a função social do sistema penitenciário

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  • 8/10/2019 A Funo Social Do Sistema Penitencirio

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS UFAL

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DINMICAS DO

    ESPAO HABITADO

    A FUNO SOCIAL DO ESPAO PENITENCIRIO

    Suzann Flvia Cordeiro de Lima

    Macei 26 de Janeiro de 2005

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    A FUNO SOCIAL DO ESPAO PENITENCIRIO

    SUZANN FLVIA CORDEIRO DE LIMA(Bolsista da CAPES)

    Dissertao apresentada para obteno do ttulo de

    MESTRE EM ARQUITETURA E URBANISMO

    Pelo Programa de Ps-graduao em Dinmicas do Espao Habitado DEHA

    Universidade Federal de Alagoas - UFAL

    COMISSO EXAMINADORA

    __________________________________Prof. Dr. Flvio Antonio Miranda de Souza Orientador

    ____________________________________________Prof. Dr. Leonardo Bittencourt (UFAL)

    ____________________________________________Prof. Dr. Ricardo Cabus (UFAL)

    ____________________________________________Prof. Dr. Antonio Roazzi (UFPE)

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    AGRADECIMENTOS

    minha famlia que cedeu grande parte do tempo que dedico a ela para arealizao desse trabalho, dedicando-se a contribuir no que fosse possvel para facilitara continuidade dessa pesquisa.

    Ao meu amado filho, Matheus, pela compreenso da importncia desseperodo de estudo para a minha vida profissional, pela ajuda em diversos momentos daelaborao do trabalho, pelas ausncias suportadas e pela maturidade de procurarresolver alguns de seus pequenos problemas sozinho, por conta da falta de tempo que eudispunha para ajud-lo;

    Ao grande homem e meu companheiro, Jeferson, pela enorme pacinciaapresentada nos momentos de reviso de texto, lidos com interesse e cuidado, pelossacrifcios feitos no intuito de favorecer a concentrao na execuo do trabalho, pelo

    grande incentivador que , enfatizando em momentos crticos que essa luta vlida econsiste num investimento familiar e pelo grande carinho e cuidado que temdemonstrado, sendo parte essencial na minha vida;

    Aos meus queridos pais, Fernando e Sonia, que sempre acreditaram no meufuturo, apesar de alguns percalos apresentados ao longo da minha histria, estimulandosempre os meus estudos e pesquisas e encorajando a busca de novos conhecimentos, e

    buscando novos conhecimentos tambm, tornando-se referncias de vida;

    Aos meus colegas Taty, Hildebrando, Carlinha, Dilma e Vernica, peloincentivo e carinho dispensados e pelas inmeras vezes que me ajudaram no trabalho,

    cobrindo as minhas atividades, para que eu no faltasse s aulas de mestrado, mesmosendo pressionados por seus superiores, acreditando que esse era o meu caminho;

    CAPES;

    Ao meu orientador que, com sua pacincia e honestidade, contribuiuimensamente para a qualidade do trabalho e para formao da agenda de pesquisa, quedirecionou minhas leituras, apresentando elementos fundamentais para a reflexo da

    pesquisa e sempre se colocou a meu favor nas horas crticas, por acreditar na minhaproposta de estudo;

    Ao Dr. ngelo Roncalli, que foi sempre um grande incentivador do trabalho,fornecendo informaes preciosas para o meu desenvolvimento como pesquisadora dotema, demonstrando grande confiana e expectativas nessa pesquisa.

    Meus sinceros agradecimentos a todos.

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    SUMRIO

    LISTA DE FIGURAS ___________________________________________________vi

    LISTA DE TABELAS __________________________________________________ viiLISTA DE DIAGRAMAS _______________________________________________ vii

    RESUMO ___________________________________________________________viii

    CAPTULO 1 _________________________________________________________ 9

    O SISTEMA PENITENCIRIO E A CIDADE ________________________________ 9

    1.1. Introduo______________________________________________________ 9

    1.2. Os atores que participam do Sistema Penitencirio _____________________ 18

    1.3. Alguns conceitos bsicos _________________________________________ 22

    1.4. Estrutura do trabalho_____________________________________________ 30

    1.5. Concluso _____________________________________________________ 33

    CAPTULO 2 ________________________________________________________ 34

    A METODOLOGIA DA PESQUISA_______________________________________ 34

    2.1. Introduo_____________________________________________________ 34

    2.2. A hiptese _____________________________________________________ 35

    2.3. A reviso bibliogrfica ___________________________________________ 35

    2.4. Coleta de dados primrios na pesquisa de campo_______________________ 382.5. Concluso _____________________________________________________ 43

    CAPTULO 3 ________________________________________________________ 45

    ASPECTOS LEGAIS E DE POLTICAS PBLICAS DO SISTEMA PENITENCIRIO45

    3.1. Introduo_____________________________________________________ 453.1.1. Aspectos relacionados ao arcabouo legal acerca do sistema penitencirio._______________________________________________________________ 463.1.2. Aspectos relacionados s polticas pblicas penitencirias. ___________ 513.1.3. Aspectos relacionados ao papel social do indivduo_________________ 58

    3.1.4. O grupo social e o ambiente ___________________________________ 673.2. O sistema scio-educativo ________________________________________ 70

    3.2.1. Aspectos polticos e legais ____________________________________ 703.2.2. Aspectos do tratamento aplicado na medida scio-educativa. _________ 743.2.3. Consideraes sobre o espao scio educativo_____________________ 76

    CAPITULO 4 ________________________________________________________ 78

    O ESPAO PENITENCIRIO E SUA FUNO SOCIAL _____________________ 78

    4.1. Evoluo histrica do espao penitencirio ___________________________ 784.1.1. A evoluo do espao penitencirio nos sculos passados ____________ 78

    4.1.2. A evoluo do espao penitencirio no Brasil. _____________________ 83

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    4.2. O espao e o indivduo ___________________________________________ 97

    4.3. A configurao do espao penitencirio_____________________________ 101

    4.4. Concluso ____________________________________________________ 106

    CAPTULO 5 _______________________________________________________ 107

    DA RESSOCIALIZAO E DA PUNIO: UMA NOVA ANLISE ____________ 107

    5.1. Introduo____________________________________________________ 107

    5.2. O Partido Arquitetnico _________________________________________ 1085.2.1. Configurao do partido arquitetnico __________________________ 1115.2.2. Setor interno ______________________________________________ 1135.2.3. Setor intermedirio _________________________________________ 1165.2.4. Setor externo ______________________________________________ 119

    5.3. Caracterizao dos projetos de unidades penitencirias_________________ 1255.3.1. Projeto 01 ________________________________________________ 126

    5.2.2. Projeto 02 ________________________________________________ 1315.2.3. Projeto 03 ________________________________________________ 1355.2.4. Projeto 04 ________________________________________________ 1405.2.5. Projeto 05 ________________________________________________ 144

    5.3. Comparando e contrastando modelos_______________________________ 149

    5.4. Concluso ____________________________________________________ 152

    CAPTULO 6 _______________________________________________________ 154

    CONCLUSES______________________________________________________ 154

    6.1. Limitaes da pesquisa __________________________________________ 1546.2. Sugestes para futuras pesquisas __________________________________ 155

    6.3. Concluso ____________________________________________________ 156

    BIBLIOGRAFIA _____________________________________________________ 161

    ANEXO 1 __________________________________________________________ 168

    ANEXO 2 __________________________________________________________ 169

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Foto de cela superlotada em Penitenciria do Estado de So Paulo. ................................. 16Figura 2: Foto de motim e reivindicao dos presos para reviso de processos e sada dospoliciais de dentro da unidade penal. ................................................................................................ 66Figura 3: Foto de Unidade Scio-educativa de Macei/AL, 2004.................................................... 76Figura 4: Foto de ambiente destinado a abrigar condenados que esperavam seu flagelo, na IdadeMdia................................................................................................................................................. 81Figura 5: Foto de Penitenciria Pantica, Livro de Michel Foucalt, 1987, p.172............................. 82Figura 6: Foto de construo da Penitenciria de Itirapina/SP.......................................................... 85Figura 7: Foto de penitenciria de Guarapuava/RS........................................................................... 86Figura 8: Foto de penitenciria de Buenos-aires. .............................................................................. 86Figura 9: Foto de sala de controle de Mdulo de Ressocializao em Buenos-aires........................ 87Figura 10: Foto de presdio em Pelotas/RS....................................................................................... 92Figura 11: Foto de cela da Casa de Deteno de So Paulo.............................................................. 94Figura 12: Foto de cela da Casa de Deteno de So Paulo.............................................................. 94

    Figura 13: Foto de cela no Carandiru................................................................................................ 99Figura 14: Foto de cela no Carandiru................................................................................................ 99Figura 15 :Foto de guarita -CTRA de Zuera na Espanha................................................................ 105Figura 16:Foto de guarita e muro em Novo Hamburgo/RS............................................................ 105Figura 17: Foto de viso interna da cela pela grade da porta. ......................................................... 114Figura 18: Foto de porta de cela fechada, de ao, com visor na antiga Casa de Deteno de SoPaulo................................................................................................................................................ 114Figura 19: Foto de atividade em presdio. Palestra sobre AIDS. Os palestrantes esto separadosdos presos por grades em unidade de So Paulo............................................................................. 117Figura 20: Planta baixa de Penitenciria de regime fechado, 2003................................................. 128Figura 21: Planta baixa de projeto de penitenciria de regime fechado, 2003................................ 133Figura 22: Planta baixa de projeto de Centro de Ressocializao de So Paulo, 2000................... 137

    Figura 23: Foto do CR de So Paulo............................................................................................... 139Figura 24: Planta baixa de unidade de segurana mxima para doao para os estados. ............... 141Figura 25: Planta baixa de projeto de unidade federal de segurana mxima, 2003....................... 146

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Distribuio de vagas do Sistema Penitencirio brasileiro, por regime e gnero.............. 15Tabela 2: Classificao de espcies de estabelecimentos penais por regime e nvel de segurana... 29Tabela 3: Quantidade dos estabelecimentos prisionais, por tipo, do estado de Alagoas................... 53Tabela 4: Quantidade de vagas, por regime, no estado de Alagoas. ................................................. 53Tabela 5: Populao carcerria por situao processual no estado de Alagoas ................................ 53Tabela 6: Dados gerais do estado de Alagoas ................................................................................... 53Tabela 7: Setorizao adotada no projeto 1..................................................................................... 127Tabela 8: Setorizao adotada no projeto 2..................................................................................... 132Tabela 9: Setorizao adotada no projeto 3..................................................................................... 136Tabela 10: Setorizao adotada no projeto 4................................................................................... 140Tabela 11: Setorizao adotada no projeto 5................................................................................... 145

