes jovens, como

os momentos de pastoral, missas, orações.

Percebemos o Ensino Religioso, no contexto das escolas católicas e nos textos

elaborados no documento nº 47 da CNBB, como um momento importante dentro da escola.

Compreendemos igualmente que a disciplina faz parte do conjunto de conteúdos que os

educandos possuem na escola católica, que objetiva uma educação integral101. A diferenciação

a ser feita, especialmente em relação às escolas da rede oficial102, é o Ensino Religioso não

sendo catequese, diferente das primeiras escolas confessionais. E neste sentido, pensa-se em

uma disciplina de Ensino Religioso não como catequese, mas como uma proposta já dada pela

CNBB, que é pelo viés interconfessional. Desta forma, a CNBB coloca que a liberdade do

aluno deve ser garantida na legislação e de forma interdisciplinar.

A educação católica e o Ensino Religioso possuem relações relevantes, que devem ser

compreendidas, tendo em vista a atuação da Igreja na participação das discussões sobre o

Ensino Religioso e os meios como a escola insere a disciplina em seu currículo. As escolas

católicas possuem formas diferenciadas de aplicar o Ensino Religioso, e a proposta das

Ciências da Religião acrescenta um novo caminho a esta disciplina. É possível então traçar

um panorama destes tipos de Ensino Religioso para compreender suas aplicações e possíveis

problemas e vantagens em aplicá-lo. Faremos isto ainda neste capítulo.

100 Isto é o que propõe a CNBB em seu documento 85 de 2007,§ 12: “Nas últimas décadas, ao lado da cultura moderna vem-se fortalecendo a cultura pós moderna. (…) Constatam-se mudanças no cenário, grande velocidade e volume da informação, rapidez na mudança do cotidiano por parte da tecnologia, novos códigos e comportamentos. Devido à globalização e ao poder de comunicação dos meios eletrônicos, essas mudanças vêm penetrando fortemente no meio juvenil.” Disponível no site :http://www.cnbb.org.br/site/component/docman/cat_view/134-documentos-cnbb Acesso em: 16 ago. 2011. 101 Os objetivos educacionais se encontram no documento da CNBB nº 47. 102 Existem casos diferenciados de aulas de Ensino Religioso na rede estadual em diferentes estados brasileiros. Como no Rio de Janeiro de caráter confessional e São Paulo de caráter ligado à história das religiões.

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2.1.4 Educação católica e o Colégio Arautos do Evangelho Internacional: parâmetros

dados pela CNBB?

A escola católica constitui uma marca da Igreja no setor da educação. Seu objetivo, como o das outras escolas, é de ordem cultural e pedagógica. (Documentos da CNBB nº47, 1992).103

Após a discussão da importância da CNBB para a educação católica, podemos

relacionar seus escritos com as propostas educacionais colocadas pelo Colégio Arautos do

Evangelho Internacional. Sendo assim, uma escola confessional católica tem importância aos

olhos da CNBB, pois: “A escola católica constitui uma marca da Igreja na educação. (...) O

que tem de próprio é que busca criar um ambiente escolar caracterizado pelo espírito

evangélico de liberdade e de amor para ajudar os educandos a crescerem juntos.”

(Documentos da CNBB, 1992, nº47). E estas escolas católicas têm o apoio da CNBB: “A

Igreja reconhece o valor social e a potencialidade pastoral das instituições educacionais

católicas e apoia decididamente aquelas que se empenham por expressar na prática a sua

identidade evangélica confessional, comunitária ou filantrópica.” (Documentos da CNBB,

1992, nº 47).

Um destes colégios católicos é o Colégio Arautos do Evangelho Internacional,

localizado na Granja Vianna - SP. A instituição iniciou suas atividades em 2005 e finalizou-as

no ano de 2010.104 Ela possuía elementos educacionais que remetem aos objetivos da

educação católica no Brasil postos pela CNBB.

Primeiramente, um destes elementos se deu na inauguração do Colégio, com uma

missa realizada no dia 29 de janeiro de 2005 por Dom Cláudio Hummes.105 Este salientou

que: “Esta nova escola se propõe ser uma nova escola católica, portanto, com esse diferencial

forte, com esse acréscimo maior, que vai além das ciências humanas e tecnologias

humanas”.106 Dizendo também que ali seria realizado um trabalho de educação católica, um

colégio que estava “se inserindo no mundo para dar boa doutrina, transformando em cultura

103 Disponível em: http://www.divinoespiritosanto.org/cnbbdoc47.htm Acesso em: 02 mar. 2012. 104 A preocupação com a escola católica e o índice de fechamento destas está inserida em documentos da própria CNBB e presente nas estatísticas realizadas pelos órgãos ligados à Igreja como a ANAMEC e CERES. Demonstrando assim que, da década de 1990 para 2004, houve uma diminuição do número de matrículas e também de escolas. Maiores informações na pesquisa da ANAMEC/CERES, Censo das Escolas Católicas no Brasil, 2006. 105 Na época, arcebispo metropolitano de São Paulo e hoje prefeito da Congregação para o clero. 106 Disponível no site oficial dos Arautos: http://www.colegioarautos.com.br/artigo/18191/Historia.html Acesso em: 28 out. 2011.

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sua própria fé”.107 Desta forma, fica claro que a finalidade é a formação católica.

Podemos encontrar a forma de organização e a proposta educacional do Colégio

Arautos do Evangelho Internacional no plano escolar da escola. No ano de 2010, realizamos a

leitura de seu plano escolar e identificamos o seguinte enfoque pedagógico: “O Colégio

Arautos do Evangelho tem por objetivo precípuo o resgate e a consolidação dos valores que a

sociedade reconhece como fundamentais para o exercício da cidadania e que estão

consubstanciados nos princípios da LDB 9394/96, no ECA e no carisma da Igreja Católica”

(PLANO ESCOLAR, 2010, p. 4).108 Desta forma, os objetivos de resgatar os valores católicos

e de integrar o corpo docente ao carisma específico dos Arautos do Evangelho são elementos

importantes enquanto propostas educacionais. E o estudo da religião na escola concretiza a

busca destes objetivos: “O estudo da religião visa antes de tudo reavivar na criança e no

adolescente o sentido do maravilhoso, que o (sic) faz procurar em todas as coisas o belo, o

bom, o verdadeiro.” 109

No documento da CNBB nº 47, observamos que o estudo da religião:

Em grande parte das escolas católicas, o ensino religioso, dentro de uma dimensão antropológica visa dar ao aluno uma formação básica, social e religiosa cristã, não se limitando a aulas sistemáticas, mas perpassando toda a atividade educativa da escola. A escola católica enfrenta os desafios que a cultura coloca a fé. O ensino religioso ajuda os estudantes a conseguir a síntese entre fé e cultura, que é necessária ao processo de sua maturação na fé. (Documentos da CNBB nº47, 1992, p. 28).110

Esta ligação, fé e cultura no Ensino Religioso, existia no Colégio Arautos do

Evangelho Internacional. Acrescenta-se ao Ensino Religioso o carisma dos arautos: o belo, o

louvor à Virgem Maria. Também observamos uma abertura para participação de alunos e

alunas que não são católicos nas aulas, enfatizando em seus objetivos que não se está

buscando a conversão destes:

107 Disponível no site: http://www.colegioarautos.com.br/artigo/18191/Historia.html Acesso em: 28 out. 2011. 108 Pude somente realizar a cópia à mão do documento. 109 Disponível no site: http://www.colegioarautos.com.br/artigo/18469/Ensino-Religioso.html. Acesso em: 29 dez. 2010. 110 Perpassa toda a atividade educativa da escola porque: “Neste clima de abertura e de serviço, o ensino não será um mero fato técnico, mas um encontro de pessoas, no qual os professores respeitam o pluralismo dos dons e a originalidade de cada aluno.”(Estudos da CNBB, nº 47, p. 27) E desta forma “a escola pode também ser considerada sob o perfil da colaboração e (embora em modo decrescente) sob o aspecto de convivência.” (Estudos da CNBB, nº 47, p. 51) Disponível em:http://www.catolicanet.com/pub/publicacoes/58b95f3145f5f9ee486b06b536daf18c.pdf Acesso em: 07 nov. 2011.

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O curso comporta em sua realidade alunos de diversos credos, por isso a finalidade não é converter ao catolicismo quem a ele não pertença. Mas as aulas e as dinâmicas de ensino da matéria de religião serão aplicadas de tal maneira que preencha os anseios de conhecimento e espiritualidade mesmo naqueles crentes de outras denominações religiosas.111

Tendo em vista a diversidade de credos nas aulas, tem-se como objetivo preencher os

anseios de espiritualidade112 dos jovens e adolescentes presentes no Colégio Arautos do

Evangelho Internacional. Estes anseios realmente existem e como podemos identificá-los?

(Estas questões não serão aqui respondidas, porém emergem das propostas educacionais aqui

explicitadas e podem ser melhor aprofundadas).113

A questão da pluralidade religiosa nas aulas de Ensino Religioso também é explicitada

nos documentos da CNBB, evidenciando que: “O respeito à liberdade religiosa do aluno

deverá encontrar a indispensável garantia na legislação, nas escrituras e programas das

escolas.” (Documentos da CNBB nº 47, 1992, p. 75).114 E ainda estabelece que a valorização

religiosa do educando deve ser levada em conta:

O ensino religioso escolar visa à educação plena do aluno, a (sic) formação de valores fundamentais através da busca do transcendente e da descoberta do sentido mais profundo da existência humana, levando em conta a visão religiosa do educando. O ensino religioso deve encaminhar os alunos para a respectiva comunidade de fé, onde nas Igrejas cristãs se dá a evangelização, através da catequese, da celebração, da prática e da vivência religiosa. (Documentos da CNBB no. 47, 1992, p. 74).116

Nas escolas católicas, a disciplina pode ter caráter distinto: interconfessional ou

confessional. No caso do Colégio Arautos do Evangelho Internacional, assim como posto nos

111 Disponível no site do Colégio Arautos: http://www.colegioarautos.com.br/artigo/18469/Ensino-Religioso.html Acesso em: 06 dez. 2010. 112 Os anseios de espiritualidade de uma forma não atrelada à religião, mas sim a uma espiritualidade diferenciada, como a ateia é proposta por autores como Sponville. Esta busca de “preencher” anseios de espiritualidade e atribuir espiritualidade somente à religião, esquecendo de quem não pertence a nenhuma religião é discutida por ele. Possivelmente os jovens podem ter algumas angústias, incertezas que precisam ser levadas em conta, porém, estes não cabem ser resolvidos somente por alguma religião ou através de aulas de ER. Seria então dever da escola educar a espiritualidade do aluno? Como fazê-lo? Para maiores informações ver SPONVILLE, André Comte. O espírito do ateísmo. Introdução a uma espiritualidade sem deus. Ed. Martins Fontes, 2007. 113 Neste sentido, o Colégio Arautos revelou alguns destes aspectos dentre seus alunos e alunas, inclusive alguns judeus, outros protestantes (como relatou o arauto e a direção do Colégio), outros católicos não praticantes. E neste sentido as conversas com alunos do 8º ano ajudaram bastante na compreensão destes dados, pois muitos se declaram católicos, mas não praticam (todos os alunos entrevistados do 8º ano), ou têm dupla pertença (o aluno anglicano e católico do 8º ano por exemplo). Alguns dados foram obtidos a partir de conversas com diretores. 114Também disponível no site: http://www.catolicanet.com/pub/publicacoes/58b95f3145f5f9ee486b06b536daf18c.pdf Acesso em: 14 nov. 2011.

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estudos da CNBB nº 6: “proporciona um fortalecimento da fé” e “anuncia a mensagem

cristã”. Evidenciamos algumas destas informações nos planos de ensino do professor de ER

do Colégio Arautos do Evangelho Internacional, que se diferencia entre as diferentes salas.

No objetivo inserido do plano do 9º ano: “Despertar no aluno o interesse pelo conhecimento

de Deus, apresentando ao educando temas como o belo, o bom, a fé, a família, a amizade, a

origem do mundo, a origem da vida, a ciência, os caminhos da razão para Deus”.115 Há, neste

sentido, o anúncio da mensagem cristã, inclusive a presença de estudo sobre a vida dos santos,

textos bíblicos sobre a Criação, os símbolos da Bíblia.

Também observamos os interesses de uma escola católica no objetivo do professor de

ER no 8º ano: “Despertar o interesse pelo conhecimento de Deus, apresentando ao educando

temas como a fé, a amizade, a solidariedade, para que ele descubra valores que o levem ao

crescimento como pessoas cristãs.” Este objetivo reforça aquilo que está presente nos

objetivos do próprio Colégio Arautos do Evangelho Internacional, que seria o reavivar na

criança os valores cristãos, o belo, o bom, o verdadeiro como vimos anteriormente.

Estes objetivos da educação cristã não se colocam apenas nas aulas de Ensino

Religioso: “A aula de religião é apenas um momento dentro de um processo educativo que,

por si mesmo já deve ser evangelizador.” (Documentos da CNBB nº 6, p. 46). Permeiam

também outros espaços, através de símbolos, imagens como as de Nossa Senhora nas salas,

ritos como a missa e orações diárias. Alguns objetivos do Colégio são divulgados em um

vídeo postado no site do youtube116, que revela que o colégio tem como base o ensino da

religião católica. Coloca que a finalidade é despertar nos jovens os seus pontos fortes e

“formar homens e mulheres de bem”. Como diferencial se coloca a formação cultural e social

(aulas de música e eventos). Também pela primeira ação que o Colégio faz antes das aulas

cotidianas, que é a oração, “resgatando os valores cristãos” e de família.

Podemos perceber que uma característica que é evidenciada e posta pelo Colégio em

seus objetivos, e que também é visada pela CNBB é a valorização da espiritualidade e da

família. Em relação ao componente espiritualidade na educação, esta é considerada

importante não só pela escola, mas também pelos pais de alunos e alunas, pois compreendem

que, despertando a espiritualidade e a fé, se obtém a formação de um cidadão que valorize a

questão do respeito, use de solidariedade e de cooperação.117 Observando no Colégio Arautos

do Evangelho Internacional a proposta pedagógica que se refere à formação religiosa, 115 O plano de ensino se encontra nos anexos. 116 O vídeo de divulgação do Colégio Arautos se encontra disponível no site: http://www.arautos.org/tv/interna.html?id=575&title=Colegio+Arautos+Granja+Viana Acesso dia 12/1/2012. 117 Elementos explicitados em (D’AMBROSIO, 1997).

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percebemos a busca do resgate das convicções religiosas dos alunos e alunas:

Falta ao jovem ouvir falar de Deus e suas obras. Falta ouvir falar de Jesus e sua Santa Mãe intercedendo pelo gênero humano. Propõe a criação de uma coordenadoria especial para cuidar do Carisma religioso, é óbvio que se preocupa com a preservação dos valores/ ideais de sua criação. Porém mais importante é a possibilidade para resgatar as convicções religiosas, a prática da fé, o reconhecimento da graça divina. (PROPOSTA PEDAGÓGICA, 2010, p. 20).

Por conseguinte, é possível ver com nitidez que a preocupação da escola em relação

aos estudantes jovens se dá em resgatar a religião. Contudo, vemos na mesma proposta que

não é objetivo converter os alunos, mesmo que na escola haja momentos voltados à religião.

Apesar de não ter o objetivo explícito de conversão do alunato, existe um resgate da

convicção religiosa da escola, como acontece no recurso a figuras religiosas católicas, como

Jesus e Maria, o que não deixa de ter um caráter catequético. Enquanto Instituição

confessional, os pressupostos educacionais específicos que se constroem possuirão suas bases

religiosas e filosóficas.

Tais bases advêm do que já colocamos anteriormente, dos conhecimentos prévios do

aluno e da influência familiar. Pois também faz parte da educação a questão familiar.

Podemos então compreender a importância do componente “família” na educação dentro do

Colégio Arautos do Evangelho Internacional e também nos documentos da CNBB:

O acelerado processo de transformações pelo qual passa a sociedade brasileira trouxe a (sic) família inúmeros problemas de ordem econômica, social e ética, culminando em muitos lares com a desagregação familiar. Os pais passam a delegar toda responsabilidade educativa à escola, que por sua vez não encontra meios de envolver os pais para uma participação efetiva no processo educacional dos filhos. (Documentos da CNBB nº 47, 1992, p. 6).

A família é considerada um fator importante para a educação da criança118, e a CNBB

coloca que a desagregação familiar e a sua não estruturação se encontra mais acelerada na

sociedade brasileira atual119. Por essa razão, relembra que é importante encontrar algumas

118 A CNBB acrescenta ainda em seus documentos a mudança na participação da família no processo de socialização da criança: “A família, como fundamento da sociedade, é uma instituição para a educação das novas gerações. A socialização dos jovens se faz hoje em um espaço social muito mais complexo do que em outras fases históricas, nas quais a família era quase que a única agência responsável pelo processo da educação.” (Documentos da CNBB, nº 47, p. 46). 119 A CNBB, em seu documento nº 47, salienta que a socialização dos jovens se faz hoje de uma forma muito mais complexa do que anteriormente; porém, a família é imprescindível, pois configura a afetividade,

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saídas: “Há, todavia, por parte de muitos pais, a preocupação de encontrar saída para os

problemas educacionais da família. Neste sentido, lutam a associação de pais, as escolas de

pais, a pastoral familiar, os grupos de casais na Igreja.” (Documentos da CNBB nº 47,1992, p.

6).

Ao pensarmos então na criança e no “jovem de hoje” 120e seu modo de vida, vemos

que é bem diferente da época de seus pais, pois as diferenças ligadas às mudanças

tecnológicas121 possivelmente alteram o tipo de conhecimento a ser exigido de seus alunos e

alunas na escola. Também a escola católica pode buscar e adequar seus objetivos às mudanças

que vão ocorrendo na sociedade122 e, consequentemente, as exigências educacionais da época.

Pois a sociedade renova as condições de sua própria existência por meio da educação.

(DURKHEIM, 1967).

Ainda observando as propostas educacionais colocadas no plano escolar do Colégio

Arautos do Evangelho Internacional quando se refere aos objetivos da Instituição em relação

aos alunos, procura-se: 1.“fazer o aluno entender o carisma e a filosofia dos Arautos do

Evangelho, mediante a prática de pequenas atividades cotidianas;” 2. “resgatar e desenvolver

no aluno o gosto pelo estudo”; 3. “desenvolver seu espírito de trabalho.” (PROJETO

PEDAGÓGICO, 2010, p. 9). 1. As práticas utilizadas no cotidiano como as orações e as

missas que ocorrem naquele espaço mostram o que acreditam os Arautos; porém, um

momento específico para o conhecimento dos alunos sobre a filosofia dos Arautos e sua

história é raro, ao menos pelo que se pode constatar nas entrevistas feitas aos alunos do 8º

ano123. 2. Em relação ao gosto pelo estudo é possível referir-se ao que se pode observar nas

falas dos alunos sobre o não interesse na disciplina de ER (o não gostar do assunto,

valorização da disciplina de que mais gosta) e no que faz parte da discussão de educação

acerca das possíveis alternativas didáticas que incentivem uma maior atenção dos alunos e seu

personalidade, atitudes e aprendizagens sociais. E completa: “Surgiram novos agentes com poder de influenciar as novas gerações, tirando à família algumas de suas funções anteriores. Esses novos atores educativos não eliminam, no entanto, o influxo da família na configuração da vida e da atuação da juventude.” (Documentos da CNBB nº 47, 1992, p. 47). 120 Expressão utilizada por NOVAES, 2001. 121 No livro do censo das escolas católicas no Brasil realizado pela ANAMEC - Associação Nacional de Mantenedoras de Escolas Católicas do Brasil encontramos: “É necessário ter cuidado ao assimilar inovações, realizando-o na medida em que estas se harmonizem coerentemente com a tradição educativa da Igreja (novas tecnologias, teorias do conhecimento, técnicas de gestão etc.), sob pena de irremediável perda de identidade” (ALVES, 2006, p. 33) O diferencial da escola católica é a sua identidade confessional, e a preservação desta identidade também se enquadra no seu espectro pedagógico. 122Assim como posto no documento nº 6 da CNBB: “A escola não pode também hoje atingir seu objetivo sem estar atenta a certos valores que caracterizam a civilização de nosso tempo: o senso do coletivo e do universal, o desejo de justiça e paz, o respeito às pessoas e às categorias sociais menos desenvolvidas, a liberdade de consciência, o anseio de promoção a força dos grupos e o interesse pela criatividade”. (CNBB, p. 26). 123 As entrevistas serão melhor analisadas no terceiro capítulo.

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interesse pelo conhecimento. Porém, existem diversos fatores que englobam esse

desenvolvimento do “gosto” pelo estudo, dificuldades individuais como: a) dificuldades

psicopedagógicas; b) pais que não acompanham a vida escolar dos filhos; c) problemas de

sociabilidade e de normalização (a não organização e não aderência às normas). Enfim, buscar

resgatar esse interesse em estudar é algo que merece ser visto de forma individualizada e com

parceria dos pais ou responsáveis.

E, por último, 3. o desenvolvimento do espírito de trabalho, que é a preparação deste

para os desafios da vida e para o curso superior, que faz com que este aluno possa se

enquadrar às exigências que se colocam em nossa vida social. Neste sentido, um dos objetivos

da educação católica, pelo que se insere no plano educacional do Colégio Arautos do

Evangelho Internacional e pela CNBB, é não somente transmitir o conhecimento científico e

preparar para o vestibular. É também o preparo para a “vida”, abordando questões éticas e

morais.

A CNBB insere estas questões em seus estudos nº 6 sobre Igreja e educação, em que

estabelece que o ensino não será mero fato técnico, mas sim encontro de pessoas, no qual os

professores respeitam o pluralismo dos dons e a originalidade dos alunos, vivem entre estes

uma presença de testemunho, de educação e de evangelização graduais. (Estudos da CNBB nº

6, 1977, p. 27). Seria desta forma a escola um lugar de encontro de pessoas em que o

pluralismo fosse respeitado. Isso nos faz pensar nos alunos e alunas não católicos dentro do

Colégio Arautos do Evangelho Internacional.

Vejamos como estes estão inseridos nos estudos da CNBB:

Para os alunos não-católicos a escola católica representa um serviço da comunidade católica. Tal serviço se inscreve na perspectiva da Igreja “servidora do mundo” que o Vaticano II tão bem explicitou. O respeito à liberdade das convicções religiosas dos alunos e de suas opções pessoais, que se impõe especialmente no caso de alunos não- católicos, é, sem dúvida, um valor evangélico e humano fundamental. (Estudos da CNBB nº 6, 1977, p. 26).

O respeito às outras convicções religiosas está presente nos estudos da CNBB e

também na proposta do Colégio Arautos do Evangelho Internacional. Sendo assim: “Neste

respeito à liberdade, a escola católica apresenta um testemunho evangélico cujo valor até os

não crentes percebem e que, de modo discreto, mas real, prepara o anúncio explícito da

mensagem cristã.” (Documentos da CNBB, nº 47, 1992, p. 27).

O “anúncio explícito da mensagem cristã” faz parte do Colégio Arautos do Evangelho

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Internacional. O fato de apresentar testemunhos e transmitir mensagens religiosas nas aulas de

Ensino Religioso, através de leituras bíblicas e trabalho com textos de sites da Canção Nova,

dos franciscanos capuchinhos, do livro do catecismo da Igreja Católica, demonstra isso124

. Também em outros momentos de oração diária, com o Pai-Nosso e Ave-Maria. Além de

frases colocadas pela escola que evidenciam a religião católica.

Sobre a aplicação do Ensino Religioso enquanto anúncio da mensagem cristã e como

momento importante na escola, observaremos a classificação desta disciplina em relação a sua

utilização na escola no próximo tópico, de forma que possamos perceber como o Ensino

Religioso no Colégio Arautos do Evangelho Internacional se insere dentro das classificações e

modelos da disciplina, fazendo parte da educação cristã nos Colégios referidos no trabalho.

2.1.5 A educação cristã e a aplicação do ER: Classificações de ER dentro dos modelos

Catequético, Teológico e das Ciências da Religião

(...) toda educação não é uma reprodução de princípios e métodos neutros, mas de valores a serem assimilados pelos educandos. (PASSOS, 2006, p. 23).

Como visto anteriormente, a história da educação no Brasil e a disciplina de Ensino

Religioso se mostraram interligadas, tendo em vista a atuação da Igreja Católica e as diretrizes

educacionais organizadas pelo Estado. Por esta razão, os estudos sobre como se trabalhar o

Ensino Religioso se colocaram de diversas formas em diferentes momentos históricos e em

diferentes escolas. Para melhor compreender estes modelos de ER propostos, iremos nos

basear nas classificações dadas por Passos (2007), que são o catequético, o teológico e o das

Ciências da Religião. Estes possuem formas de abordagem, conteúdos e alguns objetivos

distintos. Todas estas formas também presentes na discussão da laicidade e da

confessionalidade, ou seja, funcionando juntamente com as decisões do Estado e sua relação

com a Igreja e, consequentemente, com o ER.

Lembra Passos que: “(...) além dos três modelos sugeridos pode haver outros, e muitas

vezes, uma composição dos três.” (PASSOS, 2007, p. 53).125 Estudos foram sendo feitos e

124 As atividades de ER disponibilizadas pelo professor se encontram nos anexos. 125 Como os modelos postos por Rodrigues, o interconfessional e o fenomenológico. Foram feitas análises das frases e desenhos feitos pelos professores, o que permitiu uma observação maior daquilo que os professores têm como convicção ao dar aulas de ER. Alguns levantam a questão existencial (de onde viemos, para onde vamos, portanto aspecto fenomenológico) e outros a inter-relação entre as disciplinas e a questão moral, ética e de

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apresentados, optando pelas práticas básicas e conteúdos a serem apreendidos. E outros

também podem aparecer e colaborar com a disciplina. O modelo mais conhecido e o que

percorreu mais tempo em nossa história foi o modelo catequético e será o primeiro na lista

dos modelos a ser identificado.

No período em que a Igreja e o Estado caminhavam juntos, a educação pela fé, de

confessionalidade católica, revelava a hegemonia da Igreja sobre o ER. Estes elementos estão

claros e presentes neste modelo ligado à confessionalidade.

Assim lembra Junqueira (2002, p. 9): “Por meio da relação estabelecida entre o Estado

e a Igreja Católica, esta responsável pela estruturação educacional do país, o Ensino Religioso

na Escola brasileira foi inserido na estratégia da educação como um todo, como meio para

garantir a cristianização.” A catequese, dentro da Escola, foi uma forma de a Igreja estar

presente e obter hegemonia e força na sociedade. A CNBB, a Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil, tinha a catequese vista como forma de instruir as pessoas e assim está no seu

26º documento. Alguns fatores para que a Catequese se concentrasse neste aspecto de

instrução é a difusão das escolas e a própria sociedade atual.

Esta sociedade, marcada também pelos ateísmos práticos e teórico-militantes, por diversos tipos de neopaganismo (...) precisaria também de um tipo de Catequese, que, além de uma sólida fundamentação da fé, seja capaz a ajudar o cristão a converter-se e a comprometer-se no seio de uma sociedade cristã para a transformação do mundo.126

A busca de uma evangelização por intermédio do ER confessional é demonstrada nos

documentos da CNBB (1986), que veem a necessidade de catequizar especialmente os ateus e

pagãos, pois a catequese tem o objetivo de escutar e repercutir a Palavra de Deus. Desta

forma, nas palavras do documento acima, a sociedade poderia estar sólida na fé e

transformada, levando em consideração a pessoa humana como um todo. Também porque há

pouca participação das famílias no processo educacional dos filhos e estas colocam na escola

a responsabilidade dos problemas educacionais da família127. Esta formação integral dada

pelo ER se encontra no sentido de levar em conta as dimensões sociais, comunitárias e respeito ao pluralismo religioso. Maiores informações em seu artigo na Revista REVER: Entre Riscos e Rabiscos: Concepção de Ensino Religioso dos Docentes do Ensino Fundamental do Estado do Paraná ( 2009): http://www4.pucsp.br/rever/rv3_2009/t_rodrigues.pdf 126 Documentos da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - nº 26 - 15 de abril de 1986 - disponível no site http://www.cnbb.org.br Acesso em: 22 jul. 2010. 127 Documentos da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - nº 47 - Educação, Igreja e Sociedade - 15 de abril de 1986 - disponível no site http://www.cnbb.org.br Acesso em: 22 jul. 2010. O sentido da responsabilidade posta à escola pela formação educacional geral é uma realidade e faz parte de um objetivo que é posto pela CNBB de formação integral, que leva em conta questões como moral e religião.

