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2313 OS SABERES TRADICIONAIS NO CAMPO DA SAÚDE EM PORTEIRINHA, MINAS GERAIS Warlleis Souza Santos 1 Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri Programa de Pós-Graduação Stricto sensu Saúde, Sociedade & Ambiente e-mail: [email protected] RESUMO Uma das questões relevantes no campo da filosofia da saúde é entender o uso dos saberes tra- dicionais no âmbito local. Essa questão provoca discussão e oferece significativa contribuição para a reflexão sobre as práticas de saúde que podem fazer a diferença na sociedade. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho centra-se em discutir a saúde e os saberes tradicionais na cidade de Porteirinha, com atuação da ACEBEV. Recorreu-se pesquisa bibliográfica efetuada a partir de livros, artigos e referências publicadas e em meio eletrônico que tratam dos saberes tradicionais e da saúde, e entrevista com a fundadora da ACEBEV irmã Porcina Amônica de Barros. Sabe-se que os saberes tradicionais e seu poder de cura no campo da saúde não devem ser apenas considerados como uma tradição passada de pais para filhos, mais sim uma área da ciência, que deve ser estudada e valorizada para ser aplicada de forma segura e sem perder sua essência. Os resultados encontrados evidenciam como principais desafios à participação do saberes tradicionais no mundo científico, propiciando o isolando da sociedade e transformando o cientista em mito. Destaca também a importância dos saberes do povo do cerrado na região de Porteirinha, onde a ACEBEV desempenha um belo trabalho em favor da vida. Desse modo, este artigo conta com a seguinte estrutura: introdução, principais conceitos sobre saúde, saberes tradicionais, caracterização do município de Porteirinha e a ACEBEV. Após a compreensão destes, faz se a discussão com base no objetivo proposto e por fim as considerações finais. Palavras-chave: Saúde. Saberes Tradicionais. Ciência. INTRODUÇÃO A discussão sobre a relação entre o saber popular e o saber científico não é uma novi- dade no campo da Filosofia. Estão presentes desde o princípio das civilizações dos povos, os mesmos promoviam o cuidado pela saúde por meio das mulheres, cujo conhecimento era obtido na essência da família, sendo livre de iniquidade e poder social. Com isso, tais conhecimentos

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OS SABERES TRADICIONAIS NO CAMPO DA SAÚDE EM PORTEIRINHA, MINAS GERAIS

Warlleis Souza Santos

1Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e MucuriPrograma de Pós-Graduação Stricto sensu Saúde, Sociedade & Ambiente

e-mail: [email protected]

RESUMOUma das questões relevantes no campo da fi losofi a da saúde é entender o uso dos saberes tra-dicionais no âmbito local. Essa questão provoca discussão e oferece signifi cativa contribuição para a refl exão sobre as práticas de saúde que podem fazer a diferença na sociedade. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho centra-se em discutir a saúde e os saberes tradicionais na cidade de Porteirinha, com atuação da ACEBEV. Recorreu-se pesquisa bibliográfi ca efetuada a partir de livros, artigos e referências publicadas e em meio eletrônico que tratam dos saberes tradicionais e da saúde, e entrevista com a fundadora da ACEBEV irmã Porcina Amônica de Barros. Sabe-se que os saberes tradicionais e seu poder de cura no campo da saúde não devem ser apenas considerados como uma tradição passada de pais para fi lhos, mais sim uma área da ciência, que deve ser estudada e valorizada para ser aplicada de forma segura e sem perder sua essência. Os resultados encontrados evidenciam como principais desafi os à participação do saberes tradicionais no mundo científi co, propiciando o isolando da sociedade e transformando o cientista em mito. Destaca também a importância dos saberes do povo do cerrado na região de Porteirinha, onde a ACEBEV desempenha um belo trabalho em favor da vida. Desse modo, este artigo conta com a seguinte estrutura: introdução, principais conceitos sobre saúde, saberes tradicionais, caracterização do município de Porteirinha e a ACEBEV. Após a compreensão destes, faz se a discussão com base no objetivo proposto e por fi m as considerações fi nais.