    LISTA DE DIAGRAMAS

    Diagrama 1: Hierarquia dos rgos e atores que participam dos controles de execuo penal ........ 19Diagrama 2: Critrios de aprovao adotados pelos tcnicos para aprovao de projetosarquitetonicos de unidades penais pelo DIAAP/DEPEN. ............................................................... 110Diagrama 3: Setorizao identificada nas Unidades Penitencirias existentes. .............................. 112Diagrama 4: Setorizao proposta pela pesquisa em razo da funo social dos espaos. ............. 124Diagrama 5: Setorizao identificada na planta baixa. ................................................................... 130Diagrama 6: Distores da setorizao segundo a pesquisa . ......................................................... 130Diagrama 7: Setorizao identificada na planta baixa 2. ................................................................ 134Diagrama 8: Distores de setorizao identificadas na pesquisa. ................................................. 134Diagrama 9: Setorizao identificada na planta baixa 3. ................................................................ 139Diagrama 10: Distores de setorizao identificadas na pesquisa ................................................ 139Diagrama 11: Setorizao identificada na planta baixa 4. .............................................................. 143Diagrama 12: Distores de setorizao identificadas na pesquisa. ............................................... 143Diagrama 13: Setorizao identificada no projeto 5. ...................................................................... 148Diagrama 14: Distores identificadas pela pesquisa. .................................................................... 148

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    RESUMO

    O presente trabalho apresenta um panorama das questes que permeiam o

    sistema penitencirio, no que consiste em fatores determinantes para o planejamento do

    espao arquitetnico.

    A anlise se apresenta sobre os atores que influenciam o arquiteto no ato de

    projetar o espao penitencirio. Faz-se um apanhado geral sobre as polticas pblicas

    voltadas questo penitenciria, relacionando-se os poderes executivo e judicirio,

    quanto s contradies existentes entre os mesmos, com o intuito de compreender como

    se processa a escolha da configurao do partido arquitetnico predominante nos

    espaos penitencirios.

    O objetivo principal do trabalho compreender qual a funo social do espao

    penitencirio do ponto de vista dos diversos atores interessados no sistema, para que se

    possa identificar se esse espao cumpre a sua funo e, caso no a cumpra, quais os

    equvocos apresentados quanto ao significado desse espao, para que se possa

    diagnosticar quais aspectos necessitam ser mudados e quais os que devem permanecer

    inalterados.

    A partir do pressuposto de que o objetivo da pena de recluso a

    ressocializao do indivduo, a relevncia do trabalho consiste em analisar o espao

    penitencirio do ponto de vista da recuperao, a fim de identificar se o mesmo favorece

    ou prejudica o objetivo da pena (ressocializar e punir).

    Os resultados encontrados indicam que existem cinco aspectos que consideram

    a funo social do espao penitencirio punitiva e segregatria, coletados atravs de

    entrevistas.

    Conclui-se ainda que os projetos arquitetnicos analisados no trabalho

    apresentam partido arquitetnico configurado como segregatrio ou ressocializador a

    depender da viso do arquiteto autor do projeto respectivo, o que revela a influencia do

    autor do projeto na aplicao da pena de recluso.

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    CAPTULO 1

    O SISTEMA PENITENCIRIO E A CIDADE

    1.1. Introduo; 1.2. Os atores que participam do SistemaPenitencirio; 1.3. Alguns conceitos bsicos; 1.4. Estruturado trabalho; 1.5. Concluso.

    1.1. Introduo

    A questo da punio passou por um processo evolutivo/involutivo da tortura

    corporal para a tortura da alma, num espao inadequado, com penas inadequadas

    reinsero social (mas talvez adequada do ponto de vista da vingana social), colocandoem questo as normas penais em detrimento dos seus objetivos tericos, instigando

    investigao do espao como adequado ou inadequado ao seu verdadeiro fim

    (FOUCALT, 1987).

    O espao (ou pelo menos deveria ser) utilizado como meio de preveno

    comum a todas as teorias, na medida em que o instrumento utilizado para a aplicao

    da pena, e o desenho arquitetnico e a reestruturao urbana procuram neutralizar o

    elevado risco crimingeno que ostenta certos espaos.

    A anlise sobre a arquitetura prisional revela que a priso no adveio de um

    projeto, mas do surgimento da necessidade de espao para o cumprimento da pena,

    aperfeioando-se atravs do planejamento com idias e regras discutidas e incorporados

    pelos Tratados e Convenes Internacionais, na legislao e nas resolues.

    A configurao atual desses espaos demonstra que as idias, os projetos e as

    regras sempre estiveram dissociados da realidade carcerria, na medida em que os

    reclusos sempre foram excludos pelo Poder Pblico e pela prpria sociedade.

    Os princpios norteadores do trabalho em questo tem dois pontos a ser

    defendidos; 1) a investigao dos processos imbricados na definio do partido

    arquitetnico do espao penitencirio, tal como se apresenta atualmente vingativo e

    segregatrio; 2) analisar como fomentar atitudes positivas de comunidade, de

    responsabilidade e solidariedade, atravs de espaos prprios e eficazes para seus fins.

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    O objetivo geral do trabalho em questo consiste em investigar o espao

    penitencirio sob o prisma da sua funo social, com a finalidade de compreender o que

    o espao penitencirio representa para a sociedade. A partir dessa definio, procura-se

    identificar os pontos que dificultam o processo de apreenso da funo social do espao,

    os equvocos que se repetem no planejamento arquitetnico e, conseqentemente, as

    determinaes espaciais que merecem ser re-estudadas.

    Para atingir esse objetivo alguns passos merecem ser considerados, a ttulo de

    objetivos especficos, os quais permitem a compreenso desse espao:

    1. Identificar a funo social do espao penitencirio do ponto de vista legal,

    compreendendo o que determina a lei relativamente ao espao prisional,para observar quais as interpretaes implcitas nas determinaes legais;

    2. Apresentar a viso da sociedade perante o problema da ressocializao,

    tendo em vista a mesma ser representada pelos atores que definem a

    poltica pblica e, conseqentemente, defendem os anseios da sociedade;

    3. Refletir sobre quais so as contribuies efetivas do espao penitencirio

    para o aumento ou a diminuio da reincidncia;

    4. Apresentar a transformao do espao penitencirio, se que o mesmo

    evoluiu, discutindo o processo de planejamento do espao;

    5. Conceituar o espao penitencirio de acordo com o real objetivo da pena

    (ressocializar e punir), definindo os espaos prisionais de acordo com sua

    locao, objetivos especficos, configuraes visuais e sensaes que se

    pretende que os mesmos propiciem ao reeducando.

    6. Discutir as polticas pblicas nacionais para o sistema penitencirio no que

    se refere ao espao penitencirio.

    Os problemas do Sistema Penitencirio brasileiro vm sendo objeto de

    preocupao de vrios pesquisadores, inclusive, de organismos internacionais, tendo em

    vista o distanciamento entre os direitos fundamentais, descritos pela Constituio

    Federal e a realidade apresentada, no que se refere ao tratamento dos reclusos.

    Nesse ponto, os questionamentos surgem como um contraponto s

    afirmativas sobre um ordenamento jurdico penal avanado, restando, guisa

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    de resposta, indagar em que medida esse avano significativo, diante da

    realidade concreta dos fatos.(LEAL, 2000)

    Neste captulo ser apresentado o Sistema Penitencirio, tangencialmente

    acerca dos processos que movem esse Sistema, os atores imbricados em tais processos e

    os aspectos espaciais que despertaram o interesse em pesquis-los, com o intuito de

    demonstrar a realidade do sistema.

    A constatao de alguns conceitos inerentes ao sistema serem desconhecidos

    pela sociedade, fato que dificulta a compreenso do sistema penitencirio, emergiu a

    necessidade de apresent-los, a fim de poder analis-los no decorrer da pesquisa, como

    elemento de anlise da viso do poder pblico acerca do indivduo preso.

    Tal abordagem se faz imprescindvel para a reflexo da funo social do

    espao penitencirio, haja vista ser um ambiente pouco explorado e, por isso mesmo,

    desconhecido da maior parte dos arquitetos, bem como a grande parcela da sociedade

    sem relao direta com os condenados.

    A realidade das instituies penitencirias brasileiras apresenta um

    descompasso entre as normas jurdicas referentes ao cumprimento da pena e aefetivao dos direitos humanos, conforme apresentado:

    Define-se a pena de priso como sendo um recolhimento

    temporrio suficiente ao preparo do indivduo para o retorno ao convvio

    social. Nesse sentido, a Lei Penal prev o desenvolvimento de condies para

    que, separado da famlia e de outras relaes sociais significativas, o preso

    possa refletir sobre o ato criminoso e corrigir o desvio de seu curso.

    (ENTREVISTADOS 01 e 02)

    Uma vez que a pena de priso visa a preparao do indivduo para o retorno

    sociedade, os espaos existentes e, conseqentemente, a aplicabilidade da pena

    apresentam-se em dissonncia com a legalidade imposta pelas normas inerentes ao

    sistema.

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    O Brasil possui uma das mais avanadas leis penitencirias da Amrica Latina,

    Lei n 7.210, a Lei de Execues Penais, de 11 de julho de 1984, que assegura todos os

    direitos no atingidos pela sentena ou pela lei, propondo, inclusive, aspectos

    recuperadores de tratamento aos condenados. Alm disso, a Constituio Federal

    enumera os direitos e garantias fundamentais dos presos. Em complemento, a

    Resoluode 11 de novembro de 1994, do Conselho Nacional de Poltica Criminal e

    Penitenciria fixa regras mnimas de tratamento do preso no Brasil assegurando ao

    interno todos os direitos que a sentena no atingiu.

    Essas regras so adaptaes das Regras Mnimas para o Tratamento dos

    Presos, aprovadas pela ONU no I Congresso sobre Preveno do crime e Tratamento

    do Delinqente, realizado em Genebra em 1955, consideradas como o estatutouniversal dos reclusos.