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individuais do ser humano e, consequentemente, a religião, que faz parte da formação moral

do ser humano, como já visto nas palavras de Leonel Franca: “Uma escola que quer educar

não pode esquecer a formação moral e religiosa.” (FRANCA, 1931, p. 118). Sendo assim, este

modelo de ER se encaixa no objetivo da formação mais abrangente do ser humano.

Dentro deste modelo, a ligação com a confessionalidade é grande, existindo

proselitismo, ou quando não, uma intenção proselitista dentro dos conteúdos e práticas do

ER.128 Ainda encontramos sustentada esta prática de ER, com o estudo da doutrina religiosa,

pois os conteúdos ficam a cargo da Instituição. É uma pedagogia mais tradicional, como

caracteriza Passos (2007). O Colégio Arautos do Evangelho Internacional, que faz parte deste

trabalho, possuía nas aulas de ER um ensino sobre a doutrina cristã e utiliza a Bíblia nas

aulas, sendo um exemplo deste modelo.129

É claro que existem escolas confessionais que possuem um ER voltado à pluralidade

religiosa e à história das religiões e com professores bem preparados. Ainda assim, a

identidade da escola confessional se mostra em eventos, em pastorais, de forma que a religião

se torna presente e é vivenciada no cotidiano da escola.130

O Colégio Arautos do Evangelho Internacional possui um ER neste formato

catequético, católico, pelo material utilizado, pelos trabalhos pedidos: vida e obra de santos da

Igreja Católica; avaliações: perguntas sobre trechos bíblicos, conteúdos transmitidos e textos

utilizados em sala de aula.131 No último capítulo da dissertação, podemos encontrar estes

elementos na parte empírica, com a análise das entrevistas.

Dentro deste modelo confessional também se encaixa o do Colégio Adventista de

Cotia. Apesar de declarar que trabalha com o ER de forma interconfessional, falando de

questões que atingem todas as religiões, não fazendo proselitismo nas aulas e atendendo à

pluralidade religiosa. A análise do material utilizado e a grade curricular demonstram que a

disciplina evidencia os princípios adventistas. Inclusive nos próprios objetivos da disciplina

inseridos no Projeto Pedagógico: “Reconhecer a presença divina na vida humana desde os

tempos bíblicos; Desenvolver o hábito da leitura diária da Bíblia para o fortalecimento da fé

128 Existem escolas que dizem ter um ER aberto a diversas confissões e que respeitam a pluralidade. Contudo, nas aulas, utiliza-se de conteúdos como a Bíblia, há orações diárias, festas religiosas, o que de certa forma tem a intenção de que os outros também acreditem e participem de tudo. Um exemplo é o Colégio Adventista em Cotia. Isso pode ser visto em minha monografia da especialização em Ciências da Religião na PUC – 2009. 129 Sobre a forma de atuação do ER no Colégio Arautos do Evangelho, encontram-se maiores dados no próximo capítulo. 130 O Colégio Madre Iva, ligado à Congregação das Irmãs Azuis em Cotia SP, possui este tipo de ER (2009), haja vista meu trabalho de especialização em Ciências da Religião na PUC – SP (2009). 131 Em anexo podem-se observar algumas atividades feitas pelo professor de Ensino Religioso do Colégio Arautos do Evangelho.

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cristã; Reconhecer Jesus Cristo como Senhor e Mestre da história.” (PROJETO

PEDAGÓGICO, 2012, p. 35). No último capítulo da dissertação algumas entrevistas

realizadas e o momento de pesquisa empírica podem dizer mais sobre este momento da aula

de ER na escola.

Os riscos que este modelo catequético pode trazer são o “proselitismo e a intolerância

religiosa”, alerta Passos. A tentativa de evangelização na sala de aula pode acarretar um

possível embate entre os que têm denominações religiosas diferentes e desta forma, uma

proposta não tão pedagogicamente correta. Tal tentativa não considera o ER como uma

disciplina curricular dentro da escola, e sim catequese. Catequese esta, conforme visto nos

documentos da CNBB, que buscaria uma “sociedade cristã transformadora do mundo” e que

também não levaria em conta a pluralidade religiosa brasileira se esta assumisse a condução

do ER. Pois “pode estender para dentro da escola suas comunidades confessionais e suas

reproduções doutrinais.”133

Um segundo modelo seria o teológico, que não possui conteúdos confessionais em sua

organização e abre um diálogo entre as diferentes confissões religiosas nas escolas; porém,

tem a necessidade de uma educação que forme a religiosidade dos alunos. Mostra-se como um

modelo distinto da catequese, relatando o respeito às diversidades, mas ligado ainda às

confissões religiosas: “(...) este parece ter sido o modelo predominante em grande parte do

território nacional até os nossos dias, contando com a participação direta de setores avançados

das Igrejas históricas, e de modo particular, da Igreja Católica.” (PASSOS, 2007, p. 64).

Observamos esta participação direta de setores avançados das Igrejas históricas posta

por Passos, analisando os documentos da CNBB e especificamente a parte em que se fala da

presença histórica da Igreja educadora132, esta presença que teve sempre viva a consciência de

que cabe a ela educar, exercendo seu papel frente à sociedade e mostrando a relevância do

trabalho das Ordens religiosas nos Colégios e nas escolas dos jesuítas. Também na fase da

República, quando várias Congregações vieram ao Brasil com o carisma de educação da

juventude, e de ajuda aos menores abandonados e carentes, como o da Congregação das Irmãs

Azuis133, que veio da França para o Brasil e outros países como a Argentina. A rede de

escolas católicas chegou a abranger ampla maioria das escolas brasileiras e, em um ambiente 132 Documentos da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - nº 47 - Educação, Igreja e Sociedade - 15 de abril de 1986 - disponível no site http://www.cnbb.org.br Acesso em: 22 jul. 2010. 133 A Congregação das Irmãs Azuis tem 4 Colégios : três em SP e um em SC. Seu objetivo é “educar para formar verdadeiros cidadãos através de uma educação libertadora”, baseado no carisma “ Deus Só!” Sua fundadora Emilie de Villeneuve, disse que: “ Devemos formar os educandos para terem uma consciência lúcida, ousada e crítica”. Disponível em: www.irmasazuissp.com.br Acesso em: 25 jul. 2010.

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de laicização do ensino, havia uma maior preocupação com sua identidade e pluralismo de

crença dos alunos, famílias e professores.

Cabe então pensar que, se a educação fica a cargo da instituição religiosa da Igreja

Católica, a educação colocada como aberta à diversidade de confissões não se aplica

concretamente, mesmo considerando o ER voltado para uma educação que englobe a

totalidade do ser humano e a diversidade de crenças. Confunde-se aqui ética e religião, ou

seja, considera-se que o sujeito que é religiosamente educado é ético, e o que não possui essa

religiosidade não tem uma “formação completa” e “correta”. Assim, este modelo teológico de

ER: “(...) parece concretizar perfeitamente a ideia de educação religiosa ou da religiosidade

dos sujeitos como uma necessidade para a formação geral escolar.” (PASSOS, 2007, p. 63).

O risco deste modelo seria então a continuação de um modelo catequético disfarçado,

ou seja, de um discurso de um ER aberto ao pluralismo religioso, de diálogo entre as

confissões e de formação integral do ser humano. O processo educacional seria definido pelas

confissões religiosas, havendo também a “confusão” de que o ER é uma educação da

religiosidade do educando, o que é errado, pois o ER é o estudo da religião e sendo a religião

um fato social, implica o estudo de outras disciplinas que têm esta como objeto, e que

cientificamente analisam e percebem a religião, não de forma catequética, de ensino de uma

doutrina religiosa, e sim de maneira mais global e científica.

Desta forma, um terceiro modelo de ER, diferente dos anteriores, que “trabalham com

a ideia de que o cidadão tem direito de obter, com o apoio do Estado, uma educação religiosa

coerente com a fé que confessa” (SOARES, 2010 p. 125), é o modelo das Ciências da

Religião. E este modelo propõe um estudo da religião de forma científica e aprimorada. E

certamente: “(...) as aulas de Ensino Religioso não podem mais estar pautadas por conteúdos

que carregam consigo a excludência das confessionalidades fechadas.” (MENEGHETTI,

2008, p. 94). Essas aulas de ER se encontram na área das Ciências da Religião, pois esta

afirma o ensino da religião de forma que o caracteriza como tal, ou seja, busca abranger as

diversidades e mostrar a importância do conhecimento da religião para a vida dos alunos, para

a formação do cidadão, não conflitando com as diferentes concepções religiosas ou com

aqueles que não professam nenhuma crença. Pelo contrário, ajudando o aluno ou aluna a

compreender melhor o mundo em que vive e a lidar com tais diferenças.

Toda a proposta para o trabalho realizado no Ensino Religioso está baseada no respeito à diferença. O outro é sempre o diferente: sua história é diferente. Sua vida e modo de enxergá-la é diverso. (...) Assim, sua religiosidade manifesta-se diferentemente e isso não deveria ser motivo de surpresa. Mas,

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na perspectiva do Ensino Religioso confessional, tal constatação cria a diferença. Essa é a razão que justifica um Ensino Religioso que se paute pela perspectiva da Ciência da Religião. (MENEGHETTI, 2008, p. 98).

Este respeito pela variedade de religiosidades vem de uma abordagem de formar o

cidadão, um indivíduo que consiga compreender o ser humano enquanto ser cultural e que

pode ter referências religiosas. As Ciências da Religião trazem teorias e abordagens em

diferentes aspectos sobre a religião, com uma visão transreligiosa, permitindo uma

visibilidade maior sobre o ser humano como coloca Passos (2007). A graduação de Ciências

da Religião busca desta forma preparar os professores de ER.

O risco deste modelo das Ciências da Religião é a neutralidade científica como coloca

Passos, haja vista que a ciência não é neutra e que o professor tem suas convicções,

principalmente crenças e valores religiosos, com a “intencionalidade de mostrar que a religião

é importante para a vida social do educando”. Convém ao pesquisador obter o distanciamento

do objeto de estudo, e da mesma forma o professor deve fazê-lo ao estar em atividade. Porém,

a prepotência de se acreditar que este modelo está pronto e acabado e que consegue superar a

questão da neutralidade científica é utopia: “(…) Isso não significa afirmar que a opção pela

Ciência da Religião garantiria uma abstrata neutralidade dos agentes responsáveis pelo Ensino

Religioso e de seus subsídios didáticos. Educar alguém é transmitir conhecimentos e valores,

algo muito distante de quem vive em cima do muro.” (SOARES, 2010, p. 125).

O aspecto positivo é que a comunidade científica e o Estado à frente deste modelo

procuram diminuir o risco de um ensino catequético ou que intencionalmente coloque a

verdade em uma religião. Dessa forma, a ciência busca sempre estudar mais e aprimorar o

conhecimento, o que permite melhores resultados.

Dentro do panorama de modelos apresentados, talvez o mais próximo do que se

pretende para um estudo abrangente do objeto religião e que oferece base e abordagens

importantes para o professor de ER e alunos seria o modelo das Ciências da Religião, pois

possui uma visão variada para análise do fenômeno religioso, como a Sociologia, a

Antropologia, a Fenomenologia, a Filosofia. Estes vários olhares podem fornecer um leque de

conhecimentos e possibilidades para compreensão da religião. De certa forma, existe uma

complementação entre elas, sendo um diferencial das Ciências da Religião.

E assim conclui Passos: “As Ciências da Religião podem oferecer a base teórica para o

ER, posicionando-se como mediação epistemológica para as suas finalidades educacionais em

cursos de licenciaturas” (2006, p. 39). Complementando esta ideia, Soares diz que só

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propondo a Ciência da Religião como base epistemológica, como área pertinente ao Ensino

Religioso, encontra-se:

(…) uma forma de conseguir desembaralhar, na teoria e na sala de aula, a confusão entre educação da religiosidade e educação do cidadão. A esta última cabe, graças a uma adequada formação docente em Ciência da Religião, não a tarefa de aperfeiçoar a religiosidade, mas antes de aprimorar a cidadania e a humanização do estudante, também por meio do conhecimento da religiosidade e dos valores preservados pelas tradições religiosas. (SOARES, 2010, p. 127).

Neste sentido, compreender e analisar a base epistemológica das Ciências da Religião

pode ser uma forma de auxílio na formação de profissionais que lidam com o Ensino

Religioso. A proposta do ER possuindo a base nos conteúdos analisados no curso de Ciências

da Religião, sendo estes conhecimentos adaptados à realidade escolar e postos de uma forma

dinâmica, conseguindo relacionar ao cotidiano da criança toda essa gama de conhecimentos

sobre religião, seria uma forma de o ER possuir um currículo que preparasse o aluno para a

cidadania, a tolerância, dentre outras possibilidades. A base da formação e o olhar sobre o

fenômeno religioso dados à Ciência da Religião proporcionam em seu estudo várias

disciplinas que trabalham o fenômeno religioso, o qual possui um enfoque “(...) multifacetado

que busca luz na História, na Sociologia, na Antropologia e na Psicologia da Religião,

contemplando, ao mesmo tempo, o olhar da Educação. Além de fornecer a perspectiva, a área

de conhecimento da Ciência da Religião favorece as práticas do respeito, do diálogo e do

ecumenismo entre as religiões.” (SOARES, 2010, p. 11). Neste sentido, através dos diversos

olhares, apreendidos na capacitação docente em Ciências da Religião, podem-se encontrar

meios satisfatórios de se trabalhar com o Ensino Religioso e com a religião no espaço escolar.

No âmbito educacional adventista, a ligação religião e educação não é algo novo em

suas escolas, pois contém um histórico de crescimento educacional ligado às doutrinas

adventistas. Conheceremos este histórico no próximo tópico.

2.2 Histórico da educação adventista no Brasil

Diversas estratégias foram usadas pelos grupos protestantes para sua instalação e expansão no Brasil. Sem dúvida, uma das mais acentuadas foi o estabelecimento de vasta rede de colégios nos centros mais importantes do país. (RAMALHO,1976, p. 68).

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Após termos realizado um estudo sobre a história da educação católica e perceber que

a educação confessional exerceu grande influência sobre a educação brasileira, iremos

conhecer mais o histórico da educação adventista no Brasil, que está relacionado à presença

do próprio grupo adventista no Brasil e ao seu processo de formação nos EUA.134 No início,

especialmente antes de 1852135, a preocupação com a educação pelos adventistas era mínima,

pois, como aguardavam a vinda de Jesus Cristo haveria pouco tempo e não seria necessário

preocupar-se com a educação das crianças136. (MENSLIN, 2009).138

Um período de modernidade educacional, com uma influência teórica do darwinismo e

teoria geral da evolução atingia os norte-americanos e os adventistas. A necessidade dos

adventistas assegurarem a seus filhos sua doutrina e prepará-los para a vida se tornou mais

forte:

Ellen White, uma das fundadoras do movimento adventista e sua principal escritora cujos escritos são aceitos pelos seguidores como inspirados por Deus, orientam a igreja sobre a necessidade de se abrir escolas para que os filhos dos seguidores do movimento adventista pudessem estudar sem estarem sendo influenciados pela nova abordagem iluminista/ evolucionista de sua época. (MENSLIN, 2009, p. 31).

A necessidade de interligar escola e igreja137 era colocada por Ellen White, importante

escritora e fundadora adventista. Esta questão educacional então toma corpo e, em 1872, foi

fundada a primeira instituição educacional adventista: “Depois de várias reuniões e

aprovações pelos órgãos oficiais da igreja, foi dada a autorização para a abertura da primeira

escola adventista. E no dia 3 de junho de 1872 foi inaugurada a primeira instituição

134 “O protestantismo missionário brasileiro não veio do continente europeu, mas dos Estados Unidos, cujo protestantismo tinha raízes na Reforma inglesa. Talvez seja por isso que o protestantismo que chegou ao Brasil tenha tido intenções fortemente pragmáticas: pretendia ser elemento transformador da sociedade através da transformação dos indivíduos.” (MENDONÇA, FILHO, 2002). 135 Ano da elaboração de uma produção literária para as crianças e a Escola Sabatina, com a tentativa de preencher as lacunas na educação. Para saber mais ver: SILVA, Marcos. A penetração da educação adventista no Brasil- Feira de Santana, BA: Eidspress, 2006. 136 “Afinal de contas, não iria Jesus voltar logo? Se assim fosse, por que educar crianças adventistas para um mundo que acabaria antes que eles se tornassem adultos? Na realidade, o fato de enviar seus filhos para a escola não indicava falta de fé na breve vinda de Cristo?” KNIGHT, 2001. Disponível no site:http://circle.adventist.org//files/jae/po/jae2001po130506.pdf Acesso em: 29 set. 2011. 137 A primeira escola paroquial foi criada junto à Igreja em 1857. As escolas normalmente estão próximas às igrejas, e o exemplo atual do Colégio Adventista de Cotia se aplica nesta configuração. Acrescentando o que diz Ellen White sobre esta proximidade na época de nascimento da educação adventista: “Ao serem estabelecidas as escolas junto às Igrejas, o povo de Deus verificará que é para eles valiosa educação o aprenderem a dirigir uma escola de maneira que venha ser um êxito no setor financeiro.” (WHITE, 1994, p. 203).

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educacional adventista, na cidade de Battle Creek138, Michigan, EUA.” (MENSLIN, 2009, p.

32). O assunto “educação” se tornara mais discutido entre os adventistas e esta primeira

escola seria um ponto inicial para o crescimento de seu sistema escolar confessional.139

O desejo de expandir suas crenças, por intermédio de escolas e igrejas, fez com que o

movimento missionário do adventismo e o protestantismo preparassem missionários para

“evangelizar” também os países sul-americanos, africanos e asiáticos140.

Os adventistas estabeleciam em suas missões o caráter educacional, pois havia a

necessidade de escolas para a formação dos missionários. A fase de movimentos de missão

estrangeira do protestantismo norte-americano tinha um olhar voltado não só para o

continente americano, mas também africano e países como China, Japão, Índia. (MENSLIN,

2009). A obra missionária de redenção141 e de educação é uma só para os adventistas e se

mostra na filosofia educacional: Cristo do centro da filosofia da escola, professores e

administradores com Cristo no centro de suas vidas e Cristo inserido no currículo da escola

(ensino da História Sagrada ou Educação Religiosa é parte integrante deste currículo).

Juntamente com este desejo, as influências econômicas e ideológicas dos EUA e

“atitudes de competição para ganhar almas” em relação ao catolicismo fizeram crescer a vinda

de protestantes dos EUA para os países sul-americanos e especialmente para o Brasil: “O

crescente processo de urbanização e os rudimentos da industrialização brasileira, ajudando a

quebrar certos costumes e possibilitando a veiculação de novas ideias, vão se constituir em

fatores importantes para a consolidação da presença do protestantismo no Brasil.”

(RAMALHO, 1976, p. 59).

Diversas estratégias foram usadas para instalação e expansão dos adventistas e grupos

protestantes no Brasil: “Sem dúvida, uma das mais acentuadas, foi o estabelecimento de vasta

rede de colégios nos centros mais importantes do país.” (RAMALHO, 1976, p. 68). A

educação é desta forma um meio de exercer sua prática religiosa. Elementos ligados à tradição

protestante americana concebem a religião, a democracia política, a liberdade individual e a 138 “Deus planejou e estabeleceu este colégio, desejando que fosse moldado por alto interesse religioso, e que a cada ano estudantes não convertidos que são enviados a Battle Creek retornem a seus lares como soldados da cruz de Cristo.” (WHITE, 1994, p. 46). 139 Ao chegar o ano de 1872, porém, os White não eram os únicos adventistas a se interessarem pela educação formal (…) a igreja estava crescendo e precisava de pastores e Associação Geral estabeleceu a Comissão de Escolas (KNIGHT, 2001) Disponível no site: http://circle.adventist.org//files/jae/po/jae2001po130506.pdf Acesso em: 29 set. 2011. 140 A explosão missionária que se desenvolveu a partir dos eventos do final da década de 1980 foi o terceiro passo para a consolidação da rede educacional adventista. (KNIGHT, 2001) Disponível no site: http://circle.adventist.org//files/jae/po/jae2001po130506.pdf Acesso em: 29 set. 2011. 141 “Restaurar no homem a imagem de seu autor, levá-lo de novo à perfeição em que fora criado, promover o desenvolvimento do corpo, espírito e alma para que se pudesse realizar o propósito divino da sua criação- tal deveria ser a obra da redenção. Este é o objetivo da educação, o grande objetivo da vida” WHITE, 1996, p. 16.

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responsabilidade como partes de um todo, que está permeado por uma inflexível fé na

educação. (RAMALHO, 1976).

A educação adventista se estabelece no Brasil de 1896 a 1915 e, nos seus três

primeiros anos de presença, já possuía duas escolas confessionais, tendo em sua primeira

escola a figura de Guilherme Stein Junior no ano de 1896.142 Após sua conversão do

metodismo para o adventismo, foi o primeiro professor da escola adventista em Curitiba no

Paraná: “A cidade de Curitiba foi escolhida pelo fato de que a evangelização adventista

começou com os imigrantes alemães e como a maior concentração dessas colônias estavam

espalhadas pelos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a cidade

de Curitiba era a mais centralizada para que os líderes do movimento adventista

administrassem o trabalho.” (MENSLIN, 2009, p. 41).

O número de alunos aumentava e a procura pela escola também. Turnos noturnos

davam a possibilidade de voltar a estudar às pessoas que trabalhavam. A segunda escola se

funda em 1897, sendo de caráter paroquial, pois a anterior foi iniciativa de membros leigos da

denominação. (MENSLIN, 2009). Ramalho complementa dizendo que não havia um

planejamento para o estabelecimento de uma vasta rede de colégios religiosos protestantes no

Brasil. Eles vão surgindo juntamente com a capacitação, recursos econômicos, condições de

ordem político-estrutural e as possibilidades para implantação de novas ideias e missões:

especialmente a norte-americana.

Este percurso educacional adventista se reflete aqui no Brasil, pela forma como se

encontrava a educação adventista em um âmbito mais global desde o período de 1893. Este

período foi de conquistas, em especial com a ida de Ellen White à Austrália, como missão e

expansão das ideias educacionais adventistas e a afirmação de que “o Senhor nunca pretendeu

que nosso colégio imitasse outras instituições de ensino. O elemento religioso deve ser a força

que controla”.143 Uma educação com base abrangente, integral e ligada à cosmovisão cristã

eram os fundamentos firmados para a educação adventista. (KNIGHT, 2001). Fundamentos

estes colocados pelo e com “o senso mais elevado das possibilidades da educação cristã e das

implicações do evangelho sobre a educação”, estabelecidos e levados por Ellen White à

Escola de Avondale, na Austrália.144

142 Era uma grande escola, mas sem vínculos formais com a igreja, já que em Curitiba não havia igreja organizada na época. No ano seguinte, Stein Jr. mudou-se para Gaspar Alto, Santa Catarina, e iniciou as aulas naquela que seria a primeira escola no Brasil. (PEDAGOGIA ADVENTISTA, 2004). 143 Disponível no site: http://circle.adventist.org/files/jae/po/jae2001po130506.pdf Acesso em: 10 out. 2011. 144 A escola de Avondale figura como grande na história educacional adventista porque Ellen White a considerava como lição objetiva ou modelo para outras missões educacionais da Igreja. Disponível no site: http://circle.adventist.org/files/jae/po/jae2001po130506.pdf Acesso em: 10 out. 2011.

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No Brasil, com os missionários adventistas e os demais grupos protestantes, observa-

se que esta “nova educação” é resultado: “(...) de um estágio mais moderno do sistema

capitalista, vigente nos EUA, na época. É, portanto uma amostra antecipada da característica

do momento histórico que posteriormente a sociedade brasileira irá atravessar – a de um

capitalismo mais moderno, eficiente e dinâmico.” (RAMALHO, 1976, p. 79). Ramalho

aponta alguns elementos que, sob o ângulo dos norte-americanos, apresentavam como era a

prática educativa no Brasil e as mudanças com a educação protestante: a falta do trabalho de

campo (os adventistas consideram este tipo de trabalho como parte da educação integral), a

falta de atenção com a educação física, o preparo do professor (que para Ellen White tem

uma grande responsabilidade e um “papel religioso” a ser cumprido). Tais “(...) inovações

pedagógicas que são introduzidas no Brasil por estes estabelecimentos de ensino exigem

explicações cujos limites ultrapassam o campo educacional situando-se em um marco mais

amplo de referência.” (RAMALHO, 1976, p.79).

Não só as inovações pedagógicas, mas também as mudanças legislativas e históricas

aqui no Brasil estão ligadas à educação, que dava espaço às Instituições confessionais

protestantes no período da República com o estabelecimento de um Estado Laico desde

1891145. As críticas à educação existente feitas pelos seus percursores como Ellen White e a

busca das famílias adventistas em proporcionar uma educação religiosa para seus filhos

permitiram que houvesse crescimento da rede educacional adventista.

O período de 1896 a 1915 no Brasil compreendeu a fase pioneira da educação

adventista, especialmente nas regiões Sudeste e Sul do País, juntamente com as propostas dos

missionários pioneiros, que procuravam manter escolas paroquiais junto às igrejas. Estas

visavam ajudar manter seus fiéis e seus filhos na doutrina e expandir suas fronteiras

religiosas. (MENSLIN, 2009).

Menslin diz que este processo se deu até a década de 1960, pois as escolas paroquiais

junto às igrejas precisavam de professores e de suporte financeiro. O pagamento vinha da

própria igreja local; eram escolas pequenas que precisavam de recursos para atender à

demanda. Mais à frente, esses problemas persistiram em decorrência das medidas mais

autoritárias do governo militar para as escolas públicas e particulares com a Lei 5.692/ 71.146

Os colégios adventistas passam a ampliar suas pequenas escolas junto às igrejas, a ter

domínio de suas propriedades e a melhorar sua estrutura escolar. No Brasil, em 2011, por 145 Artigo 72, parágrafo 6º da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil diz que será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos. 146 No artigo 18, da lei 5.692 de 1971 atribui-se que o ensino de primeiro grau terá oito anos letivos e compreenderá, anualmente, pelo menos 720 horas de atividades.

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meio dos dados apresentados no site oficial da rede adventista de educação, existem 300

unidades que oferecem da educação básica adventista até a pós-graduação, além de 15

colégios em regime de internato.147

Com esta trajetória histórica educacional, percebemos a influência educacional

adventista estabelecida por Ellen White, que esteve à frente da organização da educação

adventista desde os seus primeiros passos, colocando elementos que para ela seriam essenciais

para o diferencial educacional adventista. Sobre ela e suas diretrizes educacionais falaremos

no próximo tópico.

2.2.1 Ellen White e suas propostas educacionais

Ellen White deu uma contribuição notável para o estabelecimento de uma filosofia educacional sólida dentro das escolas adventistas. Sua filosofia educacional está nitidamente relacionada à religião. (TIMM, 2004, p. 17).

Falar em educação adventista sem falar de Ellen White seria uma forma incompleta de

abordá-la: “(...) pois todo histórico do sistema educacional adventista, do seu início até a 1ª

década deste século, esteve atrelado aos conselhos e orientações de Ellen White, profetiza

(sic) da Igreja.” (MATOS, 1993, p. 58). Sua relevância aparece no percorrer do histórico

educacional adventista, pois através dos conselhos e instruções a respeito da educação cristã

estabelecidos por Ellen G.. White, no período da década de 1870, houve o desenvolvimento

do sistema adventista de ensino com o estabelecimento de sua primeira escola em 1872. 148

Pode ser considerada então pioneira no ramo educacional e também para o próprio avanço do

adventismo:

Dentre todos os pioneiros, Ellen G.White é quem mais influência exerce sobre os adventistas. Nascida em Gorham, no Maine, em 26 de 1827, quando era ainda menina, mudou-se para Portland com sua família, onde passou a maior parte da infância. Era uma garota alegre e prometia ter desenvolvimento intelectual acima do comum (...). (MARTINS, 2008, p. 50).

Não iremos nos deter na história de vida de Ellen White neste trabalho, porém

147 Dados disponíveis no site: http://www.educacaoadventista.org.br/ Acesso em: 14 out. 2011. 148 A criação da primeira escola adventista ocorre em 1872, em Michigan, nos EUA.

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saibamos que suas experiências quando criança foram importantes para ser considerada uma

pessoa diferenciada no grupo adventista149. Ela foi tida como uma grande intelectual, pois irá

escrever, tratar e expor diante da Igreja os princípios que devem reger a educação de sua

juventude:

O tempo agora é demasiado curto para levar a cabo o que poderia ter sido realizado nas gerações passadas; mas podemos fazer muito, mesmo nestes últimos dias, para corrigir os males existentes na educação da juventude. E visto que o tempo é curto, devemos ser fervorosos e trabalhar zelosamente para dar aos jovens a educação compatível com a nossa fé. (WHITE, 1994, p. 28-29).

