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Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária. Ano 63, nº 453, Julho de 2015.

Diretor: Elton José Donato

Bimestral: 1953-1962; trimestral: 1963-1965; irregular: 1966-1967; anual: 1968; trimestral: 1977; bimestral: 1982; mensal: 1988

Tiragem: 4.000 exemplares

ASSINATURAS: São Paulo: (11) 2188-7507 – Demais Estados: 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico:São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188-7900

Demais Estados: 0800.7247900

Os conceitos emitidos em trabalhos assinados são de responsabilidade de seus autores. Os originais não serão devolvidos, embora não publicados. Os artigos são divulgados no idioma original ou traduzidos.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias dos originais obtidas na Secretaria do Supremo Tribunal Federal e dos demais tribunais.

Proibida a reprodução parcial ou total, sem autorização dos editores.

E-mail para remessa de artigos: [email protected]

© Revista Jurídica®

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036-060 – São Paulo – SPwww.sage.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

ISSN 0103-3379

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ANO 63 – JULHO DE 2015 – Nº 453

RepositóRio AutoRizAdo de JuRispRudênciASupremo Tribunal Federal: 03/85

Superior Tribunal de Justiça: 09/90Tribunais Regionais Federais 1ª, 2ª e 4ª Regiões

FundAdoR

Professor Angelito Asmus Aiquel

diRetoR executivo

Elton José Donato

GeRente editoRiAl e de consultoRiA

Eliane Beltramini

cooRdenAdoR editoRiAl

Cristiano Basaglia

conselho editoRiAlAda Pellegrini Grinover – Alexandre Pasqualini – Alexandre Wunderlich

Anderson Vichinkeski Teixeira – Antonio Janyr Dall’Agnol Jr.Araken de Assis – Arruda Alvim – Carlos Alberto Molinaro

Cezar Roberto Bitencourt – Daniel Francisco Mitidiero – Daniel UstárrozDarci Guimarães Ribeiro – Eduardo Arruda Alvim – Eduardo de Oliveira Leite

Eduardo Talamini – Ênio Santarelli Zuliani – Fátima Nancy AndrighiFredie Didier Júnior – Guilherme Rizzo Amaral – Humberto Theodoro Júnior

Ingo Wolfgang Sarlet – Jefferson Carús GuedesJoão José Leal – José Carlos Barbosa Moreira – José Maria Rosa TesheinerJosé Roberto Ferreira Gouvêa – José Rogério Cruz e Tucci – Juarez Freitas

Lúcio Delfino – Luis Guilherme Aidar Bondioli Luís Gustavo Andrade Madeira – Luiz Edson Fachin – Luiz Guilherme MarinoniLuiz Manoel Gomes Júnior – Luiz Rodrigues Wambier – Márcio Louzada Carpena

Mariângela Guerreiro Milhoranza – Paulo Luiz Netto LôboRolf Madaleno – Salo de Carvalho – Sergio Cruz Arenhart

Sérgio Gilberto Porto – Teresa Arruda Alvim Wambier – William Santos Ferreira

colAboRAdoRes destA ediçãoAugusto Franke Dahinten, Bernardo Franke Dahinten, Ezequiel Morais,

Leonardo Romero de Lima, Lygia Maria Moreno Molina Henrique, Maria Berenice Dias, Paulo Roberto do Nascimento Martins

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Sumário

Su

ri

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Doutrinas

Civil, ProCessual Civil e ComerCial

1. As Ações de Família no Novo Código de Processo CivilMaria Berenice Dias.......................................................................9

2. Breves Notas sobre o Retrocesso Impingido pela Súmula nº 385 do STJEzequiel Morais ...........................................................................15

3. Os Planos de Saúde e os Reajustes por Faixa Etária de Idosos: Comentários sobre o Julgamento do AgRg-REsp 1.315.668/SPBernardo Franke Dahinten, Augusto Franke Dahinten e Paulo Roberto do Nascimento Martins ........................................19

4. Neutralidade de Rede e os Impactos na Relação de Con-sumoLygia Maria Moreno Molina Henrique ........................................37

Penal e ProCessual Penal

1. Dos Crimes contra a Ordem Tributária nas Operações com PrecatóriosLeonardo Romero de Lima ..........................................................53

Jurisprudência

Civil, ProCessual Civil e ComerCial

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Supremo Tribunal Federal ............................................................85

2. Superior Tribunal de Justiça .........................................................89

3. Tribunal Regional Federal da 1ª Região .....................................101

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ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência Civil, Processual Civil e Comercial ....109

Penal e ProCessual Penal

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça .......................................................131

2. Superior Tribunal de Justiça .......................................................141

3. Tribunal Regional Federal da 2ª Região .....................................149

4. Tribunal Regional Federal da 4ª Região .....................................165

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência Penal e Processual Penal .....................183

Índice Alfabético e Remissivo ................................................203

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EDITORIAL

A Revista Jurídica trata de temas atuais e de suma relevância aos profissionais do direito. Os trabalhos doutrinários, de autoria de relevantes juristas, são divididos nas áreas cível e penal.

Doutrina Cível

A Doutora Maria Berenice Dias elabora um estudo sobre a reforma do sistema legal dos ritos processuais e aduz que veio para resolver o mais sério problema da justiça deste país: sua morosidade. Daí a tentativa de moder-nização dos procedimentos e a determinação do uso de técnicas de solução consensual dos conflitos, como a conciliação e a mediação em todas as de-mandas (3º, §§ 1º a 3º, e 334).

O Mestrando Ezequiel Morais, discorrendo sobre a Súmula nº 385 do STJ, afirma que, definitivamente, não podemos concordar com os ditames da súmula acima referida, e nem poderíamos, pois contraria, como outrora dissemos, normas consumeristas e civis, e, por conseguinte, direito constitu-cional que protege a pessoa, a honra, a imagem. Notemos: 01 (um) só aponta-mento negativo do nome de uma pessoa pode ter certo significado; ela pode ter o seu nome negativado por ser devedora de pensão alimentícia e estar questionando o valor, por estar discutindo no Poder Judiciário a cobrança de uma dívida que entende não ser devida, mas que ainda não obteve liminar e/ou não tem decisão transitada em julgado etc. Mas 20 (vinte) “negativa-ções”, por exemplo, têm, convenhamos, outros significados, causas e conse-quências bastante diferentes.

O Mestre Bernardo Franke Dahinten, o Mestrando Augusto Franke Dahinten e o Especialista Paulo Roberto do Nascimento Martins comentam a recente decisão proferida pelo STJ no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.315/668/SP. Com este escopo, inicia-se com uma breve apresentação dos reajustes de mensalidade que permeiam os contratos de planos de saúde, com ênfase para as majorações realizadas em função das alterações da idade envolvendo beneficiários idosos. Ditos reajustes, cuja

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legalidade vem sendo, há muitos anos, questionada no Judiciário, teve seu panorama jurisprudencial recentemente incrementado com o julgamento do precedente acima referido, que, na contramão do entendimento ainda hoje dominante, respaldou, com base em argumentos técnicos, o reajuste por alte-ração de faixa etária aplicado em plano de saúde de pessoa idosa.

A Mestranda Lygia Maria Moreno Molina Henrique entende que o Marco Civil, em questão de neutralidade de rede, significou um avanço da legislação brasileira em prol da preservação de princípio, tão caro de uso e governança na Internet, no entanto, ainda carece de limitações que o im-pedem de resguardar tal princípio e os próprios usuários de rede de forma ampla e integral.

Doutrina Penal

O Especialista Leonardo Romero de Lima, em estudo realizado sobre os crimes contra a ordem tributária, conclui que as operações com precató-rios, se realizadas com zelo e respeito aos ditames legais e contratuais, não geram responsabilização criminal, porquanto são medidas previstas consti-tucionalmente – e legalmente, em alguns Estados da Federação – e admitidas na jurisprudência brasileira.

Os Editores

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Doutrina

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Cível

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As Ações de FAmíliA no novo Código de ProCesso Civil

Maria Berenice Dias

Advogada, Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM.

A reforma do sistema legal dos ritos processuais veio para resol-ver o mais sério problema da justiça deste país: sua morosidade. Daí a tentativa de modernização dos procedimentos e a determinação do uso de técnicas de solução consensual dos conflitos, como a conciliação e a mediação em todas as demandas (3º, §§ 1º a 3º, e 334).

Especial atenção é dedicada às demandas de família, tendo se inspirado no projeto do Estatuto das Famílias, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, que visa a excluir o livro do Direito de Família do Código Civil, emprestando-lhe tratamento individualizado em formato de microssistema1.

Ações liTigiosAs

A inserção de um capítulo tratando das ações de família é uma das novidades (693 a 699).

1 O projeto original (PL 2.285/2007) foi aprovado na Câmara dos Deputados e reapresentado no Senado (PLS 470/2013).

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Disciplina as demandas litigiosas de divórcio, separação, reconheci-mento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação. Pelo jeito, de-mandas outras como de anulação de casamento, por exemplo, não se subme-tem ao mesmo procedimento. Ainda assim, não se pode reconhecer tratar-se de enumeração exaustiva.

Já as ações de alimentos e as que versarem sobre interesse de crianças ou adolescentes foram relegadas à Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/1969) e ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990).

Ditas exceções só trazem problemas. Com relação à ação de alimen-tos, perdeu o legislador a bela oportunidade de atualizá-la e agilizar o seu procedimento, que se encontra absolutamente fora do contexto atual e ainda gera inúmeras dificuldades interpretativas. Apesar de emprestar sobrevida à Lei de Alimentos, a execução do encargo alimentar está regulado na lei processual, revogando, assim, parte de seus dispositivos. Melhor teria agido se sepultasse de vez uma lei editada no longínquo ano de 1969. Finalmente cabe lembrar que não há como decidir as questões da guarda sem estabelecer a obrigação alimentar.

O mesmo se diga quanto à remissão ao Estatuto da Criança e do Ado-lescente. As ações de guarda e visitação – expressões inclusive já em desuso, pois hoje se fala em direito de convivência –, bem como as ações de filiação, não têm como serem regidas por lei que diz com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade (ECA 1998). Certamente inúmeros conflitos de competência vão ocorrer.

Chama a atenção a reinserção feita na Câmara dos Deputados do revo-gado instituto da separação, como derradeira – mas vã – tentativa de ressus-citar o que morto está: a ação de separação judicial.

A possibilidade do rompimento do casamento, com a mantença do vín-culo conjugal, não mais existe. Diante da Emenda Constitucional nº 66/2010, que alterou o § 6º do art. 2262 da Constituição Federal, a única forma de dis-solução do casamento é o divórcio.

Sete dispositivos fazem referência à separação (23, III, 53, I, 189, II, 693, 731, 732 e 733), mas somente um deles fala em separação judicial (23, III). Todos os demais usam somente a expressão separação. Deste modo, para não rotular de inconstitucionais tais dispositivos, o melhor é reconhecer que

2 CF, art. 226, § 6º: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

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a referência diz com a separação de fato ou a separação de corpos, quando é decretada judicialmente. Não há outra leitura possível de tais dispositivos.

A mais marcante diferença das ações de família diz com a forma da citação (695, § 1º). Depois de apreciado eventual pedido de tutela antecipada, o juiz determina a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação (710). O mandado deve conter somente os dados referentes à audiência, desacompanhado da cópia da petição inicial.

A medida é mais do que salutar, pois evita o acirramento de ânimos. A novidade é festejada pela doutrina, que vê um clima menos litigioso, mais amigável e, via de consequência, mais favorável e propenso ao acordo o fato de o réu não preparar e apresentar previamente sua contestação3.

A previsão afasta-se da regra geral em que o mandado de citação deve ser acompanhado da cópia da inicial (248) e o comparecimento espontâneo do réu supre a necessidade de sua citação, passando a fluir o prazo de res-posta (239, § 1º). Nas ações de família, é facultado tanto ao réu como a seu procurador o direito de examinar a qualquer tempo seu conteúdo, sem que tal dê início ao prazo de contestação.

Caso inexitoso o acordo, recebe o réu, na audiência, a contrafé, passan-do a fluir desta data o prazo de contestação, quando o processo prossegue pelo rito ordinário (697).

Na tentativa de encontrar formas consensuais de solução dos conflitos, é prevista a realização de audiência preliminar de conciliação ou mediação em todos os processos de conhecimento (334). Essa determinação, no entanto, não se confunde com o mesmo ato a ser realizado nas ações de família. Nes-sas demandas, o mediador ou conciliador deve estar acompanhado de profis-sional de outras áreas de conhecimento (694). Há outras peculiaridades. No processo de conhecimento, o réu deve ser citado com 20 dias de antecedência (334), enquanto, para a audiência de família, o prazo é de 15 dias (695, § 2º). Nessas demandas não é possível a qualquer das partes manifestar desinte-resse em sua realização, como é facultado ao autor e ao réu nas demais ações (334, §§ 4º e 5º).

Do mesmo modo, não há limitação de tempo para a suspensão do pro-cesso, como ocorre nas ações de conhecimento, cujo prazo para a conciliação

3 COMEL, Denise Damo. A mitigação do processo civil no direito de família. Disponível em: www.jus.com.br.

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ou mediação não pode exceder a dois meses (334, § 2º). Quando o objeto da demanda diz com relações familiares, além da divisão da audiência em tan-tas sessões quantas sejam necessárias na busca de uma solução consen sual (696), possível a suspensão do processo, enquanto as partes se submetem a mediação extrajudicial ou atendimento multidisciplinar, sem limitação de prazo (694, parágrafo único).

Para os processos em geral, a citação é feita, preferencialmente, pelo correio (247), mas, nas ações de família, a citação precisa ser pessoal (247, I, e 695, § 3º). A diferença de tratamento é para lá de injustificável. Com certeza o correio é mais ágil do que a diligência a ser realizada por oficial de justiça.

A intervenção do Ministério Público está limitada às causas em que há interesse público ou social e quando existir interesse de incapaz (178). A repe-tição da limitação no âmbito das ações de família evidencia que não há como alegar que exista eventual interesse público a justificar sua participação.

O último dispositivo é de todo desarrazoado. Autoriza o juiz a colher o depoimento pessoal nas demandas que envolvem abuso ou alienação pa-rental (699). Ao invés de vetar que a escuta seja feita pelo Magistrado, expres-samente autoriza tal prática determinar que ele esteja acompanhado por um especialista.

De há muito a tendência em muitos países é proibir qualquer pessoa – até mesmo o Magistrado – de ouvir vítima, tarefa a ser desempenhada exclu-sividade por um técnico. O chamado depoimento sem dano, hoje intitulado depoimento especial, criou um sistema de escuta que preserva a vítima e não subtrai o contraditório de seu depoimento4. Certamente teria andado melhor o legislador se tivesse imposto a adoção de tal prática5.

Ações ConsensUAis

Entre os procedimentos de jurisdição voluntária estão previstas as ações consensuais de divórcio, separação, dissolução de união estável e alte-ração do regime de bens (731 a 734).

4 O processo consiste em colocar a vítima em uma sala, de preferência em um espaço humanizado, com um psicólogo ou assistente social, o qual terá uma escuta. O depoimento é colhido por videoconferência. Juiz, promotor e advogados acompanham o depoimento e formulam perguntas, que são transmitidas pelo técnico à vítima. Não existe melhor forma para evitar sua revitimização.

5 Sua adoção esta prevista no PL 035/2007 e na Recomendação nº 33/2010 do Conselho Nacional de Justiça.

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A normatização é das mais enxutas. Limita-se a exigir que a petição seja assinada por ambos os cônjuges ou companheiros, na qual deve constar a descrição dos bens e a deliberação sobre a partilha, a disposição sobre pen-são alimentícia entre as partes e com relação aos filhos, bem como o acordo relativo à guarda e ao regime de visitas. A partilha não precisa ser definida, podendo ocorrer posteriormente, de forma amigável ou litigiosa, obedecen-do ao procedimento de partilha no processo de inventário (647 a 658).

Não há a determinação de que seja ouvido o casal e muito menos que ocorra audiência de ratificação, como previa a legislação pretérita, a eviden-ciar que a solenidade foi dispensada. A solução é bem-vinda diante da possi-bilidade de ser utilizada a via extrajudicial.

A falta de previsão do procedimento de conversão da separação em divórcio não permite que seja buscada judicialmente. As partes somente po-derão fazê-lo pela via extrajudicial. Em juízo somente podem requerer o di-vórcio, de forma amigável ou litigiosa.

A faculdade de ocorrer a dissolução do casamento por escritura públi-ca não atentou aos apelos da doutrina, que sempre questionou a exigência do uso da via judicial pelo fato de existirem filhos incapazes. Estando solvidas as questões referentes à prole, nada justifica a necessidade da chancela judi-cial, até porque não mais é realizada audiência em juízo para a decretação do divórcio.

A via extrajudicial é facultativa, mas é proibida se houver nascituro ou filhos incapazes (733). Sem a necessidade de homologação judicial, é título hábil para todos os atos: registros e levantamento de importâncias deposita-das em instituições financeiras (733, § 1º). Às claras que o rol não é exaustivo, valendo para todos os fins.

De forma injustificada é exigido o uso da via judicial para a alteração do regime de bens do casamento (734). Ora, se os cônjuges, antes do casa-mento, podem livremente eleger o regime de bens, via escritura pública, des-cabido que a sua alteração, durante o casamento, necessite de justificativa para obter a mudança. Há mais. Só se pode reconhecer como um cochilo do legislador determinar a intimação do Ministério Público quando do recebi-mento da inicial (734, § 1º). Além de as partes serem maiores e capazes, o objeto da demanda é exclusivamente de natureza patrimonial.

É necessária a publicação de edital, e, somente após o decurso de 30 dias, o juiz profere a sentença, determinando sua averbação nos cartórios do

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Registro Civil e no de Imóveis. No caso de um dos cônjuges ser empresário, deve ocorrer a averbação também no Registro Público de Empresas Mercan-tis e Atividades Afins.

As precauções são exacerbadas, pois expressamente a alteração ressal-va interesse de terceiros.

De outro lado, cabe atentar que, na união estável, a alteração do regime de bens pode ocorrer extrajudicialmente, a qualquer tempo, mediante sim-ples alteração no contrato de convivência. Além disso, nada impede que os cônjuges se divorciem e casem novamente, elegendo o regime de bens que desejarem, sem a necessidade de se submeterem à ação judicial.

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Breves noTAs soBre o reTroCesso imPingido PelA súmUlA nº 385 do sTJ1

ezequiel Morais

Mestrando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo – USP (Faculdade de Direito do Largo São Francisco), Advogado,

com estágio no Studio Legale Associato Pezone (Itália), Professor em Pós-Graduações. Autor e Coautor de obras jurídicas.

Sem divagações, sabemos todos que o sistema jurídico brasileiro não permite que o devedor seja constrangido na cobrança de dívida (arts. 39, VII, 42 e 71 do CDC; arts. 186 e 187 do CC; arts. 146, 147 e 345 do CP e art. 5º, LXVII, da CF/1988). Ponto.

Mesmo assim, é sempre importante ressaltar que o exercício regular de um direito reconhecido não é constrangimento ilegal, não é prática abusiva e, portanto, não é crime ou ato ilícito, com exceção, sem dúvida, dos casos de abuso de direito e inobservância do duty to mitigate the loss (ou the damage). Este último, aliás, consubstancia-se, em síntese, no dever do contratante de contribuir para mitigar, diminuir o prejuízo do outro. Mas não é só, como veremos adiante.

A propósito, neste passo e em decorrência da relevante função das Jor-nadas de Direito Civil do CEJ/STJ nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial, abro breve parêntese para tecer algumas considerações sobre o Enunciado nº 169, aprovado na III Jornada (realizada em 2004): “Art. 422. O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio pre-juízo”. O enunciado em análise, embora louvável, é incompleto, pois permite uma conduta inercial do credor ao autorizá-lo, indiretamente, a não agir para reduzir ou até mesmo evitar o dano.

1 Para análise mais aprofundada dos temas analisados no artigo, confira as nossas obras Código de Defesa do Consumidor comentado. 1. ed. (2ª edição no prelo, em breve). São Paulo: Revista dos Tribunais; e Contratos de crédito bancário e de crédito rural – Questões polêmicas. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. Ambas escritas em coautoria com Fábio Henrique Podestá e Marcos Marins Carazai, e Diogo Bernardino, respectivamente.

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Concluindo e já fechando o parêntese, melhor seria se o enunciado pre-visse também os deveres do credor de tentar evitar o prejuízo ou, se este já ocorrera, de reduzi-lo. Essas são as claras e corretas lições dos Professores Marco Fábio Morsello e Giselda Hironaka, ambos da nossa querida Facul-dade de Direito do Largo São Francisco – USP. É para se pensar, culto leitor; com o intuito, sempre, de convidá-lo à reflexão de tal polêmico tema, que ultrapassa a mera letra fria das leis.

Bem, transpostas as palavras introdutórias, rumemo-nos à pedra an-gular do presente artigo: a Súmula nº 385 do STJ (de 2009) ofende várias nor-mas do nosso sistema jurídico; vai de encontro com a diretriz principiológica tanto do Código de Defesa do Consumidor quanto do Código Civil, para não dizer da própria Constituição Federal.

Desde 2010, sustento essa posição no livro CDC comentado (Editora RT, p. 223). Mas agora trago o tema novamente à tona em virtude de uma sen-tença – e por ela motivado e instigado – oriunda da Comarca de Mongaguá/SP, da lavra do Magistrado Fernando Cesar do Nascimento, que comungara com o nosso entendimento ao não aplicar a Súmula nº 385 porque ela “não se amolda ao sistema consumerista” (Processo nº 366.01.2008.000763, DJe 1765, de 29.10.2014, São Paulo. Obs.: apelação ainda pendente de julgamento no TJSP).

Eis o texto sumular que resulta em retrocesso: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.

Definitivamente, não podemos concordar com os ditames da súmula acima referida, e nem poderíamos, pois contraria, como outrora dissemos, nor-mas consumeristas e civis e, por conseguinte, direito constitucional que pro-tege a pessoa, a honra, a imagem. Notemos: um (1) só apontamento negativo do nome de uma pessoa pode ter certo significado; ela pode ter o seu nome negativado por ser devedora de pensão alimentícia e estar questionando o va-lor, por estar discutindo no Poder Judiciário a cobrança de uma dívida que en-tende não ser devida, mas que ainda não obteve liminar e/ou não tem decisão transitada em julgado etc. Mas vinte (20) “negativações”, por exemplo, têm, convenhamos, outros significados, causas e consequências bastante diferentes.

Flávio Tartuce muito bem esclarece e complementa com exatidão:

Imagina-se pela súmula que a pessoa que já teve o nome inscrito nunca mais terá direito à indenização, pois, como devedor que foi, perdeu a sua personalidade moral. [...] Sem falar que a Súmula nº 385 entra em conflito

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com a Súmula nº 370 do mesmo STJ, segundo a qual cabe indenização por dano moral no caso de depósito antecipado de cheque pré ou pós-datado. Imagine-se que o consumidor já teve o nome inscrito por uma dívida re-gular, surgindo uma inscrição posterior indevida em decorrência do citado depósito antecipado. Pela Súmula nº 385, não caberá a indenização moral; pela Súmula nº 370, a resposta é positiva, em contrariedade à ementa ante-rior. (Manual de direito do consumidor. Editora Método, p. 446)

Por tais razões, reafirmamos que a Súmula nº 385, com conotação teme-rária e exageradamente generalizante, pode tornar lícito um ato ilícito apenas porque já preexistia outro registro negativo do nome do cidadão – e isto sem levar em consideração que o registro negativo preexistente pode ser irregu-lar, indevido!

E mais: a manutenção de tal súmula é um claro incentivo à prática do abuso de direito (CC, art. 187). Inclusive, de acordo com a linha mestra aqui adotada, traçada com base nos princípios da boa-fé objetiva (proteção da jus-ta expectativa criada pelos contratantes) e da socialidade (art. 5º da LINDB), apropriada e irretocável é a lição de Inácio de Carvalho Neto, ao afirmar que

dispõe o citado art. 5º que o juiz, ao aplicar a lei, ‘atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum’. A explícita menção, como regra de aplicação da lei pelo juiz, do atendimento aos fins sociais da norma, configura claramente o reconhecimento de que deve ser coibida a prática de atos que desatendam a esses mesmos fins sociais”. Em outras palavras, como bem ressaltado, é preciso atender “à finalidade da lei e do Direito enquanto sistema ético e moral (Abuso do direito. Editora Juruá, p. 183).

Ainda, nem cogitamos aqui de aplicar ou não a técnica de pondera-ção de princípios, segundo a teoria da ponderação, desenvolvida por Robert Alexy. Não é essa a questão e muito menos o fator de resolução do problema, pois é certo que o registro indevido viola direito e causa dano à pessoa (física ou jurídica) negativada, configurando, assim, um ato ilícito (CC, 186). E esse mesmo ato – irregular(!) – está longe de ser exercício regular de um direito reconhecido (CC, 188, I). Então, é cristalina a afronta ao art. 42, § 2º, do CDC, entre várias outras normas.

O STJ, ao editar a infeliz Súmula nº 385 em 2009 e, pior, ao não revogá--la até hoje, pode dar guarida ao ato ilícito (CC, 186 e 187); legitimar, validar um ato que pode ser ilícito!

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Ah... aproveitando a oportunidade, vale recordar de outra polêmica súmula (381) que continuamos a entender ser igualmente equivocada: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”. Mais um engano prejudicial aos consumidores.

Saudações.

Com carinho e a alegria pela indicação do Professor Fachin para vaga de ministro do STF.

reFerÊnCiAs

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os PlAnos de sAúde e os reAJUsTes Por FAixA eTáriA de idosos: ComenTários soBre

o JUlgAmenTo do Agrg-resP 1.315.668/sPBernarDo Franke Dahinten

Mestre em Direito pela PUCRS, Especialista em Direito Médico pela Escola Superior Verbo Jurídico, Especialista em Direito Empresarial pela

PUCRS, Especialista em Direito Imobiliário, Contratos e Responsabilidade Civil pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural – IDC, Advogado.

augusto Franke Dahinten

Mestrando em Direito pela PUCRS, MBA em Direito Empresarial com ênfase em Direto Tributário pelo Instituto de Desenvolvimento

Cultural – IDC, Especialista em Direito Internacional Público e Privado pela UFRGS, Especialista em Direito Ambiental

Nacional e Internacional pela UFRGS, Advogado.

Paulo roBerto Do nasciMento Martins

Especialista em Direito Cooperativista pela Unisinos, Especializando em Direito Médico pela Escola Superior Verbo Jurídico, Advogado.

RESUMO: Este artigo tem como objetivo comentar a recente decisão proferida pelo STJ no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.315/668/SP. Com esse escopo, inicia-se com uma breve apresentação dos reajustes de mensalidade que permeiam os contra-tos de planos de saúde, com ênfase para as majorações realizadas em função das alterações da idade envolvendo beneficiários idosos. Ditos reajustes, cuja legalidade vem sendo, há muitos anos, questio-nada no Judiciário, teve seu panorama jurisprudencial recentemente incrementado com o julgamento do precedente acima referido, que, na contramão do entendimento ainda hoje dominante, respaldou, com base em argumentos técnicos, o reajuste por alteração de faixa etária aplicado em plano de saúde de pessoa idosa.

ABSTRACT: This essay has as its scope to comment the recent deci-sion pronounced by the STJ in the verdict of the Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.315/668/SP. With this goal, it begins with a brief presentation of the raises of the prices that exist in health plans contracts, with emphasis to the raise that occur due to the increasing

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of the age involving elderly beneficiaries. These price raises, whose legality has been, for years, submitted to the Judiciary judgement, had its jurisprudential panorama recently incremented with the de-cision quoted above, which, heading against the currently prevai-ling understanding, backed, with technician arguments, the eleva-tion applied in a health plan contract of an elderly contractor.

PALAVRAS-CHAVE: Direito do consumidor; planos de saúde; reajustes das mensalidades; reajuste por alteração da faixa etária; legalidade.

KEYWORDS: Consumer law; health plans; price’s increase; price’s increase due to change of the age; legality.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Breve apresentação da temática; 2 Norma-tização envolvendo reajuste de faixa etária de idosos; 3 Legalidade dos reajustes envolvendo idosos; 4 A importância da decisão profe-rida no AgRg-REsp 1.315.668/SP; Considerações finais; Referências.

inTrodUçÃo

Assunto bastante atual e que bem demonstra a complexidade do siste-ma jurídico brasileiro – tamanha a abundância de normas que se confrontam – diz respeito aos reajustes por faixa etária envolvendo idosos, em contratos de planos de saúde.

Fala-se, aqui, precisamente, da variação no valor da mensalidade quando o beneficiário completa 60 ou mais anos de idade, momento em que, conforme previsto no regramento normativo incidente sobre a matéria e, usualmente, nos contratos, há aumento na contraprestação mensal a ser paga pelos serviços contratados.

Com efeito, são inúmeras as normas incidentes nesta situação, desde a Constituição Federal, leis federais, e até resoluções normativas, súmulas e instruções normativas de órgãos reguladores.

Nesse contexto, destaca-se recente decisão proferida pelo Superior Tri-bunal de Justiça, em precedente que, de tão emblemático, é capaz de conso-lidar um novo (e mais adequado) horizonte jurisprudencial no âmbito desta matéria.

De forma direta e clara, a mencionada decisão tratou de respaldar o reajuste aplicado no caso concreto, contemplando a sustentabilidade do sis-tema da saúde suplementar e a proteção dos consumidores e segurados do ponto de vista coletivo, em detrimento de posições mais individualistas, até então predominante em diversas Cortes de todo o País.

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É sobre esta decisão que se escreverá, ainda que de forma sucinta, no presente texto.

1 Breve APresenTAçÃo dA TemáTiCA

Já não mais é novidade, para a comunidade jurídica brasileira, o fenô-meno da judicialização da saúde suplementar. E dificilmente poderia ser di-ferente, uma vez que, atualmente, praticamente todos os aspectos envolven-do os contratos de planos de saúde são “judicializados”. Desde demandas discutindo a amplitude dos serviços oferecidos pelas Operadoras de Planos de Saúde (OPSs), a duração dos contratos, formas e possibilidades de resci-são dos vínculos contratuais, até pleitos versando sobre os valores de contra-prestação econômica devidos pelos contratantes. Quase nada, no que tange à operacionalização dos planos de saúde, é livre de questionamento judicial.

Neste contexto, as demandas judiciais relacionadas a reajustes de men-salidade estão, certamente, entre as principais ações envolvendo conflitos de consumidores e OPSs1. Trata-se de ações em que os usuários questionam a legalidade de majoração lançada no valor de suas mensalidades, via de regra reputando o reajuste (em si ou o índice utilizado) como abusivo e, portanto, indevido.

Com efeito, é importante ter em mente que existem, no âmbito dos pla-nos de saúde, a rigor, atualmente, apenas duas2 formas de reajuste de men-

1 Prova da grandiosa quantidade de demandas judiciais envolvendo reajustes se verifica no fato de que as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul criaram a Súmula nº 20 para pacificar determinadas questões envolvendo ações discutindo reajustes em razão da alteração da faixa etária; em similar esteira, o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP também criou a Súmula nº 91: “Ainda que a avença tenha sido firmada antes da sua vigência, é descabido, nos termos do disposto no art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, o reajuste da mensalidade de plano de saúde por mudança de faixa etária”. Especificamente no que tange ao aumento decorrente de faixa etária envolvendo idosos, citável a seguinte passagem de Denise Gasparini Moreno, que afirma ser esta, também, a realidade no âmbito extrajudicial: “Uma das maiores reclamações, levadas ao Procon pelas pessoas idosas, gira em torno das altas taxas cobradas pelos Seguros de Saúde para os maiores de sessenta anos de idade. Como a assistência à saúde fica a cargo da iniciativa privada, a exorbitância dos custos sempre gerou reclamações. Como o SUS tem péssimo atendimento para os idosos, ficam eles totalmente vulneráveis e à mercê da boa vontade dos profissionais da saúde” (MORENO, Denise Gasparini. O Estatuto do Idoso e sua proteção jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 116).

2 Existe, ainda, uma terceira forma, denominado pela própria ANS de “revisão técnica”, e que ocorre, em tese, quando um plano de saúde se encontra em uma situação de desequilíbrio econômico tal que coloca a continuidade do serviço em risco. Trata-se

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salidade com as quais um beneficiário deste tipo de vínculo pode se deparar: reajuste anual e reajuste por adequação de faixa etária, os quais podem variar de acordo com alguns aspectos, como a forma de contratação do plano.

Tendo em vista a pretensão do presente artigo, apenas o reajuste decor-rente de variação de faixa etária será aqui enfrentado e, mais especificamente, os casos em que este reajuste é aplicado em contrato envolvendo pessoa idosa.

2 normATiZAçÃo envolvendo reAJUsTe de FAixA eTáriA de idosos

Os reajustes por alteração de faixa etária são, em síntese, aumentos nos valores das mensalidades3 implementados quando o beneficiário, em razão da alteração da idade, ingressa em outra faixa etária de cobrança4. A questão é, atualmente, regulada por diversos expedientes normativos.

de uma forma excepcional de aumento das mensalidades, sendo que, atualmente, está suspenso (Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Reajustes de preços de planos de saúde. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor/reajustes-de-precos-de-planos-de-saude>. Acesso em: 15 maio 2015.

3 Ainda que a legislação fale em “percentuais de reajuste” (art. 15, caput) e “reajuste” (art. 16, XI), é possível se compreender a alteração da mensalidade não como um reajuste propriamente dito, mas como um “novo preço”, decorrente de um “novo contrato”. Tal reflexão, ainda que de forma sucinta, pode ser encontrada em BOTTESINI, Maury Ângelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos planos e seguros de saúde: comentada e anotada artigo por artigo – Doutrina – Jurisprudência. São Paulo: RT, 2003. p. 113. Luiz Antonio Rizzato Nunes, por sua vez, defende que o termo “reajuste” é efetivamente equivocado: “[...] Logo, o preço muda (isto é, sobe) sem ter sido reajustado” (NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários à lei de plano e seguro-saúde (Lei nº 9.565, de 03.06.1998). São Paulo: Saraiva, 1999. p. 60).

4 Ainda que seja de conhecimento notório a razão de se fazer necessária a majoração das mensalidades com o aumento da idade, a explicação de Joseane Suzart Lopes da Silva é bastante elucidativa: “As transformações ocorridas na idade dos indivíduos pressupõem, naturalmente, alterações em seu estado físico e psíquico que possibilitam a aquisição de moléstias e uma maior necessidade de acesso ao setor médico. A idade constitui um fator de grande importância para a análise das relações contratuais que têm por objeto a saúde das pessoas. A partir do momento em que os indivíduos tornam-se senis, em regra, procuram mais realizar consultas que implicam, muitas vezes, diversos procedimentos posteriores, exames, avaliações de diagnósticos etc. Como os que possuem idade mais avançada, quando inseridos num negócio jurídico que verse sobre assistência à saúde suplementar, fazem um uso maior da rede de serviços, em comparação com as crianças, jovens e adultos, as operadoras de planos e seguros de saúde sempre efetivaram aumentos nas contraprestações pecuniárias levando em consideração tal fator” (SILVA, Joseane Suzart Lopes da. Planos de saúde e boa-fé objetiva: uma abordagem crítica sobre os reajustes abusivos. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 429). Carolina Steinmuller Farias e Thélio

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Até a publicação da Lei Federal nº 9.656/1998, a denominada Lei dos Planos de Saúde (LPS), não havia, no ordenamento jurídico brasileiro, qual-quer norma prevendo limites para tal reajuste5. Em razão disso, como exceção a confirmar a regra em sentido contrário, houve casos de majoração de men-salidades verdadeiramente arbitrária, que, por vezes, efetivamente serviram como inequívocos obstáculos à permanência dos consumidores nos planos, especialmente quando se tratava de idosos, cujas mensalidades já são, por si sós, mais pesadas.

Já com o advento da mencionada lei, o assunto passou a ser regula-mentado. A lei tratou de prever, expressamente, a possibilidade de alteração no valor das contraprestações econômicas, em função da idade do consumi-dor (art. 15, caput6). Da mesma forma, cuidou de vedar reajustes para aqueles consumidores maiores de 60 anos e que já se encontravam no plano há mais de 10 anos (art. 15, parágrafo único7-8). Os reajustes por alteração de faixa etá-ria passaram a ser, portanto, além de regulamentados, legitimados9.

Queiroz Farias também contribuem para esta explicação: “Sabe-se que, ao completar a idade de 60 (sessenta) anos, o cidadão se encontra inaugurando a velhice, tendo os normais decréscimos na capacidade laborativa [...] ao mesmo tempo em que necessita de maiores cuidados médicos” (FARIAS, Carolina Steinmuller; FARIAS, Thélio Queiroz. Práticas abusivas das operadoras de planos de saúde. Leme/São Paulo: Anhanguera, 2011. p. 88).

5 Aurisvaldo Sampaio menciona que, anteriormente ao advento da LPS, não era raro as OPSs praticarem majorações das mensalidades em razão da mudança de faixa etária de forma absolutamente desrespeitosa frente aos consumidores. Cita, como exemplos, hipóteses em que havia ausência de fixação das faixas e/ou dos índices a serem aplicados nas minutas contratuais (SAMPAIO, Aurisvaldo. Contratos de plano de saúde. São Paulo: RT, 2010. p. 324/325).

6 “Art. 15. A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E.”

7 “Art. 15. [...] Parágrafo único. É vedada a variação a que alude o caput para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º, ou sucessores, há mais de dez anos.”

8 Nos dizeres de Luiz Antonio Rizzatto Nunes, é o parágrafo único que torna “aceitável, em função do abrandamento”, o caput do art. 15. Conforme o autor, sem tal parágrafo, a norma seria “absurda” (NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários à lei de plano e seguro- -saúde (Lei nº 9.565, de 03.06.1998). São Paulo: Saraiva, 1999. p. 59).

9 Nada obstante, há quem diga que a legalização de tal prática seria abusiva e atentatória à dignidade da pessoa humana (MELLO, Heloisa Carpena Vieira de. Seguro-saúde e abuso de direito. In: MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno (Org.). Doutrinas essenciais de direito do consumidor. São Paulo: RT, v. IV, 2010. p. 846).

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Ainda assim, a LPS, embora tenha sido a primeira norma a disciplinar os reajustes das mensalidades em razão de alteração de idade, nada dispôs especificamente sobre quais (e quantas) faixas etárias poderiam sofrer reajus-tes, tampouco qual seria o índice máximo para as alterações10. Este papel cou-be, primeiro, também em 1998, ao Consu (Conselho de Saúde Suplementar), o qual expediu, em 3 de novembro daquele ano, a Resolução nº 6, trazendo critérios, parâmetros e limites para estes reajustes11.

A normatização incidente nestas majorações, contudo, ainda estaria por ser incrementada. Nesse sentido, o Congresso aprovou, em 2003, o Esta-tuto do Idoso (Lei Federal nº 10.741/2003), trazendo à tona diversos institutos e mecanismos de proteção especificamente voltados à tutela dos idosos. No contexto dos planos de saúde e do reajuste das mensalidades, duas foram as implicações imediatas: (I) a definição jurídica de idoso, como sendo toda pes-soa com idade igual ou superior a 60 anos (art. 1º12); e (II) a expressa vedação de discriminação dos idosos nos planos de saúde pela cobrança diferenciada em função da idade (art. 15, § 3º13).

Deste último dispositivo resultou uma incompatibilidade legislativa prima facie. Notou-se que, ao passo que a pretérita Resolução do Consu pos-sibilitava reajustes para os usuários que completassem 60 e 70 anos de idade (as duas últimas faixas), o recém-publicado Estatuto do Idoso tratou de, apa-rentemente, vedá-los. Este, pelo menos, era o entendimento que prevalecia.

A ANS (Agencia Nacional de Saúde Suplementar – agência reguladora criada por lei com a finalidade precípua de regulamentar e fiscalizar o mer-cado da saúde suplementar) publicou, poucos meses após a promulgação da Lei do Idoso, a Resolução Normativa (RN) nº 63, em dezembro de 2003, que

10 Na verdade, a LPS não fixou faixas etárias ou índices, mas determinou, no art. 16, IV, que estes deveriam ser indicados com clareza nas minutas contratuais.

11 Tal resolução previu que os reajustes em razão da alteração de faixa etária poderiam se dar em 7 momentos (7 faixas etárias): I – 0 a 17 anos de idade; II – 18 a 29 anos de idade; III – 30 a 39 anos de idade; IV – 40 a 49 anos de idade; V – 50 a 59 anos de idade; VI – 60 a 69 anos de idade; e VII – 70 anos de idade ou mais. No que tange à quantificação do aumento, a dita norma permitiu que as OPSs adotassem, por critérios próprios, os valores e fatores de acréscimo, “desde que o valor fixado para a última faixa etária, não seja superior a seis vezes o valor da primeira faixa etária”. Em outras palavras, nos contratos firmados na vigência da LPS, em sendo a última mensalidade até 600% maior que a primeira, o reajuste seria legal.

12 “Art. 1º É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.”

13 “Art. 15. [...] § 3º É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade.”

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readequou a regulamentação dos reajustes à lei protetiva do idoso. Ao invés das 7 (sete) faixas etárias anteriormente estipuladas, a norma estabeleceu a readequação em 10 (dez) faixas, sendo a última majoração possível aos 59 anos. A diferença entre a primeira e a última faixa permaneceu conforme já estava vigente, ou seja, no máximo, de 600% (seis vezes superior).

Com efeito, mesmo com tal tratamento normativo, uma pendência ju-dicial sempre existiu: afinal de contas, o reajuste em razão da alteração de faixa etária, no caso de idosos, é, em si, independentemente do percentual aplicável, legal ou configura, de fato, aquela discriminação vedada no Esta-tuto do Idoso?

3 legAlidAde dos reAJUsTes envolvendo idososDo ponto de vista dos defensores mais extremados dos consumidores,

evidentemente que a resposta é pela caracterização do abuso e da ilegalidade. O argumento mais forte, a despeito do próprio Código de Defesa do Consu-midor (CDC), decorre da redação do Estatuto do Idoso, que, sob a ótica dos que assim entendem, tratou de vedar a “discriminação” dos idosos nos pla-nos de saúde, pela cobrança diferenciada, em função da idade.

E, em um sistema claramente protetivo, tal posicionamento encontrou (e ainda encontra) forte eco, vide, por exemplo, o entendimento praticado, até pouco tempo, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), cuja orientação ju-risprudencial era no sentido de ser “abusiva a cláusula contratual que prevê o reajuste da mensalidade de plano de saúde com base exclusivamente em mudança de faixa etária, sendo irrelevante que o contrato tenha sido celebra-do antes da vigência do Estatuto do Idoso, da Lei nº 9.656/1998 ou do Código de Defesa do Consumidor”.

Nesse sentido, são o AgRg-AREsp 257.898/PR, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, J. 07.11.2013, e o AgRg-REsp 707.286/RJ, 3ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 17.12.200914-15. Digno de nota, todavia, que este entendimento

14 Segue trecho da ementa: “[...] Deve ser declarada a abusividade e consequente nulidade de cláusula contratual que prevê reajuste de mensalidade de plano de saúde calcada exclusivamente na mudança de faixa etária. Veda-se a discriminação do idoso em razão da idade, nos termos do art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, o que impede especificamente o reajuste das mensalidades dos planos de saúde que se derem por mudança de faixa etária; tal vedação não envolve, portanto, os demais reajustes permitidos em lei, os quais ficam garantidos às empresas prestadoras de planos de saúde, sempre ressalvada a abusividade. [...]”.

15 Esta orientação era (e ainda é) tão forte que o STJ, em diversos precedentes, chega a enquadrar como abusivo o reajuste aplicado até mesmo no valor do prêmio devido pelo segurado no seguro de vida, precisamente com base no art. 15, parágrafo único, da

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jamais foi pacificamente aceito por determinados juristas e, obviamente, sem-pre foi objeto de irresignação e combate por parte das OPS, posição da qual compartilhamos.

Considerando as diversas normas aplicáveis (especialmente o CDC) e os preceitos e valores modernos que permeiam o sistema jurídico (com desta-que à função social e à boa-fé objetiva), bem como tendo em vista a natureza e a estrutura dos contratos de planos de saúde, com vistas à sustentabilidade do setor da saúde suplementar, é possível defender, com robustez, que tais reajustes, quando respeitadas determinadas questões formais, não represen-tam qualquer abusividade e, portanto, são absolutamente legais.

Nesse sentido, em primeiro lugar, defendemos que os reajustes de mensalidade, aqui tratados, devem ser analisados à luz da legislação apli-cável ao tempo da assinatura do contrato. Do contrário, é de se reconhecer a violação ao próprio Texto Constitucional, que protege e salvaguarda o direito adquirido e o ato jurídico perfeito16.

Da mesma forma, é indubitável que, uma vez incidente o CDC, todo e qualquer reajuste deve estar devidamente previsto no contrato, de forma clara, de modo a permitir a completa compreensão por parte do beneficiário contratante. Não apenas a possibilidade de majoração do valor da mensali-dade, como também os índices a serem aplicados: todos os aspectos devem constar, com clareza, na minuta contratual.

Do contrário, se estará indiscutivelmente violando o referido diploma legal e o direito à informação (arts. 6º, III; 31; 46; 51, IX e X; e 54, todos do CDC), ilegitimando o reajuste. Em outras palavras, o direito/dever de in-formação é, em qualquer caso, pressuposto formal à validade dos reajustes. Não basta, pois, que o reajuste conte com respaldo legal, sendo incondicio-

Lei nº 9.656/1998 (que, em tese, sequer seria aplicável a esta modalidade de contrato). Nesse norte, citável, a título de exemplo, recente precedente da Terceira Turma da Corte Especial, cujo entendimento foi no sentido de ser abusiva a “cláusula que prevê o reajuste do prêmio do seguro em relação aos segurados que tenham ultrapassado os 60 anos, desde que eles contem com mais de 10 anos de vínculo [...]” (REsp 1.376.550, Rel. Min. Moura Ribeiro, J. 28.04.2015).

16 A questão da retroatividade legal, em matéria de plano de saúde, encontra-se em pleno debate junto ao STF, sendo dois os processos com repercussão geral reconhecida até o momento: o ARE 652492, que discute a aplicação da lei nova sobre os planos de saúde aos contratos anteriormente firmados (tema 123), e o RExt 630852, que discute a aplicação do Estatuto do Idoso a contrato de plano de saúde firmado anteriormente a sua vigência (tema 381).

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nalmente necessário que esteja previsto, também, e de forma clara, na minuta contratual.

Superada a questão quanto à forma da previsão contratual relativa aos reajustes, é certo que a majoração do valor da mensalidade, por si só, inclu-sive no caso dos idosos, não se revela ilegal ou abusiva. Além de a LPS ex-pressamente autorizar e legitimar essa operação, não se verifica, em verdade, qualquer “discriminação” neste ato, na medida em que não se está, puramen-te em razão da elevação da mensalidade, a perpetrar qualquer tratamento “diferenciado” ou “desigual” ao beneficiário idoso.

É de se ter presente, neste contexto, que o termo “discriminação” cita-do no Estatuto do Idoso não pode ser utilizado, por si só, como justificativa apta para impedir alteração das mensalidades dos planos de saúde de idosos. Afinal, o ato de discriminar haveria de pressupor uma conduta diferenciada/distinta, o que, nem de longe, se verifica na prática, haja vista que são diver-sas e inúmeras as faixas etárias que igualmente recebem o referido reajuste.

Não bastasse isso, é incontestável que, com o aumento da idade, as condições de saúde se debilitam e passam a exigir cuidados médicos mais frequentemente, o que já seria suficiente, por si só, para afastar qualquer ale-gação de nulidade e de tratamento diferenciado, discriminação etc.

Além disso, mesmo quando observados todos os aspectos “formais” acima referidos, não há como deixar de admitir que os reajustes e os índices aplicados jamais podem configurar aumento tal que coloquem o consumidor em efetiva desvantagem, sobretudo quando capaz de inviabilizar a sua per-manência no plano17-18.

17 A lição de Aurisvaldo Sampaio, ainda que verse apenas sobre os planos firmados antes da LPS, é aqui plenamente aplicável, inclusive para os contratos regulamentados: “Outra conduta igualmente abusiva adotada nos contratos celebrados antes da edição da LPS consiste na utilização do aumento por mudança de faixa etária, não como um mecanismo de adequação das prestações a cargo do consumidor aos riscos que o avanço da sua idade representa para a operadora, mas como um artifício para inviabilizar a continuidade daquele no plano de saúde. Assim, concentravam-se os aumentos nas faixas etárias mais avançadas, impondo-os ao consumidor em percentuais impeditivos da sua permanência, verdadeiramente exorbitantes, a fim de compelir a sua saída do plano [...]” (SAMPAIO, Aurisvaldo. Contratos de plano de saúde. São Paulo: RT, 2010. p. 327).

18 Neste sentido, segue passagem de Walter Polido: “A modificação do preço do seguro (o prêmio), se houver, não poderá ser aviltante, de modo a não permitir a continuidade do segurado naquele programa de seguro que ele contratou, justamente pensando na sua velhice, no ocaso de sua vida” (POLIDO, Walter. Da limitação da autonomia privada nas operações de seguros: coletivização dos interesses – Nova perspectiva social e jurídica do

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Sopesados todos esses aspectos, é patente que eventual abusividade não há como ser legitimamente anunciada, sem que haja, de forma prévia, uma análise tópico-sistemática do caso sub judice. Destarte, uma análise cor-reta e justa acerca da licitude dos reajustes pressupõe, ressalvadas as situa-ções de manifesta discrepância, que o julgador pondere todos os aspectos envolvidos no contrato e na majoração aplicada.

Nesse sentido, é indispensável uma avaliação de todos os elementos que influenciam na estipulação dos reajustes, como os valores e preços efeti-vamente praticados no mercado, o preço que o consumidor vinha pagando antes do reajuste, a efetiva variação em números reais decorrente do índice aplicado, quais e de quanto foram os últimos reajustes, da amplitude de co-berturas e serviços, entre outros.

Na prática, o que se pretende demonstrar (e defender) é que não é pos-sível afirmar, legitimamente, que um determinado índice de reajuste é abu-sivo apenas com base no numeral, sem que sejam prestigiados e ponderados todos os elementos e critérios acima mencionados. A corroborar essa posição por nós defendida, citável recente julgado da Segunda Seção do STJ, de acor-do com o qual “[...] a princípio, idôneo o reajuste de mensalidade de plano de saúde em razão da mudança de faixa etária do participante, pois com o incremento da idade há o aumento de risco de a pessoa vir a necessitar de serviços de assistência médica” (AgRg-AREsp 563.555/SP, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, J. 19.03.201519).

contrato de seguro. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 74, p. 322, abr./maio 2010).

19 Segue trecho da ementa: “[...] 1. A Segunda Seção deste Tribunal Superior, quando do julgamento do REsp 1.280.211/SP, firmou o entendimento de ser, a princípio, idôneo o reajuste de mensalidade de plano de saúde em razão da mudança de faixa etária do participante, pois com o incremento da idade há o aumento de risco de a pessoa vir a necessitar de serviços de assistência médica. Todavia, para evitar abusividades, devem ser observados alguns parâmetros, como a expressa previsão contratual; não serem aplicados índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem excessivamente o consumidor, em manifesto confronto com a equidade e a cláusula geral da boa-fé objetiva e da especial proteção do idoso, dado que aumentos elevados, sobretudo para essa última categoria, poderão, de forma discriminatória, impossibilitar a sua permanência no plano, e serem respeitadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais (Resolução Consu nº 6/1998 ou Resolução Normativa nº 63/2003 da ANS). Logo, a abusividade dos aumentos das mensalidades de plano de saúde, sobretudo de participantes idosos, deverá ser aferida em cada caso concreto. [...]”.

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É evidente que índices extremos (como 100, 200, 300% ou maiores20), salvo comprovada exceção, carregam, por si só, uma forte presunção de abu-sividade. Entretanto, índices como 30, 40, 50 ou 60%21, por exemplo, podem, diante do caso concreto, não configurar abuso, mas verdadeiro exercício de direito, além de representarem a única forma de manter o plano equilibrado. Apenas uma análise ampla do caso concreto, no entanto, será capaz de forne-cer os elementos necessários a uma decisão consistente e coerente.

De outra banda, cumpre defender que a saúde suplementar não pode ser comparada com outros setores, sem a devida conscientização e equaliza-ção das peculiaridades que permeiam este específico mercado e que, inclusi-ve, justificam e impulsionam variações de custos superiores às eventualmen-te verificadas em outras atividades.

Recente pesquisa realizada pelo IESS – Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, nesse sentido, tratou de, com base nos números do setor, assim destacar: “Os gastos com saúde crescem mais do que os índices gerais de pre-ço do consumidor em todo o mundo. A elevada inflação médica é reflexo de, principalmente, três motivos: o envelhecimento populacional, a incorporação de tecnologia e o desperdício”22.

Em outras palavras, não há duvidas de que, em havendo qualquer es-pécie de efetivo abuso, por parte das OPSs, seja ao reajustar de maneira ex-cessivamente onerosa, de modo injustificado e/ou desproporcional, seja de forma unilateral ou sem prestar a informação necessária, o CDC deve incidir e ser aplicado com fito de neutralizar os excessos.

20 Neste sentido, é de se concordar com o magistério de Cláudia Lima Marques, a qual afirma que aumentos de 500%, por exemplo, constituem verdadeiros abusos de direito (MARQUES, Cláudia Lima. Conflitos de leis no tempo e direito adquirido dos consumidores de planos e seguros de saúde. In: MARQUES, Cláudia Lima; LOPES, José Reinaldo de Lima; PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos (Coord.). Saúde e responsabilidade: seguros e planos de assistência privada à saúde. São Paulo: RT, 1999. p. 155).

21 Apenas para ilustrar, no julgamento da Apelação Cível nº 0001692-84.2012.8.26.0011, o TJSP reconheceu válido e apto a readequar o equilíbrio contratual, um reajuste por faixa etária (59 anos) de 43%; de outra banda, o TJRS entende, em princípio, o índice de 30% como razoável e apto a ensejar o necessário equilíbrio, conforme se verifica do Agravo de Instrumento nº 70058214768: “Agravo de instrumento. Seguros. Plano de saúde. Revisão de contrato. Faixa etária. No caso, houve reajuste abusivo na mensalidade do plano de saúde da autora quando da implementação da idade de 60 anos, na ordem de 122%. Desse modo, seguindo orientação jurisprudencial, é caso de limitar o aumento ao percentual máximo de 30%. Agravo de instrumento parcialmente provido, de plano”.

22 Instituto de Estudos de Saúde Suplementar – IESS. Guia da saúde suplementar. Disponível em: <http://www.iess.org.br/guia_iess_tela.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2014.

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Entretanto, não configurada (efetiva) abusividade, e mesmo em se tra-tando de reajustes de mensalidade substanciais, o Judiciário deve (inclusive nos reajustes praticados para idosos) validar as práticas em exame, como for-ma de garantir a harmonização, a manutenção e a sustentabilidade da rela-ção, do contrato e do sistema de saúde suplementar como um todo23.

A sustentabilidade do setor já é especialmente delicada e fragilizada diante de fatos inerentes às suas atividades, como o envelhecimento popula-cional, o aumento da necessidade de utilização dos serviços de saúde em ra-zão do agravamento da idade e a elevação dos custos decorrentes das incor-porações tecnológicas. Soma-se a esses fatores a realidade de judicialização24, que inegavelmente implica aumento dos custos das OPS25.

23 Uma solução, oriunda do próprio Judiciário gaúcho, pode e deve ser mencionada, como exemplo emblemático de posicionamento justo e equilibrado para ambos os contratantes. Fala-se da Súmula nº 20, das Turmas Recursais, a qual prevê “regras interpretativas” com base na legislação vigente na data de cada pactuação. Reza a referida súmula: “Súmula nº 20. Reajuste das contraprestações dos planos de saúde em razão da alteração da faixa etária. Contratos celebrados anteriormente ao CDC – nos contratos de planos de saúde celebrados anteriormente à vigência do Código de Defesa do Consumidor, contendo cláusulas precisas e claras prevendo o reajuste por faixas etárias, impossível revisar o reajuste pactuado com base neste Código; contratos firmados entre a vigência do CDC e da Lei dos Planos de Saúde – nos contratos com as mesmas características, celebrados posteriormente à vigência do CDC, mas antes do advento da Lei nº 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde), é possível limitar o reajuste a 30% nas faixas etárias de sessenta e setenta anos de idade; contratos pactuados entre a Lei dos Planos de Saúde e o Estatuto do Idoso – nos contratos assinados entre 2 de janeiro de 1999 (vigência da Lei nº 9.656) e 1º de janeiro de 2004 (data do início da vigência do Estatuto do Idoso), é possível limitar o reajuste a 30% nas faixas etárias de sessenta e setenta anos de idade; nenhum reajuste será aplicável, no entanto, quando o consumidor completar sessenta anos ou mais a contar de 02.01.1999 e estiver vinculado ao plano há mais de dez anos; contratos celebrados posteriormente ao Estatuto do Idoso – nos contratos assinados ou adaptados depois de 1º de janeiro de 2004, não será admissível nenhum reajuste posterior ao implemento de sessenta anos de idade, a não ser a atualização geral autorizada pela ANS incidente sobre todos os contratos, e os reajustes decorrentes de alteração de faixas etárias anteriores ao implemente dessa idade poderão ser revisados com base na RN 63 da ANS e com base nas disposições do CDC. [...]”.

24 Amanda Flávio de Oliveira, em artigo dedicado aos dez anos da LPS, assim afirma: “A judicialização dos conflitos constitui, assim, a circunstancia mais marcante do momento atual, em que a lei aplicável ao setor completa uma década” (OLIVEIRA, Amanda Flávio de. Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998): dez anos depois. In: MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 67, p. 50/61, jul./set. 2008).

25 “Decisões judiciais impedindo ou limitando aumentos previstos em contrato e esta-belecidos em função do aumento do risco por faixa etária têm forte impacto financeiro nas operadoras de saúde e podem levá-las a uma completa insolvência.” (Fundação

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Não há qualquer dúvida, portanto, de estar-se a tratar aqui de um tema delicado, complexo e que envolve inúmeras variáveis. Ainda assim, a sua relevância é inegável, eis repercutir em milhões de pessoas. Daí por que, so-bretudo em se considerando a jurisprudência hoje predominante no Brasil, manifestamente protecionista no que tange a litígios envolvendo estes rea-justes, decisões diferenciadas, como a abaixo comentada, ganham destaque e merecem ser celebradas.

4 A imPorTÂnCiA dA deCisÃo ProFeridA no Agrg-resP 1.315.668/sP

É no contexto acima delineado que merece ser comentada e celebrada a emblemática decisão recentemente proferida pela Terceira Turma do Su-perior Tribunal de Justiça, que, ao julgar o Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.315.668/SP, fixou o seguinte paradigma:

Processo civil. Agravo em recurso especial. Direito civil. Consumidor. Pla-no de saúde. Cláusula de reajuste por mudança de faixa etária. Segurado idoso. Discriminação. Inexistência. 1. Nos contratos de plano de saúde, os valores cobrados a título de mensalidade devem guardar proporção com o aumento da demanda dos serviços prestados. 2. O aumento da idade do se-gurado implica a necessidade de maior assistência médica. Em razão disso, a Lei nº 9.656/1998 assegurou a possibilidade de reajuste da mensalidade de plano ou seguro de saúde em razão da mudança de faixa etária do se-gurado. Essa norma não confronta o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, que veda a discriminação consistente na cobrança de valores diferenciados em razão da idade. Discriminação traz em si uma conotação negativa, no sen-tido do injusto, e assim é que deve ser interpretada a vedação estabelecida no referido estatuto. 3. Se o reajuste está previsto contratualmente e guarda proporção com a demanda, preenchidos os requisitos estabelecidos na Lei nº 9.656/1998, o aumento é legal. 4. Agravo provido em parte para se dar provimento ao recurso especial.

Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras – Fipecafi. Parecer técnico: diferenciação de risco de mensalidade ou prêmio entre faixas etárias em planos e seguros de saúde. Disponível em: <http://www.fipecafi.org/downloads/newsletter/FaixaEtariaParecerTecnicoAtuarial.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2014. Neste mesmo sentido, vide ALVES, Sandro Leal. Entre a proteção e a eficiência: evidências de seleção adversa no mercado brasileiro de saúde suplementar após a regulamentação. Monografia Premiada no II Prêmio Seae. Brasília: Seae, 2007. p. 24/26)

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A decisão concluiu, primeiro, que nos contratos de assistência à saúde, como, a rigor, ocorre em qualquer contratação, o valor de contraprestação econômica mensal deve guardar proporção direta com o aumento da deman-da dos serviços prestados. Daí por que se o beneficiário idoso demanda uma maior prestação de serviços contratados, o valor da contraprestação econô-mica por ele pago deve refletir essa majoração.

Depois, no cotejo das normas legais incidentes sobre a matéria, o STJ valorizou a lei especifica dos planos de saúde (LPS), que, como visto, possui dispositivo expresso disciplinando e autorizando o reajuste decorrente de mudança de faixa etária, com proteção para o idoso com mais de dez anos de contratação.

Nesse sentido, entendeu que a previsão contida na LPS não confronta o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, que veda a discriminação consistente na cobrança de valores diferenciados em razão da idade, uma vez que a “discri-minação traz em si uma conotação negativa, no sentido do injusto, e assim é que deve ser interpretada a vedação estabelecida no referido estatuto”.

A importância dessa decisão é que, na contramão do entendimento até então maciçamente predominante, o STJ empresta ao disposto no Estatuto do Idoso uma interpretação distinta daquela mais simplista, que entendia não poder o idoso sofrer qualquer reajuste, porque este, por si só, seria caracteri-zado como discriminatório.

A interpretação trazida por este recente julgamento é no sentido de que a discriminação prevista no § 3º do art. 15 do Estatuto do Idoso é apenas aquela que traz em si conotação negativa, no sentido do injusto. Com base nesse raciocínio, o reajuste do valor da contraprestação econômica paga pelo idoso, se decorrente da correspondente majoração da prestação dos serviços contratados, não restaria caracterizado como discriminatório, pelo que, por decorrência, não restaria vedado.

Nesses termos, o julgado proclamou que, se o reajuste está previsto contratualmente, guarda proporção com a demanda e atende aos requisitos estabelecidos na Lei nº 9.656/1998, é absolutamente legal.

Apesar de não se tratar de uma decisão totalmente inédita26, é inegável consistir, este precedente, de decisão que destoa do entendimento ainda hoje

26 Cabe ser citado, no mesmo sentido, o julgamento do REsp 1381606/DF, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, Rel. p/o Ac. Min. João Otávio de Noronha, J. 07.10.2014, em cuja ementa

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dominante, segundo o qual o reajuste por faixa etária, no caso da pessoa ido-sa, seria, por si só, abusivo. Possível afirmar, neste contexto, se estar diante, portanto, de um novo rumo jurisprudencial que, conforme acima se defen-deu, revela-se mais adequado e equilibrado.

ConsiderAções FinAis

A Lei dos Planos de Saúde, publicada em 1998, ao estabelecer os rea-justes decorrentes de mudança de faixa etária, além de disciplinar a matéria, garantindo a manutenção do equilíbrio contratual, ao longo da contratação, tratou de proteger o beneficiário idoso que tenha dez anos ou mais de contra-tação. Para esses consumidores, restou vedada nova majoração.

Nesse sentido, a LPS atendeu a necessidade atuarial da majoração e, ao mesmo tempo, protegeu o consumidor idoso previdente, aquele que já contribuiu por dez ou mais anos, para o contrato assistencial.

restou assim consignado: “Direito civil. Consumidor. Plano de saúde. Cláusula de reajuste por mudança de faixa etária. Segurado idoso. Discriminação. Inexistência. 1. Nos contratos de seguro de saúde, os valores cobrados a título de prêmio devem ser proporcionais ao grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto. Maior o risco, maior o valor do prêmio. 2. O aumento da idade do segurado implica a necessidade de maior assistência médica. Em razão disso, a Lei nº 9.656/1998 assegurou a possibilidade de reajuste da mensalidade de plano ou seguro de saúde em razão da mudança de faixa etária do segurado. Essa norma não confronta o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, que veda a discriminação consistente na cobrança de valores diferenciados em razão da idade. Discriminação traz em si uma conotação negativa, no sentido do injusto, e assim é que deve ser interpretada a vedação estabelecida no referido estatuto. Na hipótese dos autos, o aumento do valor do prêmio decorreu do maior risco, ou seja, da maior necessidade de utilização dos serviços segurados, e não do simples advento da mudança de faixa etária. 3. Se o reajuste está previsto contratualmente e guarda proporção com o risco e se foram preenchidos os requisitos estabelecidos na Lei nº 9.656/1998, o aumento é legal. 4. Recurso especial conhecido e provido em parte”. Também de 2014, citável o julgamento do REsp 646.677/SP, 4ª T., Rel. Min. Raul Araújo, J. 09.09.2014: “[...] 1. Nos contratos de seguro de saúde, de trato sucessivo, os valores cobrados a título de prêmio ou mensalidade guardam relação de proporcionalidade com o grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto. Maior o risco, maior o valor do prêmio. 2. É de natural constatação que quanto mais avançada a idade da pessoa, independentemente de estar ou não ela enquadrada legalmente como idosa, maior é a probabilidade de contrair doença. Há uma relação direta entre incremento de faixa etária e aumento de risco de a pessoa vir a necessitar de serviços de assistência médica. 3. Deve-se admitir a validade de reajustes em razão de mudança de faixa etária, desde que atendidas certas condições, quais sejam: a) previsão no instrumento negocial; b) respeito aos limites e demais requisitos estabelecidos na Lei Federal nº 9.656/1998; e c) observância do princípio da boa-fé objetiva, que veda índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado. [...]”.

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Com o advento do Estatuto do idoso, que, de forma genérica, aparen-temente proibiu o reajuste para beneficiário com mais de 60 anos de idade, independente do tempo de contribuição, o caos jurídico se instalou, gerando astronômico número de ações judiciais, com as mais diversas decisões delas decorrentes.

A recente decisão proferida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na esteira de (poucos) precedentes até então isolados, caso preva-leça, poderá significar a consolidação de um novo entendimento jurispruden-cial, apto a restabelecer a ordem jurídica à matéria, fixando como regra de conduta legal o disposto na LPS, sem que tanto caracterize qualquer violação ao Estatuto do Idoso.

Com isso, ganha toda a sociedade, inclusive os próprios idosos, que, além de garantida a proteção prevista na LPS, ainda tem garantida a análise individual de eventual abusividade, no caso em concreto.

reFerÊnCiAs

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neUTrAlidAde de rede e os imPACTos nA relAçÃo de ConsUmo

lygia Maria Moreno Molina henrique

Mestranda na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) em Direitos Difusos e Coletivos.

SUMÁRIO: 1 O surgimento da Internet como uma rede livre; 2 O princípio da neutralidade de rede e as exceções, por este, compor-tadas; 3 Neutralidade e como esta influi no mercado e na relação de consumo; 4 Como a neutralidade tem sido aceita no mundo e a opção feita pelo marco civil; Referências.

1 o sUrgimenTo dA inTerneT Como UmA rede livre

A criação da Internet pode ser remontada à década de 60, quando o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, visando a impulsionar as pes-quisas universitárias, como forma de concorrer com os feitos soviéticos da época, criou a Advanced Reaserch Projects Agency (ARPA), tendo esta, ao final da mencionada década, mais precisamente em 1969, criado uma rede de computadores, a Arpanet, um programa de interação em rede que, mais tarde, viria a dar origem ao que hoje denominamos de Internet.

Assim, muito embora a ideia de uma rede que interligasse e permitisse a integração de vários computadores tenha sido uma ideia militar surgida em plena Guerra Fria, o seu intuito estava estritamente ligado à integração de grupos de pesquisa espalhados por todo o globo, ou seja, o objetivo da Arpanet não era estritamente militar, estava mais relacionado à comunicação entre os pesquisadores e as universidades.

A Arpanet teve a sua estrutura arquitetada em rede em razão de uma proposta feita pela Rand Corporation ao Departamento de Defesa dos Esta-dos Unidos, pois assim esta propiciaria uma comunicação descentralizada e, caso houvesse um ataque nuclear, risco iminente à época, a rede sobreviveria.

Fora adotada, igualmente, a tecnologia de comutação por pacotes; as-sim, os dados a serem transferidos, na Arpanet, eram agrupados em pacotes

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(unidade de transferência da informação), endereçados e remetidos ao nó (polo da rede) de destino. A comunicação era feita, portanto, de nó a nó, sendo que os caminhos entre estes deveriam ficar livres para o transporte de pacotes.

Como o objetivo da criação da Arpanet era impulsionar as pesquisas, os primeiros nós (polos das redes) foram instalados em universidades ame-ricanas – Universidade da Califórnia em Santa Barbara, Universidade da Califórnia em Los Angeles e na Universidade de Utah – no ano de 1969.

Em seguida, buscou-se comunicar a Arpanet com outras redes de com-putadores com o intuito de abranger a comunicação. No entanto, foram sur-gindo redes distintas com protocolos próprios e incompatíveis entre si, o que inviabilizava a troca de informação entre estas.

Assim, diante desta necessidade de se padronizar os protocolos para que as redes fossem interligadas, em 1978, na Universidade da Califórnia do Sul, fora criado o protocolo TCP/IP, padrão de “linguagem” adotado até os dias de hoje.

Outra criação que possibilitou as redes de computadores se alastrarem pelo mundo, facilitando a comunicação entre as comunidades acadêmicas e os grupos de pesquisas, foi a criação do WWW (World Wide Web), em 1990, uma aplicação desenvolvida pelo inglês Tim Berners-Lee, funcionário da CERN (Organização Europeia para Investigação Nuclear), a partir de uma necessidade dos cientistas de todos os lugares do mundo em compartilhar dados, utilizando-se de plataformas ou suporte lógico (sequência de instru-ções a serem seguidas ou executadas) distintos. Sobre o World Wide Web, na ocasião, Tim Berners-Lee esclareceu que:

O projeto World Wide Web (WWW) tem por objetivo permitir que todas as ligações possam ser feitas com qualquer informação, não importando onde elas se encontrem. [...] O projeto WWW foi lançado para permitir que os físicos de altas energias possam trocar informações, notícias e documentos. Estamos muito interessados em alargar a web a outras áreas e ter servido-res de portas de ligação (Gateway) para outros dados. Os colaboradores são bem-vindos!

Desta forma, as redes de computadores tiveram grande avanço entre as décadas de 80 e 90 diante da colaboração da comunidade científica dos Estados Unidos e também da Europa. No Brasil, a história não foi diferente:

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as redes de computadores se desenvolveram, primeiramente, nos ambientes acadêmicos.

Em 1988, o Professor Oscar Sala, da Universidade São Paulo (USP) e, à época, também Presidente do Conselho Superior da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), foi responsável pela cone-xão desta Fundação ao Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab), em Chicago, por meio da rede Bitnet (Because It’s Time Network).

Posteriormente, as instituições acadêmicas paulistas foram ligadas en-tre si por meio da rede ANSP (Academic Network at São Paulo), que igualmente fora conectada à linha internacional mantida pela Fapesp, assim como outras instituições acadêmicas que também se aproveitaram desta ligação.

Logo em seguida, em 1991, a Fapesp realizou a primeira ligação nacio-nal em TCP/IP à rede já denominada como Internet (rede mundial de com-putadores). E, ainda em 1991, o Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) estabeleceu outra linha internacio-nal. Estes últimos fatos foram decisivos para que o Brasil adotasse o protoco-lo TCP/IP para se conectar às redes internacionais.

Assim, apesar de a criação da Internet ter sido um projeto de pesquisa militar, inclusive, pela ousadia deste projeto, como ressaltado, os desenvol-vedores eram cientistas, pós-graduandos, enfim, acadêmicos. Em razão desse histórico, a Internet, em seu início, foi uma pesquisa desenvolvida como mis-são, mas que não teve a sua liberdade de pensamento sufocada ou limitada; surgiu como uma rede livre.

Outro aspecto relevante do surgimento da Internet foi a sua abertura e descentralização, que propiciaram a todos os usuários o aperfeiçoamento desta nova tecnologia, a modelagem da rede pelo uso, levando a um padrão mundial de comunicação e interação que pode ser considerado uma expres-são cultural.

2 o PrinCíPio dA neUTrAlidAde de rede e As exCeções, Por esTe, ComPorTAdAs

Assim, como já delineado, a Internet nasceu como uma rede livre de qualquer tipo de interferências, inclusive, em seu tráfego, demonstrando uma natureza aberta e não discriminatória. E, em razão do protocolo de co-municação adotado como padrão (TCP/IP), a Internet estruturou-se sob o princípio “end-to-end”.

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De acordo com esse princípio, o tráfego dos pacotes de dados realizado de ponto a ponto, de uma porta a outra deve ser livre e igualitário, indepen-dente do conteúdo ou forma dos pacotes transportados. Dessa forma, o con-trole do tráfego deve ficar nas portas, isto é, com os usuários, sendo certo que qualquer intervenção na transmissão dos pacotes implicaria ofensa a própria lógica em que a Internet fora estruturada1.

Baseado neste princípio “end-to-end”, o Professor Tim Wu, da Columbia Law School, em 2003, por meio do artigo “Neutralidade da rede, discrimina-ção na banda larga”, consagrou e divulgou o termo “neutralidade de rede”. Segundo Tim Wu, a ideia do conceito de neutralidade, que adiante veio a ser considerado um princípio, é a de:

[...] uma rede pública de informações que se pretende o mais útil possível aspira a tratar igualmente todos os conteúdos, sites e plataformas. Isto per-mite que a rede transporte todo tipo de informação e suporte todo tipo de aplicativo. O princípio sugere que as redes de informação são mais valiosas quando elas são menos especializadas – quando elas são uma plataforma para múltiplos usos, presentes ou futuros.2

Sendo assim, pode-se entender a neutralidade de rede como um prin-cípio de arquitetura da Internet, de acordo com o qual não deve ser dado tra-tamento discriminatório tanto à informação que trafega de uma ponta a outra na rede, quanto aos usuários que enviam e recebem tais conteúdos.

Deste modo, o provedor de acesso ou conexão (operadoras de teleco-municações como a OI, Net, Vivo, GVT, entre outras) não pode bloquear de-terminado conteúdo a um usuário, ou mesmo limitar a velocidade do tráfego para determinados provedores de conteúdos (ex.: redes sociais, sites de notí-cias etc.) aquém dos limites de banda contratados.

É importante consignar que esse conceito de “neutralidade” não é um conceito novo que surgiu com a Internet; pelo contrário, é um conceito já antigo e que acompanha a evolução dos meios de comunicação, como, por exemplo, a dos correios e do telefone, meios que contam com proteção cons-titucional de sigilo, sendo inconstitucional a intercepção destes, ressalvadas as exceções constantes no ordenamento jurídico.

1 Marco regulatório civil da Internet no Brasil. Disponível em: <http://ccsl.ime.usp.br/files/ANEXO_9.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2014.

2 WU, Tim. Network neutrality, broadband discrimination. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=388863>. Acesso em: 28 jul. 2014.

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O princípio da neutralidade, assim, ao determinar que usuários e con-teúdos não possam ser discriminados na rede, empodera o usuário dando a este o controle e a livre escolha (sem qualquer imposição) de qual conteúdo acessar, bastando, para tanto, que contrate a quantidade de banda necessária e suficiente aos seus anseios, o que é bom tanto para o mercado quanto para o consumidor. Nesse sentido, já declarou Tim Wu em entrevista concedida à pesquisadora do CTS da FGV-RJ Joana Varon, a saber:

“É perfeitamente legítimo que o provedor de Internet ofereça uma conexão mais rápida ou mais banda por um preço mais alto, da mesma forma como, ao usarmos mais eletricidade, pagamos mais”, disse o professor da Univer-sidade de Columbia. “Isso é normal e não diz respeito à neutralidade de rede. Mas o que eles querem fazer é ter o poder de bloquear certas coisas e forçar você a consumir outras, cobrando preços diferentes para o tipo de conteúdo que se acessa. Isso será ruim para todos, mais caro e pior”.

Pela relevância de tal princípio, o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) o reconheceu como um dos princípios essenciais à governança e uso da Internet por meio da Resolução nº 2009/003, a saber:

CGI.br/RES/2009/003/P-Princípios para a governança e uso da Internet no Brasil

Considerando a necessidade de embasar e orientar suas ações e decisões, segundo princípios fundamentais, o CGI.br resolve aprovar os seguintes Princípios para a Internet no Brasil:

6. Neutralidade da rede

Filtragem ou privilégios de tráfego devem respeitar apenas critérios técni-cos e éticos, não sendo admissíveis motivos políticos, comerciais, religio-sos, culturais, ou qualquer outra forma de discriminação ou favorecimento.

Em análise projeto do Marco Civil da Internet, quando este tramitava no Congresso Nacional, o CGI.br3 enumerou diversas razões que fazem da neutralidade de rede um princípio norteador da Internet, que merece ser pre-servado, pontos com os quais concordamos e passamos a tecer:

3 O CGI.br e o marco civil da Internet: defesa da privacidade de todos que utilizam a Internet; neutralidade de rede; inimputabilidade de rede.

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• a neutralidade garante que a Internet seja uma plataforma livre e sem restrições para a inovação, permitindo que seus usuários criem novas aplicações e participem desta expressão cultural;

• a neutralidade proporciona um ambiente horizontal de interação social, acessível a todos;

• a neutralidade permitir ao mercado se desenvolver com barreiras reduzidas, de forma mais livre, criando novas oportunidades de empregos e possibilitando às pequenas e médias empresas que compitam com as demais tanto em âmbito nacional, como interna-cional;

• a neutralidade, ainda, impulsiona a economia da informação ao permitir que pequenas empresas, com poucos recursos, tenham acesso e utilizem a variedade de serviços disponíveis na Internet a preços baixos.

Considerando tais razões que levaram o Comitê Gestor a eleger a neu-tralidade como um princípio de governança e uso da Internet, verifica-se que, igualmente, seria contrário a tal princípio a prática vislumbrada por alguns provedores de acesso ou conexão de cobrarem dos usuários preços diferen-ciados pelo acesso a determinados provedores de conteúdo ou serviços, vez que esta prática traria restrições à Internet, ao mercado e às inovações pro-porcionadas pelo ambiente digital.

Em consonância com esse entendimento e visando a proteger também o princípio da neutralidade, a Organização das Nações Unidas (ONU) reco-nheceu o uso da Internet e da web como um direito humano, considerando os amplos benefícios que o uso livre e aberto da rede produz.

Tal fato se deu em 29 de junho de 2012, ocasião em que o Conselho dos Direitos Humanos da ONU, pela Resolução A/HRC/20/L.13, convocou todos os Estados, inclusive o Brasil, a “promover e facilitar o acesso à In-ternet e a cooperação internacional visando ao desenvolvimento dos meios de comunicação e de informação e instalações de comunicações em todos os países”. E, ao final, declarou que a “promoção, proteção e gozo dos direitos humanos, incluindo o direito à liberdade de expressão, na Internet e em ou-tras tecnologias, já que a Internet pode ser uma ferramenta importante para o desenvolvimento e para o exercício dos direitos humanos, de acordo com o seu programa de trabalho”.

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Apesar da importância mundialmente atribuída à neutralidade, fato é que ou por razões técnicas ou jurídicas a respeito do tráfego de informações (ex.: conteúdo ilegal), algumas discriminações vêm ocorrendo na rede, o que levou, inclusive, o Professor Christian Sandvig a declarar que atualmente a neutralidade não pode ser vista como uma característica da Internet, a saber:

A Internet não é neutra agora. A maior parte do debate sobre a Internet se concentra em torno de alguns tipos de discriminação de conteúdo, embora haja muitas variedades mais em jogo. O enfoque do debate sobre a neutra-lidade da rede pode ter sido sobre os aspectos legais, sim, mas o problema da discriminação de conteúdo costuma ser de caráter tecnológico. Já exis-tem muitas formas de discriminação sendo praticadas – normalmente em segredo – e não está claro, de forma alguma, que todas elas sejam uma má ideia.4

Assim, Sandvig defende que, diferentemente da manipulação jurídica do tráfego, a manipulação tecnológica deste não é algo hipotético, mas uma situação que vivenciamos, muitas vezes, por escolhas próprias, como quan-do bloqueamos e-mails spam, e outras sem sequer termos conhecimento, de forma silenciosa e, não raras as vezes, ilegais, como quando um provedor de conteúdo se utiliza de forma indevida de uma ferramenta ou software para realizar inspeção dos pacotes recebidos pelos usuários.

Dentre as formas de manipulação tecnológica que podem infringir ou configurar exceções à neutralidade, as mais comuns e conhecidas são: (i) blo-queio de endereço; (ii) bloqueio de porta ou protocolo; (iii) filtragem de con-teúdo; (iv) priorização e condicionamento.

O bloqueio de endereço consiste na não entrega de pacotes (de dados, vídeo ou áudio) a determinados endereços. Esse bloqueio, no entanto, é fa-lho, pois o endereço de destino pode ser alterado ou pode-se disfarçar o des-tino da transmissão; além disso, este tipo de bloqueio exige que seja mantida uma lista dos endereços bloqueados.

O bloqueio de porta ou protocolo impede que o pacote entre na porta de destino em razão de algumas características detectadas neste. Tanto essa ferramenta quanto a anterior possuem aplicação no combate aos e-mails spam.

4 SANDVIG, Christian. Neutralidade de rede e a nova via pública. Disponível em: <www.politics.org.br/edicao_02/.../poliTICS_n2_ChristianSandvig.pdf>. Acesso em: 29 jul. 2014.

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A filtragem de conteúdo, por sua vez, está entre aquelas práticas que os usuários, na maioria das vezes, não possuem conhecimento, e consiste no fato de o provedor de conexão, ao invés de se limitar a verificar o endereçamento do pacote a ser entregue, acaba por abri-lo e por inspecionar o seu conteúdo.

No Brasil, recentemente a operadora TNL PCS S/A (Oi) foi condenada pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) da Secreta-ria Nacional do Consumidor (Senacon/MJ) em R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais) por ter monitorado o tráfego de pacotes de seus usuá-rios através de um software comercializado pela empresa inglesa Phorm. O in-tuito da operadora era o de verificar os perfis dos usuários e, posteriormente, vendê-los a agências de publicidade e portais web5.

Cumpre ainda mencionar a ferramenta de priorização e condiciona-mento. Neste caso, utiliza-se de dados como os números das portas, os en-dereços, entre outros, para distinguir os tipos de tráfegos e propiciar a estes tratamentos distintos.

Ademais, vale ressaltar que, muitas vezes, estas ferramentas que, em tese, prejudicariam a neutralidade de rede podem ser utilizadas para preser-vá-las, como adverte Demi Getschko, Diretor-Presidente do Núcleo de Infor-mação e Coordenação do Ponto BR, ao comentar as exceções à neutralidade:

E exceções? Apenas para citar uma, há práticas mal intencionadas na rede, que visam a minar a própria neutralidade dela e que, portanto, devem ser tratadas como exceção, para a própria preservação da neutralidade ampla. Parece uma contradição, mas isso ocorre quando se detecta um ataque do tipo “negação de serviço”, quando alguém quer impedir que um site ou um serviço seja acessível aos demais usuários, usando para isso de meios automáticos que geram uma sobrecarga artificial.

A forma de amenizar esse tipo de ataque passa por filtrar endereços da origem do ataque. Ou seja, pode haver necessidade específica de interferir no processo “fim-a-fim” da Internet, exatamente para preservá-lo neutro.6

Sendo assim, diante da análise dessas ferramentas, observa-se que al-gumas são utilizadas em detrimento ao usuário de rede e mesmo sem o seu

5 Disponível em: <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=43&data=23/07/2014>. Acesso em: 23 jul. 2014.

6 Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/demi-getschko/a-internet-nasceu-neutra-e-deve-permanecer-assim>. Acesso em: 29 jul. 2014.

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conhecimento, o que afronta não só a neutralidade, mas também a transpa-rência da navegação. Entretanto, outras, como as ferramentas antispam e as utilizadas em prol da preservação da neutralidade, consistem em exceção, apenas, aparente ao princípio da neutralidade, vez que não afetam de forma negativa a experiência do usuário; pelo contrário, buscam resguardá-la.

3 neUTrAlidAde e Como esTA inFlUi no merCAdo e nA relAçÃo de ConsUmo

Desta forma, ressalvadas as exceções, considerando a Internet como uma rede predominantemente livre, observamos que, ao longo de seus pou-cos anos de desenvolvimento, ela propiciou a criação de um novo espaço, o cyberespaço, e, diante desse novo espaço, as pessoas, as relações e o mercado alteraram, em pouco tempo, a forma de se organizarem.

Tanto o mercado quanto as relações, inclusive as de consumo, torna-ram-se mais dinâmicos, em virtude da tecnologia digital, que comporta uma capacidade extrema de troca de informações em uma velocidade muita avan-çada. Assim, surgiram diversas inovações próprias da Internet como os sites de buscas, as redes sociais, os sites de vídeos online, entre outras.

Essa dinamização do mercado e das relações de consumo, igualmente, ocorreu pela alta competitividade propiciada pelo cyberespaço. Isso, pois, trata-se de um espaço que apresenta custos iniciais mínimos para a abertura de um negócio, como já observou Tim Wu, ao dizê-lo que, para tanto, basta uma ideia e um bom site7; além disso, a Internet, por se tratar de um ambiente aberto e neutro, proporciona a competição por méritos e destaques reais.

A competitividade, no cyberespaço, ainda é acirrada pela constante inovação; em pouco tempo, são criados novos aplicativos, novos tipos de ser-viços e facilidades ao usuário e consumidor, o que demonstra que o mercado que se utiliza deste espaço encontra-se em um constante processo de renasci-mento, em um constante processo de evolução, o que fortalece a economia e torna o mercado saudável ao consumidor.

Esta livre concorrência e livre iniciativa propiciada pela Internet reve-lam um mercado mais acessível ao consumidor e muito mais especializado e voltado aos anseios e interesses deste.

7 WU, Thimoty. Network neutrality: competition, innovation, and nondiscriminatory access. Available at SSRN: <http://ssrn.com/abstract=903118>. Acesso em: 28 jul. 2014.

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Vale destacar, entretanto, que tudo isto somente é possível por meio da neutralidade de rede, vez que esta sempre garantiu aos usuários a liberdade de criação, de invenção, a liberdade de escolha a respeito de qual conteú-do acessar ou qual aplicativo utilizar, bem como, devido ao seu propósito, a neutralidade sempre serviu a vetar que os provedores interferissem nestas escolhas.

Todavia, há muito, os provedores vêm se mostrando incomodados por terem diante de si um mercado altamente competitivo e não poderem manipulá-lo, sendo certo que possuem diversos incentivos para discriminar pacotes e aplicações. Alguns deles seriam8:

(i) aumento de lucro com a discriminação de pacotes;

(ii) discriminar o acesso a aplicativos que tenham a mesma função de um serviço prestado pelo provedor, de modo a inibir a concorrência. Ex.: blo-queio de serviço de voz IP por provedores que igualmente ofertem serviços de telefonia;

(iii) poder cobrar dos provedores de conteúdo para que os dados sejam veiculados com maior rapidez;

(iv) degradar o uso de aplicativos que utilizam muita banda com o aumen-to do tráfego.

Este último incentivo é justamente o motivo pelo qual os provedores posicionam-se abertamente de maneira contrária à neutralidade de rede. Ocorre que os provedores usualmente vendem aos consumidores o serviço de banda larga da seguinte forma: uma quantidade de banda por uma men-salidade fixa; assim, acabam comprando acesso conforme o fluxo de dados trafegados. Dessa maneira, se o fluxo aumenta e, para assegurá-lo, o prove-dor deveria adquirir mais acesso; no entanto, tal aquisição gera, a este, des-pesas que não são repostas, pois a mensalidade é fixa.

Assim, os provedores em geral colocam-se contrários à neutralidade, asseverando que a discriminação de pacotes e aplicativos iria permitir, a es-tes, investir em infraestrutura e tornar as aplicações mais rápidas, vez que alguns tipos de pacotes demandam mais banda para o seu transporte – pa-

8 Disponível em: <http://observatoriodainternet.br/wp-content/uploads/2012/06/Con- tri buicao-do-CTS-FGV-sobre-neutralidade-de-rede-no-Marco-Civil1.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2014.

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cotes como os de vídeo e áudio não podem ser quebrados, o que dificulta o transporte destes.

Por outro lado, não há qualquer garantia de que o aumento de receitas dos provedores com a discriminação de pacotes seria utilizado para investi-mentos em infraestrutura e de que a situação, neste campo, não permanecerá como está atualmente; ademais, como já tratado, este tipo de conduta viria em detrimento do consumidor devido à manipulação mercadológica que se instauraria e à limitação de suas escolhas. Além disso, a limitação das apli-cações implicaria, ainda, uma restrição lógica à inovação. Nesse sentido, Tim Wu nos alerta que:

Deixar a Internet ou qualquer outra infraestrutura se tornar discrimina-tória pode oferecer marginalmente mais lucros às operadoras. Mas isto se dará a custo de uma taxa sobre a competição e inovação da rede.9

4 Como A neUTrAlidAde Tem sido ACeiTA no mUndo e A oPçÃo FeiTA Pelo mArCo Civil

Os países ao redor do mundo estão ao poucos reconhecendo a neu-tralidade como um princípio da Internet que merece ser resguardado por permitir que este ambiente continue a se desenvolver de forma livre e como um ambiente de expressão cultural.

O país pioneiro a aprovar uma lei sobre a neutralidade de rede foi o Chile, que o fez no ano de 2010. Recentemente, a Colômbia, igualmente, in-seriu em seu Plano Nacional de Desenvolvimento uma norma que veda prá-ticas de discriminações.

Os Estados Unidos, país em que a Internet fora arquitetada de forma livre e neutra, tem discutindo, desde 2010, a elaboração de normas a regula-mentar a neutralidade de rede, principalmente com a atuação do órgão regu-lador da área de telecomunicações e radiodifusão, a Federal Communication Commission (FCC).

Em novembro de 2011, após intenso debate, o FCC publicou algumas regras básicas sobre a neutralidade de rede, que consistiam em:

9 WU, Thimoty. Network neutrality: competition, innovation, and nondiscriminatory access. Available at SSRN: <http://ssrn.com/abstract=903118>. Acesso em: 28 jul. 2014.

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(i) Transparência. Provedores de serviços de banda larga fixa e móvel devem divul-gar suas práticas de gerenciamento de rede, características de desempenho e os termos e condições de seus serviços de banda larga;

(ii) Proibição de bloqueio. Provedores de serviço de banda larga fixa não podem bloquear conteúdo, aplicativos e serviços lícitos, nem mesmo aparelhos que não prejudiquem o funcionamento da rede; provedores de serviços de banda larga móvel não podem bloquear websites lícitos, nem mesmo bloquear aplicativos que compitam com seus serviços de voz ou vídeochamada; e

(iii) Proibição de discriminação de conteúdo de forma não razoável. Provedores de serviço de banda larga não podem discriminar de maneira não razoável o tráfego lícito de rede.

Essas regras básicas, por sua vez, pouco resguardavam a neutralidade, visto que se utilizavam de termos vagos, como “razoável”, que poderia ser interpretado de forma a tornar a regra ineficaz, tendo em vista que esta per-mitia “a discriminação razoável” de conteúdos sem delimitar e especificar quais as práticas poderiam ser assim entendidas.

Apesar de pouco resguardarem a neutralidade, tais regras representa-vam, de certa forma, uma garantia em favor da neutralidade; todavia, no pri-meiro semestre de 2014, o Tribunal Federal de Apelação dos Estados Unidos analisou um caso concreto trazido pela operadora “Verizon”, em que esta defendia a possibilidade de estruturar o seu modelo de negócio priorizando determinados conteúdos e encarecendo a oferta de pacotes que demanda-riam uma rede mais interativa; ao julgá-lo, deu provimento ao pleito da ope-radora, afastando a norma da FCC10.

O argumento utilizado pelo Tribunal para tanto foi o de que, muito embora fosse a FCC autoridade competente a regular os serviços de Internet, esta teria excedido a sua competência ao impor aos provedores de acesso ou conexão normas antidiscriminatórias e em prol da neutralidade de rede.

Tendo em vista tal decisão, a FCC propôs nova regulamentação à neu-tralidade de rede em maio de 2014 e submeteu-a à consulta pública em seu site no mês de julho, tendo tal regulamentação, apesar de muito criticada pe-

10 Disponível em: <http://www.cadc.uscourts.gov/internet/opinions.nsf/3AF8B4D938CDEEA685257C6000532062/$file/11-1355-1474943.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2015.

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los provedores americanos de conteúdo11, aprovada em 26 de fevereiro de 2015.

De outro lado, na União Europeia, no primeiro semestre de 2014, foi aprovado pelo Parlamento Europeu um pacote legislativo ao mercado de telecomunicações conhecido como “Continente Conectado”, que garante a neutralidade de rede em todos os Países-membros. O projeto foi proposto por Neelie Kroes, comissária responsável pela Agenda Digital. A proposta, contudo, ainda precisará passar pela aprovação do Conselho Europeu.

Algumas operadoras de telefonia, como já era de se esperar, protesta-ram em face da aprovação do pacote. E sobre esta crítica à neutralidade de rede, a comissária Neelie Kroes, ao ser questionada, argumentou que:

A proposta da Comissão sobre a neutralidade da Internet visa a garantir que todos os utilizadores europeus tenham liberdade de escolha e não es-tejam sujeitos à interferência dos seus fornecedores de acesso à Internet, permitindo ao mesmo tempo o surgimento de novos serviços inovadores com requisitos de qualidade mais exigentes.12

No Brasil, por sua vez, após alguns anos de tramitação no Congresso Nacional, em 23 de abril de 2014 fora promulgada a Lei do Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014, o qual trata da preservação da neutralidade de rede no País. Vejamos.

A lei, em seu art. 3º13, elege a neutralidade como um dos princípios do uso da Internet no Brasil, consolidando entendimento já exarado pelo Comitê Gestor da Internet (CGI) em sua Resolução nº 2009/2003, outrora já ressal- tada.

Já em seu art. 9º, caput, a lei estabelece uma vedação geral ao tratamen-to discriminatório de dados na Internet, bem como a degradação do tráfe-go por provedores de conexão, sendo certo que tal vedação engloba tanto o bloqueio a determinadas aplicações ou conteúdos, como a priorização, pelos provedores de conexão, de algumas aplicações em detrimento de outras. Se-gue texto do art. 9º que revela tal entendimento:

11 Disponível em: <http://www.fcc.gov/openinternet#history>. Acesso em: 31 jul. 2014.12 Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/RegData/questions/reponses_

qe/2014/007411/P8_RE(2014)007411_PT.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2015.13 “Art. 3º A disciplina do uso da Internet no Brasil tem os seguintes princípios: [...]

IV – preservação e garantia da neutralidade de rede; [...]”

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Art. 9º O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar, de forma isonômica, quaisquer pacotes de dados, sem dis-tinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.

§ 1º A discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada nos termos das atribuições privativas do Presidente da República previstas no inciso IV do art. 84 da Constituição Federal, para a fiel execução desta lei, ouvidos o Comitê Gestor da Internet e a Agência Nacional de Telecomuni-cações, e somente poderá decorrer de:

I – requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e

II – priorização de serviços de emergência.

§ 2º Na hipótese de discriminação ou degradação do tráfego prevista no § 1º, o responsável mencionado no caput deve:

I – abster-se de causar dano aos usuários, na forma do art. 927 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil;

II – agir com proporcionalidade, transparência e isonomia;

III – informar previamente de modo transparente, claro e suficientemente descritivo aos seus usuários sobre as práticas de gerenciamento e mitigação de tráfego adotadas, inclusive as relacionadas à segurança da rede; e

IV – oferecer serviços em condições comerciais não discriminatórias e abs-ter-se de praticar condutas anticoncorrenciais.

§ 3º Na provisão de conexão à Internet, onerosa ou gratuita, bem como na transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados, respeitado o disposto neste artigo.

Há de se ressaltar, ainda, a questão trazida pelo 3º do referido artigo, que veda expressamente a inspeção de pacotes por meio dos provedores de conexão, prática que, como demonstrado, rendeu à Empresa TNL (Oi) uma multa de R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil), recentemente.

No entanto, apesar de o caput do artigo e do 3º consistirem em um avanço à proteção da neutralidade de rede, o seu § 1º vem a conter tal avan-ço, vez que traz a possibilidade de discriminação e degradação do tráfego de dados e, pior, atrela isto a regulamentação por meio de decreto do Pre-sidente.

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Muito embora seja necessário reconhecer que o princípio da neutra-lidade de rede não pode ser considerado como um princípio absoluto, vez que, como já demonstrado, muitas vezes é necessário infringir a neutralida-de a fim de preservá-la (ex.: a mencionada filtragem de endereços para con-ter um ataque de “negação do serviço”), bem como é necessário deixar um espaço para a administração do tráfego e outras exceções que não trazem conse quências gravosas aos usuários, como, por exemplo, a possibilidade de se impedir o envio/recebimento de e-mail spam, fato é que deixar tal regula-mentação para um decreto poderá gerar discussões acerca de como a norma poderá ser interpretada no lapso de tempo que se transcorrer até a regula-mentação, tornando-a inócua.

Esse entendimento acerca da necessidade de regulamentação já havia, inclusive, sido sinalizado ao Deputado Alessandro Molon, Relator da Comis-são Especial do Marco Civil da Internet, quando este ainda se encontrava em trâmite no Congresso Nacional, pelo Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV por meio de manifestação sobre a neutralidade àquele dirigida, a saber:

[...] Ao remeter à regulamentação posterior, isso acaba por tornar o arti-go completamente ineficaz enquanto a regulamentação não é realizada, tornando o esforço de aprovação de um Marco Civil da Internet inócuo. Adicionalmente, ao delegar tarefa de tamanha importância a outro órgão, criar-se-á um pressão de influência mais difícil de ser contida do que no processo aberto e transparente que está realizado no Congresso Nacional.14

Outra falha da lei que poderá dificultar ou tornar ineficaz a sua aplica-ção no que tange à neutralidade é a ausência de previsão de aplicação de san-ção pelo Poder Público em caso de sua inobservância, o que deveria ter sido mais bem delineado, apesar de ser possível em casos de ofensa à neutralida-de pelo provedor de conexão a aplicação do Código de Defesa do Consumi-dor, em virtude da relação de consumo mantida entre o usuário e o provedor.

Desta forma, entendemos que o Marco Civil, em questão de neutrali-dade de rede, significou um avanço da legislação brasileira em prol da pre-servação de princípio tão caro de uso e governança na Internet; no entanto, ainda carece de limitações que o impedem de resguardar tal princípio e os próprios usuários de rede de forma ampla e integral.

14 Disponível em: <http://observatoriodainternet.br/wp-content/uploads/2012/06/Contri - bui cao-do-CTS-FGV-sobre-neutralidade-de-rede-no-Marco-Civil1.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2014.

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DISPONÍVEL em: <http://observatoriodainternet.br/wp-content/uploads/2012/06/Contribuicao-do-CTS-FGV-sobre-neutralidade-de-rede-no-Marco-Civil1.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2014.

DISPONÍVEL em: <http://www.fcc.gov/openinternet#history, acessado em 31 de julho de 2014>.

DISPONÍVEL em: <http://www.europarl.europa.eu/RegData/questions/reponses_qe/2014/007411/P8_RE(2014)007411_PT.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2015.

DISPONÍVEL em: <http://www.cadc.uscourts.gov/internet/opinions.nsf/3AF8B4D938CDEEA685257C6000532062/$file/11-1355-1474943.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2015.

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Penal

dos Crimes ConTrA A ordem TriBUTáriA nAs oPerAções Com PreCATórios

leonarDo roMero De liMa

Advogado – OAB/RS 49.172, MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico pela

Verbo Jurídico. Autor do livro A tributação sobre precatórios (2014).

SUMÁRIO: Introdução; 1 Dos efeitos penais da utiliza-ção de precatórios para a extinção do crédito tributário; 1.1 Dos efeitos quanto ao crime previsto no artigo 1º, II, da Lei nº 8.137/1990; 1.2 Dos efeitos quanto ao crime previsto no arti-go 2º, II, da Lei nº 8.137/1990; 1.3 Dos efeitos penais da senten-ça civil autorizadora da compensação tributária (ausência de tipicidade ou extinção da punibilidade); 1.4 Dos efeitos proces-suais da utilização de precatórios (necessidade de suspensão do processo penal); 1.4.1 Dos efeitos processuais da utilização de precatórios (necessidade de suspensão do processo penal em virtude do princípio da “Intervenção Mínima”); 2 Das ex-cludentes nas operações tributárias com precatórios; 2.1 Do erro de tipo (norma penal em branco); 2.2 Do erro de proibição; 2.3 Da inexigibilidade de conduta diversa; Conclusão.

inTrodUçÃo

A utilização de precatórios para quitação de tributos vem se mos-trando comum entre contribuintes de todo o País, especialmente das pessoas jurídicas, adquirentes desses créditos. Contudo, ao mesmo tem-

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po em que se mostra economicamente vantajoso esse mecanismo de redução da carga fiscal, há receio desses contribuintes na utilização de tais créditos. E isso porque há dúvida sobre a configuração ou não de crime contra a ordem tributária em determinadas operações da espécie.

A relevância deste problema, portanto, está justamente na legitimida-de dessas operações no âmbito penal, situação que depende da forma e da eficácia da utilização desses no plano civil, bem como – e principalmente – da intenção do agente quando lança mão deste mecanismo.

Essas dúvidas passaram a surgir em virtude de questionamentos de alguns órgãos fazendários e do Ministério Público, os quais, ao analisarem ações de empresas que buscam compensar seus créditos de precatórios com tributos, entenderam ter ocorrido determinadas espécies de crimes contra a ordem tributária.

De acordo com essa corrente, por exemplo, o ato de oferecer preca-tórios para extinção do ICMS – pela via da compensação – caracterizaria o delito tipificado no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990, que diz ser crime “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descon-tado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”. Além disso, as operações com precatórios, se não compreendidas, também podem ser enquadradas em outros tipos pe-nais; situação que, a exemplo dos supracitados posicionamentos do Fisco e do Ministério Público, podem desencadear condenações injustas.

Diante disso, o objeto deste trabalho é estudar as características de to-dos os elementos constantes das operações com precatórios, desde a natureza desses créditos até os aspectos dos tipos penais tributários aos quais eles po-dem estar vinculados. Isso para averiguar se a tentativa de utilizar precató-rios para pagar tributos devidos seria ato criminoso, dotado de dolo para a redução ou supressão tributária.

1 dos eFeiTos PenAis dA UTiliZAçÃo de PreCATórios PArA A exTinçÃo do CrÉdiTo TriBUTário

Diante do atual quadro de inadimplência sistemática dos precatórios pelo Poder Público, os credores não viram outra alternativa além da ven-da desses créditos. Os adquirentes, na maioria esmagadora das vezes, são pes soas jurídicas que objetivam, com isso, oferecer esses mesmos precatórios para a quitação de seus tributos; e fazem isso com fundamento no art. 78, § 2º,

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do ADCT, que deu aos precatórios inadimplidos força de moeda liberatória do pagamento de tributos, sendo que a operação prevista neste dispositivo – compensação – foi convalidada pelo art. 6º da EC 62/2009.

Portanto, a conclusão é de que a utilização de precatórios para paga-mento de tributos, embora polêmica, é forma legal de redução tributária, não sendo admissível considerar tal operação como tentativa de burlar o Fisco. Caso fosse uma forma de evasão, não haveria dispositivos constitucionais prevendo a sua possibilidade, tampouco jurisprudência aceitando operações da mesma espécie.

Assim, consolidada a ideia no sentido de que o precatório é forma cons-titucional (portanto, legítima) para a redução tributária, faz-se mister analisar os efeitos dessa operação no âmbito penal.

1.1 dos efeitos quanto ao crime previsto no artigo 1º, ii, da lei nº 8.137/1990

A utilização dos precatórios para compensação com tributos ocorre, na maioria das vezes, pela oferta mediante pedido administrativo. Ou seja, na data do vencimento do tributo, o contribuinte protocola petição na Secretaria da Fazenda respectiva (dirigida à autoridade responsável pela arrecadação fiscal), em que informa a existência de determinado valor de exação e, con-comitantemente, oferece seus precatórios em compensação, requerendo a ex-tinção do tributo.

No entanto, no caso do ICMS, há contribuintes que buscam a extin-ção do crédito fiscal de outra forma, qual seja: pela utilização dos precató-rios diretamente na GIA, no campo “outros créditos” (no Estado de SP, por exemplo, a modalidade “outros créditos” está na aba “Apuração do ICMS”, quadro 0071).

Há, porém, diferenças nos efeitos desses dois pleitos. Enquanto no pri-meiro os créditos são ofertados após a apuração do ICMS – que se dá sub-traindo-se os débitos dos créditos do período – de modo que os precatórios são ofertados para quitar o saldo devedor; no segundo, tais títulos são utiliza-dos na própria apuração do ICMS, na citada coluna “outros créditos”, quan-do o contribuinte o considera um crédito comum para fins de compensação

1 Disponível no site da Fazenda Estadual de São Paulo: <http://www.fazenda.sp.gov.br/download/download_gia.shtm>.

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escritural, a qual ocorre para evitar a cumulatividade do imposto (segundo a regra do art. 155, § 2º, I, da Constituição Federal2).

Para este último caso, a incidência do ato no art. 1º, II, da Lei nº 8.137/1990 seria hipotética, ou seja, dependeria da compreensão dos ele-mentos do tipo penal no caso concreto. Para melhor entendimento, importan-te a transcrição do mencionado artigo:

Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tri-buto, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

[...]

II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omi-tindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

[...]

É que a GIA – documento fiscal – somente deve considerar valores pu-ramente de natureza tributária, obrigatoriamente específicos do ICMS, por-quanto seu objetivo é justamente verificar o quanto de ICMS é devido no período. E o precatório é um objeto estranho à operação “débito x crédito” realizada, pois não representa valor de ICMS, mas rubrica diversa.

Resumindo: somente é possível saber quanto de ICMS será devido se a apuração considerar, no período, quanto há de crédito de ICMS e quanto há de débito deste mesmo imposto, não podendo haver subtração de precató-rios, que são de natureza diversa. É o mesmo que, na tentativa de verificar o número de laranjas boas do total da safra, o agricultor subtrair maçãs podres. Ora, para saber o número de laranjas boas, ele terá de extrair, do total de

2 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II – ope-rações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

[...] § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo,

compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

[...]”

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laranjas (soma das boas e podres), somente as “laranjas” podres, não outra espécie de fruta.

Assim, se considerada essa hipótese, ao utilizar-se de precatórios na GIA mensal para apurar – e consequentemente diminuir – o ICMS devido, o contribuinte enquadrar-se-ia no tipo penal do art. 1º, II, da Lei nº 8.137/1990, que considera crime a redução ou supressão tributária mediante o ato de “fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitin-do operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal”.

No caso, então, teoricamente os “elementos inexatos” seriam os preca-tórios, que não têm natureza de ICMS e por isso seriam imprestáveis para o cálculo do quanto é devido do próprio ICMS no período apurado.

No entanto, em hipótese diversa – à qual me filio – se observarmos o conceito de “elementos inexatos”, veremos que o mesmo afasta essa ideia, deixando evidente que a operação com precatórios, mesmo se utilizada em GIA – na apuração do imposto – não se enquadra do mencionado elemen-to do tipo. Para melhor compreensão, segue a explicação a respeito daquele conceito dada por Andreas Eisele3:

Inserir elementos é a conduta comissiva de colocar, incluir, anotar, des-crever, redigir, consignar informações acerca de fatos, em documentos ou livro, que indiquem sua ocorrência (ou não) ou suas características (como circunstâncias de tempo, modo, local, sujeito e conteúdo, abrangendo quantidade, natureza, valor etc.).

A inexatidão significa a contradição entre o fato real e o consignado, carac-terizando a essência da simulação.

[...]

Portanto, a inexatidão é a não correspondência entre as características reais do fato e as declaradas ao Fisco pelo sujeito, de forma consciente, e com a intenção de obter a supressão ou redução tributária.

Observando-se o conceito de Andreas Eisele, vê-se que “elemento ine-xato” não é simplesmente elemento “imprestável”, mas sim algo que não cor-responde à realidade; é a situação levada ao Fisco que não equivale à verda-de. No caso ora estudado, porém, isso não ocorre, pois ao inserir precatórios

3 EISELE, Andreas. Crimes contra a ordem tributária. 2. ed. Dialética, 2002. p. 152/153.

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na coluna “Outros Créditos”, o contribuinte afirma claramente que a rubrica utilizada é, de fato, precatório, ou seja, ele leva à tributação as característi-cas reais do fato, havendo correspondência entre sua declaração e a situação real. Não há simulação alguma, como reclama o doutrinador anteriormente mencionado.

A inexatidão prevista na lei penal está relacionada à questão matemá-tica, ou seja, a uma expressão que não condiz com o numerário declarado, o qual precisa ser exato, correto, preciso, de modo a se atingir uma tributação rigorosa e justa. É o ato de inserir, por exemplo, R$ 30,00 na nota fiscal quan-do a operação de circulação de mercadoria foi de R$ 50,00; ou anotar na GIA um crédito de R$ 40,00, quando o real montante é de R$ 20,00, situação que traz creditamento a maior e longe da realidade.

O ilustre doutrinador Luiz Regis Prado traz entendimento interessante a respeito da “inexatidão” prevista no dispositivo ora comentado4:

Inserir elementos inexatos é uma conduta de natureza comissiva e equivale a introduzir, incluir, colocar informações sobre fatos, em documento ou li-vro, que não correspondem à realidade (v.g., a denominada “nota vazada”, que consiste no fato de que ocorre a venda e recebimento do valor total da mercadoria, mas, quando da emissão da nota, consta somente declara-ção de uma parte dos valores. Essa modalidade é também denominada de “meia nota”, porém, na realidade, nem sempre os valores são meio a meio, pois a percentagem declarada varia tanto para cima como para baixo dos 50%). Ocorre aqui uma dissonância entre a realidade fática (ou jurídica), atinente ao contribuinte, ou seja, a inexatidão decorre da não-correspon-dência do lançado nos livros ou documentos e a realidade dos fatos, o que caracteriza falsidade ideológica. Caso a inexatidão seja decorrente de erro ou equívoco sem intenção de fraudar o Fisco, será penalmente irrelevante.

Cezar Roberto Bitencourt e Luciana de Oliveira Monteiro apresentam conceituação semelhante, afirmando que “elementos inexatos” são aqueles “incorretos, incompletos ou não verdadeiros5”.

No caso em estudo, todavia, isso não acontece, pois a inserção de pre-catórios na coluna específica “Outros Créditos”, embora não seja adequada

4 PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 416. 5 BITENCOURT, Cezar Roberto. Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Saraiva, 2013.

p. 129.

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– pois não representa ICMS, como visto anteriormente –, é rubrica correta e precisa, representando exatamente o que ela é.

E mesmo que se entenda a inexatidão não só como a alteração da reali-dade fática, mas também da jurídica – quanto ao significado jurídico do fato –, isso não pode ser considerado para fins de enquadramento do agente no tipo penal do mesmo inciso II. Isso porque a inexatidão, nesse último caso, adveio de uma alteração do significado jurídico do fato, isto é, foi oriundo de uma interpretação do contribuinte a respeito da legislação tributária, o que ocasionou a redução fiscal. Essa situação, contudo, não tem viés fraudulento, eis que não houve simulação.

Nesse sentido é a doutrina de Alecio Adão Lovatto6:

Assevera-se que a inexatidão pode ser quanto ao fato e quanto ao signi-ficado jurídico deste. No caso do inciso em comento, deve-se entender a expressão elementos inexatos de modo restrito, de modo a abranger apenas aquela relativa aos fatos e não ao significado jurídico, pois não é o con-tribuinte obrigado a adotar sempre a interpretação da qual resulte maior ônus tributário.

No caso da inserção dos precatórios na GIA como forma de abatê-lo do ICMS a ser pago em determinada competência, o ato do contribuinte ad-veio da interpretação no sentido de que o precatório é rubrica passível de ser utilizada para compensação (uma vez que é crédito de responsabilidade da própria Fazenda Pública credora do ICMS a ser pago, além de haver previsão constitucional permitindo o acerto de contas). Ou seja, esse ato não foi fruto de uma imprecisão, de uma contradição entre o fato real e o consignado – porquanto o precatório representa matematicamente o que ele é –, mas sim de uma compreensão de sua realidade no plano jurídico, no sentido que é crédito passível de utilização para apuração do ICMS.

É importante observar que os tribunais brasileiros entendem como “elemento inexato” não a simples utilização equivocada de rubrica, mas sim a tentativa de fraudar o Fisco pelo uso de item sabidamente contrário ao or-denamento jurídico. O Tribunal de Justiça do Estado do RS, por exemplo, concluiu pelo enquadramento de contribuinte no art. 1º, II, da lei porque o mesmo teria inserido valores de créditos fiscais a maior nos Livros de Registro

6 LOVATTO, Alecio Adão. Crimes tributários: aspectos criminais e processuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 88.

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de Entradas e de Apuração de ICMS. Com efeito, segue trecho do relatório desse acórdão7:

[...]

1. Os denunciados Lourenço Ferrari, Adefar Berton e Marino Marchetto, no período de março a julho de 1996, na sede da Cooperativa Vitivinícola Pompéia Ltda., localizada na Vila Pinto Bandeira, s/nº, Bento Gonçalves, RS, mediante acordo de vontades e decisão conjunta na administração da referida empresa, suprimiram e reduziram tributo estadual de ICMS, frau-dando a fiscalização tributária, ao inserirem elementos inexatos, consistentes em valores de créditos fiscais a maior, nos Livros de Registro de Entradas e de Apuração de ICMS.

2. Para tanto, os denunciados transportaram o saldo da coluna “imposto creditado”, folha 035 para a folha 036, ambas no Livro Registro de Entra-das nº 16, de forma a aumentar em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) o sal-do transportado, ou seja, na folha 035, o somatório final a ser transportado era R$ 1.278,52 (um mil, duzentos e setenta e oito reais e cinqüenta e dois centavos), mas na folha seguinte aparece o valor de R$ 21.278,52 (vinte e um mil, duzentos e setenta e oito reais e cinqüenta e dois centavos) como se este fosse o saldo/quantum transportado da folha anterior. (grifamos)

Pode-se observar que a conduta considerada como crime teve como “elemento inexato” os valores de créditos fiscais a maior; isto é, o contribuinte, ao apurar o seu ICMS, utilizou valores em montante superior à realidade, de modo a abatê-lo do total devido e, com isso, reduzir o tributo que seria pago.

No mesmo julgado, o relator também descreve outro ato do contri-buinte, este com viés de falsidade stricto sensu:

3. Outrossim, utilizando de um segundo procedimento ilícito, os acusados inseriram, no Livro de Entradas, os totais das colunas “imposto creditado” em valores a maior, ou seja, no local destinado aos valores totais do “imposto creditado”, no final das fls. 36, 37, 38, 39 e 40 do mencionado livro, escritura-ram montantes – falsos – diversos e superiores à soma correta dos valores reais cre-ditados (autuação e informação anexas, fls. 4, 5, 269 e 270, vol. 1). (grifamos)

7 Apelação Crime nº 70042069161, 4ª C.Crim., TJRS, 19.01.2012. Disponível em: www.tjrs.jus.br.

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É necessário atentar que o julgador descreve o ato delituoso quando afirma que os contribuintes “escrituraram montantes – falsos – diversos e su-periores à soma correta dos valores reais creditados”. Ou seja, o crime adveio não da escrituração de rubricas equivocadas, mas de rubricas cujos valores são diferentes da realidade, superiores à soma correta dos reais creditados.

E há outros julgados do mesmo tribunal em que a expressão “elemen-tos inexatos” está relacionada a atos de falsidade, de ardil, de diferenças de valores, em que o agente usa montante diverso da verdade dos fatos. Seguem alguns outros exemplos:

CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – ART. 1º, II, LEI Nº 8.137/1990 – COMPETÊNCIA – PROVA – DESCLASSIFICAÇÃO – DOSIMETRIA – Tratando-se de imputação de prática de sonegação fraudulenta de ICMS, tributo estadual, a competência, obviamente, é da Justiça Estadual. Irrele-vância dos eventuais reflexos que os fatos incriminados possam produzir em outros tributos, destinados à União. Réu com poder de gerenciamento na loja e com procuração da proprietária para atuar com amplos poderes. Comprovado que efetuava operações de saídas de mercadorias inserin-do elementos inexatos em notas ficais, ou seja, a prática conhecida como “nota calçada”, a condenação é de rigor. Pena-base aplicada de acordo com os vetores do art. 59 do CP. Acréscimo pela continuidade compatível com a quantidade de infrações perpetradas. Inaplicabilidade, porém, do art. 72 do Código. Quantitativo de dias-multa estabelecido mediante a aplicação de fração, guardada simetria com o aumento verificado na pena privativa de liberdade em face da continuidade delitiva, sobre o quantitativo dis-posto para cada uma das infrações. Apelo não provido. (Apelação Crime nº 70041834524, 4ª C.Crim., TJRS, Rel. Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em 25.08.2011)

CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – Comete o delito previsto no art. 1º, II, da Lei nº 8.137/1990, a agente que frauda a fiscalização tributária, efetuando operações de saídas de mercadorias, inserindo elementos inexatos nas notas fiscais, utilizando-se do expediente denominado “nota calçada”. Con-denação mantida. PENA DE MULTA – O disposto no art. 72 do CP não se aplica ao crime continuado. Orientação do STJ. Pena pecuniária reduzida. ATENUANTES – A existência de atenuantes, ainda que obrigatórias, não tem o condão de levar a pena para aquém do mínimo legal. Pena majora-da. CRIME CONTINUADO – O acréscimo decorrente da continuação deve manter uma proporção com o número de infrações, isto é: quanto mais crimes, maior o aumento. Apelo ministerial provido. (Apelação Crime

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nº 70039750864, 4ª C.Crim., TJRS, Rel. Constantino Lisbôa de Azevedo, Jul-gado em 29.06.2011)

Pela leitura desses precedentes, fica evidente que os atos tidos como delituosos não são originados de inserção de rubricas simplesmente contrá-rias à legislação fiscal, mas sim de elementos contrários à realidade, que não traduzem a verdadeira riqueza levada à tributação pelo contribuinte. São atos em que o agente insere dolosamente valores a menor ou a maior em seus documentos ou livros fiscais, objetivando diminuir valor do imposto a ser pago.

Ora, não se pode comparar essas atitudes com a utilização de precató-rios nos documentos (GIAs) ou livros fiscais, como forma de apurar o ICMS do período; isso porque esta considera rubrica legítima, prevista constitucio-nalmente. Com efeito, mesmo se não aceito pela Fazenda Pública, trata-se um elemento de acordo com a realidade, que traduz uma riqueza existente, fiel à verdade.

E mesmo se a análise do ato passar pelo elemento subjetivo do tipo penal – o dolo –, a eventual redução do tributo com a utilização do precató-rio será advinda de mecanismo constitucional, não de falsidade, de omissão de valores. Neste caso, como entendem Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio, o dolo consiste “na intenção consciente e livre de fraudar a fiscalização tributária, “utilizando-se o agente da inserção de dados falsos, ou da omissão de alguma operação tributária de relevo”8.

Assim, não há como enquadrar o contribuinte que utiliza precatórios na GIA – para fins de apuração do ICMS – no tipo penal do art. 1º, II, da Lei nº 8.137/1990, pois dois de seus elementos não foram preenchidos, quais se-jam: o relativo a “fraudar a fiscalização tributária” e o da expressão “inserin-do elementos inexatos”.