    No Brasil encontramos vrias contradies de considervel importncia. Como

    exemplo pode-se citar a que trata do prprio objetivo da penitenciria, que segundo o

    Art. 1o da Lei n 7.210 define que a execuo penal tem por objetivo efetivar as

    disposies de sentena ou deciso criminal e proporcionar condies para a harmnica

    integrao social do condenado e do internado. Mais adiante, no Art. 3 o. da mesma lei

    determina-se que ao condenado e ao internado sero assegurados todos os direitos no

    atingidos pela sentena ou pela lei, ou seja, restringe-se apenas os direitos de ir e vir e

    votar, sendo preservados todos os demais direitos fundamentais.(BRASIL, 1988)

    Levando-se em conta que o objetivo da pena consiste em re-integrar

    harmoniosamente o preso na sociedade, no deixando de lado o carter punitivo,

    admite-se que a ineficcia da pena de priso no se d por falta de instrumentos legais,

    pois a lei existe, apesar de no ser cumprida. A Lei de Execuo Penal, disciplina aexecuo da pena de priso. A indagao recai sobre o motivo do no cumprimento da

    Lei nos estabelecimentos penais.

    As prises de fato no recuperam. Sua situao to degradante que so

    rotuladas com expresses como sucursais do inferno, universidade do crime, etc.,

    expresses essas justificadas pelo que se apresenta no livro de Carlos Amorim, que

    atribui a origem do crime organizado ao presdio de Ilha Grande/RJ, quando, no perodo

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    de ditadura, os presos polticos eram levados para o convvio com os presos comuns, e

    ensinavam-lhes estratgias de guerrilha, poltica e direitos humanos.(AMORIM, 2003)

    O encarceramento puro e simples no apresenta condies para a harmnica

    integrao social do condenado, conforme preconiza a LEI DE EXECUO PENAL.

    Portanto, punir, encarcerar e vigiar no bastam: necessrio conceder pessoa presa

    o acesso a meios e formas de sobrvivncia e que lhe proporcionem as condies de que

    precisa para reabilitar-se moral e socialmente.(ENTREVISTADOS 01 e 02)

    Durante o I Frum de Sade do Sistema Penitencirio da Regio Norte, foi

    traado um perfil socioeconmico da populao carcerria do Brasil, segundo o Censo

    penitencirio de 1994 (UFAC, 2002), cujos dados foram coletados na regio Norte,onde se revelou um maior contingente na populao carcerria de pessoas jovens, com

    idade entre 18 e 30 anos (52,6%) e entre 31 e 40 anos (28,9%). Cerca de 87% dos

    presos dessa regio possua pouca ou nenhuma escolaridade e a maioria nunca exerceu

    uma atividade laboral regular ou sobreviviam executando servios margem de leis

    trabalhistas.

    No Censo Penitencirio Nacional de 1995 (DEPEN/MJ1), utilizou-se uma

    amostra de 44.304 presos pesquisados em estabelecimentos penitencirios, de um total

    de aproximadamente 148.000 presos, onde aproximadamente 30% cumpriam suas penas

    em delegacias de policia ou cadeia pblica. A ttulo de esclarecimento, as delegacias

    cumprem um papel meramente burocrtico, onde se protocola a queixa da infrao ou

    delito. Atualmente, passados 10 anos, dados sobre a populao prisional apontam para

    uma populao superior a 240.000 presos.2

    Percebe-se, portanto, que o perfil traado pelos dados coletados aponta parauma populao majoritariamente jovem, pobre, sem escolaridade e sem emprego, fato

    que coincide com o encarceramento, como se fosse a tentativa de esconder dos olhos da

    sociedade a parcela menos favorecida de seus direitos.

    O desmonte do Estado Previdencirio abriu caminho para a

    construo de um gigantesco Estado Penal, como demonstrado por Loic

    1

    Departamento Penitencirio Nacional do Ministrio da Justia.2Fonte: Departamento Penitencirio Nacional do Ministrio da Justia, Dezembro de 2003.

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    Wacquant ao analisar a nova gesto da misria nos Estados Unidos. Ele

    comprova o deslocamento da populao desassistida pela destruio dos

    programas assistenciais e sua realocao no sistema penitencirio. A clientela

    deste sistema penal so os inimigos cmodos, afro-americanos e hispnicos

    na Amrica, rabes e africanos na Europa, camponeses pobres e favelados na

    Amrica Latina.(WACQUANT, 2001 apud.RAMALHO 2004)

    Assim, os dados apresentados acerca do perfil da populao carcerria indicam

    que a mesma se apresenta, majoritatiamente, pobre e desassistida. Isso no quer dizer

    que a criminalidade tenha realidade direta com a pobreza e a excluso social, mas

    demonstra que a populao pobre acaba povoando os espaos penitencirios, excludos

    da sua excluso fora dos muros, para que no venham a se misturar com a sociedade.

    No Brasil, segundo o censo de 2003, existem 178.489 vagas no sistema

    penitencirio para absorver a populao condenada recluso. Assim, o pas apresenta

    um dficit de aproximadamente 70.878 vagas para o sistema penitencirio.3 Vale

    esclarecer que esses dados se referem populao presa, no computados os casos que

    aguardam o cumprimento do mandado de priso (Tabela 1). Os dados apresentados

    computam vagas, sem distino quanto espcie de estabelecimento, fornecendo o

    nmero de vagas de acordo com o regime adotado. Esses dados no permitem uma

    anlise sobre o real dficit, tal como se apresentam, nem facilitam a informao acerca

    da progresso das penas nos Estados.

    Observa-se que, efetivamente, no existe poltica de progresso da pena,

    conforme preconiza a Lei de Execuo Penal, pois o dado que realmente interessa ao

    Ministrio da Justia trata do nmero total de vagas, obedecendo a critrios de gnero,

    para abrigar o nmero total de criminosos, condenados ou sub jdice. Com isso ficaclaro que a distino entre os condenados e aqueles que esperam a sua condenao em

    presdios no existe.

    Alagoas, por exemplo, segundo a Tabela 1 apresenta um dficit de 60 vagas,

    contudo, ao confrontarmos com os dados coletados na pesquisa de campo, observa-se

    que esse dficit muito maior. Citando, por exemplo, o nmero de presos no regime

    3Fonte: Departamento Penitencirio Nacional do Ministrio da Justia, Dezembro de 2003

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    provisrio, que apresenta uma populao carcerria de 750 presos, acrescenta-se que a

    unidade prisional destinada a abrig-los no existe no sistema penitencirio,

    demonstrando uma crise ainda maior do que a divulgada. Segundo reportagem no jornal

    local (ALTV), em 12/11/04, a Penitenciria da cidade de Arapiraca, por exemplo, que

    possui capacidade de 148 vagas, abriga 248 presos.

    Tabela 1: Distribuio de vagas do Sistema Penitencirio brasileiro, por regime e gnero

    Fechado Semi-aberto ProvisrioMed. deseg.

    PopulaoU.F.

    Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. pris. habit. p/100mil

    Vagas Dficit

    AC 654 21 196 8 992 55 6 0 1932 557526 347 1113 819

    AL 558 21 53 19 750 39 43 4 1487 2822621 53 1427 60

    AP 373 35 126 6 373 16 0 0 929 477032 195 716 213

    AM 570 45 138 8 1188 69 6 0 2024 2812557 72 1841 183

    BA 1831 60 667 20 2471 153 110 5 5317 13070250 41 4364 953

    CE 6437 139 1446 64 3067 142 22 0 11317 7430661 152 5903 5414DF 3692 185 1915 26 960 60 57 2 6897 2051146 336 4191 2706

    ES 1581 76 196 7 1985 221 57 5 4128 3097232 133 1783 2345

    GO 1822 48 341 16 10054 53 0 0 12334 5003228 67 2351 9983

    MR 828 40 488 8 752 0 0 0 2116 5651475 37 1176 940

    MG 4022 206 329 17 2084 129 13 2 6802 2504353 272 5430 1372

    MS 2740 287 523 9 1159 197 0 0 4915 2078001 237 2376 2539

    MG 3838 97 868 28 376 84 118 29 5438 17891494 30 5544 (106)

    PA 1543 31 285 8 2522 95 38 0 4522 6192307 73 3446 1076

    PB 2832 82 708 9 1684 56 43 0 5414 3443825 157 3005 2409

    PR 5250 167 845 29 899 61 223 15 7489 9563458 78 7075 414

    PE 4664 231 849 26 6195 205 288 30 12488 7918344 158 8600 3888PI 269 17 100 3 889 43 14 1 1336 2843278 47 1705 (369)

    RJ 11677 594 2150 36 3681 424 0 0 18562 14391282 129 17721 841

    RN 1146 36 64 5 459 30 21 0 1761 2776782 63 2203 (442)

    RS 10550 250 4129 125 2575 294 469 29 18421 10187798 181 15665 2756

    RN 1153 79 380 15 1672 73 0 0 3372 1379787 244 1517 1855

    RO 142 9 91 2 296 32 1 0 573 324397 177 424 149

    SC 3770 296 832 58 1544 90 103 0 6693 5356360 125 6013 680

    SP 59112 2837 11990 412 23812 0 773 90 99026 37032403 267 71515 27511

    SE 1690 80 170 0 799 45 9 1 2794 1784475 157 1219 1575

    TO 330 14 81 3 611 34 41 0 1114 1157098 96 0 1114

    TO 133074 5983 29960 967 73849 2700 2455 213 249201 169799170 3924 178323 70878

    Fonte: rgos Estaduais responsveis pelo sistema prisional nos Estados. MJ/DEPEN 2003.

    Essa demonstrao explica o fato de a maior parte dos estabelecimentos penais

    contar com uma estrutura deteriorada. Devido superlotao (Figura 01), muitos deles

    dormem no cho de suas celas, s vezes no banheiro, prximo ao buraco do esgoto. Nos

    estabelecimentos mais lotados, onde no existe espao livre no cho, presos dormem

    amarrados s grades das celas ou pendurados em redes. A luta por espao e a falta de

    proviso bsica por parte das autoridades leva explorao dos presos por eles mesmos.

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    Figura 1: Foto de cela superlotada em Penitenciria do Estado de SoPaulo.