Compreendemos assim que a integração da fé e ensino se coloca no discurso

pedagógico adventista elaborado por Ellen White. Para ela, a educação é o desenvolvimento

harmônico das faculdades físicas, intelectuais e espirituais:

Restaurar no homem a imagem de seu Autor, levá-lo de novo à perfeição que fora criado, promover o desenvolvimento do corpo, espírito e alma para que se pudesse realizar o propósito divino de sua criação – tal deveria ser a obra da redenção. Este é o objetivo da educação, o grande objetivo da vida. (WHITE, 1996, p.15-16).

Os parâmetros e objetivos da educação, conforme colocados acima, se encontram na

obra Educação, apresentada ao público em geral em 1903 por Ellen White.150 Para ela, a

educação deve ter Deus no centro e ser fonte de conhecimento. A educação deve desenvolver

não só os estudos, mas o ser todo, suas faculdades físicas, intelectuais e espirituais:

Nossas ideias acerca da educação têm sido demasiadamente acanhadas. Há a necessidade de um escopo mais amplo, de um objetivo mais elevado. A verdadeira educação significa mais do que a prossecução de um certo curso de estudos. Significa mais do que a preparação para a vida presente. Visa o ser todo, e todo período da existência possível ao homem. (WHITE, 1996, p. 14).

149 Apesar de ter apenas três ou quatro anos de estudo na infância, Ellen G. White tornou-se uma grande escritora, com um estilo que é admirado até mesmo pelos críticos. Também pela superação de um acidente aos 9 anos, em que uma pedra atirada por outra colega de escola em Ellen deixou-a com o rosto deformado, não podendo respirar pelo nariz e com problemas para ler e escrever. (Martins, 2008). 150 Tudo o que escreveu sobre educação, pode ser resumido a um livro em especial, de título “Educação”. Nesta obra se fundamenta a filosofia educacional que norteia até hoje, com algumas adaptações, todo o sistema adventista. MATOS, 1993, p. 35.

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Para ela a educação deve conter uma influência moral e religiosa, sendo estes

elementos religiosos importantes, que não devem ser deixados para trás, pois a educação tem

como objetivo algo maior e deve transcender o conhecimento apenas humano:

A mais elevada educação requer algo maior, mais divino, do que o conhecimento que se obtêm meramente dos livros. Ela significa um conhecimento individual, experimental de Cristo; quer dizer emancipação de ideias, hábitos e práticas adquiridos na escola do príncipe das trevas, o que se opõem a lealdade para com Deus. (WHITE, 1994b, p. 12).

Considera-se assim que o conhecimento que exalta o humano e deixa a Palavra de

Deus em segundo plano traz confusão e perversão151: “Quando a palavra de Deus é posta de

(sic) parte, sendo substituída por livros que desviam de Deus (…) confundem o entendimento

(...) a educação é uma perversão do que se entende por esse nome.” (WHITE, 1994b, p. 16).

Desta forma, uma educação que não tem o cuidado com a palavra de Deus, para Ellen White

seria deficiente. Por isso os educadores, conservando a palavra de Deus e seus princípios, vão

incutir ideias para edificar a fé dos jovens e “ensinarão a Verdade”, que é considerada a Bíblia

pela autora.

Assim, a revelação bíblica deteria a posição estratégica em sistemas de conhecimento

humano, pois seria a Bíblia e Deus que auxiliariam na compreensão dos diversos

conhecimentos:152 “O estudo da Bíblia é especialmente necessário nas escolas. Os alunos

devem estar arraigados e fundados na verdade divina. (...) Acima de todos os outros livros,

deve a Bíblia merecer nosso estudo, ela, o grande compêndio, a base de toda educação.”

(WHITE, 1994, p. 117).

Também observa que se deve dispensar atenção à preparação dos jovens para o

ministério, não só proporcionar aos estudantes o mero conhecimento de livros. Assim, a

educação para Ellen White deveria ser ampla e uma educação que exija de professores e

diretor consideração e esforço que a mera instrução nas ciências não requer (WHITE, 1994).

Não que a “verdadeira educação”, como coloca a autora, desconheça o valor dos

conhecimentos científicos ou aquisições literárias; acima da instrução aprecia a capacidade,

151 Nosso colégio é designado por Deus para satisfazer às necessidades deste tempo de perigo e desmoralização. (WHITE, 1994, p. 60). 152 A Bíblia contém todos os princípios que os homens necessitam compreender a fim de se habilitarem tanto para esta vida como para a futura. (WHITE, 1996). Precisamos não só integrar outros tópicos no currículo com a cosmovisão bíblica, mas a aula de Bíblia deve prover discussões que podem preparar o caminho para essa integração na mente dos estudantes enfatizando a cosmovisão cristã. (KNIGHT, 2010). A Bíblia é essencial dentro da filosofia educacional adventista.

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acima da capacidade a bondade, e acima das aquisições intelectuais o caráter: “(...) O mundo

não necessita tanto de homens de grande intelecto, como de nobre caráter.” (WHITE,1996, p.

225).

O desenvolvimento do caráter é uma meta importante na educação adventista e cristã,

pois “Ellen White observou que o caráter determina o destino tanto nesta vida como na do

porvir.” (KNIGHT, 2010, p. 113). Educação não seria então academicismo, seria o preparo

para o trabalho, para a religiosidade, para a cidadania. Seria educar o intelecto, a moralidade e

a religiosidade. Para Ellen White, o trabalho é estabelecido, por meio do contato manual,

como o uso da terra para o cultivo e a própria educação física. Ele não é somente intelectual.

“É lei de Deus que a força, tanto para o espírito e a alma como para o corpo, se

adquira por meio do esforço. É o exercício que desenvolve. De acordo com essa lei, Deus

proveu em Sua Palavra os meios para o desenvolvimento mental e espiritual.” (WHITE, 1996,

p.22). Desta forma, a educação deve estar ligada ao cuidado com o corpo e a saúde. E para

que as crianças e jovens tenham saúde, alegria, vivacidade convém que “(...) estejam muito ao

ar livre, e tenham divertimentos e ocupações bem orientados. Crianças e jovens mantidos na

escola e presos nos livros, não podem gozar de sã constituição física.” (WHITE,1994, p. 137-

138).

Momentos e atividades que exercitem o corpo fazem parte da educação proposta por

Ellen White. Como descanso ao estudo, ocupações ao ar livre que proporcionem exercício ao

corpo todo, são consideradas as mais benéficas para ela, como o exemplo da agricultura153 e o

contato com a terra: “Nenhum ramo do trabalho manual é mais valioso que a agricultura. (...)

No estudo da agricultura, dê-se aos alunos não somente a teoria mas também a prática.”

(WHITE, 1994, p. 219). E mais que isso: “Insisto que em nossas escolas sejam animadas em

seus esforços no sentido de formular planos para o adestramento dos jovens, na agricultura e

outros ramos de trabalho industrial.” (WHITE, 1994b, p. 317).

O propósito é que os alunos e alunas não tenham somente a teoria, mas também a

prática. Para Ellen o jovem, ao deixar a escola, deve ter adquirido conhecimento em algum

ofício ou ocupação com que, se for necessário, possa ganhar sua subsistência.154

153 O conjunto de mudanças educacionais proposto por Ellen White tem um de seus aspectos baseados no trabalho manual. Knight escreve que os princípios educacionais parecem imutáveis, porém sua aplicação varia através do tempo e de cultura. E completa: “(...) A agricultura é um caso em foco. (...) No século 19, a agricultura era muito relevante e útil para quase todos. A terra em muitos lugares era quase de graça e tudo que alguém precisava para montar um negócio era de um arado e um cavalo. (...) Entretanto, os cristãos adventistas na década de 2010 vivem em um contexto diferente.” (KNIGHT, 2010, p. 236). Knight se refere à tecnologia, que hoje exige a adaptação da educação a esta realidade. 154 Tais propostos são encontrados também no livro de Pedagogia Adventista de 2010, dentro de seus objetivos, como o “incentivo ao desenvolvimento dos deveres práticos da vida diária, a sábia escolha profissional e a

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Outros elementos educacionais são observados e fazem parte do ensino do que a

escola deve proporcionar a seus alunos e alunas: como o vestuário, que, para Ellen White,

mostra o caráter de uma pessoa. Os jovens teriam que perceber que a maneira singela de viver

é indispensável: “A casta simplicidade no vestir, aliada à modéstia das maneiras, muito farão

no sentido de cercar uma jovem com aquela atmosfera de sagrada reserva que para ela será

um escudo contra os milhares de perigos.” (WHITE, 1996, p. 248). A veste deveria seguir o

caráter de Cristo, de forma que revelasse simplicidade e o diferencial em relação às coisas “do

mundo.” Característica assim do conjunto de propostas educacionais adventistas.

No conjunto de elementos necessários para haver uma boa educação, não podemos

deixar de lado o que Ellen White coloca sobre como os professores devem ser para haver uma

boa preparação de seus educandos: “Professores sábios devem ser escolhidos para nossas

escolas, daqueles capazes de sentir diante de Deus a responsabilidade de impressionar a mente

com a necessidade de conhecer a Cristo como um Salvador pessoal.” (WHITE, 1994, p. 138).

A comunhão dos professores com Deus como coloca Ellen é essencial para educar a

juventude, devendo não somente ter o conhecimento científico, mas serem observadores da

Palavra de Deus. Pelo exemplo de vida do professor é que o educando irá aprender e

“ensinará simplicidade e correção de hábitos em tudo.” (WHITE, 1994).

Desta forma, Ellen considera que os professores serão colaboradores de Deus e

saberão como ensinar, que lições comunicar e estudar sobre as “lições de Cristo”. As

qualificações dos professores advêm tanto da competência escolar quanto do cristianismo

experiencial. (KNIGHT, 2010).

Ellen White coloca que a tarefa dos professores seria despertar assim esperança e

aspirações nos jovens, “moldando o caráter destes em harmonia com Deus.” Deve preservar

então a paciência, a bondade, a misericórdia e o amor.155

A educação para ela seria um conhecimento experimental no plano da Salvação, os

estudantes devem ser ensinados pelos seus professores que estão no mundo para prestarem

serviço a Deus. Podemos perceber um dos momentos de estudos religiosos nas “aulas de

Bíblia”. Esta parte do currículo proposto para os estudos religiosos são também escritos por

Ellen White e propõe doutrinas, fatos bíblicos, descobertas arqueológicas, correlações do

pensamento bíblico com a filosofia grega, as implicações dos distintos pontos de linguagem. formação familiar, a serviço de Deus e da comunidade.” (p. 51). Como o trabalho manual útil colocado por Ellen White. 155 No livro Pedagogia Adventista (2010), encontramos que a importância do professor se dá quando forma, modela e aprimora caracteres. A liderança espiritual, o conhecimento técnico de sua área, visão estratégica, equilíbrio emocional são elementos que fazem parte do conjunto do profissional adventista devidamente qualificado.

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(KNIGHT, 2010).

Ellen White fez um apelo aos professores: “Imploro que temeis a Deus como vosso

conselheiro. Não sois responsáveis perante homem algum, mas estais sob a direção de Deus.

Mantende-vos junto dEle (sic). Não tomeis ideias mundanas como vosso critério. Não vos

afasteis dos métodos de trabalho do Senhor.” (WHITE, 1994, p. 219). Assim, o professor ou

professora adventista têm que ser qualificados e ter experiência cristã, o que exige maior

dedicação e esforço nos estudos e ensino bíblico. Este ensino se aplica nas escolas adventistas

por intermédio das aulas de Ensino Religioso.

Ellen White considerava que o aprendizado da criança e do jovem envolve o exemplo

deste professor ou professora, em especial o de Ensino Religioso, que trabalha com “lições

bíblicas”. Sendo assim, aquilo que é ensinado deve ser também vivenciado pelo mestre, senão

revela contrastes e não tem efeito sobre a criança ou o jovem: “(...) tais são lições que apenas

aquele que as aprendeu por si mesmo poderá ensinar. O fato de que o ensino das Escrituras

não tem maior efeito sobre a juventude, é devido a que tantos pais e mestres professem crer na

Palavra de Deus, enquanto sua vida nega o poder dela.” (WHITE, 1996, p. 259). A Bíblia é

pela autora considerada instrumento de instrução moral, e se aqueles que professam crer nela

não lhe derem seu devido valor, estão rejeitando-a: “(...) E esta rejeição por parte dos que

professam crer nela, é a causa preeminente do ceticismo e incredulidade entre os jovens.”

(WHITE,1996, p.262).

O professor ou professora, ao lidarem com estes jovens ou crianças na escola

adventista, podem encontrar alguns problemas pela falta de vivência religiosa no seu

cotidiano.156 Ao trabalharem com os alunos e alunas que por ventura sejam incrédulos,

indisciplinados, devem lembrar-se que “(...) ao tratar com eles nunca deve esquecer-se de que

ele mesmo foi criança, necessitando de disciplina.(...) a regra do Salvador – como vós quereis

que os homens vos façam, da mesma maneira lhes fazei vós também (S. Luc. 6:31) – deve ser

a regra de todos os que empreendem a educação das crianças e jovens.”(WHITE, 1996, p.

292). Então, ao trabalhar com a dificuldade dos alunos e alunas: “Ensine-se à criança e jovem

que todo erro, toda falta, toda dificuldade vencidos, se tornam um degrau no acesso a coisas

melhores e mais elevadas.” (WHITE, 1996, p. 296).

Após identificarmos algumas propostas educacionais dadas por Ellen White, podemos

fazer uma analogia ao que o Colégio Adventista de Cotia apresenta como proposta

156 Dentro dos princípios metodológicos da proposta educacional adventista do Colégio Adventista de Cotia - 2010, encontramos que: “O ensino se torna eficaz na medida em que o docente é capaz de estabelecer a integração entre o conteúdo e os valores por ele defendidos e vividos.” (PROJETO PEDAGÓGICO, 2010, p. 8).

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educacional. Nesta proposta se inserem fragmentos dos textos de Ellen White, baseando-se

assim nos seus escritos para abordar seus objetivos e outras temáticas educacionais. Estas

questões serão abordadas no próximo tópico.

2.2.2 As propostas educacionais do Colégio Adventista de Cotia: parâmetros dados por

Ellen White?

Indispensáveis para a formação de uma cultura espiritual acadêmica nas escolas adventistas são a Bíblia e os livros básicos de Ellen G. White sobre educação. (TIMM, 2004, p. 171).

Como vimos anteriormente, podemos observar que, ao longo da expansão da rede

educacional adventista, as propostas educacionais advindas de Ellen White foram importantes

para a trajetória das escolas confessionais adventistas, inclusive no Brasil. Pensando nos

princípios educacionais expostos no projeto pedagógico do Colégio Adventista de Cotia em

2010, encontramos trechos escritos por Ellen em sua obra Educação nos objetivos do Colégio:

Visa o ser todo, e todo o período da existência possível ao homem. É o desenvolvimento harmônico das faculdades físicas, intelectuais e espirituais. Prepara o estudante para o gozo do serviço neste mundo e para aquela alegria mais elevada por mais um dilatado serviço no mundo vindouro. (WHITE, 1996, p. 13).

A formação integral é incentivada, possuindo em seu currículo educacional “aspectos

do ser e todas as formas de revelação de Deus”. A filosofia cristã de educação proposta pela

escola se baseia: em Deus como Criador, o Homem combinando seus elementos espirituais e

materiais. Estabelecer assim uma ligação com Deus, considerando-o como fonte de todo

conhecimento, revelando-se na Bíblia. (Projeto Pedagógico Adventista, 2010).

A missão educacional inserida no projeto pedagógico está em promover, por meio da

educação cristã, o desenvolvimento harmônico dos educandos, nos aspectos físicos,

intelectuais, sociais e espirituais, formando cidadãos presentes e úteis à comunidade, à pátria e

a Deus. Alguns destes aspectos são colocados nos livros sobre educação elaborados por Ellen

White.

A questão do currículo é colocada como integrada a uma perspectiva bíblica,

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considerada então como base permeável de todas as ações pedagógicas e educacionais e

também referencial de conduta, assim como Ellen White evidenciou em seus escritos.

Os princípios metodológicos157, entendidos pela educação adventista como os

promotores de integração entre os objetivos propostos (reconhecimento de Deus como fonte

de toda sabedoria, Bíblia como referencial de conduta, hábitos saudáveis por meio do

conhecimento do corpo, autonomia ancorada nos valores bíblico-cristãos) e o processo de

ensino aprendizagem encontrados no Projeto Pedagógico do Colégio Adventista de Cotia são:

1. Ação – reflexão – ação (todo saber implica uma reflexão e toda reflexão implica um fazer.)

2. Aprendizagem significativa (relacionamento teoria e prática – considerando o indivíduo

como um ser que age e interage com o meio). 3. Resolução de situações – problema. 4.

Relação teoria – prática. 5. Cooperação. 6. Autonomia. 7. Interdisciplinaridade. 8. Integração

entre o Crer x Ser x Fazer (Integração entre o conteúdo e valores apreendidos).

Alguns destes pontos metodológicos podem ser melhor analisados dentro das

propostas educacionais de Ellen White. Um deles que nos faz pensar em como os alunos e

alunas não adventistas se inserem dentro desta proposta metodológica é a aprendizagem

significativa. Esta, ao privilegiar as atividades que levam em conta as experiências dos alunos,

permite conhecer a realidade dos educandos como um ponto de partida. (PEDAGOGIA

ADVENTISTA, 2004). Isso contribuiria para o ânimo do educando em sua trajetória

estudantil e geraria o respeito à unicidade do educando:

Em todo verdadeiro ensino o elemento pessoal é essencial. Cristo, em Seu ensino, tratava com os homens individualmente. Foi pelo trato e convívio pessoal que Ele preparou os doze. Era em particular, e muitas vezes a um único ouvinte, que dava Suas preciosas instruções. (…) O mesmo interesse pessoal, a mesma atenção para com o desenvolvimento individual são necessários na obra educativa hoje. (...) O verdadeiro educador (...) reconhecerá o valor material com que trabalha. Terá um interesse pessoal em cada um de seus alunos, e procurará desenvolver todas as suas faculdades. Por mais imperfeitos que sejam eles, acoroçoará todo o esforço por conformar-se com os princípios retos. (WHITE, 1996, p. 231-232).

Portanto, o espaço escolar deve respeitar a individualidade e este interesse com cada

um de seus alunos. Isto faz parte dos escritos de Ellen White e dos princípios metodológicos

adventistas. Também nos princípios metodológicos podemos encontrar a questão teoria e

prática: “(...) Um preparo prático é muito mais valioso que qualquer soma de teoria. Não é 157 A metodologia de ensino e aprendizagem da Educação Adventista pauta-se pelas concepções filosóficas e pelos objetivos a que se propõe, conforme o pensamento hebraico-oriental e o modelo de Jesus, o Mestre por excelência. (Pedagogia Adventista, 2004).

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mesmo suficiente possuir conhecimento. Precisamos ter habilidade para os empregar

devidamente.” (WHITE, 1994, p. 386).

Neste sentido, como orientações didático-metodológicas da educação adventista,

encontramos que a sala de aula é um espaço que deve ser organizado de maneira que

possibilite ao educando locomover-se livremente, considerando seus interesses e

necessidades, proporcionando o desenvolvimento da linguagem oral, da socialização e do

espírito de cooperação. (PEDAGOGIA ADVENTISTA, 2004). O educador, percebendo então

que o pátio da escola, a biblioteca, o auditório e a sala de artes, entre outros lugares, também

são espaços educativos para explorar o lúdico, a história de vida, os saberes do mundo

contemporâneo, a criatividade: “O educador pode utilizar inúmeras ilustrações, objetos e

figuras que estejam direta ou indiretamente ligados ao tema de estudo.” (PEDAGOGIA

ADVENTISTA, 2004, p. 76).158

Podemos compreender então que o respeito à individualidade, a valorização dos

conhecimentos prévios dos(as) alunos(as) e a relação teoria e prática estarão aparecendo nos

diversos ambientes escolares. Nestes, podemos identificar inclusive, e naquilo que é exposto

no regimento escolar da escola dentro do Projeto Pedagógico 2010, elementos importantes

acerca do que se espera dos educandos no Colégio Adventista de Cotia. Alguns deles são: 1.

Obediência às normas estabelecidas pela Instituição; 2. Uso do uniforme completo e bem

asseado; 3. A não disseminação de ideias subversivas ou contrárias aos ideais e princípios

religiosos da unidade escolar; 4. Não uso de piercing (não pode nem mesmo coberto com

Band-Aid ou esparadrapo), brincos, colares, anéis, pulseiras, tatuagens, expostas ou objetos

semelhantes; 5. Não utilização de celular em sala de aula e em atividades extraclasse, ou

mesmo ausentar-se dos locais citados para atendê-lo; 6. Não uso de cabelos com cortes,

comprimentos, cores e penteados extravagantes (alunos e alunas) de acordo com os critérios

estabelecidos pela unidade escolar; 7. Não namorar, ficar, manter contatos físicos e sensuais

dentro da Unidade Escolar; 8. A não prática de atos ofensivos à moral e bons costumes,

palavras de baixo calão, gestos obscenos, apelidos, desenhos, inscrições etc. nas dependências

ou nas imediações da Unidade Escolar e/ou enquanto uniformizado.

O Colégio, ao colocar o que se espera dos educandos, estabelece algumas normas que

revelam a sua estrutura educacional. Alguns destes pontos citados anteriormente foram, ao

longo das entrevistas e trabalho de campo na escola, transgredidos e de certa forma não

158 Com a utilização da lousa digital no Colégio Adventista de Cotia, os temas e conteúdos podem ser bem trabalhados e visualizados.

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compatíveis ao que se espera dos educandos.159 Podemos nos remeter aqui ao que Ellen White

falava sobre os educandos e sua “desmoralização” ou “indisciplina”: “Entre os estudantes

encontrar-se-ão alguns de hábitos indolentes e viciosos. Esses necessitarão de reprovação e

disciplina; mas se não puderem ser reformados, não sejam empurrados mais para o fundo do

abismo por impaciência e rudeza.” (WHITE, 1994, p. 101). E: “Há muitos no colégio que

precisam de completa conversão.” (WHITE, 1994, p. 102). Contudo: “Muitos jovens que são

considerados incorrigíveis não são em seu coração tão ruins quanto parecem. Muitos que se

julgam como não oferecendo esperança, podem-se readquirir por uma disciplina prudente.”

(WHITE, 1996, p. 295).

Nestas questões Ellen White insere o papel do professor, que deve obter a confiança

deste aluno ou aluna “considerado(a) incorrigível” e usar de misericórdia e compaixão para

com ele(a). Até porque a autora considerava que era uma época de perigos especiais para a

juventude, que é cercada por tentações mundanas, e a escola deve ser um “refúgio para os

jovens tentados” e ali tenham suas “fraquezas tratadas.” (WHITE, 1996). Jovens de várias

disposições e educação se associam a escola, e:

(...) requer grande cuidado e muita paciência equilibrar na devida direção espíritos torcidos por uma educação errônea. Alguns nunca foram disciplinados, outros sofreram demasiado as rédeas, sentindo, quando longe vigilantes que as dirigiam, apertando-as demais talvez, que se achavam livres para fazer o que lhes aprouvesse. (WHITE,1994, p. 53).

Para Ellen White, os educandos devem ter um espírito de energia e fidelidade a Deus, e

os educadores devem ter paciência para “discipliná-los”. Pois “(...) o caráter de muitos jovens

nesta idade do mundo é descoroçoante. Muito da culpa cabe aos seus pais. Sem o temor de

Deus ninguém pode ser verdadeiramente feliz.” (WHITE, 1994, p. 48).

Aos pais cabe o papel de ajudar seus filhos e orientá-los, juntamente com o professor:

(...) O verdadeiro pai e mãe contam como seu um encargo que nunca poderão desincumbir-se completamente. A vida da criança, desde o seu primeiro dia até o último, experimenta o poder daquele laço que a liga ao coração dos pais; os atos, as palavras e mesmo o olhar dos pais continuam a moldar o filho para o bem ou para o mal. O professor participa desta responsabilidade, e necessita constantemente compreender o caráter sagrado

159 Quanto ao uso do celular: foi citado em entrevista que o celular foi utilizado na escola e também observado na pesquisa de campo realizada pela pesquisadora. Também o não uso da blusa do uniforme foi identificado nas entrevistas e observado na pesquisa de campo (contudo, a aluna que não estava com a blusa do uniforme no momento da capela teve que se retirar da sala, depois voltando com o traje exigido). Maiores informações da pesquisa empírica no próximo capítulo.

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da mesma. (WHITE, 1996, p. 280).

Quanto à educação dos pais, Ellen alerta que poucas crianças foram devidamente

educadas em casa e o professor “deve ter o tato e habilidade, a paciência e firmeza, que o

habilitem a comunicar a cada um o auxílio necessário”. Considera-se assim que a educação

dos pais é extremamente significativa bem como uma tarefa difícil. Percebendo que:

No atual estado da sociedade não é fácil tarefa restringirem os pais aos filhos, instruí-los de acordo com a norma bíblica do direito. Os filhos tornam-se muitas vezes impacientes sobre a restrição, querendo fazer a própria vontade, indo e vindo segundo lhes apraz. Especialmente dez a dezoito, são propensos a julgar que nenhum mal pode haver em ir a reuniões mundanas de jovens companheiros. (WHITE, 1994b, p. 327).

Realizando a leitura dos objetivos do Colégio Adventista de Cotia de 2010 (p. 6),

podemos perceber que há a “necessidade de restauração do ser humano ao seu estado original

de perfeição”, assim como foi dito por Ellen White. Contudo, não fica a cargo somente da

escola esta “formação do caráter” e de “restauração do ser humano” como vimos

anteriormente. Cabe também aos pais esta educação.

Entretanto, se não há esta colaboração dos pais, é preciso que este jovem tenha

alguém a quem recorrer:

(...) Os moços e as moças que não se acham sob as influências do lar precisam de alguém que cuide deles e que por eles manifeste algum interesse; e os que isso fazem estão suprindo uma grande falta. (...) Esta obra de desinteressada beneficência em trabalhar para o bem da juventude, não é nada mais do que aquilo que Deus requer de cada um de nós. (WHITE, 1947, p. 50-51).160

Para o bem destes e destas adolescentes e jovens, Ellen relembra que o exemplo dado

a eles e elas é primordial: “Seja o vosso próprio caráter, abrandado e subjugado pelas belezas

da santidade, um constante sermão diário para os jovens.” (WHITE, 1947, p. 56). 161 No caso

do Colégio Adventista encontramos pessoas que auxiliam no atendimento dos alunos e alunas

que possam ter problemas familiares e pessoais, como o pastor e uma psicóloga; esta

comparece à escola duas vezes por semana. E os professores também, em sua maioria

160 Disponível no site http://www.ellenwhitebooks.com/ Acesso em: 04 dez. 2011. 161 Disponível no site http://www.ellenwhitebooks.com/ Acesso em: 04 dez. 2011.

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adventistas, o que se mostra adequado ao que os preceitos de Ellen White relataram.

CAPÍTULO III - A EDUCAÇÃO, OS ADVENTISTAS E ARAUTOS DO

EVANGELHO INTERNACIONAL: PERMEANDO O CAMPO

EMPÍRICO

Depois de conhecer os grupos religiosos e seus históricos educacionais, neste capítulo

iremos observar as experiências educacionais do Colégio Arautos do Evangelho Internacional

e Colégio Adventista de Cotia em relação à presença dos alunos e alunas não-confessionais

nestas escolas. Quem são estes alunos e alunas não-confessionais que estudam no Colégio

Adventista de Cotia e Colégio Arautos do Evangelho Internacional? Como eles e elas

convivem neste ambiente educacional confessional? Como as escolas trabalham com estes

alunos e alunas?

Buscaremos respostas por meio dos dados e informações colhidos no Colégio Arautos

do Evangelho Internacional durante o ano de 2010 – especialmente em seus últimos meses de

funcionamento, já que este não segue mais suas atividades educacionais em 2011 – e no

Colégio Adventista de Cotia durante os anos de 2010 e 2011, ambos situados em São Paulo. A

partir de entrevistas, conversas, observações de campo, muitos registros foram feitos e

aprofundados sobre estes alunos e alunas não-confessionais. Foram realizadas nove

entrevistas no Colégio Arautos do Evangelho Internacional e sete idas ao Colégio durante o

ano de 2010. No Colégio Adventista de Cotia, foram realizadas cinco entrevistas até o ano de

2011 e dez idas à escola em 2010, inclusive para utilização de livros na biblioteca. Em 2011,

ocorreram três visitas, duas para assistir às aulas de Ensino Religioso e uma para participar da

capela. Em um primeiro momento do capítulo, colocaremos apenas os relatos e

observações 162 efetuadas nas escolas. Dando continuidade, estarão as análises do que foi

observado pela pesquisa, pontuando as informações e elementos importantes à luz de teorias

que permitam uma melhor compreensão dos dados empíricos, como a socialização e a

observação do perfil religioso destes adolescentes.