No entanto, em respeito a possíveis entendimentos contrários, com a hipótese de ser considerado preenchido o tipo penal anterior na situação ora estudada, é importante a análise da sua sujeição ativa.

Quanto à eventual sujeição ativa deste delito, em que pese a intenção do agente seja de quitar o tributo pela utilização do precatório, o fato é que ele sabe – ou deveria saber, porquanto é conhecimento básico para quem

8 MORAES, Alexandre de. Legislação penal especial. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 108.

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comumente realiza estas operações – que, para averiguar o quanto pagar de ICMS no mês, não se pode deduzir desse imposto rubricas que não sejam da mesma natureza. Neste caso, como essa espécie delitiva não configura crime próprio, o fato pode ser realizado por outra pessoa que não seja o sujeito pas-sivo da relação jurídica de cunho tributário9 (contador).

Por isso, o crime descrito pode ter como autor o contribuinte (sócio e/ou administrador da empresa) e como partícipe o seu contador, caso este tenha consciência do ilícito. No entanto, caso o sujeito que efetivamente in-sira o precatório na GIA não possua a consciência da finalidade do ato pra-ticado, o sujeito ativo – que possui o domínio do fato – estará realizando a conduta na forma mediata10.

1.2 dos efeitos quanto ao crime previsto no artigo 2º, ii, da lei nº 8.137/1990

Como afirmado no item anterior, a utilização dos precatórios para compensação com tributos pode ocorrer tanto pela oferta desses créditos mediante petição protocolada na Secretaria da Fazenda respectiva como pela utilização dos precatórios para apuração do tributo – no caso do ICMS – quando a compensação ocorre com a inserção dos precatórios na coluna “Outros Créditos” (na GIA).

O segundo caso foi estudado no item anterior, em que a conclusão foi pela inexistência de crime contra a ordem tributária.

A questão a ser analisada neste item, porém, trata da primeira forma de compensação, que é a mais utilizada pelas empresas. É aquela em que, na data do vencimento do tributo, o contribuinte protocola petição na Secretaria da Fazenda respectiva (dirigida à autoridade responsável pela arrecadação fiscal) informando a existência de determinado valor de exação e, concomi-tantemente, oferece seus precatórios em compensação, requerendo a extinção do tributo.

Em que pese a compensação com precatórios estar prevista na Consti-tuição Federal (art. 78, § 2º, do ADCT e art. 6º da EC 62/2009), ter aceitação jurisprudencial (RE 550.400/RS e RMS 26.500/GO), e, em alguns Estados, es-tar prevista expressamente em lei (Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso

9 EISELE, Andreas. Op. cit., p. 140.10 EISELE, Andreas. Op. cit., p. 140.

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do Sul, Minas Gerais, Ceará, Maranhão, Roraima, Santa Catarina, Alagoas, Rio Grande do Norte, Amazonas e Pará, além do Distrito Federal), diversos órgãos fazendários não aceitam essa prática. E essa não aceitação também se verifica em alguns órgãos do Poder Judiciário.

Diante disso, a não aceitação da operação gera o inadimplemento e, se o tributo inadimplido é indireto, sendo descontado ou cobrado de outrem – como o ICMS –, pode configurar o delito tipificado no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990, cuja redação é a seguinte:

Art. 2º Constitui crime da mesma natureza:

[...]

II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obriga-ção e que deveria recolher aos cofres públicos;

[...]

O ICMS, na modalidade da Substituição Tributária, é tributo em que a lei atribui a determinado contribuinte (normalmente o primeiro na cadeia de comercialização, o fabricante ou importador) a responsabilidade pelo pa-gamento do valor incidente nas subsequentes operações com a mercadoria, até sua saída destinada a consumidor ou usuário final. Esse valor pago pelo substituto, em que pese não ser destacado na nota fiscal, é cobrado posterior-mente do destinatário da mercadoria por meio de fatura, ou seja: há, de fato, uma oneração do próximo da cadeia fiscal e, por conseguinte, uma desonera-ção do substituto, que é o primeiro da cadeia.

A questão, porém, é que a própria essência do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990 é de crimes cuja inexistência de fraude é flagrante, porquanto o contribuinte nada esconde do Fisco. Enquanto no art. 1º da mesma lei a puni-ção é justamente pelo ardil, malandragem, falsidade, no inciso II do disposi-tivo seguinte há mero inadimplemento, não havendo coerência do legislador em colocar no mesmo patamar – contradição que a diferença das respectivas penas não afasta – atos de causas e efeitos diametralmente opostos.

E essa injusta situação acentua-se no caso aqui estudado, em que o con-tribuinte utiliza-se de crédito cujos efeitos extintivos do débito tributário são constitucionais – na pior das hipóteses são discutíveis –, circunstância que o coloca longe de ser comparado ao inadimplente voluntário.

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Ao estudarmos a Teoria Geral do Crime, percebemos que a avaliação do fato passa pelas circunstâncias formais e materiais. A avaliação formal apega-se ao enquadramento do ato na descrição formal (escrita) do tipo pre-visto em lei, sendo essa descrição oriunda de mera política jurídico-criminal, independentemente de qualquer valoração ética ou moral. Já na avaliação material, o mesmo ato é observado pelas suas consequências morais e a ex-tensão da lesão causada ao bem jurídico que se busca tutelar.

No caso ora estudado, a falta de recolhimento de ICMS, mesmo com a utilização dos precatórios, enquadra-se formalmente no fato típico “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descon-tado ou cobrado”, porquanto o Fisco não aceitou citados créditos em com-pensação e, com isso, deixou o contribuinte na situação de inadimplência. Entretanto, o mesmo fato não constitui crime pela forma material, porquanto a consequência moral da falta de recolhimento do tributo – considerando ter havido oferta de precatórios aceitos constitucionalmente – não é a mesma de um simples inadimplemento, em que o contribuinte simplesmente deixa de pagar o tributo e não toma nenhuma atitude contrária a isso.

Observando-se, pois, a avaliação material do comentado inciso II do art. 2º, percebe-se que ele objetiva punir aquele que é moralmente inadimplen-te, isto é, o indivíduo que não paga e não quis pagar o tributo descontado ou cobrado. Não há como estender a mesma aplicação aos casos em que o con-tribuinte objetivou o pagamento do imposto, ainda mais quando essa forma de quitação escolhida por ele é prevista em lei.

Além disso, essa avaliação material, para ser moralmente mais justa e averiguar a real lesão do ato realizado – no caso a supressão tributária – deve atentar para todas as circunstâncias presentes.

Com efeito, é sabido que o legislador, ao tipificar os crimes contra a or-dem tributária, objetivou a proteção do patrimônio estatal, consistente na re-ceita pública de natureza tributária. Ou seja, é a escolta do próprio Estado, no seu aspecto concreto (material), visando ao dinheiro, ao patrimônio; não é à proteção de bem imaterial, como a “paz pública” do art. 286 do Código Penal.

Diante disso, a materialidade do crime tipificado no inciso II do art. 2º da Lei nº 8.137/1990 se constata por meio de algo concreto, isto é, com a efetiva redução ou supressão tributária, que é causadora do prejuízo ao Erário Público, não com o simples inadimplemento. Por essa razão é que dis-cordamos, com todo o respeito, da opinião, no sentido de que o art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990 prevê crime formal, de mera conduta, independentemente

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do resultado (dano ao Erário), no sentido de que a consumação dá-se com o simples inadimplemento.

É que boa parte da doutrina entende que citado delito é formal porque a lei penal objetiva, com a tipificação das condutas do art. 2º, a proteção da “legítima expectativa de ingressos aos cofres da Receita”, não do patrimônio público já consolidado11. No entanto, não entendemos dessa forma, porquan-to tanto o art. 1º como o art. 2º da mesma lei têm como bem jurídico tutelado o patrimônio público, o qual será violado de forma idêntica em ambos, isto é, haverá prejuízo efetivo ao Erário de qualquer forma, não simples expectativa disso.

Com efeito, Andreas Eisele partilha deste mesmo entendimento12:

Trata-se de crime material, cujo resultado se implementa com a situação configuradora do dano ao erário, decorrente do não recebimento do valor devido, ocasionado pela falta de pagamento (recolhimento) do tributo a que o sujeito estava obrigado.

Todavia – e direcionando esta nossa posição ao tema – na utilização dos precatórios, mesmo considerando a hipótese de não ser aceita essa forma de pagamento pelo Poder Judiciário, a situação torna-se dicotômica. Isso por-que, ao mesmo tempo em que se configurará o dano ao patrimônio público (pelo ato do contribuinte em não pagar o tributo), também estar-se-á diante de prejuízo ao patrimônio privado (por ato do Estado de não pagar o preca-tório); além da inadimplência estatal ser algo inteiramente imoral, burlando o art. 37 da Constituição Federal13. Em suma, há conflito de bens a serem tutela-dos: patrimônio público, patrimônio privado e moralidade pública.

Diante dessas circunstâncias, criminalizar contribuinte que não paga dívida para quem também lhe deve é, na verdade, uma imoralidade, por-quanto está se protegendo justamente aquele que tem o dever de dar exem-plo: a Administração Pública.

11 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 162.12 EISELE, Andréas. Op. cit., p. 183.13 “Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]”

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O consagrado jurista Ives Gandra da Silva Martins faz comentários in-teressantes a respeito do dispositivo aqui estudado14:

Levando-se em consideração que, muitas vezes, é o próprio Estado que, sem respeitar o princípio da moralidade, esculpido no art. 37 da Consti-tuição Federal, exige tributos sobre operações que o próprio Poder Público realizou com o contribuinte aplicando-lhe o “calote oficial”, há de se con-vir que a generalidade do dispositivo (descontado ou cobrado) é imoral, principalmente quando o art. principia com o discurso “constitui crime da mesma natureza”.

Os Estados, que se recusam a pagar por serviços e mercadorias, os Mu-nicípios que atrasam pagamentos, a União, que retarda a adimplência de seus contratos, exigem, todavia, os tributos indiretos (IPI, ICMS, ISS) dos incautos contribuintes que lhes fornecem bens e serviços. Estes, não rece-bendo do Poder Público o acordado, são, mesmo assim, obrigados a pagar ao Poder Público os tributos sobre o que não receberam, sendo o “calote oficial” a aética regra em vigor.

E logo em seguida o mesmo doutrinador conclui seu raciocínio15:

Para mim, o crime só se configura se houver deliberada intenção de não pa-gar. Uma empresa em dificuldade, que não recebe de seus clientes – prin-cipalmente do mais “caloteiro” deles que é o Poder Público – e que deve manter empregos, pagar juros bancários, salários, fornecedores para que não vá à falência, poderá optar pela sobrevivência e deixar de recolher, sem que a falta de recolhimento implique crime, nesta hipótese. Terá de arcar com as penalidades pecuniárias referentes, desde que não sejam confisca-tórias, porque se for (tributo e a penalidade) serão inconstitucionais, po-dendo, todavia, ressarcir-se junto ao junto ao Poder Público pelo fato de a imposição das mesmas ter decorrido da inadimplência do próprio Estado, nos termos do § 6º do art. 37 da CF. À evidência, nesta hipótese, em que há intenção de pagar e não há recursos para o pagamento, nenhuma intenção de sonegar ocorreu, não havendo crime, portanto.

Portanto, no caso daquele contribuinte que utiliza seu direito constitu-cional de quitar seus débitos fiscais com precatórios devidos pelo respectivo ente tributante, a eventual falta de pagamento não denota materialidade de-

14 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Crimes contra a ordem tributária. 3. ed. Revista dos Tribunais, 1998. p. 45 e 46.

15 Idem, p. 47.

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litiva, por absoluta inconstitucionalidade do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990 no caso específico.

1.3 dos efeitos penais da sentença civil autorizadora da compensação tributária (ausência de tipicidade ou extinção da punibilidade)

Considerando a ideia até aqui defendida de que o precatório é instru-mento constitucionalmente legítimo para a extinção de crédito tributário, é importante analisar os efeitos da sentença civil – que admite essa extinção – na esfera penal. É necessário averiguar o que acontecerá com o acusado cri-minalmente se o montante tributário dito suprimido ou reduzido for extinto judicialmente, isto é, se houver sentença transitada em julgado definindo que os precatórios ofertados são instrumento legítimo para quitá-lo.

Nesse ponto, é importante compreender essa sentença sob dois ân-gulos, isso porque ela pode gerar a absolvição por ausência de tipicidade – quando a oferta de precatórios for anterior ao vencimento do tributo – ou a extinção da punibilidade – quando a oferta for posterior. Assim, para ter certeza desses efeitos, é relevante considerar todos os detalhes e analisá-los profundamente.

No primeiro caso, devemos considerar o momento do pedido de com-pensação do tributo com precatórios, ou seja, a data em que o contribuinte ofereceu esses créditos perante a Fazenda Pública respectiva. Isso porque esse aspecto temporal determinará, em eventual aceitação do pedido de compensação administrativa ou judicialmente, se houve ou não ausência de tipicidade.

É que, como afirmado anteriormente, o delito do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990 tem a mesma natureza de “sonegação fiscal”, como bem define o caput do mencionado artigo, isto é, não se trata de crime formal – e aqui, repete-se, discordamos da maioria da doutrina – porquanto depende da efe-tiva violação ao bem jurídico tutelado, que é o patrimônio público (o que ocorre somente com a supressão ou redução do tributo). Assim entendendo, o seu momento consumativo se dá no instante em que a exação deveria ter sido recolhida e não foi.

No entanto, se o pedido de compensação ocorre antes do vencimento do tributo e posteriormente gera a extinção do crédito fiscal, não se pode afirmar que houve a redução ou supressão tributária, porquanto o fato de-

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lituoso sequer ocorreu. Nesse sentido é o entendimento de Andrei Zenkner Schimidt16:

Os delitos de sonegação fiscal, principalmente os materiais, têm seu mo-mento consumativo, de um modo geral, no instante em que a exação de-veria ter sido recolhida e não foi. Neste caso, se a compensação regular ocorre antes do vencimento do tributo ou contribuição, não parece possível afirmarmos, sequer, a existência da tipicidade da conduta, na medida em que não houve supressão ou redução de tributo devido.

E o autor continua seu raciocínio em seguida17:

Assim, p. ex., se um contribuinte pretender compensar uma dívida fiscal vencida com valores oriundos de um crédito obtido perante o mesmo ente federativo a que é devida a exação, constante em precatório vencido, ou na iminência de vencer, parece evidente que a administração fazendária não irá admitir a operação, na medida em que os valores constantes no precató-rio não são da mesma origem que os valores tributários devidos.

[...]

Caso o contribuinte obtenha sentença judicial declaratória favorável à com-pensação, realizada concomitantemente ao vencimento do tributo, o trânsito em julgado desta decisão acarretará o reconhecimento da ausência de imputa-ção objetiva do delito de sonegação fiscal.

[...]

Neste hipótese, se o Poder Judiciário reconhece a validade da atividade compensatória realizada pelo contribuinte, não parece subsistir válido qualquer delito de sonegação fiscal, ante a ausência de “supressão” ou “re-dução” do “tributo devido”.

Portanto, a conclusão é que a oferta de precatórios em compensação, se realizada antes ou no vencimento do tributo, afasta o seu enquadramento do tipo penal previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.

Por outro lado, se o pedido de compensação ocorre posteriormente ao vencimento do tributo, a aceitação desse pedido – administrativamente ou judicialmente – com a consequente extinção do crédito tributário pela com-

16 SCHMIDT, Andrei Zenkner. Exclusão da punibilidade em crimes de sonegação fiscal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 138.

17 Idem, p. 140/141.

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pensação (art. 156, II, do Código Tributário Nacional18) gera o mesmo efeito da extinção da punibilidade prevista no art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003.

E aqui, mais uma vez, citamos Andrei Zenkner Schmidt19:

Já no caso de esta compensação ocorrer posteriormente à supressão ou re-dução do tributo devido, mas antes do recebimento da denúncia, aí sim estaremos diante de causa de exclusão da punibilidade, pois o delito che-gou a consumar-se e, não obstante, houve a superveniência da extinção do crédito tributário pela compensação, equiparada, em tudo, ao pagamento para fins de incidência do art. 34 da Lei nº 9.249/1995.

[...]

Caso o contribuinte obtenha sentença judicial declaratória favorável à com-pensação, realizada posteriormente ao vencimento do tributo suprimido ou reduzido, então a decisão judicial acarretará a exclusão da punibilidade do delito imputado, na forma do art. 34 da Lei nº 9.249/1995, desde que confirmado que os valores compensados sejam suficientes para cobrir o valor do tributo devido e acessórios. Esta hipótese encontra-se fundamento legal no inciso X do art. 156 do CTN.20

Por isso, a compensação de tributos com precatórios de alguma forma afastará a condenação do contribuinte por crime contra a ordem tributária, seja pela exclusão da tipicidade – se a oferta for até o vencimento do tributo – ou com a extinção da punibilidade – se posterior ao vencimento da exação.

1.4 dos efeitos processuais da utilização de precatórios (necessidade de suspensão do processo penal)

O Código de Processo Penal prevê hipóteses de suspensão do processo penal enquanto perdurar discussão cível sobre os mesmos fatos. Isso está no art. 93:

Art. 93. Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior, da competên-cia do juízo cível, e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do pro-

18 “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: [...] II – a compensação; [...].”19 SCHMIDT, Andrei Zenkner. Op. cit., p. 138.20 Idem, p. 142.

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cesso, após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente.

Com efeito, no caso de utilizar precatórios com o objetivo de extinguir o crédito tributário, o contribuinte está lançando mão de uma tentativa cível de extinção tributária, a qual está prevista na Constituição Federal.

Devemos observar que mencionado artigo condiciona a suspensão do processo penal a 3 (três) requisitos: 1º – que o reconhecimento da infração penal dependa do resultado do processo cível; 2º – que a questão seja de di-fícil solução; e 3º – que a questão não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite.

No caso estudado, o contribuinte preenche todos esses requisitos.

Quanto ao primeiro – que o reconhecimento da infração penal dependa do resultado do processo cível –, o reconhecimento da infração penal apu-rada no processo depende do resultado de outro processos (cível), no qual o crédito tributário poderá ser quitado pela compensação com precatórios, inclusive cuja matéria está reconhecida como “de repercussão geral” pelo STF – RE 566.349/MG. Assim, como o crime se configura pela “redução ou supressão de tributos”, isso será afastado se o débito for extinto no processo cível, situação comprobatória da dependência entre as esferas penal e cível. Além disso, mesmo se consumado o delito, a eventual aceitação dos precató-rios pelo Judiciário acarretará a extinção do crédito fiscal, que levará à extin-ção da punibilidade.

Quanto ao segundo requisito – que a questão seja de difícil solução –, a matéria posta no processo penal é de difícil solução justamente porque depende de averiguação no cível, ou seja, não há como reconhecer a existên-cia de redução tributária sem antes verificar categoricamente se a forma de pagamento realizada pelo acusado é possível. Trata-se, portanto, de eviden-te prejudicialidade, que pode gerar a condenação de cidadão por sonegação inexistente.

Quanto ao terceiro requisito – que a questão não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite –, a matéria objeto da ação penal não versa sobre direito cuja prova a lei civil limite, pois o que se busca na ação cível é justa-mente quitar o débito tributário analisado no processo crime, ou seja, trata-se de matéria puramente de direito, em que não há qualquer limitação pela lei civil. Em suma, não há nenhuma forma probatória que somente é possível no processo penal.

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Portanto, enquadrando-se o agente em todos os requisitos constantes do art. 93 do CPP, é imperioso o trancamento da ação penal.

É preciso observar que a compensação entre débito e crédito, se levada em consideração a possibilidade de acolhimento da tese do contribuinte pe-rante o STF (cuja matéria está em repercussão geral pelo RE 566.349/MG), é questão de tempo. Assim, como se trata de questão cível que inevitavelmente levará à extinção do crédito tributário e, por conseguinte, à extinção da puni-bilidade do réu, a suspensão do processo penal até o encerramento definitivo da causa cível deve ser realizada, conforme determina o já citado art. 93 do CPP.

Além disso, os mecanismos usados para esse pleito são administrati-vos – pedido à Fazenda Pública – e judiciais – ação judicial respectiva (man-dado de segurança, ordinária, dação em pagamento, consignatória) –, todos previstos nas leis tributárias e processuais, tais como o art. 151, III, do Código Tributário Nacional, o art. 282 e seguintes do Código de Processo Civil e Lei nº 12.016/2009 (que regulamenta o mandado de segurança).

Assim, a pretensão do contribuinte nos processos administrativo e ju-dicial deve ser encarada como uma tentativa legal e constitucional de pagar os tributos objetos do processo penal. Trata-se de inegável ato de boa-fé, que não pode ser enquadrado como crime.

Ora, já imaginou se há condenação de crime tributário e, posteriormen-te, o direito à citada compensação é acolhido no STF? Como fica o contribuin-te? No caso, a continuidade do procedimento penal é desnecessária, pois é evidente o intuito de pagar o tributo pelo direito constitucional à compensa-ção, não havendo qualquer espécie de tentativa de burla ao Fisco.

Além do mencionado art. 93 do CPP, para esta espécie de situação está previsto na legislação brasileira que a representação fiscal para fins penais só será encaminhada ao Ministério Público “depois de proferida a decisão final sobre a existência do crédito tributário correspondente” (art. 83 da Lei nº 9.430/1996). Ou seja, neste caso, o princípio sobre o qual a norma está apoiado é o mesmo.

Ora, é inegável que há uma questão prejudicial a impedir a persecução penal, a qual está em outro processo que tramita na esfera cível. Neste, o bem tutelado no processo penal (patrimônio público/arrecadação tributária) será também protegido, mas pela compensação do tributo devido com preca-tórios.

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1.4.1 dos efeitos processuais da utilização de precatórios (necessidade de suspensão do processo penal em virtude do princípio da “intervenção mínima”)

No caso estudado, a lei penal tributária apresenta-se como uma evi-dente “norma penal em branco”, isto é, dependente de outras normas cíveis para completar o tipo penal. Isso porque, para que o agente se enquadre no tipo previsto no art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990, é imprescindível que ocorra, antes, a redução ou supressão do tributo, configuradora do delito de nature-za civil/fiscal.

Assim, considerando que o delito penal tributário é crime de dano, a sua existência pode ser apurada e resolvida por outro ramo do Direito, com o afastamento desse dano; e isso sem a necessidade de apuração em processo penal.

No caso, como já informado, o bem jurídico tutelado pela norma penal (patrimônio público/arrecadação tributária) pode ser garantido pelo proces-so cível, tendo em vista que o contribuinte está na iminência de ver extinto o crédito fiscal pela compensação prevista constitucionalmente.

Quanto a isso, mostra-se interessante o entendimento de José Eduardo Soares de Melo21:

O sujeito passivo da relação tributária não pode ser condenado criminal-mente no caso da própria Administração, ou Judiciário, declararem a ine-xistência de responsabilidade de natureza tributária, uma vez que a Lei nº 8.137/1990 trata de crime de dano, que envolve a materialidade con-cernente à falta de pagamento do tributo, e “dolo específico” por parte do agente. Se inexistem tais circunstâncias não há como caracterizar o crime e seu responsável.

Por essa doutrina, conclui-se que, se o sujeito passivo não pode ser con-denado criminalmente no caso do Judiciário declarar a inexistência de tributo devido, não pode se manter tramitando ação penal investigadora de redução tributária que está na iminência de ser afastada pelo Judiciário.

A situação, portanto, reclama a imperiosa aplicação do “princípio da intervenção mínima (ou subsidiariedade)”, que determina a utilização do Di-

21 MELO, José Eduardo Soares de. Crimes contra a ordem tributária. 3. ed. RT, 1998. p. 204.

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reito Penal como último instrumento do sistema legislativo para a solução do problema. Ou seja, se o bem tutelado pela norma penal puder ser protegido pela lei civil, com a plena solução da questão, não há necessidade da primei-ra, que é meramente subsidiária.

Com efeito, o doutrinador Guilherme de Souza Nucci expõe com bas-tante clareza o conceito e a importância da aplicação deste princípio22:

Há outros ramos do Direito preparados a solucionar desavenças e lides sur-gidas na comunidade, compondo-as sem maiores traumas. O direito penal é considerado a última ratio, isto é, a última cartada do sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a criação de lei penal incriminadora, impondo sanção penal ao infrator. Como bem assi-nala Mercedes García Arán “o direito penal deve conseguir a tutela da paz social obtendo o respeito à lei e aos direitos dos demais, mas sem prejudi-car a dignidade, o livre desenvolvimento da personalidade ou a igualdade e restringindo ao mínimo a liberdade” (Fundamentos y aplicación de penas y medidas de seguridad en el Código Penal de 1995, p. 36).

Caso o bem jurídico possa ser protegido de outro modo, deve-se abrir mão da opção legislativa penal, justamente para não banalizar a punição, tornando-a, por ve-zes, ineficaz, porque não cumprida pelos destinatários da norma e não apli-cada pelos órgãos estatais encarregados da segurança pública. Podemos anotar que a vulgarização do direito penal, como norma solucionadora de qualquer conflito, pode levar ao seu descrédito.

[...]

Enfim, o direito penal deve ser visto como subsidiário aos demais ramos do Direito. Fracassando outras formas de punição e de composição de conflitos, lança--se mão da lei penal para coibir comportamentos desregrados, que possam lesionar bens jurídicos tutelados.

Diante disso, como o bem tutelado (patrimônio público/arrecadação tributária) pode ser protegido pela ação civil, com a garantia do adimplemen-to pelo contribuinte, “deve-se abrir mão da opção legislativa penal, justamen-te para não banalizar a punição” [sic], como bem definiu o ilustre doutrina-dor anteriormente citado.

22 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. Revista dos Tribunais, 2005. p. 59/60.

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2 dAs exClUdenTes nAs oPerAções TriBUTáriAs Com PreCATórios

2.1 do erro de tipo (norma penal em branco)

Quando se analisa a oferta de precatórios para extinção de crédito tri-butário, vê-se, como até aqui afirmado, que o seu objeto não é algo absurdo, pois previsto em lei (Constituição Federal de 1988) e acolhido por boa parte da jurisprudência. A legitimidade é tamanha, que – repete-se – a matéria foi reconhecida como de repercussão geral pelo STF e está aguardando julga-mento (RE 566.349/MG).

Dessa forma, se considerada inadimplida a dívida, terá ocorrido “erro de tipo” do réu, porquanto este se enganou quanto a alguns dos elementos objetivos dos tipos penais descritos nos arts. 1º, II, e 2º, II, da Lei nº 8.137/1990 – únicos aplicáveis à espécie ora estudada –, cujos teores são novamente transcritos para melhor análise:

Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tri-buto, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

[...]

II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omi-tindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

[...]

Art. 2º Constitui crime da mesma natureza:

[...]

II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição so-cial, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; (grifo nosso)

Deve ser observado que o tipo penal do art. 1º, II, entende como crime contra a ordem tributária o ato de “suprimir ou reduzir tributo”. Trata-se do elemento objetivo do tipo, sem o qual este não subsiste.

Quanto ao art. 2º, II, devemos observar que o tipo penal é constituído dos seguintes elementos: deixar de recolher + no prazo legal + tributo ou con-

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tribuição social + descontado ou cobrado + na qualidade de sujeito passivo de obrigação + que deveria recolher aos cofres públicos.

No caso, ao ofertar precatórios devidos pela própria Fazenda Pública Estadual, o contribuinte não objetivou “suprimir ou reduzir” (elemento do tipo definido no art. 1º, II), tampouco “deixar de recolher” (elemento constan-te do tipo definido no art. 2º, II) o tributo, mas sim, ao contrário, recolhê-lo; ou seja, de todos os elementos constitutivos dos tipos penais dos incisos II dos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/1990, o contribuinte somente equivocou-se quanto às expressões “suprimir ou reduzir tributo” e “deixar de recolher”, porquan-to, na sua cabeça, ele estava quitando o tributo ao oferecer precatórios. Em suma, ele não objetivou a supressão tributária, tampouco quis “deixar de re-colher” tributo ou contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação, que deveria recolher aos cofres públicos.

Com efeito, o erro sobre qualquer um dos elementos do tipo exclui o dolo, havendo, no máximo, condenação por crime culposo, se previsto em lei, conforme disposto no art. 20 do Código Penal: “O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”.

No entanto, a condenação pela forma culposa somente é possível se o erro for escusável, isto é, se o agente não agiu com descuido, com desatenção, podendo prever que haveria inadimplência tributária.

A situação, porém, é de erro escusável, porquanto existe previsão cons-titucional a respeito da legitimidade de quitação de tributos com precatórios (art. 78, § 2º, do ADCT e art. 6º da EC 62/2009) e jurisprudência favorável no STJ e STF (RMS 26.500/GO e RE 550.400/RS, respectivamente), além de a matéria estar em repercussão geral no STF (RE 566.349/MG).

Ademais, mesmo reconhecendo-se a conduta como inescusável – si-tuação que admite o enquadramento do ato em crime culposo –, o contribuin-te, no caso, está isento de pena, pois, nos crimes contra a ordem tributária, não há previsão de condenação em crime culposo.

2.2 do erro de proibição

Além da configuração do erro de tipo, o fato pode também ser enqua-drado no “erro de proibição”. Isso porque o histórico legislativo do caso con-creto demonstra que, se for constatada a inadimplência, o agente não tinha noção da ilicitude do fato, pelo contrário, pois há previsão constitucional e

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amparo jurisprudencial para a forma utilizada por ele para a quitação do tributo.

Ademais, normalmente o agente atua conforme orientação de conheci-dos e respeitados escritórios de advocacia, que comprovam – em virtude da existência de previsão legal e jurisprudência consistente – que seria possível quitar o ICMS com precatórios devidos pela própria Fazenda Estadual. Ora, há diversos profissionais do Direito afirmando em todos os veículos de co-municação, em inúmeras obras jurídicas, que os precatórios são instrumentos hábeis para extinguir créditos tributários. E fazem isso, como já visto, com base legal e jurisprudencial, o que torna legítima essa orientação.

Com efeito, a oferta de precatórios devidos pela própria Fazenda Es-tadual para a quitação do débito tributário é algo que, no mínimo, pode ser encarado como controverso, dada a já informada repercussão geral da maté-ria. No entanto, está longe de ser procedimento cujo objetivo é ilícito, como exige a legislação penal.

O que se vê, então, é que o agente, diante das circunstâncias e das cla-ras previsões legais que trazem a possibilidade de quitação de tributos com precatórios, não pode julgar que o mecanismo resultará na inadimplência do tributo. Tanto é verdade que o STF e o STJ têm posicionamentos favoráveis ao seu ato, como se vê pelas conhecidas decisões judiciais prolatadas no RE 550.400/RS e no RMS 26.500/GO; além do fato do mesmo STF ter reconheci-do o tema “compensação de tributos com precatórios” como de repercussão geral (RE 566.349/MG), como demonstrado anteriormente.

Ora, se os próprios componentes do Judiciário afirmam que seria legal o ato do contribuinte, resta demonstrado que a legislação é, no mínimo, du-vidosa, não podendo ser responsabilizado nenhum contribuinte que aja de uma forma ou de outra, com base em interpretações divergentes. Em suma, isso demonstra que o suposto erro do contribuinte seria plenamente escusável.

Erro de proibição é aquele sobre a ilicitude de uma ação típica conhe-cida pelo agente. É o caso de o agente desenvolver uma ação tipificada como crime, supondo que sua conduta coaduna-se com o direito. Como espécie de excludente da culpabilidade, está relacionada ao fator psicológico, à mente do agente, ao elemento subjetivo; como diz Francisco de Assis Toledo, “cul-pabilidade é uma ligação de natureza anímica, psíquica, entre o agente e o fato criminoso23”.

23 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. Saraiva, 2002. p. 219.

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No caso, o erro de proibição se mostra evidente, porquanto o ato prati-cado pelo contribuinte poderia, em tese, ser enquadrado como crime contra a ordem tributária; contudo, as circunstâncias lhe retiram a culpabilidade, na medida em que o mesmo imaginava que o seu ato era legal, pois o entendi-mento do agente foi pautado em legislação constitucional e posição jurispru-dencial de tribunais superiores, os quais, como já falado, mostram-se claros sobre a possibilidade de quitar tributos com precatórios.

No caso aqui estudado, Francisco de Assis Toledo classificaria a con-duta do contribuinte em “erro de proibição indireto”, que, segundo ele, é uma espécie do erro de proibição escusável caracterizada quando o agen-te “erra sobre a existência ou sobre os limites de uma causa de justificação, isto é, sabe que pratica um fato em princípio proibido, mas supõe, por erro inevitável, que, nas circunstâncias, milita a seu favor uma norma permissiva prevalecente”24.

Pode-se observar que a mencionada espécie de erro de proibição é con-siderada escusável porque o agente não sabe que seu ato pode ser proibido, porquanto imagina, por erro inevitável, que existe uma lei permitindo esse ato na circunstância específica em que ele se encontra, como no caso.

Ora, na hipótese de ser afastado o seu direito de quitar seus tributos com precatórios, pode-se concluir que o contribuinte que utilizou essas ope-rações até poderia ter consciência de que isso geraria inadimplência fiscal; no entanto, ele agiu imaginando que, por ter precatórios devidos pela mesma Fazenda Pública, poderia deixar de pagar em dinheiro as exações de mesmo valor, tendo em vista que, como diz Francisco de Assis Toledo, haveria uma “norma permissiva prevalecente” (art. 78, § 2º, do ADCT), a qual atribuía aos precatórios o poder liberatório do pagamento de tributos. Ademais, a esta circunstância normativa soma-se a fática, relacionada à existência de juris-prudência em diversos tribunais do País – especialmente no STJ e no STF, como visto alhures – aceitando a compensação de tributos com precatórios; sem contar, repete-se, que a matéria está em repercussão geral na Suprema Corte pelo RE 566.349/MG.

Portanto, a existência de norma (e jurisprudência) autorizadora de sua conduta caracteriza o suposto erro do contribuinte como inevitável.

24 Idem, p. 271.

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Assim, há claro erro de proibição na utilização de precatórios para compensação com tributos, excluindo-se a culpabilidade do agente.

2.3 da inexigibilidade de conduta diversa

Segundo o Direito Penal brasileiro, não age culposamente quem, no momento da ação ou omissão, não poderia, nas circunstâncias, ter agido de outro modo, porque não seria exigível de um homem comum comportamen-to diverso.

Trata-se de conceito estabelecido sobre o pilar da humanidade, ou seja, respeitando os limites mentais, físicos e até mesmo espirituais do ser huma-no, do homem médio.

Assim, conforme Francisco de Assis Toledo, “a culpabilidade, para configurar-se, exige uma certa ‘normalidade das circunstâncias’ que cer-caram e poderiam ter influído sobre o desenvolvimento do ato volitivo do agente25”. Ou seja, se os fatos não se apresentam normais, não se pode exigir do cidadão uma atitude do mesmo porte.

Nos crimes contra a ordem tributária, a configuração do delito dá-se com o inadimplemento do tributo mediante determinados atos descritos em lei, os quais são elementos dos tipos penais respectivos. Nos tipos do art. 1º, II, e do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990 – especificamente na utilização dos pre-catórios, por exemplo –, pratica crime o contribuinte que suprimir ou reduzir tributo por meio de “inserção de elementos inexatos em documento exigido pela lei fiscal” ou por “deixar de recolher valor de tributo descontado ou co-brado de outrem”.

Contudo, essa responsabilidade penal só ocorre em circunstâncias nor-mais, em que era possível exigir do contribuinte somente o pagamento do tributo de forma também normal. Em situação anormal, a tendência é que a conduta seja da mesma espécie, dada a impossibilidade de ação diversa.

Deve-se observar, por exemplo, o caso da ausência de recursos de uma empresa, isto é, quando a mesma somente poderia recolher os tributos se deixasse de pagar os salários de seus funcionários. Aqui, a situação financeira precária é uma situação anormal, a qual explica a existência da sua conse-quência (inadimplemento fiscal), não podendo se exigir do contribuinte uma atitude normal (pagamento).

25 TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit., p. 328.

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No caso ora estudado, eventual inadimplemento tributário adveio de uma situação diferente da maioria. Isso porque o contribuinte, ao mesmo tempo em que é devedor da Fazenda Pública, também é seu credor, estando em pé de igualdade. Além disso, sua condição de credor tem como instru-mento o precatório, que é um título cujos efeitos permitem a liberação do pagamento de tributos da respectiva Fazenda Pública, conforme prevê o já citado art. 78, § 2º, do ADCT.

Há, pois, inegável situação de anormalidade em relação à maioria das relações tributárias, não podendo se exigir do titular do precatório a mesma atitude daquele que não é proprietário desse título. Sendo ele credor do Fisco e havendo previsão legal permitindo que ele não pague em dinheiro o seu dé-bito tributário – mas em precatórios –, não se pode exigir do mesmo que quite a exação em espécie. Aceitar essa exigência seria desrespeitar todo o sistema normativo brasileiro, cujas leis estão vinculadas, pois construídas sob o pilar maior da Constituição Federal de 1988.

Aliás, lembremos que a lei dos crimes tributários é norma penal em branco, ou seja, cujos mandamentos são complementados pelos conceitos es-tabelecidos na legislação tributária – conceitos estes que acabam integrando os tipos penais em razão da necessária observância da sua técnica, critérios e especificidades, uma vez que se trata de matéria extremamente complexa. E isso confirma a obrigatoriedade de interpretação sistemática da lei penal no caso aqui estudado.

Ora, reconhecendo esse vínculo normativo, percebe-se que a aplicação da lei penal para o titular do precatório passa necessariamente pela conside-ração da lei tributária que regula a relação do tributo com o precatório devido pelo ente respectivo. E essa lei é justamente o já citado art. 78, § 2º, do ADCT, complementado pelo art. 6º da EC 62/2009 e confirmado pela jurisprudência.

Portanto, sabendo-se que há norma no País permitindo que o contri-buinte, sendo titular de precatório contra determinada Fazenda Pública, uti-lize aquele crédito contra esta, não se pode exigir do mesmo conduta diversa – pagamento em espécie –, porquanto sua situação é anormal, é diferente, é específica em relação aos demais.

E não se pode afastar a inexigibilidade de conduta diversa por ine-xistência de previsão legal, ou seja, afirmando-se que ela não está no rol de excludentes constantes do Código Penal (erro de proibição, coação moral ir-resistível, obediência hierárquica e inimputabilidade). Isso porque, no caso dos precatórios, a excludente é supralegal, enfocada valorativamente em face

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das circunstâncias do fato, inseridas no seu contexto ético-social26. Segundo Davi André Costa Silva, as supralegais “são as causas de exclusão da culpa-bilidade que não estão expressamente previstas em lei”27.

ConClUsÃo

Tendo em vista a importância do tema – dada a crescente utilização de precatórios como meio de quitação de tributos –, acredito ter sido satisfatória a conclusão no sentido de que essas operações não geram nenhuma espécie de condenação por crime tributário.

Diante de tudo o que foi visto neste trabalho, ficou evidente que a utili-zação dos precatórios para extinção de tributos não configura crime contra a ordem tributária em nenhuma de suas espécies, considerando-se somente os tipos penais previstos no art. 1º, II, e art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990 – únicos em que seria possível o enquadramento das situações estudadas.

Relativamente ao art. 1º, II, cuja previsão traz como crime a redução ou supressão de tributos mediante a utilização, em documentos fiscais, de “elementos inexatos”, viu-se que os precatórios, mesmo sendo utilizados na GIA como “outros créditos”, de modo a apurar o ICMS devido no mês – abatendo-se dos débitos na apuração do saldo do tributo (este credor ou devedor) – não se encaixam no conceito de “elementos inexatos”. Isso por-que o precatório é rubrica legítima, prevista constitucionalmente. Com efeito, mesmo se não aceito pela Fazenda Pública, trata-se um elemento de acordo com a realidade, que traduz uma riqueza existente, fiel à verdade, não apre-sentando viés algum de inexatidão.

Quanto ao art. 2º, II, em que o tipo penal prevê como crime a redução ou supressão de tributos mediante o ato de “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado”, também não há crime.

É que a falta de recolhimento de ICMS, mesmo com a utilização dos precatórios, até poderia enquadrar-se formalmente no fato típico anterior-mente descrito, porquanto o Fisco não aceitou citados créditos em compensa-ção e, com isso, deixou o contribuinte na situação de inadimplência. Todavia, o mesmo fato não constitui crime pela forma material, porquanto a conse-

26 EISELE, Andreas. Crimes contra a ordem tributária. 1. ed. Dialética, 1998. p. 72.27 SILVA, Davi André Costa. Direito penal. 2. ed. Verbo Jurídico, 2012. p. 304.

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quência moral da falta de recolhimento do tributo – considerando ter havido oferta de precatórios aceitos constitucionalmente – não é a mesma de um mero inadimplemento, em que o contribuinte simplesmente deixa de pagar o tributo e não toma nenhuma atitude contrária a isso.

Ademais, a oferta de precatórios dá-se porque a Fazenda (credora do tributo) não os paga, o que é uma imoralidade, violadora do art. 37 da Cons-tituição Federal. Assim, está-se diante de um conflito de bens a serem tute-lados: patrimônio público e patrimônio privado, e criminalizar contribuinte que não paga dívida para quem também lhe deve é, na verdade, uma imora-lidade, porquanto está se protegendo justamente aquele que tem o dever de dar exemplo: a Administração Pública.

Também foi visto que a sentença cível transitada em julgado autori-zadora da compensação de precatórios com tributos gera efeitos de excluir a tipicidade ou de extinguir a punibilidade, dependendo do momento da oferta daqueles créditos.

Com efeito, concluímos que a primeira hipótese ocorre quando o con-tribuinte ofertou o precatório até o vencimento do tributo, pois não se pode afirmar que houve a redução ou supressão tributária, na medida em que o fato delituoso sequer ocorreu. Já a segunda hipótese acontece quando a ofer-ta dos créditos dá-se após o vencimento do tributo, pois o delito chegou a consumar-se – houve efetivamente a redução ou supressão fiscal – e, poste-riormente, ocorreu a extinção do crédito tributário pela compensação, enqua-drando-se, portanto, no art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003.

Relativamente às excludentes, o estudo nos fez perceber que o contri-buinte, ao buscar quitar seus tributos com precatórios, pode ter excluído o dolo de suprimir/reduzir tributo pela ocorrência de “erro de tipo”. Isso por-que o mesmo, ao ofertar precatório, entende que está cumprindo com suas obrigações, acha que não está deixando de recolher a exação. Assim, se não for aceito o pedido de compensação, o agente terá equivocado-se quanto aos elementos “suprimir ou reduzir tributo” e “deixar de recolher”, presentes nos tipos penais do art. 1º, II, e do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.

Além disso, foi visto que é possível a ocorrência de “erro de proibi-ção”. Isso porque, embora o ato praticado pelo contribuinte possa, em tese, ser enquadrado como crime contra a ordem tributária, as circunstâncias lhe retiram a culpabilidade, na medida em que o mesmo imaginava que o seu ato era legal, pois o seu entendimento foi pautado em legislação constitucional e

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posição jurisprudencial de tribunais superiores, os quais mostram-se claros sobre a possibilidade de quitar tributos com precatórios.

E como última excludente, foi constatado que o contribuinte, ao uti-lizar-se de precatórios para pagamento de tributos, pode ter excluída sua culpabilidade pela “inexigibilidade de conduta diversa”. É que, diante das circunstâncias – sendo ele credor e também devedor da Fazenda Pública e havendo legislação atribuindo aos precatórios o poder de quitar tributos – não se poderia exigir outra conduta do mesmo.

Por fim, no que tange ao ramo processual, concluímos que a existência de pleito cível objetivando a compensação de tributos com precatórios gera a suspensão do processo por dois motivos: primeiro, porque o art. 93 do Có-digo de Processo Penal permite a suspensão do processo quando o reconhe-cimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão da competência do juízo cível; segundo, porque o bem tutelado no processo penal (patrimônio público/arrecadação tributária) pode ser protegido pela ação civil, com a garantia do adimplemento pelo contribuinte, o que torna desnecessária a utilização e a punição na esfera penal.

Em suma, as operações com precatórios, se realizadas com zelo e res-peito aos ditames legais e contratuais, não geram responsabilização criminal, porquanto são medidas previstas constitucionalmente – e legalmente, em al-guns Estados da Federação – e admitidas na jurisprudência brasileira.

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Jurisprudênciacível

STFSupremo Tribunal Federal

09.06.2015 Primeira TurmaAgRg no Recurso Extraordinário com Agravo nº 878.945 São PauloRelator: Min. Roberto BarrosoAgte.(s): Banco Paulista S/AAdv.(a/s): Marcus Vinicius Guimarães Sanches e outro(a/s)Agdo.(a/s): Lucimeire de Souza CostaAdv.(a/s): Fernanda Rodrigues de Paiva Lima

EMENTA

direiTo do ConsUmidor – AgrAvo regimenTAl em reCUrso exTrAordinário

Com AgrAvo – ConTrATo de FinAnCiAmenTo de veíCUlo – QUiTAçÃo – BAixA de grAvAme

– ConTrovÉrsiA QUe demAndA Análise de legislAçÃo inFrAConsTiTUCionAl –

neCessidAde de reAPreCiAçÃo dos FATos e do mATeriAl ProBATório dos AUTos – súmUlA nº 279/sTF – inTerPreTAçÃo de

CláUsUlAs ConTrATUAis – súmUlA nº 454/sTF1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ausência

de questão constitucional, rejeitou preliminar de repercussão ge-

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ral relativa à controvérsia sobre suposta violação aos princípios do con-traditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal (Tema 660 – ARE 748.371/RG, julgado sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes).

2. A solução da controvérsia pressupõe, necessariamente, a aná-lise de legislação infraconstitucional, o reexame dos fatos, do material probatório constantes dos autos (Súmula nº 279/STF), e a interpretação de cláusulas contratuais (Súmula nº 454/STF), o que torna inviável o processamento do recurso extraordinário.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência da Ministra Rosa Weber, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 09 de junho de 2015.

Ministro Luís Roberto Barroso Relator

RELATÓRIO

O Senhor Ministro Luís Roberto Barroso (Relator):

1. Trata-se de agravo regimental cujo objeto é decisão que conheceu do agravo, mas lhe negou provimento (art. 544, § 4º, II, a, do CPC), sob o funda-mento de que a decisão que inadmitiu o recurso extraordinário está correta e alinhada aos precedentes firmados por esta Corte.

2. O recurso extraordinário não foi admitido sob o fundamento de que “se ofensa houve à garantia constitucional da legalidade, ela foi indireta, já que o v. acórdão limita-se a interpretar normas infraconstitucionais, não en-sejando, pois, o recurso extraordinário”.

3. A parte agravante afasta os fundamentos da decisão agravada, rea-firmando as razões do recurso extraordinário.

4. É o relatório.

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VOTO

O Senhor Ministro Luís Roberto Barroso (Relator):

1. O agravo não deve ser provido, tendo em vista que a parte recorrente não traz argumentos suficientes para modificar a decisão ora agravada.

2. De início, observo que cabe ao relator o exame de admissibilidade do agravo, podendo não conhecê-lo ou negar-lhe provimento quando manifes-tamente inadmissível ou se correta a decisão que não admitiu o recurso extra-ordinário (art. 544, § 4º, I e II, a; art. 557 do CPC e § 1º do art. 21 do RI/STF).

3. Ademais, não se configura violação aos arts. 5º, XXXV, e 93, IX, da Constituição Federal, quando o relator utiliza os fundamentos da decisão agravada com razão de decidir. Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a técnica da motivação por remissão se alinha com o princípio constitucional da obrigatoriedade da fundamentação das decisões judiciais (RE 790.913, Rel. Min. Celso de Mello; RE 179.557, Rel. Min. Ilmar Galvão; AI 179.379-AgR, Rel. Min. Celso de Mello).

4. No caso, o Colégio Recursal dos Juizados Especiais da Comarca de Mogi das Cruzes/SP decidiu a controvérsia em acórdão assim ementado:

“Ação julgada procedente em parte para condenar a parte ré a proceder a baixa do gravame em relação ao veículo da parte autora cujo financiamen-to foi quitado. Fatos e provas bem analisados. R. Sentença mantida pelos próprios fundamentos. Recurso da parte ré improvido.

Inexistente nos autos recurso da parte autora.”

5. A parte recorrente, na peça de recurso extraordinário, alega que ocorreu violação ao art. 5º, LV e XLV, da Constituição.

6. O recurso extraordinário é inadmissível. Inicialmente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ausência de questão constitucional, rejeitou preliminar de repercussão geral relativa à controvérsia sobre suposta vio-lação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal (Tema 660 – ARE 748.371/RG, julgado sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes).

7. Ademais, para chegar à conclusão diversa do acórdão recorrido, im-prescindíveis seriam a análise da legislação infraconstitucional pertinente e uma nova apreciação dos fatos e do material probatório constante dos autos

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(Súmula nº 279/STF), procedimentos inviáveis em sede de recurso extraor-dinário.

8. A solução da controvérsia pressupõe, necessariamente, o reexame das cláusulas do contrato firmado entre as partes demandantes, o que torna inviável o processamento do recurso extraordinário, nos termos da Súmula nº 454/STF.

9. Diante do exposto, voto pelo desprovimento do agravo regimental.

Extrato de Ata – 09.06.2015.

PRIMEIRA TURMA EXTRATO DE ATA

AgRg no Recurso Extraordinário com Agravo nº 878.945

Proced.: São Paulo

Relator: Min. Roberto Barroso

Agte.(s): Banco Paulista S/A

Adv.(a/s): Marcus Vinicius Guimarães Sanches e outro(a/s)

Agdo.(a/s): Lucimeire de Souza Costa

Adv.(a/s): Fernanda Rodrigues de Paiva Lima

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber. 1ª Turma, 09.06.2015.

Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber. Presentes à Sessão os Se-nhores Ministros Marco Aurélio, Luiz Fux e Roberto Barroso.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco.

Carmen Lilian Oliveira de Souza Secretária da Primeira Turma

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STJSuperior Tribunal de JuSTiça

Recurso Especial nº 1.439.749 – RS (2011/0222365-6)Relator: Ministro João Otávio de NoronhaRecorrente: Credfactor Fomento Comercial Ltda.Advogado: César Loeffler e outro(s)Recorrido: Ireno Hilário SchneiderAdvogado: Luciano Manica e outro(s)

EMENTA

reCUrso esPeCiAl – AçÃo AnUlATóriA de dUPliCATAs ACeiTAs – desCUmPrimenTo do negóCio JUrídiCo

sUBJACenTe ComProvAdo – PossiBilidAde de disCUssÃo Com A emPresA de FACToring

1. No contrato de factoring, em que há profundo envolvimento en-tre faturizada e faturizadora e amplo conhecimento sobre a situação ju-rídica dos créditos objeto de negociação, a transferência desses créditos não se opera por simples endosso, mas por cessão de crédito, hipótese que se subordina à disciplina do art. 294 do Código Civil.

2. A faturizadora, a quem as duplicatas aceitas foram endossadas por força do contrato de cessão de crédito, não ocupa a posição de ter-ceiro de boa-fé imune às exceções pessoais dos devedores das cártulas.

3. Recurso especial conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo

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Villas Bôas Cueva (Presidente), Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro vo-taram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 02 de junho de 2015 (data do Julgamento).

Ministro João Otávio de Noronha Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha:

Trata-se, na origem, de ação declaratória de nulidade de duplicatas c/c sustação de protesto e apreensão de título ajuizada por Ireno Hilário Schneider em desfavor de Credfactor Fomento Comercial Ltda. Argumentou o autor que o negócio jurídico originariamente contratado com a empresa Villa Florenza Móveis e Decoração Ltda. (fabricação de um dormitório de casal e uma cozinha), que deu origem aos títulos, não foi integralmente cum-prido, já tendo pago outras duplicatas em montante superior à parcela dos serviços efetivamente prestados.

Aduziu que, à época em que apôs o aceite nas duplicatas, bem como em que houve a cessão dos títulos, os serviços estavam em fase de execução, não tendo motivos para recusá-los.

A sentença, reconhecendo que o devedor foi devidamente cientificado da cessão dos títulos e que as duplicatas foram regularmente aceitas, con-cluiu pela impossibilidade de opor à endossatária questões relativas à consti-tuição dos débitos e julgou improcedente a demanda.

O Tribunal a quo deu provimento ao apelo em acórdão assim ementado:

“APELAÇÃO – NULIDADE DE TÍTULOS – DUPLICATAS – DESCUMPRI-MENTO DO NEGÓCIO SUBJACENTE DEMONSTRADO – FACTORING

1. No fomento mercantil o endosso não é cambial e caracteriza cessão de crédito, assumindo o faturizador o risco sobre o recebimento. Não haven-do transferência cambiária, são inaplicáveis os princípios da autonomia e abstração, sendo oponíveis as exceções pessoais que caberiam frente ao en-dossante. Art. 294 do novo Código Civil.

2. Descumprimento dos negócios originários, que amparava a emissão dos títulos, demonstrado nos autos. Prestação de serviços não perfectibiliza-da. Dormitório instalado de forma incompleta, faltando itens contratados

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e necessários, não sendo entregue a cozinha. Aceite nos títulos que não torna irretorquível o crédito, cabendo então declarar-se a inexigibilidade dos títulos frente ao autor-sacado. Ato de concordância praticado antes do descumprimento da contratação e do vencimento dos títulos questionados. Apelo do autor provido.”

Sobreveio a interposição de recurso especial com arrimo em ambas as alíneas do permissivo constitucional. Sustenta a recorrente violação dos se-guintes dispositivos legais: a) art. 919 do Código Civil, pois, como a aquisição do título ocorreu por endosso, não se configura cessão de crédito; b) arts. 7º e 8º da Lei nº 5.474/1968, uma vez que o aceite lançado nos títulos retira--lhes a natureza causal, desvinculando-os do negócio subjacente; c) arts. 43 do Decreto nº 2.044/1908, 25 da Lei nº 5.474/1968 e 17, 28 e 29 do Decreto nº 57.663/1966 ao se afastar o princípio da abstração e admitir a oposição de exceções pessoais que caberiam perante o endossante a terceiro de boa-fé, pelo simples fato de se tratar de operação de fomento mercantil; e d) art. 294 do Código Civil por aplicação indevida ao caso. Alega, ademais, divergência jurisprudencial com o julgamento proferido no REsp 668.682/MG.

Foram apresentadas contrarrazões ao recurso (e-STJ, fls. 236/242).

Inadmitido o recurso especial na origem, foi interposto agravo a que dei provimento para melhor exame da matéria.

É o relatório.

EMENTA

reCUrso esPeCiAl – AçÃo AnUlATóriA de dUPliCATAs ACeiTAs – desCUmPrimenTo do negóCio JUrídiCo

sUBJACenTe ComProvAdo – PossiBilidAde de disCUssÃo Com A emPresA de FACToring

1. No contrato de factoring, em que há profundo envolvimento en-tre faturizada e faturizadora e amplo conhecimento sobre a situação ju-rídica dos créditos objeto de negociação, a transferência desses créditos não se opera por simples endosso, mas por cessão de crédito, hipótese que se subordina à disciplina do art. 294 do Código Civil.

2. A faturizadora, a quem as duplicatas aceitas foram endossadas por força do contrato de cessão de crédito, não ocupa a posição de ter-ceiro de boa-fé imune às exceções pessoais dos devedores das cártulas.

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3. Recurso especial conhecido e desprovido.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator):

Cinge-se a controvérsia a definir se o sacado pode opor exceções pesso-ais a uma sociedade de factoring a quem as duplicatas, regularmente aceitas, foram endossadas.

A questão federal encontra-se prequestionada e a divergência jurispru-dencial com precedente do STJ (REsp 668.682/MG) foi devidamente demons-trada, autorizando o conhecimento do presente recurso.

O acórdão estadual admitiu a oposição de exceções pessoais pelo saca-do à empresa de factoring ao fundamento de que o endosso por faturização representa verdadeira cessão de crédito, sujeitando-se à disciplina do art. 294 do Código Civil. Reconheceu, com base no contrato firmado entre a empresa Villa Florenza Móveis e Decorações Ltda. e a recorrente, que os títulos im-pugnados pelo autor foram negociados com pagamento de deságio, configu-rando a operação de factoring, diante do que o descumprimento do contrato subjacente, comprovado nos autos, assume relevância perante o endossatá-rio. Aduziu que o aceite não torna irretorquível, irrefutável o crédito do ces-sionário e que, no caso, foi dado antes do descumprimento do contrato e do encerramento das atividades pela empresa Villa Florenza.

Este Tribunal tem mitigado os princípios da abstração e autonomia dos títulos de crédito em situações como a presente. É o que se extrai dos seguin-tes precedentes:

“CIVIL – DANO MORAL – O só inadimplemento contratual não caracte-riza o dano moral. Factoring. A nota promissória emitida em garantia do pagamento do preço de imóvel em construção autoriza o emitente a opor exceções de natureza pessoal (v.g., atraso na entrega da obra) contra o res-pectivo portador, se é empresa de factoring.” (REsp 151.322/RS, 3ª T., Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 02.12.2002)

“COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL – CHEQUE – INVESTIGAÇÃO DA CAUSA DEBENDI – CIRCUNSTÂNCIAS ESPECIAIS, QUE O PER-MITEM – LEI Nº 7.357/1985 – EXEGESE – HONORÁRIOS – FIXAÇÃO EQUITATIVA – CPC, ART. 20, § 4º

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I – A autonomia do cheque não é absoluta, permitida, em certas circunstân-cias especiais, como a prática de ilícito pelo vendedor de mercadoria não entregue, após fraude notória na praça, a investigação da causa subjacente e o esvaziamento do título pré-datado em poder de empresa de factoring, que o recebeu por endosso. [...]” (REsp 434.433/MG, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 23.06.2003)

“PROCESSUAL CIVIL – COMERCIAL – RECURSO ESPECIAL – EXE-CUÇÃO – CHEQUES PÓS-DATADOS – REPASSE À EMPRESA DE FACTORING – NEGÓCIO SUBJACENTE – DISCUSSÃO – POSSIBILIDA-DE, EM HIPÓTESES EXCEPCIONAIS

A emissão de cheque pós-datado, popularmente conhecido como cheque pré-datado, não o desnatura como título de crédito, e traz como única con-sequência a ampliação do prazo de apresentação.

Da autonomia e da independência emana a regra de que o cheque não se vincula ao negócio jurídico que lhe deu origem, pois o possuidor de boa-fé não pode ser restringido em virtude das relações entre anteriores possui-dores e o emitente.

Comprovada, todavia, a ciência, pelo terceiro adquirente, sobre a mácula do negócio jurídico que deu origem à emissão do cheque, as exceções pes-soais do devedor passam a ser oponíveis ao portador, ainda que se trate de empresa de factoring.

Nessa hipótese, os prejuízos decorrentes da impossibilidade de cobrança do crédito, pela faturizadora, do emitente do cheque, devem ser discutidos em ação própria, a ser proposta em face do faturizado.

Recurso especial não conhecido.” (REsp 612.423/DF, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, DJ de 26.06.2006)

Do voto condutor do acórdão prolatado no último precedente acima colacionado, permito-me destacar o seguinte trecho, que, a meu juízo, bem justifica a razão pela qual deve ser permitida a oposição de exceção pessoal à empresa de factoring que tenha recebido título de crédito por endosso:

“O contrato de factoring não se resume à mera cessão de títulos de crédito por endosso, mediante o pagamento de valor previamente acordado pelas partes.

Esse é apenas um aspecto dessa figura contratual, que é muito mais rica e complexa.

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O art. 15, inc. III, da Lei nº 9.249/1995 define o factoring como a ‘prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços’.

Ou seja, pela definição legal, vê-se que a atividade de factoring compõe um leque de serviços interligados. Segundo Luiz Lemos Leite, ‘factoring é uma atividade complexa, cujo fundamento é a prestação de serviços, ampla e abran-gente, que pressupõe sólidos conhecimentos de mercado, de gerência financeira, de matemática e de estratégia empresarial, para exercer suas funções de parcei-ro dos clientes’ (O contrato de factoring, in Revista Forense, 253/458-9, apud Arnaldo Rizzardo, Factoring, 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 16).