    Fonte: www.mj.gov.br/depen. Acesso em: 21/07/04

    A Human Rights Watch4 inspecionou o 78 Distrito Policial de So Paulo

    (2001) e encontrou 80 presos divididos em quatro celas pequenas. A capacidade

    projetada era de 20 presos, ou seja, contava com quatro vezes mais detentos do que

    deveria. Em cada cela, dos presos espremidos no cho, encontramos de 5 a 7 presos

    pendurados em cordas. Mesmo nos minsculos banheiros, havia de 2 a 3 homens em

    cada cela . A superlotao era to extrema que no podamos imaginar como aquele

    estabelecimento amontoou 16 detentos a mais, apenas alguns meses antes, como fomos

    informados.5

    Considera-se, pois, que o cotidiano penitencirio permanece o mesmo,

    independentemente de tempo ou de espao, no obstante as modificaes que o espaopenitencirio tem apresentado ao longo do tempo. O comportamento humano produzido

    pelo espao e a resposta apresentada pelo preso - rebelies, motins, fugas, etc.- em

    qualquer estabelecimento penitencirio visitado, salvo algumas excees, repete-se

    constantemente.

    4

    ONG Internacional de defesa dos direitos humanos, da ONU.5Human Rights Watch, 2001.

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    A priso em si violenta o indivduo de uma forma ininterrupta, pois transcende

    o nvel corporal e atinge at o espiritual, visto que no h uma preocupao no que se

    refere ao respeito pela pessoa humana. O espao prisional favorece esta situao na

    medida em que no apresenta espaos destinados a determinados6 usos ou, quando os

    apresenta, estes no permitem a compreenso de sua funo por parte dos presos,

    afetando sobremaneira a dignidade humana. A pergunta que se faz : como pode haver

    uma Reconciliao do condenado com o mundo externo se ele no aprende nem ao

    menos como deve se comportar em determinados espaos? Como ele vai viver na

    sociedade, fora dos muros da priso, se ele aprende a desrespeitar e a desvalorizar a vida

    humana dentro dos muros prisionais?

    A constatao geral apresentada em entrevistas com pessoas ligadas ao sistemapenitencirio nacional revelou um prisioneiro tpico, com um nvel de escolaridade

    baixo, viciado em drogas. Nas prises de pases europeus, como Inglaterra, Frana e

    Espanha, por exemplo, observa-se um nmero desproporcional de homens imigrantes,

    cidados ilegais, africanos, asiticos e latinos, enfatizando o carter excludente e

    preconceituoso impetrado pelos espaos prisionais. (MATTOS, 2002)

    Cabe, portanto, considerar o papel que a criminologia tem na criao dessas

    impressionantes similaridades, no s nas populaes, mas nos mtodos de controle,

    modelos arquitetnicos e prticas de custdia originadas da psicologia do criminoso

    (criminologia), generalizada ao redor do mundo. (DAVIS, 2003)

    Sugestes de que quanto mais vagas criadas (construes de estabelecimentos

    penais) maior a atrao de criminosos e maior o nvel de superlotao

    (ENTREVISTADOS 01, 02, 03 e 05 ) indicam a produo de um tipo de prisioneiro

    6Recentemente, h cerca de 10 anos, comeou-se a projetar espaos voltados para o trabalho,visita ntima, pois se entendeu que esses espaos faziam parte da manuteno da segurana dosestabelecimentos, na medida em que permitiam que os presos sassem do espao de

    convivncia, como se estes fossem a rua. Contudo, os espaos elencados ainda apresentamuma certa timidez quanto ao seu carter, o que foi detectado em entrevistas com presos.

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    que, por sua vez, justifica a expanso das unidades penitencirias, cabendo o termo

    indstria da priso para explicar esse fenmeno.7

    1.2. Os atores que participam do Sistema Penitencirio

    O Sistema Penitencirio representa o cenrio onde diversos atores (Secretrio

    de Estado, Administrao interna, Magistrados, Ministrio Pblico, Sociedade) atuam

    para subsidiar o protagonista (o preso), por se tratar de indivduo que necessita de

    controle do estado para evitar que infrinja as normas sociais e para ser ressocializado e

    poder voltar ao convvio social em liberdade.

    No entanto, os papis desempenhados por esses atores refletem uma

    preocupao em manipular o papel protagonista do preso, enfatizando a platia queassiste ao espetculo (a sociedade livre).

    Ser conduzido ao lugar da execuo, em camiso, ps descalos e

    com a cabea coberta por um vu negro; ser exposto, em um cadafalso,

    enquanto o meirinho levar para o povo a sentena condenatria e

    imediatamente executado.(FOUCALT, 2002,p.16)

    Nota-se, portanto, o carter de espetculo atribudo ao sistema penitencirio

    desde os sculos passados. A exposio em cadafalso, agora, faz parte do papel

    desempenhado pela imprensa, que expe aos bons cidados os malfeitores que

    representam riscos sociedade, e informam aos mesmos quais as providncias tomadas

    para proteg-los e ving-los. Percebe-se, ento, que a existncia de controle do preso

    pelo estado implica em satisfazer o desejo da sociedade de mant-lo afastado.

    A execuo penal estabelece como estrutura de funcionamento dosestabelecimentos penais controles administrativos externos e internos, controle judicial,

    fiscalizao do Ministrio Pblico e ao dos advogados pblicos ou privados. Esses

    atores so peas fundamentais no desenho de polticas pblicas para o sistema

    penitencirio.

    7Existe um poder paralelo, dentro dos presdios, que subsiste no subterrneo, encabeado por

    presos que adquiriram o poder de manipular e controlar os demais, seja pela fora fsica, sejapelo trfico de influencias, cujos interesses passam ao largo da humanizao dos presdios.

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    O Diagrama 1 mostra os atores envolvidos no processo da execuo penal, os

    quais fazem parte dos poderes federal ou estadual de poltica penitenciria:

    Diagrama 1: Hierarquia dos rgos e atores que participam dos controles de execuo8

    penal

    Governo Federal

    Poder judicirio

    Poder Executivo

    Cont. Adm. Ext.

    Cont. Adm. Int.

    Destino das ae- presos

    Sociedade

    LEGEN

    Ao Departamento Penitencirio Nacional, DEPEN, cabem a atribuies de

    acompanhamento das normas da execuo penal no mbito do territrio nacional,

    inspecionando e fiscalizando os estabelecimentos sobre o prisma da execuo penal.

    Gerencia os recursos do Fundo Penitencirio Nacional, FUNPEN, colaborando com as

    unidades federativas, mediante convnios, para a implantao de estabelecimentos e

    servios penais.

    8Legenda de Abreviaes no Anexo 2, no final do trabalho.

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    Esse rgo responsvel pela elaborao de diretrizes bsicas de polticas

    pblicas para o sistema penitencirio nacional e pelos servios de apoio ao gestor do

    sistema penitencirio.

    O controle administrativo externo constitudo pelas diretrizes de ao

    penitenciria ditadas pelo Secretrio de Justia do Estado, dos departamentos de

    controle do sistema penitencirio e das corregedorias do sistema penitencirio, os quais

    so exercidos diretamente sobre a Administrao penitenciria e secundariamente aos

    apenados e internados.

    O controle administrativo interno executa os procedimentos formais para

    aplicar as sanes disciplinares aos apenados e elege o agente penitencirio comoexecutor de determinaes superiores, sem poder decisrio.

    O Ministrio pblico exerce a fiscalizao direta e o controle da legalidade dos

    atos administrativos e o Juzo da Execuo Penal exerce sobre os estabelecimentos o

    poder correcional, dirigindo suas aes na orientao quanto observncia dos preceitos

    legais pertinentes. Um dado relevante se apresenta no fato de caber ao Juiz a

    determinao de mudanas de presos dentro do sistema penitencirio, haja vista que o

    mesmo no conhece de perto o ambiente carcerrio, muitas vezes condenando o preso

    morte9.

    O Conselho penitencirio limita-se a emitir pareceres nos processos de

    execuo da pena, com o intuito de auxiliar o Juiz de execues penais quando da ao

    condenatria, observando-se, porm, que o mesmo no cumpre seu papel de inspecionar

    os estabelecimentos e servios, segundo o art. 70, II, da Lei de Execuo Penal10.

    9Uma vez que o Poder Judicirio no conhece o cotidiano do crcere, muitas vezes ocorre atransferncia de um condenado a unidades onde o mesmo corre risco de vida se for colocado emconvvio com os demais, por estar ameaado de morte.10Essa afirmao baseia-se nas entrevistas realizadas e na constatao de que as unidades que seencontram em condies precrias de oferecimento de condies mnimas de funcionamento,caso fossem inspecionadas, estariam fechadas. O Magistrado entrevistado argumenta que nopode fechar as unidades em pssimas condies, sob pena de pr em liberdade os indivduos

    que no deveriam estar fora dos muros prisionais.

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    A sociedade, outro ator considerado atuante no sistema, apresenta-se dividida

    em dois grupos, desempenhando, respectivamente, dois papis: o papel do grupo

    diretamente ligado ao cotidiano penitencirio, que so os familiares dos presos e o papel

    do grupo que assiste ao desenrolar dos fatos sem se envolver, como se fosse o pblico

    para quem o espetculo est sendo apresentado.

    Os familiares dos presos atuam como platia participante do espetculo:

    assiste a tudo sem o poder de interferncia no desenrolar dos fatos e sofre as

    conseqncias do que acontece no sistema penitencirio. Amarga, solidariamente, parte

    da pena aplicada ao seu ente, pois passa a fazer parte do cotidiano penitencirio,

    preocupando-se com problemas intramuros, diminuindo sua condio financeira de

    subsistncia, sofrendo com a ausncia imposta pela pena a um de seus membros,comportando-se como se estivesse em luto11, fazendo visitas peridicas ao tmulo

    daquele que faleceu.

    A sociedade livre, desejosa de que o bem sempre vena, desempenha o

    papel de platia torcedora, implora por justia e acalma-se quando o bem vence.

    Acredita que a morte do vilo a garantia de sua felicidade.

    Cabe aqui salientar que os representantes de cada um desses atores tambm faz

    parte da sociedade, uma vez que tambm participam da comunidade, acreditando-se,

    assim, que no se configuram em atores imparciais. Se assim, as polticas

    penitencirias, ainda que direcionadas pelo mbito federal, apresentam-se cunhadas do

    desejo de vingana que se observa na sociedade.

    Alm disso, a sociedade detm outro instrumento de influncia dos atores

    elencados no Diagrama 1: seu voto e, conseqentemente, seu poder de eleger os seusrepresentantes. Dessa forma, j que se trata de cargos polticos, os representantes das

    instancias elencadas acabam por atender ao desejo punitivo-vingativo, prioritariamente.