Palavras-chave: Saúde. Saberes Tradicionais. Ciência.

INTRODUÇÃO

A discussão sobre a relação entre o saber popular e o saber científi co não é uma novi-dade no campo da Filosofi a. Estão presentes desde o princípio das civilizações dos povos, os mesmos promoviam o cuidado pela saúde por meio das mulheres, cujo conhecimento era obtido na essência da família, sendo livre de iniquidade e poder social. Com isso, tais conhecimentos

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possuem valores imensuráveis adquiridos pelos povos em suas práticas diárias, segundo Santilli (2002), os saberes caracterizam por um conjunto de conhecimentos e práticas que são próprios das suas culturas e úteis para as suas sobrevivências. É importante destacar a passagem de Chassot que retrata os costumes e saberes de pessoas da esfera tradicional:

[...] o pescador solitário, que encontramos em silenciosas meditações, sabendo onde e quando deve jogar a tarrafa, também tem saberes importantes. A lavadeira, que sabe escolher a água para os lavados, tem os segredos para remover manchas mais reniten-tes ou conhece as melhores horas de sol para o coaro. A parteira, que os anos tornaram doutora, conhece a infl uencia da lua nos nascimentos e também o chá que acalmara as cólicas do recém nascido. A benzedeira não apenas faz rezas mágicas que afastam o mau-olhado, ela conhece chás para curar o cobreiro, que o dermatologista diagnostica como herpes-zoster. O explorador de águas, que indica o local propicio para se abrir um poço ante o vergar de sua forquilha de pessegueiro, tem conhecimentos de hidrologia que não podem ser simplesmente rejeitados (CHASSOT, 2006, p. 221).

Esse saber tradicional é tudo que vem da experiência, da observação das coisas, sem os recursos dos livros ou da escola. Geralmente ele é conservado pela tradição e transmitido de “boca em boca”. Esses saberes são vistos frequentemente nas comunidades, sendo mais predo-minantes nos países em estado de desenvolvimento, onde a vulnerabilidade é sinal de distan-ciamento do acesso aos serviços da medicina moderna (OLIVEIRA; OLIVEIRA; ANDRADE, 2010).

Ao decorrer da evolução da saúde e da predominância da vulnerabilidade em deter-minadas comunidades as plantas medicinais e os saberes tradicionais passaram a ser recurso no uso terapêutico e no enriquecimento dos tratamentos atuais, com o objetivo de promover e prevenir determinadas doenças.

Essa sabedoria, após passar por uma crise de descrédito perante as descobertas dos re-médios farmacológicos, volta a adquirir consideração e atenção, depois que foram deparados com os indesejáveis efeitos dos medicamentos industrializados utilizados constantemente pela medicina moderna. De acordo com Santos (1989) em sua obra Um discurso sobre as ciências o paradigma se opõe a todas as formas de dogmatismo e autoridade; afi rma os dualismos “ciência / senso comum” e “homem / natureza”, assim a ciência tornou-se um mito perigoso que induz o comportamento e inibindo os pensamentos tradicionais.

Acredita-se que os avanços científi cos não substituíram totalmente as tradições popula-res de tratamentos e prevenção de doenças. Assim, é importante que o campo acadêmico esteja disposto a compreender os saberes tradicionais para integrá-lo ao saber científi co.

É nesse contexto que surge a questão deste estudo: Qual a contribuição dos saberes tra-dicionais na promoção da saúde no município de Porteirinha?

Este município foi escolhido por ter, uma entidade sem fi ns lucrativos que desenvolve ações de saúde com terapias naturais, foi instituída em 1998 pela Sr.ª Porcina Amônica de Bar-ros, mais conhecida como Irmã Mônica. Essa associação busca praticar a saúde não só na me-dicina tradicional, mas principalmente na boa alimentação, habitação, condições de trabalho, conhecimentos básicos e demais determinantes sociais de saúde.