Disso decorre que é fundamental, para a caracterização do contrato de factoring, um envolvimento entre faturizadora e faturizada bem mais pro-fundo que a mera transferência de títulos. Há também a prestação de ser-viços de consultoria tendentes a, em última análise, otimizar a administração e o gerenciamento da carteira de clientes e dos créditos da sociedade faturizada.

Ora, sendo assim, não é razoável cogitar o completo desconhecimento, pela faturizadora, da situação de inadimplemento da sociedade faturizada. Não seria de forma alguma infundado exigir que o faturizador, pela própria na-tureza dos serviços que deve prestar, perquira sobre a situação jurídica dos créditos que estão à base dos títulos que adquire por endosso. Por um lado, tal providência iria ao encontro da obrigação do faturizador de orientar seu cliente para a manutenção de uma gerência financeira eficaz; por outro, re-duziria os riscos a que estaria exposta a sociedade faturizadora, na medida em que impediria que ela adquirisse créditos evidentemente inexistentes, como é a hipótese dos autos.

Nesse sentido Arnaldo Rizzardo opina que ‘no factoring, há compra de cré-ditos, ou do ativo de uma empresa, e não apenas de títulos. Não se opera o simples endosso, mas a negociação do crédito’, complementando que ‘não é sem razão que se faculta ao factor a escolha dos créditos. Ao receber o borderô dos títulos, tem ele a faculdade de rejeitar os que não lhe interessam. Com os títulos, acompanham e podem ser exigidos os comprovantes da entrega das mercadorias, o que infunde maior garantia ao negócio’ (op. cit., p. 105 e 121)

Disso tudo decorre que a indagação sobre a origem do crédito adquirido no âmbito de um contrato de faturização, longe de ser algo inusitado, faz parte da natureza do contrato de factoring. A inexistência, portanto, do crédito re-

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presentado pelo cheque endossado à faturizadora também poderá ser opo-nível a ela, conforme, inclusive, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:”

A recorrente se apega à circunstância de que as duplicatas possuem o aceite do recorrido, que poderia, à luz do disposto nos arts. 7º e 8º da Lei nº 5.474/1968, tê-lo recusado, mas não o fez. Assim, uma vez aceitas, as du-plicatas se desvinculam do negócio jurídico subjacente, tornando líquida e certa a obrigação cambiária. Nesse sentido, invoca divergência do aresto recorrido com a tese firmada pela Quarta Turma no julgamento do REsp 668.682/MG (Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 19.03.2007), igual-mente envolvendo empresa de factoring, cujo acórdão recebeu a seguinte ementa:

“RECURSO ESPECIAL – COMERCIAL – TÍTULOS DE CRÉDITO – DUPLICATA – ACEITE – TEORIA DA APARÊNCIA – AUSÊNCIA DE ENTREGA DAS MERCADORIAS – EXCEÇÃO OPOSTA A TERCEI-ROS – PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DAS CAMBIAIS – IMPOSSIBI-LIDADE

1. Ainda que a duplicata mercantil tenha por característica o vínculo à compra e venda mercantil ou prestação de serviços realizada, ocorren-do o aceite – como verificado nos autos –, desaparece a causalidade, passando o título a ostentar autonomia bastante para obrigar a recor-rida ao pagamento da quantia devida, independentemente do negócio jurídico que lhe tenha dado causa.

2. Em nenhum momento restou comprovado qualquer comportamento inadequado da recorrente, indicador de seu conhecimento quanto ao descumprimento do acordo realizado entre as partes originárias.

3. Recurso especial provido.”

Nada obstante o precedente trazido à colação pela recorrente, alinho--me à tese que prevaleceu no julgado da Terceira Turma (REsp 612.423/DF), segundo a qual, na operação de factoring, em que há envolvimento mais pro-fundo entre faturizada e faturizadora, não se opera um simples endosso, mas a negociação de um crédito, cuja origem é – ou pelo menos deveria ser – ob-jeto de análise pela faturizadora, o que faz com que não se equipare a outros terceiros de boa-fé a quem o título pudesse ser transferido por endosso.

Aqui, ao contrário, houve verdadeira cessão de crédito, e não mero endosso, hipótese que se subordina à disciplina do art. 294 do Código Civil, ficando autorizada a discussão da causa debendi.

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Anoto que o Tribunal a quo destacou ser crível a afirmação do autor de que somente apôs seu aceite nas cártulas porque os móveis contratados esta-vam sendo produzidos, vindo depois a ocorrer o descumprimento do quanto pactuado pela empresa Villa Florenza e o encerramento de suas atividades sem a conclusão dos serviços. Salientou ainda que o ora recorrido já havia pago quase todos os valores contratados (R$ 8.350,00), superiores até mes-mo aos serviços que lhe foram efetivamente prestados, estando inadimplidas apenas duas parcelas (no total de R$ 3.150,00), sendo uma parte referente ao dormitório inacabado e outra à cozinha que nem sequer foi iniciada. Tais cir-cunstâncias evidenciam que o sacado agiu com absoluta boa-fé.

Por outro lado, a recorrente, empresa de factoring a quem os títulos foram endossados por força de contrato de cessão de crédito e que mantém relação contratual com a empresa que emitiu as duplicatas, nos moldes deli-neados no trecho do voto da lavra da Ministra Nancy Andrighi, acima trans-crito, não ocupa posição de terceiro de boa-fé imune às exceções pessoais dos devedores das cártulas que lhe foram transferidas. Provada a ausência de causa para a emissão das duplicatas, não há como a faturizadora exigir do sacado o pagamento respectivo.

A presunção favorável à existência de causa que resulta do aceite lan-çado nas duplicatas não se mostra absoluta e deve ceder quando apresentada exceção pessoal perante o credor originário ou seu faturizador.

Ante o exposto, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento.

É o voto.

VOTO

O Exmo Sr. Ministro Moura Ribeiro:

Senhor Presidente, acompanho o voto do Ministro Relator, embora seja necessário observar que o caso, mesmo tendo recebido o rótulo de nulidade de duplicata e assim conste do seu pedido (e-STJ, fls. 3/8), em verdade, busca o reconhecimento da declaração judicial de inexigibilidade do título em relação ao autor-sacado.

Por isso mesmo, acolhido o pedido, o acórdão local deveria ter reco-nhecido, no seu dispositivo, a inexigibilidade da duplicata em relação ao autor-sacado, preservando a relação endossante-faturizado e endossatário--faturizador.

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Assim deveria ter sido, porque, uma vez anulada a duplicata, o vínculo entre eles também seria anulado, o que não pode ser admitido.

A impropriedade do nomem juris da ação não a prejudica se o pedido é compatível com a pretensão do autor-sacado, que apenas não quer pagar a duplicata porque não recebeu a prestação convencionada por parte do en-dossante-faturizado.

Esse, aliás, é o ensinamento de Luiz Emydio F. da Rosa em seu livro Títulos de Crédito (8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 773).

Em suma, observando a preservação da relação apontada (endossante--faturizado e endossatário-faturizador), acompanho o voto do Ministro Re-lator.

Senhor Presidente, acompanho o Sr. Ministro-Relator.

Entretanto, gostaria de fazer algumas ponderações.

Cuida-se de Ação Declaratória de Nulidade de duplicatas c/c sustação de protesto.

O acórdão local deu provimento à apelação do autor para julgar proce-dente a demanda anulatória de títulos, bem como manteve a responsabilida-de da endossante à endossatária pelo pagamento dos valores inadimplidos pelo autor, nos termos do contrato de faturização, o que foi mantido pelo eminente Ministro João Otávio Noronha, Relator.

Entretanto, a estranheza estaria em que o acórdão local (e-STJ, fl. 188) acolheu o pedido do autor (que pretendia a declaração de nulidade do título – e-STJ, fls. 3/8), mas teria mantido a relação endossante/endossatário.

Com efeito, a ação declaratória cabe ao sacado da duplicata e tem por finalidade a própria negativa do débito e não a nulidade do título por existi-rem relações cambiárias válidas e eficazes entre as partes sacador, endossante e endossatário, as quais sofreriam os efeitos da anulação do título, principal-mente no que se refere a eficácia cambiária entre endossante-endossatário.

A ação ajuizada deveria apenas ser a de declaração de inexigibilidade do título e não de declaração de nulidade.

Contudo, da leitura atenta, tanto do acórdão local, quanto do voto do Sr. Ministro Noronha, é possível extrair que, em verdade, a questão, foi tratada sobre outra ótica, pois a exceção pessoal aplicada a empresa de factoring, deu-se ao fundamento de que houve verdadeira cessão de crédito

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e não mero endosso, hipótese que se subordina ao art. 294 do CC, o que permitiu a discussão da causa debendi , e, ao discuti-la, entendeu-se pela nulidade do título.

Não se tratou de relação endossante/endossatário simples, mas sim de endosso em cessão de crédito, criando relação cedente/cessionário e, ao contrário do endosso, o cedente não tem responsabilidade pelo pagamento do título, mas pela existência do crédito, tal como preceitua o art. 295 do CC: na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.

Portanto, havendo sido declarada nula a duplicata ante à ausência de causa debendi, não existiu o crédito, devendo a cedente responder perante a cessionária, neste caso, a teor do enunciado do art. 295 do CC.

Daí o acórdão local ter ressaltado expressamente que remanescia a res-ponsabilidade da cedente pelo pagamento dos valores inadimplidos, nos ter-mos do contrato de faturização, o que foi mantido pelo STJ.

Com essas breves considerações, acompanho o eminente Ministro Re-lator.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2011/0222365-6

Processo Eletrônico REsp 1.439.749/RS

Números Origem: 10800003273 3616118520118217000 70033094517 70042846428 70044288173

Pauta: 02.06.2015 Julgado: 02.06.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Mário Pimentel Albuquerque

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

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AUTUAÇÃO

Recorrente: Credfactor Fomento Comercial Ltda.

Advogado: César Loeffler e outro(s)

Recorrido: Ireno Hilário Schneider

Advogado: Luciano Manica e outro(s)

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de títulos de crédito – Du-plicata

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso espe-cial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente), Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

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101

TrF 1ª r.Tribunal regional Federal da 1ª região

Numeração Única: 0000175-08.1996.4.01.3803Apelação Cível nº 96.03.00140-6/MGRelatora: Desembargadora Federal Maria do Carmo CardosoApelante: Fazenda NacionalProcurador: Cristina Luisa HedlerApelado: Rural Agropecuária Ltda.

EMENTA

ProCessUAl Civil – exeCUçÃo FisCAl – FAlÊnCiA nÃo imPede PresCriçÃo – PresCriçÃo

inTerCorrenTe – ArT. 40 e §§ dA leF1. A decretação da falência não impede o ajuizamento ou a trami-

tação da execução fiscal, nem influencia a apuração da prescrição inter-corrente, uma vez que a Fazenda Pública possui, no tocante à cobrança de seus créditos, juízo e demanda regidos por legislação específica.

2. As hipóteses de interrupção do prazo prescricional para a cobrança de crédito tributário são aquelas taxativamente previstas no art. 174, parágrafo único, do CTN.

3. O art. 40 da Lei nº 6.830/1980 deve ser interpretado em har-monia com o art. 174 do Código Tributário Nacional, sob pena de se admitir a imprescritibilidade da dívida fiscal. Transcorridos mais de cinco anos após o arquivamento do feito, correto o reconhecimento da prescrição intercorrente.

4. É desnecessária a intimação da Fazenda Nacional da suspen-são por ela própria requerida, bem como do ato de arquivamento do feito, que é automático e decorre do transcurso do prazo de um ano da suspensão.

5. Apelação a que se nega provimento.

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ACÓRDÃO

Decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto da relatora.

Brasília/DF, 15 de maio de 2015.

Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso Relatora

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso (Re-latora):

Este recurso de apelação foi interposto pela Fazenda Nacional à sen-tença que reconheceu a ocorrência da prescrição intercorrente e declarou ex-tinta a execução fiscal, nos termos do art. 269, IV, do CPC.

Sustenta a apelante que não configurada a prescrição intercorrente, por haver decretação de falência da executada, o que impediria a prescrição.

Requer a reforma da sentença para o regular prosseguimento da exe-cução fiscal.

Não foram apresentadas contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso (Re-latora):

O art. 29 da LEF estabelece que a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, con-cordata, liquidação, inventário ou arrolamento. A existência de processo falimen-tar, portanto, não implica a suspensão da prescrição relativamente à Fazenda Pública, uma vez que esta possui juízo e demanda específicos para cobrança judicial de seus créditos.

Nesse sentido, a decretação da falência não obsta o ajuizamento ou a regular tramitação da Execução Fiscal, de modo que a inércia absoluta da exequente pode ser

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punida na forma da lei (STJ, REsp 1263552/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 08.09.2011).

Destaco ainda a jurisprudência desta Oitava Turma:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – LEI Nº 11.051/2004 – NATUREZA PROCESSUAL – APLICAÇÃO AOS PRO-CESSOS EM CURSO – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE VERIFICADA – SENTENÇA MANTIDA

1. A jurisprudência do STJ tem-se firmado no sentido de que a novel Lei nº 11.051/2004, que acresceu ao art. 40 da LEF o § 4º, ostenta natureza de norma processual, tendo, em razão disso, aplicação imediata.

2. A jurisprudência deste Tribunal entende que não se justifica a suspensão da exe-cução contra devedor que se encontra em processo de falência, vez que a cobrança judicial de dívida ativa da Fazenda Pública não se sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata ou liquidação (art. 187 do CTN e art. 29, caput, da Lei nº 6.830/1980).

3. As causas de suspensão/interrupção da prescrição exigem a edição de lei comple-mentar, consoante disposto no art. 146, II, b, da CF, não se aplicando o art. 47 do Decreto-Lei nº 7.661/1945.

4. Em execução fiscal, o início da contagem do prazo da prescrição inter-corrente é o arquivamento definitivo do feito, após o transcurso de um ano da suspensão dos autos, nos termos dos §§ do art. 40 da Lei nº 6.830/1980.

5. Comprovado que os autos permaneceram paralisados, por mais de 5 anos, sem que a exequente tenha trazido, nesse período, qualquer cau-sa suspensiva ou interruptiva da prescrição, é de se concluir que a pres-crição intercorrente de fato se operou, nos termos do art. 40, § 4º, da Lei nº 6.830/1980.

6. Apelação desprovida.

(AC 0004574-70.2002.4.01.3803, Rel. Juiz Fed. Conv. Alexandre Buck Medrado Sampaio, e-DJF1 de 30.05.2014 – sem grifos no original)

Nos casos em que o devedor ou seus bens não forem localizados, deve ser observado o procedimento previsto no art. 40 da LEF, que determina a suspensão do feito por um ano e posterior remessa dos autos ao arquivo.

Nesse sentido, o Enunciado nº 314 da Súmula do STJ, segundo o qual em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.

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É desnecessária a intimação da Fazenda Nacional da suspensão por ela própria requerida, bem como do ato de arquivamento do feito, que é au-tomático e decorre do transcurso do prazo de um ano (STJ, AgRg-AREsp 225152/GO, DJe de 04.02.2013, entre outros).

Ainda que o pedido de suspensão não tenha sido fundamentado no art. 40 da LEF, está o juiz autorizado a adotar o procedimento ali previsto, nas hipóteses em que a motivação do pedido de suspensão é justamente a ausência de localização do devedor ou de bens sobre os quais possa recair a penhora, em face da evidente sujeição à norma expressa. Evita-se, assim, a imprescritibilidade do crédito tributário, por meio do artifício – ainda usual, infelizmente – de se requerer a suspensão do feito por curtos intervalos de tempo, no intuito de descaracterizar a situação configurada na norma.

A suspensão requerida com base no art. 20 da Lei nº 10.522/2002, do mesmo modo, não impede a decretação da prescrição intercorrente, confor-me assentou a Primeira Seção do STJ, em sede de recurso representativo de controvérsia:

PROCESSUAL CIVIL – ART. 535 DO CPC – OMISSÃO – INEXISTÊNCIA – TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – ARQUIVAMENTO – ART. 20 DA LEI Nº 10.522/2002 – BAIXO VALOR DO CRÉDITO EXECUTADO – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – ART. 40, § 4º, DA LEF – APLICA-BILIDADE

1. A omissão apontada acha-se ausente. Tanto o acórdão que julgou a apela-ção como aquele que examinou os embargos de declaração manifestaram--se explicitamente sobre a tese fazendária de que a prescrição intercorrente somente se aplica às execuções arquivadas em face da não localização do devedor ou de bens passíveis de penhora, não incidindo sobre o arqui-vamento decorrente do baixo valor do crédito. Prejudicial de violação do art. 535 do CPC afastada.

2. Ainda que a execução fiscal tenha sido arquivada em razão do pequeno va-lor do débito executado, sem baixa na distribuição, nos termos do art. 20 da Lei nº 10.522/2002, deve ser reconhecida a prescrição intercorrente se o processo ficar paralisado por mais de cinco anos a contar da decisão que determina o arquiva-mento, pois essa norma não constitui causa de suspensão do prazo prescricional. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público.

3. A mesma razão que impõe à incidência da prescrição intercorrente quando não localizados o devedor ou bens penhoráveis – impedir a existência de execuções eter-

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nas e imprescritíveis –, também justifica o decreto de prescrição nos casos em que as execuções são arquivadas em face do pequeno valor dos créditos executados.

4. O § 1º do art. 20 da Lei nº 10.522/2002 – que permite sejam reativadas as exe-cuções quando ultrapassado o limite legal – deve ser interpretado em conjunto com a norma do art. 40, § 4º, da LEF – que prevê a prescrição intercorrente –, de modo a estabelecer um limite temporal para o desarquivamento das execuções, obstando assim a perpetuidade dessas ações de cobrança.

5. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ nº 08/2008.

(REsp 1102554/MG, Rel. Min. Castro Meira, 1ª S., DJe de 08.06.2009 – sem grifos no original)

A Fazenda Nacional requereu, em 10.12.1998 (fl. 22), a suspensão do feito, nos termos do art. 40 da LEF. Pedido que foi deferido pelo magistrado a quo em 22.02.1999 (fl. 24). Com o fim do prazo de suspensão, a exequente requereu, em 11.09.2000 (fl. 27), o arquivamento dos autos, nos termos do art. 40, § 2º, da LEF. O que foi deferido em 15.09.2000 (fl. 28).

Não houve nenhuma movimentação no feito que suspendesse ou in-terrompesse a contagem do prazo prescricional. Sobreveio, em 03.11.2010, a sentença extintiva, em face do reconhecimento da prescrição intercorrente.

Do histórico detalhado acima, verifica-se que, desde o deferimento do pedido de suspensão em 22.02.1999, o processo ficou paralisado por mais de seis anos. Em situações análogas a presente, o Superior Tribunal de Justiça, a quem compete dar a última palavra sobre a interpretação da legislação in-fraconstitucional, tem autorizado a decretação da prescrição intercorrente, quando, requerida a suspensão do processo pela própria Fazenda Pública, permanecem os autos paralisados sem nenhuma movimentação, por mais de seis anos. Nesse sentido, trago à colação, apenas exemplificativamente, os seguintes julgados:

PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PRESCRIÇÃO INTERCOR-RENTE – DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA DA DECISÃO QUE SUSPENDE E ARQUIVA O FEITO – PARALISAÇÃO POR MAIS DE CINCO ANOS – SÚMULA Nº 314/STJ

1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que, não localizados os bens penhoráveis, interrompe-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente. Desnecessária, por-

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tanto, a intimação da Fazenda da decisão que suspende ou arquiva o feito. Incidência da Súmula nº 314/STJ.

2. Hipótese na qual o Tribunal de origem considerou ocorrida a prescrição intercorrente porque o processo após o deferimento do pedido de suspen-são do feito por 45 dias (09.05.2000) ficou paralisado por quase oito anos, sem qualquer movimentação.

3. Agravo Regimental não provido.

(AgRg-AREsp 112.800/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 24.04.2012)

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO – RE-CURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – PRESCRIÇÃO INTERCOR-RENTE – SÚMULA Nº 314/STJ – DEMORA NA CITAÇÃO – SÚMULA Nº 106/STJ – REEXAME DE PROVA – ÓBICE DA SÚMULA Nº 7/STJ

1. É desnecessária a intimação da Fazenda Pública da suspensão da execução, bem como do ato de arquivamento, o qual decorre do transcurso do prazo de um ano de suspensão e é automático, conforme dispõe a Súmula nº 314 desta Corte: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente”. Nessa linha, é prescindível, também, a intimação da Fazenda Pública da suspensão por ela mesma requerida.

2. O reexame de matéria de prova é inviável em sede de recurso especial (Súmula nº 7/STJ).

3. “O STJ vem flexibilizando a literalidade do disposto no art. 40, § 4º, da Lei nº 6.830/1980 para manter a decisão que decreta a prescrição intercor-rente sem oitiva prévia da Fazenda Pública quando esta, no recurso in-terposto contra a sentença de extinção do feito, não demonstra o prejuí-zo suportado (compatibilização com o princípio processual pas de nullitè sans grief)” (AgRg-REsp 1.236.887/RS, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 17.10.2011).

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg-AREsp 202.392/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 28.09.2012 – sem grifos no original)

Deve-se ressaltar, ademais, que, não obstante a paralisação do feito em cartório, na primeira oportunidade em que lhe coube falar nos autos, a Fazenda Nacional se limitou a requerer o bloqueio de ativos financeiros do executado, e essa intervenção não consubstancia causa suspensiva ou inter-

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ruptiva do prazo prescricional, conforme já decidiu esta 8ª T., entre outros, no AGA 0012863-03.2012.4.01.0000/GO, e-DJF1 de 19.12.2012.

A fundamentação deduzida no próprio recurso de apelação ora em análise, igualmente, cinge-se à alegação de que não houve intimação da Fa-zenda Nacional do despacho que determinou a suspensão do processo. Não alude, portanto, a nenhuma causa interruptiva ou suspensiva da prescrição, o que faz presumir que o que se pretende, em verdade, é a eternização do processo e a imprescritibilidade da dívida, o que não se pode admitir.

Correta, portanto, a sentença ao reconhecer a prescrição intercorrente.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO SECRETARIA JUDICIÁRIA

13ª Sessão Ordinária do(a) Oitava TurmaPauta de: 15.05.2015 Julgado em: 15.05.2015Ap 0000175-08.1996.4.01.3803/MGRelatora: Exma. Sra. Desembargadora Federal Maria do Carmo CardosoRevisor: Exmo(a). Sr(a).Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargadora Federal Maria do Carmo CardosoProc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Guilherme Zanina SchelbSecretário(a): Jesus Narvaez da SilvaApte.: Fazenda NacionalProcur.: Cristina Luisa HedlerApdo.: Rural Agropecuária Ltda.Nº de Origem: 1750819964013803 Vara: 3ªJustiça de Origem: Justiça Federal Estado/Com.: MG

SUSTENTAÇÃO ORAL CERTIDÃO

Certifico que a(o) egrégia(o) Oitava Turma, ao apreciar o processo em epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

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A Turma, à unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do voto da Relatora.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Desembargador Federal Marcos Augusto de Sousa e Juiz Federal Itagiba Catta Preta Neto, convoca-do, em face da ausência, por motivo de férias, do Exmo. Sr. Desembargador Federal Novély Vilanova.

Brasília, 15 de maio de 2015.

Jesus Narvaez da Silva Secretário(a)

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EmEntário Civil

AçÃo AnUlATóriA de ATo JUdiCiAl – CiTAçÃo Por ediTAl inexisTenTe oU inválidA – víCios insAnáveis

33973 – “Processual civil. Ação anulatória de ato judicial. Citação por edital inexistente ou inválida. Vícios insanáveis. Apreciação a qualquer tempo. Possibilidade. Prescrição e decadência inaplicáveis. Ausência de esgotamento dos meios necessários à localização da pessoa jurídica executada. Reexame de matéria fática. Súmula nº 7/STJ. Nulidade da ci-tação e atos subsequentes. 1. A inexistência ou nulidade da citação correspondem a vícios insanáveis que, no entender da doutrina e da jurisprudência deste Tribunal Superior e do Supremo Tribunal Federal, podem ser apreciados a qualquer tempo, não se submetendo a prazo prescricional ou decadencial. Precedentes: REsp 1.449.208/RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. p/ Ac. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., DJe 27.11.2014; AR 569/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª S., DJe 18.02.2011; REsp 1.015.133/MT, Relª Min. Eliana Calmon, Rel. p/ Ac. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 23.04.2010; HC 92.569, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª T., DJe-074 25.04.2008; RE 96.374, Rel. Min. Moreira Alves, 2ª T., DJ 11.11.1983. Desse modo, tanto a citação inexistente como a citação inválida (inquinada de nulidade absoluta) autorizam a propositura de ação anulatória com viés de querella nulitatis, a qual não se encontra sujeita a prazo de prescrição ou decadência. 2. A juris-prudência deste Tribunal Superior firmou compreensão no sentido de que é necessário o esgotamento de todos os meios de localização dos réus para que se proceda à citação por edital. No caso dos autos, as Instâncias ordinárias, à luz do contexto fático-probatório, che-garam à conclusão de que a citação por edital nos autos da execução fiscal desenvolveu-se sem que fossem exauridas as diligências necessárias para a realização da citação pessoal da sociedade empresária executada. Infirmar o entendimento a que chegou as instâncias de origem, de modo a albergar as peculiaridades do caso e verificar o possível esgotamen-to dos meios de localização da executada, enseja o revolvimento do acervo fático-probató-rio dos autos, o que se mostra inviável em sede de recurso especial, por óbice da Súmula nº 7/STJ: ‘A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial’. 3. A declaração de nulidade do processo a partir da citação acarreta a nulidade, por derivação, de todos os atos processuais subsequentes. Precedentes: REsp 730.129/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., DJe 03.11.2010; HC 28.830/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJ 19.12.2003, p. 527; REsp 36.380/RJ, Rel. Min. Hélio Mosimann, 2ª T., DJ 15.12.1997, p. 66351. 4. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.358.931 – (2012/0211113-1) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 01.07.2015 – p. 2165)

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AçÃo demoliTóriA – nATUreZA reAl – CÔnJUge

33974 – “Processual civil. Ação demolitória. Natureza real. Cônjuge. Litisconsórcio ne-cessário. Ausência de citação. Nulidade. 1. Cinge-se a controvérsia a definir qual a nature-za da Ação Demolitória e, em consequência, se a hipótese exige a formação de litisconsór-cio necessário passivo entre os cônjuges. 2. O Tribunal a quo entendeu que, por se tratar de ação pessoal, ‘a citação do cônjuge torna-se dispensável, posto que a ação demolitória não afeta diretamente o direito de propriedade das partes’ (fl. 130). 3. A Ação Demolitória visa à demolição de: a) prédio em ruína (art. 1.280 do CC); b) construção prejudicial a imóvel vizinho, às suas servidões ou aos fins a que é destinado (art. 934, I, do CPC); c) obra exe-cutada por um dos condôminos que importe prejuízo ou alteração de coisa comum por (art. 934, II, do CPC); d) construção em contravenção da lei, do regulamento ou de postura estabelecidos pelo Município. 4. No sistema do Código Civil, a construção é tratada como uma das formas de aquisição da propriedade imóvel (arts. 1.253 a 1.259). Por outro lado, o direito de exigir a demolição de prédio vizinho encontra-se previsto no capítulo que trata dos direitos de vizinhança e está associado ao uso anormal da propriedade (Seção I do Capítulo V do Título III do Livro dos Direitos das Coisas). 5. A Ação Demolitória tem a mesma natureza da Ação de Nunciação de Obra Nova e se distingue desta em razão do estado em que se encontra a obra (REsp 311.507/AL, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª T., DJ 05.11.2001, p. 118). 6. Assentada a premissa de que a Ação Demolitória e a Ação de Nunciação de Obra Nova se equivalem, o art. 95 do CPC corrobora a tese sobre a natureza real de ambas. O dispositivo prescreve que, nas ações fundadas em direito real sobre imó-veis, o foro competente é o da situação da coisa, com a ressalva de que as referidas ações podem ser propostas no foro do domicílio ou de eleição, desde que o litígio não recaia sobre propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nuncia-ção de obra nova. 7. Para o CPC, portanto, a Ação de Nunciação de Obra Nova se insere entre aquelas fundadas em direito real imobiliário. A mesma conclusão deve alcançar a Ação Demolitória. 8. Em precedente de relatoria do saudoso Ministro Sálvio de Figueire-do Teixeira, o STJ assentou entendimento pela nulidade de processo em que pleiteada a demolição de bem, por ausência de citação de condômino litisconsorte necessário (REsp 147.769/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª T., DJ 14.02.2000, p. 34). 9. Recurso Especial provido.” (STJ – REsp 1.374.593 – (2013/0011423-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 01.07.2015 – p. 2169)

AçÃo de reinTegrAçÃo de Posse e CoBrAnçA – ProgrAmA de

ArrendAmenTo residenCiAl (PAr) – lei nº 10.188/2001 – inAdimPlÊnCiA

33975 – “Civil e processual civil. Embargos declaratórios. Programa de Arrendamento Residencial – PAR. Lei nº 10.188/2001. Ação de reintegração de posse e cobrança. Inadim-

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plência. Parcelas de arrendamento e taxa condominiais em atraso. Possibilidade. Inocor-rência de omissões. Impossibilidade de reapreciação de matéria amplamente discutida. Embargos declaratórios improvidos.” (TRF 5ª R. – AC 0017807-21.2011.4.05.8100/01 – (577564/CE) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Lázaro Guimarães – DJe 09.07.2015 – p. 184)

AçÃo moniTóriA – CoBrAnçA de CHeQUes PresCriTos –

ComPeTÊnCiA TerriToriAl

33976 – “Direito processual civil. Agravo de instrumento. Ação monitória. Cobrança de cheques prescritos. Competência territorial. Verificação. Declínio de competência relativa de ofício. Impossibilidade. Decisão cassada. 1. A ação monitória que objetiva a cobrança de crédito decorrente de cheque emitido e devolvido por falta de provisão de fundos, e que se encontra sem força executiva, a priori, não está sujeita às regras do Código de Defesa do Consumidor. A obrigação cambiária decorrente da emissão do cheque, em con-formidade com os ditames da abstração e da autonomia, é independente da respectiva relação jurídica subjacente. 2. O critério para fixação da competência na ação monitória que busca a efetivação do crédito indicado em cheque emitido que fora devolvido por ausência de provisão de fundos e que se apresenta sem força executiva é territorial e as-sim possui natureza relativa, estando disciplinada nos arts. 94 e seguintes do CPC. 3. É vedado ao magistrado reconhecer incompetência relativa de ofício, devendo a matéria ser oportunamente arguida pelo demandado, sob pena de prorrogação. Por isso, não po-deria o eminente juízo de primeiro grau declinar de ofício da sua competência sem uma eventual arguição da parte demandada por meio de exceção de incompetência. 4. Merece parcial provimento a pretensão recursal sustentada pela agravante unicamente para se reconhecer a nulidade da decisão recorrida, uma vez que prolatada em violação ao dis-posto nos arts. 112, caput, e 114, in fine, do CPC e por estar em confronto com a Súmula nº 33 do c. STJ, resguardando-se porém o direito de a ré formular, oportunamente, exceção de incompetência, caso entenda pertinente. 5. Recurso conhecido e parcialmente provido. Decisão cassada.” (TJDFT – Proc. 20150020017723 – (878002) – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Alfeu Machado – DJe 10.07.2015 – p. 298)

nota:Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão nos autos da monitória ajuizada pela agravante em desfavor da ora agravada declinando da competência para processar e julgar o feito de origem, ex officio, para umas das varas cíveis da circunscri-ção do Gama/DF.O prolator, em suma, entendendo que a questão estaria submetida às regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e que o devedor possuiria domicílio na cidade do Gama/DF, sendo também nessa cidade a praça de pagamento dos documentos que subsidiam a cobrança (cheques prescritos), aduzindo o entendimento de que se trataria de regra de competência absoluta, de ofício, declinou da competência para processar e julgar o feito de origem em favor de umas das varas cíveis da referida cidade satélite.

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Por sua vez, o agravante alegou, em suma, que a questão não estaria submetida ao CDC, porquanto em verdade buscaria cobrar dívida apontada em cheques prescritos. Nesse passo, sustentou se tratar de competência relativa impassível, pois de ser decli-nada de ofício, nos termos da Súmula nº 33 do c. STJ, cabendo ao réu, se o caso, formu-lar exceção de incompetência sob pena de prorrogação desta.Defendendo a presença dos requisitos norteadores, pugnou para que a decisão recor-rida seja liminarmente suspensa, a fim de manter os autos no juízo de origem, situação que almejou ver confirmada no mérito. O TJDFT deu provimento parcial para cassar a decisão recorrida e determinar o regular processamento do feito perante o Juízo da 25ª Vara Cível de Brasília, ressalvando-se a possibilidade de a ré apresentar eventual exceção de incompetência oportunamente, sob pena de prorrogação da competência.Assim dispõe o Código de Processo Civil:“Art. 1.102-A. A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.”A ação monitória é o instrumento processual colocado à disposição do credor de quan-tia certa, de coisa fungível ou de coisa móvel determinada, com crédito comprovado por documento escrito sem eficácia de título executivo, para que possa requerer em juízo a expedição de mandado de pagamento ou de entrega da coisa para a satisfação de seu direito (NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 1032).Na lição de Orlando de Assis Corrêa, temos que:“A exigência para a propositura da ação é a existência de documento (escrito), sem força executiva, como vimos antes. Não há nem mesmo exemplificação do documento prestável, servindo, assim, qualquer papel assinado pelo devedor ou qualquer docu-mento que comprove, sem dúvida, o reconhecimento da existência de obrigação a ser cumprida.” (Ação monitória. Rio de Janeiro: Aide, 1995. p. 18-19)

AçÃo resCisóriA – inAPliCABilidAde dA súmUlA

nº 343/sTF – mATÉriA de ordem ConsTiTUCionAl

33977 – “Administrativo e processual civil. Ação rescisória. Inaplicabilidade da Súmula nº 343/STF. Matéria de ordem constitucional. Servidor público. Reajustes. URP de abril e maio de 1988. Manifestação do Supremo Tribunal Federal. Valor devido correspondente a 7/30 de 16,09%. I – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido do afastamento do entendimento consubstanciado na Súmula nº 343/STF, na hipótese de afronta a Dispositivo Constitucional, em razão da supremacia da Constituição Federal sobre todo o ordenamento jurídico, sob pena do enfraquecimento de sua força normativa e, consequentemente, de sua efetividade. II – O Pretório Excelso consolidou entendimento

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no sentido de que os servidores públicos somente têm direito ao pagamento das URPs de abril e maio de 1988 até os primeiros 7 dias do mês de abril, uma vez que o Decreto nº 2.425/1988 entrou em vigor no oitavo dia daquele mês. III – Por conseguinte, assegurou aos servidores, pela aplicação da URP, o valor correspondente a 7/30 (sete trinta avos) de 16,19% sobre os vencimentos dos meses de abril e maio de 1988, não cumulativamente, mas corrigidos monetariamente desde a data em que eram devidos até o seu efetivo paga-mento, ficando excluída da condenação a extensão desses valores aos meses de junho e ju-lho de 1988 (AI 477174-AgR, Relator(a): Min. Carlos Velloso, 2ª T., Julgado em 08.06.2004, DJ 25.06.2004, p. 00044, Ement. v. 02157-15, p. 02862). IV – Recurso Especial provido, para julgar procedente a ação rescisória ajuizada pela União, a fim de desconstituir o acórdão originário e reconhecer tão somente o reajuste de 7/30 de 16,19%, relativo à URP dos me-ses de abril e maio de 1988.” (STJ – REsp 911.471 – (2006/0275711-6) – 6ª T. – Rel. Min. Nefi Cordeiro – DJe 01.07.2015 – p. 2450)

AçÃo resCisóriA – inCorPorAçÃo de QUinTos – liminAr deFeridA

À sUsPensÃo dA exeCUçÃo

33978 – “Processual civil. Ação rescisória. Incorporação de quintos. Liminar deferida à suspensão da execução do acórdão rescindendo. Conjugação dos pressupostos acórdão rescindendo. Conjugação dos pressupostos legais ao trato liminar demandado. Julgado recorrido com suporte de validade em recente decisão do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental insuficiente. Combate aos fundamentos decisórios. 1. A decisão mo-nocrática profligada consigna ‘[...] Vistos, etc. Tendo em vista a decisão proferida pelo Eg. STF no RE 638115, defiro a medida liminar postulada suspendendo-se a execução do acórdão rescindendo até o julgamento da presente ação rescisória. Comunique-se com ur-gência. Cite-se a entidade ré para contestar, querendo, no prazo de 15 dias [...]’. Vale gizar que a decisão do Supremo Tribunal Federal que empresta suporte de validade à decisão preambular foi noticiada no sítio eletrônico daquele sodalício nos seguintes termos ‘[...] Quinta-feira, 19 de março de 2015. Decisão que autorizava incorporação de quintos ofende princípio da legalidade. Por maioria dos votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 638115, que discute a constituciona-lidade da incorporação de quintos por servidores públicos em função do exercício de fun-ções gratificadas no período compreendido entre a edição da Lei nº 9.624/1998 (2 de abril de 1998) e a Medida Provisória nº 2.225-45/2001 (4 de setembro de 2001). A matéria, com repercussão geral reconhecida, alcança mais de 800 casos sobrestados em outras instâncias da Justiça. O RE foi interposto pela União contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reafirmou entendimento de que é possível a incorporação dos quintos – valor de um quinto da função comissionada por ano de exercício, até o limite de cinco anos, que se incorporava à remuneração – no caso em questão. No STF, a União sustentou que não existe direito adquirido a regime jurídico e que o acórdão questionado teria violado os princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. Julgamento. O relator

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da matéria, Ministro Gilmar Mendes, votou pelo conhecimento do recurso. Ele foi segui-do pelos Ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Nesse ponto, ficaram vencidos os Ministros Luiz Fux e Celso de Mello, bem como as Mi-nistras Rosa Weber e Cármen Lúcia, ao entenderem que o RE refere-se à matéria infra-constitucional. Em seguida, o Ministro Gilmar Mendes votou pelo provimento do recurso. Para ele, o direito à incorporação de qualquer parcela remuneratória – quintos ou décimos – já estava extinto desde a Lei nº 9.527/1997. O ministro ressaltou que ‘a MP 2.225-45/2001 não veio para extinguir definitivamente o direito à incorporação que teria sido revigorado pela Lei nº 9.624/1998, como equivocadamente entenderam alguns órgãos públicos, mas apenas e tão somente para transformar em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada (VPNI) a incorporação das parcelas a que se referem os arts. 3º e 10 da Lei nº 8.911/1994 e o art. 3º da Lei nº 9.624/1998’. Ele lembrou que, conforme a Procuradoria-Geral da Re-pública (PGR), ‘em nenhum momento a MP 2.225 estabeleceu novo marco temporal à aquisição de quintos e décimos, apenas transformou-os em VPNI, deixando transparecer o objetivo de sistematizar a matéria no âmbito da Lei nº 8.112/1990, a fim de eliminar a profusão de regras sobre o mesmo tema’. Segundo o relator, o restabelecimento de dis-positivos normativos – que permitiam a incorporação dos quintos ou décimos e foram revogados anteriormente somente seria possível por determinação expressa da lei. ‘Em outros termos, a repristinação de normas, no ordenamento pátrio, depende de expressa determinação legal, como dispõe o § 3º do art. 3º da Lei de Introdução do Código Civil’, disse ao citar que a manifestação da PGR foi nesse sentido. De acordo com o Ministro Gilmar Mendes, se a MP 2.225/2001 não repristinou expressamente as normas que pre-viam a incorporação de quintos, ‘não se poderia considerar como devida uma vantagem remuneratória pessoal não prevista no ordenamento jurídico’. Ele salientou que a conces-são de vantagem a servidores somente pode ocorrer mediante lei em sentido estrito, com base no princípio da reserva legal. ‘Embora a MP tenha se apropriado do conteúdo das normas revogadas, mencionando-as expressamente, não teve por efeito revigorá-las, rein-serindo-as no ordenamento jurídico’, avaliou o ministro. Ele destacou que a irretroativida-de das leis é princípio geral do ordenamento jurídico brasileiro, cuja finalidade é preservar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, em homenagem ao princípio da segurança ju-rídica. Dessa forma, o Ministro Gilmar Mendes concluiu que, se não há lei, não é devida a incorporação de quintos e décimos. ‘Não há no ordenamento jurídico norma que permita essa ressurreição dos quintos e décimos levada a efeito pela decisão recorrida, por isso ine-quívoca a violação ao princípio da legalidade’, entendeu ao frisar que ‘não se pode revigo-rar algo que já estava extinto por lei, salvo mediante outra lei e de forma expressa, o que não ocorreu’. No mérito, o relator foi seguido por maioria, vencidos os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello, que negaram provimento ao RE. Com o intuito de pre-servar os servidores que receberam as verbas de boa-fé, o Plenário modulou os efeitos da decisão para que não haja a repetição do indébito, vencido nesse ponto o Ministro Marco Aurélio. Na sessão desta quinta-feira também foram julgados os Mandados de Segurança (MSs) nºs 25763 e 25845, que tratavam do mesmo tema. EC/FB [...]’. Texto disponível in http://www.STF.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287739. Aces-so em: 15 jun. 2015. Aos mesmos fundamentos acima transcritos faço remissão, tomando--os por integrados neste voto, certo que, por ocasião do julgamento deste recurso, não verifico razões para modificar a decisão proferida preambularmente. Ainda, é força anotar

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que a mens legis do art. 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil – cotejada com a recentíssima decisão do Supremo Tribunal Federal susorreferida – também empresta suporte de validade à decisão vergastada. 2. Agravo improvido.” (TRF 4ª R. – Ag-AR 0001438-87.2015.4.04.0000/SC – 2ª S. – Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – DJe 09.07.2015 – p. 17)

AçÃo resCisóriA – violAçÃo de liTerAl disPosiçÃo de

lei – nÃo oCorrÊnCiA

33979 – “Ação rescisória. Violação de literal disposição de lei. Não ocorrência. Violação dos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil. Julgamento extra petita não caracterizado. Utilização como sucedâneo recursal. Impossibilidade. 1. ‘Para que a ação rescisória fun-dada no art. 485, V, do CPC prospere é necessário que a interpretação dada pelo decisum rescindendo seja de tal modo aberrante, que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se um mero ‘recurso’ com prazo de ‘interposição’ de dois anos’ (REsp 9.086/SP, Rel. Min. Adhemar Maciel, RSTJ v. 93, p. 416-417). 2. Somente ocorre julgamento extra petita quando constata-da discrepância entre o pedido, a causa de pedir e a prestação jurisdicional, o que, como bem decidido pelo acórdão rescindendo, não ocorreu na hipótese. 3. A ação rescisória não se presta para simples rediscussão da causa. Ou seja, não pode ser utilizada como suce-dâneo recursal, sendo cabível, excepcionalmente, somente nos casos em que flagrante a transgressão da lei. 4. Ação rescisória improcedente.” (STJ – AR 4.176 – (2009/0005863-8) – 2ª S. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 01.07.2015 – p. 1683)

AlienAçÃo de veíCUlo – TrAnsFerÊnCiA de ProPriedAde – AUsÊnCiA de ComUniCAçÃo Ao

deTrAn – mUlTA de TrÂnsiTo

33980 – “Alienação de veículo. Transferência de propriedade. Ausência de comunicação ao Detran. Multa de trânsito. Responsabilidade solidária do vendedor. Apelação cível. Ação declaratória de não propriedade de veículo cumulada com anulatória de multas e pontos na CNH. Autor que alega não ser mais proprietário de veículo que se encontra vin-culado ao seu nome no Detran. Alienação que teria ocorrido em 1999, embora não possa apontar sequer o nome do adquirente. Pedidos julgados improcedentes em razão da au-sência de documentos inerentes ao negócio. Reforma. A transferência da propriedade de

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bem móvel, por força do art. 1.226 do CC, se dá com a tradição. Não é razoável entender que a comunicação da venda não possa ser feita por outros meios. Os registros adminis-trativos devem corresponder à realidade fática. A ordem jurídica não admite penalidades perpétuas. O fato de não mais se recordar do nome do comprador não é impeditivo abso-luto para exclusão do registro. A penalidade do art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro é a solidariedade do vendedor do veículo pelas punições impostas e suas reincidências até a data da comunicação da venda; como o autor não observou o dever de informar ao De-tran a transferência do veículo, deve permanecer responsável solidariamente pelas multas imputadas ao veículo até a data da citação. Recurso a que se dá provimento parcial.” (TJRJ – Ap 0002846-32.2010.8.19.0067 – 9ª C.Cív. – Rel. Des. Jose Roberto Portugal Compasso – DJe 01.07.2015 – p. 26)

Bem de FAmíliA – reConHeCimenTo do Pedido – PenHorA –

desConsTiTUiçÃo

33981 – Processual civil. Embargos de terceiro. Bem de família. Reconhecimento do pedi-do. Penhora. Desconstituição. 1. Nos termos dos arts. 1º e 5º da Lei nº 8.009/1990, é requi-sito necessário para caracterizar o bem de família ser ele destinado à moradia da entidade familiar. 2. Embargada que reconheceu a procedência do pedido, tendo o Juízo de origem determinado a desconstituição da penhora. 3. Pelos documentos juntados aos autos, resta patente a irregularidade na penhora do bem, uma vez que o imóvel consiste em residência utilizada para a moradia da família. 4. Remessa oficial desprovida.” (TRF 5ª R. – REOAC 0000367-74.2014.4.05.8304 – (581252/PE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Machado Cordeiro – DJe 09.07.2015 – p. 154)

nota:O tema aqui tratado gira em torno da impenhorabilidade do bem de família, disciplina-do na Lei nº 8.009/1990 em seus arts. 1º e 5º, in verbis:

“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se resi-dência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.”

É, portanto, requisito necessário para caracterizar o bem de família ser ele destinado à moradia da entidade familiar. No caso, a própria Fazenda Nacional reconheceu a procedência do pedido, tendo o Juízo de origem determinado a desconstituição da pe-nhora.

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Por outro lado, pelos documentos juntados aos autos, resta patente a irregularidade na penhora do bem, uma vez que o imóvel consiste em residência utilizada para a moradia da família. Nesse sentido, trago, como razão de decidir, os fundamentos expostos na sentença:

O TRF negou provimento ao recurso.

Assim aduziu o Relator:

“Desta feita, após os esclarecimentos pertinentes, a partir dos documentos juntados e do requerimento da União, resta patente a irregularidade na penhora do bem, uma vez que esse imóvel consiste, realmente, em residência utilizada para a moradia da família.

Deixo de condenar a exequente em honorários advocatícios, porque, com base no prin-cípio da causalidade, a executada deu causa à instauração dos presentes embargos de terceiros, já que não promoveu, no cartório imobiliário, o registro da condição de resi-dência da família.”

Yone Frediani, em estudo sobre o bem de família, assim considerou:

“O bem de família poderá consistir em prédio residencial urbano ou rural, suas perten-ças e acessórios, destinando-se ao domicilio familiar, podendo, ainda, ser constituído por valores mobiliários.

O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo se provenientes de tributos relativos ou prédio ou despesas de condomínio. A isenção perdurará enquanto viverem os cônjuges e na falta destes até que os filhos completem a maioridade, vale dizer, nesse caso, a impenhorabilidade é relativa.

[...]

No entanto, da leitura do texto legal apontado, constata-se, desde logo, que a impe-nhorabilidade do bem de família é relativa, diante das exceções previstas no art. 3º e respectivos incisos, quais sejam:

a) créditos de trabalhadores da própria residência e de suas contribuições previden-ciárias;

b) crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou aquisição do imóvel;

c) crédito decorrente de pensão alimentícia;

d) impostos, taxas e contribuições devidas, relativos ao imóvel familiar;

e) execução de hipoteca existente sobre o imóvel, oferecido como garantia real;

f) aquisição do imóvel com produto de crime;

g) obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Por oportuno, resta-nos ressaltar que, à semelhança das disposições contidas no di-ploma civilista, torna-se imprescindível a fixação do domicílio familiar com ânimo de permanência, a fim de que possa estar o imóvel revestido de impenhorabilidade.” (Bem de família. Repertório de Jurisprudência IOB, 3/23193, v. III, nº 21/2005, p. 647, 1ª quinz. nov. 2005)

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CÉdUlA de CrÉdiTo rUrAl emiTidA Por PessoA FísiCA – gArAnTiA de

AvAl PresTAdA Por TerCeiro

33982 – “Civil. Agravo regimental no recurso especial. Cédula de crédito rural emitida por pessoa física. Garantia de aval prestada por terceiro. Art. 60, § 3º, do Decreto-Lei nº 167/1967. Validade. Entendimento firmado no julgamento do REsp 1.483.853/MS, 3ª T. 1. As mudanças no Decreto-Lei nº 167/1967 não tiveram como alvo as cédulas de crédito rural. Por isso elas nem sequer foram mencionadas nas proposições que culmi-naram com a aprovação da Lei nº 6.754/1979, que alterou o Decreto-lei referido. 2. A interpretação sistemática do art. 60 do Decreto-Lei nº 167/1967 permite inferir que o significado da expressão também são nulas outras garantias, reais ou pessoais, disposta no seu § 3º, refere-se diretamente ao § 2º, ou seja, não se dirige às cédulas de crédito rural, mas apenas às notas e duplicatas rurais. 3. Vedar a possibilidade de oferecimento de crédito rural direto mediante a constituição de garantia de natureza pessoal (aval) significa obstruir o acesso a ele pelo pequeno produtor ou só o permitir em linhas de crédito menos vantajosas. 4. Os mutuários não apresentaram argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, que se apoiou em novo posicionamento deste órgão fracionário. Incidência da Súmula nº 83 do STJ. 5. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 607.608 – (2014/0285759-6) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 01.07.2015 – p. 2287)

ConsUmidor – ConsTrUTor – resPonsABilidAde

oBJeTivA – indeniZAçÃo

33983 – “Consumidor. Construtor. Responsabilidade objetiva. Indenização. Danos ma-teriais. Honorários do perito. 1. A responsabilidade da construtora é objetiva, de acordo com o diploma consumerista. Portanto, para excluí-la, deveria a parte ter demonstra-do quaisquer das hipóteses previstas no art. 12, § 3º, do CDC. 2. Cabível a indeniza-ção por danos materiais dos gastos com os honorários do engenheiro, que elaborou perícia técnica utilizada como elemento de convicção para a condenação na sentença, mesmo que tenha sido realizada antes do início do processo. 3. Não se trata de cus-tas processuais, a despesa com o pro labore do engenheiro, que produziu laudo técnico anterior ao ajuizamento da ação. 4. Sentença reformada. Recurso provido.” (TJDFT – Cons. 20130710114663 – (879265) – 5ª T.Cív. – Relª Desª Maria de Lourdes Abreu – DJe 10.07.2015 – p. 365)

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ConTrATo BAnCário – inAdimPlÊnCiA – ComissÃo de

PermAnÊnCiA – legAlidAde

33984 – “Civil. Contrato bancário. Inadimplência. Comissão de permanência. Legalida-de. Cumulação com outros encargos. Inexistência. Capitalização de juros. Não compro-vação. Apelação improvida. 1. É legítima a cobrança da comissão de permanência, desde que não cumulada com correção monetária, nem com quaisquer acréscimos decorrentes da impontualidade (tais como juros, multa, taxa de rentabilidade, etc.). Isto porque ela já possui a dupla finalidade de corrigir monetariamente o valor do débito e de remune-rar o banco pelo período de mora contratual (Súmulas nºs 30, 294, 296 e precedentes do eg. STJ). 2. No caso dos autos, diferentemente do que alega a apelante, não há cobrança de comissão de permanência cumulada com outros acréscimos contratuais. Apesar de ter sido expressamente estabelecida no contrato a cobrança de comissão de permanência acrescida de taxa de rentabilidade, de juros de mora e multa, as planilhas apresentadas pela Caixa Econômica demonstram que o valor devido foi acrescido apenas de comissão de permanência, não tendo sido incluídos juros de mora, taxa de rentabilidade, multa ou outros encargos contratuais. 3. Inexistindo, pois, acumulação indevida de encargos finan-ceiros, mostra-se legítima a cobrança da comissão de permanência na presente hipótese. 4. Apelação improvida.” (TRF 5ª R. – AC 2006.82.00.002535-5 – (580335/PB) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Francisco Wildo Lacerda Dantas – DJe 09.07.2015 – p. 49)

desAProPriAçÃo PArA Fins de reFormA AgráriA – áreA

regisTrAdA e AQUelA oBJeTo dA desAProPriAçÃo – AUsÊnCiA

de PreQUesTionAmenTo – deFiCiÊnCiA ArgUmenTATivA

33985 – “Processo civil. Administrativo. Desapropriação para fins de reforma agrária. Arguição genérica de violação do art. 535 do CPC. Súmula nº 284/STF. Incompatibilida-de. Área registrada e aquela objeto da desapropriação. Ausência de prequestionamento. Deficiência argumentativa. Valor apurado no laudo pericial. Revisão. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. Cálculo do valor da terra nua e benfeitorias, em separado. Fundamenta-ção inatacada. Súmula nº 283/STF. Área de preservação permanente e reserva legal. Ma-téria não prequestionada. Revisão de elementos fático-probatórios. Juros compensatórios. Não incidência entre 29.09.1999 e 13.09.2001. Questão apreciada sob o rito dos recursos repetitivos. Parcelas pagas em TDAs. Aplicação. 1. Não se conhece da violação do art. 535 do CPC quando o recorrente não especifica em que consistiram as omissões constantes do acórdão recorrido, nem justifica, de maneira adequada, a relevância do exame da matéria para a correta solução da controvérsia. Inteligência da Súmula nº 284/STF. 2. Em relação à incompatibilidade entre a área registrada do imóvel e aquela objeto da desapropriação, os

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dispositivos indicados como malferidos pelo recorrente não foram objeto de análise pela Corte de origem, ainda que implicitamente, estando ausente o requisito do prequestio-namento. Aplicação da Súmula nº 211/STJ. 3. Ademais, há deficiência de argumentação quando os preceitos impugnados no apelo não possuem carga normativa apta a infirmar as conclusões da Corte de origem. Incidência da Súmula nº 284/STF por analogia. 4. No que concerne aos critérios de cálculo utilizados pelo perito para fixar o valor atual da inde-nização, tem-se que a reforma das conclusões do aresto impugnado demandaria o reexa-me da matéria fático-probatória dos autos, o que não é permitido, nos termos da Súmula nº 7/STJ. 5. Além disso, a questão referente à impossibilidade de cálculo do valor da terra nua e, em separado, das benfeitorias foi afastada pelo Tribunal a quo, com fundamento na preclusão. Esse ponto, contudo, não foi impugnado no recurso especial, aplicando-se o Enunciado da Súmula nº 283/STF. 6. Em relação às áreas de preservação permanente e de reserva legal, não obstante estar ausente o requisito do prequestionamento, a reforma das conclusões da Corte de origem demandaria o reexame das provas dos autos, atraindo a in-cidência da Súmula nº 7/STJ. 7. Quanto aos juros compensatórios, o aresto recorrido deve ser reformado apenas para afastar a incidência dessa verba no período compreendido en-tre 24.09.1999 (entrada em vigor da Medida Provisória nº 1.901-30/1999) a 13.09.2001 (data liminar concedida na ADIn 2.332/DF), nos termos do que foi definido no julgamento do REsp 1.116.364/PI, Rel. Min. Castro Meira, 1ª S., DJe 10.09.2010, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC. 8. A jurisprudência do STJ admite a incidência de juros moratórios e correção monetária, mesmo quanto à parcela paga por meio de TDA. Veja-se: AgRg-REsp 1.459.124/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 10.10.2014. 9. Recurso especial co-nhecido em parte e provido, também em parte.” (STJ – REsp 1.415.395 – (2013/0362697-5) – 2ª T. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 01.07.2015 – p. 2181)

desConsiderAçÃo dA PersonAlidAde JUrídiCA –

ArT. 50 do CC – HiPóTeses nÃo veriFiCAdAs – enCerrAmenTo irregUlAr dAs ATividAdes –

ABUso dA PersonAlidAde

33986 – “Embargos de declaração. Agravo de instrumento. Desconsideração da perso-nalidade jurídica. Art. 50 do CC. Hipóteses não verificadas. Encerramento irregular das atividades. Abuso da personalidade. Não configurado. Inclusão dos administradores no polo passivo da demanda. Impossibilidade. Omissão não configurada. Efeitos infringen-tes. Impossibilidade. Efetiva e adequada prestação jurisdicional. 1. Os embargos de decla-ração são opostos em face de existência de contradição, omissão ou obscuridade da deci-são impugnada, não para reexame da matéria já apreciada, nem configura via útil cabível para inovação ou modificação do julgado. 2. O v. acórdão impugnado expressamente des-tacou que para que se promova a desconsideração da personalidade jurídica, necessário se faz o preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos do supracitado art. 50 do Có-

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digo Civil. De igual modo, apontou que a jurisprudência também tem considerado, para fins de desconsideração da personalidade jurídica, o fato de a sociedade empresária ter sido irregularmente dissolvida, conforme entendimento contido na Súmula nº 435/STJ. 3. In casu, reputou-se não ser o caso da desconsideração da personalidade jurídica por não verificar a ocorrência dos requisitos basilares para a desconsideração da personalidade jurídica vindicada, tais como a caracterização de fraude, a demonstração de insolvência ou, ainda, a latente confusão patrimonial existente entre a pessoa jurídica e a pessoa física dos associados. Caminhando por essa mesma vereda, o v. julgado descartou a hipótese de aplicação da Súmula nº 435 do STJ ao asseverar que o fato de a pessoa jurídica encerrar suas atividades de maneira irregular não enseja, por si só, a aplicação da disregard doctrine. 4. Não há que se falar em inclusão dos administradores no polo passivo da demanda, para que estes respondam pelas obrigações contraídas pela embargada; haja vista que, por consequência lógica, o indeferimento da desconsideração da personalidade jurídica da re-corrida afasta, pelo menos neste momento processual, a responsabilidade patrimonial dos administradores, em face da distinção entre a pessoa física e a jurídica. 5. O julgador não está obrigado a responder, de modo pormenorizado, todas as questões suscitadas pelas partes, bastando-lhe que, uma vez formada sua convicção acerca da matéria, fundamente a sua decisão, trazendo de forma clara e precisa os motivos que a alicerçaram, dando su-porte jurídico necessário à conclusão adotada. 6. Inexistindo qualquer vício a ser sanado, e considerando que a via dos embargos de declaração não servem ao efeito infringente pretendido, nem mesmo à rediscussão da matéria, rejeitam-se os embargos interpostos. 7. Recurso conhecido e improvido.” (TJDFT – EDcl 20150020064383 – (878019) – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Alfeu Machado – DJe 10.07.2015 – p. 286)

emBArgos À exeCUçÃo – TíTUlo JUdiCiAl – remessA oFiCiAl

33987 – “Processual civil. Embargos à execução. Título judicial. Remessa oficial. Não ca-bimento. 1. As sentenças proferidas em embargos à execução de título judicial opostos pela Fazenda Pública não estão sujeitas ao duplo grau obrigatório, nos termos do art. 475, I e II, do CPC, na redação dada pela Lei nº 10.352/2001. Precedentes desta Corte. 2. Remessa oficial não conhecida.” (TRF 1ª R. – RN 0035069-30.2010.4.01.9199/MG – Relª Desª Fed. Gilda Sigmaringa Seixas – DJe 08.07.2015 – p. 322)

exCeçÃo de PrÉ-exeCUTividAde – redireCionAmenTo Aos sóCios

– CondUTA FrAUdUlenTA

33988 – “Processual civil e tributário. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Redireciona-mento aos sócios. Exceção de pré-executividade. Conduta fraudulenta. Exclusão do polo pas-

