a essência jovem dos festivais de música

5
A essência jovem dos festivais de música Grandes Festivais simbolizam um momento vivido pela sociedade e são impulsionados pela inquietude jovem de mudança Dulci Sachetti* Milhares de pessoas se movimentam, se organizam e migram para cidades, estados, até outros países temporariamente, para acompanhar de perto não só shows e artistas, mas também uma variedade de cultura e de gente, que muitas vezes marca época. Os grandes festivais tem apelo jovem e simbolizam a realidade que estão inseridos, são flexíveis assim como o perfil das tribos e vão de encontro das crenças e atitudes típicas da geração. Grandes festivais e eventos envolvendo a música e outras ideologias acontecem comumente em torno do globo e há grande procura pelos públicos, já que eventos maiores têm mais variedades de atrações, custo reduzido ou zero e facilidades de acesso, seja de deslocamento ou de informações referentes. Quem participa, geralmente tem de ter disponibilidade para viagem, disposição para ficar em filas imensas e acompanhar a maratona diária de horas em pé, dificuldades para alimentar-se adequadamente e acomodar-se no improviso. Não é por acaso a relação com o público mais jovem, portanto, desde as condições em que acontecem os eventos, as atrações e a disponibilidade já segmentam, ou pela idade ou pelo espírito; a essência símbolo do evento igualmente motiva as pessoas a comparecerem. Mas este conceito de “jovem” também passa pela transformação da realidade contemporânea. O antropólogo italiano Massimo Canevacci garante que a juventude está estendida e que é muito difícil determinar faixa etária ou eloquência pela idade de fato. Assim, o gosto, espírito de liberdade e vontade de mudança está muito mais relacionado ao estado de espírito do que pela quantidade de aniversários. A variedade musical dos grandes festivais atrai várias tribos com gostos variados, mas com especificidades em comum. Estas especificidades traduzem o simbolismo das gerações de jovens, suas crenças e atitudes de inconformismo diante de uma realidade que consideram impraticável. A ideia das Tribos Urbanas surgiu em 1980

Upload: dulci-sachetti

Post on 26-Mar-2016

221 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Reportagem

TRANSCRIPT

Page 1: A essência jovem dos festivais de música

A essência jovem dos festivais de música

Grandes Festivais simbolizam um momento vivido pela sociedade e são impulsionados

pela inquietude jovem de mudança

Dulci Sachetti*

Milhares de pessoas se movimentam, se organizam e migram para cidades,

estados, até outros países temporariamente, para acompanhar de perto não só shows e

artistas, mas também uma variedade de cultura e de gente, que muitas vezes marca

época. Os grandes festivais tem apelo jovem e simbolizam a realidade que estão

inseridos, são flexíveis assim como o perfil das tribos e vão de encontro das crenças e

atitudes típicas da geração.

Grandes festivais e eventos envolvendo a música e outras ideologias acontecem

comumente em torno do globo e há grande procura pelos públicos, já que eventos

maiores têm mais variedades de atrações, custo reduzido ou zero e facilidades de

acesso, seja de deslocamento ou de informações referentes. Quem participa, geralmente

tem de ter disponibilidade para viagem, disposição para ficar em filas imensas e

acompanhar a maratona diária de horas em pé, dificuldades para alimentar-se

adequadamente e acomodar-se no improviso. Não é por acaso a relação com o público

mais jovem, portanto, desde as condições em que acontecem os eventos, as atrações e a

disponibilidade já segmentam, ou pela idade ou pelo espírito; a essência símbolo do

evento igualmente motiva as pessoas a comparecerem. Mas este conceito de “jovem”

também passa pela transformação da realidade contemporânea. O antropólogo italiano

Massimo Canevacci garante que a juventude está estendida e que é muito difícil

determinar faixa etária ou eloquência pela idade de fato. Assim, o gosto, espírito de

liberdade e vontade de mudança está muito mais relacionado ao estado de espírito do

que pela quantidade de aniversários.

A variedade musical dos grandes festivais atrai várias tribos com gostos

variados, mas com especificidades em comum. Estas especificidades traduzem o

simbolismo das gerações de jovens, suas crenças e atitudes de inconformismo diante de

uma realidade que consideram impraticável. A ideia das Tribos Urbanas surgiu em 1980

Page 2: A essência jovem dos festivais de música

com o sociólogo francês Michel Maffesoli, que aponta o fato das escolhas, modo de se

vestir e música que ouvem como a caracterização das tribos, fundamentadas em uma

ideologia. Embora toda a pluralidade e flexibilidade dos jovens diante das tribos – ora

se faz parte de uma, ora se está em outra, como afirma Canevacci – existem

características em comum da geração, como por exemplo, ir nos finais de semana à

praças e parques, em lojas de conveniência para beber ou sair sexta à noite e participar

de eventos musicas que efetivem a ideologia acreditada pelas tribos, parcialmente

definida por um estilo musical. Esta mesma variedade de estilos musicais está presente

nos festivais, que reunem público e estilos plurais, validando os eventos.

Paralelo à música geralmente está a essência e apelo dos grandes festivais.

Eventos exclusivos de rock para comemorar o Dia Mundial do Rock, shows atrelados à

Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, o Brazilian Day realizado no exterior, todos

aliando a música a uma identidade constituída e com reflexões que vão desde a

comemoração de uma data histórica, preconceito e questões sociais, até eventos com

fundamenteção religiosa e cultural.