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Esse trabalho tem como objetivo discutir a inclusão dos saberes tradicionais no campo da saúde do município de Porteirinha-MG.Para tanto, além da introdução, este estudo conta com a seguinte estrutura: defi nição da palavra saúde, principais conceitos sobre saberes tradicionais, breve apresentação da Associação Casa de Ervas Barranco de Esperança e Vida (ACEBEV) e caracterização do município de Porteiri-nha – MG. Após a compreensão destes, faz se a discussão com base no objetivo proposto e por fi m as considerações fi nais.

DESENVOLVIMENTO

O que é saúde?

O conceito de saúde e a criação de um modelo que possa defi nir esse acesso têm sido objeto de muito interesse, pois esses aspectos são fundamentais para o desenvolvimento de pla-nos e metas no campo da saúde. Entretanto, ao longo do tempo, o conceito de saúde tornou-se mais complexo, com a incorporação de aspectos com difícil mensuração.

Segundo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) saúde não é apenas a ausência de doença, mas é uma situação de perfeito bem-estar físico, mental e social. Essa defi nição, até avançada para a época em que foi realizada, mas atualmente ultrapassada, pois mantém uma visão detalhista e de difícil prática, pois “completo bem-estar” é algo passível a diferentes inter-pretações, que remete a uma sensação de perfeição, haja vista que perfeição não é algo defi nível (SEGRE; FERRAZ, 1997).

No art. 196 da Constituição Federal de 1998 prevê-se que:

[...] a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1998).

A irmã Mônica afi rma em suas sábias falas que:

(...) saúde é um estado estável e crescente de qualidade no existir do ser como todo. Tanto assim que não é ausência de doença. Mas condições existentes com qualidade ou seja: Transporte seguro e de qualidade, educação ao alcance de todos, alimentação orgâ-nica, moradia com barbeiros, saneamento básico, carro chefe da qualidade de vida. Ter ar puro para respirar, exercícios físicos cotidianos e água pura (AMÔNICA PORCINA DE BARROS).

Portanto, saúde pode ser compreendida como o equilíbrio entre o organismo e ambiente.

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Saberes Tradicionais

Os saberes tradicionais podem ser compreendidos como “o conjunto de saberes e saber-fazer a respeito do mundo natural e sobrenatural, transmitido oralmente, de geração em geração” (DIEGUES; ARRUDA, 2001, p. 31). Esses saberes desenvolve uma forma natural de compreensão da realidade, entendida como conhecimento tradicional, ou seja, “conhecimento prático, empírico, que ao longo dos séculos tem possibilitado, enquanto meios naturais diretos, que as pessoas sobrevivam, criem, interpre-tem, produzam e trabalhem” (BORDA, 1984, p. 48).

Os saberes tradicionais no campo da saúde é o modo como o povo se cura ou se trata, sem ter que buscar a farmácia, com seus remédios com alto custo e fora do alcance de muitas pessoas no estado de vulnerabilidade.

No Brasil, a utilização de plantas com fi ns medicinais é uma prática difundida, enri-quecida pelas diferenças culturais, provenientes dos índios, negros e europeus. Esta miscigenação de raças, associada à grande diversidade vegetal do país, conduziu a uma medicina tradicional baseada em diferentes plantas e métodos de tratamento (Brandão, 1998).

Desse modo, o uso de ervas medicinais na cura de várias enfermidades do povo brasi-

leiro foi consequência de um longo processo de aculturação, pois está relacionado às culturas dos povos tradicionais.

Atualmente, quando uma pessoa sente dor, logo pensa em remédios da farmácia ou atendimento médico. Rubem Alves julga que qualquer conhecimento “se não for dito em lin-guagem matemática a ciência logo diz: ‘Não é científi co’” (ALVES, 1999, p. 91). Com essa afi rmação é possível resaltar a desvalorização dos saberes dos povos tracionais no campo da ci-ência moderna. Mas “a ciência não é o único caminho de acesso ao conhecimento e à verdade” (MARCONI e LAKATOS, 2003, p. 76). Logo, compreende-se claramente que há na maioria das vezes um tratamento de inferioridade ao conhecimento tradicional, porém, também há uma aproximação deste com o científi co que é inegável, “[...] todo conhecimento científi co é social-mente construído” (SANTOS, 2008, p. 9), sendo assim “inseparável de seu contexto histórico e social” (MORIN, 2005, p. 8).