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sivo. Impossibilidade. 1. Trata-se de agravo de instrumento manejado por Adierson Carneiro Monteiro e Outros contra decisão que, em sede de execução fiscal, não conheceu da exceção de pré-executividade ofertada pelos agravantes, a qual objetivava a extinção do feito executivo fiscal em relação aos excipientes, uma vez que foram incluídos no polo passivo, através do redirecionamento da execução fiscal, na condição de sócios corresponsáveis. 2. O Juízo a quo considerou que os argumentos relativos à ilegitimidade passiva dos excipientes demandam dilação probatória, sendo matéria típica a ser tratada em embargos à execução fiscal. 3. Ab initio, impende considerar que a exceção de pré-executividade, forma de defesa dos execu-tados, nos próprios autos da execução, foi criada em sede de doutrina e jurisprudência para viabilizar ao executado arguir matérias de ordem pública, como a falta de condições da ação e dos pressupostos processuais, que podem ser declarados ex officio pelo Juiz. 4. Na hipótese em tela, com base na decisão que redirecionou a execução fiscal para os sócios, e na impugnação da Fazenda à exceção de pré-executividade ofertada pelos agravantes, conclui-se pela impos-sibilidade de se aferir, de plano, na via estreita da execução de pré-executividade, se realmente há vício na CDA ora discutida, até porque, em princípio, existem nos autos elementos fortes e contundentes que evidenciam possível conduta fraudulenta, configuradora de infração à lei. 5. Desse modo, inexiste relevância na fundamentação do agravo. 6. Agravo interno não co-nhecido e Agravo de instrumento desprovido.” (TRF 5ª R. – AGTR 0000710-19.2015.4.05.0000 – (141579/SE) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima – DJe 09.07.2015 – p. 87)

exeCUçÃo – PresCriçÃo dA PreTensÃo exeCUTóriA

33989 – “Administrativo. Processual civil. Execução. Prescrição da pretensão executória. Em se tratando de execução fiscal para cobrança de débito de natureza não tributária, aplica-se o prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932. A prescrição executiva origina-se da incúria do agente em materializar sua pretensão, dentro do prazo limite fixado em lei. A Administração possui 5 anos para finalizar o pro-cesso administrativo que objetiva apurar e aplicar penalidade (multa administrativa) e, ao depois, 5 anos para o ajuizamento de execução relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor, contados da constituição definitiva do crédi-to não tributário.” (TRF 4ª R. – AC 0005646-90.2015.404.9999/RS – 3ª T. – Relª Desª Fed. Marga Inge Barth Tessler – DJe 01.07.2015 – p. 35)

exeCUçÃo – TíTUlo exTrAJUdiCiAl – exeCUTAdo – CiTAçÃo ediTAlíCiA – nUlidAde

33990 – “Civil e processual civil. Ação de execução de título extrajudicial. Executado. Citação editalícia. Nulidade. Diligências frustradas. Esgotamento de meios. Prescindibi-

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lidade. Prescrição da pretensão executiva. Reconhecimento. Citação. Fato interruptivo da prescrição. Não aperfeiçoamento. Pretensão ajuizada e recebida antes do implemento do prazo. Demora na citação. Fato atribuível ao funcionamento do mecanismo judicial. Ine-xistência de inércia da parte autora. Prescrição. Reconhecimento. Impossibilidade. Inexis-tência de crédito executado. Arguição. Formulação no grau recursal. Exame. Impossibili-dade. Supressão de instância. 1. O efeito devolutivo próprio dos recursos está municiado com poder para devolver ao exame da instância superior tão somente e exclusivamente as matérias efetivamente resolvidas pela instância inferior, obstando que, ainda penden-te de pronunciamento, a questão não pode ser devolvida a reexame, porque inexistente provimento recorrível e porque não pode o órgão revisor se manifestar acerca de matéria ainda não resolvida na instância originária, sob pena de suprimir grau de jurisdição e vulnerar o devido processo legal. 2. A consumação da citação pela via editalícia pres-cinde do esgotamento das diligências possíveis para a localização do paradeiro do réu, afigurando-se suficiente para que se revista de legitimidade e eficácia que o autor afirme que desconhece o paradeiro do citando e não sobeje nenhum indício de que essa assertiva está desprovida de legitimidade após frustração das tentativas de citação pessoal havidas, não padecendo de nulidade o ato citatório consumado com observância desses requisitos, notadamente quando realizadas diversas tentativas de citação pessoal e de localização do atual endereço do citando, todas frustradas (CPC, arts. 231 e 232). 3. Aviada e recebida a pretensão antes do implemento do prazo prescricional legalmente assinalado, a demora na consumação da citação de forma a ensejar a interrupção do prazo prescricional por fato impassível de ser atribuído à parte autora, até porque exercitara o direito de ação que lhe é resguardado quando ainda sobejava hígido e realizara todas as diligências destinadas a ensejar o aperfeiçoamento da relação processual, obsta a afirmação da prescrição, ainda que o fato interruptivo do prazo prescricional – citação – não tenha se aperfeiçoado ou venha ser realizado somente após o implemento do interregno, devendo o retardamento do ato, nessas condições, ser assimilado como inerente ao funcionamento do mecanismo jurisdicional, não podendo ser imputado nem interpretado em desfavor da parte credora (STJ, Súmula nº 106). 4. Diante da sua origem e destinação, a prescrição tem como premis-sa a inércia do titular do direito, que, deixando de exercitá-lo, enseja a atuação do tempo sobre a pretensão que o assistia, resultando na sua extinção se não exercitada dentro dos prazos assinalados pelo legislador de acordo com a natureza que ostenta (CC, art. 189), o que obsta que seja desvirtuada da sua origem e transmudada em instrumento de alforria do obrigado quando a paralisia do fluxo processual deriva da sua própria incúria, e não da inércia do credor, que, formulando a pretensão, cuidara de ensejar o aperfeiçoamento da relação processual e deflagração da lide, não alcançando êxito por circunstâncias inerentes ao funcionamento do processo, e não em razão da sua incúria. 5. Agravo parcialmente conhecido e na parte conhecida, desprovido. Maioria.” (TJDFT – PC 20150020096898 – (877535) – 1ª T.Cív. – Rel. p/o Ac. Des. Teófilo Caetano – DJe 10.07.2015 – p. 272)

invesTigAçÃo de PATernidAde – inoCorrÊnCiA – PreTensÃo

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de AColHimenTo de ABAndono AFeTivo

33991 – “Civil e família. Processo civil. Recurso especial. Investigação de paternidade. Alegada ofensa ao art. 535 do CPC. Inocorrência. Pretensão de acolhimento de abandono afetivo por omissão. Não configuração. Recurso especial não provido. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando os embargos de declaração são rejeitados pela inexistência de omissão, contradição ou obscuridade, e o Tribunal a quo dirime a controvérsia de forma completa e fundamentada, embora de forma desfavorável à pretensão do recorrente. 2. O desconhecimento da paternidade e o abandono à anterior ação de investigação de pater-nidade por mais de vinte anos por parte do investigante e de seus representantes, sem ne-nhuma notícia ou contato buscando aproximação parental ou eventual auxílio material do investigado, não pode configurar abandono afetivo por negligência. Civil e família. Pro-cesso civil. Recurso especial. Investigação de paternidade. Alegada ofensa ao art. 535 do CPC. Inocorrência. Afastamento da multa de litigância de má-fé. Impossibilidade. Multa devidamente aplicada. Pretensão de prevalência da coisa julgada formal em detrimento do direito de personalidade. Impossibilidade. Precedentes. Recurso especial não provido. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando os embargos de declaração são rejeitados pela inexistência de omissão, contradição ou obscuridade, e o Tribunal a quo dirime a contro-vérsia de forma completa e fundamentada, embora de forma desfavorável à pretensão do recorrente. 2. Demonstrada a indisfarçável pretensão de se alterar a verdade dos fatos e a dificultação na busca da verdade real, justifica-se a aplicação da multa do por litigância de má-fé, na forma do inciso II do art. 17 do CPC. 3. A jurisprudência desta egrégia Corte Superior já proclamou que em ações de Estado, como as de filiação, não se apresenta acon-selhável privilegiar a coisa julgada formal em detrimento do direito à identidade, consa-grada na CF como direito fundamental. Precedentes. Recursos especiais não providos.” (STJ – REsp 1.374.778 – (2013/0039924-3) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 01.07.2015 – p. 2361)

JUsTiçA grATUiTA – PeTiçÃo do reCUso esPeCiAl –

AUsÊnCiA de reColHimenTo dAs CUsTAs JUdiCiAis

33992 – “Processual civil. Pedido de assistência judiciária gratuita formulado na petição do recuso especial. Ausência de recolhimento das custas judiciais. Deserção configurada. Súmula nº 187/STJ. 1. A jurisprudência do STJ está sedimentada no sentido de que o recorrente, no ato da interposição do Recurso Especial, deve comprovar o recolhimento do porte de remessa e retorno e das custas judiciais, bem como dos valores exigidos pelo Tribunal de origem. 2. Apesar da possibilidade de requerimento da assistência judiciá-ria gratuita a qualquer tempo, quando requerida no curso do processo, deve o pedido ser formulado em petição avulsa e autuado separadamente, nos termos do art. 6º da Lei

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nº 1.060/1950. 3. Mesmo não sendo exigido o porte de remessa e retorno dos autos quando se tratar de recursos encaminhados ao STJ e devolvidos integralmente por via eletrônica aos Tribunais de origem (art. 6º da Resolução STJ nº 4/2013), é necessário o recolhimento das custas judiciais, ficando violado o art. 511 do Código de Processo Civil. 4. Ademais, o art. 511, § 2º, do CPC somente é aplicável na hipótese de recolhimento a menor, e não quando inexiste o pagamento. 5. Agravo Regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 649.106 – (2015/0004619-9) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 01.07.2015 – p. 2048)

PenHorA de PerCenTUAl do sAlário mensAl do

imPeTrAnTe – CABimenTo dA AçÃo mAndAmenTAl

33993 – “Recurso ordinário em mandado de segurança. Processual civil. Ato judicial. Pe-nhora de percentual do salário mensal do impetrante. Cabimento da ação mandamental. Aparente violação de direito líquido e certo (CPC, art. 649, IV). Decadência. Não ocorrên-cia. Prestação de trato sucessivo. Recurso parcialmente provido. 1. Não obstante a vedação contida na Súmula nº 267 do eg. Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido a impetração de mandado de segurança quando o ato jurisdicional contiver manifesta ilegalidade ou teratologia, violando direito líquido e certo do impetrante. 2. No caso, o ato apontado como coator – decisão judicial que determina a penhora de verba salarial mensal do executado – contraria, em princípio, o disposto no art. 649, IV, do CPC. 3. Tratando-se de ato judicial que impõe prestações de trato sucessi-vo, o prazo para o ajuizamento da ação mandamental renova-se a cada nova atuação, não incidindo a decadência. 4. Recurso ordinário parcialmente provido.” (STJ – RMS 46.682 – (2014/0261294-8) – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 01.07.2015 – p. 2373)

PenHorA de ProvenTos PrevidenCiários

– imPossiBilidAde – PenHorA de AlUgUel

33994 – “Processo civil. Agravo de instrumento. Penhora de proventos previdenciários. Impossibilidade. Penhora de aluguel. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto por Rosinalda Nunes de Moura, em face da União (Fazenda Nacional), contra decisão que, em sede de embargos de terceiros, indeferiu o pedido de liminar visando à liberação dos valores bloqueados na conta bancária da embargante, ora agravante, através do sistema Bacen.Jud. 2. A agravante insurge-se contra o bloqueio de numerário da conta bancária

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que cotitulariza com a irmã, executada do crédito exequendo, alegando que é terceira estranha à relação processual e que o bloqueio incidiu em verbas impenhoráveis, dado que originadas de proventos de aposentadoria e de contratos de aluguel. 3. Conquanto seja a recorrente terceira à execução fiscal de origem, o bloqueio judicial fora proferido na Conta Bancária nº 0457328-5, cuja titularidade é partilhada pela agravante com sua irmã, a Sra. Edilânia, a qual integra o polo passivo da referida Execução. Logo, não é indevido bloquear-se valores nesta conta. 4. No entanto, verifica-se que o bloqueio atingiu as verbas impenhoráveis concernentes aos proventos de aposentadoria. Compulsando-se os autos, nota-se à fl. 49, a existência de crédito do INSS, inserido à conta nº 0457328-5 no dia 02/10, na importância de 2.341,64 (dois mil, trezentos e quarenta e um reais e sessenta e qua-tro centavos), que deve ser liberado. 5. De outra banda, quanto aos contratos de aluguel, observe-se que, em princípio, não configura verba impenhorável, conforme suscitado pela recorrente. É que os rendimentos percebidos a título de aluguel não são, por si só, créditos de natureza alimentar. 6. Agravo de instrumento parcialmente provido.” (TRF 5ª R. – AGTR 0009604-18.2014.4.05.0000 – (140670/PE) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima – DJe 09.07.2015 – p. 85)

PensÃo Por morTe – FilHAs menores – ComProvAçÃo do

vínCUlo FAmiliAr e dA CondiçÃo de segUrAdo esPeCiAl do exTinTo

33995 – “Previdenciário. Rurícola. Pensão por morte. Filhas menores. Comprovação do vínculo familiar e da condição de segurado especial do extinto, à época do óbito. Início de prova material corroborado pela prova testemunhal. O exercício de atividade urbana anterior não desnatura a condição de segurado demonstrada à data do falecimento. Labor urbano de um cônjuge não descaracteriza a condição de segurado do outro. Concessão do benefício. Verba honorária advocatícia fixada nos termos da Súmula nº 111, STJ. Impro-vimento da apelação e remessa oficial. 1. De logo, esclareço que este feito foi distribuído inicialmente como AC 580170/RN, porém, em razão de cuidar-se de apelação e remessa oficial, teve a sua distribuição corrigida para Ap-Reex 32582/RN. 2. A Constituição Fe-deral assegura a percepção de pensão ao cônjuge e dependentes do segurado, conforme disposição do art. 201, inc. V, com a redação da EC 20/1998. 3. Comprovado o vínculo familiar das autoras com o extinto genitor através das Certidões de Nascimento que re-pousam nos autos. 4. As postulantes apresentaram razoável início de prova material do alegado exercício de atividade rural do instituidor do benefício, pois a Certidão de Óbito, ocorrido em 08.02.2008, assim como a ficha de matrícula da filha, referente aos anos de 2007/2008; o requerimento de matrícula do próprio falecido, nos anos de 1988 a 2000; a ficha de atendimento médico da Secretaria Municipal de Saúde, com data de 07.06.2005; todos contendo a qualificação de agricultor do de cujus, associados à nota fiscal de com-pra de produto agrícola, realizada em 08.06.2006, e corroborados pela prova testemunhal, produzida com as cautelas legais, mediante depoimentos coerentes e sem contradita,

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demonstrando conhecimento das circunstâncias dos fatos que alicerçam o direito aqui pretendido, comprovam a condição de trabalhador rural do extinto, à época do seu pas-samento. 5. O fato do de cujus ter desenvolvido labor urbano, no período de 01.12.1999 a 22.05.2000, conforme consulta Dataprev, não descaracteriza a sua condição de segurado especial, porquanto passou a exercer a atividade campesina nos anos seguintes, consoante restou demonstrado nos autos. 6. Já no que se refere ao mister de professora desenvolvido pela esposa do falecido, tem-se que o desempenho de atividade urbana de um dos côn-juges não desnatura o exercício da labor campesino do outro, posto que o trabalho rural pode ser desenvolvido individualmente, nos termos do disposto no inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/1991. 7. Comprovado o vínculo familiar com o instituidor do benefício e a condição de segurado especial deste, fazem as autoras jus à concessão da pensão por morte do desditoso genitor. 8. Há carência de interesse de recorrer em relação à fixação da verba honorária advocatícia, visto que a decisão hostilizada excluiu as parcelas vincen-das do valor da condenação em honorários advocatícios, estando, portanto, ajustada ao enunciado da Súmula nº 111 do STJ. 9. Apelação e remessa oficial improvidas.” (TRF 5ª R. – Ap-Reex 0001213-16.2015.4.05.9999 – (32582/RN) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Edilson Pereira Nobre Júnior – DJe 09.07.2015 – p. 215)

PresCriçÃo inTerCorrenTe – PrAZo TrinTenário –

inConsTiTUCionAlidAde

33996 – “Prescrição intercorrente. Prazo trintenário. Inconstitucionalidade. Reconheci-mento pelo STF com efeitos ex nunc. É de ser afastado o reconhecimento da prescrição in-tercorrente em execução fiscal a cujos créditos se aplica ainda o prazo prescricional de trin-ta anos, considerado o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal em processo submetido ao procedimento de repercussão geral (Recurso Extraordinário com Agravo nº 709.212/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. em 13.11.2014, DJe 19.02.2015), que reconhe-ceu a inconstitucionalidade do art. 23, § 5º, da Lei nº 8.036, de 1990 apenas com efeitos ex nunc.” (TRF 4ª R. – AC 0006448-88.2015.404.9999/RS – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Rômulo Pizzolatti – DJe 02.07.2015 – p. 116)

reCUPerAçÃo JUdiCiAl – HABiliTAçÃo de CrÉdiTo

33997 – “Recuperação judicial. Habilitação de crédito. Julgamento de improcedência por força do acolhimento de pedido de compensação formulado pela recuperanda, quanto a

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crédito que alega ter, oriundo de negócio jurídico diverso para com a habilitante. Possibi-lidade de compensação no âmbito da recuperação judicial que se mostra controvertida na jurisprudência. Caso em que, de toda forma, não estão presentes os requisitos do art. 369 do Código Civil autorizadores da própria utilização do instituto da compensação. Ques-tionamento relevante por parte da habilitante quanto à existência e amplitude do crédito contraposto ao seu. Obrigação que, realmente, não é fruto de manifestação de vontade inequívoca, com objeto devidamente delimitado, mas da aplicação de cláusula geral de responsabilidade por gastos cujos elementos componentes são questionados em termos ponderáveis pela habilitante. Necessidade em tal caso de prévia discussão entre as partes em torno da formação e composição do direito de crédito da recuperanda em face da habilitante. Compensação afastada. Habilitação acolhida tal qual formulada. Decisão de Primeiro Grau reformada. Agravo de instrumento da habilitante provido para tal fim.” (TJSP – AI 2046450-45.2015.8.26.0000 – São Paulo – 2ª C.Res.DEmp. – Rel. Fabio Tabosa – DJe 08.07.2015)

reCUrso – FAC-símile – enCerrAmenTo do exPedienTe Forense – nÃo ConHeCimenTo

33998 – “Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Interposi-ção de recurso, por meio de fac-símile, completada após o encerramento do expediente forense. Não conhecimento. Aferição da tempestividade pelo relatório de transmissão de fac-símile. Inadmissibilidade. Data do protocolo. Art. 172, § 3º, do CPC. Precedentes do STJ. Agravo regimental improvido. I – No caso, o Recurso Especial foi interposto, via fac--símile, com sua transmissão completada após o encerramento do expediente forense, às 19h, e, portanto, recebido, pelo protocolo do Tribunal de origem, no dia subsequente, após o prazo de 15 dias, previsto no art. 508 do Código de Processo Civil. II – O art. 4º da Lei nº 9.800/1999 dispõe que ‘quem fizer uso de sistema de transmissão torna-se responsável pela qualidade e fidelidade do material transmitido, e por sua entrega ao órgão judiciá-rio’. Assim, eventuais problemas que poderão surgir, durante a transmissão do recurso, via fac-símile, correrão à conta do remetente, e não afastam a exigência do cumprimento dos prazos legais, notadamente a observância ao disposto no art. 172, § 3º, do CPC, que estabelece que, ‘quando o ato tiver que ser praticado em determinado prazo, por meio de petição, esta deverá ser apresentada no protocolo, dentro do horário de expediente, nos termos da lei de organização judiciária local’. III – Na forma da jurisprudência, ‘os recorrentes são os responsáveis pela opção de enviar seu recurso por fax, bem como pela entrega do original ao órgão judiciário, que não se responsabiliza por falhas no sistema, no caso, sequer comprovadas’ (STJ, EDcl-AgRg-Ag 705.975/GO, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª T., DJU de 18.12.2006). IV – É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que ‘a data de interposição do recurso enviado via fac-símile é aquela constante do protocolo de recebimento pelo tribunal, não podendo ser considerada a data constante do relatório de transmissão emitido pelo equipamento de fax’ (STJ, AgRg-AREsp 72.501/SC,

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Rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª T., DJe de 13.06.2013). Em igual sentido: STJ, AgRg-AREsp 250.666/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., DJe de 14.12.2012; STJ, AgRg-AREsp 98.914/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJe de 15.05.2012; STJ, AgRg--REsp 317.099/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª T., DJU de 25.02.2002. V – Agravo Regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 545.666 – (2014/0169788-8) – Relª Min. Assusete Magalhães – DJe 01.07.2015 – p. 1967)

resPonsABilidAde Civil – AçÃo indeniZATóriA Por dAnos mATeriAis e morAis – AçÃo CriminosA PerPeTrAdA Por

TerCeiro nA PorTA de ACesso Ao SHOPPING CENTER – CAso ForTUiTo

33999 – “Civil. Processual civil. Recursos especiais. Responsabilidade civil. Ação indeni-zatória por danos materiais e morais. Ação criminosa perpetrada por terceiro na porta de acesso ao shopping center. Caso fortuito. Imprevisibilidade e inevitabilidade. Excludente do dever de indenizar. Ruptura do nexo causal entre a conduta do shopping e o óbito da vítima dos disparos. Precedentes. Recursos providos. 1. É do terceiro a culpa de quem realiza disparo de arma de fogo para dentro de um shopping e provoca a morte de um frequentador seu. 2. Ausência de nexo causal entre o dano e a conduta do shopping por configurar hipótese de caso fortuito externo, imprevisível, inevitável e autônomo, o que não gera o dever de indenizar (art. 14, § 3º, II, do CDC). Precedentes. 3. Relação de consu-mo afastada. 4. Recursos especiais providos.” (STJ – REsp 1.440.756 – (2013/0321068-2) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 01.07.2015 – p. 2364)

senTençA esTrAngeirA – HomologAçÃo – PorTUgAl

– regUlAmenTAçÃo de resPonsABilidAdes PArenTAis

34000 – “Homologação de sentença estrangeira. Portugal. Regulamentação de respon-sabilidades parentais. Requerida residente no Brasil. Necessidade de expedição de carta rogatória citatória. Requisitos não preenchidos. Invalidade da citação. Indeferimento do pedido. 1. Há evidente irregularidade na citação da ora Requerida para a ação alienígena que ensejou a regulamentação de responsabilidades parentais, aí incluído o direito de visitas do Requerente ao seu filho menor de idade, na medida em que, a despeito de ter residência conhecida no Brasil, não houve a expedição de carta rogatória para chamá-la a integrar o processo, mas mera intimação por via postal, forma não admitida pela lei e

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jurisprudência pátrias. Resta desatendido, pois, requisito elementar para homologação da sentença estrangeira, qual seja, a prova da regular citação ou verificação da revelia. 2. Pedido de homologação indeferido. Condenação do Requerente às custas e honorários.” (STJ – SEC 10.877 – (2014/0313413-3) – C.Esp. – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 01.07.2015 – p. 1359)

soCiedAde ConJUgAl – mAnComUnHÃo – AçÃo de exTinçÃo de Condomínio

– desneCessidAde

34001 – “Teoria da sociedade conjugal. Mancomunhão. Ação de extinção de condomí-nio. Desnecessidade. Racionalização do processo. Apelação cível. Direito civil. Família. Partilha de 02 (dois) bens imóveis e de bens móveis (10.000 – dez mil – quotas societárias) em razão de divórcio. Casamento celebrado aos 24 de julho de 1969, pelo regime da co-munhão universal. Sentença de improcedência. Irresignação. Separação de fato ocorrida em 1987. Incomunicabilidade dos bens adquiridos por qualquer dos ora ex-cônjuges após tal data. Precedentes do e. Superior Tribunal de Justiça. Prédio residencial unifamiliar situado na Rua Professora Arthalides Pisco, nº 21. Certidão do 6º Ofício do Registro de Distribuição. Prova de que o imóvel foi comprado por ambos os litigantes, aos 05.05.1981. Copropriedade que, todavia, não exclui a comunhão universal. Teoria da sociedade con-jugal. Comunhão patrimonial entre os cônjuges que é tratada doutrinariamente como uma mancomunhão (Gesamnte Hand). Condomínio de mão única ou fechada, instituto de ori-gem germânica, que difere do communio, condomínio de tradição romana. Desnecessidade de ajuizamento de ação de extinção de condomínio. Partilha que se impõe, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada litigante. Imóvel Situado na Rua Solemar, nº 19 – escritura de compra e venda e cessão de direitos. Prova de que o bem foi vendido à empresa do ramo de compensados e madeiras, que tem o apelado como um de seus 03 (três) sócios. Propriedade de pessoa jurídica. Figura do sócio, que não se confunde com e que dista da personalidade da sociedade, salvo nos casos previstos no art. 50 do Código Civil. Exclusão do monte partível. Quotas societárias. Sociedade por quotas, de responsa-bilidade limitada, cujos sócios são o recorrido e a pessoa com quem vive maritalmente, e que foi registrada na Jucerja, aos 28 de dezembro de 1998, após a separação de fato. Des-cabimento da partilha. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJRJ – Ap 0007874-60.2007.8.19.0204 – 14ª C.Cív. – Rel. Des. Gilberto Campista Guarino – DJe 08.07.2015 – p. 61)

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JurisprudênciaPenal

STJSuperior Tribunal de JuSTiça

Habeas Corpus nº 299.605 – ES (2014/0179305-9)Relator: Ministro Nefi CordeiroImpetrante: Bruno Angelo Vasconcelos e SouzaAdvogados: Celso Luiz Braga de Lemos

Caio Eduardo de Sousa Moreira Bruno Angelo Vasconcelos e Souza e outro(s)

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoPaciente: Vagner FredericoPaciente: Valdir Silvio PizaniPaciente: Jose Eduardo Gatti

EMENTA

ProCessUAl PenAl e PenAl – HABeAs CorPUs – sUBsTiTUTivo – nÃo CABimenTo – desCAminHo –

desneCessidAde de ConsTiTUiçÃo deFiniTivA do CrÉdiTo TriBUTário – Crime FormAl – FormAçÃo de QUAdrilHA – FAlsidAde ideológiCA – Crimes PrevisTos nos ArT. 19, PArágrAFo úniCo, ArT. 21,

PArágrAFo úniCo, lei nº 7.492/1986 – senTençA de reJeiçÃo dA denúnCiA sem Análise do

mÉriTo – CondenAçÃo Pelo TriBUnAl A QUO – sUPressÃo de insTÂnCiA ConFigUrAdA

– nUlidAde reConHeCidA de oFíCio1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o

Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição

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a recurso especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia.

2. Viola os princípios do juiz natural, devido processo legal, am-pla defesa e duplo grau de jurisdição, a decisão do tribunal a quo que condena, analisando o mérito da ação penal em apelação ministerial in-terposta ante mera rejeição da denúncia.

3. Habeas corpus não conhecido, mas, de ofício, reconhecida a nuli-dade do acórdão proferido pela segunda instância na parte que analisou o mérito da causa, para determinar o prosseguimento da ação penal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima in-dicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Jus-tiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por una-nimidade, não conhecer do habeas corpus, concedendo, contudo, ordem de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), Maria Thereza de Assis Moura, Sebastião Reis Júnior (Presidente) e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 18 de junho de 2015 (data do Julgamento).

Ministro Nefi Cordeiro

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Nefi Cordeiro (Relator): Trata-se de habeas corpus substitutivo no qual busca-se a anulação do acórdão prolatado na apelação criminal, o qual reformou a sentença de primeiro grau para condenar os pa-cientes. Alega-se que o acórdão é nulo em razão da supressão de instância.

Os pacientes foram denunciados pela prática dos crimes previstos nos arts. 334, caput, em continuidade delitiva (9 vezes), 299, em continuidade delitiva (20 vezes), e 288, todos do Código Penal; art. 19, parágrafo único, art. 21, parágrafo único, em continuidade delitiva (4 vezes), ambos da Lei nº 7.492/1986 (fls. 11/25).

A sentença de primeira instância julgou o processo extinto sem resolução do mérito, na forma do art. 395 do CPP c/c art. 267, VI, do CPC, esse analogicamente

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aplicável aos feitos criminais (CPP, art. 3º), por faltar à acusação condição objetiva de punibilidade, e justa causa, à época do seu oferecimento, nos termos da motivação (fls. 62/68).

O acórdão de segunda instância reformou a sentença para condenar os pacientes pela prática dos crimes dos arts. 288 (1 ano de reclusão), 334, § 1º, d (1 ano e 8 meses de reclusão), e 299 (este absorvido pelo descaminho); do art. 21, parágrafo único (1 ano e 8 meses de detenção) e art. 19 parágrafo único, ambos da Lei nº 7.492/1986. Quanto ao crime do art. 19, parágrafo único, da Lei nº 7.492/1986, a pena foi fixada em 4 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão, em regime semi-aberto, além de 221 dias-multa, no valor unitário mínimo. Em concurso material, a pena total, para cada réu, será de 7 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão, além de 308 dias-multa, no valor unitário mínimo (fls. 93/109). Na análise dos embargos de declaração opostos constou: tendo em vista que entre a data dos fatos (2001) e o recebimento da denúncia (2007), transcorreu lapso temporal superior a 4 anos, a teor do art. 109, V, do CP, declaro de ofício, a prescrição retroativa para os crimes cujas penas, excetu-ando-se a continuidade delitiva, não ultrapassaram 2 anos de reclusão ou de detenção (fls. 110/122).

Com informações (fls. 139/186).

Parecer da Sub-Procuradoria Geral da República pela denegação da ordem (fls. 190/196).

A ação penal está suspensa desde 03.03.2015, face à interposição de recurso especial e agravo de instrumento para a presente Corte, conforme consulta ao andamento processual por meio do sítio eletrônico do tribunal de origem.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Nefi Cordeiro (Relator): Ressalvada pessoal com-preensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequa-do o writ quando utilizado em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal (HC 213.935/RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJe de 22.08.2012; e HC 150.499, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe de 27.08.2012, assim alinhando-se a precedente do Supremo Tribunal Federal (HC 104.045/RJ, Relª Min. Rosa Weber, 1ª T., DJe de 06.09.2012).

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Nada impede, contudo, que, de ofício, constate a Corte Superior a exis-tência de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia, o que ora pas-so a examinar.

O writ impetrado arguiu a nulidade do acórdão por ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição e consequentemente à ampla defesa e ao contra-ditório, pois a sentença de primeiro grau extinguiu o processo sem análise do mérito, não podendo o acórdão enfrentá-lo, sob pena de supressão de instân-cia e violação ao princípio do juiz natural.

A decisão de primeira instância reconheceu que a denúncia não pos-suía justa causa em face da ausência, ao tempo do seu oferecimento, da cons-tituição definitiva do crédito tributário junto à Receita Federal, motivo pelo qual não poderia prosseguir a ação penal quanto ao crime de descaminho, e, por identificar uma cadeia delitiva, a análise dos demais crimes imputados na denúncia estaria prejudicada. Assim, a sentença apresentou o seguinte dispositivo (fls. 62/68):

Ante o exposto, julgo o processo extinto sem resolução do mérito, na forma do art. 395 do CPP c/c art. 267, VI, do CPC, esse analogicamente aplicável aos feitos criminais (CPP, art. 3º), por faltar à acusação condição objetiva de punibilidade, e justa causa, à época do seu oferecimento, nos termos da motivação.

Ressalto a possibilidade de propositura de nova ação penal, não viciada pelas razões expostas na fundamentação. Sem custas. Após o trânsito em julgado, façam-se as anotações e comunicações de praxe, podendo o MPF requerer, antes da baixa e do arquivamento, cópias ou originais que enten-da pertinentes.

Nota-se que a decisão de primeiro grau, alinhada ao entendimento ju-risprudencial que admitia o descaminho como crime material, reconheceu que a ausência da constituição do crédito tributário fulminava a ação penal por ausência de justa causa. Nesse diapasão, o magistrado sentenciante não enfrentou o mérito da ação penal, preferiu rejeitar a denúncia e extinguir o feito, asseverando inclusive a possibilidade da propositura de nova ação pe-nal caso os vícios fossem sanados.

A segunda instância, ao julgar o recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, registrou (fls. 110/122):

Ora, assiste parcialmente razão ao Parquet. Entendo que foram praticados os crimes do art. 288, do art. 334 e do art. 299 (neste delito, aplico o princí-

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pio da absorção para os réus aos quais foram imputados o crime de des-caminho), todos do CP, além dos delitos dos arts. 19 e 21, ambos da Lei nº 7.492/1986.

Portanto, procedem as alegações do MPF quanto à materialidade e autoria delitivas, vez que foram constatados, nas operações de câmbio e nas DIs (Declarações de Importações), além do subfaturamento das mercadorias (através da utilização de informações falsas sobre os valores das mercado-rias), a ocultação do real importador e do efetivo exportador e o financia-mento fraudulento pela Fundap, na medida em que os benefícios fiscais só deveriam ser concedidos a empresas do Espírito Santo (JA&A, a real importadora, estava sediada em São Paulo).

[...]

Considerando os fatos, temos que os réus, administradores das empresas Orimpex, JA&A e Legus, praticaram o descaminho, previsto no art. 334, § 1º, d, do CP (adquirir mercadorias de procedência estrangeira, acompa-nhadas de documentos que sabe serem falsos). Entendo que, para o crime de descaminho, não há necessidade de constituição definitiva do crédito tributário. Portanto, o encerramento do procedimento fiscal não se confi-gura como condição de procedibilidade da ação.

Quanto ao crime do art. 21, parágrafo único da Lei nº 7.492/1986

Atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identidade, para realização de ope-ração de câmbio. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, para o mesmo fim, sonega informação que devia prestar ou presta informação falsa.

Os réus das empresas Orimpex e JA&A praticaram, também, o crime do art. 21, parágrafo único da Lei nº 7.492/1986; ora, a empresa JA&A uti-lizou-se de fraude, na medida em que era a real importadora, apesar de oculta, servindo-se da Orimpex que, declarava, falsamente, que efetuava as operações em nome e conta de terceiros, a saber, as empresas-laranja Legus e Pró-Orion.

A prática do descaminho, através do subfaturamento das DIs (falsidade dos valores declarados) é crime autônomo em relação ao delito previsto no art. 21, parágrafo único, da Lei do Sistema Financeiro. Com efeito, este crime se configurou no momento em que a empresa, para a realização de contratos de câmbio, prestou informações falsas sobre a verdadeira impor-tadora, a JA&A que estava impedida de operar no Siscomex. Ademais, os

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crimes do art. 334, do CP e o do art. 21, da Lei nº 7.492/1986, possuem objetos jurídicos distintos.

Ora, conforme os contratos de fls. 156/173, a empresa-fantasma Pró--Orion foi a responsável pela liquidação dos contratos de câmbio das DIs 00/0616060-8, 00/0616065-9, 00/0618788-3 e 00/0783410-6.

Quanto ao crime do art. 19, parágrafo único, da Lei nº 7.492/1986 (obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira.

Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é come-tido em detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento. A Fundap (Fundo de Desenvolvimen-to das Atividades Portuárias), instituído pela Lei Estadual nº 2.508/1970, promove incentivos fiscais e financeiros a empresas do ES que atuavam no ramo de comércio exterior; a finalidade deste Fundo era atrair maiores investimentos para o estado do Espírito Santo. Entretanto, com o passar do tempo, as práticas comerciais foram sendo utilizadas de outra manei-ra; as empresas fundapianas, em vez de realizarem importações em nome próprio, passaram a atuar como meras prestadoras de serviços aos reais importadores sediados fora do ES, efetuando trading que consistia em em-prestar seu nome e CNPJ e, consequentemente, a condição de beneficiária do Fundap às empresas de fora do território, passando as operações a se denominarem “importações por consignação”, termo que não constava como modalidade de importação perante o Siscomex. Esta prática gera prejuízos fiscais aos demais estados.

A Orimpex obteve um crédito de 8% do valor da operação, mediante um contrato de financiamento, pela Fundap, fornecido pelo Bandes, com con-dições facilitadas, benefícios só oferecidos a empresas do Espírito Santo; na realidade, quem gozou dos benefícios foi a JA&A, sediada em São Paulo.

Quanto à aplicação da absorção dos crimes de falso

De fato, as informações falsas foram inseridas para possibilitar importa-ções irregulares, objetivando a atuação de empresa proibida de atuar no Siscomex; ocorre que as informações sobre valores falsos consistiram em meio para alcançar importações subfaturadas. Portanto, o falso, no caso em tela, deve ser absorvido pelo previsto no art. 334, § 1º, d, do CP e nos arts. 19 e 21 da Lei nº 7.492/1986. Com efeito, de acordo com a Súmula nº 17, do STJ, não deve ser tão abstrata a potencialidade lesiva dos crimes de falso pois, em princípio, todas as falsidades podem ser utilizadas, no futuro, em outros ilícitos.

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Quanto ao crime do art. 288, do CP

Entendo, também, que os réus se associaram de forma permanente e es-tável, criando artifícios fraudulentos, empresas-fantasma, sócios inexis-tentes, perpetrando condutas delituosas, as mais diversas, com o objetivo de praticar crimes de sonegação de tributos e contra o sistema financeiro nacional. Assim, estão incursos nas penas do delito de formação de quadri-lha, previsto no art. 288, do CP.

Verifica-se que José Eduardo Gatti, Vagner Frederico, Valdir Sílvio Pizani, Amílcar Salustiano Esteves promoveram a falsificação das DIs (9) e, em conluio com Fernando Romão Frejuello, a falsificação de 11 notas fiscais, além de praticarem as condutas delituosas referentes ao sistema financei-ro nacional pois eram os responsáveis pelos contratos de câmbio e pelo financiamento fraudulento; para tal desideratum, se associaram de forma permanente e estável. Portanto, praticaram os crimes do art. 334, § 1º, d, do CP e o delito do art. 299 (este absorvido pelo descaminho) além do crime de quadrilha do art. 288, todos do CP; praticaram, ainda, os crimes do art. 19, parágrafo único e art. 21, parágrafo único, ambos da Lei nº 7.492/1986.

Luiz Antônio Canato e Amilton Cássio Cardoso da Silva participaram das importações irregulares, das falsificações das DIs (5) e das notas fiscais (5). Portanto, praticaram os crimes do art. 334, § 1º, d, do CP e também, o delito do art. 299, do CP que restou absorvido pelo descaminho, além do delito de formação de quadrilha (art. 288, do CP).

Fernando Frejuello se dispôs a atuar como laranja e colaborou na falsi-ficação das notas fiscais (11) e nas DIs (4). Portanto, praticou o crime do art. 299 e o do art. 288, ambos do CP, delitos imputados a este réu, na de-núncia.

Deste modo, além de considerar segunda instância desnecessária a constituição definitiva do crédito tributário para o crime de descaminho, aca-bou por diretamente condenar o agente por tal crime. Quanto aos crimes de falsidade ideológica, entendeu por aplicar o princípio da absorção, pois as declarações falsas seriam um meio para a prática do delito fim de descami-nho (fls. 93/109).

Na ocasião do julgamento dos embargos declaratórios, foi declarada a prescrição retroativa para os crimes do art. 288, art. 334, § 1º, c, ambos do Código Penal e para o delito do art. 21, parágrafo único, da Lei nº 7.492/1986. A pena definitiva restou 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de

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reclusão, regime semi-aberto, e 221 (duzentos e vinte e um) dias-multa, no valor mínimo (fls. 110/122).

Para a matéria vertente, o Supremo Tribunal Federal padronizou seu entendimento por meio da Súmula nº 709, dispondo que salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela.

Percebe-se do acórdão objurgado que a instância a quo, ao julgar a ape-lação interposta contra a sentença que rejeitou a denúncia, foi além do mero recebimento da denúncia, e adentrou ao mérito da causa, culminando com a condenação dos pacientes e outros.

Caberia ao Tribunal local tão somente prover o recurso, para o proces-samento penal regular. O enfrentamento antecipado do mérito da ação penal pela segunda instância fustigou a competência do juízo de primeiro grau, com clara supressão de instância, em violação ao princípio do juiz natural, pois ninguém poderá ser processado nem sentenciado senão pela autoridade com-petente (art. 5º, LIII, da CF), tampouco admite-se juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII, da CF).

Ante o exposto, voto por não conhecer do habeas corpus, mas, de ofício, reconhecer a nulidade do acórdão proferido pela segunda instância na parte que analisou o mérito da causa, para determinar o prosseguimento regular da ação penal.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEXTA TURMA

Número Registro: 2014/0179305-9

Processo Eletrônico HC 299.605/ES

Matéria criminal

Números Origem: 00093671520054025001 200250010082972 200550010093673 3532002 3542002 93671520054025001

Em Mesa Julgado: 18.06.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro Nefi Cordeiro

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior

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Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Humberto de Paiva Araújo

Secretário: Bel. Eliseu Augusto Nunes de Santana

AUTUAÇÃO

Impetrante: Bruno Angelo Vasconcelos e Souza

Advogado: Bruno Angelo Vasconcelos e Souza e outro(s)

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Paciente: Vagner Frederico

Paciente: Valdir Silvio Pizani

Paciente: Jose Eduardo Gatti

Corréu: Alencar da Cruz Natario Filho

Corréu: Amilcar Salustiano Esteves

Corréu: Luiz Antonio Canato

Corréu: Amilton Cassio Cardoso da Silva

Corréu: Fernando Romão Frejuello

Assunto: Direito Penal – Crimes praticados por particular contra a admi-nistração em geral – Contrabando ou descaminho

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Sexta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Sexta Turma, por unanimidade, não conheceu do habeas corpus, conce-dendo, contudo, ordem de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Re-lator.

Os Srs. Ministros Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), Maria Thereza de Assis Moura, Sebastião Reis Júnior (Presidente) e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.

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STJSuperior Tribunal de JuSTiça

AgRg no Habeas Corpus nº 300.873 – MS (2014/0195020-0)Relator: Ministro Rogerio Schietti CruzAgravante: Rodrigo da Silva de AmorimAdvogado: Defensoria Pública da UniãoAgravado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul

EMENTA

PenAl – AgrAvo regimenTAl no HABEAS CORPUS – AmeAçA e viAs de FATo – WRIT sUBsTiTUTivo

de reCUrso PróPrio – AmBienTe domÉsTiCo oU FAmiliAr – lei mAriA dA PenHA – sUBsTiTUiçÃo

dA PenA PrivATivA de liBerdAde Por resTriTivA de direiTos – imPossiBilidAde – revogAçÃo dA

sUsPensÃo CondiCionAl dA PenA – TemA nÃo APreCiAdo PelA CorTe de origem – sUPressÃo de

insTÂnCiA – AgrAvo regimenTAl nÃo Provido1. Esta Corte, na esteira do que vem decidindo o Supremo Tribu-

nal Federal, não tem admitido que o remédio constitucional seja utiliza-do em substituição ao recurso próprio, tampouco à revisão criminal, o que não impede, em situações de flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade individual, seja concedida, de ofício, a ordem de habeas corpus.

2. Na hipótese, o agravante foi condenado, pela prática do crime previsto no art. 147 do Código Penal e pela contravenção disposta no art. 21 do Decreto-Lei nº 3.668/1941, à pena de 1 mês e 15 dias de deten-ção, afastada a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, por ameaça de morte e vias de fato por desferir tapa no rosto da esposa.

3. Como o crime praticado pelo agravante envolveu violência ou grave ameaça contra pessoa, incabível a substituição da pena privativa

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de liberdade por restritiva de direitos, a teor do disposto no art. 44, I, do Código Penal. Precedentes.

4. A inexistência de debate prévio de determinado tema na ori-gem inviabiliza, tout court, a impetração de writ diretamente nesta Cor-te, sob pena de indevida supressão de instância.

5. Agravo regimental não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), Maria Thereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 18 de junho de 2015.

Ministro Rogerio Schietti Cruz

RELATÓRIO

O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz: Rodrigo da Silva Amorim interpõe agravo regimental contra decisão monocrática de minha lavra, na qual neguei seguimento à impetração, e, mesmo ao analisar seu conteúdo, não identifiquei razões suficientes para engendrar a concessão, ex officio, da ordem.

O agravante afirma que o mandamus deve ser conhecido e, no mérito, assevera ter direito à substituição da pena por restritiva de direitos, conforme posição adotada no HC 209.154/MS e HC 87.644/RS, ambos da Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça.

Nesses termos requer seja concedida a ordem e, alternativamente, que seja revogada a suspensão da pena a fim de poder cumpri-la no regime aber-to (fl. 378).

EMENTA

PenAl – AgrAvo regimenTAl no HABeAs CorPUs – AmeAçA e viAs de FATo – WriT sUBsTiTUTivo

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de reCUrso PróPrio – AmBienTe domÉsTiCo oU FAmiliAr – lei mAriA dA PenHA – sUBsTiTUiçÃo

dA PenA PrivATivA de liBerdAde Por resTriTivA de direiTos – imPossiBilidAde – revogAçÃo dA

sUsPensÃo CondiCionAl dA PenA – TemA nÃo APreCiAdo PelA CorTe de origem – sUPressÃo de

insTÂnCiA – AgrAvo regimenTAl nÃo Provido1. Esta Corte, na esteira do que vem decidindo o Supremo Tribu-

nal Federal, não tem admitido que o remédio constitucional seja utiliza-do em substituição ao recurso próprio, tampouco à revisão criminal, o que não impede, em situações de flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade individual, seja concedida, de ofício, a ordem de habeas corpus.

2. Na hipótese, o agravante foi condenado, pela prática do crime previsto no art. 147 do Código Penal e pela contravenção disposta no art. 21 do Decreto-Lei nº 3.668/1941, à pena de 1 mês e 15 dias de deten-ção, afastada a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, por ameaça de morte e vias de fato por desferir tapa no rosto da esposa.

3. Como o crime praticado pelo agravante envolveu violência ou grave ameaça contra pessoa, incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, a teor do disposto no art. 44, I, do Código Penal. Precedentes.

4. A inexistência de debate prévio de determinado tema na ori-gem inviabiliza, tout court, a impetração de writ diretamente nesta Cor-te, sob pena de indevida supressão de instância.

5. Agravo regimental não provido.

VOTO

O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz (Relator):

1 HABeAs CorPUs – sUBsTiTUiçÃo Ao reCUrso PróPrio

Preliminarmente, releva salientar que o Superior Tribunal de Justiça, na esteira do que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, não admite que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso pró-prio (apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco à revisão criminal, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade

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do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do(a) paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.

Sob tal ótica, observo que este writ se volta contra acórdão proferido em apelação/embargos infringentes, o que, salvo patente ilegalidade, se enquadraria nos casos de inadmissão por este Colegiado, tal como afirmado alhures.

i – Contextualização

Não obstante os esforços perpetrados pelo ora agravante, não constato fundamentos suficientes a infirmar a decisão agravada, cuja conclusão man-tenho.

Confiram-se os fatos descritos na denúncia (fl. 18):

Consta do presente Inquérito Policial que no dia 1º de julho de 2012, por volta das 17h30m, na Rua Prudentópolis, 712, Bairro Panorama, em Campo Grande/MS, o denunciado Rodrigo da Silva de Amorim praticou vias de fato contra a vítima A. B. R., sua esposa, desferindo-lhe um tapa.

Consta, ainda, que na mesma ocasião, o denunciado Rodrigo da Silva de Amorim ameaçou causar mal injusto e grave à vítima A. B. R., afirmando--lhe: “se você não ficar comigo, não fica mais com ninguém, se você arranjar outro eu te mato” (sic).

A vítima representou criminalmente contra o denunciado (fl. 05).

Posto isso, estando satisfatoriamente presentes os requisitos para a propo-situra da ação penal, o Ministério Público Estadual denuncia Rodrigo da Silva de Amorim como incurso nas penas do art. 147 (ameaça), do Código Penal, e art. 21, do Decreto-Lei nº 3.688/1941, observando-se as disposições da Lei nº 11.340/2006 (destaquei).

O Juízo de primeiro grau sentenciou nos seguintes termos:

Realizada a instrução, a vítima A. B. R. relata que foi casada com o réu durante dezoito anos e que no dia dos fatos em diante se separou do réu; que vinha tendo discussão por causa de ciúmes porque o réu não queria que a vítima trabalhasse e nem estudasse; que o réu de um ano para cá estava ficando cada vez mais agressivo e por motivos banais, como se a vítima saísse para caminhar já não gostava; que a vítima tinha que fazer tudo com o réu ou com sua permissão; que no dia dos fatos saiu e voltou rapidamente; que a vítima disse que iria a igreja e o réu disse que não iria e como a vítima insistiu que iria a igreja o réu pegou uma pedra de mármore e jogou para cima da vítima que desviou; que a vítima tentou correr mas o réu

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juntou a vítima e desferiu dois tapas na vítima; que como já estava enjoada das agressões foi na delegacia dar parte; que quando estava na delegacia rece-beu um telefone do réu e quando disse que estava na delegacia e que iria separar dele, quando o réu disse se você se separar vou te matar e se não fosse dele não seria de mais ninguém; que ficou com medo do réu cumprir as ameaças; que nunca processava o réu porque pensava como processar e continuar com ele; que apenas fazia os boletins; que não agrediu o réu; que quem presenciou foram os filhos que estavam na sala.

A testemunha A. M. B. R. narra que é filha do réu e da vítima; que presen-ciou os dois fatos; que o réu desferiu um tapa no rosto da vítima; que os dois estavam discutindo quando o réu desferiu o tapa; que a vítima disse que iria separar quando o réu ameaçou de morte a vítima; que a vítima ficou com medo e dois irmãos menores presenciaram isso; que o réu sempre foi agressivo, até com os filhos; que não foi a primeira agressão do réu pois a vítima tem uma facada no corpo dela; que o réu disse que não iria assinar o divórcio; que a vítima recebeu também mensagens e ligação do réu ameaçando; que o réu ligou novamente para vítima ameaçando quando ela estava na delegacia.

[...].

Posto isso, julgo procedente a denúncia para condenar Rodrigo da Silva de Amorim como incurso nas penas do art. 147 do Código Penal e art. 21 da Lei das Contravenções Penais, por prática das infrações penais de ameaça e vias de fato, respectivamente, conforme apurado na instrução.

[...] Total das penas: 01 (um) mês de detenção e 15 (quinze) dias de prisão simples, em regime aberto. Considerando o disposto no art. 44, I, do Código Penal, a pena privativa de liberdade não pode ser substituída por penas restritivas de direitos quando o delito for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, hipótese tratada nos autos, em que o crime foi praticado com grave ameaça à pessoa, no caso a vítima A. B. R.

Sendo assim, tem o acusado direito público subjetivo à suspensão das pe-nas, nos termos do art. 77 e incisos, do Código Penal, de forma que concedo ao réu o benefício da suspensão da pena pelo prazo de 02 (dois) anos, em razão de estarem devidamente satisfeitos todos os requisitos para conces-são do sursis. As condições serão estabelecidas pelo Juiz da Execução Penal (fls. 106-107 e 112, grifei).

A Corte estadual, por ocasião do julgamento da apelação, entendeu inviável proceder-se à permuta, pelos seguintes fundamentos (fls. 265-266):

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Com efeito, no presente caso, presentes os dois óbices, já que o apelante ameaçou a vítima de morte e lhe tapas no rosto.

[...].

Frise-se, outrossim, a substituição da pena vai de encontro ao escopo pro-tetivo da Lei nº 11.340/2006, que visa a punir com mais rigor os casos de violência doméstica, para, como política afirmativa, reforçar o caráter pre-ventivo geral da pena e reduzir as ocorrências de violação desses direitos humanos das mulheres.

De outro vértice, a medida também esbarra no art. 44, III, especialmente porque A. relatou ter sofrido diversas agressões durante o período em que conviveu com o apelante.

A filha do casal confirmou as declarações da mãe, relatando que as cenas de violência eram frequentes, relatando que Rodrigo era agressivo até com os filhos.

Vê-se, portanto, que os autos noticiam não se mostrar suficiente nem so-cialmente recomendável a substituição da pena corporal por restritiva de direitos (sic).

Opostos, os embargos infringentes não foram acolhidos (fls. 324-333).

ii – impossibilidade de substituição da pena quando o crime for cometido com violência ou grave ameaça

Conforme destacado na decisão agravada, o Tribunal de origem, acom-panhando jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, manteve a impos-sibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, a teor do disposto no inciso I do art. 44 do Código Penal, visto que o crime praticado pelo paciente (ameaça de morte e vias de fato por desferir tapa no rosto da esposa – fl. 107) envolveu grave ameaça contra pessoa.

Nesse sentido: PENAL E PROCESSUAL – HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RE-CURSO PRÓPRIO – CRIME DE AMEAÇA – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRI-TIVA DE DIREITOS – VEDAÇÃO LEGAL

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, sob pena de desvirtuar a finalidade dessa garantia consti-

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tucional, exceto quando a ilegalidade apontada for flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.

2. Mostra-se incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos casos de crime cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa, a teor do disposto no art. 44, I, do Código Penal.

3. Gravidade da ameaça reconhecida pelas instâncias ordinárias, suficiente para causar temor à vítima.

4. Habeas corpus não conhecido.

(HC 314.550/MS, Rel. Min. Gurgel de Faria, 5ª T., DJe 27.03.2015)

PROCESSO PENAL – RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – ART. 147 DO CÓDIGO PENAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI MARIA DA PENHA – SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVA DE DIREITOS – VEDAÇÃO – NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISI-TOS DO ART. 44, I, DO CÓDIGO PENAL – RECURSO NÃO PROVIDO

1. O art. 44 do Código Penal estabelece requisitos que, se preenchidos, autorizam a substituição da pena corporal por restritiva de direitos. Todavia, na espécie, diante do crime praticado pelo recorrente (ameaça de morte), não resta preenchida a hipó-tese do inciso I do referido artigo.

2. Recurso não provido.

(RHC 36.539/MS, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe 20.05.2014)

iii – revogação da suspensão condicional da pena No que tange à alegada revogação da suspensão da pena para que pos-

sa cumpri-la no regime aberto, verifico que essa matéria não foi analisada pelo Tribunal de origem, circunstância que impede a apreciação dessa questão di-retamente por esta Corte Superior de Justiça, sob pena de, assim o fazendo, incidir na indevida supressão de instância.

iv – dispositivoÀ vista do exposto, nego provimento ao agravo regimental.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEXTA TURMA

AgRg-HC 300.873/MS Número Registro: 2014/0195020-0

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Matéria criminalNúmeros Origem: 00021161520138120001 00583270820128120001 21161520138120001 583270820128120001Em Mesa Julgado: 18.06.2015Relator: Exmo. Sr. Ministro Rogerio Schietti CruzPresidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis JúniorSubprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Humberto de Paiva AraújoSecretário: Bel. Eliseu Augusto Nunes de Santana

AUTUAÇÃO

Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul

Advogado: Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso do Sul

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul

Paciente: Rodrigo da Silva de Amorim

Assunto: Direito penal – Crimes praticados por particular contra a admi-nistração em geral – Desobediência

AGRAVO REGIMENTAL

Agravante: Rodrigo da Silva de Amorim

Advogado: Defensoria Pública da União

Agravado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Sexta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimen-tal, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), Maria Thereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

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TrF 2ª r.Tribunal regional Federal da 2ª região

V – Apelação Criminal nº 12305 2010.51.01.802898-9Nº CNJ: 0802898-32.2010.4.02.5101Relator: Desembargador Federal Abel GomesApelante: Marcio Leite de CastroAdvogado: Fabiola Santoro Garcia (RJ176955) e outrosApelado: Ministério Público FederalOrigem: Sétima Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro (201051018028989)

EMENTA

PenAl e ProCesso PenAl – APelAçÃo CriminAl – ConTrABAndo – Uso de máQUinAs eleTrÔniCAs ProgrAmAdAs – mATeriAlidAde

e AUToriA ComProvAdAs – CondUTA dolosA – CondenAçÃo mAnTidA

I – A materialidade do crime e sua autoria restaram comprova-das, não pairando dúvidas em relação à existência de provas suficientes para a condenação do ora recorrente.

II – O dolo restou plenamente demonstrado pelas provas produ-zidas no curso da instrução.

III – Negado provimento ao recurso.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima in-dicadas, acordam os membros da Primeira Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, em negar provi-mento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 17 de junho de 2015 (data do Julgamento).

Abel Gomes Desembargador Federal Relator

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RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por Marcio Leite de Castro (fl.455) em face da sentença de fls. 439/448, proferida pela Dra. Priscilla Mendonça Wagner, Juíza Federal Substituta da 7ª Vara Federal Crimi- nal/SJRJ, que condenou o apelante à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no art. 334, § 1º, c e d, e § 2º do CP. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, a saber, prestação de serviços à entidade filantrópica e prestação pecuniária, consistente no pagamento de 03 (três) salários míni-mos em gêneros alimentícios, material escolar ou medicamentos, a critério do juízo de execução.

Segundo a denúncia (fls. 296/299), no dia 19.06.2009, foram apreendi-das 94 (noventa e quatro) Máquinas Eletrônicas Programadas – MEP, além de R$ 3.865,00 (três mil, oitocentos e sessenta e cinco reais), num imóvel loca-lizado na Estrada Roberto Burle Marx, nº 1775, Barra de Guaratiba, onde fun-cionava um bingo clandestino (Auto de apreensão, fls. 154/155). O imóvel, de propriedade de Paulo Pereira Ferreira, estava locado ao acusado, desde 27.03.2009, conforme consta do contrato de locação (fls. 262/266).

A Denúncia foi recebida no dia 09.07.2013 (fls. 344/346).

Sentença Condenatória publicada em 22.05.2014 (fl. 448).

Recurso defensivo à fl.455, juntando suas razões às fls. 471/477.

Contrarrazões e parecer ministerial realizados conjuntamente às fls. 480/494, manifestando-se o Procurador Regional da República Dr. José Augusto Simões Vagos, pelo conhecimento e desprovimento da apelação.

É o relatório. À Douta Revisão.

Rio de Janeiro, 08 de abril de 2015.

VOTO

i – AdmissiBilidAde

O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e deve ser co-nhecido.

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ii-1 do direiTo

ii-1.1 do objeto de importação proibida

À vista dos sempre renovados argumentos de fato e de direito, conti-dos tanto nas defesas formais dos acusados por infrações como as que cons-tam da denúncia, mais especificamente tratando do crime de contrabando de máquinas e componentes para montagem de máquinas eletrônicas progra-máveis, utilizadas em última análise em jogos de azar, como também dos ar-gumentos contidos em decisões, sentenças e até votos judiciais a respeito da matéria, no sentido de que por várias razões não cabe em tais casos acolher as denúncias formuladas, quer por ausência de tipicidade, quer por ausência de provas cabais a respeito do crime de contrabando, mais especificamente o laudo pericial nos componentes eletrônicos para saber a sua exata procedên-cia, volto a avaliar a questão à luz de todos os argumentos e das provas que em regra constam de processos dessa natureza.

No que concerne à tipicidade do crime de contrabando, reafirmo o posicionamento adotado recentemente no julgamento da Apelação Criminal nº 2012.51.01.013658-7, que me serve de paradigma próprio, quanto à origem da proibição de importação de tais componentes, bens ou coisas, porquanto no caso é irrelevante para os fins da proscrição penal a denominação que se queira prestar a esses objetos, porquanto o que interessa para fins da de comércio exterior é não permitir o ingresso de tudo aquilo que seja capaz, eficaz e dirigido à produção ou montagem de máquinas caça-níqueis (MEPs) no território nacional.

Com efeito, os jogos de azar são atividades proibidas no Brasil desde o Decreto-Lei nº 9.215, de 30 de abril de 1946, que restaurou, em todo o territó-rio nacional, a vigência do art. 50 e seus parágrafos da Lei das Contravenções Penais, sendo certo que no decorrer da história até os dias de hoje, com o advento ainda da Lei nº 1.521/1951 (art. 2º, IX), que capitulou os crimes con-tra a economia popular, jamais deixou de configurar ilícito penal, quer sob o prisma da contravenção, quer sob o dos crimes contra a economia popular, vindo, ainda, quando da edição da denominada Lei Pelé, a ser reforçada a sua proscrição, mediante a proibição da instalação de máquinas da natureza das que foram apreendidas neste processo, nas salas dos bingos autorizados, como se depreendia do art. 73 da Lei nº 9.615/1998, autorização aquela que também foi revogada pela Lei nº 9.981/2000.