162 Os nomes das pessoas entrevistadas foram alterados para que suas identidades fossem preservadas.

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3.1 Percepções e observações no Colégio Arautos do Evangelho Internacional

A vida tem sim e tem não: leis e regras. E isso se aprende na escola. (Frase de um dos arautos diretores do Colégio Arautos do Evangelho Internacional).

Neste momento, serão apresentados os dados e informações obtidos no Colégio

Arautos do Evangelho Internacional durante o ano de 2010. Alguns destes dados e

informações foram encontrados em um trabalho no curso de formação de consultores,

realizado pela ex-diretora, no ano de 2010: “O Colégio Arautos é uma escola católica,

particular, localizado na Granja Viana, em São Paulo, fundada há 5 anos, contando com 284

alunos de classe média distribuídos nos cursos de Educação Infantil e Ensino Fundamental.”

(MAZZO, 2010, p. 3).

O Colégio iniciou implantando os cursos da educação infantil até o Ensino

Fundamental II e, no ano seguinte, inseriu o Ensino Médio. No final de 2009, foi retirado o

Ensino Médio. Quanto à sua estrutura pedagógica pode-se dizer que: “Sua gestão foi baseada

em um grupo administrativo (Arautos) e três coordenadoras pedagógicas até o ano de 2009. A

partir daí, por insistência das famílias e do corpo docente, foi contratada uma Diretora

Pedagógica para alavancar a parte pedagógica da escola.” (MAZZO, 2010, p. 7).

A escola foi inaugurada com uma missa realizada pelo arcebispo Dom Cláudio

Hummes, em 29 de janeiro de 2005, com a presença de 2 mil pessoas. Para conhecer melhor

sua trajetória, foram realizadas entrevistas com a diretora, a coordenadora, os professores, o

arauto, os alunos do 8º ano, bem como observações de campo. Houve igualmente participação

de alguns momentos importantes na escola como a missa e as orações diárias.

Um primeiro contato obtido foi com a diretora Manuela163 em abril de 2010, que

esteve na escola até o meio do ano. Junto com seis arautos, ela também tomava decisões.

Salientou que o número de alunos até esta data era de 300 (depois a coordenadora, em

dezembro, disse que eram 293). Quando a explicação da pesquisa foi dada a ela, a diretora

disse não ter percebido diferença entre católicos e não católicos, pois eles parecem “iguais” 163 Do meio do ano para a frente, a direção ficou com Daisy Serrano e os seis arautos. Não pude entrevistá-la devido às incertezas quanto aos dias em que ela comparece à escola. Não a encontrei em nenhuma das vezes em que frequentei a instituição.

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vestidos com o mesmo uniforme. E que não havia '“parado para pensar” nos 10% de alunos

não católicos que havia ali.164

Após o fechamento do Colégio foi possível obter outras informações e uma nova

entrevista com a ex-diretora. Ela pôde relatar sua experiência vivida na escola à pesquisadora

no dia 8/2/2012 no Colégio AB’ Sabin em São Paulo165. Ela trabalhou um ano e meio no

Colégio Arautos do Evangelho Internacional, de janeiro de 2009 a junho de 2010, e em

conjunto com os seis arautos. Contou que sua presença deveu-se à necessidade de um

conhecimento pedagógico mais consolidado na escola, pois desde o início do Colégio não

havia direção pedagógica, que ficava a cargo dos Arautos do Evangelho166. Contudo, não era

o suficiente para que a escola estivesse bem estruturada: “Estava tudo meio estacionado. Sem

saídas pedagógicas, trazendo prejuízos”.

A entrevistada pôde então ter contato com os dados da escola, obteve “carta branca”

para trabalhar e realizar reuniões pedagógicas e acompanhar o cotidiano dos alunos e

professores (inclusive participando dos momentos de oração e missas). Uma das exigências

para trabalhar na instituição, também para professores e professoras, era ser católica. A

entrevistada confirmou os 10 por cento de alunos e alunas não-confessionais presentes na

escola no ano de 2010.

Quanto às experiências mais significativas durante este um ano e meio, salientam-se as

reuniões com os professores, as quais sempre eram um aprendizado, pois se tratava de um

momento em que se estudava junto, e também o acolhimento dado pelos Arautos do

Evangelho. Uma situação problemática rememorada pela entrevistada foi o fechamento do

Ensino Médio em 2010. Havia todo um projeto por parte dos Arautos do Evangelho em

relação ao Ensino Médio167, porém, já em período de férias foi comunicado seu encerramento.

Havia 50 alunos e alunas já matriculados no Ensino Médio, o que criou um clima de

estranheza, já que não se sabia ao certo o motivo para tanto: “Somente os Arautos do

Evangelho sabem o porquê desta decisão”. 164 Em uma conversa com um dos arautos, soubemos que houve um ano na escola que 25% de alunos e alunas matriculados eram não católicos. 165 Antes de trabalhar no Colégio Arautos do Evangelho era diretora do Colégio AB’ Sabin, em Osasco-SP. Quando fechou o Colégio voltou ao seu cargo no Colégio AB’ Sabin. Fez mestrado em Educação no Mackenzie e é formada em Pedagogia pela Faculdade de Santana. 166 A entrevistada acrescenta em seu Plano de Diagnóstico Escolar que a escola possuía índices de evasão que demonstravam a necessidade da contratação de uma diretora pedagógica: “Analisando o histórico da escola, percebe-se que a partir de 2007 os anos iniciais tem um declínio na porcentagem da evasão dos alunos, enquanto, o Fundamental II evidencia um ponto crítico de 2007 a 2008, aumentando a evasão de 25% a 39%.” (MAZZO, 2010, p. 13). 167 Inclusive havia arquitetos que iam à escola, pensando na ampliação de salas para o Ensino Médio, pedindo juntamente com os Arautos do Evangelho a opinião da diretora. Acrescenta a entrevistada que isso ocorrera um mês antes de fecharem o Ensino Médio.

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Em relação às conversas com os pais, a entrevistada diz que estes afirmavam, em sua

maioria, buscar para o filho ou filha na escola uma moral, uma ética, uma disciplina e uma

formação religiosa. O perfil das famílias era o de classe média e alta, da região da Granja

Viana168. Aqueles e aquelas que não eram católicos ou católicas sabiam o que queriam e

estavam de acordo com a proposta da escola. Havia muita confiança dos pais na instituição,

acreditando que os valores ali tratados eram essenciais para seus filhos e filhas.

Relatou que não houve problemas em relação às diferenças religiosas; porém,

observava que os pais, em sua maioria, participavam dos eventos para os quais a escola os

convocava. Diferente dos filhos e filhas, que não participavam tanto destes momentos fora do

horário de aula, especialmente os “maiores”, do EF II.

A proposta educacional da escola tinha no Ensino Religioso a identidade religiosa da

escola. O Colégio Arautos do Evangelho Internacional, que ministrava estas aulas durante os

quatro primeiros anos, passou a ter um leigo para lecioná-las, tendo claro que o catolicismo

deveria ser ali trabalhado.

Os problemas que envolviam o cotidiano escolar salientados pela ex-diretora era o

namoro na escola: “Para os Arautos do Evangelho isso é algo que deve ser evitado na escola,

e o adolescente e a adolescente devem respeitar.169 Conversávamos com eles e elas mostrando

que isto poderia prejudicar os estudos.”

3.1.1 As aulas de ensino religioso no Colégio Arautos do Evangelho Internacional

Dando continuidade aos relatos do que foi observado na prática do ensino do Colégio,

um fator importante foi a presença às aulas de Ensino Religioso, que se tornaram essenciais à

pesquisa, especialmente no 8º ano. No dia 7/11/ 2010, a sala do 8º ano, na aula do Prof. Jair de

Ensino Religioso, realizou uma avaliação; nesta foi utilizado um texto já trabalhado em aulas

anteriores, “A chave do céu”, elaborado pela irmã Daniela na Revista Arautos do Evangelho

de maio/2010. Os alunos deveriam comparar algumas leituras bíblicas (Lc10, 25-37) com a 168 A entrevistada escreveu sobre isso: “Os pais, em sua maioria, possuem o nível universitário. Os alunos provem de classe média ou média alta cujas famílias buscam a formação integral, visando a dimensão cognitiva de qualidade, a dimensão psico afetiva, a dimensão física e priorizando, sobre tudo, a formação religiosa através de uma sistematização de fundamentos filosóficos, teológicos, adaptados pedagogicamente às suas possibilidades e expectativas.” (MAZZO, 2010, p. 8). 169 Um dos Arautos do Evangelho relatou a questão do namoro na escola como algo que devia ser observado e trabalhado.

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parábola do Bomio Samaritano). As aulas seguem o plano de ensino proposto pelo professor,

sendo colocado em anexo170, tendo como objetivo mostrar aos alunos a “importância de

seguir Jesus e o amor ao próximo”. O texto “A chave do céu” relata a história de Lourenço,

que resolve seguir a vida religiosa. Ele costumava costurar rasgos, buracos, que surgiam nos

hábitos dos frades franciscanos. Esta postura seria a sua “chave para o céu”, ou seja, uma

forma de demonstrar o amor ao seu próximo como diz a história.171 Percebe-se aqui um

paralelo com o carisma dos Arautos, que é “ser e manifestar a beleza de Deus” para as outras

pessoas e a devoção a Nossa Senhora.

Desta forma, os alunos, na sala de aula, realizam a leitura da Bíblia e respondem as

questões. O professor também recebe alguns trabalhos sobre Frei Galvão e José de Anchieta, e

alguns ficaram sem entregar. Os alunos que terminaram a prova foram chamados para a

entrevista sobre as aulas de Ensino Religioso.

Foram entrevistados neste dia seis alunos do 8º ano172, quatro meninos e duas

meninas, com idade de 13 e 14 anos. Nestas conversas, pudemos levantar alguns dados

interessantes: três ainda não têm certeza para que escola irão no ano de 2011 (porque o

Colégio Arautos do Evangelho Internacional encerra as atividades em 2010). Um deles irá

para o Colégio Objetivo da Granja Viana, outro para uma escola confessional no Jabaquara

em São Paulo no Colégio Nossa Senhora das Graças (escola em que sua mãe leciona) e outro

para uma escola estadual no Embu. Há uma variedade na distribuição dos alunos pelas escolas

a serem escolhidas em 2011. Em conversas, neste mesmo dia, com funcionários, nota-se que a

maioria dos alunos irá para o Colégio Mário Schenberg em Cotia – SP, próximo ao Colégio

Arautos do Evangelho Internacional, o que permite uma facilidade maior para os pais. Este

Colégio não tem nenhum viés religioso, o que demonstra um interesse dos pais por escolas

que sejam próximas e também por escolas em que os filhos já tenham estudado antes (é o caso

de um dos entrevistados que talvez volte a estudar no Colégio Rio Branco – Cotia – SP).

Em relação à trajetória educacional destes alunos e alunas, três vieram de escolas

confessionais católicas, e um deles não se recorda como funcionava a escola. Um deles que

me chamou a atenção, vem do Colégio Adventista de Cotia, salientando que os pais não

concordam com muitas coisas da Igreja Católica e participam, às vezes, da Igreja Anglicana.

Ele diz não lembrar muito do Ensino Religioso, pois está no Colégio Arautos do Evangelho 170 A escola não permitiu a fotocópia do plano de ensino, e sim a cópia feita à mão do material do professor. 171 O texto “A chave do céu” trabalhado com os alunos se encontra nos anexos. 172 As entrevistas foram realizadas com uso de gravador, o tempo foi curto e não pudemos retirar mais alunos da sala para entrevista. Não foi possível entrevistar somente alunos e alunas não católicos. As observações sobre os alunos não-confessionais se deram por meio das entrevistas concedidas pelo professor, arauto, coordenadora, ex-diretora.

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Internacional desde a 3ª série. Outro é originário do Colégio Nossa Senhora das Graças do

Jabaquara em SP (para onde voltará a estudar ano que vem). Dos não-confessionais, uma

aluna vem do Colégio Eco, um do Mário Schenberg (e talvez volte a estudar lá) e outra do

Colégio Rio Branco, todos em Cotia - SP.

Quanto à confessionalidade destes alunos, todos se disseram católicos, porém quando

levantamos a assiduidade e participação na Igreja, todos disseram não ser frequentes, só

participando quando os pais vão (ou quando um deles vai). Dois disseram não ir à missa; um

até comenta que não costuma ir porque a mãe gosta da Igreja anglicana, mas também não é

frequente. Os demais vão uma vez por mês ou a cada quinze dias. Os entrevistados

conheceram mais sobre as leituras bíblicas e sobre os Arautos no próprio Colégio Arautos do

Evangelho Internacional; todos estão no Colégio desde a 3ª série (4º ano), que foi o início da

instituição. Eles e elas disseram não terem tido uma aula sobre quem são os arautos do

Evangelho e não se aprofundaram no seu histórico.

Referentemente às aulas de Ensino Religioso, eles e elas disseram que houve uma

mudança na forma das aulas de 2009 para 2010. As aulas eram ministradas pelo arauto Rafael,

que as organizava com histórias bíblicas relacionadas às questões atuais. Eles e elas disseram

que o arauto era “um contador de histórias”. Já o Professor Jair trabalhou mais com textos e

no primeiro trimestre (primeiro item) abordou o Islamismo, o Budismo e o Judaísmo, não o

ano todo com o Cristianismo como o Arauto. Porém, o resto do ano foi o Catolicismo. Todos

disseram haver um desinteresse dos alunos pela matéria, assim como relatou o próprio

professor, e uma das alunas disse mesmo que “não se interessa por estes assuntos de religião.”

O desinteresse se mostra pela falta de preocupação com a realização de tarefas e trabalho,

comportamento em sala de aula e participação em sala de aula.

Houve um questionamento da pesquisadora sobre o porquê disso ocorrer, e um dos

alunos disse ser o uso de textos e lousa sempre; uma aluna disse ser a permissividade do

professor e que a matéria é “chata”; os demais disseram ser a preocupação com outras

matérias e não com o Ensino Religioso, conseguindo ir bem nas avaliações. Alguns conteúdos

não se mostraram interessantes para eles e elas como: os mandamentos, o próprio texto “As

chaves do céu” colocado anteriormente e outros que não souberam dizer. Gostaram mais

quando estudaram Ciência e Religião e as outras religiões. Algumas ideias para as aulas de

Ensino Religioso dadas por eles: estudar mais as demais religiões, ver mais vídeos, assistir a

celebrações como a própria missa (para um deles) e fazer atividades fora da sala de aula.

O que as conversas revelaram foi uma realidade já conhecida hoje na religião católica,

que é o pertencimento, mas não a assiduidade dos denominados católicos às missas,

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celebrações etc. Os entrevistados mostraram claramente que não costumam ser católicos

praticantes, ou o são às vezes, quando seus pais os levam. O que parece é um “afrouxamento”

da ligação destes alunos com a religião, de forma que a religião não parece ser tão importante

e relevante na vida deles. Na verdade, a questão do ER está mais ligada a uma questão

pedagógica, ou seja, ”é necessário passar com a média em todas as disciplinas” e os

problemas percebidos por eles são, em sua maioria, os didáticos: uso ou não da lousa, uso de

textos, aulas com bagunça ou sem. O próprio conteúdo da disciplina não é questionado, e sim

como é o professor, o andamento da aula, as atividades, o uso de vídeo etc.

Alguns pontos interessantes puderam ser observados na pesquisa, como a avaliação

dos alunos do 8º ano neste dia, que levavam em conta a interpretação de textos bíblicos com

os textos trazidos pelo professor. Isto já posto no plano de ensino que era “identificar

exemplos bíblicos para as relações humanas e para a relação do homem para com Deus”. Com

o objetivo de “despertar o interesse pelo conhecimento de Deus.”173 Nas aulas do arauto

Rafael, até o ano de 2009, este objetivo era buscado através do conteúdo retirado do livro:

“Catecismo da Igreja Católica”, da edição típica vaticana, edições Loyola. Este livro foi

recomendado pela CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil “para o ensino da

doutrina católica”.174 O catecismo ali se encontra baseado e estruturado “(...) em torno de

quatro pilares: a profissão de fé batismal (o Símbolo), os sacramentos da fé, a vida da fé (os

Mandamentos), a oração do crente (o Pai-Nosso).” (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA,

2000, p. 9).

Todas as informações e acesso ao material utilizado pelo arauto foram possíveis

através de uma conversa no dia 22/6/2010.175 Dois textos trabalhados em sala de aula, como

as Obras de Misericórdia176 e algumas partes do Catecismo da Igreja Católica, que falavam

sobre o amor de Deus, foram parte do último bimestre de 2009. Disse ele que os temas são

trabalhados de forma que mostre aos alunos e alunas que “cada homem/mulher é um tesouro,

que Deus nos ama e que a vida tem regras (e sim e nãos!)”.177

173 Plano de Ensino do Professor Eloir para o 8º ano, que se encontra nos anexos. 174 Texto que se encontra na apresentação do livro e assinado pelo presidente da CNBB, Dom Jaime, e pelo secretário geral, Dom Raymundo. 175 Neste mês eu ainda não tinha conhecimento do fechamento do Colégio. Colhi informações sobre o Colégio na cópia de alguns itens da Proposta Pedagógica, além de comprar o livro do Catecismo da Igreja Católica solicitado pelo arauto, e neste livro poderia encontrar o material trabalhado no ER na escola. 176 As Obras de Misericórdia são quatorze: sete corporais e sete espirituais. Cada obra está relacionada a dar de beber a quem tem sede, e de comer a quem tem fome; visitar os encarcerados, consolar os aflitos. Inclusive “ensinar os ignorantes”, o sentido aqui está relacionado àquele que não conhece a palavra, os conhecimentos de Deus. 177 Palavras do entrevistado colocadas no anexo do dia 22/6/2010, inclusive pedindo para que a entrevistadora copiasse as palavras dele em seu caderno de campo.

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Percebe-se que as aulas de ER têm assim um viés catequético178. Ao longo da

entrevista, se transmite a ideia de que a forma de colocar os conteúdos da Bíblia é que é

importante; o conteúdo da Revista dos Arautos do Evangelho (junho de 2010) foi comentado

como uma indicação de leitura pelo arauto no texto papal: “O encargo de ensinar” (p. 6) e o

seguinte subtítulo: “O sacerdote não deve ensinar suas próprias ideias, nem falar por si

mesmo, nem dizer coisas próprias: mas propor, em nome de Cristo presente, a verdade que é o

próprio Cristo”. Se a verdade já é estipulada, não se ensinam suas próprias ideias? Se sua

ideia da verdade é o próprio Cristo, acaba-se ensinando suas próprias ideias! E se confirma o

viés de ensino proposto:

Na preparação atenta da pregação festiva, sem excluir os dias úteis, no esforço de formação catequética, nas escolas, nas instituições acadêmicas, e de modo especial, através daquele livro escrito que é a própria vida, o sacerdote é sempre “professor”, ensina. (…) mas com a humilde e jubilosa certeza de quem encontrou a Verdade. (REVISTA ARAUTOS DO EVANGELHO, junho de 2010, p. 7).

Portanto, a fé católica norteia a organização das aulas de ER no Colégio, de forma que

na mudança de professor que ocorreu entre 2009 e 2010, antes ministrada por um arauto e

depois disto por um que veio da rede estadual (com formação em Filosofia e Teologia), o

professor era submetido à aprovação dos arautos para trabalhar determinados temas e textos.

No dia 8/11/2010, (momento da aula em que os alunos faziam avaliação), o professor

comentou sua insatisfação com a pesquisadora quanto a essa “dependência” na aprovação dos

temas para o ER e referiu-se à não aprovação de se falar sobre o aborto com o 8º ano. Ele

salientou a dificuldade de se falar sobre os valores cristãos e a falta de participação em

determinados temas, especialmente aqueles de Introdução à Bíblia. Os temas mais tranquilos

de se trabalhar para o professor são os do 9º ano, que discutem fé e ciência179, design

inteligente e vários paralelos com o Antigo Testamento. Quando encontramos no professorado

uma insatisfação quanto à falta de liberdade para se trabalhar o conteúdo, normalmente

algumas dificuldades aparecem, como o próprio engajamento com a sala, o desinteresse do

professor, isso tudo agravado pelas difíceis condições de locomoção até a instituição.

178 “Ensino Religioso de caráter confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados.” PROPOSTA PEDAGÓGICA, 2006, p. 28. 179 Pensando nisso, torna-se interessante compreender como o estudo sobre a ciência faz parte da discussão de um grupo como o Arautos do Evangelho, que preserva a tradição.

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3.1.2 Conversas com o professor de Ensino Religioso

Um momento na escola que possui relação com a religião católica são as aulas de

Ensino Religioso. Portanto, obter contato com o professor ou professora da disciplina de

Ensino Religioso revela elementos importantes sobre o ensino da religião na escola, em

especial para alunos e alunas que não sejam confessionais. No dia 7 de outubro de 2010, o

contato com o professor se deu, inicialmente, com uma ligação telefônica que permitiu

agendar, para antes de sua reunião na escola, uma hora vaga para atender à pesquisadora. O

horário da reunião de professores era às 19 horas. Uma vez que o professor a ser entrevistado

era de São Paulo, após as aulas, ele permaneceu na Instituição, possibilitando, assim, a

entrevista. O momento do Colégio Arautos do Evangelho Internacional naquele mês não era

muito bom devido ao seu fechamento, e o clima era de preocupação dos professores,

funcionários e outros que não teriam mais seu emprego em 2011.

Neste aspecto, ouvir o professor foi importante, pois todas as angústias e preocupações

deste momento escolar se revelaram em seus comentários. O professor, de 34 anos, é formado

em Filosofia na Faculdade São Francisco e em Teologia no ITESP – Instituto Teológico de

São Paulo no Ipiranga. Mora na Zona Norte de São Paulo, o que revela um deslocamento

grande para ministrar aulas no Colégio Arautos do Evangelho Internacional180. Lecionou

Filosofia e Ensino Religioso do 6º ao 9º ano durante um ano e também é professor do Estado

de Ensino Religioso na região em que mora. As aulas do Estado são diferenciadas, o ER é

neutro181, não afirma uma confessionalidade, e os temas são sempre voltados à História das

Religiões, à questão da tolerância especialmente. No Colégio Arautos do Evangelho

Internacional, seria mais um “catecismo”, ensino da Bíblia e suas histórias, voltado para a

elaboração do programa feito pelo arauto.

Algumas diferenças referentes à forma das aulas do professor e do arauto foram

relatadas, e de certa forma, confirmadas pelos alunos do 8º ano, como o uso de livros

diversos, mais temas a serem trabalhados e “nem tanto histórias” como fazia o arauto. E neste

sentido a conversa com o arauto realmente confirma esta forma de organização de trabalho no

ano anterior.

Em relação à disciplina, ele diz que o nome “Ensino Religioso” aborda bem o

180 São duas aulas de Ensino Religioso e duas aulas de Filosofia por semana no Colégio. 181 A neutralidade do ER é algo passível de discussão partindo do pressuposto que o professor pode direcionar sua aula de História das Religiões na sua visão de mundo e de crença.

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conteúdo; quanto à questão da receptividade dos alunos, alguns comentam que não acreditam

no que é transmitido a eles e que a religião não tem utilidade. Os que dizem isso geralmente

não são católicos ou são católicos de nome. Tanto que ele deu o exemplo da irmã de uma

aluna do 7º ano que entrou em debate com o professor e depois, com o próprio arauto,

dizendo que “tudo aquilo era besteira”, que “não fazia sentido” para ela, não continuou na

escola, mesmo sendo filha de católicos (não sabemos se praticantes ou não).

Quanto às avaliações dos alunos, o professor obtém a média dos alunos por meio de

prova objetiva e dissertativa, apresentação de trabalhos. O grande problema para ele é a não

entrega de atividades, a falta de compromisso e de engajamento dos alunos.182 Quando alguns

alunos do 8º ano entraram no assunto, comentaram alguns temas do Ensino Religioso

desinteressantes a eles, colocando a preocupação com as outras matérias que não sejam as do

ER e a falta de aulas mais dinâmicas. Em geral, os alunos vão bem na matéria, relata o

professor. Excepcionalmente os do 8º ano, cujo aproveitamento não é dos melhores,

justificado pelo professor por ser uma sala numerosa e pela própria idade deles. A sala mais

tranquila quanto ao conteúdo é o 9º ano, pois se discutem questões mais atuais, realizando um

paralelo com o Antigo Testamento. Ele diz usar muitos textos para leituras, discussões,

questões (confirmado pelos alunos).

ENTREVISTA COM A PROFESSORA DO 1º e 2º ANO DO E.F. I

O primeiro contato com uma professora do Ensino Fundamental I (do 1º e 2º anos) se

deu no segundo semestre de 2011 por telefone e e-mail, pois o Colégio já havia sido fechado.

Algumas questões foram enviadas e pudemos obter mais informações. A entrevistada é uma

professora jovem, de 26 anos, católica praticante, que trabalhou durante três anos no Colégio.

Disse que a maioria dos professores e professoras é católica, mas que havia colegas de outras

religiões.183

Quanto aos momentos mais significativos vivenciados por ela na escola foi a

homenagem ao Dia dos Professores feita pelos alunos e alunas organizada pela coordenadora.

Também a força que os colegas tiveram para trabalhar até o fechamento da escola, sabendo 182 Aqui é importante pensar a questão do “engajamento”, que se mostra com um desinteresse na matéria e percebido pelo professor pela não participação: será que somente no ER acontece esse desinteresse? E por que seria desinteressante? Pelo conteúdo, pela didática ou pela própria desatenção e preguiça dos alunos? Estas questões serão melhor abordadas na análise. 183 Na entrevista realizada com a ex-diretora, foi afirmado que era condição ser católica para trabalhar na direção.

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que iriam ficar desempregados.

A relação da professora com os arautos na escola é relatada por ela como boa e

produtiva: “Eles eram carinhosos e prestativos. Conversavam conosco sempre que nos

encontravam. Tínhamos um diálogo aberto, conversando sobre tudo, desde assuntos

profissionais como comportamento de alunos até assuntos pessoais como problemas de saúde,

solicitação de oração.” O grande problema para a entrevistada foi trabalhar sabendo que iria

ficar desempregada e que o lugar onde ela amava trabalhar e era respeitada como pessoa e

profissional, iria fechar.

3.1.3 O cotidiano das orações e missas com os adolescentes

É de costume todos os dias na escola acontecer a oração da manhã com os alunos. No

dia 24/11/2010, foi observada a realização de um destes momentos, em que aspectos

importantes do cotidiano do Colégio foram revelados, tendo em vista a sua busca de

identidade católica na Salve-Rainha e Pai-Nosso com os maiores do Ensino Fundamental II, e

com os pequenos de Ensino Fundamental I acrescentando os pedidos pessoais dos alunos para

aqueles que precisam. Os discentes iam para a sala cantando “Mãezinha do Céu, eu não sei

rezar...”.

Quando solicitado o pedido de observação na oração inicial do Ensino Fundamental II

com o arauto Rafael, ele disse ser mais interessante conhecer a oração com os pequenos, do

Ensino Fundamental I. Sendo assim, a pesquisadora não acompanhou o Ensino Fundamental

II, e sim o I. Um dos funcionários disse que os maiores não escutam muito e que a oração

costuma ser rápida, um dos motivos da solicitação do arauto para que assistisse à dos

menores.

Na oração inicial com o Ensino Fundamental I, a arauto Marta fez a oração com as

crianças, junto com as professoras; no geral, elas sabiam fazer as orações pedidas e se

comportaram bem.

No fim do ano de 2010, os alunos do EF-I tiveram tudo isso em um momento de integração

com um grupo de crianças carentes ajudadas pela Instituição dos Arautos, além de receber

lanches e presentes.

Dois momentos interessantes presenciados no Colégio foram duas missas: uma com

os(as) arautos, pais e comunidade, e outra com os alunos do Ensino Fundamental II, de 6º a

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9º ano, para a finalização do ano letivo. Na primeira missa, as músicas cantadas eram todas

gregorianas, declarando o estilo “soldado de Cristo” que eles possuem ao se dirigir ao

Santíssimo. Nossa Senhora de Fátima é vista de forma diferenciada por eles, tanto que, na

missa, as pessoas direcionam suas orações à imagem ali presente, rezando uma Ave-Maria. O

brasão com as letras ETP, presente na capela, chama a atenção, sigla que reafirma a

denominação de Jesus Eucarístico (E), de Maria (acima da cruz em formato de “T”) e do Papa

(P).