    O preso o protagonista do espao penitencirio. Percebe-se a tentativa de

    controle absoluto de suas aes pelos representantes do poder pblico, com o intuito de

    obrig-lo a comportar-se de acordo com o que se considera como certo.

    11

    Os familiares conhecem os riscos que o espao prisional oferece aos presos, criandoexpectativas de morte que o preparam para a notcia de perda do parente preso.

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    As leis e, conseqentemente, as polticas voltadas questo penitenciria

    enfatizam a tentativa de controle social daqueles que ainda no foram controlados.

    Concomitantemente a isso, nota-se por parte da sociedade o desejo implcito

    de excluso social dessa parcela da populao, carente de direitos, pois no possui

    condies de contratar um advogado, ficando a merc dos programas assistenciais do

    estado, e ignorante de seus deveres sociais, por apresentarem falhas no seu processo de

    socializao, os quais no foram eficientes em ensinar a viver em sociedade.

    Por se tratar de um grupo minoritrio improdutivo o preso no pode dar a

    contrapartida dos servios prestados pelos programas pblicos assistenciais,

    permanecendo, portanto, a merc da caridade do Estado.

    No entanto, embora exista uma influncia de baixo para cima, da sociedade

    para os poderes, o que se define l e imposto para baixo repercute diretamente no

    convvio da sociedade, uma vez que a punio em detrimento da ressocializao permite

    a continuidade da no formao social do indivduo, que sai da penitenciria to

    violento ou mais do que entrou.

    Entende-se, portanto, que punio sem ressocializao no assegura asegurana, to aclamada pela sociedade.

    1.3. Alguns conceitos bsicos

    Para a compreenso do objetivo deste trabalho faz-se necessrio conhecer

    algumas definies que aproximem o leitor de conceitos espaciais a que o trabalho faz

    aluso, tendo em vista as especificidades que esse espao apresenta, com conceitos

    definidos e objetivos diferenciados de recuperao e punio.

    No Brasil tem sido comum confundir os limites entre as polticas sociais

    bsicas, a poltica de segurana pblica e a poltica criminal e penitenciria. No se

    pode ignorar as inter-relaes entre as trs, porm elas abrangem campos bastante

    distintos.

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    As polticas sociais bsicas12 podem ter efeitos preventivos em relao

    criminalidade e reincidncia13, mas se referem a aes nas reas de educao, sade e

    habitao.

    A poltica de segurana pblica rene aes que interferem mais diretamente

    na criminalidade, como controle do porte de armas, policiamento ostensivo, medidas

    preventivas quanto criminalidade etc. e visa garantir a segurana da populao livre,

    mas que no se detm ao tratamento de quem cometeu o crime, no sentido de recuper-

    lo.

    A poltica criminal e penitenciria trata diretamente da priso e do preso,

    visando sua recuperao e a conteno do mesmo. Seu foco o tratamentoressocializador, com o intuito de recuperar o indivduo de tal forma que ele no volte a

    delinqir, para que se diminua a violncia e a criminalidade no pas.

    Devemos distinguir Direito Penal e Sistema Penal. Direito Penal o conjunto

    de normas jurdicas que prev os crimes e lhes comina sanes, bem como disciplina a

    incidncia e validade de tais normas, a estrutura geral do crime, e a aplicao e

    execuo das sanes cominadas.

    O termo Sistema Prisional demonstra um primeiro detalhe a discutir: a escolha

    em conceituar, na pesquisa, Sistema penitencirio e no Sistema prisional. A priso

    tomada como nica forma de penitncia, ou pena, enfatizando o carter institucional

    religioso, discutido mais adiante. Conquanto, o sistema que temos prisional ou

    penitencirio?

    A palavra sistema significa uma srie de coisas: um funcionamento, uma

    organizao de diversos elementos fsicos, humanos, polticos, econmicos, entre os

    quais se possa encontrar ou definir alguma relao. E o sistema seria penitencirio do

    ponto de vista religioso de impor aes de penitncia, sacrifcio para expiao dos

    pecados, e prisional quando o foco o aprisionamento, ato de encarcerar.

    12Que tratam de questes como educao, moradia, sade, trabalho e lazer.13Pesquisas divulgadas no site www.mj.gov.br/depencomprovam que a maioria dos criminososapresentam alguma falha nos processos formadores da socializao, tais como ausncia de

    escola, violncia domstica na infncia, etc., fato que influencia negativamente na vida adulta,ocasionando desvios de comportamento que ocasionaram muitos dos crimes cometidos.

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    Entende-se nessa pesquisa que, no espao penitencirio, o ato de penitenciar

    enfatizado pelo ato de aprisionar, haja vista a priso do indivduo para o cumprimento

    da pena. No entanto a pena (penitncia) sugere o reconhecimento do pecado e,

    conseqentemente, a tentativa de remisso, pois se aplica a pena quando o crime

    reconhecido e o criminoso condenado a se sacrificar, perdendo sua liberdade de ir e

    vir, para receber o perdo pelo seu erro.

    Tendo em vista ser esse o objetivo da pena de priso Ressocializar e Punir

    aplicada no espao penitencirio, justifica-se a utilizao do termo Sistema

    Penitencirio em virtude do objeto de estudo especificado na pesquisa, a penitenciria,

    o qual visa o perdo dos pecados dos criminosos.

    Sistema Penal o grupo de instituies e polticas pblicas que visam cumprir

    o que o Direito Penal preconiza. O Sistema Penal segue legislao especfica e pode ser

    considerado como instrumento da Poltica penitenciria, que consiste em:

    Decreto-Lei n2848 (Cdigo Penal)

    Lei n7.210/84 (Lei de Execuo Penal)

    Lei Complementar n 79/94 (cria o Fundo Penitencirio Nacional-

    FUNPEN);

    Decreto n1.093/94 (regulamenta a Lei Complementar no. 79, que cria o

    FUNPEN );

    Lei n9.455/97 (define os crimes de tortura e d outras providncias)

    Portaria Interministerial n 628 de 02 de abril de 2002 (aprovao do

    Plano Nacional de Sade no Sistema Penitencirio);

    Portaria n2287/GM de 11 de dezembro de 2002 (Define recurso para

    incentivo ateno sade no sistema penitencirio, no qual elege apenas cinco

    unidades federativas: MG, PR, PE, SP, RJ).

    A Pena tem por objetivo punir e reabilitar, ao mesmo tempo , o criminoso. As

    penas principais, no Direito Brasileiro, so:

    1. Recluso, que a mais rigorosa por ser privativa de liberdade, e deveria

    executar-se pelo sistema progressivo, onde o preso seria recompensado

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    pelo seu bom comportamento no cumprimento da pena, progredindo do

    regime fechado ao semi-aberto e, posteriormente, ao aberto;

    2. Deteno, tambm privativa de liberdade que se destina a crimes mais

    leves;

    3. Pena Pecuniria, que aplicada atravs de multa ou indisponibilidade de

    bens e a priso simples, aplicvel a pequenas contravenes penais.

    Para a execuo das penas de recluso, deteno ou priso simples h

    necessidade de espaos construdos para esse fim, pois essas penas objetivam retirar a

    liberdade de ir e vir do indivduo at que o mesmo se recupere para ir e vir sem atentar

    contra os direitos da sociedade.

    Os Estabelecimentos Penitencirios so todos aqueles utilizados pela Justia

    com a finalidade de alojar presos, quer provisrios que condenados, ou ainda aqueles

    que estejam submetidos medida de segurana .

    Considera-se crime a infrao penal a que a lei comina pena de recluso ou de

    deteno, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de

    multa.14

    A Lei de Execuo Penal LEP - define os tipos de regime para o sistema

    penitencirio, obedecendo a progresso da pena, os quais so definidos como fechado,

    semi-aberto e aberto. Como regime fechado considera-se o estabelecimento que

    apresenta cela individual, em local afastado do centro urbano, distancia que no

    restrinja a visitao.15 O regime fechado aplica-se s penitencirias, Centros de

    Observao, Presdios e Cadeias.

    Como regime semi-aberto considera-se o estabelecimento definido como de

    segurana mdia, onde existe contato restrito com a sociedade externa. Consideram-se

    estabelecimentos de regime semi-aberto as penitencirias de segurana mdia e as

    colnias agro-industriais.

    14Decreto-lei n. 3.914, de 09 de dezembro de 1941, Lei de introduo ao Cdigo Penal e Lei

    de Contravenes Penais.15Lei 7.210/84, Captulo II, Art. 87 a 90, Lei de Execuo Penal.

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    O regime aberto apresenta como caracterstica a permanncia do preso apenas

    durante o perodo noturno, permitindo-se que ele saia da unidade para trabalhar fora

    durante o dia. So considerados estabelecimentos de regime aberto os albergues.

    Observa-se uma classificao informal, mas imbricada ao processo de anlise

    de projetos de estabelecimentos penais, identificada atravs de entrevistas ao corpo

    tcnico de aprovao de projetos do DEPEN, composto por 2 arquitetos e 3 engenheiros

    civis. Essa classificao abrange aspectos quanto :

    Espcie (Presidirios, Penitencirios, Mdico-penais e

    assistenciais);

    Tipo ou Regime (fechado, semi-aberto e aberto)

    Nveis de segurana ou categorias (segurana mxima especial,

    mxima, mdia e mnima)

    Faixa etria (jovens-adultos, adultos e idosos).

    Sexo (masculino, feminino e misto).

    Presdio: o estabelecimento penal destinado ao recolhimento do preso

    provisrio, sempre de segurana mxima. Nessa unidade, o preso aguarda o seu

    julgamento, caso no possa aguardar em liberdade, sendo posteriormente encaminhado

    s unidades penitencirias, onde permanecer durante o cumprimento da pena de

    recluso.

    Por abrigar os presos em regime provisrio por um perodo limitado 4 meses,

    essa unidade no justifica espaos destinados ao tratamento re-adaptativo, pois o crime

    presumido, o que sugere a ausncia de culpa e, portanto, a impossibilidade da

    penitncia.

    Por essa razo, no seria necessrio a previso de espaos para ensino

    fundamental e mdio e oficinas de trabalho remunerado. Seriam necessrias poucas

    salas de curso profissionalizante, para mant-los ocupados no perodo de acautelamento,

    tendo em vista a sua permanncia nesse espao ser curta em relao ao espao

    penitencirio.