Portanto, a discussão acerca das formas de saber, mostra, justamente, que não estão tão distantes assim a ponto de a ciência renegar por completo o conhecimento popular, pois ele é a base, o fundamento inicial que possibilitou a existência da ciência.

Associação Casa de Ervas Barranco de Esperança e Vida (ACEBEV)

A ACEBEV é uma entidade sem fi ns lucrativos, fundada em 1998 pela freira Porcina Amônica de Barros no município de Porteirinha-MG, região da Serra Geral, sob o clima do semiárido no Norte de Minas Gerais. Nesse período ela iniciou um trabalho de assistência aos doentes e crianças desnutridas, com uso de remédios caseiros, segurança alimentar e orientação

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às famílias, tanto rural quanto urbana, devido às necessidades locais.A entidade possui cerca de 40 associados e centenas de colaboradores e parceiros. Possui duas

sedes, uma na zona urbana e outra na zona rural. Na cidade, a ACEBEV realiza principalmente servi-ços como benefi ciamento dos produtos fi toterápicos e atendimento às pessoas com terapias naturais como bioenergia, massagens, homeopatias, iridologia, geoterapia, entre outros. Já na sede da entidade localizada na comunidade rural, a ACEBEV possui produção agroecológica de alimentos e plantas me-dicinais, bioconstruções, sanitários compostáveis, barraginhas de contenção de água de chuva, lagos de múltiplo uso, sistemas de captação de água de chuva dos telhados, além de ser o espaço de promoção de cursos e capacitações.

Figura 01 - Associação Casa de Ervas Barranco de Esperança e Vida (ACEBEV). Fonte: ACEBEV, 2016.

A história e a credibilidade da Associação, assim como sua importância na região, fazem dessa entidade, uma experiência importante que se soma a tantas outras, pela construção de um mundo cada vez melhor, mais justo e mais humano, com ações propositivas que transformam e melhoram a qualidade de vida das pessoas. Assim, a irmã revela em suas singelas palavras o valor e um apelo pela preservação ambiental e cultural:

Cerrado pra mim, em primeiro lugar, é uma espiritualidade, um convite, um apelo. Ele desperta curiosidade com seu jeitinho diferente, com suas árvores retorcidas, secas, com as pedras que parecem só cascalho, mas são fontes de água, ajudam na purifi cação do subsolo; e as árvores secas, retorcidas, são ervas curativas, patrimônio da medicina e da saúde tradicional dos cerradeiros. O mundo um dia ainda vai se penitenciar pelo que tem feito com o Cerrado (AMÔNICA PORCINA DE BARROS).

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Características do município de Porteirinha - MG

O município de Porteirinha carrega em sua bagagem histórica conhecimentos e expe-riências dos povos tradicionais, ela originou a partir de uma pousada de viajantes à margem de um rio. Segundo IBGE (2016), o local onde se originou a povoação era apenas um movimen-tado ponto de pousada para os viajantes que demandavam o sul do estado e do País, vindos do estado da Bahia e de vasta região do nordeste brasileiro, e os que faziam o percurso de volta. Alguns deles eram retirantes que por algum motivo interrompiam a viagem e fi xavam morada por ali. Outros vieram à cata de ouro. Cessada a febre do metal, alguns tornaram-se senhores de grandes extensões de terras e escravocratas poderosos. Dedicavam-se às lavouras, empregando os escravos em suas propriedades. As terras estavam à disposição de quem as quisesse ocupar. Não havia escrituras. Chamavam o aglomerado de São Joaquim da Porteirinha.

No trecho da obra “Grande Sertão: Veredas” do magnífi co Guimarães Rosa destaca as difi culdades e angustias que a vida provoca no período de transição que muita gente viveu e vive atualmente pela busca de uma vida melhor: “Viver é muito perigoso... Porque aprender a viver é que é o viver mesmo... Travessia perigosa, mas é a da vida” (ROSA, 2015).