A outra missa foi de agradecimento pelo ano, reunindo as crianças do Ensino

Fundamental II na capela. A estrutura da cerimônia eucarística foi diferenciada: os cantos

escolhidos não eram os gregorianos, e sim os cantos mais conhecidos da Igreja Católica. Um

fato interessante foi o comportamento e o comentário de um aluno do 7º ano, que, não tendo

acompanhado os colegas para a capela, foi trazido por uma arauto. Chegando ali comentou:

“(...) que chato! Só falta a gente ter que cantar também.” Após isto, uma moça do mesmo

banco o chamou e o fez acompanhar as leituras ao seu lado. Outros alunos foram chamados à

atenção durante a missa, pois conversavam. O modo como o padre conduziu seu “sermão”, foi

a explicação da história do santo do dia – Santo André – irmão do apóstolo Pedro.184 O

sacerdote também discorreu sobre a gratidão a Deus pela escola, pelo que ali construíram. A

moral deixada pelo padre foi a importância do ser humano ser “ponte” para ajudar as pessoas

a se livrarem do “mal”, ou seja, o ser humano deve ajudar o outro a se livrar do que é mau e

estar atento à necessidade do outro.

No momento da comunhão, a maioria dos alunos foi receber a Eucaristia, sendo que

alguns tiveram a catequese na própria escola com o padre Rafael e lá tinham feito sua

primeira comunhão. Em alguns momentos, especialmente os finais, com duas músicas

gregorianas, a forma como os alunos viam o grupo de mulheres arauto cantando parecia de

estranheza, achando toda aquela indumentária risível.185

De fato, a obrigatoriedade da missa para estas crianças mostrou que: muitas queriam

conversar com o colega sobre os assuntos que mais lhes interessavam; algumas estavam

“incomodadas”, “agitadas” nas cadeiras; outras ouviam, mas ficaram prestando atenção às

184 O laço de sangue entre Pedro e André, assim como a comum chamada que Jesus lhes faz, se sobressaem explicitamente nos Evangelhos. Neles lê-se: “Caminhando ao longo do mar da Galileia, Jesus viu os dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes: “Vinde comigo e Eu farei de vós pescadores de homens.” (Mt 4, 18-19; Mc 1, 16-17). 185 Os olhares e comentários em baixa voz faziam-se entender que aquelas mulheres estavam vestidas de modo “estranho” e passível de riso. A vestimenta é como a dos homens: a cruz de São Tiago possui o brasão dos arautos, usam-se botas, na cintura uma corrente, e os cabelos estão sempre amarrados e não são muito longos. Neste dia, não pude realizar entrevistas com o 9º ano, pelo tempo estar destinado aos jogos e aos ensaios de fim de ano.

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outras pessoas. O fato de algumas terem chegado depois, trazidas pela arauto, mostra certo

desinteresse, expresso em seus comentários.

Também pudemos presenciar missas em dia de domingo na Igreja dos Arautos, até

mesmo na nova Igreja reformada em 2011, em que não estavam presentes as arautos, e sim os

meninos que estão na escola de preparação para arautos, que ajudam na organização da missa.

3.1.4 As Arautos e sua participação no Colégio Arautos do Evangelho Internacional

Tendo em vista a participação da mulher no grupo dos Arautos do Evangelho, mostra-

se interessante entender por que este aspecto faz parte de uma mudança estipulada pelos

arautos (antes na Tradição, Família e Propriedade, e no início da dissidência com João Clá).186

Essas questões foram discutidas nas conversas com a arauto Marta, coordenadora pedagógica

do Colégio, em dois momentos: nos dias 24 e 30 de novembro de 2010. Marta falou um

pouco de si, como a idade de 67 anos, de seu trabalho na escola desde agosto de 2005187. Ela

estudou em um colégio de freiras, no Colégio Nossa Senhora do Morumbi, em São Paulo. Fez

Magistério e Teologia. Ministrou aulas tanto de catequese, como de ER em escola

confessional. Ela disse sentir sua vocação desde criança e a seguiu verdadeiramente. A própria

ligação familiar faz parte disto, pois ela é filha do vice-líder da TFP. A ala feminina dos

arautos obteve abertura maior a partir de 2006. Mesmo no início da organização dos Arautos

com João Clá, o processo de entrada das mulheres foi acontecendo aos poucos, uma vez que

na TFP não havia a participação das mulheres. Na segunda conversa, ela revelou melhor o

histórico dos Arautos, relatando o bloqueio financeiro ao grupo de João Clá. Por este ter

vencido as votações feitas pela maioria dos que faziam parte da TFP depois que Plínio

morreu, levantou desavenças pelas mudanças que instaurava. Sem dinheiro e sem lugar

adequado para as reuniões, e com o número de adeptos aumentando, o grupo chegou a pedir

orações à Madre Angélica nos Estados Unidos. Orações que se baseavam na novena a Nossa

Senhora do Bom Remédio.188

186 A abordagem do histórico dos Arautos foi feita no primeiro capítulo da dissertação. 187 Neste dia recebi um texto elaborado pela coordenação sobre o início da escola, colocado nos anexos. 188 Faz sentido o pedido a Nossa Senhora dos Remédios feito pelos arautos na época, pois o histórico de Nossa Senhora dos Remédios se remete às perseguições que ocorriam aos cristãos em 1198. São João de Matha (França, 1160-1223) fundou a ordem dos Trinitários para ir aos mercados e comprar os escravos cristãos e libertá-los. Precisavam, assim, de vultuosas somas de dinheiro. Recorreram a Maria Santíssima e obtiveram sucesso em suas orações. Em agradecimento, Martha honrou Maria como Nossa Senhora do Bom Remédio. A novena está disponível nos anexos do trabalho.

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Os objetivos buscados na escola e por ela são: mostrar aos alunos o certo, o errado, os

limites e formá-los desde pequenos. Um dos exemplos está nas orações feitas todos os dias

antes das aulas: Ave-Maria e ao Anjo da Guarda. Dessa forma, a escola contribui para que o

mundo se converta e siga como Nossa Senhora de Fátima colocou em sua aparição: “Se o

mundo não se converter vem a guerra”. Esta aparição é significante para os Arautos do

Evangelho.

Quando se fala sobre a confessionalidade dos alunos, disse ela que a maioria deles é

católica, mais há também espíritas, judeus e protestantes na escola. Além dos que não

acreditam. Conforme o padre Rafael já mencionara, os pais, quando colocaram os filhos na

instituição, já conheciam a forma da escola, que “não obriga ninguém a se tornar

católico(a)”189 – disseram Marta e o padre. “Os valores cristãos presentes na Bíblia são

aplicados por meio de questões cotidianas das crianças” e “os pais querem que seus filhos

obtenham estes valores”. Marta e o padre Rafael relataram a mesma coisa neste sentido: o

importante para eles é como ensinar estas crianças.

Uma das professoras do Ensino Fundamental I, que trabalhou no Colégio Arautos do

Evangelho Internacional durante três anos, colocou que os arautos sempre a apoiaram.

3.2 O Colégio Adventista de Cotia : percepções e observações

Educar é ir além das ciências e do conhecimento. É despertar para a vida eterna. (Frase encontrada no pátio do Colégio Adventista de Cotia em 2011- sem autoria).

Neste tópico, as observações obtidas no Colégio Adventista de Cotia durante o ano de

2010 e 2011 serão analisadas a partir de entrevistas, conversas, momentos como o da capela

com o pastor, oração dos professores com o pastor e dos professores com seus alunos em sala

de aula. A escolha pelo Colégio Adventista advém de estudos anteriores realizados na

especialização em Ciências da Religião. Para o mestrado, os estudos exigiram o acréscimo de

outro colégio confessional, e optamos pelo Colégio Adventista de Cotia, que apresentam uma

pluralidade confessional, ao contrário da Nova Escola Judaica, de Pinheiros em São Paulo.

189 A não obrigatoriedade de ser católico dito pela coordenadora é algo a ser analisado, o “obrigar” pode estar em detalhes não diretamente visíveis, mas postos como a Verdade pronta e acabada. Exemplos deste tipo podem ser encontrados nos conteúdos do ER, nas orações cotidianas, nas chamadas de atenção da ou do arauto, nas imagens e nas frases postas nas salas de aula e corredores.

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O primeiro contato foi uma reunião no dia 25/8/2010 com a coordenadora Margareth,

o pastor e a vice-diretora (em alguns momentos). Estes revelaram alguns dados da escola,

como o tempo de existência desta, que é de 53 anos. Porém, a Rede Educacional Adventista já

funciona há 13 anos.190 Eles disseram que o Colégio possui eventos que permitem uma

ligação com outros Colégios Adventistas, como jogos, ajudas comunitárias. O Colégio possui,

uma vez por semana, momentos na capela, para as turmas da manhã, às quintas, e para as

salas do período da tarde, às sextas. O pastor realiza as orações com os professores nestes

dias, meia hora antes do início das aulas para que depois os professores realizem a oração com

os alunos nas salas de aula.

O pastor disse que 90% dos alunos não são adventistas191, o que é interessante, e que

boa parte deles não mora próximo à escola. Eles vêm de locais como Barueri, São Roque,

Ibiúna. Neste dia, o pastor comentou que ex-alunos poderiam ajudar na pesquisa ao falarem o

que acharam de estudar na escola e mostrar o diferencial desta em sua vida. Uma ideia

relativamente interessante partindo do pressuposto que os alunos podem realizar uma análise

sobre as mudanças por que passaram ao saírem de uma escola confessional adventista.

3.2.1 Momento da Capela

Um momento muito interessante foi participar do momento da capela, que funciona às

quintas-feiras com as salas da manhã e, às sextas, com as salas da tarde. Neste dia, o pastor

passou um vídeo com uma entrevista com o arqueólogo e pastor adventista Rodrigo Pereira da

Silva no Jô Soares (dia 29 de novembro de 2010)192. Rodrigo mostrou como eram as chaves e

moedas romanas, o espelho da época, os frascos de perfume, uma espada original, além de

uma carta de quatro mil anos. Também explicou como se desenvolveu a escrita e discorreu

sobre curiosidades do tempo de Cristo. O arqueólogo relatou que, historicamente, a

190 No Projeto Pedagógico 2012, o mais atualizado, diz-se que a educação adventista funciona há 116 anos, e possui

no Brasil 314 unidades e 166.644 alunos. Em SP especificamente são 77 unidades e 61 mil alunos. 191 O pastor relatou o valor de 90%. Porém, em outras entrevistas, o valor passado foi de 70% e, em 2012, a

porcentagem dada foi de 82%. Dentro desta porcentagem, muitos pertencem a outras igrejas evangélicas. Se a maioria é não adventista, onde estão estudando os adventistas? Knight (2010), que discute sobre o adventismo, relata, em uma de suas conversas com pais adventistas, que alguns deles observaram cada vez mais pais adventistas abastados e altamente instruídos que enviam os filhos para estudar em instituições não adventistas. “(...)se as instituições adventistas são cristãs apenas no sentido de que apresentam Cristo e a pregação do mundo evangélico, então qualquer boa instituição evangélica poderá cumprir esse papel.” (KNIGHT, 2010, p. 12). 192 A entrevista se encontra disponível no site: http://setimodia.wordpress.com/2010/11/30/jo-soares-entrevista-o-arqueologo-e-pr-adventista-rodrigo-pereira-da-silva Acesso em: 17 dez. 2010.

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ressurreição é comprovada por relatos feitos na Bíblia e pelas condições dos cristãos da época.

Além de uma frase ou “antífrase” (termo utilizado por Jô Soares) colocada pelo arqueólogo:

“A fé é racional”. Este comentário foi reafirmado pelo pastor na escola, dizendo da

importância de se acreditar em Deus e que Ele é a Verdade. E que a ciência e a religião não

são totalmente adversas, pois podem se complementar, como havia sido mostrado na

entrevista com o pastor arqueólogo.

Em uma nova participação neste momento de capela no período da manhã e no dia 20

de outubro de 2011 realizada com o Ensino Médio, tivemos a oportunidade de ouvir um dos

professores da Universidade Adventista em São Paulo, que já escreveu quatro livros e estuda

o comportamento humano. Este professor foi ao Colégio para falar aos alunos do Ensino

Médio sobre o futuro e “seguir o bom caminho”. No início, colocaram uma canção

evangélica, e meninos e meninas se sentaram separados: meninas de um lado e meninos de

outro193. Depois, o pastor apresentou o convidado.

O professor falou sobre escolher o bom caminho, aquele que lutamos pelos nossos

sonhos e que traz coisas boas. Falou aos adolescentes sobre aproveitar o momento de escola e

investimento dos pais. “Na escola e em casa, ainda existem pessoas que ajudam vocês. Na

Universidade não. Vocês terão que ter autonomia e decidir. Para isso, é importante que vocês

sigam o melhor caminho.”

Durante a palestra, o inspetor, o pastor e os professores ficam observando os alunos,

advertindo quando estes estão conversando, mexendo no celular ou dando risada. Ocorreram

algumas vezes em que o inspetor pedia para guardar o celular, para não pôr o pé na cadeira e

parar de conversar. Um trio de dois meninos e uma menina (a única que estava do lado dos

meninos) estava conversando demais e alto. Tiveram que sair da sala, e a menina precisou

tirar a blusa que não era da escola. Depois, retornaram à sala.

Houve o momento de oração antes da fala do professor e ao final da palestra. Alguns

alunos e alunas se envolveram, outros não. O professor seguiu para a sala do 3º ano do Ensino

Médio para informá-los sobre a Universidade Adventista.

ENTREVISTA COM O PASTOR E CAPELÃO DO COLÉGIO ADVENTISTA DE COTIA

O pastor se mostrou receptivo e realizamos a entrevista em sua sala no Colégio no dia

193 Uma das meninas do Ensino Médio estava ao lado dos meninos, o que não é permitido, e mais tarde teve que sair da sala por estar conversando alto e atrapalhando a palestra.

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25/11/2011. Sala esta em que ele fica à disposição dos alunos e alunas que sentirem

necessidade de conversar ou forem encaminhados pela coordenação ou direção. Divide com

ele esta sala uma psicóloga que está ali duas vezes por semana.

O pastor tem 28 anos, formou-se em 2009 na faculdade de Teologia – UNASP –

Centro Universitário Adventista de São Paulo. Sua origem religiosa é católica. Porém, tornou-

se adventista aos 16 anos, porque alguns familiares próximos também eram desta confissão, o

que permitiu um contato maior com a religião. Trabalha na escola desde 2009. Em um

período, lecionou Filosofia; mas isso não deu muito certo, por ele também fazer as capelas na

escola. Então, não lecionou mais. Anteriormente, trabalhava no campo e ajudava o pai.

Seus melhores momentos de capela com as crianças e adolescentes foram aqueles em

que muitos adolescentes ficaram emocionados com as experiências de vida que ali eram

contadas. Isto fez com que ele sentisse que a experiência da capela havia sido extremamente

importante e rica. Outros fatos importantes, fora da capela, foram algumas conversões que

ocorreram nestes dois anos de trabalho do pastor: uma delas de um pastor de outra religião e a

de alguns pais que, conhecendo mais a Igreja adventista e pelo contato com a escola,

mudaram de religião. Também a semana de oração e os “encontrões” (nestes participam

vários alunos e alunas da rede educacional adventista), que ocorrem na escola, trazem boas

lembranças ao pastor.

Um caso relatado por ele foi a de um aluno católico cujos pais não queriam que este

participasse das capelas, por professarem outra religião. A presença nestes momentos de

capela não é obrigatória, de forma que o estudante pode fazer outra atividade na escola. Este

aluno citado, mesmo com a não proibição, quis e passou a participar de todas as capelas.

Complementa o pastor que os alunos e alunas gostam e, às vezes, até esperam ansiosos por

estes momentos de capela.

As capelas, como relatou o entrevistado, não têm a intenção de converter os alunos e

alunas. Diz ele que os temas abordados fazem parte da vida da criança e do adolescente194:

drogas, deficiências, questões ambientais, solidariedade, dentre outros. Alguns palestrantes

vêm da própria universidade adventista ou advêm pessoas com relatos de vida que mostram

superação, fé e amor ao próximo. Tudo isso acompanhado pelos monitores, que ficam

observando as crianças e os adolescentes nestes espaços.

Quanto aos possíveis problemas em relação aos alunos e alunas nesta capela, o pastor

194 Os momentos de capela para o Ensino Fundamental II são diferentes do horário do Ensino Médio. E para não haver confusões, o pastor disse que se passou a separar as meninas do EM dos meninos do EM na hora da capela.

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diz ser a quebra da regra do uso do celular e os relacionamentos entre meninas e meninas do

Ensino Médio, tendo que separar meninos e meninas na hora da capela. O que ele considera

importante é o cumprimento dos princípios adventistas. Em especial, a preocupação com a

questão da saúde e a alimentação. (Na continuação da entrevista, o pastor conta um pouco dos

demais princípios adventistas e da história do grupo, que trabalhamos no primeiro capítulo).

3.2.2 Entrevistas com pais e alunos

FABIANA

Uma entrevista realizada com uma aluna do 9º ano do Colégio Adventista e sua mãe

no dia 10/12/2010, na casa das entrevistadas, revelou elementos interessantes à pesquisa. A

aluna e seus pais são espíritas e católicos, participando semanalmente do Centro Espírita. A

aluna estudava no Colégio Aurora, em Vargem Grande Paulista e, por questões financeiras,

mudou-se para o Colégio Adventista de Cotia.

A matéria de que ela mais gosta é Educação Física e a de que menos gosta é

Matemática. Diz que acredita na Bíblia e no que os professores dizem, mas depois acrescenta

que não concorda com o que os adventistas dizem sobre a volta de Jesus. Ela acha que Jesus

não vai voltar e que eles afirmam este fato como Verdade Absoluta. Aprendeu mais sobre a

Bíblia no Colégio Adventista, pois são quatro aulas por semana. O modo como o Ensino

Religioso é trabalhado é relatado pela aluna como um estudo bíblico, com uma boa

participação dos alunos. As avaliações, por exemplo, têm quatro questões sobre a vida de

Jesus que precisam ser buscadas na Bíblia. Atividades de casa, trabalhos, análise de filmes

valem nota. O exemplo de conteúdo trabalhado foi a questão do arrependimento, com

perguntas como: “O que é o arrependimento verdadeiro?”, por intermédio de leituras

relacionadas à Bíblia, de buscas de notícias relacionadas na Internet e depois colocadas em

avaliação. A parte da avaliação em que ela tem mais dificuldade é a prova, especialmente na

busca das leituras pedidas na Bíblia. Quando falamos sobre sua adaptação à escola, se já

conhece as pessoas e se está acostumada, ela disse ser tímida, mas tem um bom

relacionamento com os colegas. Comentou que entendeu grande parte do que é o adventismo,

porém não teve uma aula sobre os princípios adventistas e seu histórico.

Na conversa com a mãe da aluna sobre o momento de escolha do Colégio

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Adventista195, disse que, na entrevista com a direção e coordenação, percebeu a crença deles

“em Jesus, no soberano, e a boa visão do ser humano que eles têm”. Ficou preocupada no

início e tinha muitas perguntas a serem feitas (o que eles vão ensinar?) já que são espíritas.

Porém, percebeu que os valores que eles buscam em casa estão na escola. Relatou o cuidado

que eles tiveram para não ser impactante a questão da religião adventista para os pais, e que

questões como o não uso do esmalte e do brinco196, por exemplo, foram conversadas com a

filha, de forma que ela só use ambos no fim de semana e que respeite a religião adventista.

Ela conheceu a escola por indicação de amigas que têm filhas na escola. Decidiu matriculá-la

pela questão dos valores que ali são transmitidos, os encontros entre jovens que eles

proporcionam, os projetos sociais, a ajuda que dão se os pais precisarem de algo, como a

própria ida do pastor às casas, quando solicitado. A diferença da escola se dá por esse

conjunto de elementos. Ela relatou que alguns funcionários erram muito em algumas coisas,

mas “a Instituição em si é maravilhosa”; não tem do que se queixar.

REGINALDO E SEUS FILHOS

Outra entrevista foi realizada com um pai de aluno e seus dois filhos, João (14 anos),

do 9º ano, e José (17 anos), do 3º E.M. do Colégio Adventista no dia 29/12/2010 em sua

residência. O pai, Reginaldo, disse ter conhecido o Colégio por intermédio de uma professora

de Caucaia, Elvira, colega dele que tinha os filhos estudando no Colégio Adventista na época

e que indicou o Colégio com ótimas referências. José estudou até o Jardim II no Colégio

Fazenda Santa Paula, em Caucaia do Alto, e depois foi para o Colégio Adventista, estudando

até o 3º EM. João, o filho mais novo, estudou no Colégio Adventista a vida toda. O pai conta

que o filho não reclamava e nunca pediu para sair de lá.

Quanto à sua religião, Reginaldo disse ser católico, depois complementou: “Sendo

sincero, eu tenho ‘tendência’ a ser católico; às vezes, vou na Igreja Evangélica e gosto do

Espiritismo também”. Ele disse ir mais à Igreja Evangélica ultimamente, pois sua mulher é

evangélica, mas não é de ir todos os fins de semana. Esporadicamente, vai a cultos e missas.

Os filhos também se denominam católicos, mas frequentam os cultos com os pais quando eles

vão. Reginaldo, João e José têm amizade com pais e alunos adventistas, que frequentam a 195 Os colégios Objetivo, Anglo e o Cooperativa de Vargem Grande Paulista foram analisados pela mãe, mas ela não gostou dos métodos educacionais utilizados. 196 Porém, ela disse que não vê mal nenhum em ser vaidosa, que é uma coisa boa sentir-se bonita. Mas já que na escola há essas regras, ela diz se adaptar.

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casa deles. O único detalhe é que aqueles não comem carne de porco e alguns são

vegetarianos.

O que ele mais gosta do sistema adventista é por ser sistema tradicional, por não se

“dar muita liberdade” aos alunos. Conta também a parte pedagógica197, pois compara muito

com a escola pública, onde estudou e onde trabalha como professor de Educação Física. Salas

superlotadas, violência, falta de professor, são coisas que ele não quer para os filhos.

Comparou as escolas mais em relação à escola pública e não às outras escolas particulares.

Outro ponto interessante da escola para ele é que os alunos normalmente permanecem na

escola durante anos, firmando laços fortes de amizade. Pedagogicamente, relata que a escola é

fraca em relação à preparação para o vestibular, mas que o preço mais acessível202 e o aspecto

religioso fazem a diferença.

Quando assinou os documentos, comprometendo-se a cumprir as regras da escola, ele disse

conhecer os valores e as regras trabalhados pela escola. Porém, sobre o adventismo em si e

seu histórico, não houve reuniões ou palestras sobre isso. A obrigação de participar de cultos e

de ser adventista nunca foi mencionada ou exigida pela escola. Tanto que disse ir às reuniões,

porém não vai aos eventos religiosos adventistas para os quais a escola convida; só o faz

somente quando são ligados aos filhos.

Sobre as aulas de ER, o pai disse achar muito importante, inclusive no Ensino Médio,

pois a parte religiosa para ele é fundamental. Observando os conteúdos trabalhados com os

filhos, afirmou que aqueles não são preconceituosos e não objetivam converter os alunos.

Na entrevista com João, de 14 anos, do 9º ano podemos reforçar os dados sobre o

grande número de alunos e alunas não-confessionais: na sala de 29 alunos, apenas cinco são

adventistas. Disse ser católico e que acha importante acreditar em Deus. Porém, vai à Igreja

Evangélica e frequenta o Espiritismo também (assim como o pai). Na sua sala, há um grupo

de sete amigos: todos eles não são adventistas, “tem católico e ateu”198. Acrescentou que a

sala não é unida, é “dividida em panelinhas”. Sobre seu relacionamento com os professores e

funcionários, disse ter discutido com dois deles, o professor de Química e o de Ensino

Religioso. Com o primeiro, por questão de data de entrega de trabalho e com o segundo por

adiar demais a data de uma atividade, considerando “falta de comprometimento” do professor.

Revelou que as aulas de ER estão baseadas na Bíblia. Realizam tarefas do livro de ER,

197 No seguimento da entrevista ele disse que a “parte pedagógica do EM é fraca, que não tem base forte para preparar para o vestibular.” 198 Acrescenta-se aqui o comentário feito sobre seus amigos: um deles que se denomina ateu, muitas vezes questionava o professor de ER quando trabalhavam sobre interpretação de alguns trechos bíblicos. O outro colega se diz católico, porém parece não concordar em alguns pontos com o Catolicismo.

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prova, trabalho, peças de teatro a partir das histórias bíblicas. Disse que todo começo de

capítulo apresenta textos que são lidos com a sala, que são aulas teóricas, aulas de elaboração

de peças, de provas, de atividades do livro. A prova, normalmente, tem alguns textos e

perguntas para responder, de vez em quando questões de testes. Ele diz que suas notas são

boas, mas perde alguns pontos com o atraso das tarefas do livro.

O que mais lhe chamou a atenção nas aulas é a participação de um de seus amigos que

é filho de pastor: a professora normalmente o solicita quando tem dúvida, pois o amigo

conhece bastante a Bíblia. O interessante é que ele sabe responder, e a participação dele em

sala de aula é “incrível”. João contou que uma amiga deste filho de pastor é muito

participativa e inteligente e que muitas vezes discorda de algumas coisas que seu amigo diz.

Entretanto, João não se lembra do assunto em que o debate se baseou. Para o entrevistado a

indisciplina em sala de aula atrapalha bastante, especialmente aqueles alunos que vêm de São

Paulo.

Quando João foi perguntado do que se lembra quando se fala de ER, ele respondeu

que é sobre o conteúdo de Ellen White199, e as histórias de pessoas que melhoraram a vida

conhecendo Jesus. Não apreciou muito estudar as histórias de Moisés. Ele gostou dos

momentos da capela, especialmente quando há música (mas “achou uma pena que tiraram o

rock”). Os temas para ele são interessantes, com vídeos e apresentações com assuntos bem

interessantes. Mais alguns conteúdos ainda são repetitivos e interessam só a alguns alunos.

Sobre as orações do começo do dia – a meditação (histórias e debates) – João diz que muitas

vezes são repetitivas e que alguns colegas “não suportam” esse momento.

Outra entrevista foi realizada com o filho mais velho, José, que saiu do 3º EM no ano

de 2010. Contou como funcionava o ER desde pequeno: algumas mudanças foram ocorrendo,

inclusive o número de aulas, que vão de quatro no Ensino Fundamental para duas no Ensino

Médio. A turma ia para fora da sala de aula e ouvia as leituras dos textos. Depois, com o uso

do livro didático, as atividades de reflexão e avaliações são feitas. No Ensino Médio, o

sistema foi de apostilas, mas “ficar sentado lendo versículos da Bíblia não trazia produção e

sim distração” – disse ele. Para reverter a situação, a professora passou a trabalhar com

palestras, slides, curiosidades, apresentações, sem ficar escrevendo e fazendo atividades com

os versículos bíblicos somente. Antes eram questões, interpretações de textos. O entrevistado

disse que os alunos do EM gostariam de aulas que auxiliassem no vestibular, ou que ao menos

contribuíssem na produção de redações. Por isso, a professora mudou a organização das aulas

199 Profetisa e escritora adventista trabalhada no segundo capítulo do trabalho.

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ao longo do ano.

Quanto às avaliações do ER, relatou o entrevistado que a exigência das atividades era

de interpretação de textos. Já no 3º EM, as questões com alternativas, além de trabalhos,

participação e apresentações faziam parte da nota final. Exemplo de questão de avaliação

dado pelo entrevistado: “Jesus disse que Ele mesmo é a Vida. O que Ele quis dizer exatamente

com isso?” E, a partir disso, escrever dando sua opinião. Ele disse que ia bem, mas que não

era uma disciplina que interessava; tirava notas 7,0 e 8,0. O que disse valorizar as aulas eram

as palestras que a professora passou a organizar ao invés de usar somente a apostila. Gostava

quando ela falava sobre princípios – regras para seu cotidiano. O que menos gostava era

quando, antes do atual pastor, se comentava sobre outras religiões, pois alguns se sentiam

ofendidos com o que se falava especialmente sobre o catolicismo. Deu o exemplo de quando a

professora passou um tema sobre mensagens subliminares, que, apesar de serem bem

interessantes, quando se relacionava a religiões (maçons, católicos), as pessoas se sentiam

ofendidas e sempre “dava briga”, tendo sido necessário “limitar o assunto” para esse tipo de

situação não acontecer mais.

Portanto, ele diz que o pastor atual da escola é um dos melhores para falar sobre o

assunto religião, pois fala de Deus e que quando se refere a outras religiões, não as desrespeita

e não diz que os adventistas detêm a Verdade absoluta. Antes, ele achava que havia maiores

problemas para abordar temas de diversas religiões.