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    Penitenciria: o estabelecimento penal destinado a abrigar o preso

    condenado, no caso da recluso, vindo do presdio. A finalidade formal desse espao

    arquitetnico preparar o preso e abrig-lo, isolando-o do convvio com a sociedade,

    at que ele possa ser devolvido seguindo os padres sociais vigentes.

    Esse espao necessita de uma preocupao quanto ao processo recuperador,

    uma vez que foi reconhecida a culpa do criminoso.

    O espao arquitetnico destinado a este fim tem importncia primordial no

    processo de readaptao, no entanto, esquece-se de planej-lo tendo em vista o grupo

    ligado dinmica de ato criminoso, o que decorre de influncias negativas da vida

    carcerria e os que se ligam pessoa do preso (familiares). Sem esta distino, aavaliao tcnica e o planejamento oferecem srios riscos de incorrer em erros que

    resultem na procura de decises mais fceis.

    Nesse espao a permanncia do indivduo maior, a depender do tipo de crime

    cometido, fato que sugere a necessidade de tratamento voltado sua recuperao. Uma

    vez que reconhecida a culpa do indivduo e, portanto, a falha no processo de

    aprendizado social, esse espao destina-se a ressocializ-lo, com atividades que

    permitam tal ao, tais como educao, trabalho, lazer, religiosidade e contato familiar.

    Estabelecimentos mdico-penais: so aqueles destinados a pessoas que devem

    ser submetidas a tratamento, em decorrncia de deciso judicial, de medida de

    segurana imposta ou por prescrio mdica, muito embora, no trabalho em questo,

    todos os estabelecimentos prisionais sejam considerados destinados a tratar o

    reeducando.

    Consideram-se como estabelecimentos mdico-penais os manicmios

    judicirios, atualmente denominados como Centros de Tratamento e Custdia e

    estabelecimentos voltados para o tratamento de sade dos presos.

    Colnia Agro-industrial: o estabelecimento penal destinado ao preso que

    pode cumprir a pena em regime semi-aberto, sendo de segurana mdia. Seu uso

    justifica-se quando da progresso do Regime Fechado para o Semi-aberto, conservando-

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    se os aspectos institucionais do processo de ressocializao: educao, trabalho,

    religio, famlia, etc.

    Casa do albergado: destinada ao preso que cumpre pena privativa de

    liberdade em regime aberto e de segurana mnima, com pena de limitao de finais de

    semana. Consiste no estgio subseqente ao Regime Semi-aberto, onde o indivduo j

    no est mais preso, podendo trabalhar fora da unidade e voltar mesma para pernoitar.

    Consiste, portanto, em espao de teste, onde o indivduo prova sociedade que

    est reabilitado, pois convive com a mesma diariamente.

    Centro de observao: o estabelecimento de regime fechado e de segurana

    mxima especial onde devem ser realizados os exames gerais e criminolgicos, cujos

    resultados so encaminhados Comisso Tcnica de Classificao dos Presos que

    indicar o tipo de estabelecimento e o tratamento adequado a cada preso. Na prtica, os

    exames gerais so efetuados na prpria unidade penitenciria, salvo rarssimas

    excees.

    O sistema progressivo imposto pela Lei 7.210 objetiva a reinsero do

    indivduo ao convvio social depois de cumprimento da pena, de maneira gradativa. Aclassificao dos estabelecimentos penais, acima apresentada, pontua a progresso da

    pena, onde o individuo progride do regime fechado ao aberto, de acordo com o

    comportamento apresentado e mediante avaliao do Juiz de Execuo.

    O processo se inicia no Presdio, quando o preso, sob jdice, aguarda a

    condenao e a correspondente transferncia para a unidade de cumprimento da pena.

    Teoricamente, o preso deveria passar por um Centro de Observao, que o encaminharia

    Unidade de Recluso, Penitenciria. O re-educando passa do regime fechado ao semi

    aberto, onde poder ter visita ntima, oportunidade de trabalho, e, observao bastante

    interessante, percebe maior fragilidade na estrutura fsica do edifcio, pois as

    especificaes de materiais construtivos so mais amenas do que o edifcio de regime

    fechado. Passado algum tempo, o preso bem comportado progride para o regime aberto,

    o Albergue, onde passa a trabalhar na cidade e volta unidade para repousar a noite,

    motivo pelo qual o albergue deve ser localizado no Centro urbano, preferencialmente,

    enquanto que os demais estabelecimentos podem localizar-se fora do permetro urbano.

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    A Tabela 2 apresenta a classificao das unidades prisionais por tipo, regime e

    nvel de segurana, demonstrando como se processa a progresso da pena de recluso.

    Tabela 2: Classificao de espcies de estabelecimentos penais por regime e nvel de

    segurana NVEIS DE SEGURANATIPO DEREGIME Segurana Mxima Segurana Mdia Segurana MnimaPROVISRIO Presdio PresdioFECHADO Penitenciria

    Unidades Mdico-penais

    Centro deobservao

    Penitenciria Unidades Mdico-

    penais

    SEMI-ABERTO

    Penitenciria Colnia Agro-

    industrial

    Penitenciria Colnia Agro-

    industrialABERTO Albergue Assistenciais

    Apesar da ambigidade do prefixo re, que pressupe ter havido habilitao,

    educao, socializao ou insero social da pessoa, o sucesso do retorno do preso ao

    convvio social geralmente qualificado como resultado de um processo de reabilitao,

    de reeducao e de ressocializao, que determinam maior ou menor reinsero social.

    Reabilitao, portanto, no seu sentido mais amplo, entendida como umconjunto de atributos que permitem ao indivduo tornar-se til a si mesmo, sua famlia

    e sociedade, podendo ser entendida sob trs aspectos: 1) defesa de direitos; 2)

    promoo de direitos; 3) exerccio de direitos.

    Defesa de direitos no sentido de afastar, momentaneamente, o infrator para

    proteo das vtimas at que o mesmo possa voltar ao convvio social sem comprometer

    a segurana da sociedade; promoo de direitos no sentido de assegurar os direitos no

    atingidos pela pena, para que o indivduo perceba-os e conceba-os como direito de

    todos, exercitando-os dentro da comunidade carcerria, como preparao para a vida em

    liberdade.

    Ao lado do desenvolvimento das teorias sobre as causas do delito, so

    estudados vrios modelos correcionais. Assim, a antiga teoria teolgica e moral

    entendia o castigo como uma retribuio sociedade pelo mal cometido. Jeremy

    Bentham procurou que houvesse uma relao mais precisa entre castigo e delito e

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    insistia na fixao de penas definidas e inflexveis para cada classe de crime, de tal

    forma que a dor da pena superasse apenas um pouco o prazer do delito. No princpio do

    sculo XX, a escola neoclssica rejeitava as penas fixas e propunha que as sentenas

    variassem em funo das circunstncias concretas do delito, como a idade, o nvel

    intelectual e o Estado psicolgico do delinqente. A chamada escola italiana outorgava

    s medidas preventivas do delito mais importncia do que s destinadas a reprimi-lo. As

    tentativas modernas de tratamento dos delinqentes devem quase tudo psiquiatria e

    aos mtodos de estudo aplicados a casos concretos. A atitude dos cientistas

    contemporneos de que os delinqentes so indivduos e sua reabilitao s poder ser

    alcanada atravs de tratamentos individuais e especficos.

    O crime apresenta uma transformao, ou ampliao, que de umaforma aceitavelmente denominada "normal", se projeta hoje para configuraes

    que poderiam ser consideradas "anormais". Apenas se deve ponderar que essa

    atual anormalidade assim se nos apresenta por no terem podido estar os

    gabaritos normativos acompanhando sempre as transformaes psico-sociais

    que a poca atual oferece, dada tumultuosa evoluo dos sistemas de vida e

    das colises sociais. E da desde logo se nos apresenta um dos problemas

    bsicos da Criminologia: que ela se desenvolveu a partir do Direito Criminal,mas, por assim dizer, disciplinada, ou jungida, s condies penais e, ainda,

    demarcada, em seus horizontes, por uma finalidade que ia mais s situaes

    ps-delituais, e avana preferentemente para os aspectos punitivos e, depois,

    recuperados do delinqente.(SILVA,2003)

    Observa-se, portanto, que o tratamento individualizado de que trata a

    criminologia, cincia que norteia o tratamento do preso, analisa o ato criminoso em si e

    o individuo ps-delito, desconsiderando as razes que implicaram em tal ao,

    impossibilitando o tratamento individualizado eficaz do individuo, na medida em que

    individualiza o crime e, posteriormente, o arrependimento.

    1.4. Estrutura do trabalho

    Esta seo apresenta a estrutura do trabalho e o contedo de cada captulo,

    adiantando algumas colocaes apresentadas na dissertao.

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    O trabalho foi dividido em seis captulos apresentados, de acordo com os

    aspectos relevantes para a compreenso do espao penitencirio e na sua funo social.

    O captulo 1 apresenta a introduo do trabalho, destacando a justificativa da

    escolha do tema e os objetivos geral e especficos da pesquisa. Sua relevncia consiste

    em informar quais os resultados que se pretendia chegar, no decorrer da pesquisa

    apresentada, e qual a importncia desses resultados para a cincia.

    Discute ainda a problematizao do sistema penitencirio, quanto aos atores

    que fazem parte do contexto penitencirio, como se apresenta o espao fsico e quais os

    conceitos bsicos acerca do sistema penitencirio, para que se possa compreender as

    anlises apresentadas posteriormente.

    Alm disso, esse captulo pretende apresentar a realidade presente no sistema,

    com o objetivo de fazer entender quais as caractersticas identificadas como comuns em

    todo o sistema prisional, quem influencia o espao e como se manifesta essa influncia.

    Sua relevncia consiste em apresentar o sistema penitencirio atualmente, seus

    problemas vistos superficialmente, para subsidiar a compreenso do trabalho

    apresentado.

    O captulo 2indica a abordagem metodolgica empregada para a realizao da

    pesquisa, especificando o objeto da pesquisa e os mtodos utilizados para demonstrar as

    concluses obtidas. Sua relevncia consiste em apresentar os passos percorridos para se

    chegar s concluses apresentadas.

    O captulo 3 subdivide-se em 2 subttulos, os quais visam apresentar a reviso

    bibliogrfica sobre o tema.