A localização da sede do município se deve ao fato de ser esta a parte que possui as melhores terras de cultura e também por ser caminho aberto às regiões vizinhas.

Há outra versão sobre os primeiros anos da vida da comuna. Alguns habitantes de Nossa Senhora da Conceição de Jatobá internaram-se pelos sertões adjacentes, e à margem direita do Rio Mosquito ergueram as primeiras casas do povoado de São Joaquim da Porteirinha. Isso nos primeiros anos após a proclamação da república. É mais aceita, entretanto, a primeira versão. O certo é que os dois grandes atrativos eram as terras férteis e a água do Rio Mosquito.

O município de Porteirinha está localizado na mesorregião do Norte de Minas Gerais e na microrregião da Serra Geral, tendo uma população estimada em 2017 aproximadamente 38.741 habitantes, população no último censo 2010 37.627 e com densidade demográfi ca de 21,51 hab/km².

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Figura 02 – População de Porteirinha/MG. Fonte: IBGE, 2010.

Possui como principais atividades econômicas a bovinocultura de corte e leite; agri-cultura familiar organizada em cooperativas e associações, voltada para a pequena produção de hortifrutigranjeiros, mel e extrativismo sustentável visando à produção de polpas, pequenas agroindústrias de leite e derivados, cana e derivados, mandioca e derivados; cerâmicas de telhas e tijolos; comércio e prestadoras de serviços bastante diversifi cados. O município que tem como principal ponto turístico a Cachoeira do Serrado (frequentemente o nome é confundido como erro de português, porém o Serrado é o nome próprio e não uma alusão ao cerrado) (IBGE, 2016).

Dessa forma, compreende-se que boa parte dos municípios depende da natureza para subsistência. Um estudo realizado em Correia – PI em determinada comunidade rural apre-senta falas de alguns curandeiros, onde afi rmam que a utilização de produtos provenientes da natureza com fi ns medicinais, nasceu na comunidade, sendo considerada uma prática comum pelo homem para curar, prevenir e tratar doenças (ARAUJO; LEMOS, 2015). A ACEBEV no município de Porteirinha busca atender essa expectativa de promover a saúde agregando e sem perder os valores tradicionais dos povos que constroem a história dessa região.

METODOLOGIA De acordo Gil (2008, p. 34) “no processo de investigação social, a primeira tarefa é

escolher o problema a ser pesquisado”. O autor revela que o problema da pesquisa identifi ca algo que provoca desequilíbrio, mal estar, sofrimento, uma questão que provoca discussão. Desse modo, do problema defi nido para estudo, formulou-se a pergunta da pesquisa: Qual a contribuição dos saberes tradicionais na promoção da saúde em Porteirinha? Estabeleceu-se o

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objetivo que é discutir acerca dos saberes tradicionais e sua inclusão no campo da saúde, o caso da ACEBEV no município de Porteirinha-MG.

Marconi e Lakatos (2002) defi nem pesquisa como instrumento fundamental para a re-solução de problemas coletivos. Da mesma forma, Cervo; Bervian e Da Silva (2007, p. 57) afi rmam que a pesquisa:

[...] parte, pois, de uma dúvida ou problema e, com o uso do método científi co, busca uma resposta ou solução. Os três elementos – dúvida/problema, método científi co e resposta/solução – são imprescindíveis, uma vez que a solução poderá ocorrer somente quando algum problema levantado tenha sido trabalhado com instrumentos científi cos e procedimentos adequados.

Para atender o objetivo proposto foi realizado o uso de descrição sobre a saúde e os saberes tradicionais, caracterização do município de Porteirinha, apresentação da ACEBEV e entrevista com a fundadora da associação irmã Porcina Amônica de Barros, pesquisa bibliográ-fi ca efetuada a partir de livros, artigos e referências publicadas e em meio eletrônico que tratam dos saberes tradicionais e da saúde, especifi camente no município de Porteirinha – MG.

Assim, a partir do conhecimento atual sobre os temas foi possível discutir os saberes tradicionais no âmbito da promoção da saúde no município de Porteirinha com uma abordagem qualitativa.