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Mas a questão suplanta o âmbito meramente interno, e hoje está abar-cada pelo âmbito de atuação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, como órgão da administração direta com competência para atuar no estabelecimento de políticas de comércio exterior e na regu-lamentação e execução dos programas e atividades relativas ao comércio exterior, com a aplicação dos mecanismos de defesa comercial, segundo os princípios e regras que norteiam, sobretudo, as atividades que são proibidas e até criminalizadas no território nacional.

E para isso, referido Ministério se vale das atribuições da Secretaria de Comércio Exterior, que é justamente a responsável pela edição das Portarias Secex que regulam o licenciamento para importação de mercadorias, o fazen-do por força do atual Decreto nº 7.096, de 04 de fevereiro de 2010, que revo-gou o Decreto nº 6.209, de 18 de setembro de 2007, que por sua vez revogou o Decreto nº 5.532, de 06 de setembro de 2005, com base no qual foram editadas as Portarias Secex nºs 14/2004 e 35/2006, ambas citadas na sentença recorrida como a base normativa da atipicidade que o magistrado reconheceu, equivocadamente, di-ga-se, na conduta.

E quando a Secex edita normas vedando licenças à importação de de-terminadas mercadorias, o faz em função da defesa do comércio, mas dentro das diretrizes que orientam o Brasil nesse âmbito de política de comércio ex-terior, dentre as quais, está a diretriz de vedar a importação de produtos que afetem a concorrência, a saúde pública, a indústria e o comércio nacionais, e as normas que proíbem determinadas atividades no território nacional, como o caso dos jogos de azar, sobremodo os que atualmente se praticam mediante parafernálias eletrônicas.

Na verdade a questão é bastante objetiva: se determinada atividade é proibida no território nacional, principalmente por ser considerada crime contra a economia popular (art. 2º, IX da Lei nº 1.521/1951) ou contravenção penal (art. 50 da LCP), capaz de lesar o bolso e as economias daqueles que são por ela ludibriados quando jogam sem chances de ganho provável em razão de suas perícias, mas sujeitos a um azar programado computacionalmente, então tudo quanto for apto a engendrar tais mecanismos é proibido de ser importado; não se dá licença para tanto; e a burla a essa proibição configura crime de contrabando (art. 334 e seus parágrafos e alíneas do CP), já agora de competência da Justiça Federal.

Veja-se que não se está aqui a abraçar nenhuma análise de ordem ideo-lógica ou moral contra o jogo. A avaliação é meramente jurídica. Tais jogos

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são proibidos mediante sanção penal, e num momento histórico e econômi-co em que os jogos de azar podem ser veiculados por máquinas eletrônicas totalmente estrangeiras ou montadas com componentes estrangeiros (e isso até mesmo para burlar sua proibição interna), elas, por inteiro, ou os mate-riais que servem a tal desiderato, passam a ser proibidos à importação, e a insistência em trazê-los e deles se utilizar, de qualquer forma, na atividade comercial ou industrial, é crime federal de contrabando. Simples assim!

Quanto à vedação feita pela Secex na Portaria nº 14, de 17.11.2004, no item III do Anexo B1, e que não se reproduziu integralmente na Portaria Secex nº 35, de 24.11.2006, no item I do Anexo B2 por inteiro, na verdade tal fato não se deu em razão de revogação parcial da importação específica de “par-tes, peças e acessórios importados quando destinados ou utilizados na montagem das referidas máquinas”.

É que a proibição que se destina às máquinas de videopôquer, videobingo, caça-níqueis e outras máquinas eletrônicas para jogos de azar, por óbvio só faz sentido como a dar efetividade à proibição do jogo, do momento em que afete o todo e qualquer maquinário capaz de promover os jogos de azar em geral. Esse é o objeto proibido internamente, e que leva a Secex a proibir a importação de todo maquinário capaz de ir contra o que se proíbe interna-mente.

Afinal, o que é uma máquina capaz de promover jogos de azar? A sua carcaça apenas, grande e perceptível? Ou as placas-mães, menores, mas capa-zes de processar a aleatoriedade com que se logra a sorte alheia? A máquina de jogo de azar se consubstancia na base de madeira ou outro qualquer mate-rial que sirva de gabinete para a montagem das peças, ou mais se compatibi-liza com o “noteiro” que recebe a dinheirama dos jogadores, juntamente com a tal placa mãe que impede ganhos segundo habilidades?

1 “III – Máquinas Eletrônicas Programadas – MEP – Não serão deferidas licenças de importação para máquinas de videopôquer, videobingo, caça-níqueis, bem como quaisquer outras Máquinas Eletrônicas Programadas (MEP) para exploração de jogos de azar, classificadas nas subposições 9504.30, 9504.90 e 8471.60 da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM).

a) O disposto neste item aplica-se, também, às partes, peças e acessórios importados, quando destinados ou utilizados na montagem das referidas máquinas.”

2 “I – Máquinas Eletrônicas Programadas – MEP – Não serão deferidas licenças de importação para máquinas de videopôquer, videobingo, caça-níqueis, bem como quaisquer outras Máquinas Eletrônicas Programadas (MEP) para exploração de jogos de azar.”

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A carcaça e os gabinetes de montagem, por si sós, sem placas-mães e “noteiros”, seriam capazes de permitir a promoção do jogo de azar? Ou são as placas-mães e os “noteiros”, que juntos é que permitem o processamento da jogatina em que somente a sorte define o ganhador? Sorte essa programa-da, com certeza, não a favor dos clientes dos estabelecimentos comerciais.

Nesse sentido, a alínea a da Portaria Secex nº 14/2004, que não se re-produziu na Portaria Secex nº 35/2006, configurava apenas norma explicati-va daquilo que era o objeto da proibição de licença de importação, segundo a proibição penal interna da atividade do jogo de azar, qual seja: máquinas de jogos de azar em geral, assim entendidas as coisas, mercadorias, sistemas, peças ou seja lá o que for, que efetivamente faça com que o jogo de azar se processe.

Em razão disso, a simples exclusão da referida alínea a da Portaria Se-cex nº 35/2006 em nada aboliu a proibição de que se importasse placas-mães e “noteiros”.

A consubstanciar ainda mais essa exegese, veja-se que os Anexos da referidas Portarias da Secex não podem ser interpretadas isoladamente, até porque, como Anexos, não podem descurar do texto principal e teleológico da norma. E é no art. 113 da Portaria Secex nº 35/2006, recentemente repetido na Portaria Secex nº 36, de 22.11.2007, que se esclarece de uma vez por todas que para efeitos de licença para importação de máquinas, na concepção do que sejam máquinas se inclui tudo aquilo que é inerente aos seus fins, tanto que é dispensada a descrição detalhada de peças sobressalentes que as acom-panham.

Não cabendo então falar em nenhuma revogação do texto efetivamente prescritivo e proibitivo da Portaria Secex nº 35/2006, com a simples exclusão da norma explicativa e obviamente supérflua da alínea a do item III do Anexo

3 “Art. 11. O pedido de licença deverá ser registrado no Siscomex pelo importador ou por seu representante legal ou, ainda, por agentes credenciados pelo Departamento de Operações de Comércio Exterior (Decex), da Secretaria de Comércio Exterior e pela Secretaria da Receita Federal (SRF).

§ 1º A descrição da mercadoria deverá conter todas as características do produto e estar de acordo com a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM).

§ 2º É dispensada a descrição detalhada das peças sobressalentes que acompanham as máquinas e/ou equipamentos importados, desde que observadas as seguintes condições:

I – as peças sobressalentes devem figurar na mesma licença de importação que cobre a trazida das máquinas e/ou equipamentos, inclusive com o mesmo código da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), não podendo seu valor ultrapassar 10% (dez por cento) do valor da máquina e/ou do equipamento;”

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da antiga Portaria nº 14/2004 da Secex, cabe adentrar irrelevante diferen-ciação a respeito do que seja o elemento objetivo do tipo penal do art. 334 e parágrafos do CP: “mercadoria”.

Com efeito, mercadoria, no vernáculo4 é “o que é objeto de comércio”; “bem econômico destinado à venda”; “mercancia”; “bem comerciável, tangível (em distinção a serviço)”.

Numa definição mais afeta ao âmbito econômico-financeiro, mercado-ria é, ainda, segundo clássica definição doutrinária5: “nome genérico com que se designa todo o produto que se compra ou que se vende”.

Situada no âmbito da doutrina do Direito Penal sobre o crime de con-trabando e descaminho, para Jesus6, mercadoria é “coisa móvel de qualquer na-tureza”. Ou ainda, como realça Mirabete7, “a primeira parte do art. 334, caput, refere-se ao contrabando, ou seja, à conduta de importar ou exportar mercadoria proi-bida. Importar significa trazer para o país e exportar é tirar dele qualquer mercadoria pouco relevando se o faça através da alfândega ou fora dela”. (grifei)

Assim, não é necessária uma longa e até confusa digressão sobre con-cepções a respeito de mercadoria para fins diversos, ainda que discutidos em outros ramos do direito. O direito não é um mero jogo gramatical de palavras e a própria interpretação gramatical não é a que melhor extrai o objeto jurídi-co e a finalidade da norma, segundo um sentido prático e valorativo que os fatos assumem no mundo perante a sociedade.

O que se proíbe no art. 334 e § 1º, c do CP, à luz dos fatos em julgamen-to, é a utilização, por qualquer forma, no exercício de atividade comercial, de mercadoria de procedência estrangeira, que se sabe ser produto de introdu-ção clandestina ou fraudulenta no país.

E a proibição, no caso, deriva de Portarias sucessivas do Secex, que desautorizam licenças para máquinas caça-níqueis, assim compreendidas aquelas que possibilitam o ingresso no território nacional de jogos de azar,

4 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Editora Positivo, p. 1376.

5 GOMES, Luiz Souza. Dicionário Econômico – Comercial e Financeiro. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores, 1945, p. 187.

6 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – 4º volume – Parte Especial. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 204.

7 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Especial III. São Paulo: Atlas, 2006, p. 371.

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proscritos de nosso cenário jurídico, ainda que pela forma de jogos eletrôni-cos ou computacionais, o que, material, lógica e empiricamente, se consegue mediante o emprego das placas-mães e dos “noteiros” referidos.

Nessa esteira, na verdade esses argumentos mais confirmam do que contrariam, a concepção de que o real objeto da norma proibitiva do art. 334, § 1º, c do CP: mercadoria, mais se coaduna com os componentes: placas-mãe e “noteiros”, do que com qualquer outra coisa, montada ou não, porque são esses objetos, coisas, bens ou mercadorias, que encerram materialmente a prática do objeto último da proibição normativa nacional: jogos de azar.

Essa é a sistemática jurídica da proibição que foi violada pela conduta do acusado. E não a torna lícita o fato de haver jogos autorizados por meio de loterias entregues inclusive a órgãos de empresa pública federal (CEF), porquanto os jogos de azar da espécie dos que viabilizados em tese pelo ma-quinário apreendido estão proibidos, inclusive penalmente.

A propósito, é oportuno que se relembre que no ano de 2006, tentou-se ressuscitar o tema da proibição do jogo por meio de máquinas caça-níqueis, mediante o ingresso de pedidos de liminares em Medidas Cautelares Inomi-nadas (nºs 2006.02.01.010253-8; 2006.02.01.010563-1), para atribuir efeito sus-pensivo a recursos ordinários interpostos em autos de mandos de seguran-ça ajuizados pela Reel Token Comércio e Importação Exportação e Serviços Ltda. e pela Abraplay Indústria e Comércio de Eletroeletrônicos Ltda., que tinham por objeto a liberação de máquinas eletrônicas de videopôquer, video-bingo e caça-níqueis, apreendidas por ordem do Juízo da 4ª Vara Federal de Niterói, em processo que apurava a prática deste mesmo crime do art. 334, § 1º, c do CP, liminares essas que foram deferidas pelo então Vice-Presidente desta Egrégia Corte, Desembargador Federal Carreira Alvim.

Ocorre que por meio da Suspensão de Segurança nº 3048, ajuizada pelo Procurador-Geral da República, o Ministro Gilmar Mendes do STF, assim se pronunciou sobre essa polêmica em torno de jogos veiculados por tais má-quinas:

“O art. 4º da Lei nº 8.437/1992 autoriza o deferimento de suspensão da execução de liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes em caso de manifesto interesse público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas. No presente caso, en-tendo que se encontram demonstradas graves lesões à ordem e à segurança públicas, pois a liberação das máquinas eletrônicas apreendidas, a serem utilizadas na exploração de jogos de azar e loterias, é, num juízo prefacial e

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estritamente necessário para a apreciação do pedido de suspensão, medida que se incompatibiliza com a natureza contravencional dessa atividade, nos termos dos arts. 50 a 58 do Decreto-Lei nº 3.688/1941, o que atrairia, também, o disposto no art. 22, I, e XX da Constituição Federal.

Além disso, a neutralização da decisão judicial originariamente impugnada, destinada à repressão da prática de contravenção penal, configura ofensa à ordem pública, aqui entendida em termos de ordem administrativa. Ade-mais, conforme destacado pelo Ministro Nelson Jobim, ao julgar a STA 19, ‘não há como sustentar, portanto, os prejuízos de ordem econômica e ad-ministrativa apontados pelos requerentes, visto que o conjunto normativo no qual se baseia a atividade dos bingos no Estado do Rio de Janeiro não resiste ante os precedentes jurisprudenciais desta Corte’.

Aponto, por último, recentes decisões desta Presidência, nessa mesma linha, proferidas no julgamento da STA 72/PR, da SL 133/RJ e da SS 3.042/RS.

4. Ante todo o exposto, defiro o pedido formulado para suspender a exe-cução das liminares concedidas pelo Vice-Presidente do TRF da 2ª Região nos autos das Medidas Cautelares Inominadas nºs 2006.02.01.010253-8 e 2006.02.01.010563-1 (fls. 26-34 e 134-141).”

Destarte, é inequívoca a proscrição de tais atividades, mediante inclu-sive sanções penais, o que resultou na proibição de importação de tudo quan-to seja capaz de viabilizar jogos de azar por meios eletrônicos, proibição essa que, se burlada, enseja a capitulação do fato na norma do art. 334 e seu § 1º, c do CP.

E mesmo que assim não fosse, mister destacar que a Instrução Norma-tiva da SRF nº 309/2003 ainda está em vigor, dela constando:

Art. 1º As máquinas de videopôquer, videobingo e caça-níqueis, bem assim quaisquer outras máquinas eletrônicas programadas para exploração de jogos de azar, procedentes do exterior, devem ser apreendidas para fins de aplicação da pena de perdimento.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, também, às partes, pe-ças e acessórios importados, quando, no curso do despacho aduaneiro ou em procedimento fiscal posterior, ficar comprovada sua destinação ou uti-lização na montagem das referidas máquinas.

A própria Receita Federal tem se manifestado sistematicamente, em casos como este, alegando que a exploração de MEPs, mesmo que com di-

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versas denominações (máquinas caça-níqueis; jogos de azar etc.), é conside-rada atividade ilícita, de modo que a operacionalizar a repressão fazendária administrativa a tal atividade, passou a expedir, a partir de 1999, Instruções Normativas para viabilizar a pena de perdimento de tais máquinas e com-ponentes, detalhando que o objeto de tal sanção é tanto a máquina como um todo montado, quanto suas partes, peças e acessórios importados.

É de se observar, então, que o que importa no caso é o conteúdo ma-terial do objeto da proibição, e não a forma pela qual se a veicula, e isso está diretamente ligado à aptidão das coisas importadas para servirem à prática de atividades proscritas penalmente em nosso país. Mesmo que a Secex ou a Receita só tenham instrumentalizado formalmente suas normas a partir de um determinado momento, o certo é que a atividade em si é proibida penal-mente há muito tempo, desde meados da década de 1940 do século passado.

ii-1.2 A questão do exame pericial obrigatório

No que diz respeito à necessidade de exame pericial das máquinas e/ou de seus componentes, com vistas a definir especificamente se em todas as unidades das coisas apreendidas se está diante de mercadorias de impor-tação proibida, voltando a avaliar a matéria, reafirmo que em nosso direito pro-cessual não existe prova tarifada, de modo que nenhuma prova deve ser tida como absoluta ou mesmo única capaz de permitir a conclusão a respeito do fato em julgamento.

Mesmo no caso do exame de corpo de delito, que não se confunde com as perícias em geral, sua exigência não é sempre absoluta, devendo ele ser apenas exigido de forma mais peremptória em infrações que deixam vestí-gios materiais da ação delituosa no objeto dessa ação, tais como as lesões cor-porais, em que a infração consiste exatamente na prática de tais lesões contra alguém, o que torna a prova de tais crimes muito mais difícil e complexa sem o exame de corpo de delito, mas não impossível.

Afinal, compreenda-se bem que a ausência do corpo de delito apenas anula a instrução quando ele for preterido em sua feitura embora possível, a teor do art. 564, III, b, c/c art. 167 do CPP, mas não nos casos de impossi-bilidade de realização ou perda de vestígios, quando então valerá a análise conjunta do que restar no acervo probatório.

Há, ainda, crimes para os quais a prova pericial (que não se confunde com exame de corpo de delito) é importante para a elucidação do caso, mas

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não é tarifada a ponto de impedir que outras provas possam levar ao mesmo conhecimento a respeito do fato delituoso e sua materialidade.

Sendo assim, mesmo nos casos dos quais estamos tratando, em que máquinas e/ou componentes são apreendidos, e não são realizados exames periciais diretos em todos ou em alguns dos objetos da apreensão, dado o contexto em que tais fatos corriqueiramente ocorrem em nosso convívio so-cial, não se pode de imediato ter como não comprovado, pelas autoridades da persecução penal, a prática do crime do art. 334 do CP, mormente na sua espécie contida no § 1º, c.

Isso porque:

a) As máquinas e/ou componentes em regra são apreendidos em flagrante funcionamento para jogos de azar, hipóteses em que em regra a ilicitude do fato faz com que seus componentes sejam contrabandeados;

b) Mesmo sendo de conhecimento público e notório, a proibição dessas práticas e as operações policiais contra as mesmas, os detentores das referidas máquinas não apresentam no momento da apreensão nenhum documento, qualquer que seja, que possa dar início à prova da origem lí-cita da atividade, a começar pela confecção do maquinário em território nacional de forma regular, e sem importação vedada de componentes;

c) Os documentos produzidos pela Abinee (Associação Brasileira de In-dústria Elétrica e Eletrônica), e muitas vezes juntados aos autos dos pro-cessos, são confusos e ambíguos, não se podendo extrair deles conclusão que exclua peremptoriamente a prática de contrabando nos casos em exame;

d) Tais documentos informam que não constam nos cadastros da Associa-ção fabricantes nacionais de processadores (circuito integrado) para pla-ca-mãe e noteiros, e mesmo quanto ao chip de memória, módulo/cartões de memória, e discos rígidos HDs, relaciona apenas algumas empresas fabricantes no Brasil e cadastradas na Associação, mas não mostra se foram elas as responsáveis pelos objetos das apreensões;

e) Os documentos da Abinee, por outro lado, não se debruçam sobre os bens apreendidos nos processos penais, se limitando a trazer informa-ções genéricas e em abstrato, com vistas a operarem a título de dúvida.

Assim, argumentos calcados na dúvida sobre o objeto da proibição que eventualmente não tenha sido submetido a exame pericial, no todo ou em

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parte, não merecem ser acolhidos à vista de todo o contexto em que se exa-minam todas as provas.

Afinal, não é porque existe a possibilidade de alguns componentes ele-trônicos estarem sendo produzidos no país que exatamente aqueles que são apreendidos pela polícia, nas situações padrão acima aventadas e sem ne-nhuma cobertura de regularidade quanto à origem, possam estar incluídos nessa condição excepcional de fabricação nacional.

E, a meu juízo, não cabe cogitar de que essa avaliação da prova se dá a título de inversão de ônus! Afinal, se, no limiar da persecução, a polícia empreendeu diligência, se deparou com maquinário/componente de jogo de azar (MEPs), similar a todos aqueles com os quais já se deparou inúmeras vezes, verificando a ausência ostensiva de origem identificada e não foram apresentados documentos de regularidade quanto à procedência, há, a meu ver, suporte probatório suficiente acerca do art. 334, § 1º, c, do CP.

E mais, se o processo já avançou até o final da instrução, e em nenhuma oportunidade veio aos autos qualquer demonstração da regularidade quanto à origem nacional do maquinário/componentes a título de defesa, à luz de tudo o que já se apreciou no parágrafo antecedente, principalmente pela au-sência na própria parafernália de indicação de procedência nacional, todo o contexto leva mesmo à conclusão de se tratar de objeto de contrabando.

E essa prova a cargo da defesa, para contrapor álibi àquelas apresenta-das pelo MPF, sequer seria de difícil obtenção pelo acusado, caso a ativida-de antecedente de fabricação ou montagem das máquinas estivesse regular quanto à importação dos componentes por quem contratou a exploração de-las com o dono do estabelecimento onde foi apreendida.

Todas essas questões perdem relevância quando se tem um laudo, ain-da que parcial, quanto à procedência estrangeira dos componentes, pois na parte em que constata a procedência estrangeira cuja importação é proibida nos termos dos normativos da SECEX e RF, acaba servindo de elemento in-diciário de procedência estrangeira também no que concerne ao que não foi periciado diretamente em razão da adoção da técnica da amostragem.

No mais, cabe então averiguar o presente caso concreto.

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ii-2 dos FATos

ii-2.1 materialidade

No caso em tela, a origem estrangeira dos bens (94 máquinas eletrônicas programadas) se encontra devidamente configurada, de forma que se extrai do Laudo de Perícia Criminal acoplado às fls. 209/212, que o ficheiro, o notei-ro e o dispositivo Hooper apresentam marcas estrangeiras. Sendo pertinente ressaltar que nenhuma das 94 máquinas apreendidas veio acompanhada de nota fiscal ou guia de importação.

A materialidade está, portanto, inquestionavelmente comprovada nos autos, mediante laudo pericial.

ii-2.2 imputação subjetiva

Mesmo tendo o acusado negado autoria, esta se encontra devida-mente comprovada, contribuindo para a sua elucidação, os depoimentos judiciais prestados pelos policiais militares Paulo Ricardo da Costa e Silva (fls. 392/392) e Douglas de Castro Camargo (fls. 394/395), depoimentos cor-roborados pelos interrogatórios do réu e demais circunstâncias fáticas de-monstradas nos autos.

De acordo com os policiais militares (fls. 392/395), funcionava um pequeno cassino no imóvel alugado pelo acusado, localizado na Estrada Roberto Burle Marx, nº 1775, Barra de Guaratiba. No local havia diversas máquinas caça-níqueis, onde muitas pessoas jogavam na ocasião da diligên-cia. Afirmaram que o local era amplo, escuro e ermo, havendo um cômodo destinado à montagem das máquinas.

Afirmou o proprietário do imóvel, Paulo Pereira Ferreira (fl. 407), que o contrato de aluguel fora realizado por uma imobiliária e que não sabia da existência de um bingo no local. Consta do contrato locatício (fls. 262/266), o acusado como locatário do referido imóvel, qualificado ainda como “gerente comercial”.

Interrogado (fls. 401/402), o acusado afirmou ter alugado o local para a realização de eventos, momento em que pagou R$ 9.000,00 (nove mil reais) de uma conta poupança que possuía, como forma de pagamento antecipado por três meses de aluguel. Disse o acusado que já tinha quatro filhos na épo-ca, e que trabalhava como corretor de imóveis, não sabendo porquê estava qualificado no contrato locatício como gerente comercial. Concluiu o apelan-

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te, de forma expressa, que “não fez sublocação do local” e que “deixou o sítio fechado”.

Todavia, em novo interrogatório (fls. 408/409), o acusado alterou sua versão dos fatos. Neste momento, afirmou que não foi capaz de alugar o imó-vel para eventos, motivo pelo qual teria repassado o mesmo, verbalmente a terceiro de nome “Beto”, pessoa jamais identificada, e que de acordo com o acusado, teria lhe entregue há cinco anos, a quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais) pelo negócio, não tendo sido este contrato formalizado.

Entretanto, aproximadamente três meses depois do referido interroga-tório, o apelante fora preso em flagrante como o responsável por outro bingo clandestino, sitiado na Avenida Dom Hélder Câmara, nº 4.898, Cachambi/RJ, gerando a denúncia ofertada nos autos nº 2009.51.01811579-3 (fls. 275/280).

Quanto à referida prisão em flagrante, o acusado afirmou que teria dei-xado a profissão de corretor de imóveis, assumindo a profissão de taxista, estando no local apenas esperando uma passageira (também jamais identifi-cada), momento em que decidiu conhecer o bingo e jogar. Não fora capaz de explicar o porquê de ter sido apontado como responsável pelo local (fl. 409).

A mencionada prisão, conjuntamente com a apreensão das 94 máqui-nas de caça-níqueis em imóvel locado pelo apelante, aliadas à inverossimi-lhança e contrariedade de suas teses, demonstram a livre e consciente vonta-de do acusado de explorar atividade proibida por lei.

Note-se que Marcio Leite de Castro também não apresentou álibi crível a respeito de não lhe ser possível compreender o âmbito de ilicitude que en-volvia a utilização das máquinas no referido estabelecimento.

Destarte, o Ministério Público Federal se desincumbiu do seu ônus probatório, na medida em que demonstrou, além da materialidade, que o re-corrente explorava as máquinas contrabandeadas no estabelecimento comer-cial alugado pelo mesmo, onde foram apreendidas, sem que o acusado fosse capaz de infirmar a acusação com qualquer álibi efetivamente comprovado nos autos.

Por outro lado, não haveria como sustentar que o acusado desconhecia a ilicitude de sua conduta. Certamente tinha ciência de que a imprensa na-cional divulgava, à época dos fatos, e ainda divulga constantemente, notícias acerca de irregularidade quanto à utilização de tais máquinas programadas. Além de ter sido o apelante, ulteriormente, preso em flagrante na qualidade de responsável por outro bingo clandestino (fls. 275/280).

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Nem se diga que o fato é atípico porque ele não realizou a importação da mercadoria, uma vez que o tipo do art. 334, § 1º, c do CP prevê a conduta criminosa de quem:

c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, uti-liza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação frau-dulenta por parte de outrem;

Não é preciso que o acusado, pessoalmente, providencie a importação da mercadoria. Basta, como foi o caso, que a tenha utilizado no exercício de atividade comercial.

Deste modo, entendo por provadas a materialidade e a autoria delitiva no tipo previsto no art. 334, § 1º, c e d, e § 2º do Código Penal.

Mantenho a pena fixada, tendo em vista que foi razoável e proporcio-nalmente estabelecida.

É importante que o acusado esteja ciente desde já que se não cumprir a pena restritiva de direitos (alternativa) acabará mesmo sujeito à pena privati-va de liberdade, em regime inicialmente aberto.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso

É como voto.

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TrF 4ª r.Tribunal regional Federal da 4ª região

Apelação Criminal nº 5010804-45.2014.4.04.7002/PRRelator: João Pedro Gebran NetoApelante: Ministério Público FederalApelante: Walter Andres Torales ChamorroAdvogado: Edson Luiz PagnussatApelado: os mesmos

EMENTA

PenAl – TráFiCo de drogAs PrivilegiAdo – ArT. 33, CAPUT e § 4º, dA lei nº 11.343/2006 – TrAnsPorTe

PúBliCo – inAPliCABilidAde dA CAUsA de AUmenTo – ACUsAdo esTrAngeiro – PossiBilidAde

de FixAçÃo do regime iniCiAl ABerTo e dA sUBsTiTUiçÃo dA PenA PrivATivA de liBerdAde

1. Comprovadas a autoria e a materialidade, sendo o fato típico, antijurídico e culpável, e considerando, ainda, a inexistência de causas excludentes de ilicitude e de culpabilidade, deve ser mantida a conde-nação pela prática do crime de tráfico de drogas, tipificado no art. 33 da Lei nº 11.343/2006.

2. A causa de aumento de pena para o delito de tráfico de droga cometido em transporte público (art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006) so-mente incidirá quando demonstrada a intenção de o agente praticar a mercancia do entorpecente em seu interior.

3. A condição de estrangeiro não afasta a possibilidade de fixação de regime de cumprimento diverso do fechado, bem como a substitui-ção da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, devendo ser prestigiada a isonomia entre estrangeiros e nacionais.

4. Deverá ser oficiado, com urgência, ao juízo de origem, a fim de que sejam adotadas as providências cabíveis quanto à alteração do

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regime prisional e a substituição das penas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos, devendo o acusado ser colocado em liber-dade, salvo se por outro motivo não tiver de permanecer preso.

5. Apelação do acusado provida para, a despeito de se tratar de estrangeiro, fixar o regime inicial aberto para cumprimento da pena pri-vativa de liberdade – esta fixada em 02 (dois) anos e 11 (onze) meses – e substituir a pena corporal por uma pena restritiva de direitos – na mo-dalidade de prestação pecuniária – e multa.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do Ministério Público Federal e dar provimento à apelação do acusado, revogando a prisão preventiva de Walter Andres Torales Chamorro, devendo este ser posto em liberdade, exceto se tiver de permanecer recolhido à prisão por motivo diverso, nos termos do relatório, votos e notas ta-quigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 08 de julho de 2015.

Juiz Federal Nivaldo Brunoni Juiz Federal Convocado

RELATÓRIO

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de Walter Andres Torales Chamorro, paraguaio, filho de Benito Torales e Maria Luzia Chamorro, nascido em 30.11.1995, em Pedro Juan Caballero, no Paraguai, portador da cédula de identidade paraguaia nº 6673033, imputando-lhe a prática de condutas descritas no art. 33, caput, combinado com o art. 40, incs. I e V, todos da Lei nº 11.343/2006.

A inicial acusatória narra o seguinte (origem – evento 1, INIC1):

No dia 29 de junho de 2014, por volta das 17h, na pista de entrada da Aduana da Ponte Internacional da Amizade, em Foz do Iguaçu/PR, Walter Andres Torales Chamorro foi preso em flagrante por, dolosamente e cons-ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, importar e transportar 5.560 g (cinco quilos e quinhentos e sessenta gramas) da droga conhecida como maconha, na forma de haxixe, substância entorpecente que causa de-

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pendência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com determi-nação legal ou regulamentar, após adquiri-la no Paraguai.

Na ocasião dos fatos, servidores da Receita Federal, em fiscalização de roti-na na Ponte Internacional da Amizade, abordaram um ônibus da empresa Nossa Senhora de la Assuncion, com destino a São Paulo/SP, no qual se encontrava o denunciado.

Durante a revista do veículo, foi encontrada uma mala muito pesada, a qual foi aberta, encontrando-se no seu interior, debaixo de um fundo falso muito bem costurado e preparado, duas grandes placas de haxixe.

O denunciado foi identificado como proprietário da mala por meio do controle das etiquetas coladas nas bagagens, realizado pelos motoristas da empresa de ônibus.

[...]

Ademais, a autoria e a transnacionalidade do delito ficaram demonstradas pela própria situação do flagrante, já que o denunciado foi abordado com a droga no momento em que cruzava a fronteira, bem como pela sua con-fissão de que levava a droga de Ciudad del Este até São Paulo, no Brasil.

Assim agindo, Walter Andres Torales Chamorro importou e transportou, sem autorização, 5.560 g (cinco quilos e quinhentos e sessenta gramas) da droga conhecida como maconha, na forma de haxixe”.

Nesses termos, por entender que Walter Andres Torales Chamorro praticou o crime do art. 33, caput c/c art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, requereu o Ministério Público Federal o recebimento da denúncia, com a consequente citação do acusado para se ver processado até ulterior julgamento

A denúncia foi recebida em 06.10.2014 (origem – evento 16, DESPA-DEC1).

Instruído o feito, foi proferida sentença, em 14.11.2014, julgando proce-dente a pretensão acusatória, para condenar o acusado pela prática de tráfico de drogas às penas de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, acrescidos de 291 (duzentos e noventa e um) dias-multa, cada um no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à data do fato, entendendo incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos ou a concessão da suspensão condicional do processo ao acusado por se tratar de estrangeiro (origem – evento 50, SENT1).

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O acusado interpôs apelação requerendo a reforma da sentença quanto ao regime inicial de cumprimento da pena que lhe foi imposto. Refere que a sua condição de estrangeiro não lhe tira o direito de ser beneficiado por regime diverso do fechado, pois o Estatuto do Estrangeiro não condiciona a instauração de inquérito de expulsão à prisão do acusado. Postula, ao final, além da fixação do regime aberto para o início de cumprimento da pena, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (ori-gem – evento 60, RAZAPELA1).

O Ministério Público Federal, por sua vez, interpôs apelação requeren-do a reforma da sentença quanto à exasperação da pena: (a) pela aplicação da causa de aumento referente à utilização de transporte de transporte público para a importação da droga, (b) afastamento da aplicação da causa de dimi-nuição do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, e (c) subsidiariamente, aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, no patamar de 1/6 (origem – evento 70, RAZAPELA1).

Com contrarrazões (origem – evento 69, CONTRAZAP1), os autos fo-ram remetidos a esta Corte.

Nesta instância, o Ministério Público Federal apresentou parecer opi-nando pelo desprovimento do recurso do acusado e pelo parcial provimento de seu próprio recurso para que seja afastada a aplicação da causa de dimi-nuição do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 (evento 5, PAREC_MPF1).

É o relatório. À revisão.

Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto Relator

VOTO

1 dos FATos

Segundo consta da denúncia, o acusado no dia 29.06.2014, por volta das 17h, na pista de entrada da Aduana da Ponte Internacional da Amiza-de, em Foz do Iguaçu/PR, foi preso em flagrante por importar e transportar 5.560 g (cinco quilos e quinhentos e sessenta gramas) de maconha, na forma de haxixe.

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2 do TráFiCo de drogAs

Em relação ao mérito da condenação, não há recurso das partes, tam-pouco ilegalidade a ser sanada de ofício, razão pela qual deve ser mantida a sentença:

2.1 Materialidade

Consta dos autos do inquérito policial que, no dia 29 de junho de 2014, na Aduana da Ponte Internacional da Amizade, servidores da Receita Federal do Brasil, submeteram um ônibus da empresa Nossa Senhora de Assun-ção, procedente do Paraguai, com destino a São Paulo/SP, a fiscalização, oportunidade em que lograram encontrar, na bagagem transportada pelo passageiro Walter Andres Torales Chamorro, 5,560Kg (cinco quilos, quinhen-tos e sessenta gramas) de substância de cor escura e pastosa, aparentando ser haxixe, envolta em plástico e distribuída em dois tabletes. Com efeito, foi Walter Andres Torales Chamorro conduzido à Delegacia de Polícia Federal de Foz do Iguaçu/PR, onde foi autuado em flagrante pela prática do crime do art. 33, caput, c/c art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006.

A substância apreendida foi submetida a exame pericial, oportunidade em que, mediante exames físicos para identificação de suas características morfológicas e técnicas de extração de seus componentes químicos, logra-ram os peritos criminais constatar que as análises realizadas resultaram positivas para o vegetal Cannabis sativa Linneu, seja em face de suas carac-terísticas, seja em razão da identificação em sua composição do Tetraidro-canabinol, seu principal componente químico e psicoativo, além de outros canabinóides, na forma popularmente conhecida como haxixe (evento nº 48 do inquérito policial).

Segundo a Portaria nº 344/1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Minis-tério da Saúde, o tetraidrocanabinol é substância de uso proscrito no Brasil (Lista F), classificada como entorpecente (Listas F1). A Cannabis sativa Linneu, por sua vez, constitui planta que pode originar substância entorpecente e/ou psico-trópica (Lista E). Referidas substâncias, são capazes de causar dependência física e/ou psíquica.

Dispõem o parágrafo único do art. 1º, parágrafo único, e o art. 66 da Lei nº 11.343/2006, in verbis:

Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.

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Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam--se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob con-trole especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998.

Com efeito, havendo nos autos notícia do transporte de substância inserida nas listas de substâncias entorpecentes e outras sob controle especial da Portaria nº 344/1999 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saú-de, e, nos termos dos art. 1º, parágrafo único, e art. 66 da Lei nº 11.343/2006, inseridas no conceito legal de droga, resta evidenciada a materialidade do fato narrado na denúncia.

Posto isso, passo à análise da autoria.

2.2 Autoria

Como assinalado no tópico anterior, o acusado Walter Andres Torales Chamorro foi preso em flagrante delito, por estar transportando os 5,560Kg (cinco quilos, quinhentos e sessenta gramas) de haxixe apreendidos, o que su-gere ser ele autor da conduta narrada na denúncia.

A condutora e a testemunha do flagrante afirmaram em sede policial e em juízo que a droga apreendida foi encontrada na bagagem transporta-da pelo acusado, identificada a partir das etiquetas de identificação aposta pela companhia responsável pelo ônibus em que ele viajava (evento nº 01 do inquérito policial e evento nº 36 destes autos).

O acusado Walter Andres Torales Chamorro, por sua vez, afirmou em sede policial que “pegou a mala com os entorpecentes na rodoviária de Ciudad del Este; Paraguai”, bem como que “receberia R$ 2.000,00 (dois mil reais) para entregar dos entorpecentes na cidade de São Paulo” (evento nº 01 do inquérito policial), o que acabou por corroborar em juízo (evento nº 36).

Em conclusão, comprovadas a autoria e a materialidade, sendo o fato típico, antijurídico e culpável, e considerando, ainda, a inexistência de causas excludentes de ilicitude e de culpabilidade, deve ser mantida a condenação pela prática do crime de tráfico de drogas, tipificado no art. 33 da Lei nº 11.343/2006.

3 dA dosimeTriA

3.1 Considerações gerais

A legislação pátria adotou o critério trifásico para fixação da pena, a teor do disposto no art. 68, do Código Penal. A pena base atrai o exame da

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culpabilidade do agente (decomposta no art. 59 do Código Penal nas circuns-tâncias do crime) e em critérios de prevenção. Não há, porém, fórmula ma-temática ou critérios objetivos para tanto, pois “a dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena” (HC 107.409/PE, 1ª T. do STF, Relª Min. Rosa Weber, un., J. 10.04.2012, DJe-091, 09.05.2012). É no juízo subjetivo de reprovação que reside a censura-bilidade que recai sobre a conduta.

Zaffaroni e Pierangeli, asseveram que “a medida da pena-base indica o grau de culpabilidade, e que as considerações preventivas permitem fixá-las abaixo desse máximo [...]. A culpabilidade abarcará tanto os motivos (é inquestionável que a motivação é problema da culpabilidade), como as circunstâncias e conseqüências do delito (que podem compor também o grau do injusto que, necessariamente, reflete-se no grau de culpabilidade). [...] A personalidade do agente cumpre uma dupla função: com relação à culpabilidade, serve para indicar – como elemento indispensável – o âmbito de autodeterminação do agente. Insistimos aqui ser inaceitável a culpabilidade de autor. A maior ou menor ‘adequação’ da conduta ao autor, ou ‘correspondência‘ com a personalidade deste, em nenhum caso pode fundamentar uma maior culpabili-dade, e, no máximo, deve servir para baixar a pena do máximo que a culpabilidade de ato permite, que é algo diferente” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral. RT, p. 832/833).

Na lição de Nivaldo Brunoni: “[...] a pena quando da sua determinação tem a exclusiva função de retribuição da culpabilidade, pois ela, em essência, reflete uma reprovação”. Arremata o autor: “a pena deve corresponder a magnitude da culpabi-lidade revelada no caso concreto, cuja aferição será realizada com base nas condições pessoais do autor e nas circunstâncias concomitantes, dentre as quais os motivos, as consequências e o comportamento da vítima” (in Princípio da culpabilidade. Curitiba: Juruá, 2008, p, 325).

3.2 individualização na sentença

A pena foi assim individualizada pelo juízo de origem:

Analisando as circunstâncias estabelecidas nos art. 59 do Código Penal e art. 42 da Lei nº 11.343/2006, verifico que o grau de culpabilidade é normal à espécie. Não há elementos nos autos que permitam avaliar a conduta social e a personalidade do acusado. Não há nos autos notícia acerca da existência de maus antecedentes. Os motivos do crime são normais à espécie. As con-sequências são próprias do crime em questão e não se revelaram de maior

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gravidade. A vítima não favoreceu a ocorrência dos fatos delitivos. As cir-cunstâncias do crime são graves, uma vez que o acusado valeu-se de meio de transporte público para consecução do tráfico de drogas, fato que, como assinalado nas ementas transcritas no tópico relativo à tipicidade, dificulta o trabalho da fiscalização. Observo, por oportuno, que tal circunstância não será utilizada na 3º fase de fixação da pena, para o fim de aumentá-la, por ser mais favorável ao acusado a sua incidência na presente etapa. Com efeito, fixo a pena base em 05 (cinco) anos e 08 (oito) meses de reclusão, acrescidos de 562 (quinhentos e sessenta e dois) dias-multa.

Há incidência, in casu, das atenuantes dos art. 65, incisos I e III, alínea d, do Código Penal, na medida em que o acusado, quando dos fatos, era menor de 21 (vinte e um) anos, bem como confessou a prática do fato que lhe foi imputado. Não há, por outro lado, incidência de agravantes. Com efeito, reduzo a pena intermediária para 05 (cinco) anos de reclusão, acrescidos de 500 (quinhentos) dias-multa.

Como salientado no tópico relativo à tipicidade, há incidência das causas de aumento de pena dos incisos I e III do art. 40 da Lei nº 11.343/2006. Toda-via, como a causa de aumento do inciso III do art. 40 da Lei nº 11.343/2006 foi utilizada como circunstância judicial, não será ela considerada nesta etapa de fixação da pena. Desta feita, aumento a pena provisória em 1/6 (um sexto), perfazendo 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, acrescidos de 583 (qui-nhentos e oitenta e três) dias-multa.

Consoante as informações constantes dos autos, o acusado é primário, não há indicativo de que se dedique às atividades criminosas e não há com-provação de que tenha integrado organização criminosa, motivo pelo qual entendo aplicável o disposto no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Nada obstante, observo que a natureza da substância entorpecente traficada pelo acusado, a qual tem o condão de causar grave lesão à saúde pública, por possuir grande concentração de Tetrahidrocannabinol (13% superior ao da maconha), não recomenda a aplicação da causa de diminuição de pena em seu grau máximo.

O haxixe, segundo consta do site do Instituto de Medicina Social e de Cri-minologia de São Paulo, é uma substância mais ativa, extraída da maconha. Enquanto esta contém 1% (um por cento) de Tetrahidrocannabinol, seu prin-cipal componente, o haxixe contém até 14% (quatorze por cento). Pouco comum no Brasil, é habitualmente reduzido a pó e misturado ao tabaco normal para ser fumado em cachimbo. É, em sua maior parte, produzido no norte da África, Paquistão, Nepal, Líbano e Turquia, sendo contraban-deado para os Estados Unidos e Europa, onde seu preço é elevado.

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A Europa é o maior consumidor do mundo, sendo que o mercado domina em Portugal e Irlanda, os dois com 90% (noventa por cento). No caso da América do Sul o Paraguai é o primeiro, seguido da Colômbia e do Brasil.

A faixa da população que usa o haxixe é a mesma que usa a maconha, mas observa-se que esta é mais comum entre aqueles que estão iniciando-se no hábito ou que o fazem esporadicamente. O haxixe é mais encontrado entre aqueles já iniciados e fumantes contumazes, que necessitam doses mais potentes da droga. É moldado em pequenas barras ou bolos de cor marrom escura e seu óleo é bem mais potente. O haxixe também é alucinógeno (cau-sa alucinações aos que ingerem).

O Haxixe causa efeitos variados, dependendo do organismo daquele que o ingere, os quais se assemelham aos da maconha, porém muitos mais inten-sos devido à grande concentração de Tetrahidrocannabinol. Alguns dos efei-tos, dentre outros, são: boca seca, aumento de apetite, aumento da libido, sorriso involuntário, perda de interesse pelos estudos ou trabalho, náuse-as, cefaléias (dores de cabeça), euforia, sensação de relaxamento, queda da tensão arterial, noção de tempo noção de tempo e espaço alteradas, aumen-to da frequência cardíaca e prejuízo da memória recente (fontes: infoescola.com e imesc.sp.gov.br).

Com efeito, considerando a natureza da droga apreendida, tenho por bem re-duzir a pena em ½ (um meio), perfazendo 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, acrescidos de 291 (duzentos e noventa e um) dias-multa.

Arbitro, diante das informações constantes dos autos, no sentido de que o acusado é pessoa de parcos recursos financeiros, cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à data do fato (art. 49, § 2º, do Código Penal).

3.3 Do tráfico privilegiado

O Ministério Público Federal pretende o afastamento da aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, e subsidiariamen-te, aplicação no patamar máximo de 1/6.

Contudo, não assiste razão ao Parquet Federal.

A minorante do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 tem por objetivo beneficiar os pequenos traficantes, sendo inaplicável quando se tratar de apreensão de elevada quantidade de substâncias entorpecentes apreendidas em poder do acusado. “A criação da minorante tem suas raízes em questões de política criminal, surgindo com um favor legislativo ao pequeno traficante, ainda não

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envolvido em maior profundidade com o mundo criminoso, de forma propiciar-lhe uma oportunidade mais rápida de ressocialização” (STJ, REsp representativo de controvérsia nº 1.329.088/RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, J. 13.07.2013). A aplicação da causa de diminuição não faz do crime de tráfico de drogas menos grave. Após debates sobre o tema, o citado precedente acabou por consolidar o entendimento da Corte Superior no sentido de que “a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas” (Súmula nº 512).

Vale referir, porém, que o Supremo Tribunal Federal assentou enten-dimento no sentido de que as circunstâncias da natureza e da quantidade de droga apreendida com o acusado de tráfico devem ser levadas em considera-ção apenas em uma das fases da dosimetria da pena, sobretudo, esclareça-se, na primeira. Isso, contudo, não exclui a avaliação meticulosa do magistrado em aplicar a redução no patamar que julgue necessário e suficiente para re-provação do crime (HC 99.440/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa).

Ao abordar a culpabilidade, Nivaldo Brunoni esclarece que a partir da avaliação das circunstâncias do caso concreto, o juiz dispõe de ampla margem de liberdade para estabelecer a pena que esteja dentro dos limites do marco da culpabili-dade, pois o que o Princípio de Culpabilidade rechaça é a possibilidade de fixação de pena em grau superior ao da dita fronteira. Essa elasticidade da baliza de culpabilida-de tem a vantagem de poder impedir penas demasiado longas ou demasiado curtas e de sempre adequá-las à culpabilidade. Contudo, como o injusto é um pressuposto da culpabilidade e esta sempre deve ir referida àquele, qualquer modificação no âmbito do primeiro repercute sobre a gravidade da censura de culpabilidade. (in Princípio da culpabilidade. Curitiba: Juruá, 2008, p, 321).

Como na primeira fase da dosimetria da pena, aqui também a lei per-mite ao julgador uma certa margem de discricionariedade, não ficando, pois, adstrito a critério matemáticos fechados. Tanto é que o próprio legislador não limitou a atuação do magistrado, fixando o a redução entre os patamares mínimos, de 1/6 e máximo, de 2/3 (“Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”). Sobre o tema, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

[...] II – Nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006, na graduação da pena--base, a natureza e a quantidade da droga apreendida na posse do Acu-

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sado, são preponderantes às circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, não configurando ilegalidade seu arbitramento acima do mínimo legal, ainda que primário e com bons antecedentes. Precedentes. III – Não tendo a Lei de Drogas estabelecido parâmetros objetivos para que seja aplicada a fração do redutor previsto na causa especial de dimi-nuição de pena (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006), entre 1/6 (um sexto) e 2/3 (dois terços), deve o julgador defini-la, observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. (AgRg-REsp 1206455/AC, Relª Min. Regina Helena Costa, 5ª T., Julgado em 26.08.2014, DJe 29.08.2014).

Diante desse quadro, é imperativo que o quantum de diminuição leve em consideração as circunstâncias do delito como um todo, fazendo a pon-deração justamente pela medida da culpabilidade do agente. Tal proceder representa a real integração da norma ao fato concreto, momento em que o julgador analisará não somente a quantidade e a qualidade das drogas apre-endidas, mas, fundamentalmente, analisará toda a cadeia delitiva.

Desse modo, ainda que o agente preencha os requisitos objetivos inser-tos no art. art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 (“seja primário, de bons anteceden-tes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”), a causa especial de diminuição da pena deve ser aplicada com cautela, dentro dos parâmetros legais mínimo e máximo. Significa, portanto, que, mesmo quando atendidos os critérios objetivos, a redução não se fará necessariamen-te no máximo previsto, porque isso representaria esvaziar a própria norma. Sobre isso, os precedentes que seguem:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL PARA ATUAR PERANTE ESTA CORTE SUPERIOR – ART. 47, § 1º, DA LC 75/1993 – PRECEDENTES DA CORTE – AGRAVO NÃO CONHECIDO – REGIMENTAL DO MINISTÉ-RIO PÚBLICO FEDERAL – FUNDAMENTOS INSUFICIENTES PARA REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA – TRÁFICO – CAUSA DE DIMI-NUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006 – AFASTAMENTO – IMPOSSIBILIDADE – PLEITOS QUE EXIGEM RE-EXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO – [...] 3. É certo que a quan-tidade de drogas e a sua diversidade podem, em análise conjunta com os demais elementos constantes do processo criminal, implicar a aferição de ser o agente de-dicado a atividades criminosas, impedindo a incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, como já decidiu esta Corte nos autos do HC 93.680/SP. [...] 5. Agravo regimental do Ministério Público Es-

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tadual não conhecido e do Ministério Público Federal improvido. (AgRg--REsp 1426742/GO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., Julgado em 27.05.2014, DJe 04.06.2014)

No presente caso, analisando as circunstâncias da apreensão da droga, o juízo de origem aplicou a causa de diminuição no patamar de ½. Não há razões, neste momento, para reformar a individualização da pena.

Ao contrário do que afirma o Ministério Público Federal, o acusado cumpre os requisitos para a aplicação do tráfico privilegiado, quais sejam: é primário, de bons antecedentes, não se dica às atividades criminosas e não integra organização criminosa.

Em relação ao patamar, também resta mantido em razão da das cir-cunstâncias da apreensão do Haxixe, conforme anteriormente analisado.

3.4 da apreensão de droga em transporte público

Relativamente à alegação de inaplicabilidade da causa de aumento prevista no art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006, o dispositivo legal assim dispõe:

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:

[...]

III – a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de es-tabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entida-des estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;

Há precedentes jurisprudenciais no sentido de que a majorante do art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006 somente pode ser aplicada em caso de restar demonstrado que o agente estava efetivamente comercializando entorpecen-tes no interior do veículo, não bastando o simples fato de utilizar-se do trans-porte coletivo para conduzir a droga.

Ou seja, a utilização do transporte público para o transporte de entor-pecentes, sem o objetivo de distribuí-lo ou comercializá-lo entre os demais passageiros, não se amolda à previsão legal, editada com o fim de reprimir a disseminação de drogas em locais de grande aglomeração de pessoas. Nesse senti-

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do, os seguintes precedentes da 5ª T. do Superior Tribunal de Justiça: REsp 1344436/MS, 5ª T., Rel. Min. Jorge Mussi, J. 19.08.2014, Publ. DJe 27.08.2014; AgRg-REsp 1350497/PR, 5ª T., Rel. Min. Moura Ribeiro, J. 19.08.2014, Publ. DJe 26.08.2014.

A 4ª Seção desta Corte, quando do julgamento dos Embargos Infrin-gentes e de Nulidade nº 5000414-50.2013.404.7002/PR, afastou a majorante do art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006 pelo fato do agente não haver comercia-lizado entorpecentes no interior do transporte coletivo. Confira-se a ementa do julgamento:

DIREITO PENAL – EMBARGOS INFRINGENTES – TRÁFICO TRANS-NACIONAL DE DROGAS – CAUSA DE AUMENTO DO ART. 40, III, DA LEI Nº 11.343/2006 AFASTADA – UTILIZAÇÃO DE TRANSPORTE CO-LETIVO SEM FINALIDADE DE COMERCIALIZAÇÃO DO ENTORPE-CENTE AOS PASSAGEIROS – PRECEDENTES DO STF – 1. O Colegiado decidiu, majoritariamente, que se aplica a causa de aumento do art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006 no caso em tela, em que a embargante utilizou transporte público coletivo na prática de tráfico transnacional de drogas. 2. Inobstante reiterados julgados desta Corte e do STJ, que consideraram a aludida majorante de modo objetivo, recentes precedentes das duas Tur-mas da Suprema Corte são no sentido de que referida a majorante somente se aplica quando há intenção do agente em praticar o crime nos arredores ou dentro dos estabelecimentos descritos no referido dispositivo legal e objetiva atingir aqueles que estão ligados a eles. 3. A finalidade da causa de aumento é punir com mais rigor o agente que pratica o tráfico de drogas em locais em que há maior facilidade de difusão do vício, diante da maior concentração pessoas. 4. No caso em tela, a embargante se utilizou de transporte público coletivo apenas para levar consigo a droga até o destino final, sem sequer cogitar a comercialização ilícita dentro do ônibus. 5. Os órgãos de fiscalização têm a mesma dificuldade, ou até maior, em apurar o transporte de entorpecentes em veículos particulares, pois apenas alguns são inspecionados e os meios de ocultação da droga são os mais variados, alguns extremamente sofisticados, o que torna sua localização tão impro-vável quanto na hipótese de utilização de transporte público.” (TRF 4ª R., Embargos Infringentes e de Nulidade nº 5000414-50.2013.404.7002, 4ª S., Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene, por maioria, Juntado aos Autos em 29.04.2014)

Nessa mesma linha, precedente do Supremo Tribunal Federal:

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HABEAS CORPUS – PENAL – TRÁFICO DE DROGAS – CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 40, III, DA LEI DE DROGAS (TRANSPORTE PÚBLICO) – NÃO INCIDÊNCIA NO CASO – PENA IN-FERIOR A QUATRO ANOS – FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL FECHADO – VIABILIDADE – SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDA-DE POR RESTRITIVA DE DIREITOS – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS – QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA – NÃO CUMPRIMENTO DO REQUISITO SUBJETIVO PREVISTO NO ART. 44, III, DO CP – ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA – 1. O entendimen-to de ambas as Turmas do STF é no sentido de que a causa de aumento de pena para o delito de tráfico de droga cometido em transporte público (art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006) somente incidirá quando demonstrada a intenção de o agente praticar a mercancia do entorpecente em seu interior. Fica afastada, portanto, na hipótese em que o veículo público é utilizado unicamente para transportar a droga. Precedentes. [...]. 4. Ordem conce-dida, em parte, apenas para afastar a incidência da majorante prevista no art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006.

No caso em análise, não há prova de que o acusado estivesse comercia-lizando ou distribuindo drogas no interior do ônibus, de modo que é de ser rejeitada a aplicação da causa de aumento insculpida no inciso III do art. 40 da Lei nº 11.343/2006.

3.5 do regime inicial de cumprimento e da substituição da pena privativa de liberdade

Por se tratar de acusado estrangeiro, o juízo de origem fixou o regime integralmente fechado e entendeu incabível a substituição pena privativa de liberdade:

O acusado, se colocado em liberdade, à evidência, estará impedido de perma-necer em território nacional, seja por ser extremamente provável que venha a ser expulso do país, seja porque será praticamente impossível obter autori-zação para permanência regular em território nacional.

Contudo, entendo que a condição de estrangeiro não afasta a possibili-dade de fixação de regime de cumprimento diverso do fechado, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, devendo ser prestigiada a isonomia entre estrangeiros e nacionais.

Este é o entendimento da 4ª Seção desta Corte:

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PENAL – EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE – TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES – ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006 – APLICAÇÃO DA MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DO MESMO DIPLOMA LEGAL – QUANTUM DE REDUÇÃO – RÉU ES-TRANGEIRO EM SITUAÇÃO IRREGULAR NO PAÍS – SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE – POSSIBILIDADE – APLICA-ÇÃO DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA E MULTA CUMULATIVA COM AQUELA PREVISTA NO PRECEITO SECUNDÁRIO DO TIPO[...]4. Assegura-se ao estrangeiro em situação irregular no país a substituição da sanção privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, confor-me entendimento manifestado pelas duas Turmas do Supremo Tribunal Federal (v.g., HC 103311, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJe 29.06.2011; HC 94477, 2ª T., Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 08.02.2012), mormente quan-do inteiramente favoráveis as demais circunstâncias a serem consideradas para a concessão da benesse.5. Entre as penas restritivas de direitos aplicáveis, mostram-se mais ade-quadas à condição do réu, estrangeiro em situação irregular no país, para o fim de substituir a sanção privativa de liberdade, a prestação pecuniária e a multa, sendo esta última cumulativa com aquela prevista no preceito secundário do tipo penal.(TRF 4ª R., Embargos Infringentes e de Nulidade nº 5001773-69.2012. }404.7002, 4ª Seção, Juiz Federal Artur César de Souza, por unanimidade, Juntado aos Autos em 24.07.2013)

Nesse sentido, ainda, já tive a oportunidade de decidir:PENAL – TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES – RE-CURSO ESPECIAL PROVIDO – RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM – ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVA DE DIREITOS – ESTRANGEIRO – ATENDIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 44, I, II E III, DO CÓDIGO PENAL[...]3. A condição de estrangeiro não afasta a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, devendo ser presti-giada a isonomia entre estrangeiros e nacionais.[...]

(TRF 4ª R., Apelação Criminal nº 5000082-45.2011.404.7005, 8ª T., Des. Fed. João Pedro Gebran Neto, por unanimidade, Juntado aos Autos em 10.04.2014)

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Inicialmente, quanto ao regime inicial de cumprimento da reprimen-da, observa-se que foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal a inconsti-tucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/1990, no tocante à obrigatoriedade de cumprimento da pena privativa de liberdade em regime inicialmente fe-chado.

Sendo assim, considerando o quantum de pena aplicada e a primarieda-de do acusado, entendo que deve ser fixado o regime inicial aberto para cumpri-mento da pena, na forma do art. 33, § 2º, c, do Código Penal.

Ainda, presentes os requisitos exigidos pelo art. 44, caput, e diante a previsão contida no § 2º do mesmo artigo do Código Penal, determino a subs-tituição das penas privativas de liberdade aplicadas por uma pena restritiva de direitos – na modalidade de prestação pecuniária – e multa, que melhor se ajustam à condição de estrangeiro.

Nessa perspectiva, a prestação pecuniária deve ser fixada no valor de 01 (um) salário mínimo, e a multa, esta cumulativa, no valor de 100 (cem) unida-des, à razão unitária de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época do efetivo pagamento.

4 dA insUBsisTÊnCiA dA PrisÃo PrevenTivA

O acusado permaneceu preso durante toda a instrução processual por força da prisão preventiva. A segregação era medida que se impunha no caso concreto, pois devidamente preenchidos os seus requisitos autorizadores, previstos nos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal.

Em razão do provimento de sua apelação, contudo, há de ser consi-derada, a alteração do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade para o regime aberto, e, ainda, a substituição da pena corporal por uma pena restritiva de direitos – na modalidade de prestação pecuniária – e multa.

Consequentemente, não há razoabilidade na manutenção da segrega-ção cautelar do acusado, motivo pelo qual deverá ser oficiado, com urgência, ao juízo de origem, a fim de que sejam adotadas as providências cabíveis quanto à alteração do regime prisional e a substituição das penas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos, devendo Walter Andres Torales Chamorro ser colocado em liberdade, salvo se por outro motivo não tiver de per-manecer preso.