    Esse captulo retrata o arcabouo legal e poltico que rege o Sistema

    Penitencirio e as polticas pblicas que o definem. Procura ainda compreender os

    conceitos relativos ao termo Ressocializar, na medida em que pretende entender o que

    significa o processo de Socializar. Para isso, busca em conceitos de Sociologia as

    respostas para o conceito acima indicado.

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    A constatao da existncia de semelhanas entre a pena de recluso e a

    medida scio-educativa tambm mereceu destaque nesse captulo, consistindo na

    segunda seo do mesmo, onde se compara o tratamento dispensado ao adolescente

    infrator com o tratamento do preso condenado, levando em considerao os aspectos

    polticos e legais, os aspectos de tratamento scio-educativo e os aspectos espaciais. O

    objetivo desse captulo demonstrar que o condenado no configura grupo de interesse

    para a implantao de polticas pblicas que realmente resolvam a questo prisional no

    Brasil.

    O captulo 4 discute os aspectos histricos do sistema penitencirio, desde a

    sua evoluo como espao de segregao at a sua funo social atual, como o espao

    penitencirio evoluiu no decorrer dos sculos e como se configura o espaopenitencirio brasileiro na atualidade. Alm disso, discute e identifica alguns elementos

    que caracterizam o espao e permitem uma leitura homognea do mesmo.

    O captulo 5 apresenta uma reflexo dos resultados obtidos em anlise

    realizadas em projetos do Banco de Projetos do DEPEN/MJ, acerca dos aspectos sociais

    envolvidos na adoo do programa de necessidades e da setorizao e fluxogramas

    identificados.

    O captulo 6 consiste na apresentao das concluses a que a pesquisa

    respalda. Apresenta, portanto, a compreenso do espao penitencirio atual como agente

    influenciador do comportamento dos indivduos condenados, sua representao espao-

    temporal e seu respectivo planejamento. Trata de firmar os conceitos que regem as

    consideraes finais do trabalho.

    Essas concluses apontam para as dificuldades encontradas para a realizaoda pesquisa, de pontuar as questes que no foram aprofundadas e que merecem ser

    investigadas do ponto de vista espacial e, baseada na pesquisa realizada, quais seriam as

    possveis solues identificadas para a melhoria do cumprimento do objetivo legal de

    recuperao, apresentadas nesse captulo.

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    1.5. Concluso

    Percebe-se, pois, a insolvncia do sistema penitencirio a partir da

    apresentao da crise em que ele se encontra, verificando-se que a realidade do sistema

    correcional uma hipocrisia. Temos a Lei de Execuo Penal moderna que no aplicada em face de total falta de infra-estrutura, percebendo-se que muitos fatores

    colaboram para os problemas apresentados.

    Esse retrato do sistema apresenta-se relevante para se compreender os aspectos

    discutidos acerca do espao e os argumentos utilizados pela discusso, uma vez que o

    objetivo da pena de priso aplicada no cumprido e o espao destinado a aplicao

    desta pena no contribui para o cumprimento da lei.

    O perfil geral da populao carcerria no Brasil configura-se numa massa de

    baixa escolaridade, majoritariamente desassistida e viciada em algum tipo de droga

    (UFAC, 2002).

    O espao penitencirio, por sua vez, tambm apresenta poucas variaes e,

    coincidentemente, o comportamento revoltado e reincidente dos presos se repete nesses

    espaos, tratados de maneira homognea.

    A estrutura de funcionamento dessas unidades, baseada nos controles

    administrativos interno e externo (Diagrama 1), onde o destino das aes diretas o

    individuo preso, atinge a sociedade, que cobra mais controle, formando uma ao

    cclica que est longe de resolver os problemas do sistema penitencirio.

    A tentativa de homogeneizao do perfil da populao carcerria, visando o

    controle e a segurana externa, como veremos adiante, no cumpre o seu fim, gerandouma uniformizao da gerao criminosa, que volta sociedade mais violenta,

    ocasionando mais insegurana.

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    CAPTULO 2

    A METODOLOGIA DA PESQUISA

    2.1. Introduo; 2.2. A hiptese; 2.3. A revisobibliogrfica; 2.4. Coleta de dados primrios na pesquisade campo; 2.5. Concluso.

    2.1. Introduo

    Esse captulo objetiva demonstrar quais os caminhos que nortearam as

    concluses apresentadas.

    O interesse dessa pesquisa apresenta-se no cenrio onde se sobrepem todos

    esses fatos polticos e sociais. O espao penitencirio abriga a parcela da populao

    considerada improdutiva: improdutiva de direitos polticos e improdutiva quanto ao seu

    papel social. Abriga aqueles que esperam pela condenao, passando do status de ser

    social a no-ser e abriga aqueles que j no so. Pretende-se analisar o espao

    destinado ao cumprimento do papel no-social: as penitencirias.

    A escolha das Unidades Penitencirias, especificamente, em detrimento dos

    Presdios, como objeto da pesquisa consiste no interesse no cumprimento da pena, o

    qual apresenta uma periodizao do cumprimento, que varia de alguns meses at 30

    anos, enquanto que os presdios apresentam caracterstica acautelatria, cuja

    periodizao de permanncia limita-se em 4 meses mximos, no permitindo uma

    anlise evolutiva do comportamento scio-educativo.

    sabido que o espao arquitetnico no pode ser o nico elemento

    responsvel pelo ideal ndice de Ressocializao, pois este deveria ser mais um

    instrumento para auxiliar a administrao pblica. Portanto, torna-se imprescindvel

    reconhecer que este trabalho se limita ao estudo do espao, ideal ou no, no se

    configurando na soluo milagrosa dos problemas, mas na discusso de provveis

    equvocos.

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    2.2. A hiptese

    Essa pesquisa teve como base a anlise de dados secundrios (atravs da

    reviso de literatura) e de dados primrios (atravs de entrevistas realizadas com

    diversos atores do sistema penitencirio).

    A dissertao no apresenta uma hiptese explcita, entretanto, h uma questo

    que norteia o estudo, que seria a de que a funo de ressocializao dos indivduos nos

    espaos penitencirios no est sendo cumprida devido indefinio conceitual que

    esses espaos arquitetnicos apresentam.

    O trabalho se prope a identificar, atravs da definio da funo social dos

    espaos penitencirios, os equvocos de projetos freqentemente recorrentes, queprejudicam a implementao da funo recuperadora da pena de recluso caso existam,

    como ponto de partida para o surgimento de hipteses sobre o espao penitencirio.

    2.3. A reviso bibliogrfica

    A investigao aprofundou sua anlise na reviso bibliogrfica sobre o sistema

    penitencirio do ponto de vista scio-espacial, analisando-se propostas espaciais e

    polticas cujo objetivo fosse a preveno da reincidncia, e o espao penitencirio com afuno social que deve apresentar, funo esta discutida no decorrer do trabalho.

    A anlise arquitetnica foi dificultada pela bibliografia incipiente quanto ao

    papel ressocializador do espao arquitetnico penitencirio, sendo necessrio a

    compreenso multidisciplinar para que se pudesse formular os conceitos arquitetnicos e,

    conseqentemente, a anlise da funo social do espao penitencirio, tal como se

    apresenta atualmente.

    A identificao de caractersticas comuns e, conseqentemente,

    comportamentos comuns aos usurios do espao, permitiram uma anlise geral do

    espao penitencirio, objetivando desvendar a contribuio individual de cada setor do

    espao prisional para a do condenado.

    Observa-se ainda que o espao penitencirio, embora seja considerado como

    elemento essencial para a poltica pblica penitenciria, apresenta um desafio quanto

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    sua configurao, tal como se apresenta, sobremaneira, pelo fato de no haver interesse

    na rea ligada ao estudo do ambiente construdo, nem por parte do profissional de

    arquitetura, nem do Estado, nem da sociedade.

    Essa ausncia de interesse causada, em parte, pela prpria formatao da

    poltica proposta pelo DEPEN. A inteno de padronizao dos projetos arquitetnicos

    por parte dos dirigentes ligados dinmica dos processos polticos acerca da questo

    penitenciria dificulta a penetrao dos conhecimentos epistemolgicos acerca do no

    lugar projetado para o no ser. A tentativa de formar um banco de projetos para

    facilitar a efetivao de convnios com as unidades federativas, sem uma preocupao

    com as peculiaridades regionais, por exemplo, enfatiza a falta de preocupao com o

    processo scio-educativo inerente ao objetivo recuperador apresentado na Lei deExecuo Penal.

    Para se compreender o objeto de estudo percebe-se a necessidade de entender

    alguns aspectos determinantes da conformao espacial do ambiente carcerrio, como um

    todo. Foram identificados aspectos de cunho jurdico, poltico e social.

    Os aspectos jurdicos dizem respeito s leis e normas que regem o sistema

    penitencirio, bem como os atores envolvidos nos processos da legalidade. Para conhecer

    esses aspectos, inicialmente, pesquisou-se o arcabouo legal que subsidia o sistema

    penitencirio, especificamente no que se refere formatao do espao destinado

    aplicabilidade da pena de recluso. O objetivo dessa anlise identificar como se

    processa a anlise da legalidade espacial e em que as leis vigentes definem a configurao

    do Partido Arquitetnico atualmente identificado na arquitetura penitenciria.

    Durante as pesquisas acerca das normas que regem o sistema, observou-seuma srie de normas complementares LEP, vinculadas Vigilncia Sanitria, fruto de

    convnios firmados com o Ministrio da Sade, objetivando a sade fsica do preso. A

    partir desse dado, procurou-se compreender quais as implicaes que essa

    complementao legal trouxe para o planejamento espacial do estabelecimento penal.

    Para se entender esses aspectos, fez-se necessrio pesquisar sobre o que vem a

    ser o conceito de Poltica Pblica e como se processa a dinmica de planejamento,

    implantao e avaliao das polticas pblicas penitencirias. Alm disso, procurou-se

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    estudar sobre como evoluiu a pena privativa de liberdade e, conseqentemente, o espao

    destinado ao cumprimento da mesma. Fez-se imprescindvel, ento, conhecer alguns

    conceitos sociolgicos, tais como o positivismo, o capitalismo, as relaes polticas, de

    conceitos relativos antropologia social.

    As diretrizes apresentadas foram pesquisadas diretamente no Departamento

    Penitencirio Nacional (DEPEN), atravs de entrevistas e coleta de dados censitrios

    disponibilizados pelo Sistema de Informaes INFOPEN, onde foram confrontados os

    conceitos apresentados com as leis vigentes e os dados fornecidos pelos Estados.