Um comentário interessante que aconteceu na capela, lembrado pelo aluno José foi a

discussão sobre o possível fim do mundo em 2012, sobre o calendário maia e suas contagens.

Na verdade, trouxe mais tranquilidade àqueles que temem o fim do mundo e revelou coisas

que eram desconhecidas pelo entrevistado. Quanto aos momentos de orações diárias, o

entrevistado acha que é “um momento bacana”, sendo que a única coisa que se exige do aluno

é que se respeitem aqueles que fecham os olhos para rezar e que fiquem “quietos” no

momento de oração. Disse que sentirá falta disso na faculdade.

Uma ideia para as aulas de ER dada por ele é aprender mais sobre as outras religiões,

mas que o professor seja bem preparado para ensinar ER, que conheça as diversas religiões e

tenha um bom conhecimento sobre o assunto.

GUILHERME

No dia 31/1/2011, o aluno Gustavo respondeu a algumas questões sobre o Colégio

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Adventista e o ER na casa do seu amigo João, que já tendo sido entrevistado anteriormente,

pôde contribuir com a pesquisa cedendo o espaço de sua residência para um novo momento

de entrevista. Guilherme tem quatorze anos de idade e cursava, em 2011, o 1º ano do Ensino

Médio. Estudou o Ensino Fundamental I em escola pública, sem aulas de ER.

Sendo participante da Congregação Cristã, acompanha os pais aos cultos uma vez por

semana. Diz que o adventismo é bem parecido com as doutrinas da congregação, porém,

mesmo sabendo da doutrina de não comer carne de porco, disse não se privar de comê-la.

Disse já conhecer a Bíblia antes de estudar no Colégio Adventista e acha importante estudar o

texto sagrado nas aulas de ER.

Ao explicar como são as aulas de ER, disse que vai muito bem na matéria e que nas

aulas se trabalha muito com teatro, trechos bíblicos e leituras em sala. Comentou que

normalmente a sala é bagunceira e numerosa. Contou haver debates nas aulas de ER, mas que

conversa mais sobre religião com um amigo dele que é espírita, pois este amigo não acredita

em diabo, diferente do entrevistado: “Eu gosto de conversar com ele mesmo não concordando

com muita coisa; também tenho um amigo que se diz evangélico e fala muito sobre

satanismo.”

Conversando com ele a respeito dos momentos da capela e de orações, relatou que, em

alguns momentos, dependendo da palestra ou da oração, os alunos dão risada ou até dormem,

especialmente os que vieram de São Paulo, que não têm religião. Não gosta quando a

professora ou o pastor tentam “dar lição de moral”, como se eles fossem “delinquentes”. Um

exemplo foi uma palestra em que o pastor comentou sobre o “rock” e reafirmou a frase:

“sexo, drogas e rock’n’ roll”, dizendo que este tipo de música acelera o coração, libera

adrenalina e que “não faz bem” (e o entrevistado adora “rock”). Ou sobre o uso do esmalte

das meninas, como se fosse algo de mulheres “vulgares”. Disse que muitas vezes tentam

influenciar os alunos com alguns comentários: “Sobre a carne de porco, por exemplo, contam

a história que o porco é sujo, impuro.”

O que chamou a atenção dele foi uma palestra sobre mensagens subliminares e sobre

drogas: “O palestrante, ex-usuário de drogas, foi bem engraçado. Uma menina duvidou que

ele tinha amputado a perna e usava prótese. Ele disse a ela para puxar a perna dele e a prótese

saiu! Todos riram!” – disse o entrevistado. O que mais ele gosta nas aulas de ER são os teatros

e também algumas explicações que a professora deu a ele sobre numerologia, como o 666.

Um assunto que o ER aborda e o que é mais relevante para ele são os discípulos de Jesus. Só

não gosta das aulas em que tem que fazer prova.

Algo que proporia para as aulas de ER seria um aprofundamento sobre o Apocalipse,

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pois se fala pouco sobre isso. Ele também sugere não retirar o teatro das aulas.

ENTREVISTA COM MÃE E FILHA DO 9ºANO DO COLÉGIO ADVENTISTA

No dia 19/9/2011, houve a oportunidade de conversar com uma destas alunas do 9º

ano em sua própria casa juntamente com a mãe. A filha Gisele tem 14 anos e estuda no

Colégio Adventista desde a pré-escola, há 10 anos. É evangélica e frequenta a Renascer nos

fins de semana, com a mãe. Quando foi perguntado sobre as diferenças entre a Igreja

Renascer e a Adventista ela disse que “a Igreja Adventista é mais tradicional e regrada; na

Renascer, há mais liberdade, menos regras...”

A mãe relatou que era católica quando criança e adolescente, mas não praticante.

Começou a frequentar a Igreja Batista e depois foi para a Igreja Renascer. Sempre quis que

sua filha estudasse em um colégio evangélico, pois acha de extrema importância o trabalho

com valores e moral na escola. Como trabalha com educação, sendo supervisora de ensino da

Prefeitura, diz perceber que a Escola Adventista é adequada para realizar a educação de sua

filha.

A filha disse gostar de todas as disciplinas menos de História e Geografia. Relatou que

os momentos de capela são bons e, dependendo do caso, estes levam muitas pessoas a se

emocionar com os testemunhos ali apresentados, como o de um rapaz que matava pessoas,

quis matar a própria mãe e se converteu ao adventismo. Quanto aos dois primeiros encontros

da capela, em que se falava sobre as regras da escola, Gisele disse ter sido muito repetitivos,

pois já as conhecia muito bem.

Porém, algumas vezes, quebrou as normas, usando o celular no banheiro para falar

com a mãe sobre não poder utilizar uma blusa que não era do uniforme. Estava com dor de

ouvido e gripe e precisava da blusa. Não a deixaram vesti-la e ela telefonou à mãe pedindo

que ligasse para a escola.

Outro momento foi o de ir com as unhas pintadas de um esmalte rosa bem clarinho

porque havia a festa de uma amiga fora da escola. Observaram e disseram que ela tinha que

tirar. Ela pediu à coordenadora, que disse que só naquele dia liberaria o uso.

A mãe relatou outra transgressão à regra quando a filha tinha apenas quatro anos. Ela

havia colocado brincos na filha em um domingo (brincos pequenos). Por acordar bem cedo no

dia seguinte, a mãe nem se deu conta que a filha tivesse ido com eles para a escola. Quando

foi buscar a filha, viu que colocaram um esparadrapo sobre os brincos. Ela achou um absurdo

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e foi reclamar com a professora porque haviam constrangido sua filha.

Dando continuidade, a mãe colocou sua insatisfação em relação à metodologia, pois

não prepara para o vestibular. Também relatou não gostar de uma “funcionária confusa” da

escola, que normalmente atende pais e mães. Outro momento foi no período em que a sala da

filha tinha 40 alunos. Então, os pais foram reclamar e distribuíram a turma em duas salas.

A filha lembra outro fato relacionado aos problemas com a escola: quando fazia

voleibol antes das aulas da tarde, ficava na escola, pois não tinha como os pais a levarem mais

tarde. Ela sempre gostou das histórias de Harry Potter, e a mãe comprou os livros da série

para incentivá-la a ler. A aluna levou um dos livros à escola e ficou no pátio lendo, antes de

as aulas começarem. Perguntavam o que ela fazia ali e ela respondia. Uma das funcionárias

passou e disse que ela não podia ficar ali, olhou o livro e disse que não podia lê-lo na escola,

pois “aquilo não era de Deus”. Foi até dito que ela ficasse fora da escola, mas acabaram

deixando-a ficar em um dos pátios, com a condição que guardasse o livro, senão não o

devolveriam mais. Por esse fato, a aluna disse não fazer mais voleibol no Colégio.

Lembrou também um dos momentos em que foi chamada a atenção por estar

namorando na escola. Todavia, quando souberam que o menino era irmão dela (irmão porque

sua mãe se casou novamente com o pai deste menino), ficaram sem graça e pediram

desculpas.

Em relação ao que mais gosta de fazer fora da escola: “Sair com os amigos e amigas

no shopping, também ficar no computador”. Utiliza redes sociais como facebook, MSN,

dentre outros. Também lê histórias e contos. Na escola, gosta dos momentos de teatro no

Ensino Religioso e de suas amigas: “Poderia ter teatro sempre, porque todos gostam. E da

feira cultural também”.

Ela costuma ter bom aproveitamento nas aulas, tirar boas notas e por isso vai realizar

sua viagem de formatura com os colegas e as colegas de sala para Santa Catarina. Lamenta

somente a sala não poder escolher o professor paraninfo de sua formatura, pois é a escola que

escolhe. Disse que não quer mudar de escola para fazer o Ensino Médio, apesar de “não

preparar para o vestibular”.

3.2.3 Entrevista com a professora de Ensino Religioso do Colégio Adventista de Cotia

No dia 23/9/2010 a professora Priscila, de 27 anos, adventista, que ministra aulas de

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ER do 6º ao 3º EM no Colégio Adventista respondeu a algumas questões sobre o modo como

funciona o ER na escola. Ela trabalha ali há três anos. Sua formação é em Pedagogia, com

disciplina de Cosmovisão Bíblica e Cristã. Deu aulas no estado para o EJA (Educação de

Jovens e Adultos) no Capão Redondo, substituindo os professores que faltavam e trabalhou na

administração de outro Colégio Adventista em São Paulo.

Nas aulas de ER, ela diz que se ensinam valores, princípios e histórias bíblicas.

Quanto à percepção da professora sobre a presença de alunos não adventistas em sala de aula,

ela diz que depende da pessoa para perceber se é adventista ou não; alguns eram adventistas e

ela não o sabia, por exemplo. A professora disse que os alunos que vêm de outras escolas e de

outras confissões religiosas se adaptam rapidamente e costumam ir bem.

Para ela, a sala com maiores problemas para dar aula é o 7º ano, até pela própria fase

por que eles estão passando. Já o 8º e o 9º ano dão um maior retorno, pois qualquer coisa que

ela pede, eles o fazem bem. A dificuldade que ela sente em relação às aulas de ER em geral

são os conteúdos repetitivos, como os textos de Daniel, tendo muitas vezes que readaptar as

aulas, com outras formas de abordagens, como palestras, teatro etc.

Segundo a professora, os debates normalmente são muito bons, têm retornos positivos

e mostram que os alunos são conscientes. Exemplos de assuntos discutidos: eutanásia, aborto.

Para a entrevistada, as decisões dos alunos nas discussões mostram a educação que eles

trazem da casa e sua religião.

As aulas normalmente são expositivas, com trabalhos práticos, dramatizações, filmes e

vídeos. “Dá trabalho, mas vale a pena”, disse a professora. Ela não conhece outras propostas

de trabalho com o ER, só a experiência de ter tido aula extra de ER na escola. Sobre a

definição e currículo do ER, tem a seguinte opinião: “O ER deveria se adaptar à realidade de

cada escola, não ter um conteúdo fechado que tire a liberdade do professor. Deve ter ER no

Estado, sim.”

Em relação à participação dos pais na escola, ela diz que os mesmos participam,

sempre ligam na escola, independentemente de serem adventistas ou não. E que na verdade os

pais não adventistas são os que mais participam. Ela disse que muitos colocam o filho na

escola porque acham que este deve aprender religião e possuir uma moral religiosa.

Os conteúdos que mais chamam a atenção dos alunos – disse a professora – são os

Sinais, a Volta de Jesus e o Fim do Mundo. Os mais difíceis de trabalhar e que causam

desinteresse, o que a leva a usar o emocional na hora de falar da vida de Jesus, são os do 9º

ano, que versam sobre sua prática no cotidiano, o que para a professora é difícil, pois tem que

dizer o que se deve ou não fazer (por exemplo, a saúde): “Até para mim é difícil pôr em

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prática aquilo que eu ensino, especialmente sobre comer bem”.

3.2.4 As aulas de ensino religioso no Colégio Adventista de Cotia

Antes de trabalharmos com os dados coletados e obtidos nas aulas de Ensino Religioso

no Colégio Adventista de Cotia, observamos o material que é utilizado para o Ensino

Religioso do Ensino Fundamental II – do 6º ao 9º ano, da Conexão Essencial, Editora Casa

Publicadora Brasileira. Enquanto objetivos propostos no material didático dados pela coleção

Conexão Essencial,encontramos o estímulo da maturidade espiritual dos estudantes. Não

citando apenas um monte de fatos sobre a vida espiritual, mas buscando incentivar os

estudantes a cultivar um relacionamento íntimo e agradável por Deus. Acrescenta, ainda, nos

seus objetivos que dentro do possível, as aplicações são práticas e atuais. (SUÁREZ;

BENEDICTO; SILVA, 2008)200. Podemos assim compreender o material e as atividades que

permeiam as aulas observadas na pesquisa nas diferentes salas.

7º ANO

O fato de alguém diferente do cotidiano estar assistindo à aula de Ensino Religioso é

um elemento a ser pensado, pois pode mostrar ou deixar de mostrar algo que esteja presente

no dia a dia. Nas idas ao Colégio, houve muita abertura e acessibilidade necessária para

frequentar as aulas de Ensino Religioso. A professora permitiu cada visita e gostava, porque

dizia: “Quem sabe com gente nova na sala, eles fazem silêncio...”

A primeira aula assistida foi no dia 29/8/2011 na sala do 7º ano (6ª série) do período da

tarde, com 15 alunos. As salas possuem um diferencial comparado ao ano de 2010, que são as

lousas digitais. A primeira inciativa da professora foi passar um vídeo sobre uma jovem de 12

anos, adventista, que tinha atividades ligadas à igreja e de ajuda ao próximo todos os dias da

semana como ida a asilos, trabalho de artesanato para ajudar os mais necessitados etc.

Segundo ela, o tempo é curto e tem que se fazer o bem o mais rápido possível. Ela morreu em

um acidente de carro, e o vídeo finaliza-se afirmando a importância de a criança também ser

200 SUÁREZ, BENEDICTO, SILVA. Adolfo S., Marco De, Rodrigo. Livro didático de Ensino Religioso – 9º ano - Conexão essencial. Ed. Casa Publicadora Brasileira. Tatuí - SP, 2008.

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evangelizadora. Uma história tocante, em que os alunos na sala ficam surpreendidos que ela

tenha morrido.

A professora reafirma aquilo falando da importância de a criança ter espiritualidade e

anunciar o Reino de Deus aos outros. Mudando depois de assunto, volta para a aula anterior,

em que discutiam sobre Zaqueu: o cobrador de impostos e a entrada dos ricos no céu. Fica a

moral de que somente aquele que tem um arrependimento verdadeiro e não é apegado a bens

materiais “entra no céu”.

A professora entrega alguns trabalhos, e a sala se mostra participativa e sem

indisciplina. A professora fazia perguntas e quando discutiam sobre arrependimento

verdadeiro, falava-se sobre coisas “erradas” que se fazem no dia a dia, e um dos alunos diz

que quando colou em prova não se arrependeu. (risos o tempo todo).

Alguns alunos se mostraram interessados pela questão da riqueza e céu, demostrando

que haviam entendido. Outros estavam desatentos ou fazendo outras coisas e não

participando.

ENTREVISTAS COM ALUNAS DO 6º ANO

Neste mesmo dia, a professora ia para a sala do 6º ano (5ª série) e disse que iria passar

um filme. Ela me direcionou cinco alunas para a entrevista. Os menores adoraram a ideia de

serem entrevistados. Conversando com alunas de 10 e 11 anos, soube que três delas estavam

em seu primeiro ano na escola. Uma delas, há três anos e a outra, há dois. A escola de origem

delas foram as escolas municipais e não religiosas.

Duas delas são adventistas, uma católica e duas da Congregação Cristã. Existe uma

pluralidade em relação à religião dos pais. Uma das adventistas disse que o pai é católico (não

praticante) e a mãe, adventista (não vai aos cultos frequentemente). Ela costuma ir aos

sábados à Igreja com a tia, que é adventista, e não com a mãe. A outra diz que os pais

participam bastante e que a levam ao culto também.

As duas da Congregação Cristã dizem que os pais vão aos cultos todos os fins de

semana. A católica diz que seus pais não costumam ir à Igreja, e ela vai à Igreja Adventista no

fim de semana com a tia. Interessante perceber como ela se declara católica, frequentando a

Igreja adventista.

Quando pergunto a elas o porquê de os pais terem escolhido o Colégio Adventista,

responderam porque a escola anterior não “ensinava direito”, tinha ensino fraco: “ Não tinha

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nem lição de casa. Eu perguntava para a professora se iria ter lição e ela disse que não

precisava.” Também porque o pai ou a mãe queriam que elas tivessem formação religiosa na

escola.

Quanto aos momentos de capela, as alunas disseram achar interessante quando vêm

pessoas diferentes falar e contar histórias de vida. Sobre as orações cotidianas, uma delas

disse: “A gente reza bastante. Tem vezes que a gente volta da capela e reza de novo. Eu gosto,

mas tem gente que faz bagunça.”

As disciplinas que a maioria disse gostar foram Artes, Ensino Religioso e Educação

Física. Os assuntos de que elas mais gostaram das aulas de Ensino Religioso foram Sansão,

Adão e Eva e Jacó. O tema mais chato foi o de Caim e Abel. Todas disseram que os alunos na

sala se dão muito bem e que se divertem no intervalo.

9º ANO

No dia 5/9/2011, em outra visita à escola, assistimos à aula de Ensino Religioso na

sala do 9º ano do período da tarde, com 26 alunos. Houve um momento de apresentação da

pesquisadora e um dos alunos já veio questionar qual era o curso dela, que religiões estudava.

Disse que achava muito interessante e que se precisasse de algo sobre religiões orientais,

poderia ajudar.

A sala se mostrou muito indisciplinada, com os alunos divididos entre indisciplinados

– que ficam no fundo da sala –, e os interessados, sentados na frente. A professora não se

mostrou rígida e não chamava a atenção deles, até conversava com alguns alunos, enquanto os

demais falavam e brincavam. A atividade foi ouvir uma música da Igreja (que continha

trechos bíblicos que afirmavam no refrão: “Você tem que crer...”), identificar os profetas e

passagens que ali apareciam. Durante a música, algumas alunas cantaram e anotaram tudo. Os

demais não realizaram as atividades. O tema era sobre crescimento e maturidade espirituais.

Comentou-se a santidade, e a professora disse que os santos não foram perfeitos como Cristo,

que pecaram, mas se arrependeram verdadeiramente: “Pensam que os santos eram perfeitos?

Não!”

A professora deu exemplos de como o crescimento espiritual é importante. Falou

igualmente de como sua irmã não tivera este crescimento e o quanto ela se sentia triste por

isso: “Ela ainda é bem imatura. Precisa crescer bastante espiritualmente. Não que eu tenha

crescido muito mas...” (um aluno interrompe: “Ah, professora só porque você é grande ‘tá se

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achando’” – depois deu risada). A sala estava agitada. Dando continuidade, alguns exercícios

ficaram para serem feitos em casa, pois não havia tempo para realizá-los em sala.

Ao ouvir as conversas, alguns comentários chamaram a atenção como o de uma

menina que disse não poder entrar em sala na primeira aula, porque a oração diária já havia

começado. Além de brincadeiras com os nomes dos apóstolos e os de Daniel, João, David.

ENTREVISTAS COM ALUNOS E ALUNAS DO 9º ANO

No final da aula, cinco alunos e alunas foram disponibilizados pela professora para

realização da entrevista: dois meninos e três meninas com 14 e 15 anos. Eles e elas estão há

quatro anos na escola; somente um dos meninos estuda há sete no Colégio. Quatro alunos e

alunas vieram de escolas não-confessionais, menos uma, que veio de uma escola católica.201

Sobre a confessionalidade dos entrevistados: um batista, outra da Renascer e os

demais, adventistas. Uma das entrevistadas salienta que, na escola, 70% de alunos não são

adventistas (diferente do que disse o pastor e coordenação). Um caso interessante é o de um

dos meninos que era budista e hoje é batista.202 A pesquisadora questiona o porquê da

mudança: se foi influenciado pelos pais ou se mudou por interesse próprio. Disse ele:

“Encontrei Jesus e quis mudar realmente.” O comentário gerou um sorriso do entrevistado,

que pareceu bem contente.

Este mesmo jovem disse que não é praticante e seus pais também não. Porém, mostrou

acreditar bastante na Bíblia e ter uma experiência pessoal religiosa. Outras três entrevistadas –

uma da Renascer e duas adventistas – disseram que são praticantes bem como seus pais. O

outro entrevistado disse ir somente com a mãe à Igreja adventista nos fins de semana, pois o

pai é católico não praticante.

A aluna que hoje é da Renascer, anteriormente adventista, disse que, com os pais,

compreendeu que para eles aquilo que foi encontrado na Renascer é “mais completo e

preenche melhor o que querem”. Por conseguinte, mudou de religião e se mostrou mais feliz.

Disse ter muitos amigos adventistas e que não há alguém da sala de que ela não goste, só não

concorda com a bagunça.

Aproveitando o momento, alguns disseram que a sala é unida e que somente se

201 A pesquisadora pergunta se foram encontradas diferenças entre as escolas; todos disseram que sim, pelo não uso do brinco, do esmalte, do boné. 202 Ele já havia questionado a pesquisadora sobre o curso que fazia e sobre o interesse em estar ali na escola.

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diferenciam na hora de escolher o lugar na sala de aula: os da frente são os interessados e

aqueles que se sentam no fundo da sala, os “bagunceiros”. Comentaram não haver muito

debate na sala; não são todos os que participam das aulas.

Os momentos vivenciados na escola de que mais gostam são a capela – que acontece

às sextas-feiras –, quando vêm pessoas de fora para dar palestras que abordam temas de seu

interesse. As disciplinas de que mais gostam não incluíram o Ensino Religioso, e sim

Ciências, Português, Arte e Geografia. Alguns disseram que, nas aulas de Ensino Religioso

deste ano, não houve um tema que tivesse chamado a atenção deles. E sim alguns temas de

trabalhos em 2010, com teatro e música. Colocaram que o Ensino Religioso poderia falar

mais sobre outras religiões, especialmente as orientais, e não somente sobre o Cristianismo.

Eles não fazem uma diferenciação da linha adventista em relação às demais “vertentes”

cristãs.

No decorrer da entrevista, disseram aprender mais sobre outras religiões nas aulas de

Geografia, especialmente sobre o Islamismo. Uma das alunas desabafa: “Vou ser sincera. Não

gosto do Islamismo não.”

Quando se fala sobre os momentos de oração diários, relatam o desinteresse de alguns

alunos, e uma das entrevistadas confessa que gosta de orar ali, pois cumpre seu papel com

Deus na própria escola. Todos foram muito simpáticos, disseram para a pesquisadora retornar

à escola e voltaram para a aula.

Pelas entrevistas e idas às escolas, percebemos que este ambiente escolar permite

contatos e relacionamentos entre as pessoas e acontecem em diversos momentos. Alunos e

alunas não-confessionais, juntamente com os confessionais, participam da mesma dinâmica

educacional e vivenciam momentos de contato com a identidade religiosa da escola. Podemos

observar estas relações através da Sociologia, possibilitando uma compreensão das

informações obtidas no Colégio Arautos do Evangelho Internacional e no Colégio Adventista

de Cotia. Seguimos esta discussão no próximo tópico.

3.3 Os alunos e as alunas não-confessionais nos colégios adventista e arautos do evangelho: processos socializadores

Podemos observar, após o relato de todos os momentos vivenciados com estes alunos e

alunas nos Colégios delimitados pela pesquisa, que no cotidiano escolar destes estudantes

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não-confessionais a socialização é um processo importante para sua vida escolar203. Tudo o

que foi apreendido na pesquisa empírica nos permitiu perceber a escola como um ambiente

social que faz parte da vida das crianças e adolescentes. A relação dos alunos e alunas não-

confessionais com a instituição educacional confessional pode ser observada neste espaço

socializador, que contém elementos de formação destes adolescentes, e ao que nos refere na

pesquisa, momentos em que a religião se insere neste ambiente como orações, aulas de Ensino

Religioso, missas, capelas. Por meio dos esquemas de interação social, podemos perceber as

relações entre alunos e alunas não-confessionais e a instituição escolar confessional que se

revelaram na pesquisa empírica. Para tanto, buscamos na teoria de Berger e Luckmann, Setton

e em outros autores a base para compreender estas relações. Estas discussões se encontram no

próximo tópico.

3.3.1 O mundo social da escola e a socialização

O homem que a educação deve realizar em cada um de nós, não é o homem que a natureza fez, mas que a sociedade quer que ele seja. (DURKHEIM, 1967, p. 53).

A escola tem um papel fundamental na formação da identidade da criança e “de fato a

identidade é objetivamente definida como localização em um certo mundo e só pode ser

subjetivamente apropriada juntamente com esse mundo.” (BERGER; LUCKMANN, 2009, p.

177). A experiência do dia a dia escolar faz parte da interação social na vida cotidiana da

criança. Esta experimenta partilhar sua realidade da vida cotidiana com os outros, e nesta

situação de estar face a face com o outro existe “(...) o caso prototípico da interação social.”

(BERGER; LUCKMANN, 2009, p. 47).

Estar em sociedade é participar da dialética da sociedade (BERGER; LUCKMANN,

2009): o indivíduo não nasce membro da sociedade, torna-se membro dela pelo processo de

socialização. Processo definido pelos autores Berger e Luckmann (2009) como a ampla e

consistente introdução de um indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor

dela. E por SETTON (2009) como um processo que busca a construção de um ser social.204

203 Outras teorias também poderiam auxiliar na compreensão dos dados empíricos. Contudo, seguimos o viés da socialização que se apresentou como ferramenta para compreender a presença de alunos e alunas não- confessionais nos Colégios confessionais Arautos do Evangelho Internacional e Adventista de Cotia.

204 O termo socialização é trabalhado por Piaget e para ele tido como processo descontínuo de construção individual

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Este processo mostra que o indivíduo vai se apropriando de sua realidade social e

participando de ambientes sociais diferentes. Para SETTON (2009), este processo também

pode ser pensado como imposição de padrões à conduta individual e como controle da

sociedade ou aquisição de conhecimento e aprendizado. A dinâmica da socialização pode ser

analisada: “(...) a partir da tensão entre agentes socializadores e, como consequência a

apreensão de uma luta simbólica entre eles.” (SETTON, 2009, p. 297). Esta análise permite

observar as diferentes práticas de socialização em diversas dimensões. A escola faz parte

destas práticas e se enquadra na realidade da vida cotidiana da criança e contém esquemas de

interação social. O como lidar com o outro na escola e no cotidiano está permeado pelo

esquema de tipificações.205 (BERGER; LUCKMANN, 2009).

Um exemplo são os alunos que vivem o mundo social da escola, interiorizam as

normas e reconhecem a significação do papel das outras pessoas dentro deste espaço como o

professor ou a professora, diretor ou diretora etc. Não significa dizer que a criança, enquanto

tal, seja totalmente passiva em seu processo de socialização, mas “(...) são os adultos que

estabelecem as regras do jogo. A criança pode participar do jogo com entusiasmo ou com mal-

humorada resistência. Mas infelizmente não há outro jogo à vista.” (BERGER;

LUCKMANN, 2009, p. 180).

Nesse sentido, a criança interioriza primeiramente o mundo da família, e assim passa

pelo processo de socialização primária, que é a primeira socialização que ela experimenta na

infância. (BERGER; LUCKMANN, 2009). O modo como ela vai dar seguimento aos seus

processos de socialização ao longo da vida será por intermédio de outras “aquisições de

conhecimento de funções específicas”: a socialização secundária. (BERGER; LUCKMANN,

2009, p. 185). Remetendo-nos ao exemplo escolar que faz parte deste processo de

socialização secundária, e, mais especificamente, às escolas confessionais: como pensar na

socialização de um aluno não católico no Colégio Arautos do Evangelho Internacional ou de

um espírita no Colégio Adventista?

Se, em sua socialização secundária, o mundo que lhe foi transmitido se defronta com

outro bem diferente do seu na escola, que é um ambiente de transmissão de conhecimento,

Berger e Luckmann por meio dos exemplos de socializações diferenciadas, dizem que:

de condutas sociais. Concebida como modo de desenvolvimento dos indivíduos. (DUBAR, 2005). 205 Os esquemas tipificadores fazem parte da realidade cotidiana do indivíduo e das formas que o outro é apreendido. Ou seja, apreende-se o outro como “homem”, “europeu”, “comprador” etc. Estabelece-se assim um “modo de lidar” com o outro nos encontros face a face. O outro também me apreende de uma maneira tipicada: “vendedor”, “americano” etc. Ao mesmo tempo em que apreendo o outro, ele também me apreende e ocorrem tipificações dadas pela interação social. (BERGER; LUCKMANN, 2009).