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5 ConClUsões

5.1 Comprovadas a autoria e a materialidade, sendo o fato típico, anti-jurídico e culpável, e considerando, ainda, a inexistência de causas excluden-tes de ilicitude e de culpabilidade, deve ser mantida a condenação pela prá-tica do crime de tráfico de drogas, tipificado no art. 33 da Lei nº 11.343/2006.

5.2 Apelação do acusado provida para, a despeito de se tratar de es-trangeiro, fixar o regime inicial aberto para cumprimento da pena privativa de liberdade – esta fixada em 02 (dois) anos e 11 (onze) meses – e substituir a pena corporal por uma pena restritiva de direitos – na modalidade de presta-ção pecuniária – e multa.

5.3 Deverá ser oficiado, com urgência, ao juízo de origem, a fim de que sejam adotadas as providências cabíveis quanto à alteração do regime prisio-nal e a substituição das penas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos, devendo o acusado ser colocado em liberdade, salvo se por outro motivo não tiver de permanecer preso.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do Ministério Público Federal e dar provimento à apelação do acusado, revogando a prisão preventiva de Walter Andres Torales Chamorro, devendo este ser posto em liberdade, exceto se tiver de permanecer recolhido à prisão por motivo diverso, nos termos da fundamentação.

É o voto.

Juiz Federal Nivaldo Brunoni Juiz Federal Convocado

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 08.07.2015

Apelação Criminal nº 5010804-45.2014.4.04.7002/PR

Origem: PR 50108044520144047002

Relator: Juiz Federal Nivaldo Brunoni

Presidente: Desembargador Federal Leandro Paulsen

Procurador: Dra. Maria Emília Corrêa da Costa Dick

Revisor: Des. Federal Leandro Paulsen

Apelante: Ministério Público Federal

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Apelante: Walter Andres Torales Chamorro

Advogado: Edson Luiz Pagnussat

Apelado: os mesmos

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 08.07.2015, na sequência 20, disponibilizada no DE de 24.06.2015, da qual foi intimado(a) o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 8ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epí-grafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do Mi-nistério Público Federal e dar provimento à apelação do acusado, revogan-do a prisão preventiva de Walter Andres Torales Chamorro, devendo este ser posto em liberdade, exceto se tiver de permanecer recolhido à prisão por motivo diverso, nos termos do voto do relator.

Relator Acórdão: Juiz Federal Nivaldo BrunoniVotante(s): Juiz Federal Nivaldo Brunoni

Des. Federal Leandro Paulsen Juiz Federal Rony Ferreira

Lisélia Perrot Czarnobay Diretora de Secretaria

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EmEntário PEnal

Código de TrÂnsiTo BrAsileiro – desCriminAliZAçÃo dA CondUTA – CondenAçÃo

31266 – “Penal. Recurso especial. Art. 306 do CTB. Alteração promovida pela Lei nº 12.760/2012. Abolitio criminis. Não ocorrência. Continuidade normativo-típica. 1. A ação de conduzir veículo automotor, na via pública, estando [o motorista] com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas (art. 306 da Lei nº 9.503/1997, na redação dada pela Lei nº 11.705/2008) não foi descriminalizada pela alteração promovi-da pela Lei nº 12.760/2012. 2. A nova redação do tipo legal, ao se referir à condução de ve-ículo automotor por pessoa com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, manteve a criminalização da conduta daquele que pratica o fato com concentra-ção igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, nos termos do § 1º, I, do art. 306 da Lei nº 9.503/1997. Precedentes. 3. O crime de que ora se trata é de perigo abs-trato, o que dispensa a demonstração de potencialidade lesiva da conduta, razão pela qual se amolda ao tipo a condução de veículo automotor por pessoa em estado de embriaguez, aferida na forma indicada pelo referido art. 306, § 1º, I, da Lei nº 9.503/1997. 4. Trata-se da aplicação do princípio da continuidade normativo-típica, o que afasta a abolitio criminis re-conhecida no acórdão recorrido. 5. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.492.642 – RS – (2014/0288065-4) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Junior – DJe 15.06.2015)

nota:O vertente acórdão trata de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acór-dão do Tribunal de Justiça local proferido na Apelação Crime nº 70058992363:“APELAÇÃO-CRIME – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE – ATIPICIDADE DA CONDU-TA – ABSOLVIÇÃO – Atipicidade. O princípio da legalidade se constitui pedra angular do ordenamento jurídico pátrio e é basilar da democracia. Previsão constitucional no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal e legal no art. 1º do Código Penal. Referido prin-cípio também é consagrado internacionalmente, a exemplo do art. XI, 2, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e art. 9º da Convenção Americana sobre Direitos Hu-manos. Decorrência do princípio da legalidade é a irretroatividade da lei penal, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL, da Constituição Federal e art. 2º, parágrafo único do Código Penal). A interpretação à luz dos princípios aludidos é pressuposto para com-preensão da matéria. Alteração no tipo penal. O delito pelo qual o réu foi denunciado possuía elementar típica consistente em ‘conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) de-cigramas [...]’, ao passo que, com a redação alterada, em 20 de dezembro de 2012, pela Lei nº 12.760, a conduta delituosa passou a ser: ‘conduzir veículo automotor com capa-cidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou outra substância que determine dependência’. No caso concreto, a lei nova criminalizou uma conduta antes

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atípica (conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada) e tornou atípica uma conduta antes criminosa (conduzir veículo automotor com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas). Absolvição decretada por maioria.”Consta dos autos que o recorrido sofreu um acidente em 2011. Ele estava sozinho no veículo, perdeu o controle numa curva e capotou. Socorrido por policiais, submeteu-se ao teste de alcoolemia, que constatou a presença de 8,2 decigramas de álcool por litro de sangue, superior aos seis decigramas mencionados no art. 306 do CTB.Em 2013, o recorrido foi condenado em primeira instância a sete meses de detenção. A defesa apelou e o TJRS absolveu o réu.Para a Corte estadual, o crime pelo qual ele foi denunciado consistia em conduzir veícu-lo com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas, mas, com a redação dada pela Lei nº 12.760/2012, a conduta delituosa passou a ser dirigir “com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou outra substância que determine dependência”. Assim, teria havido descriminalização da conduta, a chamada abolitio criminis, pois, de acordo com o TJRS, a lei nova criminalizou uma conduta antes atípica (dirigir com capacidade alterada) e tornou atípica uma conduta antes criminosa (dirigir com seis decigramas ou mais de álcool no sangue).No julgamento do recurso do Ministério Público, o entendimento do tribunal estadual foi repelido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça.O relator explicou que a conduta não foi descriminalizada. Para o ministro, a nova redação da lei, ao se referir à condução de veículo com capacidade alterada, “manteve a criminalização da conduta daquele que pratica o fato com concentração igual ou su-perior a seis decigramas de álcool por litro de sangue, nos termos do § 1º, inciso I, do mencionado artigo”.O relator mencionou que o crime é de perigo abstrato, o que dispensa a demonstração de potencialidade lesiva da conduta, razão pela qual a condução de veículo em estado de embriaguez se amolda ao tipo penal.A simples conduta de dirigir com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas, segundo o relator, configura o delito previsto no art. 306 do CTB, o que torna desnecessária qualquer discussão acerca da alteração das funções psicomotoras do motorista.Vale trazer trecho do voto do relator:“Em igual sentido, colhe-se o seguinte precedente desta Corte Superior:‘HABEAS CORPUS – IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL – UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL – NÃO CONHECI-MENTO – 1. A via eleita se revela inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circuns-tância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes. 2. O alegado constrangi-mento ilegal será analisado para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE – DESCRIMINALIZAÇÃO DA CONDUTA DE CONDUZIR VEÍCU-LO COM A CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE SUPERIOR A SEIS DECIGRAMAS PELA LEI Nº 12.720/2012 – NÃO OCORRÊNCIA – POSSIBI-

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LIDADE DE CONSTATAÇÃO DO DELITO PELO REFERIDO ÍNDICE – ABOLITIO CRIMINIS NÃO CARACTERIZADA – 1. Da leitura do art. 306 do Código de Trân-sito Brasileiro, com a redação dada pela Lei nº 12.720/2012, verifica-se que a simples menção, no caput do dispositivo, à condução de veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, não descriminalizou a conduta de dirigir automóvel com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas, já que esta circunstância é, inclusive, uma das formas de constata-ção do delito, conforme se infere do § 1º da norma em apreço. Doutrina. Precedentes. 2. Habeas corpus não conhecido.’ (HC 306.686/RS, Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJe 25.02.2015)O Supremo Tribunal Federal também já se manifestou sobre o tema: ‘AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – PROCESSUAL PENAL – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 282 DO SUPREMO TRIBU-NAL FEDERAL – O CUMPRIMENTO DO REQUISITO DO PREQUESTIONAMENTO DÁ-SE QUANDO OPORTUNAMENTE SUSCITADA A MATÉRIA CONSTITUCIO-NAL, O QUE OCORRE EM MOMENTO PROCESSUAL ADEQUADO, NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO VIGENTE – A INOVAÇÃO DA MATÉRIA EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO É JURIDICAMENTE INACEITÁVEL PARA OS FINS DE COMPRO-VAÇÃO DE PREQUESTIONAMENTO – PRECEDENTES – EMBRIAGUEZ AO VO-LANTE – ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO ALTERADO PELA LEI Nº 12.760/2012 – INOCORRÊNCIA DE ABOLITIO CRIMINIS – HABEAS CORPUS DE OFÍCIO – INVIABILIDADE – AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVI-MENTO.’ (ARE 807.562-AgR, Min. Cármen Lúcia, 2ª T., DJe 13.06.2014)”O Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso, restabelecendo a sentença condenatória.

ComPeTÊnCiA – JUsTiçA esTAdUAl – roUBo CirCUnsTAnCiAdo –

liBerdAde dA víTimA – resTriçÃo

31267 – “Conflito negativo de competência entre varas criminais da justiça estadual de Rio Verde/GO e de Várzea Grande/MT. Quadrilha armada (art. 288, parágrafo único, do CP) e roubo circunstanciado com quatro majorantes (art. 157, § 2º, I, II, IV e V, do CP). Restrição da liberdade da vítima. Forma permanente do roubo. Crimes permanentes que se estendem por mais de uma comarca. Fixação da competência pela prevenção. Inteli-gência dos arts. 71 e 83 do CPP. 1. Circunstância em que integrantes de quadrilha que agia em Estados do Sul, Centro-Oeste e Sudeste, mediante grave ameaça exercida com arma(s) de fogo, abordaram e subtraíram um caminhão que trafegava em rodovia federal no Estado de Goiás. Em seguida, enquanto um deles conduzia o caminhão até o estado vizinho do Mato Grosso, para se encontrar com outro membro da quadrilha, dois deles mantiveram o motorista do caminhão e sua esposa, mediante grave ameaça exercida com o emprego de arma de fogo, em cativeiro, por mais de 24 horas, subtraindo, também, seus

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documentos, dinheiro e cartões bancários. 2. O roubo com restrição da liberdade da vítima possui caráter permanente, visto que a execução do delito se protrai por todo o tempo da restrição da liberdade. 3. Classificando-se ambos os delitos apontados na ação penal como permanentes e praticada a conduta em território de duas ou mais jurisdições, a fixação da competência para o seu julgamento se dá pela prevenção, em atenção às regras dos arts. 71 e 83 do Código de Processo Penal. 4. Lavrado o auto de prisão em flagrante na Comarca de Várzea Grande/MT, local onde foi concluído o inquérito policial, a denúncia foi oferecida e recebida, e o feito tramitou normalmente, com citação dos denunciados, interrogatório e apresentação de defesa prévia, evidencia-se a sua prevenção para o julgamento da ação penal, tanto mais que na Comarca de Rio Verde/GO, onde ocorreram o roubo e a restri-ção da liberdade das vítimas, somente se tem notícia do registro de boletim de ocorrência e em momento posterior à lavratura da prisão em flagrante. 3. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo da 4ª Vara Criminal de Várzea Grande/MT, o suscitado.” (STJ – CC 121.600 – (2012/0055428-0) – 3ª S. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 01.07.2015)

ConTrABAndo – CigArros – PenA – sUBsTiTUiçÃo

31268 – “Direito penal. Contrabando. Cigarros. Art. 334 do Código Penal. Mandado de busca e apreensão. Autoria. Substituição da pena. Prestação pecuniária. Restituição dos valores apreendidos. 1. O mandado de busca e apreensão é dispensável no caso de prisão em flagrante, hipótese dos autos. 2. As provas produzidas ao longo da instrução processual permitem concluir, de forma inequívoca, pela presença da materialidade e perfeita definição da autoria do delito imputado aos réus. 3. Na hipótese de a condena-ção ser superior a um ano, determina a segunda parte do § 2º do art. 44 do Código Penal, que a pena privativa de liberdade deve ser substituída por duas restritivas de direitos ou por uma restritiva de direitos e multa, de modo que a substituição por duas penas restritivas de direitos restou corretamente aplicada. 4. A pena substitutiva de prestação pecuniária mantém a finalidade de prevenção e reprovação do delito, devendo guar-dar proporção ao dano causado pelo agente e sua condição financeira. 5. Mantido o indeferimento do pedido de restituição dos valores apreendidos, porquanto ausentes os requisitos previstos nos arts. 118 e 119 do Código de Processo Penal e art. 91 do Código Penal.” (TRF 4ª R. – ACr 0002148-92.2007.4.04.7015/PR – 8ª T. – Rel. Des. Fed. Leandro Paulsen – DJe 09.07.2015)

Crime ConTrA A dignidAde sexUAl – TrAmiTAçÃo do

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ProCesso – Pedido de sUsPensÃo – imPossiBilidAde

31269 – “Habeas corpus. Crimes contra a dignidade sexual. Pedido de suspensão da tra-mitação do processo. Impossibilidade. Nulidade da decisão que recebeu a denúncia. Ino-corrência. Ordem de habeas corpus denegada. Inocorrência de nulidade na decisão que re-cebeu a denúncia e determinou o prosseguimento do feito, uma vez que, embora concisa, se trata de decisão que prescinde de fundamentação detalhada e exaustiva, não havendo falar na violação do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, tampouco em prejuízo ao exercício da defesa do réu, inclusive porque houve manifestação expressa do juízo quanto às diligências postuladas pela Defesa. Inexistência de constrangimento ilegal para autorizar a suspensão da ação penal. habeas corpus denegado.” (TJRS – HC 70065355562 – 5ª C.Crim. – Rel. Des. André Luiz Planella Villarinho – J. 08.07.2015)

Crime ConTrA o meio AmBienTe – exTrAçÃo ilegAl

de reCUrsos minerAis – ilegAlidAde – ComProvAçÃo

31270 – “Penal. Apelação. Extração ilegal de recursos minerais. Autoria e materialidade comprovadas. Crime formal. Lei nº 9.605/1998. Lei nº 8.176/1991. A autoria e materialida-de em desfavor dos acusados restaram sobejamente demonstradas nos autos. Não há que se falar em revogação tácita do art. 2º da Lei nº 8.176/1991 pelo art. 55 da Lei nº 9.605/1998, eis que o primeiro trata dos crimes contra a ordem econômica e a Lei nº 9.605/1998 cuida das condutas lesivas ao meio ambiente, tutelando, portanto, bens jurídicos distintos. Não merece prosperar a tese de atipicidade da conduta prevista no art. 55 da Lei nº 9.605/1998, eis que o delito em voga se trata de crime formal, que prescinde de comprovação do dano e devidamente amoldado aos termos da Lei de Crimes Ambientais. Restou comprovado que a extração ocorrida no local extrapolou o período de pesquisa permitido, partindo para a execução da lavra, tendo em vista a quantidade de blocos extraídos e o maquinário próprio para extração mineral no local. Porquanto não merece prosperar o argumento de que somente foi verificado que houve o carregamento de um bloco que não foi objeto de comercialização e somente houve a realização de pesquisa. Ante o conjunto fático--probatório do feito (laudo, maquinário, depoimento das testemunhas de acusação e os próprios interrogatórios dos réus em Juízo), resta descartado o entendimento de que o mero protocolo do Relatório Final de Pesquisa não encerra a fase de pesquisa. Apelação conhecida e desprovida.” (TRF 2ª R. – ACr 2012.50.01.004297-9 – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Paulo Espirito Santo – DJe 08.06.2015)

Crime de desoBediÊnCiA – ComPAreCimenTo PArA

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inTerrogATório – sindiCÂnCiA miliTAr – AUsÊnCiA

31271 – “Agravo regimental no recurso extraordinário. Direito penal e processual penal militar. Acusado que não comparece para interrogatório em sindicância militar. Caracte-rização de crime de desobediência. Art. 301 do Código Penal Militar. Alegada ofensa aos arts. 5º, lXIII, e 42 da Constituição Federal. Ofensa reflexa ao texto constitucional. Prece-dentes. Repercussão geral não examinada em face de outros fundamentos que obstam a admissão do apelo extremo. Agravo desprovido.” (STF – AgRg-RE 851.461 – Distrito Federal – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – J. 09.06.2015)

Crime de lATroCínio – dosimeTriA – CirCUnsTÂnCiAs

– ConseQUÊnCiAs – Pedido revisionAl – imProCedÊnCiA

31272 – “Revisão criminal. Latrocínio. Julgamento contrário às evidências dos autos. Não ocorrência. Conjunto probatório coeso. Dosimetria. Circunstâncias. Consequências. Pedi-do revisional improcedente. 1. O cabimento da Revisão Criminal, com fulcro no inciso I do art. 621 do Código de Processo Penal, pode ter como fundamento a alteração da interpre-tação do direito ou contrariedade da decisão à evidência das provas. 2. No caso, verifica-se que há nos autos provas suficientes para amparar a condenação proferida. Não há, por-tanto, contrariedade às evidências dos autos, tampouco foram apresentadas novas provas acerca da inocência do requerente, inviabilizando o acolhimento da pretensão revisional. 3. Não se verificando qualquer erro teratológico, flagrante ilegalidade ou abuso de poder que justifique o afastamento das circunstâncias judiciais consideradas desfavoráveis no acórdão sob revisão, não há falar em desconstituir-se a coisa julgada. 4. Revisão criminal improcedente.” (TJDFT – RvCr 20140020231042 – (880530) – C.Crim. – Rel. Des. Silvânio Barbosa dos Santos – DJe 16.07.2015 – p. 39)

Crime de moedA FAlsA – mATeriAlidAde e

AUToriA – ComProvAçÃo – dolo nÃo ConFigUrAdo

– senTençA mAnTidA

31273 – “Penal. Processual penal. Crime de moeda falsa. Art. 289, § 1º, do CPB. Materiali-dade e autoria. Comprovação. Dolo não configurado. Sentença absolutória mantida. Ape-lação desprovida. 1. Constitui o delito capitulado no art. 289, § 1º, do CPB guardar ou in-

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troduzir na circulação moeda falsa. 2. Materialidade e autoria devidamente comprovadas pelo conjunto probatório acostado aos autos. 3. O dolo é a vontade de praticar a conduta descrita no tipo penal, exigindo-se que o agente tenha ciência de que se trata de moeda falsa. 4. Não demonstração nos autos do dolo específico, consistente no conhecimento da falsidade da moeda. 5. Aplicação do princípio in dubio pro reo. 6. Apelo desprovido.” (TRF 1ª R. – ACr 0016859-94.2008.4.01.3800 – Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz – DJe 16.07.2015)

Crime de QUAdrilHA – roUBo CirCUnsTAnCiAdo – ComPeTÊnCiA

– ConFliTo negATivo

31274 – “Conflito negativo de competência entre varas criminais da justiça estadual de Rio Verde/GO e de Várzea Grande/MT. Quadrilha armada (art. 288, parágrafo único, do CP) e roubo circunstanciado com quatro majorantes (art. 157, § 2º, I, II, IV e V, do CP). Restrição da liberdade da vítima. Forma permanente do roubo. Crimes permanentes que se estendem por mais de uma comarca. Fixação da competência pela prevenção. Inteli-gência dos arts. 71 e 83 do CPP. 1. Circunstância em que integrantes de quadrilha que agia em Estados do Sul, Centro-Oeste e Sudeste, mediante grave ameaça exercida com arma(s) de fogo, abordaram e subtraíram um caminhão que trafegava em rodovia federal no Estado de Goiás. Em seguida, enquanto um deles conduzia o caminhão até o estado vizinho do Mato Grosso, para se encontrar com outro membro da quadrilha, dois deles mantiveram o motorista do caminhão e sua esposa, mediante grave ameaça exercida com o emprego de arma de fogo, em cativeiro, por mais de 24 horas, subtraindo, também, seus documentos, dinheiro e cartões bancários. 2. O roubo com restrição da liberdade da vítima possui caráter permanente, visto que a execução do delito se protrai por todo o tempo da restrição da liberdade. 3. Classificando-se ambos os delitos apontados na ação penal como permanentes e praticada a conduta em território de duas ou mais jurisdições, a fixação da competência para o seu julgamento se dá pela prevenção, em atenção às regras dos arts. 71 e 83 do Código de Processo Penal. 4. Lavrado o auto de prisão em flagrante na Comarca de Várzea Grande/MT, local onde foi concluído o inquérito policial, a denúncia foi oferecida e recebida, e o feito tramitou normalmente, com citação dos denunciados, interrogatório e apresentação de defesa prévia, evidencia-se a sua prevenção para o julgamento da ação penal, tanto mais que na Comarca de Rio Verde/GO, onde ocorreram o roubo e a restri-ção da liberdade das vítimas, somente se tem notícia do registro de boletim de ocorrência e em momento posterior à lavratura da prisão em flagrante. 3. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo da 4ª Vara Criminal de Várzea Grande/MT, o suscitado.” (STJ – CC 121.600 – (2012/0055428-0) – 3ª S. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 01.07.2015)

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Crime liCiTATório – FrAUde no ProCedimenTo liCiTATório – ABsolviçÃo

31275 – “Penal e processual penal. Crime do art. 90 da Lei nº 8.666/1993. Lei de Licitações. Fraude ao caráter competitivo do procedimento licitatório. Insuficiência de provas quanto à prática do injusto penal. Inexistência do elemento subjetivo do tipo. Existência de dúvida razoável a favor dos réus. Absolvição com fundamento no art. 386, VII, do Código de Pro-cesso Penal. 1. No crime previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/1993 pune-se a frustração ou fraude do caráter competitivo do procedimento licitatório mediante acordo ou qualquer outro instrumento para alcançar esse fim. É a eliminação da competição ou a promoção de uma ilusória competição entre participantes da licitação por qualquer mecanismo. 2. Ne-cessária a absolvição dos acusados diante da fragilidade dos indícios existentes, com base no princípio in dubio pro reo, que tem fundamentação no princípio constitucional da pre-sunção de inocência, segundo o qual se impõe a absolvição quando a acusação não lograr provar a participação do réu no evento criminoso. 3. As provas arregimentadas aos autos não dissipam as dúvidas acerca da contribuição dos réus para o evento criminoso, não havendo elementos no sentido de que eles tenham sequer previamente consentido para a prática ilícita. Não há como lhes imputar a responsabilidade penal, sobretudo porque o depoimento das testemunhas arroladas pelo Ministério Público Federal aponta em sen-tido contrário àquele pretendido pela acusação. 4. Ação penal improcedente.” (TRF 1ª R. – APen 2008.01.00.030104-0/MT – Rel. Des. Fed. Ney Bello – DJe 14.07.2015)

esTelionATo – vAnTAgem PATrimoniAl ilíCiTA –

insUFiCiÊnCiA ProBATóriA – senTençA CondenATóriA

– reFormA

31276 – “Apelação. Estelionato (art. 251 do CPM). Vantagem patrimonial ilícita. Prelimi-nar de instauração de processo penal contra encarregado do IPM. Matéria não prejudicial ao mérito. Não conhecimento. Mérito. Insuficiência probatória. Reforma da sentença con-denatória. Não se conhece de preliminar quando a matéria não for prejudicial ou não tiver qualquer reflexo ou correlação com o mérito da Apelação. Não restaram preenchidas, de forma indubitável, todas as elementares do tipo penal previsto no art. 251 do Código Pe-nal Militar, havendo dúvidas no tocante à obtenção de vantagem patrimonial indevida pelo Acusado. Por se tratar de crime de natureza patrimonial, o estelionato demanda não somente a criação intencional de uma situação de erro, mas, também, efetivo ganho que venha a se traduzir em real vantagem econômica indevida, o que não foi possível compro-var no caso sob exame, ensejando, pois, a reforma do Decreto condenatório, absolvendo--se o Acusado, por insuficiência probatória, com base no art. 439, alínea e, do CPPM. Pre-liminar não conhecida. Por maioria. Apelo defensivo provido. Decisão unânime.” (STM – Ap 84-80.2012.7.03.0203/RS – Rel. Min. Lúcio Mário de Barros Góes – DJe 06.07.2015)

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esTUPro – víTimA menor de 14 Anos – violÊnCiA

reAl – oCorrÊnCiA

31277 – “Penal e processual penal. Estupro. Vítima menor de 14 anos. Violência real. Ocorrência. Causa de aumento de pena. Incidência do art. 9º da Lei nº 8.072/1990. Su-perveniência da Lei nº 12.015/2009. Estupro de vulnerável. Art. 217-A do Código Penal. Lei mais benéfica. Aplicação retroativa. Precedentes do STJ. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de oficio. 1. Comprovada a existência de violência real ou grave ameaça no crime de estupro, contra vítima menor de 14 anos, há de incidir a causa de aumento da pena previsto no art. 9º da Lei nº 8.072/1990. Precedentes desta Corte. 2. Não obstante a Lei nº 12.015/2009, ao tipificar o delito de estupro, contra vítima menor de 14 anos, previs-to no art. 213 do Código Penal, como estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal), tenha determinado o recrudescimento da pena, deve ela retroagir, por ser mais benéfica, uma vez que também determinou a revogação da causa de aumento prevista no art. 9º da Lei nº 8.072/1990. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.” (STJ – HC 144.091 – (2009/0152132-1) – 6ª T. – Rel. Min. Nefi Cordeiro – DJe 01.07.2015)

exeCUçÃo PenAl – indUlTo – FAZendA PúBliCA – ComPeTÊnCiA

31278 – “Apelação criminal. Tráfico. Pretendida a absolvição. Alegado flagrante prepa-rado. Acolhido. Súmula nº 145 do Supremo Tribunal Federal. Crime impossível. Art. 386, III, do Código de Processo Penal. Recurso provido. Trata-se de flagrante preparado, uma vez que os Policiais Civis receberam denúncia de que a apelante praticava o tráfico ilíci-to de entorpecente e, mediante simulação, a induziram a entregar o entorpecente a eles, conduta esta pela qual foi denunciada. Ora, é cediço que no flagrante preparado, a polícia provoca o agente a praticar o delito e, ao mesmo tempo, impede que ele se consume, cuidando-se, assim, de crime impossível (Súmula nº 145 do Supremo Tribunal Federal). Assim, nos termos do art. 386, inc. III, do Código Penal, a absolvição da apelante é medida que se impõe.” (TJMS – ACr 0066560-96.2009.8.12.0001 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Francisco Gerardo de Sousa – DJe 20.10.2014)

exeCUçÃo PenAl – regime semiABerTo – TrAnsFerÊnCiA do reedUCAndo – AUsÊnCiA

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de vAgAs – PrisÃo domiCiliAr – imPossiBilidAde

31279 – “Recurso de agravo. Execução de pena em regime semiaberto. Ausência de va-gas para transferência do reeducando. Aplicação do ‘semiaberto harmonizado’. Recorrido sem antecedentes de crimes contra a vida. Concessão excepcional de regime aberto até o surgimento de vaga em estabelecimento prisional adequado. Precedentes. Decisão man-tida. I – ‘[...] A ausência de vagas em estabelecimento penal compatível com o regime pri-sional semiaberto, por si só, não autoriza a adoção automática da prisão domiciliar, pois antes é necessário observar o item 7.3.2 do Código de Normas. Contudo, a comprovada inviabilidade da harmonização do regime prisional, excepcionalmente, autoriza adoção da prisão domiciliar, enquanto o sentenciado aguarda o surgimento de vaga em esta-belecimento penal adequado’ (TJPR, 3ª C.Crim., HCC 1276490-4, Corbélia, Rel. Jefferson Alberto Johnsson, unânime, J. 09.10.2014). II – O Poder Judiciário não deve compactu-ar com a manutenção dos condenados em situações desumanas, tais quais as narradas nos presentes autos, diante da inércia do Poder Executivo em prover os meios materiais apropriados para a execução da pena conforme reza a LEP desde 1984. III – Os estabe-lecimentos prisionais (presídios) são da responsabilidade do Poder Executivo (Decreto nº 6.061/2007, art. 27, inciso II). As políticas penitenciárias também (art. 2º, inciso II, alínea f, nº 2). Aos juízes é estendida a jurisdição apenas para atender o processo de execução da pena, dentro dessas políticas. A Lei nº 7.210, de 1984, até hoje não foi cumprida pelo Poder Executivo em relação à construção de estabelecimentos para cumprimento da pena em regime semiaberto ou mesmo casas de albergado para o regime aberto. Apesar disso, o Poder Executivo mantém junto ao Ministério da Justiça, uma Secretaria (permanente) de Reforma do Judiciário pela qual, com o beneplácito do Poder Legislativo, esses dois inqui-linos do poder (que emana do povo), impuseram profunda reforma no terceiro inquilino, o Poder Judiciário. Todavia, para a questão carcerária não se deu solução, nem projeto de reforma igualmente profunda. A questão carcerária no Brasil é motivo de vergonha para todos nós brasileiros porquanto a cela de um aprisionado continua sendo verdadeira su-cursal do inferno, conforme dicção do ex-Ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel há mais de 30 anos passados. Há que ser trazido a lume tal realidade e responsabilidade, pois não é certo, nem direito, nem justo que o Poder Judiciário continue arcando perante a população como causador desse descalabro, o que nunca foi. Nem colônias de férias, nem sucursais do inferno: apenas celas de confinamento em que a dignidade do preso seja respeitada. Recurso não provido.” (TJPR – Ag 1321561-5 – 3ª C.Crim. – Rel. Des. Gamaliel Seme Scaff – DJe 16.07.2015)

exeCUçÃo PenAl – remiçÃo dA PenA – PossiBilidAde

31280 – “Habeas corpus substitutivo. Falta de cabimento. Execução penal. Remição da pena pela leitura. Art. 126 da LEP. Portaria Conjunta nº 276/2012, do Depen/MJ e do CJF.

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Recomendação nº 44/2013 do CNJ. 1. É inadmissível o ajuizamento de habeas corpus em substituição ao meio próprio cabível, estando evidente o constrangimento ilegal, cumpre ao tribunal, de ofício, saná-lo. 2. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível o uso da analogia in bonam partem do art. 126 da Lei de Execução Penal que admita a possibilidade da remição da pena, em razão de atividades que não estejam expressas na norma. 3. Um dos objetivos da remição é incentivar o bom comportamento do sentenciado e sua readaptação ao convívio social. A interpretação extensiva do men-cionado dispositivo revela a crença do Poder Judiciário na leitura como método factível para o alcance da harmônica reintegração à vida em sociedade. Essa atividade de estudo só traz benefícios aos internos, quer pela ocupação útil e saudável do tempo, quer pela absorção do conteúdo do livro, propiciando cultura e aprimorando à formação pessoal, possui também caráter ressocializador e reduz a reincidência criminal. 4. É nessa linha a edição da Portaria Conjunta nº 276/2012, do Departamento Penitenciário Nacional/MJ e do Conselho da Justiça Federal, bem como da Recomendação nº 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça. 5. Writ não conhecido. Ordem expedida de ofício, para restabelecer a decisão do Juízo da execução.” (STJ – HC 321.229 – (2015/0084659-3) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 01.07.2015)

exPlorAçÃo ClAndesTinA de serviços de TeleComUniCAções

– exTinçÃo de PUniBilidAde – PresCriçÃo reTroATivA

31281 – “Processual penal. Rádio comunitária. Exploração clandestina de serviços de telecomunicações. Art. 183 da Lei nº 9.472/1997. Preliminar de intempestividade. Afas-tada. Extinção da punibilidade pela prescrição retroativa. Inocorrência. Materialidade e autoria comprovadas. Sentença condenatória mantida. 1. É indispensável a intimação do réu e de seu defensor constituído acerca da prolação da sentença condenatória, sob pena de nulidade, por violação do princípio da ampla defesa. O prazo para interposição de recurso tem seu início a partir da intimação que se realizar por último. Precedentes. 2. Não configuração da prescrição da pretensão punitiva. 3. Autoria e materialidade de-litivas comprovadas. 4. Conduta que se adequar ao delito tipificado no art. 183 da Lei nº 9.472/1997 é formal, de perigo abstrato, exigindo para a sua consumação tão somente que se desenvolva atividade de telecomunicação clandestinamente, ou seja, sem a neces-sária autorização do órgão competente e tampouco a desnecessidade da realização de perícia no local para aferir a potência do transmissor. 5. Apelação não provida.” (TRF 1ª R. – ACr 0025224-85.2009.4.01.4000 – Rel. Juiz Fed. Conv. Pablo Zuniga Dourado – DJe 16.07.2015)

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FAlsiFiCAçÃo de doCUmenTo PúBliCo – PrisÃo PrevenTivA

– exCesso de PrAZo – nÃo oCorrÊnCiA

31282 – “Penal. Processo penal. habeas corpus. Falsificação de documento público. Arts. 297, 298, 299, e 304, todos do Código Penal. Prisão preventiva. Prisão em flagrante. Exces-so de prazo na comunicação. Não ocorrência. Prisão preventiva. Preservação da ordem pública e da aplicação da lei penal. Art. 312 do Código de Processo Penal. 1. A garantia da aplicação da lei penal justifica a decretação da prisão preventiva quando fundada em elementos fáticos concretos, suficientes a demonstrar a necessidade da medida. 2. O con-junto probatório carreado a estes autos não permite autorizar a desconstrução da prisão preventiva lançada pelo juízo a quo, ao argumento de que o paciente está sofrendo cons-trangimento ilegal. 3. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a reiteração criminosa, devidamente comprovada, constitui motivação idônea e suficiente para a manutenção da segregação destinada à preservação da ordem pública. 4. O fato de o paciente, isolada-mente, possuir circunstâncias pessoais favoráveis, como primariedade e residência fixa, não lhe assegura o direito de responder ao processo em liberdade, quando o ato atacado mostrar-se suficientemente fundamento e, também, quando se mostrarem presentes as circunstâncias a justificar a segregação cautelar, tais como materialidade delitiva, indícios suficientes de autoria, e na necessidade de ser preservada a ordem pública. 5. Ordem de habeas corpus denegada.” (TRF 1ª R. – HC 0071794-28.2014.4.01.0000/BA – Rel. Des. Fed. Ney Bello – DJe 16.07.2015)

HomiCídio QUAliFiCAdo – inQUÉriTo PoliCiAl – QUAdrilHA

– JUsTiçA esTAdUAl – ComPeTÊnCiA

31283 – “Conflito negativo de competência em inquérito policial. Duplo homicídio quali-ficado supostamente motivado por roubo de entorpecentes efetuado por uma das vítimas em prejuízo de quadrilha internacional de traficantes de entorpecentes. Ausência de cone-xão probatória ou teleológica com o tráfico internacional de entorpecentes. Competência da Justiça Estadual para apurar o crime previsto no art. 121, § 2º, I, III e IV, do CP. 1. Como os atos preparatórios não são puníveis no Direito Penal brasileiro, ex vi do art. 14, II, do CP, é irrelevante para a identificação do Juízo competente para conduzir o inquérito policial que a ordem para o cometimento do homicídio tenha partido de mandante localizado em país estrangeiro. 2. Não se evidencia conexão entre os crimes de duplo homicídio qualifi-cado e tráfico internacional de entorpecentes unicamente pelo fato de que o primeiro deles teria tido por motivação o roubo de entorpecentes, supostamente perpetrado por uma das vítimas em prejuízo de quadrilha de traficantes colombiana que age também no Brasil.

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3. A conexão que justifica a modificação da competência demanda avaliação, caso a caso, da necessidade de julgamento conjunto dos delitos para melhor esclarecimento dos fatos ou para prevenir decisões judiciais conflitantes. 4. No caso concreto, não se evidenciaram as hipóteses do art. 76 do CPP. Os crimes foram praticados de forma autônoma, sem que um tivesse repercutido sobre o outro. Assim sendo, a investigação de um delito não con-tribuirá para a obtenção de provas em relação ao outro. Além disso, não há possibilidade de prolação de decisões conflitantes, caso os crimes sejam julgados em separado, assim como não há interesse da União em que o homicídio seja julgado na Justiça Federal, já que o crime contra a vida não envolve o exercício de função federal. Precedente da Terceira Seção: CC 114.561/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª S., Julgado em 14.08.2013, DJe 20.08.2013. 5. Conflito conhecido, para declarar competente para a condução do inquérito policial e posterior julgamento da ação penal o Juízo Suscitante da 1ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Manaus/AM.” (STJ – CC 121.699 – (2012/0060208-1) – 3ª S. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 01.07.2015)

HomiCídio QUAliFiCAdo – PenA--BAse – mAUs AnTeCedenTes –

ATenUAnTe – reConHeCimenTo

31284 – “Apelação criminal. Tentativa de homicídio qualificado. Pena-base. Maus ante-cedentes decotados. Redução operada ex officio. Confissão qualificada. Atenuante reconhe-cida ex officio. Redutora fixada no mínimo de 1/3. Pretendida majoração do quantum para o máximo de 2/3. Iter criminis quase todo percorrido. Fração mantida. Regime prisional fechado. Almejado abrandamento. Pena que não supera oito anos. Consequências do cri-me. Circunstância judicial desfavorável. Regime mantido. Recurso improvido. A conde-nação transitada em julgado por fatos praticados após o narrado na exordial acusatória não gera maus antecedentes. Redução da pena-base operada ex officio. A confissão quali-ficada, aquela na qual o agente agrega teses defensivas descriminantes ou exculpantes, enseja o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal, conforme firme Orientação Jurisprudencial. Atenuante reconhecida ex officio. A causa de diminuição da pena referente à tentativa é mensurada levando em consideração a proximidade entre os atos executórios e a consumação do injusto. Assim, se o iter criminis foi quase todo percorrido, justifica-se a diminuição da pena na fração mínima. Ainda que condenado à pena não superior a 08 (oito) anos de reclusão, a existência de circunstância judicial des-favorável, como as consequências do crime, inviabiliza a fixação de regime prisional mais brando que o fechado.” (TJMS – Ap 0000496-85.2012.8.12.0038 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Romero Osme Dias Lopes – DJe 16.07.2015)

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lATroCínio – inTimAçÃo PessoAl do deFensor dATivo – AUsÊnCiA

31285 – “Habeas corpus substitutivo. Latrocínio tentado. Apelação. Ausência de intimação pessoal do defensor dativo. Nulidade. Não ocorrência. Prévia concordância do defensor de ser intimado via imprensa oficial. Ausência de ilegalidade manifesta. Conduta desclas-sificada para roubo majorado. Pena reduzida a 3 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão. Regi-me inicial fechado. Motivação abstrata. Constrangimento ilegal. Existência. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais. 2. A ausência de intimação pessoal do defensor dativo para a sessão de julgamento da apelação criminal representa nulidade absoluta. Contudo, tendo o defensor prestado termo de compromisso, em que optava pela intimação através da imprensa oficial, não há falar em nulidade, mesmo porque, no caso dos autos, não houve prejuízo para o paciente. 3. Quanto à fixação do regime inicial de cumprimento de pena, considerando-se a ausência de fundamentação concreta para se manter o paciente em re-gime inicial mais gravoso do que a sanção imposta permite, vê-se, na decisão impugnada, a presença de manifesto constrangimento ilegal na imposição do regime inicial fechado para o cumprimento da pena. 4. Reduzida a pena do paciente a 3 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, fixada pelo Tribunal a quo, ante a ausência de substratos concretos no acórdão ver-gastado, não há como manter o paciente em regime inicial fechado. Além do que o art. 33, § 2º, c, do Código Penal dispõe que o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, tão somente para fixar o regime inicial aberto ao paciente.” (STJ – HC 316.173 – (2015/0030207-1) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 01.07.2015)

lesÃo CorPorAl CUlPosA – meio emPregAdo – ArmA

deFeiTUosA – CUlPA do AgenTe – inAFAsTABilidAde

31286 – “Lesões corporais culposas. Apelação defensiva. Preliminar de intempestividade. Recursal rejeitada por unanimidade. Meio empregado. Arma defeituosa. Inafastabilidade da culpa do agente. Autoria e materialidade comprovadas. Requisitos do crime culposo presentes. Condenação mantida. Decisão unânime. À luz dos princípios constitucionais regentes do Direito Penal, o Recurso interposto dentro do prazo legal, ainda que intem-pestiva a apresentação de suas razões, deve ser admitido. A profissão das armas oferece maiores riscos em comparação às demais atividades, mas eles são mantidos em nível so-cialmente tolerável, mercê de cuidadoso preparo técnico, focado no fiel cumprimento das missões constitucionais das Forças Armadas. Nesse contexto, o adestramento militar re-sulta útil quando observadas as recomendações e as normas de segurança, que visam, in-

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clusive, a reduzir danos causados por eventuais falhas técnicas do armamento. Esse dever objetivo de cuidado é indispensável e semelhante ao conhecido, no trânsito, como de ‘di-reção defensiva’. Independentemente de eventual defeito que uma arma possa apresentar, o seu portador nunca está autorizado a retirá-la do coldre e a manuseá-la de forma incauta dentro de dependência do aquartelamento. Deve-se presumir que a arma, mesmo que esteja com a sua manutenção atualizada, possa não ter o desempenho esperado. Manter a arma em segurança é medida a ser efetivada sempre, em especial ao recebê-la de terceiros, ainda que o entregador do material bélico seja superior hierárquico ou mesmo instrutor de tiro. Presentes os elementos da tipicidade culposa e ausentes quaisquer excludentes, man-tém-se a condenação do agente. Decisão unânime.” (STM – Ap 64-09.2013.7.11.0211/DF – Rel. Min. Fernando Sérgio Galvão – DJe 06.07.2015)

livrAmenTo CondiCionAl – AssoCiAçÃo PArA o

TráFiCo – PrinCíPio dA esPeCiAlidAde – PreCedenTes

31287 – “Livramento condicional. Associação para o tráfico. Princípio da especialidade. Penal. Processo penal. Agravo em execução penal. Recurso ministerial. Pretensão de cas-sação de determinação de novo cálculo de pena para fins de concessão de livramento condicional, aplicando-se a fração de 1/3 prevista no Código Penal, negando-se o caráter hediondo do delito de associação para o tráfico. Normatização específica. Art. 44, parágra-fo único da Lei nº 11.343/0206. Decisão agravada que não fundamentou a negativa do cál-culo como requerido pela defesa na hediondez do crime. Requisito temporal diferenciado para os delitos dos arts. 34 a 37 da Lei Antidrogas. Conflito aparente de normas. Princípio da especialidade. Lapso temporal diferenciado. Tratamento mais severo. Política crimi-nal e opção legislativa. Precedentes deste órgão fracionário. Desprovimento do agravo. 1. A questão discutida no recurso, como bem observou a digna procuradora de justiça em seu parecer, versa sobre a validade da norma contida no art. 44, parágrafo único da Lei nº 11.343/2006, que exige o cumprimento de 2/3 da pena, para os crimes previstos nos arts. 34 a 37 da Lei Antidrogas, para fins de concessão de livramento condicional. 2. Na partida, convém afastar a argumentação defensiva que pretende seja negado o caráter hediondo do delito, uma vez que a decisão agravada não fundamentou o indeferimento do cálculo, como requerido pela Defesa, na hediondez da conduta. A decisão guerreada sequer menciona o assunto, até porque, como cediço, o delito de associação para o tráfi-co não tem caráter hediondo. 3. Contudo, o fato de não se tratar de crime hediondo não autoriza a aplicação da regra dos crimes comuns para fins de concessão de livramento condicional. 4. O delito de associação para o tráfico está previsto em lei especial e, em razão de pertencer àquele microssistema, a fonte primária para a regulamentação é a Lei nº 11.343/2006. 5. O conflito aparente de normas, in casu, resolve-se pela simples aplicação do Princípio da Especialidade. Invoca a Defesa, o argumento de que para a concessão de progressão de regime, recorre-se à fração de 1/6, prevista para os crimes comuns e, por

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isso, para fins de livramento condicional, deve-se buscar a mesma solução, por não se tra-tar de crime hediondo. 6. Confunde-se a laboriosa defesa, com todas as vênias. Não existe qualquer correspondência entre as figuras do crime não hediondo e do crime comum. Para fins de concessão de progressão de regime, busca-se a norma aplicável aos crimes comuns pelo simples fato de que, na legislação especial aplicável ao caso concreto – a Lei nº 11.343/2006 – não há regulamentação específica para tal benefício. Não é o que ocorre, contudo, em relação ao livramento condicional. 7. A lei especial tem expressa previsão no sentido de exigir um lapso temporal maior para concessão da liberdade antecipada para os crimes previstos nos arts. 34 a 37 da Lei nº 11.343/2006. 8. O art. 44 da Lei nº 11.343/2006 está em plena vigência, exceto quanto à vedação da liberdade provisória – já declarada in-constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Portanto, o tratamento mais severo para a concessão do benefício do livramento condicional é fruto de política criminal e de opção legislativa, não havendo qualquer razão para afastar-se a incidência da norma especial para aplicação da norma.” (TJRJ – Ag-ExPen 0011545-43.2015.8.19.0000 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Jose Muinos Pineiro Filho – DJe 24.06.2015)

PeCUlATo – AssoCiAçÃo CriminosA – AçÃo PenAl –

JUsTA CAUsA – PossiBilidAde

31288 – “Penal e processo penal. Recebimento de denúncia. Peculato (art. 312 do CP), ordenação de despesas não autorizadas em lei (art. 359-D do CP) e associação criminosa (art. 288 do CP). Cheques emitidos pela direção do tribunal de contas e sacados em espécie por conselheiros e servidores ou utilizados para pagamentos indevidos. Pagamentos de verbas ilegais a conselheiros e reembolso de despesas médicas inidôneas e para tratamen-tos estéticos. Concerto dos envolvidos de modo comissivo e omissivo. Indícios suficientes de autoria e materialidade. Presente a justa causa para abertura de ação penal. 1. A de-núncia deve ser recebida quando o Ministério Público narra fatos subsumíveis aos tipos penais do peculato, da ordenação de despesas não autorizadas e da associação criminosa. Além disso, as condutas devem ser suficientemente individualizadas a fim de permitir o pleno exercício do direito de defesa. 2. A descrição de conduta de conselheiro de tribunal de contas que, no exercício da presidência, em conjunto com servidores, saca e se apropria de vultosas quantias em espécie oriundas do próprio tribunal preenche o tipo do peculato--apropriação (art. 312, caput, 1ª parte, do CP). 3. Tipifica, em tese, o crime de peculato--desvio (art. 312, caput, 2ª parte do CP) utilizar-se do mesmo expediente para pagar ajuda de custo, estruturação de gabinete, segurança pessoal, despesas médicas e estéticas em proveito de conselheiros, passagens aéreas e verbas em favor de servidores inexistentes ou ‘fantasmas’, entre outras despesas sem amparo legal. 4. A prática atribuída a conselhei-ros e membro do Ministério Público atuante no tribunal de contas que, de maneira comis-siva ou omissiva, organizam-se para reforçar rubrica orçamentária genérica e dela subtrair quantias expressivas ou desviá-las sem destinação pública tem aptidão para caracterizar associação criminosa. 5. Ordenação de despesa não autorizada é, em princípio, crime meio

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para o peculato. Pelo princípio da consunção, ele é absorvido pelo peculato mais gravoso se o dolo é de assenhoramento de valores públicos. A certificação do elemento subjeti-vo – o dolo – exige, no entanto, o exaurimento da instrução criminal, sendo prematuro atestá-lo ou afastá-lo em fase de recebimento de denúncia. 6. Denúncia recebida integral-mente.” (STJ – APen 702 – (2011/0011824-7) – C.Esp. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 01.07.2015)

PrisÃo PrevenTivA – Crime de FUrTo QUAliFiCAdo – FAlTA de FUndAmenTAçÃo – AlegAçÃo

31289 – “Habeas corpus. Processual penal. Prisão preventiva (CPP, art. 312). Crime de furto qualificado pelo concurso de agentes (CP, art. 155, § 4º, inciso IV). Alegada falta de fundamentação. Questão não analisada pelo Superior Tribunal de Justiça. Impetração dirigida contra decisão monocrática com que o relator do Habeas corpus naquela Corte de Justiça indefere liminarmente a inicial com arrimo na Súmula nº 691, do Supremo Tribu-nal Federal. Não exaurimento da instância antecedente. Apreciação per saltum. Impossibi-lidade. Dupla supressão de instância. Precedentes. Presença de ilegalidade flagrante que autoriza, excepcionalmente, abstrair os óbices processuais em evidência. Conversão do flagrante do paciente em prisão preventiva, pelo suposto furto de uma bicicleta, assentado na gravidade em abstrato do delito. Fundamento inidôneo para justificar a medida extre-ma. Precedentes. 1. É firme a jurisprudência da Corte no sentido de que ‘não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão de Relator que, em HC requerido a Tribunal Superior, indefere liminarmente o pedido com supe-dâneo na Súmula nº 691 do STF. Essa circunstância impede o exame da matéria pelo Tri-bunal, sob pena de se incorrer em dupla supressão de instância, com evidente extravasa-mento dos limites da competência descritos no art. 102 da Carta Magna’ (HC 117.761/SP, 2ª T., Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 04.10.2013). 2. Como se não bas-tasse, é inadmissível o habeas corpus que se volte contra decisão monocrática do relator da causa no Superior Tribunal de Justiça não submetida ao crivo do colegiado por inter-médio do agravo interno, por falta de exaurimento da instância antecedente. 3. Presença de constrangimento ilegal flagrante, que autoriza, excepcionalmente, abstrair os óbices processuais em evidência. 4. O Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Cajuru/SP, ao converter a autuação em flagrante do paciente em prisão preventiva, pelo suposto furto de uma bicicleta, baseou-se, tão somente, na gravidade em abstrato do delito, fundamento esse, consoante a jurisprudência da Corte, insuficiente para se manter a medida extrema. 5. Habeas corpus do qual não se conhece. Ordem concedida de ofício para revogar a prisão preventiva do paciente, se, por aí, não estiver preso.” (STF – HC 128.284 – São Paulo – 2ª T. – Rel. Min. Dias Toffoli – J. 09.06.2015)

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reCePTAçÃo – mATeriAlidAde e AUToriA – ComProvAçÃo – Bis in idem – nÃo ConFigUrAçÃo

31290 – “Penal. Processual penal. Receptação (Código Penal, art. 180, § 6º). Materialidade e autoria comprovadas. Bis in idem não configurado. Dosimetria da pena mantida. Sentença confirmada. 1. A materialidade e a autoria do tipo penal previsto no art. 180, § 6º, do Códi-go Penal ficaram suficientemente demonstradas. 2. A alegação de ocorrência de bis in idem, foi examinada e corretamente afastada na v. sentença recorrida, nos seguintes e precisos termos: ‘[...] É bom que se diga que pela associação anterior, os fatos foram objeto de outro processo, tendo sido Renato condenado por formação de quadrilha (2002.41.00.004185-9). Se aquela associação permaneceu não cabe nova condenação, pois o crime é único [...]’. 3. A dosimetria da pena deu-se com a devida observância do disposto nos arts. 59 e 68, do Código Penal, não estando a v. sentença apelada a merecer reparos também neste aspecto. 4. Apelação desprovida.” (TRF 1ª R. – ACr 0000713-87.2004.4.01.4100 – Relª Juíza Fed. Conv. Rosimayre Gonçalves de Carvalho – DJe 14.07.2015)

roUBo CirCUnsTAnCiAdo – PrisÃo PrevenTivA –

PeriCUlUm liBerTATis – indiCAçÃo neCessáriA

31291 – “Recurso ordinário em habeas corpus. Roubo circunstanciado. Prisão preventiva. Art. 312 do CPP. Periculum libertatis. Indicação necessária. Fundamentação suficiente. Re-curso não provido. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a de-terminação de segregar o réu, antes de transitada em julgado a condenação, deve efetivar--se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal. 2. Não há ilegalidade a ser reconhecida no Decreto prisional, pois justificada a prisão preventiva do paciente para garantia da ordem pública ante a sua periculosidade concreta, manifestada quer pela forma de execução do roubo, realizado por vários agentes, com emprego de armas de fogo e mediante restrição de liberdade das vítimas, quer por seu comportamento anterior, pois possui antecedentes pela prática de crimes contra o patrimônio. 3. Recurso ordinário não provido.” (STJ – Rec-HC 54.975 – (2014/0343133-0) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 01.07.2015)

TráFiCo de drogAs – FAlTA de ProvAs – ABsolviçÃo

31292 – “Apelação criminal. Tráfico de drogas. Absolvição por falta de provas. Impossi-bilidade. Desclassificação do crime de tráfico para o delito do art. 28 da Lei nº 11.343/2006.