    Ao mesmo tempo, procurou-se compreender em que as diretrizes sugeridas

    pelo DEPEN sensibilizaram as polticas estaduais, no que tange a poltica penitenciria e,objetivamente, o espao penitencirio.

    Paralelamente coleta de dados bibliogrficos relativos legalidade, a

    pesquisa procurou reunir dados referentes s tendncias da poltica pblica penitenciria

    nacional, visando identificar as diretrizes de reformulao do espao penitencirio,

    conforme preconiza o Termo de Referencia do Programa de Reestruturao do Sistema

    Penitencirio Nacional, implementado em 2001, pelo Ministrio da Justia.

    Para que se pudesse entender os conceitos imbricados no sistema

    penitencirio, recorreu-se sociologia e psicologia, contudo esses conceitos no foram

    aprofundados no trabalho apresentado, por limitaes de tempo e espao.

    Para compreenso do espao, percebeu-se a necessidade de conhecer o

    indivduo, do ponto de vista social e psicolgico, recorrendo-se a estudos referentes

    psicologia social, conceitos bsicos de anlise transacional, psicologia jurdica e

    ambiental. Procurou-se fazer um apanhado superficial para compreenso do processo

    scio-educativo de progresso penal.

    A esses dados bibliogrficos somaram-se pesquisas de campo baseadas na

    tcnica de observao e entrevistas abertas, a fim de tentar compreender quais os pontos

    conflitantes do Sistema Penal. Foram realizadas algumas visitas aos Estabelecimentos

    Penais de Alagoas, So Paulo e Braslia, para aplicao de questionrios abertos, de

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    carter qualitativo, construindo um referencial emprico sobre a face interna dos muros

    carcerrios.

    2.4. Coleta de dados primrios na pesquisa de campo

    Para complementar a pesquisa e obter dados no encontrados na pesquisa

    bibliogrfica acerca de aspectos polticos e legais, foram realizadas algumas pesquisas

    qualitativas, baseadas em entrevistas contendo perguntas abertas, nas quais foram

    abordados os diversos lados do problema para que todos os pontos norteadores da

    configurao espacial do sistema penitencirio fossem cercados.

    Foram entrevistados atores que desempenhavam papis importantes no cenrio

    penitencirio, selecionados de acordo com as faces identificadas pela pesquisa. Foramidentificadas 28 pessoas a ser entrevistadas:

    Arquitetos do DEPEN (2);

    Arquitetos planejadores de estabelecimentos penitencirios (2);

    Arquitetos planejadores de estabelecimentos scio-educativos (2);

    Diretores de Penitencirias (3: 1 em Pernambuco, 1 em So Paulo e 1 em

    Alagoas); Ex-diretor do DEPEN;

    Diretor atual do DEPEN;

    Ex-secretrios de Justia de Alagoas (2);

    Presos (6);

    Juiz de Execuo Penal (1);

    Agentes penitencirios (2);

    Famlia dos presos (2); Sociedade (6).

    A entrevista com os arquitetos do DEPEN objetivou conhecer os critrios de

    anlise e aprovao dos projetos arquitetnicos apresentados ao DIAAP, para a aprovao

    de convnios e licitao. Sua relevncia consiste na identificao das aes de priorizar a

    ressocializao ou a punio nos estabelecimentos penitencirios.

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    O contato com arquitetos planejadores de estabelecimentos penitencirios

    visou identificar a viso dos mesmos acerca dos presos, seus preconceitos e influncias,

    para compreender quais fatores e atores eram determinantes na definio do partido

    arquitetnico.

    Adotou-se como objetivo de pesquisa para o contato com arquitetos

    planejadores de estabelecimentos scio-educativos entender por que o espao scio-

    educativo se apresenta distinto do espao penitencirio e quais os conceitos espaciais

    considerados no ato de projetar, uma vez que h a conteno de adolescentes infratores.

    Os diretores de unidades penitencirias foram escolhidos em razo da

    possibilidade de contato em trs Estados distintos (So Paulo, Recife e Macei) paraobservar se havia comportamentos e tratamentos coincidentes nos cotidianos desses

    estabelecimentos, haja vista estratgias de poltica penitenciria distintas e contextos

    urbanos diferentes. Percebeu-se, no entanto, que os presos comportavam-se de maneira

    semelhante, apesar de estarem em Estados diferentes.

    As entrevistas com os presos tambm seguiram o mesmo critrio dos diretores

    de unidades e foram selecionados dois representantes de mdulos em cada Estado, para

    contato, no sendo permitida a entrada at os mdulos por questo de segurana. Notou-

    se, curiosamente, que at a linguagem falada e corporal dos presos apresenta expresses

    semelhantes, enfatizando um comportamento caracterstico que independe da regio onde

    se insere.

    Com os agentes penitencirios o objetivo da entrevista era perceber quais os

    preconceitos que os mesmos apresentavam em relao aos presos e como eles

    vislumbravam o espao penitencirio ideal ao cumprimento da pena, tentando perceberque papel eles realmente desempenham e como eles consideram a pena de recluso.

    As demais entrevistas visavam compreender, resumidamente, qual a funo

    social que o espao penitencirio apresenta para cada um dos entrevistados, suas vises

    parciais e expectativas quanto pena, para que se pudesse compreender o espao

    penitencirio como eficaz ou ineficaz.

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    Um dos atores acima descritos no estava acessvel (Diretor do DEPEN/MJ),

    no permitindo, assim, conhecer quais as aes atuais para as diretrizes nacionais do

    sistema penitencirio. Espera-se que estudos futuros possam obter tais informaes para

    complementar as discusses deste trabalho.

    Alm dos dados coletados, por conta do curso de mestrado, oportunizou-se um

    estgio de docncia na disciplina de Projeto Arquitetnico 3, do curso de Arquitetura e

    Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas, onde sugeriu-se o desenvolvimento de

    um projeto de unidade penitenciria, aplicando conceitos de direitos humanos, aceito de

    comum acordo entre os professores titulares e os estudantes, possibilitando a anlise do

    processo de planejamento de uma unidade penitenciria.

    Essa anlise se deu quando ao decidir sobre o tema desenvolvido na disciplina

    surgiu o interesse em aproveitar a chance de desenvolver um projeto novo, baseado na

    pesquisa que tratava de arquitetura penitenciria. A oportunidade foi rica para os alunos

    de graduao e bastante relevante para a pesquisa em curso, no que tange atitude do

    projetista frente ao desafio de planejar um espao voltado para a aplicao da pena.

    Observou-se quais os aspectos psicolgicos e sociais que norteiam o planejamento desse

    tipo de ambiente.

    Houve algumas aulas terico-conceituais sobre arquitetura penitenciria, com

    o objetivo de apresentar os conceitos bsicos turma, possibilitando o desenvolvimento

    de projetos referentes ao tema.

    Com o intuito de evitar que modelos usuais fossem repetidos, optou-se por no

    fazer visitas a unidades penitencirias e nem apresentar projetos j prontos, para que se

    pudesse perceber quais os conceitos pr-estabelecidos pelo contexto social que osprojetistas apresentavam.

    Aplicou-se a tcnica de observao participante16, onde a pesquisadora fazia

    parte do contexto da sala de aula, enfatizando os conceitos defendidos no trabalho, sem

    interferir na criao dos alunos, experincia que se mostrou muito rica na medida em que

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    Mtodo em que o pesquisador participa interagindo com o objeto de estudo para coletardados.

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    se constatou que os projetos arquitetnicos apresentados conseguiram se desvencilhar dos

    padres at ento apresentados (captulo 5).

    As consideraes conceituais apresentadas trataram das questes de

    classificao inerentes ao sistema penitencirio, evoluo espacial, especificaes

    tcnicas, alm das aulas prprias da disciplina que tratam de conforto ambiental, detalhes

    construtivos, metodologia de projeto e orientaes individuais sobre os projetos

    especficos.

    Solicitou-se aos discentes, posteriormente, os estudos preliminares

    apresentados na 1 avaliao, com o intuito de identificar, dentre os modelos classificados

    na pesquisa bibliogrfica, quais os que se repetem, a nvel inconsciente, no meioprofissional. Com isso, pretendia-se apresentar at que ponto os conceitos sociais

    interferem no planejamento desse espao.

    A essa anlise se somaria a experincia pessoal de arquiteta em participar de

    alguns projetos arquitetnicos penitencirios antecedentes a essa anlise, refletindo sobre

    os pontos que seriam repetidos e os que seriam eliminados da prtica de planejamento.

    Devido ao grande atraso dos alunos em fornecer os anteprojetos para anlise eem decorrncia do fator tempo, essa reflexo no pde ser apresentada no trabalho em

    questo. Pretende-se apresent-la, posteriormente, tratando de ponto da agenda de

    pesquisa pr-estabelecida pela mestranda, a ser discutido no doutorado.

    Durante a pesquisa surgiu a oportunidade de participar da elaborao de um

    documento intitulado Parmetros para elaborao de projetos arquitetnicos para

    estabelecimentos de medida scio-educativa, atravs de convite feito pela Subsecretaria

    de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica, que se estendeu a dois outros

    arquitetos de Belo Horizonte e Bahia. Discutiu-se sobre o espao arquitetnico aplicado

    ao cumprimento da medida scio-educativa, destinada a adolescentes infratores, como

    concretizao de propostas scio-pedaggicas voltadas recuperao dos adolescentes.

    Facilitou-se, assim, o acesso aos rgos do Distrito Federal para a coleta de dados

    necessrios anlise de polticas pblicas.

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    Percebeu-se, ento, uma contribuio relevante para a pesquisa tendo em vista

    a descoberta de tratamentos individualizados aos infratores em processo de formao

    psico-social. Percebeu-se, tambm, a existncia de mecanismos para o controle da

    eficcia da medida scio-educativa que no existem para o criminoso adulto.

    Considerando-se as ressalvas acerca das diferenas entre os grupos de adolescentes

    infratores e adultos criminosos, pde-se chegar a uma reflexo sobre o tratamento

    individualizado do ato infracional, o que provocou uma nova anlise dos conceitos

    anteriormente identificados quanto configurao do espao.

    O insight ocorreu na anlise comparativa entre a normatizao que direciona

    o cumprimento da medida scio-educativa e o que se refere ao cumprimento da pena de

    recluso, os quais, embora tratem de direitos humanos semelhantes, cumprem papel socialdis