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(...) Uma terceira importante situação que conduz a socialização imperfeita surge quando existem discordâncias entre a socialização primária e secundária. A unidade da socialização primária é mantida, mas na socialização secundária aparecem realidades e identidades opostas, como opções subjetivas. Estas são naturalmente limitadas pelo contexto sócio- estrutural do indivíduo. (BERGER; LUCKMANN, 2009, p. 226).

e

Outra consequência muito importante quando há discordância entre a socialização primária e secundária é a possibilidade do indivíduo ter relações com mundos discordantes, qualitativamente diferentes das relações nas situações anteriormente discutidas.(...) Na socialização secundária a interiorização não é obrigatoriamente acompanhada pela identificação. (...) O indivíduo pode interiorizar diferentes realidades sem se identificar com elas. (BERGER; LUCKMANN, 2009, p. 226-227).

As situações de discordância entre as diferentes socializações podem levar a diferentes

resultados, dependendo da identificação do indivíduo em relação a elas e ao ambiente sócio-

cultural ali presente. A primeira colocação de Berger e Luckmann diz respeito a uma situação

em que a socialização primária do indivíduo discorda da nova estrutura social proporcionada

na socialização secundária. Pensemos no ambiente escolar: os pais de uma das crianças que

estuda no Colégio Arautos do Evangelho Internacional nunca fizeram parte de uma religião.

Seu filho, antes de estudar naquela Instituição, não conhecia a realidade de um colégio

confessional católico. Também não é ligado a nenhuma religião. Porém, na escola é

obrigatório que ele esteja presente às aulas de ER e participe dos momentos de oração e de

missas especiais. Se ele não se identifica com o grupo e se mostra como não religioso,

afirmando-se para os outros desta forma, existe um problema nesta relação e algumas tensões

e inquietudes podem ocorrer.

Pode também acontecer que o indivíduo se relacione com seus mundos discordantes.

Ele estuda no Colégio Arautos do Evangelho Internacional, mas não se identificou com o

catolicismo. Utiliza-se desta realidade apenas pelo motivo de estudar naquele ambiente, mas

não é a sua realidade. Neste sentido, existe uma alternação, uma manobra feita pelo indivíduo

para representar o que não é. Isto é muito interessante, pois ocorre em vários âmbitos da

sociedade, especialmente em um mundo em que as realidades discrepantes se encontram mais

acessíveis e transitáveis.

Desta forma, o cotidiano escolar abrange várias realidades e formas de o indivíduo

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relacionar o mundo da escola com o mundo da família e grupos que estão fora da escola. Para

identificar estes diferentes indivíduos, podemos perceber as denominadas “tipificações”,

conforme nomeiam Berger e Luckmann (2009). Ou seja, dependendo da conduta, dos gostos

de determinada pessoa, identificamos que esta faz parte de determinado tipo de grupo.

Pensando em religião, o que se percebe na escola, ao menos no que pode ser observado no

Colégio Arautos do Evangelho Internacional, é que dificilmente as pessoas de diferentes

religiões ou que não possuem religião são diferenciadas na escola. Como disse a ex-diretora

no relato das entrevistas já posto acima: “Eles parecem iguais”, vestidos com o mesmo

uniforme.

A escola possui esta característica de interação cultural, de forma que o modelo, as

disciplinas, os conhecimentos são partilhados: “(...) Os homens formados em determinada

disciplina ou em uma determinada escola partilham um certo espírito (…) tendo sido

moldados segundo o mesmo modelo.” (BOURDIEU, 2007, p. 206).

O modelo pode ter sido posto para moldar o indivíduo. Contudo, como lembra Lahire

(2002), todo indivíduo mergulhado em uma pluralidade de mundos sociais está sujeito a

princípios de socialização heterogêneos. Podemos observar indivíduos ou atores individuais

(como o autor denomina) menos unificados e portadores de hábitos diferentes e, dependendo

do caso, até contraditórios. Especialmente em relação à realidade escolar e no que interessa

nosso trabalho de pesquisa: aqueles alunos que estudam em escola confessional, mas não

compartilham a mesma confissão da escola.

Vivendo em contextos sociais diferenciados e pensando no universo da família e da

escola, possivelmente pode haver uma determinada estranheza de uma situação escolar vista

no âmbito socializador familiar. (LAHIRE, 2002). Por vivermos nesses tipos de contextos

sociais, também não ocupamos posições idênticas e semelhantes, e sim posições diferentes em

universos sociais variados, denominados por Lahire “atores plurais”.

Não que este se revele um agente duplo, mas ele incorpora:

(...) repertórios de esquemas de ação (de hábitus) que não são obrigatoriamente produtores de (grandes) sofrimentos na medida em que podem coexistir pacificamente quando se exprimem em contextos sociais diferentes e separados uns dos outros. Ou apenas conduzir a conflitos limitados, parciais. (LAHIRE, 2002, p. 41).

Neste sentido, segundo Setton (2009), as experiências de socialização para Lahire

partem da hipótese de que o indivíduo se socializa a partir de uma pluralidade e de uma

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heterogeneidade de disposições incorporadas, não agindo sobre o mundo seguindo um

princípio único norteador. E já que cada vez mais o contato precoce com outros universos

além da família está presente na vida, é difícil pensar em um universo coerente e harmonioso

mesmo na instituição familiar.

A teoria da socialização mais atual com os estudos de Setton ( 2009) e Lahire (2002)

nos permite observar as experiências de socialização na contemporaneidade. Ou seja, permite

observar que existe uma heterogeneidade de experiências socializadoras que precisam ser

observadas. Como pensar nos princípios de ação dos indivíduos na contemporaneidade em

que o mercado é difusor de tantas formas de socialização e que família e escola têm novas

formas e propostas? (SETTON, 2009).

Compreender que nossos alunos e jovens hoje possuem formas diferenciadas de

contato, através de redes sociais e das novas tecnologias, torna-se importante apreender suas

formas de se relacionar com o outro, de agir em variados espaços, enfim, de construir sua

identidade e realidade.

De certa forma, alunos se encontram em instituições escolares particulares e

confessionais, em que o ensino deve produzir a necessidade de seu próprio produto e, assim,

constituir enquanto valor a própria transmissão que cabe a ele. (BOURDIEU, 2007). Se os

padrões de comportamento e de ensino escolar são ligados a determinada religião, atribuem

como valor o que a religião coloca. E, por intermédio da linguagem utilizada nas aulas, das

conversas da vida cotidiana na escola e desta “força geradora da realidade”, como coloca

Berger e Luckmann (2009), é que o aluno pode estabelecer uma conservação ou ruptura da

realidade que pode integrá-lo ou desintegrá-lo à realidade estabelecida pela escola. Ou seja:

“(...) estar em sociedade já acarreta um contínuo processo de modificação da realidade

subjetiva.” (BERGER; LUCKMANN, 2009, p. 207) e “(...) este algo grau de maleabilidade e

adaptabilidade das funções relacionais humanas é, por um lado, uma precondição (sic) para a

estrutura das relações entre as pessoas ser tão mais variável do que para os animais.” (ELIAS,

1994, p. 37).

As relações entre as pessoas revelam uma maleabilidade, sendo que o indivíduo não

está pronto e acabado dentro do processo de socialização. A observação dos momentos de

conversa e trabalho com a linguagem na escola é fundamental para compreender a relação dos

alunos não-confessionais com uma escola que não se liga a sua confissão religiosa. Tal

observação, desse modo, percebe que a conversa, enquanto forma relacional humana revela

muitos elementos significativos sobre como o indivíduo se insere em determinado grupo e

como este está se relacionando: “Um parceiro fala, o interlocutor retruca. (...) As ideias de

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cada um dos parceiros podem mudar ao longo da conversa. É possível, por exemplo, que eles

cheguem a um certo acordo no correr da conversação. Talvez um convença o outro.” ( ELIAS,

1994, p. 29).

Os hábitos pessoais da fala, o discurso que o indivíduo pode aderir quando adulto

constituem uma diferenciação no interior do meio linguístico em que ele cresce. A história

individual do indivíduo dentro da história de sua sociedade, e “(...) a maneira que este se vê e

conduz suas relações com os outros depende da estrutura da associação ou associações a

respeito das quais ele aprende a dizer nós.” (ELIAS, 1994, p. 39).

Elias coloca a importância da sociedade em relação aos indivíduos, e é neste

entrelaçamento do indivíduo com a sociedade que se determinam a natureza e a forma do ser

humano individual. Ao pensarmos no ambiente escolar e em toda a vida social, observamos

este entrelaçamento que faz parte de uma adaptação do indivíduo às exigências da rede social

como um todo. A “moldagem” social do comportamento individual, especialmente na família

e na escola, traz consequências à formação da personalidade da criança. Elias diz que há

peculiaridades na estrutura da personalidade, pois esta pode ser construída por padrões

diferenciados. Ao mesmo tempo em que o indivíduo tenha estruturado determinada

personalidade, ele também participa de uma sociedade e a ela busca se inserir: “Lado a lado

com o desejo de ser alguém em si (...), frequentemente existe o desejo de estar inteiramente

inserido na sociedade.” (ELIAS, 1994, p. 124).

Estas relações podem ser feitas pensando na realidade dos alunos não-confessionais

presentes nas escolas confessionais, pois estes participam daquela sociedade e ali buscam

interagir. Muitas vezes, a criança encontra regras de um ambiente escolar confessional que

diverge de sua crença, como as do Colégio Adventista de Cotia, em que as meninas não

adventistas não podem utilizar nem brinco, nem batom, nem esmalte. Mesmo assim a criança

cumpre a regra, pois participa daquela sociedade e ali se insere, moldando seu

comportamento. Podemos nos ater ao que Elias coloca sobre a maleabilidade das relações, do

aprender a dizer nós: em hipótese, elas moldaram seu comportamento para estarem ali, de

forma que lidam com realidades diferentes e isso faz parte da escola.

A transgressão das regras da escola e os pequenos “deslizes” cometidos pelos alunos e

alunas não-confessionais em relação àquelas citadas em algumas entrevistas, como usar o

celular escondido, esquecer de ter pintado as unhas ou de tirar o brinco antes de entrar no

Colégio Adventista, demonstram esta incoerência e “desarmonia” em alguns momentos dentro

do mundo social da escola. O veículo primordial da socialização seria então a linguagem,

como diria Berger (1944), e as normas comuns permitem uma comunicação em que os outros,

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como os alunos e alunas, professores, funcionários alertam sobre o cumprimento das regras e

permitem à criança uma adaptação recíproca de suas condutas na elaboração do processo

social. (DUBAR, 2005). Ou seja, ao mesmo tempo em que o indivíduo se apropria do mundo

social ao seu modo com atitudes particulares, também constroem e inventam novas relações,

produtoras do social e reproduzem a comunidade. (DUBAR, 2005).

Contudo, existem algumas situações e detalhes em relação ao cumprimento das regras,

às condutas e às atitudes da escola que permitem a existência de algumas situações

desagradáveis para estes alunos e alunas não-confessionais. Para as meninas em especial, pois

o uso do esmalte e dos brincos são detalhes que fazem a diferença no Colégio Adventista de

Cotia. Para as meninas não adventistas, estes recursos são utilizados fora da escola, e qualquer

esquecimento do uso destes na escola é uma quebra das regras e, portanto, são, de alguma

forma, “punidas” e reajustadas às normas da escola: o esmalte e os brincos devem ser

tirados.206

Em relação ao questionamento das regras pelos pais ou alunos(as) – tomando o

exemplo do esmalte e dos brincos – podemos compreender que não se questiona a doutrina

religiosa em si (como a adventista no Colégio Adventista). Os pais questionam, sim, as

atitudes tomadas pela escola que, em alguns relatos, foram tidas como “formas de

constranger” a filha. As alunas não questionam a religião adventista, disseram somente fazer a

unha e usar brincos no fim de semana porque respeitam as normas da escola e consideram-se

cumpridoras das regras (mesmo as tendo descumprido algumas vezes). Os próprios alunos e

alunos observam se a escola cumpre suas regras ou não. Caso percebam algo “diferente” –

como o esmalte e os brincos nas meninas – comentam e questionam. Estes elementos também

colaboram no processo de socialização destes alunos e alunas, que, fazendo parte de um

mesmo grupo escolar e estando sob o mesmo “conjunto de regras”, comunicam-se e

constroem suas relações: “Se as regras, assim como as crenças e os valores que as

fundamentam, se impõem primeiramente do exterior (…) também é necessário que as sanções

recaiam sobre quem as transgrediu, contribuindo, assim, para reforçar nos outros o respeito as

regras.” (DUBAR, 2005, p. 11).

Encontramos então uma relação de poder entre a Instituição educacional e os alunos e

206 Em uma das entrevistas, foi relatado que o brinco não foi tirado e sim “coberto por esparadrapo”. Em outro momento, uma professora trazia uma aluna para tirar o esmalte em uma sala especial, puxando-a pelo braço. Ao mesmo tempo, uma “brecha” no cumprimento desta regra foi citada por uma aluna, dizendo que estava com esmalte claro e ia para uma festa, e conseguiu não precisar tirar o esmalte aquele dia. Os próprios alunos e alunas percebem este não cumprimento das regras e perguntam: “E esse brinco? E esse esmalte?” No início da pesquisa, o uso de brincos pela pesquisadora gerou comentários como este pelos alunos e alunas. (Não houve um comentário que viesse da coordenação, professora ou funcionários).

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alunas não-confessionais que permite ajustá-los e ajustá-las a esta dimensão simbólica dada

pela religião confessional escolar. Ou seja, há dentro das regras da escola as formas de

utilização de determinados elementos simbólicos adventistas ou católicos e aquilo que foge

desta “ordem simbólica” é ajustada pela Instituição por intermédio das relações de poder.

Pensando nisso, seria equivocado considerar estes alunos e alunas não-confessionais e

a Instituição como opostos. Estes estão em constante relação, havendo momentos também por

parte dos alunos e alunas, de contestação (como vimos nos exemplos acima) e também de

reprodução deste grupo social (quando vemos alunos que mesmo sendo de outra confissão

continuam estudando no colégio e não buscam outra escola).

Neste sentido, todas estas relações acontecem no processo de socialização, que se

realiza nesta contínua interação com os outros. E como temos visto “(...) há um processo

recíproco, visto que afeta não apenas o indivíduo socializado, mas também os socializantes.”

(DUBAR, 2005, p. 174).

As formas de atividade humana e os modos de orientação em relação a outrem fazem

parte de um intercâmbio: “Com efeito, na educação, as crianças começam, ao se identificar

com seus próximos (...) por absorver seu mundo social geral, mas o filtrando, a seu modo, por

meio de atitudes particulares.” (DUBAR, 2005, p. 118). Estas relações societárias, como

postas por Weber e comentadas por Dubar (2005), têm a participação de parceiros e parceiras

com interesses variados e desta forma a socialização é colocada como construção de uma

identidade social. Socializando-se, os indivíduos criam e reproduzem a sociedade.

Dependendo da idade das crianças, encontramos maiores ou menores questionamentos

sobre a “moldagem social” de seu comportamento. Tudo depende do histórico da criança e

como esta se encontra em relação ao grupo. A vida cotidiana com sua dinamicidade de

relações permite que, especialmente na escola, em que a importância do grupo é significativa,

a criança tenha mais preocupação em estabelecer uma conversa com os colegas, brincar,

conviver, do que afirmar sua religião. Este convívio entre os alunos e alunas não-

confessionais pode ser observado ao longo da pesquisa e estarão elencados no próximo

tópico.

3.3.2 Os alunos e alunas não-confessionais do Colégio Arautos do Evangelho

Internacional e Colégio Adventista de Cotia - SP

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São os próprios indivíduos quem tecem as redes de sentido que os unificam em suas experiências de socialização. (SETTON, 2009).207

Buscamos compreender melhor o processo de socialização no tópico anterior e neste

iremos nos ater ao que estes alunos e alunas nos revelaram no andamento da pesquisa por

meio das entrevistas, momentos de aula de Ensino Religioso, de orações, capelas, missas e

intervalos. Como estes alunos e alunas não-confessionais se inserem neste espaço educacional

confessional socializador? Buscamos observar como eles estão participando e interagindo no

ambiente educacional confessional, além de conhecer mais suas origens. No caso das escolas

escolhidas pela pesquisa, trata-se de alunos e alunas de classe média, estudantes que vieram,

em sua maioria, de escolas particulares não-confessionais.

Iremos identificar assim, por meio da teoria da socialização, elementos que fazem

parte deste processo de socialização e que estão presentes nas escolas, além de algumas

comparações entre os dois Colégios.

1º : Momentos de integração à Instituição escolar, através do cumprimento das regras,

como o uso do uniforme, o não uso de brinco, piercings, esmalte. Neste ponto, se diferenciam

os Colégios Adventista e Arautos do Evangelho Internacional, pois neste último as meninas

podiam ir de brinco e esmalte.

2º Momentos de transgressão às regras e de intervenção da Instituição para que estas

fossem cumpridas. Neste sentido, também há uma forma de integração quando se estabelecem

normas na escola. O indivíduo para se adequar à instituição deve corresponder ao que lhe é

exigido. Há uma adaptação recíproca de suas condutas na elaboração do processo social.

Também houve algumas “brechas” nas regras que tiveram o consentimento de

coordenadores(as) e funcionários(as) das escolas: como a devolução do celular de uma aluna

no Arautos do Evangelho – que pela regra somente seria devolvido aos pais; o uso do esmalte

rosa por um dia no Colégio Adventista de Cotia – que pela regra teria que ser tirado na escola;

namorados abraçados no início da capela – que pela regra não poderiam ficar se abraçando na

escola. Isso demonstra assim que existe a possibilidade de o aluno e aluna serem ouvidos e

perceber que há momentos de afrouxamento das regras da Instituição. Encontramos aqui uma

maleabilidade em relação às regras, pois o processo de socialização não afeta somente o

indivíduo.

3º Momentos de descontração com amigos e amigas, conversas e troca de gestos de

207 Disponível no site: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782009000200008&script=sci_arttext Acesso em: 03 mar. 2012.

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amizade nas duas escolas. Também com os professores, em que as conversas permitiam risos.

Saídas como excursões feitas em grupo, festas e momentos de comemoração na escola. No

Colégio Arautos do Evangelho Internacional, estas excursões passaram a ocorrer com mais

frequência em 2009, ano em que a diretora pedagógica foi contratada. Dentro destes

momentos de descontração, um elemento observado nos dois Colégios foi a questão do

namoro na escola. Buscaram então orientar e conter tais eventualidades. Nestes casos,

podemos observar que a linguagem, a conversa, enquanto formas relacionais humanas,

revelam elementos significativos sobre o indivíduo e suas relações sociais.

4º Momentos de insatisfação com a instituição escolar, expressa tanto pelos pais

quanto pelos alunos e alunas. Pelos pais, referentemente a algum funcionário ou funcionária

da escola que não realiza ou realizou bem seu trabalho, ao elevado número de alunos em sala,

à falta de preparação para o vestibular ou a atitudes tomadas pela escola em relação aos filhos.

Em relação à insatisfação dos alunos e alunas, apareceram elementos como a indisciplina, a

colocação por alguns adventistas em seus discursos de que as coisas fossem verdades

absolutas, “alguns momentos chatos” (sic), exigências e formas de punição que acharam

ruins. Contudo, esses fatores geradores de insatisfação não foram suficientes para permitir que

haja a saída da escola para outra Instituição. Exemplos como este podem ser vistos nos dois

colégios. Somente no Colégio Arautos do Evangelho Internacional houve poucas entrevistas,

mas a insatisfação aparecia na falta de “pulso” do professor, aulas desinteressantes, e um fato

diferenciado de uma aluna que saiu da escola e questionou com um dos arautos algumas

coisas que não faziam sentido para ela. (Não se sabe se ela saiu por este motivo do

Colégio).208

6º No Colégio Adventista, alunos e alunas são retirados dos ambientes de capela por

estarem “falando” e atrapalhando as palestras, e também são constantemente observados e

chamados à atenção. No Colégio Arautos do Evangelho Internacional, eles também são

observados e mudados de lugar por terem falado alto nos momentos de missa. Estes

elementos aparecem no cotidiano escolar e demonstram formas de atuação da Instituição

enquanto disciplinadora, impondo padrões e formas de comportamento. Observamos então

que a socialização é também a imposição de padrões sociais à conduta individual como diz

208 Podemos acrescentar, mesmo não sendo trabalhados com detalhes neste momento, os comentários e insatisfações deixados por pais do Colégio Arautos do Evangelho Internacional na pesquisa de diagnóstico institucional e Plano de Melhoramento da escola feito pela diretora: insatisfações quanto ao uso da apostila, a falta de contato dos coordenadores com os pais de alunos, a falta de comunicação via agenda, falta de atividades esportivas, reciclagem de professores, divulgação de mais informações aos pais sobre o rendimento dos filhos e atividades. Quanto à insatisfação dos alunos: a escola deveria ouvir mais os alunos, mudança do uniforme, mais higiene, mudança do lanche, mais excursões.

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Berger (1944)209.

7º Momentos de bloqueio para a pesquisa no Colégio Arautos do Evangelho

Internacional, em que o momento da reza da manhã só pode ser visto no espaço do Ensino

Fundamental I e não no Ensino Fundamental II. Também a falta de possibilidade de trabalhar

com questionários e entrevistas com o 9º ano do Ensino Fundamental. Acrescentamos a

impossibilidade de acesso aos dados sobre o seguimento educacional dos alunos e alunas do

Arautos do Evangelho após o fechamento da escola. Estes elementos também revelam a não

abertura para um conhecimento mais aprofundado sobre a escola e informações sobre seus

alunos e alunas não-confessionais.

8º Momentos de insatisfação do professor de Ensino Religioso do Colégio Arautos do

Evangelho Internacional, devido ao desinteresse de alguns alunos. Segundo ele, alguns alunos

questionavam a utilidade da religião, e estes, em especial, eram os não-confessionais ou

católicos não praticantes. Estes não praticantes puderam ser entrevistados, e uma das alunas

disse “não se interessar pelos estudos de religião”.

9º No Colégio Adventista de Cotia, a professora de Ensino Religioso disse que os

alunos e alunas que vêm de outras escolas se adaptam bem e que existem bons debates sobre

diversas questões e que eles e elas participam. Alguns destes alunos e alunas não-

confessionais se mostraram participativos nas aulas, o que demonstra que o aluno ou aluna

que não são adventistas podem comentar o que pensam e perguntar aquilo que não sabem nas

aulas de religião. Tanto que a própria professora adaptou as aulas de ER do 3º EM ao não uso

da apostila, e sim a debates e produção de textos. Ao mesmo tempo, algumas entrevistas

revelaram que, nos momentos relacionados à religião, existem dificuldades para usar a Bíblia

e também certas discordâncias com o que foi dito nos momentos de capela e aula de ER pelos

adventistas. Porém, os próprios alunos e alunas conversam entre si e estabelecem laços de

amizade que permitem debates entre eles. Mesmo sendo de crenças diferentes e possuindo

ideias diferentes. Como coloca Berger: “O veículo primordial da socialização é a linguagem.

Ela constitui um elemento essencial do processo de socialização e, mais do que isso, de

qualquer participação posterior na sociedade.” (BERGER, 1944, p. 174).

10ª O seguimento de uma religião sem ser praticante em algumas entrevistas revela

que a necessidade a uma vinculação religiosa Institucional parece não ser mais tão importante,

como pode ser observado nas entrevistas com os alunos do 8º ano do Colégio Arautos do

Evangelho Internacional. Importante lembrar que o não pertencimento a uma instituição em si 209 Acrescentamos ainda que: “A escola passa a ser entendida como uma instituição disciplinar (…) cuja razão de ser é reduzir os desvios, corrigir, disciplinar os indivíduos.” (MARTINS, 1981, p. 29).

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não significa ateísmo, ou seja, remetendo-nos aos exemplos dados nas entrevistas, vemos que

os alunos que se consideraram católicos não eram praticantes e dificilmente iam à missa nos

fins de semana. Também no Colégio Adventista de Cotia alguns alunos e alunas disseram ser

de determinada religião e não praticantes, ou participam de mais de uma religião. 210

11ª Algumas informações fornecidas por uma pesquisa realizada pela Veja em 2007211,

mesmo não estando contidas em um artigo ou trabalho acadêmico, valem a pena ser aqui

colocadas, pois trabalham com escolas confessionais e discutem em especial as escolas

confessionais adventistas e católicas. Uma destas informações é a comparação do crescimento

de número de alunos e alunas nas escolas adventistas e escolas católicas: as adventistas

possuem crescimento maior. O que as faz crescer são os valores que os pais acreditam ali estar

reunidos. Dentre os católicos, o que mais agrada são a difusão dos valores éticos, morais e

cristãos. E da parte dos adventistas, o incentivo às atividades práticas (inclusive dentro dos

parâmetros de Ellen White) e as práticas conservadoras ali embutidas. Percebe-se, na pesquisa

realizada, que o motivo de os pais colocarem seus filhos nos Colégios Arautos do Evangelho

Internacional e Adventista de Cotia envolve questão religiosa, disciplina, transmissão de

valores e moral cristã. E que o Colégio Adventista de Cotia recebeu mais alunos do que o

Colégio Arautos do Evangelho Internacional.

12ª O fechamento do Colégio Arautos do Evangelho Internacional enquanto escola

confessional católica nos remete a uma observação sobre a diminuição de escolas

confessionais católicas no Brasil, que podem ser identificadas nas pesquisas da ANAMEC212

(Associação Nacional de Mantenedoras de Escolas Católicas no Brasil)/CERIS (Centro de

Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais), no Censo das Escolas Católicas realizadas no

Brasil publicado em 2006. Pelos dados e gráficos mostrados de 2004, foi verificado que o

número de matrículas diminuiu em relação à década de 1990. No caso do Colégio Arautos do

Evangelho Internacional, uma pesquisa realizada pela ex-diretora e que pode ser melhor

aprofundada em outro trabalho213, aponta alguns fatores que possivelmente levaram ao seu

fechamento como problemas administrativos e financeiros. Também uma diminuição do 210 Tudo isso nos faz pensar também no seguimento da aderência religiosa dos filhos em relação à religião dos pais. O que se entende hoje é que a escolha de uma religião dos filhos em relação aos pais não é mais tão conflituosa como antes. Porém, a maioria as crianças e adolescentes, ao menos até os seus 14 anos (os que foram entrevistados no Colégio Arautos) participam com os pais (quando estes vão) das missas, cultos, celebrações etc., e se denominam da mesma religião que eles. 211 A reportagem se encontra disponível no site: http://veja.abril.com.br/120907/p_116.shtml Acesso em: 03 nov. 2011. 212 Foi fundada em agosto de 1993 por 205 mantenedoras e com a anuência da CNBB. Seu objetivo é manter e promover os direitos constitucionais e legais do ensino confessional. 213 Pelo tempo disponível para finalização da tese, não foi possível trabalhar com este documento. Porém, alguns elementos colaboraram para as considerações finais.

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número de matrículas no EF II durante seus anos de funcionamento.

13ª A caracterização da comunidade atendida pelas escolas puderam ser observadas.

No caso dos Arautos, a comunidade é caracterizada no plano escolar de 2010: “Pais de nível

universitário. Classe média e alta. Famílias buscam a formação integral, a dimensão cognitiva,

psicoafetiva, física e priorizando a formação religiosa através de uma sistematização de

fundamentos filosóficos, teológicos adaptados às suas possibilidades e expectativas.”

(PROJETO PEDAGÓGICO, 2010, p. 9).

No Colégio Adventista de Cotia não encontramos a caracterização da comunidade

escolar como posta no Colégio Arautos do Evangelho Internacional. Contudo, através da

pesquisa empírica e entrevistas, observamos que as famílias são de classe média e de regiões

diversas: Cotia, Itapevi, Barueri, São Paulo.

Nos Colégios confessionais dos Arautos do Evangelho Internacional e do Colégio

Adventista de Cotia encontramos uma afirmação da identidade religiosa das escolas: nas

orações diárias, missas, aulas de Ensino Religioso, capelas. Contudo, os alunos e alunas não-

confessionais permaneceram estudando nestas escolas, pois ali estabeleceram laços de

amizade e mostraram diferenciar o espaço do ensino do espaço religioso. Suas observações e

insatisfações não se fizeram em relação à religião diretamente, e sim quanto ao cumprimento

das regras postas pela escola, à postura dos professores em sala de aula, às disciplinas, ao

rendimento escolar, aos colegas e à integração dos membros de sua sala.

Também os pais, em suas entrevistas, não questionaram a relação escola e religião, e

sim aspectos pedagógicos, como o número de alunos por sala, a preparação para o vestibular,

o atendimento dos funcionários da escola. Os pais assinaram a matrícula de seus filhos e

filhas tendo conhecimento da forma como as escolas trabalhavam, e disseram gostar da

proposta educacional, pois proporcionava disciplina e envolvia uma moral e ética religiosa

que prepararia seus filhos e filhos “para a vida”.