Essa pesquisa é do tipo exploratória visto que proporciona uma maior familiaridade com o objeto de estudo e caracterizar algumas práticas. Segundo Santos (1991) esse tipo de pesquisa é o contato inicial com o tema a ser investigado, com os sujeitos a serem pesquisados e com as fontes secundárias disponíveis. Assim, ela assume a forma de um estudo de caso, sempre em concordância com outras fontes que darão base ao tema abordado, como é o caso da pesquisa bibliográfi ca e das entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema abordado.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Há mais de duas décadas, o município de Porteirinha conta com um importante trabalho desenvolvido pela Irmã Porcina Amônica de Barros, uma religiosa que chegou ao município em 1992 e iniciou a orientação às famílias que possuíam crianças desnutridas e pessoas doen-tes. O trabalho foi se consolidando, criou corpo, a ponto de ser necessário organizar um grupo de apoio (ACEBEV, 2016). Nesse contexto, nota-se a importância do compartilhamento de saberes, pois através do conhecimento obtido outras pessoas passaram a orientar as famílias e contribuir com o trabalho da religiosa. Esses saberes partilhados “[...] é base fundamental do conhecer e já existia muito antes de o ser humano imaginar a possibilidade da existência da ciência” (FACHIN, 2003, p. 10).

Após seis anos de trabalho e com a adesão de outras pessoas, especialmente dos agri-cultores responsáveis pela produção dos alimentos, surgiu à organização da sociedade civil, na forma de uma entidade sem fi ns lucrativos, denominada ACEBEV.

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Para Ir. Mônica o saber que é passado de geração em geração não é apenas medicinal, mas também de outras culturas:

(...) saber como algo que vem da experiência vivida e a tradição é herança que vem dos antepassados. Neste contexto tem um conjunto de ações, costumes que passam de gerações em gerações e que em muitos casos é o modo de salvar a vida em situações de risco. Porteirinha não sei se é a pioneira neste caso na região, mas temos um pouco de contribuição. Não só na fl ora medicinal do cerrado, mas também nas outras culturas, músicas, danças, meio de transporte (carroça), alimentação (...) (AMÔNICA PORCINA DE BARROS).

Esse saber tradicional é “aquele que detém, socialmente, o menor prestígio, isto é, o que resiste a menos códigos” e que, “aliás, popular pode signifi car vulgar, trivial, plebeu. Talvez devêssemos recordar que este saber popular, em algum tempo, foi/é/será um saber científi -co” (CHASSOT, 2006, p.207). Dessa forma, o conhecimento tradicional não está tão distante do conhecimento científi co, pois possui subjetividade, intencionalidade, ideologia, comparti-lhados com este.

O trabalho realizado pele ACEBEV estimula esse conhecimento popular no município de Porteirinha não só para tratamento de doenças, como também promove interações no campo científi co com ações de saúde complementar, segurança alimentar, formação, economia solidá-ria e geração de renda para famílias agricultoras, valorização do meio ambiente, justiça social e bem estar (ACEBEV, 2016).

Portanto, é necessário a criação de uma nova racionalidade, um novo saber, capaz de proporcionar uma reapropriação do mundo, pautado em valores que superem a divisão conhe-cimento tradicional/conhecimento científi co e humanidade/natureza, propiciada pelo diálogo de saberes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da pesquisa bibliográfi ca e os saberes da Irmã Mônica foi possível identifi car a importância dos saberes tradicionais no campo da saúde especifi camente na cidade de Porteiri-nha com a atuação da ACEBEV. Perante a sistematização das informações contidas, acerca do tema abordado a relevância da promoção da saúde quanto à valorização dos saberes tradicionais com a possível integração deste com os conhecimentos científi cos, são úteis para a preservação dos saberes, uso na cura e na valorização e aproximação do homem com natureza.

Por fi m, relação entre saúde, saberes tradicionais e a ciência, remete a uma refl exão sobre a forma como este tema é tratado na cidade de Porteirinha e no mundo todo no âmbito social, econômico e ambiental.

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