WOODSTOCK - A era Hippie e a contracultura

Festival Woodstock em 1969. Foto: blogamos.com

A motivação que leva milhares de jovens à festivais de música além da

identificação com o estilo das tribos através da música, também está diretamente

relacionada à essência instituída. O Woodstock, primeiro festival de grande proporção

que se tem notícia, aconteceu entre os dias 15 e 17 de agosto de 1969, em uma fazenda

na cidade rural de Bethel, no estado de Nova York, Estados Unidos. Reuniu

aproximadamente meio milhão de pessoas e tinha como slogan “Uma Exposição

Aquariana: Três Dias de Paz, Amor e Música" trazendo o intuito de “Paz e Amor”, “

Page 3: A essência jovem dos festivais de música

Violência não”, repúdio à Guerra do Vietnã e apelo aos direitos civis. Todas as

manifestações geradas não só pelo Woodstock, mas também as atreladas à cultura

hippie, definiram o cenário do século XXI, onde muitas características foram instituídas

continuando, obviamente, por um processo de transição e transformação constante de

valores, crenças e ideologias; determinando portanto as gerações conforme o perfil

libertário jovem que prega a quebra de paradigmas. Este fato também caracteriza a

contracultura da década de 60 que instituía a mobilização e contestação social, inovação

dos estilos, consciência antissocial e anti-conservadora conhecida como cultura

underground e alternativa. A mobilização envolvia a transformação da sociedade, dos

valores considerados retrógrados que a regia, buscando principalmente a liberdade de

expressão. Todos esses fatores essenciais culminaram em um grande festival de música

que atraía mais e mais gente à medida que a notícia do evento se espalhava.

SWU - A Sustentabilidade e o sonho brasileiro

Na contemporaneidade os valores instituídos são outros como cita Canevacci

sobre a pluralidade e flexibilidade relacionadas ao multivíduo. Já se tem liberdade o

suficiente, o plural de ser já está firmado, mas afinal o que querem os jovens? A agência

Box 1824 responsável pela pesquisa e posterior “Projeto O Sonho Brasileiro”

identificou as aspirações dos jovens para o futuro através dos seus valores, visão e

almejo de desempenho vindouro. O ideal de liberdade e mudança permanecem,

permeados pelas pequenas ações que cada um é responsável, além da satisfação e

realização pessoal como objetivos de vida. Esses aspectos são pertinentes à geração Z e

suas perspectivas sobre o projeto de vida. Nilson Carlos trabalha e mora em São José

dos Campos - SP e afirma "Almejo um lugar melhor para meus filhos viverem, e isso

depende basicamente das pessoas adultas que estão no planeta hoje".

Estes perfis de pequenas ações que modificam o todo e o mundo,

consequentemente também estão presentes no SWU (Starts With You – Começa com

você) que no ano passado teve sua primeira edição de 9 a 11 de Outubro, na Fazenda

Maeda em Itu, São Paulo. Na essência do festival além da música, estão presentes as

artes, sustentabilidade e conscientização sobre o uso de recursos, reutilização e

reciclagem no planeta. A espera para o evento que teve cogitação de ser um Woodstock

brasileiro é muita "a expectativa é grande já que são diversas bandas que gosto. Nós

Page 4: A essência jovem dos festivais de música

organizamos um ônibus para sair de São José dos Campos - SP e este ônibus estava

preparado para que pudéssemos organizar nosso lixo da melhor maneira" explica

Nilson.

Festival SWU em 2010.

Foto:sempretops.com

Nilson Carlos vai ao SWU 2011.

Foto: Arquivo pessoal

Este ano o festival ocorre de 12 a 14 de novembro, em Paulínia, São Paulo,

sendo que o público estimado deve superar o da edição passada, de 165,4 mil pessoas.

Nilson vai participar e enfatiza "A razão principal, sem dúvida, é a grande variedade de

shows de rock e a outra, mesmo que indiretamente, é participar de um evento com um

mote muito importante hoje em dia que é a sustentabilidade". Essa ideia vem de

encontro à percepção "Acho de extrema importância, porque realmente começa com

cada um de nós fazer com que o mundo se torne sustentável", diz Nilson. Além das

ideias imbuídas ocorrem também ações sistemáticas sustentáveis, como destinação e

reciclagem do lixo gerado, engajamento na campanha e permanência das atitudes,

geração de energia eólica e solar destinada ao carregamento de celulares e baterias

durante o evento, plantio de árvores para reduzir o impacto do festival, realização do II

Fórum Global de Sustentabilidade, entre outras, e geração de relatório com o viés

sustentável do evento. Nilson não vai participar do Fórum "porque o horário de saída

para o festival mais o tempo de estrada não nos permitirá chegar em tempo hábil"

justifica. Considera ainda, "Não sei se dão/darão grandes resultados, mas algum

resultado dará com certeza, mas vejo na realidade que 95% dos jovens indo ao festival

vão mesmo é por causa da música", complementa Nilson.

Page 5: A essência jovem dos festivais de música

Mesmo uma grande maioria se importando apenas com a música, com o apelo atrelado

às atrações musicais e ações do evento ocorre a promoção da ideia, motivação e

engajamento de todas as tribos para o prestígio, que pode instituir ações e valores às

gerações futuras, realizadas hoje por aqueles de espírito jovem e com o ideal de

mudança contemporâneo.

*Dulci Sachetti é acadêmica do Curso de Jornalismo, V nível.