Pelo levantamento dos tópicos anteriores, algumas diferenciações podem ser feitas

entre o Colégio Arautos do Evangelho Internacional e o Colégio Adventista de Cotia. O

primeiro obteve um número menor de alunos e alunas não-confessionais que o segundo.

Passou por problemas financeiros e de manutenção da escola, o que levou ao seu fechamento.

Não foi possível ter um espaço aberto para maiores informações e entrevistas. A escola

recebia mais alunos e alunas de sua própria região, entre Granja Viana e Embu. No Colégio

Adventista de Cotia, o número de alunos e alunas confessionais é maior, e o espaço para as

entrevistas foi amplo e favorável. Também possuem um método educacional ligado a editoras

adventistas e atende um público que advém de várias cidades: Cotia, São Roque, Itapevi,

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Barueri - SP.

3.4 O perfil religioso dos adolescentes brasileiros e os alunos e alunas não- confessionais: algumas relações

As juventudes se banham de modo diverso num caldo cultural no qual se enfatiza mais a adesão a valores do que crenças doutrinárias. (RIBEIRO, 2009, p. 197).

Não somente a teoria da socialização pode colaborar na observação dos dados da

pesquisa, mas também os estudos sobre a relação do adolescente e da adolescente/da jovem e

do jovem com a religião se enquadram nas análises dos alunos e alunas não-confessionais que

estão presentes em escolas confessionais. Apesar de as pesquisas já realizadas estarem

voltadas à juventude brasileira e a universitários, e este presente trabalho lidar com

adolescentes e público de ensino fundamental e médio – faixa dos 12 aos 17 anos, é possível

utilizar-nos dos dados em relação à juventude brasileira para compreender nosso campo

empírico, pois alguns elementos podem estar presentes não só na Universidade mas também

na escola.

Pensando neste perfil religioso dos jovens brasileiros, Regina Novaes (2004) coloca

que os jovens desta geração estão inseridos em um campo religioso mais plural e competitivo.

O fluxo de católicos para outros grupos religiosos ou sem religião aumentou. Aumentaram os

números dos evangélicos e dos “sem religião”. Dentro deste quadro aumentaram as

possibilidades de os jovens escolherem suas igrejas e grupos e não necessariamente seguir a

religião dos pais. Ou até combinar diferentes religiões, com um “duplo pertencimento”.

Exemplos como estes foram dados pelas entrevistas com os alunos dos Colégios Adventista

de Cotia e Arautos do Evangelho Internacional. Os que se declaram católicos disseram não ser

praticantes. Alguns mudaram de religião, exemplos no adventista. Outros possuem pais com

religiões diferentes ou com dupla pertença (em um dos casos até três).

Desta forma, não só a socialização, mas também o perfil do(a) adolescente e jovem

dentro do campo religioso brasileiro são elementos a serem considerados. Podem-se

presenciar na escola formas de relação dos adolescentes com a religião que se mostram bem

diversificadas e com uma formação religiosa familiar ligada a um duplo pertencimento; em

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outros casos, ou professam uma religião e não a praticam, ou há uma mudança de religião.

Assim, o(a) adolescente tem maior facilidade em lidar com tal diversidade, tendo contato pela

mídia como TV, jornal e Internet, com as diferentes confissões e possuir amigos ou amigas

de sala com crença diferente da sua.

Acrescenta a autora: “Para os jovens de hoje, multiplicam-se as igrejas e grupos de

várias tradições religiosas. Para eles também existem possibilidades de combinar elementos

de diferentes espiritualidades em uma síntese pessoal e intransferível.” (NOVAES, 2005, p.

265). Estas possibilidades advêm por meio da intensificação da velocidade das informações, e

adolescentes e jovens entram em contato simultaneamente com as dimensões locais e globais.

(NOVAES, 2001). Desta forma, as conquistas tecnológicas modificam o processo de

socialização, como a comunicação virtual. Neste sentido, “aquele mundo dos pais” se tornou

diferente do “mundo dos filhos” em relação às novas tecnologias e à escolha religiosa do

filho, que não necessariamente precisa ser igual à dos pais, à pressão e à preparação para o

mundo do trabalho. É possível notar também que, em geral, os jovens214 estão ligados a uma

“adesão religiosa frouxa”, como disse Regina Novaes: “No que diz respeito ao campo

religioso, a literatura internacional já destacou a emergência de um mundo religioso plural em

que cresce a presença de grupos e indivíduos cuja adesão religiosa é frouxa e pouco

institucionalizada.” (NOVAES, 2001, p. 202).

Também o que Jorge Cláudio coloca em sua pesquisa sobre religiosidade jovem,

mostrando as mudanças no quadro religioso brasileiro, como a perda de fiéis pelo catolicismo

e aumento de evangélicos e sem religião, faz parte da compreensão dos dados empíricos deste

trabalho. Também o trânsito religioso foi observado no campo empírico, revelando uma

mudança na escolha do jovem e adolescente frente à religião, obtendo este mais oportunidade

de escolha e mais “opções” dentro do mercado religioso. Portanto, a queda de praticantes

regulares, a pouca concordância de que só a própria religião seja a verdadeira, a queda da

confiança nas igrejas, a referência a um Deus pessoal revelam este quadro religioso mais

atual: “(...) Mas, com a modernidade, o esgarçamento da visão unificada de mundo e as

incoerências do cotidiano relaxam a adesão dos indivíduos à prática ritual e à pertença

religiosa.” (RIBEIRO, 2009, p. 80). Complementa Regina: “Suas crenças e opções religiosas

parecem estar mais para o ‘aqui e agora’, para manter e projetar a vida, do que a preocupação

com o destino após a morte.” (NOVAES, 2001, p. 184).

214 O estudo de Regina Novaes é sobre a juventude, não especificamente sobre adolescentes. Porém, podemos nos utilizar de suas observações para trazê-las ao ambiente de adolescentes não-confessionais no Colégio confessional dos Arautos.

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Todas as ditas “incoerências do cotidiano” também observadas na pesquisa mostram

que a adesão religiosa dos indivíduos mostra-se mais “relaxada”, com preocupações com

aquilo que é de necessidade imediata. As dimensões de velocidade das informações locais e

globais fazem parte desta realidade e está presente na escola. É possível, então, que os

adolescentes, mesmo estudando em um ambiente educacional ligado a uma religião diferente

da sua, não vejam esta questão como um problema, pois naquele momento, se estão ali,

“sabem as regras da escola e devem segui-las”. Não necessariamente quer dizer que também

as cumpram fora da escola.215

Como coloca Timm no âmbito adventista: '”Muitos adventistas não se interessam mais

em memorizar textos bíblicos, julgando isso uma tarefa desnecessária e antiquada.” (TIMM,

2004, p.169). E acrescenta: “Além disso a religião passou a ser encarada como uma questão

de preferência pessoal (...) distanciando-se cada vez mais dos componentes doutrinários

distintivos das respectivas denominações que lhe deram origem.” (TIMM, 2004, p. 168).

Observa também o autor que os professores passaram a se interessar mais por “suas

próprias disciplinas acadêmicas” do que pela identidade religiosa da instituição, e que assim o

zelo pela vida religiosa e pela conduta moral dos estudantes deixou de ser uma preocupação

coorporativa, de todo corpo docente, para tornar-se responsabilidade apenas de uma classe

específica de funcionários religiosos (capelães, secretários etc.). (TIMM, 2004).216

Sendo assim, a realidade das instituições educacionais confessionais pode conter estas

questões postas neste tópico, e que supostamente podem ser fatores explicativos para

encontrarmos alunos e alunas de outras denominações ou que não possuam religião nas

escolas confessionais do Colégio Arautos do Evangelho Internacional e Colégio Adventista de

Cotia. Outros elementos podem ser acrescentados ou verificados em pesquisas futuras.

215 Comentário das mães dos alunos e alunas do Colégio Adventista. 216 Para Timm o número de alunos indiferentes à filosofia educacional adventista é tanto uma oportunidade evangelística como um grande desafio para a preservação da identidade das escolas adventistas. (TIMM, 2004).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, o que nos propusemos a investigar foram os efeitos da presença de

alunos não-confessionais em escolas confessionais, a saber, o Colégio Arautos do Evangelho

Internacional e o Colégio Adventista de Cotia. A questão que propiciou este estudo foi

entender como estes alunos e alunas que não possuem a mesma confissão da escola ou não

têm religião se enquadram na dinâmica escolar, ou seja, como percebem estes momentos

voltados à religião professada pela escola, e entender o que os faz estudar nestas escolas e

permanecerem ali. Também como estas escolas lidam com a presença destes alunos e alunas

não-confessionais.

Para tal compreensão, buscamos em um primeiro momento, conhecer o contexto

histórico dos grupos religiosos que envolvem a pesquisa: o grupo Arautos do Evangelho e

Adventistas. Descobrindo então como se deu sua formação interna, isto é, sua gênese, seus

carismas e doutrinas.

Para melhor compreensão do histórico do grupo religioso dos Arautos do Evangelho,

nós nos baseamos no histórico dado por Cândido Moreira Rodrigues (2005), Plínio Corrêa de

Oliveira (1985) e textos disponíveis na Internet do site oficial dos grupos da TFP – Tradição,

Família e Propriedade e dos Arautos do Evangelho217. Fizemos também um breve relato sobre

a TFP – Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, pois os Arautos

do Evangelho descendem do grupo da TFP (que divergia da corrente principal da Igreja, a

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Em defesa do Catolicismo tradicional,

defendia um moralismo, sendo contra a Reforma Agrária e outras mudanças estruturais na

sociedade, como o comunismo. A relação TFP e CNBB pode incitar estudos mais

aprofundados em pesquisas posteriores.

Quanto ao grupo religioso adventista, retomamos um pouco de sua história, que surgiu

entre as décadas de 1850 e 1860 concomitantemente nos Estados Unidos e na Europa. O

grupo, desde o início, tem-se constituído num movimento com uma mensagem e missões.

Para compreensão da formação deste grupo, nós nos atemos aos textos de Timm 2004),

Knight (2010), Ramalho (1976) e alguns livros de Ellen White.

Em um segundo momento, buscamos compreender como estes grupos estruturaram e

estruturam suas bases educacionais, quais são seus objetivos dentro da educação e as formas

217 Os sites oficiais citados estão disponíveis: http://www.arautos.org.br/ e http://www.tfp.org.br/ .

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130

de trabalho que exercem em relação à diversidade de alunos e alunas que possuem crenças

diferentes ou não têm religião, e estão presentes em suas escolas.

Em relação à estrutura educacional utilizada pelos Arautos do Evangelho, que é a

católica, nós nos fundamentamos no contexto histórico dado por Otaíza Romanelli (1994),

Bruneau (1974), Moura (2000) e Azzi (2008) para mostrar que a educação católica esteve

presente desde o início da educação no Brasil. Também entender a participação de Leonel

Franca e a da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – nas discussões sobre

educação, com vários documentos que discutem a questão e que foram sendo produzidos ao

longo de sua trajetória.

A história educacional dos adventistas no Brasil pode ser melhor fundamentada por

autores como Menslin (2009) e Knight ( 2010), mostrando que ela advém da fase da

Constituição do Império em 1824, período em que o Brasil recebeu uma grande quantidade de

imigrantes protestantes da Europa e dos Estados Unidos. Para preservar sua cultura e fé,

estabeleciam-se escolas não oficiais para que as crianças fossem alfabetizadas e realizassem a

leitura da Bíblia. Em 1891, com a separação Igreja e Estado, a educação brasileira se voltava a

escolas particulares religiosas como a adventista. Esta obteve um crescimento grande em

número de alunos e quantidade de escolas.

Dentro do formato de educação adventista, vimos a necessidade de falar de Ellen White,

que estruturou a educação adventista, além de ser pioneira na organização de suas primeiras

escolas. Um estudo mais aprofundado sobre ela pode ser palco de muitos problemas de

pesquisa para novos trabalhos.

A partir dos fundamentos históricos dos grupos e de sua estrutura educacional,

podemos apresentar os dados empíricos, os momentos de entrevistas e contatos com alunos,

professores e diretores. Um elemento importante é o fechamento do Colégio Arautos do

Evangelho Internacional em 2010, que acabou delimitando o tempo da pesquisa em poucos

meses e permitiu a realização de poucas entrevistas. Sobre o fechamento do Colégio,

conseguimos informações no período de finalização da tese218, em um contato com a ex-

diretora do Colégio, que elaborou um plano de melhoramento para o Colégio no ano de 2010

e salientou algumas falhas na comunicação entre os setores administrativo, financeiro e

pedagógico. Sendo constatado por ela que as tomadas de decisões da Mantenedora

aconteciam de forma individual (MAZZO, 2010). Acrescentou ainda que a escola teve falta de

experiência no campo da pedagogia durante os anos em que foi administrada somente pelos

218 Por isso não pode ser melhor analisado neste trabalho.

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Arautos do Evangelho. Este material pode ser melhor trabalhado posteriormente, pois traz

outros questionamentos.

As questões inseridas na pesquisa podem neste momento encontrar possíveis respostas

por meio do estudo empírico. No caso do ambiente educacional do Colégio Arautos do

Evangelho Internacional, observamos alguns momentos que reforçam a religião católica e

símbolos que caracterizam tal identidade. A escola funcionou durante cinco anos com a

administração de seis arautos e uma diretora. Orações diárias, como o Pai-Nosso e a Ave-

Maria eram feitas antes das aulas; a preparação para a primeira comunhão e a crisma ocorria

fora do período de aula na escola. As missas eram realizadas em dias especiais, com a

presença obrigatória de todos os alunos e alunas, independentemente da religião. As aulas de

Ensino Religioso eram voltadas para o catolicismo, com o ensino da história dos santos e da

Bíblia.

No Colégio Adventista de Cotia, encontramos uma grande acessibilidade para

conversar com alunos, professores, direção e pesquisar livros e revistas da biblioteca sobre a

educação adventista. Também o contato com pessoas próximas que possuem seus filhos no

Colégio Adventista permitiu a realização de entrevistas em ambiente não escolar, o que trouxe

elementos de análise relevantes para a pesquisa.

Para compreensão das vivências que ocorrem dentro destes ambientes escolares,

partindo da problemática inicial, que foi compreender como estas escolas confessionais

reproduzem seus carismas e crenças e como alunos e alunas de diferentes confissões a

interpretam, chegamos a algumas respostas a partir da teoria da socialização e sua discussão

mais atual. Buscamos fundamentação desta teoria em autores da Sociologia como Durkheim

(1967), Berger e Luckmann (2004), Norbert Elias (1994), Maria da Graça Setton (1999) e

Lahire (2002). Também porque compreendemos e observamos que a educação é um

fenômeno social e faz parte da vida da criança e do adolescente.

Chegamos então a uma relação entre a teoria e a prática. Já que a introdução da criança

ou adolescente no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor dela é o processo de

socialização como diz Berger e Luckmann. E, neste espaço escolar, as conversas, que são

formas de relação humana (segundo coloca Norbert Elias), e as relações sociais mostram

como estes alunos e alunas podem se adaptar ou ter maleabilidade para se relacionar com

pessoas de diferentes confessionalidades e participar de momentos religiosos na escola que

não fazem parte daquilo que vivenciam em sua religião ou acreditam.

Consideramos também que para se viver em sociedade estabelecem-se padrões de

conduta, utilizam-se categorias de julgamento e de comunicação e isto ocorre na escola. Estes

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padrões de comportamento na escola mostram que há um processo que busca a construção de

um ser adaptado a um universo social escolar, e este é compreendido como socialização.

(SETTON, 2008). Há certa dissociação feita pelos alunos e alunas entre o espaço do ensino e

o espaço religioso. De certa forma, separa-se aquilo que é da religião e aquilo que é do ensino,

ou seja, há formas de negociação entre estes dois mundos que permitem a convivência deste

aluno e aluna não confessional em uma escola confessional.

Outra resposta aos nossos questionamentos advém da pluralidade religiosa que

encontramos no próprio núcleo familiar destas crianças, como a de alguns alunos e alunas que

possuem pais com religiões diferentes ou não praticantes, e também outros que já mudaram de

religião, além daqueles que têm pais que participam de duas religiões diferentes, o que mostra

que a criança já encontra diversidade religiosa dentro de sua própria casa. Neste sentido, com

Regina Novaes, percebemos que o mundo de diversidade religiosa permite aos jovens ter mais

contato com outras religiões e estabelecer formas de diálogo com estas de forma diferente

(como as redes sociais, blogs etc.) do que em épocas anteriores. A própria relação do jovem

com a religião mostra-se mais “afrouxada”, pois alguns não são praticantes ou não conhecem

os preceitos de sua religião. Por intermédio dos estudos de Jorge Cláudio (2009), percebemos

que o autor traça um panorama religioso da juventude – em geral e no Brasil –,

contextualizando-o numa sociedade moderna, avançando no tema da sociabilidade,

convivialidade, e percebendo as mudanças do perfil religioso dos jovens na atualidade.

Elementos estes que colaboraram na análise do campo empírico.

Consideramos, com este trabalho, que a educação que evidencia a moral, a disciplina

e a religião, constitui um atrativo dessas escolas para os pais. Também questões práticas como

a localização da escola, o valor das mensalidades ou o prestígio por ser considerada uma boa

escola (qualidade de ensino) podem explicar (ou explicaram no caso do Colégio Arautos do

Evangelho Internacional) a decisão dos pais em escolher estas escolas para seus filhos e

consequentemente a presença destes alunos não-confessionais no Colégio Arautos do

Evangelho Internacional e Colégio Adventista de Cotia.

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ANEXOS I - Colégio Arautos do Evangelho INTERNACIONAL CI -079/2010

Embu, 23 de setembro de 2010

Aos

Senhores Pais e ou Responsáveis Legais,

Salve Maria!

Ref.: Procedimentos pós-reunião de 18/09

Como já é de seu conhecimento, que, com muito pesar, foi-lhes comunicado, em reunião do último dia 18,

o encerramento das atividades educacionais, a partir do ano de 2011 (dois mil e onze), referentes às

turmas de ‘Educação Infantil e Ensino Fundamental I e II ’ , vimos por meio desta, informar-lhes que, em

havendo interesse de matricular seu(s)f ilho(s) em uma das escolas que disponibilizaram parceria conosco,

quais

sejam, “Colégio Via Sapiens” (www.viasapiens.com.br) , “Mario Schenberg”

(www.marioschenberg.com.br) e o Instituto São Pio X, o Colégio Católico das Irmãs Beneditinas da Divina

Providência, em Quitaúna – Osasco, próximo do Rodoanel km 18 (www. institutosaopiox.org.br)

deverá(ao) V.Sas. retirar(em) na secretaria de nosso colégio a “Carta de Intenção de Matrícula” para assim

assegurar(em) os benefícios acordados. Por fim, solicitamos aos Srs. pais ou responsáveis legais, que não

assinaram a Ata de ciência do assunto abordado na reunião em questão, de assim fazerem, bastando, para

tanto, dirigirem-se à secretaria do Colégio.

Colocamo-nos a disposição para qualquer esclarecimento que se fizer necessário.

Atenciosamente

A Direção.

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Novena para Nossa Senhora do Bom Remédio

Oh! Rainha do Céu e da Terra, Santíssima Virgem, nós Vos veneramos.

Vós sois a Filha bem-amada do Deus Altíssimo, a eleita Mãe do Verbo Encarnado, a

imaculada Esposa do Espírito Santo, o sagrado Vaso da Altíssima Trindade.

Ó Mãe do Divino Redentor, que, sob o título de Nossa Senhora do Bom Remédio, vinde em

ajuda de todos os que Vos invocam, estendei a nós a vossa proteção maternal.

Dependemos de Vós, Oh! querida Mãe, como filhos sem ajuda e necessitados dependem de

mãe terna e cuidadosa.

Ave-Maria

Nossa Senhora do Bom Remédio, fonte de ajuda infalível, permiti-nos retirar de vosso tesouro

de graças, nos momentos de necessidade, tudo quanto precisarmos.

Tocai os corações dos pecadores, para procurarem a reconciliação e o perdão. Confortai os

aflitos e os abandonados, ajudai aos pobres e aos que perderam a esperança, amparai os

enfermos e os que sofrem.

Possam eles ser curados de corpo e alma, e fortalecidos no espírito para suportar seus

sofrimentos com paciente resignação e fortaleza cristã.

Ave-Maria

Querida Senhora do Bom Remédio, fonte de ajuda infalível, vosso Coração compassivo

conhece o remédio para toda aflição e miséria que encontramos na vida.

Ajudai- nos, com vossas orações e intercessão, a encontrar remédio para nossos problemas e

necessidades, especialmente... (Faça aqui os pedidos que deseja)

De nossa parte, Oh! amorosa Mãe, nós nos comprometemos a um estilo de vida mais

intensamente cristão, a uma observância mais cuidadosa da Lei de Deus, a sermos mais

conscientes em cumprir as obrigações do nosso estado de vida, e a esforçar-nos para sermos

instrumentos de salvação neste mundo arruinado.

Querida Senhora do Bom Remédio, nós Vos pedimos que estejais sempre presente junto a nós

e, por vossa intercessão, possamos gozar de saúde de corpo, de paz de espírito, e crescer na Fé

e no amor ao vosso Filho, Jesus.

Ave-Maria.

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Rogai por nós, Oh! Santa Mãe do Bom Remédio.

Para que possamos aprofundar nossa dedicação ao vosso Filho e reavivar o mundo com

o seu Espírito.

COLÉGIO ARAUTOS DO EVANGELHO INTERNACIONAL

PLANOS DE ENSINO - 2010

PROFESSOR ELOIR FERNANDO KRENCHINSKI

8º ANO

Objetivos da disciplina

Despertar o interesse pelo conhecimento de Deus, apresentando ao educando temas como a fé,

a amizade, a solidariedade, para que ele descubra valores que o levem ao crescimento como

pessoas cristãs.

Habilidades

Identificar exemplos bíblicos para as relações humanas e para a relação do Homem para com

Deus.

1º TRIMESTRE

2 O que é religião

A religião dos judeus.

O Cristianismo.

Maomé e o Islamismo.

O Budismo.

3 Deus faz-se conhecer: na Criação e na Revelação

Os sinais de Deus.

Os traços de Deus.

Homem: imagem e semelhança do Criador.

4 Grandes Tesouros

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A família.

A amizade.

Bíblia: carta de amor do Pai.

A vida de São José.

2º SEMESTRE

Homens que souberam ler, no Universo, o sinal de um artista superior.

Entrevista de Werner Von Braun, especialista da NASA, a TV americana.

Declaração do astronauta americano James B. Irwin.

Cronologia do Cristianismo.

O ideal supremo: o amor puro a Deus.

A importância de seguir Jesus.

O amor ao próximo.

A caridade cristã.

Os Sacramentos: Batismo, Confirmação, Eucaristia.

A Missa.

Nossa Senhora mãe de Deus e nossa mãe.

Estratégias

Aulas expositivas. Leitura e análise de textos. Trabalhos em grupos, duplas, individuais.

COLÉGIO ARAUTOS DO EVANGELHO INTERNACIONAL

PLANO DE ENSINO – 2010

PROFESSOR ELOIR FERNANDO KRENCHINSKI

Objetivos

Despertar no aluno o interesse pelo conhecimento de Deus, apresentando ao educando temas

como o belo, a fé, a família, a amizade, a origem do mundo, a origem da vida, a ciência, os

caminhos da razão para Deus.

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1º TRIMESTRE

1. O que é religião

2. As explicações sobre a origem do mundo

3. As três descobertas de Kepler

4. Newton descobre a lei da gravitação, a lei do universo

5. A harmonia entre a fé e a razão

6. A ordem do Universo canta a glória de Deus

7. O ser Onipotente governa tudo

8. Vida de São Tomás de Aquino

2º TRIMESTRE

1. O Homem

2. A origem do Homem

3. A liberdade do Homem

4. O Homem e o instinto de sociabilidade

5. A vida da Santa Teresinha do Menino Jesus

3º TRIMESTRE

1. A origem do Homem segundo a Bíblia

2. Os cinco textos bíblicos sobre a Criação

3. O simbolismo da Bíblia

Estratégias

- Aulas expositivas

- Leitura e análise de textos

- Trabalhos em grupos, duplas, individuais

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ANEXOS II - QUESTIONÁRIOS

Observação: Dependendo do momento da pesquisa e do entrevistado ou entrevistada, as

conversas tomaram caminhos diferenciados, podendo abordar algumas questões ou ir

além do questionário aqui proposto.

Aos professores de Ensino Religioso:

− Qual é seu nome?

− Idade?

− Formação?

− Qual a sua religião? É praticante?

− Há quanto tempo está na escola? Anteriormente, onde trabalhava?

− Quantas aulas de ER há no Ensino Fundamental I e II e no Médio?

− Você concorda com a nomenclatura da disciplina do ER? Por quê?

− Você consegue perceber diferenças entre os alunos adventistas e não adventistas, ou

católicos e não católicos nas aulas?

− Os alunos vão bem ou mal nas aulas de ER? Qual sala tem as piores notas?

− Quais as maiores dificuldades que você encontra nas aulas?

− Como você organiza suas aulas de ER? Explique.

− Os alunos que tiveram ER em outra escola demonstram dificuldade nas aulas?

− Como os pais participam da vida escolar de seus filhos?

− Sobre o que os alunos mais gostam de falar nas aulas? E o que menos gostam?

− Você já teve alguma surpresa em algum comentário feito por algum aluno? Qual foi?

− Como os alunos são avaliados? No que eles(as) têm mais facilidade? E no que têm mais

dificuldade?

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Aos Alunos

− Qual é seu nome?

− Idade?

− Série?

− Desde quando estuda na escola? Onde estudava antes?

− De que religião você é? Pratica? Quantas vezes por mês vai a missas, cultos, celebrações?

− Qual a religião dos seus pais? São praticantes?

− Qual a matéria de que mais gosta? E a de que menos gosta?

− Quais as coisas de que você mais gosta de fazer na escola? E as de que menos gosta?

− A sua sala é participativa? É unida? Você tem muitos amigos na sua sala?

− Como é seu relacionamento com os professores e funcionários? Já discordou de algumas

coisas que eles disseram ou fizeram? Porque?

− O que acha das aulas de ER? De qual conteúdo mais gostou e de qual menos gostou?

− Tira boas notas nas aulas de ER? No que mais tem dificuldade?

− Você conhece o carisma dos Arautos ou os princípios adventistas? Ou aprendeu só na

escola?

− O que você lembra quando se fala em ER?

− Como são as aulas de ER? O que o professor costuma fazer nas aulas? A sala participa?

Tem muita “bagunça” nas aulas?

− Por que os alunos costumam não entregar as atividades ou conversam nas aulas?

− Lembra-se de algum comentário surpreendente em sala de aula? Qual?

− Gosta dos outros momentos que a escola oferece? (Para os alunos do Colégio Adventista, os

momentos da capela e orações diárias/para os alunos do Arautos, as orações diárias e missas).

− Para os alunos do Arautos: onde vai estudar no ano que vem, depois do fechamento do

Colégio? Já havia estudado lá? É perto da sua casa?

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Aos pais (do Colégio Adventista)

− Qual é o seu nome?

− Qual é a sua profissão?

− Qual é a sua religião? É praticante?

− Como conheceu o Colégio Adventista? Desde quando seu(s)/sua(s) filho/filha(s) estuda(m)

lá?

− Por que escolheu o Colégio para seu(s)/sua(s) filho(s)/ filha(a)(s) estudar(em)?

− Onde ele(s)/ela(s)estudava(m) antes do Colégio Adventista?

− Quais os aspectos positivos e negativos da escola?

− Onde você estudou? Tinha ER? Como era?

− O que você acha das regras que o Colégio estabelece?

− Acha importante que tenha aula de ER na escola? Por quê?

− Existiu algo que lhe chamou a atenção quando conheceu a escola? O quê?

− Conhece os princípios adventistas? Por quê?

− Participa das reuniões da escola e eventos?

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Material utilizado pelo professor de Ensino Religioso do Colégio Arautos do Evangelho para o 6º ano.

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Material utilizado pelo professor de Ensino Religioso do Colégio Arautos do Evangelho para o 9º ano.

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Material utilizado pelo professor de Ensino Religioso do Colégio Arautos do Evangelho para o 9º ano.

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Material utilizado pelo professor de Ensino Religioso do Colégio Arautos do Evangelho para o 9º ano.

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Material didático de Ensino Religioso do Colégio Adventista de Cotia para o 3º ano do Ensino Médio do

Sistema Interativo de ensino- Editora Casa Publicadora Brasileira-2010.