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Impossibilidade. Depoimento de policiais. Validade probatória. Decote da causa de au-mento prevista no art. 40, inciso VI da Lei nº 11.343/2006. Envolvimento de menor. Com-provação. Inviabilidade. Redução da pena-base. Impossibilidade. Privilégio. Percentual máximo de redução. Não cabimento. Regime. Alteração. Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Inviabilidade. 1. Se as provas dos autos, colhidas na fase de inquérito e reproduzidas em juízo, demonstram o envolvimento dos acusados com o tráfico de drogas, impossível é acolher a tese de absolvição ou desclassificação do delito de tráfico de drogas para o delito do art. 28 da Lei nº 11.343/2006. 2. Comprovado o envolvimento de menor no crime de tráfico ilícito de entorpecentes, impõe-se a aplica-ção do art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006. 3. Não há que se falar em redução da pena-base quando ela se mostrar justa, proporcional e razoável à prevenção e repressão do delito. 4. Justifica-se a redução da pena pelo privilégio no patamar de 1/5, considerando-se a variedade das drogas apreendidas. 5. Diante da qualidade e da considerável quantidade da droga apreendida, inviável se torna a fixação de regime menos rigoroso, por não ser suficiente para a prevenção e reprovação do delito. 6. Não é cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos se os réus não preenchem os requisitos do art. 44 do Código Penal.” (TJMG – ACr 1.0672.14.004538-2/001 – 6ª C.Crim. – Relª Denise Pinho da Costa Val – DJe 15.07.2015)

Uso de doCUmenTo FAlso – reCePTAçÃo – ComPeTÊnCiA

– inoCorrÊnCiA

31293 – “Processual penal. Conflito de competência. Uso de documento falso perante a po-lícia rodoviária federal. Receptação. Competência da justiça federal para o segundo crime. Inocorrência. Ausência de conexão processual. Concurso de crimes que não implica neces-sariamente em conexão. Conflito conhecido para declarar a competência do juízo suscitado para apuração do delito de receptação. I – Pretende o d. Juízo suscitante a fixação da compe-tência do d. Juízo Suscitado para apreciação do crime de receptação, cometido em concurso com aquele que deve ser apurado perante à Justiça Federal, qual seja, o uso de documento falso perante a Polícia Rodoviária Federal. II – Não obstante a verificação dos crimes tenha ocorrido no mesmo contexto fático, não há elementos para se indicar a existência de cone-xão processual que atraia a competência da Justiça Federal para apuração da receptação, nos termos do Enunciado nº 122, da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. III – Assim, a competência para o processamento do crime de receptação deve recair sobre a Justiça Es-tadual, não havendo se falar em prejuízo à instrução com a cisão dos processos, pois a con-sumação dos crimes imputados se deu em momentos diferentes. Conflito conhecido para declarar a competência do d. Juízo de Direito da Vara Criminal da Comarca de Itaguaí/RJ, ora suscitado, para apuração do crime previsto no art. 180, do Código Penal.” (STJ – CC 140.257 – (2015/0107411-5) – 3ª S. – Rel. Min. Felix Fischer – DJe 01.07.2015)

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Índice AlfAbético e Remissivo cÍvel e PenAl

Doutrina

Civil e ProCessual Civil

assunto

Contrato De plano De saúDe

• os Planos de saúde e os reajustes por Faixa etária de idosos: Comentários sobre o Julgamento do agrg-resp 1.315.668/sP (Bernardo Franke Dahinten, augusto Franke Dahinten e Pauloroberto do Nascimento Martins) ..................................................... 19

Direito De Família

• as ações de Família no Novo Código de Processo Civil (Maria Berenice Dias) ........................................................................ 9

Direito Do ConsumiDor

• Breves Notas sobre o retrocesso impingido pela súmula nº 385do sTJ (ezequiel Morais) ................................................................ 15

• Neutralidade de rede e os impactos na relação de Consumo (lygia Maria Moreno Molina Henrique)............................................ 37

autor

augusto Franke Dahinten

• os Planos de saúde e os reajustes por Faixa etária de idosos: Comentários sobre o Julgamento do agrg-resp 1.315.668/sP .... 19

BernarDo Franke Dahinten

• os Planos de saúde e os reajustes por Faixa etária de idosos: Comentários sobre o Julgamento do agrg-resp 1.315.668/sP .... 19

ezequiel morais

• Breves Notas sobre o retrocesso impingido pela súmula nº 385 do sTJ ............................................................................................. 15

lygia maria moreno molina henrique

• Neutralidade de rede e os impactos na relação de Consumo ...... 37

maria BereniCe Dias

• as ações de Família no Novo Código de Processo Civil .................. 9

paulo roBerto Do nasCimento martins

• os Planos de saúde e os reajustes por Faixa etária de idosos: Comentários sobre o Julgamento do agrg-resp 1.315.668/sP .... 19

PeNal e ProCessual PeNal

assunto

Crime Contra a orDem triButária

• Dos Crimes contra a ordem Tributária nas operações comPrecatórios (leonardo romero de lima) ........................................ 53

autor

leonarDo romero De lima

• Dos Crimes contra a ordem Tributária nas operações com Precatórios ....................................................................................... 53

aCórDão na íntegra

Civil, ProCessual Civil e CoMerCial

assunto

ação anulatória De DupliCatas

• recurso especial – ação anulatória de duplicatas aceitas – Descumprimento do negócio jurídico subjacente comprovado –Possibilidade de discussão com a empresa de factoring (sTJ) ...... 89

Direito Do ConsumiDor

• Direito do consumidor – agravo regimental em recurso ex-traordinário com agravo – Contrato de financiamento de veículo – Quitação – Baixa de gravame – Controvérsia que demanda análise de legislação infraconstitucional – neces-sidade de reapreciação dos fatos e do material probatório dos autos – súmula nº 279/sTF – interpretação de cláusu-las contratuais – súmula nº 454/sTF (sTF) .................................... 85

FalênCia

• Processual civil – execução fiscal – Falência não impede prescrição – Prescrição intercorrente – art. 40 e §§ da leF(TrF 1ª r.) .................................................................................... 101

PeNal, ProCessual PeNal

assunto

ContraBanDo

• Penal e processo penal – apelação criminal – Contrabando – uso de máquinas eletrônicas programadas – Materialida-de e autoria comprovadas – Conduta dolosa – Condenaçãomantida (TrF 2ª r.) ....................................................................... 149

DesCaminho

• Processual penal e penal – Habeas corpus – substitutivo – Não cabimento – descaminho – Desnecessidade de constituição definitiva do crédito tributário – crime formal – Formação de quadrilha – falsidade ideológica – Crimes previstos nos art. 19, parágrafo único, art. 21, parágrafo único, lei nº 7.492/1986 – sentença de rejeição da denúncia sem análise do mérito – Con-denação pelo Tribunal a quo – supressão de instância confi-gurada – Nulidade reconhecida de ofício (sTJ) ............................ 131

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Revista JuRídica 453índice cível e Penal

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pena

• Penal – agravo regimental no habeas corpus – ameaça e vias de fato – Writ substitutivo de recurso próprio – ambiente doméstico ou familiar – lei Maria da Penha – substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos – impos-sibilidade – revogação da suspensão condicional da pena – Tema não apreciado pela corte de origem – supressão de instância – agravo regimental não provido (sTJ) .......................... 141

tráFiCo De Drogas

• Penal – Tráfico de drogas privilegiado – art. 33, caput e § 4º, da lei nº 11.343/2006 – transporte público – inaplica-bilidade da causa de aumento – acusado estrangeiro – Pos-sibilidade de fixação do regime inicial aberto e da substitui-ção da pena privativa de liberdade (TrF 4ª r.) ............................ 165

ementário

Civil, ProCessual Civil e CoMerCial

assunto

ação anulatória De ato juDiCial – Citação por eDital inexisten-te ou inváliDa – víCios insanáveis

• Processual civil. ação anulatória de ato judicial. Citação por edital inexistente ou inválida. vícios insanáveis. apreciação a qualquer tempo. Possibilidade. Prescrição e decadência ina-plicáveis. ausência de esgotamento dos meios necessários à localização da pessoa jurídica executada. reexame de matéria fática. súmula nº 7/sTJ. Nulidade da citação e atos subsequen-tes. 1. a inexistência ou nulidade da citação correspondem a ví-cios insanáveis que, no entender da doutrina e da jurisprudência deste Tribunal superior e do supremo Tribunal Federal, podem ser apreciados a qualquer tempo, não se submetendo a prazo prescricional ou decadencial. Precedentes: resp 1.449.208/rJ, rel. Min. Moura ribeiro, rel. p/ ac. Min. ricardo villas Bôas Cueva, 3ª T., DJe 27.11.2014; ar 569/Pe, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª s., DJe 18.02.2011; resp 1.015.133/MT, relª Min. eliana Calmon, rel. p/ ac. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 23.04.2010; HC 92.569, rel. Min. ricardo lewandowski, 1ª T., DJe-074 25.04.2008; re 96.374, rel. Min. Moreira alves, 2ª T., DJ 11.11.1983. Desse modo, tanto a citação inexistente como a citação inválida (inquinada de nulidade absoluta) au-torizam a propositura de ação anulatória com viés de querella nulitatis, a qual não se encontra sujeita a prazo de prescrição ou decadência. 2. a jurisprudência deste Tribunal superior firmou compreensão no sentido de que é necessário o esgotamento de todos os meios de localização dos réus para que se proceda à citação por edital. No caso dos autos, as instâncias ordinárias, à luz do contexto fático-probatório, chegaram à conclusão de que a citação por edital nos autos da execução fiscal desenvol-veu-se sem que fossem exauridas as diligências necessárias para a realização da citação pessoal da sociedade empresária executada. infirmar o entendimento a que chegou as instâncias de origem, de modo a albergar as peculiaridades do caso e verificar o possível esgotamento dos meios de localização da executada, enseja o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que se mostra inviável em sede de recurso es-pecial, por óbice da súmula nº 7/sTJ: “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. 3. a declaração de nulidade do processo a partir da citação acarreta a nulida-de, por derivação, de todos os atos processuais subsequen-tes. Precedentes: resp 730.129/sP, rel. Min. Paulo de Tarso sanseverino, 3ª T., DJe 03.11.2010; HC 28.830/sP, rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJ 19.12.2003, p. 527; resp 36.380/rJ, rel. Min. Hélio Mosimann, 2ª T., DJ 15.12.1997, p. 66351. 4. recursoespecial não provido .......................................................... 33973, 109

ação Demolitória – natureza real – Cônjuge

• Processual civil. ação demolitória. Natureza real. Cônjuge. litis-consórcio necessário. ausência de citação. Nulidade. 1. Cinge--se a controvérsia a definir qual a natureza da ação Demolitória e, em consequência, se a hipótese exige a formação de litiscon-sórcio necessário passivo entre os cônjuges. 2. o Tribunal a quo entendeu que, por se tratar de ação pessoal, “a citação do cônjuge torna-se dispensável, posto que a ação demolitória não afeta diretamente o direito de propriedade das partes” (fl. 130). 3. a ação Demolitória visa à demolição de: a) prédio em ruína (art. 1.280 do CC); b) construção prejudicial a imóvel vizinho, às suas servidões ou aos fins a que é destinado (art. 934, i, do CPC); c) obra executada por um dos condôminos que importe prejuízo ou alteração de coisa comum por (art. 934, ii, do CPC); d) construção em contravenção da lei, do regulamento ou de postura estabelecidos pelo Município. 4. No sistema do Código Civil, a construção é tratada como uma das formas de aquisição da propriedade imóvel (arts. 1.253 a 1.259). Por outro lado, o di-reito de exigir a demolição de prédio vizinho encontra-se previs-to no capítulo que trata dos direitos de vizinhança e está asso-ciado ao uso anormal da propriedade (seção i do Capítulo v do Título iii do livro dos Direitos das Coisas). 5. a ação Demolitória tem a mesma natureza da ação de Nunciação de obra Nova e se distingue desta em razão do estado em que se encontra a obra (resp 311.507/al, rel. Min. ruy rosado de aguiar, 4ª T., DJ 05.11.2001, p. 118). 6. assentada a premissa de que a ação Demolitória e a ação de Nunciação de obra Nova se equiva-lem, o art. 95 do CPC corrobora a tese sobre a natureza real de ambas. o dispositivo prescreve que, nas ações fundadas em direito real sobre imóveis, o foro competente é o da situação da coisa, com a ressalva de que as referidas ações podem ser propostas no foro do domicílio ou de eleição, desde que o litígio não recaia sobre propriedade, vizinhança, servidão, posse, divi-são e demarcação de terras e nunciação de obra nova. 7. Para o CPC, portanto, a ação de Nunciação de obra Nova se insere entre aquelas fundadas em direito real imobiliário. a mesma conclusão deve alcançar a ação Demolitória. 8. em precedente de relatoria do saudoso Ministro sálvio de Figueiredo Teixeira, o sTJ assentou entendimento pela nulidade de processo em que pleiteada a demolição de bem, por ausência de citação de condômino litisconsorte necessário (resp 147.769/sP, rel. Min. sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª T., DJ 14.02.2000, p. 34). 9. recurso especial provido ...............................................33974, 110

ação De reintegração De posse e CoBrança – programa De arrenDamento resiDenCial (par) – lei nº 10.188/2001 – inaDimplênCia

• Civil e processual civil. embargos declaratórios. Programa de arrendamento residencial – Par. lei nº 10.188/2001. ação de reintegração de posse e cobrança. inadimplência. Parcelas de arrendamento e taxa condominiais em atraso. Possibilidade. inocorrência de omissões. impossibilidade de reapreciação de matéria amplamente discutida. embargos de-claratórios improvidos .........................................................33975, 110

ação monitória – CoBrança De Cheques presCritos – Compe-tênCia territorial

• Direito processual civil. agravo de instrumento. ação monitória. Cobrança de cheques prescritos. Competência territorial. ve-rificação. Declínio de competência relativa de ofício. impossi-bilidade. Decisão cassada. 1. a ação monitória que objetiva a cobrança de crédito decorrente de cheque emitido e devolvido por falta de provisão de fundos, e que se encontra sem força executiva, a priori, não está sujeita às regras do Código de Defesa do Consumidor. a obrigação cambiária decorrente da emissão do cheque, em conformidade com os ditames da abs-tração e da autonomia, é independente da respectiva relação

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jurídica subjacente. 2. o critério para fixação da competência na ação monitória que busca a efetivação do crédito indicado em cheque emitido que fora devolvido por ausência de provisão de fundos e que se apresenta sem força executiva é territorial e assim possui natureza relativa, estando disciplinada nos arts. 94 e seguintes do CPC. 3. É vedado ao magistrado reconhecer incompetência relativa de ofício, devendo a matéria ser opor-tunamente arguida pelo demandado, sob pena de prorrogação. Por isso, não poderia o eminente juízo de primeiro grau decli-nar de ofício da sua competência sem uma eventual arguição da parte demandada por meio de exceção de incompetência. 4. Merece parcial provimento a pretensão recursal sustentada pela agravante unicamente para se reconhecer a nulidade da decisão recorrida, uma vez que prolatada em violação ao dis-posto nos arts. 112, caput, e 114, in fine, do CPC e por estar em confronto com a súmula nº 33 do c. sTJ, resguardando-se porém o direito de a ré formular, oportunamente, exceção de incompetência, caso entenda pertinente. 5. recurso conhecido e parcialmente provido. Decisão cassada ..........................33976, 111

ação resCisória – inapliCaBiliDaDe Da súmula nº 343/stF – matéria De orDem ConstituCional

• administrativo e processual civil. ação rescisória. inaplicabili-dade da súmula nº 343/sTF. Matéria de ordem constitucional. servidor público. reajustes. urP de abril e maio de 1988. Ma-nifestação do supremo Tribunal Federal. valor devido corres-pondente a 7/30 de 16,09%. i – a jurisprudência do supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido do afastamento do enten-dimento consubstanciado na súmula nº 343/sTF, na hipótese de afronta a Dispositivo Constitucional, em razão da supremacia da Constituição Federal sobre todo o ordenamento jurídico, sob pena do enfraquecimento de sua força normativa e, consequen-temente, de sua efetividade. ii – o Pretório excelso consolidou entendimento no sentido de que os servidores públicos somente têm direito ao pagamento das urPs de abril e maio de 1988 até os primeiros 7 dias do mês de abril, uma vez que o Decre-to nº 2.425/1988 entrou em vigor no oitavo dia daquele mês. iii – Por conseguinte, assegurou aos servidores, pela aplica-ção da urP, o valor correspondente a 7/30 (sete trinta avos) de 16,19% sobre os vencimentos dos meses de abril e maio de 1988, não cumulativamente, mas corrigidos monetaria-mente desde a data em que eram devidos até o seu efetivo pagamento, ficando excluída da condenação a extensão desses valores aos meses de junho e julho de 1988 (ai 477174-agr, relator(a): Min. Carlos velloso, 2ª T., Julgado em 08.06.2004, DJ 25.06.2004, p. 00044, ement. v. 02157-15, p. 02862). iv – re-curso especial provido, para julgar procedente a ação rescisória ajuizada pela união, a fim de desconstituir o acórdão originário e reconhecer tão somente o reajuste de 7/30 de 16,19%, relativo à urP dos meses de abril e maio de 1988 ........................33977, 112

ação resCisória – inCorporação De quintos – liminar DeFeriDa à suspensão Da exeCução

• Processual civil. ação rescisória. incorporação de quintos. limi-nar deferida à suspensão da execução do acórdão rescinden-do. Conjugação dos pressupostos acórdão rescindendo. Con-jugação dos pressupostos legais ao trato liminar demandado. Julgado recorrido com suporte de validade em recente decisão do supremo Tribunal Federal. agravo regimental insuficiente. Combate aos fundamentos decisórios. 1. a decisão monocrática profligada consigna “[...] vistos, etc. Tendo em vista a decisão proferida pelo eg. sTF no re 638115, defiro a medida liminar postulada suspendendo-se a execução do acórdão rescindendo até o julgamento da presente ação rescisória. Comunique-se com urgência. Cite-se a entidade ré para contestar, querendo, no prazo de 15 dias [...]”. vale gizar que a decisão do supremo Tribunal Federal que empresta suporte de validade à decisão

preambular foi noticiada no sítio eletrônico daquele sodalício nos seguintes termos “[...] Quinta-feira, 19 de março de 2015. Decisão que autorizava incorporação de quintos ofende prin-cípio da legalidade. Por maioria dos votos, o Plenário do su-premo Tribunal Federal (sTF) deu provimento ao recurso ex-traordinário (re) 638115, que discute a constitucionalidade da incorporação de quintos por servidores públicos em função do exercício de funções gratificadas no período compreendido en-tre a edição da lei nº 9.624/1998 (2 de abril de 1998) e a Medida Provisória nº 2.225-45/2001 (4 de setembro de 2001). a matéria, com repercussão geral reconhecida, alcança mais de 800 casos sobrestados em outras instâncias da Justiça. o re foi interposto pela união contra acórdão do superior Tribunal de Justiça (sTJ) que reafirmou entendimento de que é possível a incorporação dos quintos – valor de um quinto da função comissionada por ano de exercício, até o limite de cinco anos, que se incorporava à remuneração – no caso em questão. No sTF, a união susten-tou que não existe direito adquirido a regime jurídico e que o acórdão questionado teria violado os princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. Julgamento. o relator da matéria, Ministro Gilmar Mendes, votou pelo conhecimento do recurso. ele foi seguido pelos Ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Marco aurélio e ricardo lewandowski. Nesse ponto, fi-caram vencidos os Ministros luiz Fux e Celso de Mello, bem como as Ministras rosa Weber e Cármen lúcia, ao entenderem que o re refere-se à matéria infraconstitucional. em seguida, o Ministro Gilmar Mendes votou pelo provimento do recurso. Para ele, o direito à incorporação de qualquer parcela remu-neratória – quintos ou décimos – já estava extinto desde a lei nº 9.527/1997. o ministro ressaltou que “a MP 2.225-45/2001 não veio para extinguir definitivamente o direito à incorporação que teria sido revigorado pela lei nº 9.624/1998, como equivo-cadamente entenderam alguns órgãos públicos, mas apenas e tão somente para transformar em vantagem Pessoal Nominal-mente identificada (vPNi) a incorporação das parcelas a que se referem os arts. 3º e 10 da lei nº 8.911/1994 e o art. 3º da lei nº 9.624/1998”. ele lembrou que, conforme a Procuradoria-Geral da república (PGr), “em nenhum momento a MP 2.225 esta-beleceu novo marco temporal à aquisição de quintos e décimos, apenas transformou-os em vPNi, deixando transparecer o obje-tivo de sistematizar a matéria no âmbito da lei nº 8.112/1990, a fim de eliminar a profusão de regras sobre o mesmo tema”. se-gundo o relator, o restabelecimento de dispositivos normativos – que permitiam a incorporação dos quintos ou décimos e foram revogados anteriormente somente seria possível por determi-nação expressa da lei. “em outros termos, a repristinação de normas, no ordenamento pátrio, depende de expressa determi-nação legal, como dispõe o § 3º do art. 3º da lei de introdução do Código Civil”, disse ao citar que a manifestação da PGr foi nesse sentido. De acordo com o Ministro Gilmar Mendes, se a MP 2.225/2001 não repristinou expressamente as normas que previam a incorporação de quintos, “não se poderia considerar como devida uma vantagem remuneratória pessoal não previs-ta no ordenamento jurídico”. ele salientou que a concessão de vantagem a servidores somente pode ocorrer mediante lei em sentido estrito, com base no princípio da reserva legal. “embora a MP tenha se apropriado do conteúdo das normas revogadas, mencionando-as expressamente, não teve por efeito revigorá--las, reinserindo-as no ordenamento jurídico”, avaliou o minis-tro. ele destacou que a irretroatividade das leis é princípio geral do ordenamento jurídico brasileiro, cuja finalidade é preservar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, em homenagem ao princípio da segurança jurídica. Dessa forma, o Ministro Gilmar Mendes concluiu que, se não há lei, não é devida a incorpo-ração de quintos e décimos. “Não há no ordenamento jurídico norma que permita essa ressurreição dos quintos e décimos levada a efeito pela decisão recorrida, por isso inequívoca a vio-

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lação ao princípio da legalidade”, entendeu ao frisar que “não se pode revigorar algo que já estava extinto por lei, salvo mediante outra lei e de forma expressa, o que não ocorreu”. No mérito, o relator foi seguido por maioria, vencidos os Ministros luiz Fux, Cármen lúcia e Celso de Mello, que negaram provimento ao re. Com o intuito de preservar os servidores que receberam as verbas de boa-fé, o Plenário modulou os efeitos da decisão para que não haja a repetição do indébito, vencido nesse ponto o Ministro Marco aurélio. Na sessão desta quinta-feira também foram julgados os Mandados de segurança (Mss) nºs 25763 e 25845, que tratavam do mesmo tema. eC/FB [...]”. Texto dis-ponível in http://www.sTF.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287739. acesso em: 15 jun. 2015. aos mes-mos fundamentos acima transcritos faço remissão, tomando-os por integrados neste voto, certo que, por ocasião do julgamento deste recurso, não verifico razões para modificar a decisão proferida preambularmente. ainda, é força anotar que a mens legis do art. 741, parágrafo único, do Código de Processo Ci-vil – cotejada com a recentíssima decisão do supremo Tribunal Federal susorreferida – também empresta suporte de validade à decisão vergastada. 2. agravo improvido ...........................33978, 113

ação resCisória – violação De literal Disposição De lei – não oCorrênCia

• ação rescisória. violação de literal disposição de lei. Não ocor-rência. violação dos arts. 128 e 460 do Código de Processo Ci-vil. Julgamento extra petita não caracterizado. utilização como sucedâneo recursal. impossibilidade. 1. “Para que a ação resci-sória fundada no art. 485, v, do CPC prospere é necessário que a interpretação dada pelo decisum rescindendo seja de tal modo aberrante, que viole o dispositivo legal em sua literalidade. se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as inter-pretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação resci-sória não merece vingar, sob pena de tornar-se um mero “recur-so” com prazo de “interposição” de dois anos” (resp 9.086/sP, rel. Min. adhemar Maciel, rsTJ v. 93, p. 416-417). 2. somente ocorre julgamento extra petita quando constatada discrepância entre o pedido, a causa de pedir e a prestação jurisdicional, o que, como bem decidido pelo acórdão rescindendo, não ocorreu na hipótese. 3. a ação rescisória não se presta para simples rediscussão da causa. ou seja, não pode ser utilizada como sucedâneo recursal, sendo cabível, excepcionalmente, somen-te nos casos em que flagrante a transgressão da lei. 4. açãorescisória improcedente ......................................................33979, 115

alienação De veíCulo – transFerênCia De proprieDaDe – au-sênCia De ComuniCação ao Detran – multa De trânsito

• alienação de veículo. Transferência de propriedade. ausência de comunicação ao Detran. Multa de trânsito. responsabilidade solidária do vendedor. apelação cível. ação declaratória de não propriedade de veículo cumulada com anulatória de multas e pontos na CNH. autor que alega não ser mais proprietário de veículo que se encontra vinculado ao seu nome no Detran. alie-nação que teria ocorrido em 1999, embora não possa apontar sequer o nome do adquirente. Pedidos julgados improcedentes em razão da ausência de documentos inerentes ao negócio. reforma. a transferência da propriedade de bem móvel, por força do art. 1.226 do CC, se dá com a tradição. Não é razoável entender que a comunicação da venda não possa ser feita por outros meios. os registros administrativos devem corresponder à realidade fática. a ordem jurídica não admite penalidades per-pétuas. o fato de não mais se recordar do nome do comprador não é impeditivo absoluto para exclusão do registro. a penalida-de do art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro é a solidariedade do vendedor do veículo pelas punições impostas e suas rein-cidências até a data da comunicação da venda; como o autor não observou o dever de informar ao Detran a transferência do

veículo, deve permanecer responsável solidariamente pelas multas imputadas ao veículo até a data da citação. recurso a que se dá provimento parcial ..............................................33980, 115

Bem De Família – reConheCimento Do peDiDo – penhora – Des-Constituição

• Processual civil. embargos de terceiro. Bem de família. reco-nhecimento do pedido. Penhora. Desconstituição. 1. Nos termos dos arts. 1º e 5º da lei nº 8.009/1990, é requisito necessário para caracterizar o bem de família ser ele destinado à moradia da entidade familiar. 2. embargada que reconheceu a procedên-cia do pedido, tendo o Juízo de origem determinado a descons-tituição da penhora. 3. Pelos documentos juntados aos autos, resta patente a irregularidade na penhora do bem, uma vez que o imóvel consiste em residência utilizada para a moradia da fa-mília. 4. remessa oficial desprovida ..................................33981, 116

CéDula De CréDito rural emitiDa por pessoa FísiCa – garantia De aval prestaDa por terCeiro

• Civil. agravo regimental no recurso especial. Cédula de crédito rural emitida por pessoa física. Garantia de aval prestada por terceiro. art. 60, § 3º, do Decreto-lei nº 167/1967. validade. entendimento firmado no julgamento do resp 1.483.853/Ms, 3ª T. 1. as mudanças no Decreto-lei nº 167/1967 não tiveram como alvo as cédulas de crédito rural. Por isso elas nem se-quer foram mencionadas nas proposições que culminaram com a aprovação da lei nº 6.754/1979, que alterou o Decreto-lei referido. 2. a interpretação sistemática do art. 60 do Decreto--lei nº 167/1967 permite inferir que o significado da expressão também são nulas outras garantias, reais ou pessoais, disposta no seu § 3º, refere-se diretamente ao § 2º, ou seja, não se dirige às cédulas de crédito rural, mas apenas às notas e duplicatas rurais. 3. vedar a possibilidade de oferecimento de crédito rural direto mediante a constituição de garantia de natureza pessoal (aval) significa obstruir o acesso a ele pelo pequeno produtor ou só o permitir em linhas de crédito menos vantajosas. 4. os mu-tuários não apresentaram argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, que se apoiou em novo posicionamento deste órgão fracionário. incidência da súmula nº 83 do sTJ. 5. agravo regimental não provido .......................................33982, 118

ConsumiDor – Construtor – responsaBiliDaDe oBjetiva – in-Denização

• Consumidor. Construtor. responsabilidade objetiva. indeni-zação. Danos materiais. Honorários do perito. 1. a responsa-bilidade da construtora é objetiva, de acordo com o diploma consumerista. Portanto, para excluí-la, deveria a parte ter de-monstrado quaisquer das hipóteses previstas no art. 12, § 3º, do CDC. 2. Cabível a indenização por danos materiais dos gastos com os honorários do engenheiro, que elaborou perí-cia técnica utilizada como elemento de convicção para a con-denação na sentença, mesmo que tenha sido realizada antes do início do processo. 3. Não se trata de custas processuais, a despesa com o pro labore do engenheiro, que produziu laudo técnico anterior ao ajuizamento da ação. 4. sentença refor-mada. recurso provido .......................................................33983, 118

Contrato BanCário – inaDimplênCia – Comissão De permanên-Cia – legaliDaDe

• Civil. Contrato bancário. inadimplência. Comissão de perma-nência. legalidade. Cumulação com outros encargos. inexis-tência. Capitalização de juros. Não comprovação. apelação improvida. 1. É legítima a cobrança da comissão de permanên-cia, desde que não cumulada com correção monetária, nem com quaisquer acréscimos decorrentes da impontualidade (tais como juros, multa, taxa de rentabilidade, etc.). isto porque ela já possui a dupla finalidade de corrigir monetariamente o valor

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do débito e de remunerar o banco pelo período de mora con-tratual (súmulas nºs 30, 294, 296 e precedentes do eg. sTJ). 2. No caso dos autos, diferentemente do que alega a apelante, não há cobrança de comissão de permanência cumulada com outros acréscimos contratuais. apesar de ter sido expressa-mente estabelecida no contrato a cobrança de comissão de permanência acrescida de taxa de rentabilidade, de juros de mora e multa, as planilhas apresentadas pela Caixa econômica demonstram que o valor devido foi acrescido apenas de comis-são de permanência, não tendo sido incluídos juros de mora, taxa de rentabilidade, multa ou outros encargos contratuais. 3. inexistindo, pois, acumulação indevida de encargos finan-ceiros, mostra-se legítima a cobrança da comissão de perma-nência na presente hipótese. 4. apelação improvida .........33984, 119

Desapropriação para Fins De reForma agrária – área regis-traDa e aquela oBjeto Da Desapropriação – ausênCia De pre-questionamento – DeFiCiênCia argumentativa

• Processo civil. administrativo. Desapropriação para fins de reforma agrária. arguição genérica de violação do art. 535 do CPC. súmula nº 284/sTF. incompatibilidade. Área registrada e aquela objeto da desapropriação. ausência de prequestio-namento. Deficiência argumentativa. valor apurado no laudo pericial. revisão. impossibilidade. súmula nº 7/sTJ. Cálculo do valor da terra nua e benfeitorias, em separado. Fundamentação inatacada. súmula nº 283/sTF. Área de preservação permanen-te e reserva legal. Matéria não prequestionada. revisão de ele-mentos fático-probatórios. Juros compensatórios. Não incidên-cia entre 29.09.1999 e 13.09.2001. Questão apreciada sob o rito dos recursos repetitivos. Parcelas pagas em TDas. aplicação. 1. Não se conhece da violação do art. 535 do CPC quando o re-corrente não especifica em que consistiram as omissões cons-tantes do acórdão recorrido, nem justifica, de maneira adequa-da, a relevância do exame da matéria para a correta solução da controvérsia. inteligência da súmula nº 284/sTF. 2. em relação à incompatibilidade entre a área registrada do imóvel e aquela objeto da desapropriação, os dispositivos indicados como mal-feridos pelo recorrente não foram objeto de análise pela Corte de origem, ainda que implicitamente, estando ausente o requi-sito do prequestionamento. aplicação da súmula nº 211/sTJ. 3. ademais, há deficiência de argumentação quando os precei-tos impugnados no apelo não possuem carga normativa apta a infirmar as conclusões da Corte de origem. incidência da súmu-la nº 284/sTF por analogia. 4. No que concerne aos critérios de cálculo utilizados pelo perito para fixar o valor atual da indeniza-ção, tem-se que a reforma das conclusões do aresto impugnado demandaria o reexame da matéria fático-probatória dos autos, o que não é permitido, nos termos da súmula nº 7/sTJ. 5. além disso, a questão referente à impossibilidade de cálculo do va-lor da terra nua e, em separado, das benfeitorias foi afastada pelo Tribunal a quo, com fundamento na preclusão. esse ponto, contudo, não foi impugnado no recurso especial, aplicando-se o enunciado da súmula nº 283/sTF. 6. em relação às áreas de preservação permanente e de reserva legal, não obstante estar ausente o requisito do prequestionamento, a reforma das conclusões da Corte de origem demandaria o reexame das provas dos autos, atraindo a incidência da súmula nº 7/sTJ. 7. Quanto aos juros compensatórios, o aresto recorrido deve ser reformado apenas para afastar a incidência dessa verba no período compreendido entre 24.09.1999 (entrada em vigor da Medida Provisória nº 1.901-30/1999) a 13.09.2001 (data liminar concedida na aDin 2.332/DF), nos termos do que foi definido no julgamento do resp 1.116.364/Pi, rel. Min. Castro Meira, 1ª s., DJe 10.09.2010, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC. 8. a jurisprudência do sTJ admite a incidência de juros moratórios e correção monetária, mesmo quanto à parcela paga por meio de TDa. veja-se: agrg-resp 1.459.124/Ce, rel. Min. Herman

Benjamin, 2ª T., DJe 10.10.2014. 9. recurso especial conhecido em parte e provido, também em parte ................................33985, 119

DesConsiDeração Da personaliDaDe juríDiCa – art. 50 Do CC – hipóteses não veriFiCaDas – enCerramento irregular Das ativiDaDes – aBuso Da personaliDaDe

• embargos de declaração. agravo de instrumento. Desconside-ração da personalidade jurídica. art. 50 do CC. Hipóteses não verificadas. encerramento irregular das atividades. abuso da personalidade. Não configurado. inclusão dos administradores no polo passivo da demanda. impossibilidade. omissão não configurada. efeitos infringentes. impossibilidade. efetiva e adequada prestação jurisdicional. 1. os embargos de declara-ção são opostos em face de existência de contradição, omissão ou obscuridade da decisão impugnada, não para reexame da matéria já apreciada, nem configura via útil cabível para ino-vação ou modificação do julgado. 2. o v. acórdão impugnado expressamente destacou que para que se promova a descon-sideração da personalidade jurídica, necessário se faz o preen-chimento dos requisitos objetivos e subjetivos do supracitado art. 50 do Código Civil. De igual modo, apontou que a jurispru-dência também tem considerado, para fins de desconsideração da personalidade jurídica, o fato de a sociedade empresária ter sido irregularmente dissolvida, conforme entendimento contido na súmula nº 435/sTJ. 3. in casu, reputou-se não ser o caso da desconsideração da personalidade jurídica por não verificar a ocorrência dos requisitos basilares para a desconsideração da personalidade jurídica vindicada, tais como a caracterização de fraude, a demonstração de insolvência ou, ainda, a latente con-fusão patrimonial existente entre a pessoa jurídica e a pessoa física dos associados. Caminhando por essa mesma vereda, o v. julgado descartou a hipótese de aplicação da súmula nº 435 do sTJ ao asseverar que o fato de a pessoa jurídica encerrar suas atividades de maneira irregular não enseja, por si só, a aplicação da disregard doctrine. 4. Não há que se falar em inclu-são dos administradores no polo passivo da demanda, para que estes respondam pelas obrigações contraídas pela embargada; haja vista que, por consequência lógica, o indeferimento da des-consideração da personalidade jurídica da recorrida afasta, pelo menos neste momento processual, a responsabilidade patrimo-nial dos administradores, em face da distinção entre a pessoa fí-sica e a jurídica. 5. o julgador não está obrigado a responder, de modo pormenorizado, todas as questões suscitadas pelas par-tes, bastando-lhe que, uma vez formada sua convicção acerca da matéria, fundamente a sua decisão, trazendo de forma clara e precisa os motivos que a alicerçaram, dando suporte jurídico necessário à conclusão adotada. 6. inexistindo qualquer vício a ser sanado, e considerando que a via dos embargos de decla-ração não servem ao efeito infringente pretendido, nem mesmo à rediscussão da matéria, rejeitam-se os embargos interpostos. 7. recurso conhecido e improvido .................................... 33986, 120

emBargos à exeCução – título juDiCial – remessa oFiCial

• Processual civil. embargos à execução. Título judicial. re-messa oficial. Não cabimento. 1. as sentenças proferidas em embargos à execução de título judicial opostos pela Fazenda Pública não estão sujeitas ao duplo grau obrigatório, nos termos do art. 475, i e ii, do CPC, na redação dada pela lei nº 10.352/2001. Precedentes desta Corte. 2. remessa oficialnão conhecida. .................................................................. 33987, 121

exCeção De pré-exeCutiviDaDe – reDireCionamento aos sóCios – ConDuta FrauDulenta

• Processual civil e tributário. agravo de instrumento. execução fiscal. redirecionamento aos sócios. exceção de pré-executi-vidade. Conduta fraudulenta. exclusão do polo passivo. im-possibilidade. 1. Trata-se de agravo de instrumento manejado

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por adierson Carneiro Monteiro e outros contra decisão que, em sede de execução fiscal, não conheceu da exceção de pré--executividade ofertada pelos agravantes, a qual objetivava a extinção do feito executivo fiscal em relação aos excipientes, uma vez que foram incluídos no polo passivo, através do redi-recionamento da execução fiscal, na condição de sócios cor-responsáveis. 2. o Juízo a quo considerou que os argumentos relativos à ilegitimidade passiva dos excipientes demandam dilação probatória, sendo matéria típica a ser tratada em em-bargos à execução fiscal. 3. ab initio, impende considerar que a exceção de pré-executividade, forma de defesa dos execu-tados, nos próprios autos da execução, foi criada em sede de doutrina e jurisprudência para viabilizar ao executado arguir matérias de ordem pública, como a falta de condições da ação e dos pressupostos processuais, que podem ser declarados ex officio pelo Juiz. 4. Na hipótese em tela, com base na decisão que redirecionou a execução fiscal para os sócios, e na impug-nação da Fazenda à exceção de pré-executividade ofertada pelos agravantes, conclui-se pela impossibilidade de se aferir, de plano, na via estreita da execução de pré-executividade, se realmente há vício na CDa ora discutida, até porque, em princípio, existem nos autos elementos fortes e contundentes que evidenciam possível conduta fraudulenta, configuradora de infração à lei. 5. Desse modo, inexiste relevância na funda-mentação do agravo. 6. agravo interno não conhecido e agravode instrumento desprovido ................................................ 33988, 121

exeCução – presCrição Da pretensão exeCutória

• administrativo. Processual civil. execução. Prescrição da pre-tensão executória. em se tratando de execução fiscal para cobrança de débito de natureza não tributária, aplica-se o pra-zo prescricional de cinco anos, previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932. a prescrição executiva origina-se da incúria do agente em materializar sua pretensão, dentro do prazo limite fixado em lei. a administração possui 5 anos para finalizar o pro-cesso administrativo que objetiva apurar e aplicar penalidade (multa administrativa) e, ao depois, 5 anos para o ajuizamento de execução relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor, contados da constituiçãodefinitiva do crédito não tributário ...................................... 33989, 122

exeCução – título extrajuDiCial – exeCutaDo – Citação eDi-talíCia – nuliDaDe

• Civil e processual civil. ação de execução de título extrajudicial. executado. Citação editalícia. Nulidade. Diligências frustradas. esgotamento de meios. Prescindibilidade. Prescrição da preten-são executiva. reconhecimento. Citação. Fato interruptivo da prescrição. Não aperfeiçoamento. Pretensão ajuizada e rece-bida antes do implemento do prazo. Demora na citação. Fato atribuível ao funcionamento do mecanismo judicial. inexistência de inércia da parte autora. Prescrição. reconhecimento. im-possibilidade. inexistência de crédito executado. arguição. For-mulação no grau recursal. exame. impossibilidade. supressão de instância. 1. o efeito devolutivo próprio dos recursos está municiado com poder para devolver ao exame da instância su-perior tão somente e exclusivamente as matérias efetivamente resolvidas pela instância inferior, obstando que, ainda pendente de pronunciamento, a questão não pode ser devolvida a ree-xame, porque inexistente provimento recorrível e porque não pode o órgão revisor se manifestar acerca de matéria ainda não resolvida na instância originária, sob pena de suprimir grau de jurisdição e vulnerar o devido processo legal. 2. a consumação da citação pela via editalícia prescinde do esgotamento das diligências possíveis para a localização do paradeiro do réu, afigurando-se suficiente para que se revista de legitimidade e eficácia que o autor afirme que desconhece o paradeiro do ci-tando e não sobeje nenhum indício de que essa assertiva está

desprovida de legitimidade após frustração das tentativas de citação pessoal havidas, não padecendo de nulidade o ato ci-tatório consumado com observância desses requisitos, notada-mente quando realizadas diversas tentativas de citação pessoal e de localização do atual endereço do citando, todas frustradas (CPC, arts. 231 e 232). 3. aviada e recebida a pretensão antes do implemento do prazo prescricional legalmente assinalado, a demora na consumação da citação de forma a ensejar a inter-rupção do prazo prescricional por fato impassível de ser atri-buído à parte autora, até porque exercitara o direito de ação que lhe é resguardado quando ainda sobejava hígido e realiza-ra todas as diligências destinadas a ensejar o aperfeiçoamento da relação processual, obsta a afirmação da prescrição, ainda que o fato interruptivo do prazo prescricional – citação – não tenha se aperfeiçoado ou venha ser realizado somente após o implemento do interregno, devendo o retardamento do ato, nessas condições, ser assimilado como inerente ao funciona-mento do mecanismo jurisdicional, não podendo ser imputado nem interpretado em desfavor da parte credora (sTJ, súmula nº 106). 4. Diante da sua origem e destinação, a prescrição tem como premissa a inércia do titular do direito, que, deixando de exercitá-lo, enseja a atuação do tempo sobre a pretensão que o assistia, resultando na sua extinção se não exercitada dentro dos prazos assinalados pelo legislador de acordo com a natu-reza que ostenta (CC, art. 189), o que obsta que seja desvirtua- da da sua origem e transmudada em instrumento de alforria do obrigado quando a paralisia do fluxo processual deriva da sua própria incúria, e não da inércia do credor, que, formulando a pretensão, cuidara de ensejar o aperfeiçoamento da relação processual e deflagração da lide, não alcançando êxito por cir-cunstâncias inerentes ao funcionamento do processo, e não em razão da sua incúria. 5. agravo parcialmente conhecido e na parte conhecida, desprovido. Maioria ................................ 33990, 122

investigação De paterniDaDe – inoCorrênCia – pretensão De aColhimento De aBanDono aFetivo

• Civil e família. Processo civil. recurso especial. investigação de paternidade. alegada ofensa ao art. 535 do CPC. inocorrência. Pretensão de acolhimento de abandono afetivo por omissão. Não configuração. recurso especial não provido. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando os embargos de declara-ção são rejeitados pela inexistência de omissão, contradição ou obscuridade, e o Tribunal a quo dirime a controvérsia de forma completa e fundamentada, embora de forma desfavorável à pre-tensão do recorrente. 2. o desconhecimento da paternidade e o abandono à anterior ação de investigação de paternidade por mais de vinte anos por parte do investigante e de seus represen-tantes, sem nenhuma notícia ou contato buscando aproximação parental ou eventual auxílio material do investigado, não pode configurar abandono afetivo por negligência. Civil e família. Processo civil. recurso especial. investigação de paternidade. alegada ofensa ao art. 535 do CPC. inocorrência. afastamento da multa de litigância de má-fé. impossibilidade. Multa devida-mente aplicada. Pretensão de prevalência da coisa julgada for-mal em detrimento do direito de personalidade. impossibilidade. Precedentes. recurso especial não provido. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando os embargos de declaração são rejeitados pela inexistência de omissão, contradição ou obscuri-dade, e o Tribunal a quo dirime a controvérsia de forma comple-ta e fundamentada, embora de forma desfavorável à pretensão do recorrente. 2. Demonstrada a indisfarçável pretensão de se alterar a verdade dos fatos e a dificultação na busca da verdade real, justifica-se a aplicação da multa do por litigância de má-fé, na forma do inciso ii do art. 17 do CPC. 3. a jurisprudência desta egrégia Corte superior já proclamou que em ações de estado, como as de filiação, não se apresenta aconselhável privilegiar a coisa julgada formal em detrimento do direito à identidade,

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Índice cÍvel e PenalRevista JuRÍdica 453

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consagrada na CF como direito fundamental. Precedentes. re-cursos especiais não providos ........................................... 33991, 124

justiça gratuita – petição Do reCuso espeCial – ausênCia De reColhimento Das Custas juDiCiais

• Processual civil. Pedido de assistência judiciária gratuita formu-lado na petição do recuso especial. ausência de recolhimento das custas judiciais. Deserção configurada. súmula nº 187/sTJ. 1. a jurisprudência do sTJ está sedimentada no sentido de que o recorrente, no ato da interposição do recurso especial, deve comprovar o recolhimento do porte de remessa e retorno e das custas judiciais, bem como dos valores exigidos pelo Tri-bunal de origem. 2. apesar da possibilidade de requerimento da assistência judiciária gratuita a qualquer tempo, quando requerida no curso do processo, deve o pedido ser formula-do em petição avulsa e autuado separadamente, nos termos do art. 6º da lei nº 1.060/1950. 3. Mesmo não sendo exigido o porte de remessa e retorno dos autos quando se tratar de recursos encaminhados ao sTJ e devolvidos integralmente por via eletrônica aos Tribunais de origem (art. 6º da resolução sTJ nº 4/2013), é necessário o recolhimento das custas judiciais, ficando violado o art. 511 do Código de Processo Civil. 4. ade-mais, o art. 511, § 2º, do CPC somente é aplicável na hipótese de recolhimento a menor, e não quando inexiste o pagamento. 5. agravo regimental não provido ..................................... 33992, 124

penhora De perCentual Do salário mensal Do impetrante – CaBimento Da ação manDamental

• recurso ordinário em mandado de segurança. Processual civil. ato judicial. Penhora de percentual do salário mensal do impe-trante. Cabimento da ação mandamental. aparente violação de direito líquido e certo (CPC, art. 649, iv). Decadência. Não ocorrência. Prestação de trato sucessivo. recurso parcialmente provido. 1. Não obstante a vedação contida na súmula nº 267 do eg. supremo Tribunal Federal, a jurisprudência do superior Tribunal de Justiça tem admitido a impetração de mandado de segurança quando o ato jurisdicional contiver manifesta ilegali-dade ou teratologia, violando direito líquido e certo do impetran-te. 2. No caso, o ato apontado como coator – decisão judicial que determina a penhora de verba salarial mensal do executado – contraria, em princípio, o disposto no art. 649, iv, do CPC. 3. Tratando-se de ato judicial que impõe prestações de trato sucessivo, o prazo para o ajuizamento da ação mandamental renova-se a cada nova atuação, não incidindo a decadência. 4. recurso ordinário parcialmente provido ........................ 33993, 125

penhora De proventos previDenCiários – impossiBiliDaDe – pe-nhora De aluguel

• Processo civil. agravo de instrumento. Penhora de proventos previdenciários. impossibilidade. Penhora de aluguel. 1. Trata--se de agravo de instrumento interposto por rosinalda Nunes de Moura, em face da união (Fazenda Nacional), contra decisão que, em sede de embargos de terceiros, indeferiu o pedido de li-minar visando à liberação dos valores bloqueados na conta ban-cária da embargante, ora agravante, através do sistema Bacen.Jud. 2. a agravante insurge-se contra o bloqueio de numerário da conta bancária que cotitulariza com a irmã, executada do crédito exequendo, alegando que é terceira estranha à relação processual e que o bloqueio incidiu em verbas impenhoráveis, dado que originadas de proventos de aposentadoria e de contratos de aluguel. 3. Conquanto seja a recorrente terceira à execução fiscal de origem, o bloqueio judicial fora proferido na Conta Bancária nº 0457328-5, cuja titularidade é partilhada pela agravante com sua irmã, a sra. edilânia, a qual integra o polo passivo da referida execução. logo, não é indevido bloquear-se valores nesta conta. 4. No entanto, verifica-se que o bloqueio atingiu as verbas impenhoráveis concernentes aos

proventos de aposentadoria. Compulsando-se os autos, nota--se à fl. 49, a existência de crédito do iNss, inserido à conta nº 0457328-5 no dia 02/10, na importância de 2.341,64 (dois mil, trezentos e quarenta e um reais e sessenta e quatro cen-tavos), que deve ser liberado. 5. De outra banda, quanto aos contratos de aluguel, observe-se que, em princípio, não confi-gura verba impenhorável, conforme suscitado pela recorrente. É que os rendimentos percebidos a título de aluguel não são, por si só, créditos de natureza alimentar. 6. agravo de instru-mento parcialmente provido .............................................. 33994, 125

pensão por morte – Filhas menores – Comprovação Do vín-Culo Familiar e Da ConDição De seguraDo espeCial Do extinto

• Previdenciário. rurícola. Pensão por morte. Filhas menores. Comprovação do vínculo familiar e da condição de segurado especial do extinto, à época do óbito. início de prova material corroborado pela prova testemunhal. o exercício de atividade urbana anterior não desnatura a condição de segurado demons-trada à data do falecimento. labor urbano de um cônjuge não descaracteriza a condição de segurado do outro. Concessão do benefício. verba honorária advocatícia fixada nos termos da súmula nº 111, sTJ. improvimento da apelação e remessa oficial. 1. De logo, esclareço que este feito foi distribuído ini-cialmente como aC 580170/rN, porém, em razão de cuidar-se de apelação e remessa oficial, teve a sua distribuição corrigida para ap-reex 32582/rN. 2. a Constituição Federal assegura a percepção de pensão ao cônjuge e dependentes do segu-rado, conforme disposição do art. 201, inc. v, com a redação da eC 20/1998. 3. Comprovado o vínculo familiar das autoras com o extinto genitor através das Certidões de Nascimento que repousam nos autos. 4. as postulantes apresentaram razoável início de prova material do alegado exercício de atividade rural do instituidor do benefício, pois a Certidão de Óbito, ocorrido em 08.02.2008, assim como a ficha de matrícula da filha, refe-rente aos anos de 2007/2008; o requerimento de matrícula do próprio falecido, nos anos de 1988 a 2000; a ficha de atendi-mento médico da secretaria Municipal de saúde, com data de 07.06.2005; todos contendo a qualificação de agricultor do de cujus, associados à nota fiscal de compra de produto agrícola, realizada em 08.06.2006, e corroborados pela prova testemu-nhal, produzida com as cautelas legais, mediante depoimentos coerentes e sem contradita, demonstrando conhecimento das circunstâncias dos fatos que alicerçam o direito aqui pretendido, comprovam a condição de trabalhador rural do extinto, à época do seu passamento. 5. o fato do de cujus ter desenvolvido labor urbano, no período de 01.12.1999 a 22.05.2000, conforme con-sulta Dataprev, não descaracteriza a sua condição de segurado especial, porquanto passou a exercer a atividade campesina nos anos seguintes, consoante restou demonstrado nos autos. 6. Já no que se refere ao mister de professora desenvolvido pela esposa do falecido, tem-se que o desempenho de ativi-dade urbana de um dos cônjuges não desnatura o exercício da labor campesino do outro, posto que o trabalho rural pode ser desenvolvido individualmente, nos termos do disposto no inciso vii do art. 11 da lei nº 8.213/1991. 7. Comprovado o vínculo familiar com o instituidor do benefício e a condição de segurado especial deste, fazem as autoras jus à concessão da pensão por morte do desditoso genitor. 8. Há carência de interesse de recorrer em relação à fixação da verba honorária advocatícia, visto que a decisão hostilizada excluiu as parcelas vincendas do valor da condenação em honorários advocatícios, estando, portanto, ajustada ao enunciado da súmula nº 111 do sTJ. 9. apelação e remessa oficial improvidas .......................... 33995, 126

presCrição interCorrente – prazo trintenário – inConstitu-CionaliDaDe

• Prescrição intercorrente. Prazo trintenário. inconstituciona-lidade. reconhecimento pelo sTF com efeitos ex nunc. É de

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ser afastado o reconhecimento da prescrição intercorrente em execução fiscal a cujos créditos se aplica ainda o prazo pres-cricional de trinta anos, considerado o entendimento firmado pelo supremo Tribunal Federal em processo submetido ao procedimento de repercussão geral (recurso extraordinário com agravo nº 709.212/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, J. em 13.11.2014, DJe 19.02.2015), que reconheceu a inconstitucio-nalidade do art. 23, § 5º, da lei nº 8.036, de 1990 apenas comefeitos ex nunc ................................................................... 33996, 127

reCuperação juDiCial – haBilitação De CréDito

• recuperação judicial. Habilitação de crédito. Julgamento de im-procedência por força do acolhimento de pedido de compensa-ção formulado pela recuperanda, quanto a crédito que alega ter, oriundo de negócio jurídico diverso para com a habilitante. Pos-sibilidade de compensação no âmbito da recuperação judicial que se mostra controvertida na jurisprudência. Caso em que, de toda forma, não estão presentes os requisitos do art. 369 do Código Civil autorizadores da própria utilização do instituto da compensação. Questionamento relevante por parte da habi-litante quanto à existência e amplitude do crédito contraposto ao seu. obrigação que, realmente, não é fruto de manifestação de vontade inequívoca, com objeto devidamente delimitado, mas da aplicação de cláusula geral de responsabilidade por gastos cujos elementos componentes são questionados em termos ponderáveis pela habilitante. Necessidade em tal caso de prévia discussão entre as partes em torno da formação e composição do direito de crédito da recuperanda em face da habilitante. Compensação afastada. Habilitação acolhida tal qual formula-da. Decisão de Primeiro Grau reformada. agravo de instrumento da habilitante provido para tal fim ...................................... 33997, 127

reCurso – FaC-símile – enCerramento Do expeDiente Forense – não ConheCimento

• Processual civil. agravo regimental no agravo em recurso espe-cial. interposição de recurso, por meio de fac-símile, completada após o encerramento do expediente forense. Não conhecimen-to. aferição da tempestividade pelo relatório de transmissão de fac-símile. inadmissibilidade. Data do protocolo. art. 172, § 3º, do CPC. Precedentes do sTJ. agravo regimental improvido. i – No caso, o recurso especial foi interposto, via fac-símile, com sua transmissão completada após o encerramento do ex-pediente forense, às 19h, e, portanto, recebido, pelo protocolo do Tribunal de origem, no dia subsequente, após o prazo de 15 dias, previsto no art. 508 do Código de Processo Civil. ii – o art. 4º da lei nº 9.800/1999 dispõe que “quem fizer uso de siste-ma de transmissão torna-se responsável pela qualidade e fide-lidade do material transmitido, e por sua entrega ao órgão judi-ciário”. assim, eventuais problemas que poderão surgir, durante a transmissão do recurso, via fac-símile, correrão à conta do re-metente, e não afastam a exigência do cumprimento dos prazos legais, notadamente a observância ao disposto no art. 172, § 3º, do CPC, que estabelece que, “quando o ato tiver que ser prati-cado em determinado prazo, por meio de petição, esta deverá ser apresentada no protocolo, dentro do horário de expediente, nos termos da lei de organização judiciária local”. iii – Na forma da jurisprudência, “os recorrentes são os responsáveis pela op-ção de enviar seu recurso por fax, bem como pela entrega do original ao órgão judiciário, que não se responsabiliza por falhas no sistema, no caso, sequer comprovadas” (sTJ, eDcl-agrg--ag 705.975/Go, rel. Min. Carlos alberto Menezes Direito, 3ª T., DJu de 18.12.2006). iv – É firme a jurisprudência do sTJ no sentido de que “a data de interposição do recurso enviado via fac-símile é aquela constante do protocolo de recebimento pelo tribunal, não podendo ser considerada a data constante do relatório de transmissão emitido pelo equipamento de fax” (sTJ, agrg-aresp 72.501/sC, rel. Min. João otávio de

Noronha, 3ª T., DJe de 13.06.2013). em igual sentido: sTJ, agrg--aresp 250.666/sP, rel. Min. luis Felipe salomão, 4ª T., DJe de 14.12.2012; sTJ, agrg-aresp 98.914/rs, rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJe de 15.05.2012; sTJ, agrg-resp 317.099/sP, rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª T., DJu de 25.02.2002. v – agravo regimental improvido ..................................... 33998, 128

responsaBiliDaDe Civil – ação inDenizatória por Danos mate-riais e morais – ação Criminosa perpetraDa por terCeiro na porta De aCesso ao shopping Center – Caso Fortuito

• Civil. Processual civil. recursos especiais. responsabilidade civil. ação indenizatória por danos materiais e morais. ação cri-minosa perpetrada por terceiro na porta de acesso ao shopping center. Caso fortuito. imprevisibilidade e inevitabilidade. exclu-dente do dever de indenizar. ruptura do nexo causal entre a conduta do shopping e o óbito da vítima dos disparos. Prece-dentes. recursos providos. 1. É do terceiro a culpa de quem realiza disparo de arma de fogo para dentro de um shopping e provoca a morte de um frequentador seu. 2. ausência de nexo causal entre o dano e a conduta do shopping por con-figurar hipótese de caso fortuito externo, imprevisível, inevitá-vel e autônomo, o que não gera o dever de indenizar (art. 14, § 3º, ii, do CDC). Precedentes. 3. relação de consumo afastada. 4. recursos especiais providos ......................................... 33999, 129

sentença estrangeira – homologação – portugal – regula-mentação De responsaBiliDaDes parentais

• Homologação de sentença estrangeira. Portugal. regulamen-tação de responsabilidades parentais. requerida residente no Brasil. Necessidade de expedição de carta rogatória citatória. requisitos não preenchidos. invalidade da citação. indeferimen-to do pedido. 1. Há evidente irregularidade na citação da ora requerida para a ação alienígena que ensejou a regulamen-tação de responsabilidades parentais, aí incluído o direito de visitas do requerente ao seu filho menor de idade, na medida em que, a despeito de ter residência conhecida no Brasil, não houve a expedição de carta rogatória para chamá-la a integrar o processo, mas mera intimação por via postal, forma não ad-mitida pela lei e jurisprudência pátrias. resta desatendido, pois, requisito elementar para homologação da sentença estrangeira, qual seja, a prova da regular citação ou verificação da revelia. 2. Pedido de homologação indeferido. Condenação do reque-rente às custas e honorários ............................................. 34000, 129

soCieDaDe Conjugal – manComunhão – ação De extinção De ConDomínio – DesneCessiDaDe

• Teoria da sociedade conjugal. Mancomunhão. ação de extinção de condomínio. Desnecessidade. racionalização do processo. apelação cível. Direito civil. Família. Partilha de 02 (dois) bens imóveis e de bens móveis (10.000 – dez mil – quotas socie-tárias) em razão de divórcio. Casamento celebrado aos 24 de julho de 1969, pelo regime da comunhão universal. sentença de improcedência. irresignação. separação de fato ocorrida em 1987. incomunicabilidade dos bens adquiridos por qualquer dos ora ex-cônjuges após tal data. Precedentes do e. superior Tribunal de Justiça. Prédio residencial unifamiliar situado na rua Professora arthalides Pisco, nº 21. Certidão do 6º ofício do registro de Distribuição. Prova de que o imóvel foi comprado por ambos os litigantes, aos 05.05.1981. Copropriedade que, todavia, não exclui a comunhão universal. Teoria da sociedade conjugal. Comunhão patrimonial entre os cônjuges que é tra-tada doutrinariamente como uma mancomunhão (Gesamnte Hand). Condomínio de mão única ou fechada, instituto de origem germânica, que difere do communio, condomínio de tradição romana. Desnecessidade de ajuizamento de ação de extinção de condomínio. Partilha que se impõe, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada litigante. imóvel situado

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na rua solemar, nº 19 – escritura de compra e venda e cessão de direitos. Prova de que o bem foi vendido à empresa do ramo de compensados e madeiras, que tem o apelado como um de seus 03 (três) sócios. Propriedade de pessoa jurídica. Figura do sócio, que não se confunde com e que dista da persona-lidade da sociedade, salvo nos casos previstos no art. 50 do Código Civil. exclusão do monte partível. Quotas societárias. sociedade por quotas, de responsabilidade limitada, cujos só-cios são o recorrido e a pessoa com quem vive maritalmente, e que foi registrada na Jucerja, aos 28 de dezembro de 1998, após a separação de fato. Descabimento da partilha. recurso conhecido e parcialmente provido ..................................... 34001, 130

PeNal e ProCessual PeNal

assunto

CóDigo De trânsito Brasileiro – DesCriminalização Da Con-Duta – ConDenação

• Penal. recurso especial. art. 306 do CTB. alteração promovi-da pela lei nº 12.760/2012. abolitio criminis. Não ocorrência. Continuidade normativo-típica. 1. a ação de conduzir veículo automotor, na via pública, estando [o motorista] com concen-tração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas (art. 306 da lei nº 9.503/1997, na redação dada pela lei nº 11.705/2008) não foi descriminalizada pela alte-ração promovida pela lei nº 12.760/2012. 2. a nova redação do tipo legal, ao se referir à condução de veículo automotor por pessoa com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, manteve a criminalização da conduta daquele que pratica o fato com concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, nos termos do § 1º, i, do art. 306 da lei nº 9.503/1997. Precedentes. 3. o cri-me de que ora se trata é de perigo abstrato, o que dispensa a demonstração de potencialidade lesiva da conduta, razão pela qual se amolda ao tipo a condução de veículo automotor por pessoa em estado de embriaguez, aferida na forma indicada pelo referido art. 306, § 1º, i, da lei nº 9.503/1997. 4. Trata-se da aplicação do princípio da continuidade normativo-típica, o que afasta a abolitio criminis reconhecida no acórdão recorrido. 5. recurso especial provido .............................................. 31266, 183

CompetênCia – justiça estaDual – rouBo CirCunstanCiaDo – liBerDaDe Da vítima – restrição

• Conflito negativo de competência entre varas criminais da justi-ça estadual de rio verde/Go e de várzea Grande/MT. Quadri-lha armada (art. 288, parágrafo único, do CP) e roubo circuns-tanciado com quatro majorantes (art. 157, § 2º, i, ii, iv e v, do CP). restrição da liberdade da vítima. Forma permanente do roubo. Crimes permanentes que se estendem por mais de uma comarca. Fixação da competência pela prevenção. inteligência dos arts. 71 e 83 do CPP. 1. Circunstância em que integrantes de quadrilha que agia em estados do sul, Centro-oeste e su-deste, mediante grave ameaça exercida com arma(s) de fogo, abordaram e subtraíram um caminhão que trafegava em rodovia federal no estado de Goiás. em seguida, enquanto um deles conduzia o caminhão até o estado vizinho do Mato Grosso, para se encontrar com outro membro da quadrilha, dois deles mantiveram o motorista do caminhão e sua esposa, mediante grave ameaça exercida com o emprego de arma de fogo, em cativeiro, por mais de 24 horas, subtraindo, também, seus docu-mentos, dinheiro e cartões bancários. 2. o roubo com restrição da liberdade da vítima possui caráter permanente, visto que a execução do delito se protrai por todo o tempo da restrição da liberdade. 3. Classificando-se ambos os delitos apontados na ação penal como permanentes e praticada a conduta em territó-rio de duas ou mais jurisdições, a fixação da competência para

o seu julgamento se dá pela prevenção, em atenção às regras dos arts. 71 e 83 do Código de Processo Penal. 4. lavrado o auto de prisão em flagrante na Comarca de várzea Grande/MT, local onde foi concluído o inquérito policial, a denúncia foi ofere-cida e recebida, e o feito tramitou normalmente, com citação dos denunciados, interrogatório e apresentação de defesa prévia, evidencia-se a sua prevenção para o julgamento da ação penal, tanto mais que na Comarca de rio verde/Go, onde ocorreram o roubo e a restrição da liberdade das vítimas, somente se tem notícia do registro de boletim de ocorrência e em momento pos-terior à lavratura da prisão em flagrante. 3. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo da 4ª vara Criminal de vár-zea Grande/MT, o suscitado .............................................. 31267, 185

ContraBanDo – Cigarros – pena – suBstituição

• Direito penal. Contrabando. Cigarros. art. 334 do Código Penal. Mandado de busca e apreensão. autoria. substituição da pena. Prestação pecuniária. restituição dos valores apreendidos. 1. o mandado de busca e apreensão é dispensável no caso de prisão em flagrante, hipótese dos autos. 2. as provas produ-zidas ao longo da instrução processual permitem concluir, de forma inequívoca, pela presença da materialidade e perfeita definição da autoria do delito imputado aos réus. 3. Na hipótese de a condenação ser superior a um ano, determina a segunda parte do § 2º do art. 44 do Código Penal, que a pena privativa de liberdade deve ser substituída por duas restritivas de direi-tos ou por uma restritiva de direitos e multa, de modo que a substituição por duas penas restritivas de direitos restou corre-tamente aplicada. 4. a pena substitutiva de prestação pecuniá- ria mantém a finalidade de prevenção e reprovação do delito, devendo guardar proporção ao dano causado pelo agente e sua condição financeira. 5. Mantido o indeferimento do pedido de restituição dos valores apreendidos, porquanto ausentes os requisitos previstos nos arts. 118 e 119 do Código de Processo Penal e art. 91 do Código Penal ........................................ 31268, 186

Crime Contra a DigniDaDe sexual – tramitação Do proCesso – peDiDo De suspensão – impossiBiliDaDe

• Habeas corpus. Crimes contra a dignidade sexual. Pedido de suspensão da tramitação do processo. impossibilidade. Nulida-de da decisão que recebeu a denúncia. inocorrência. ordem de habeas corpus denegada. inocorrência de nulidade na de-cisão que recebeu a denúncia e determinou o prosseguimento do feito, uma vez que, embora concisa, se trata de decisão que prescinde de fundamentação detalhada e exaustiva, não havendo falar na violação do art. 93, inciso iX, da Constitui-ção Federal, tampouco em prejuízo ao exercício da defesa do réu, inclusive porque houve manifestação expressa do juízo quanto às diligências postuladas pela Defesa. inexistência de constrangimento ilegal para autorizar a suspensão da ação pe-nal. Habeas corpus denegado ........................................... 31269, 187

Crime Contra o meio amBiente – extração ilegal De reCursos minerais – ilegaliDaDe – Comprovação

• Penal. apelação. extração ilegal de recursos minerais. autoria e materialidade comprovadas. Crime formal. lei nº 9.605/1998. lei nº 8.176/1991. a autoria e materialidade em desfavor dos acusados restaram sobejamente demonstradas nos autos. Não há que se falar em revogação tácita do art. 2º da lei nº 8.176/1991 pelo art. 55 da lei nº 9.605/1998, eis que o primeiro trata dos crimes contra a ordem econômica e a lei nº 9.605/1998 cuida das condutas lesivas ao meio ambiente, tutelando, portanto, bens jurídicos distintos. Não merece pros-perar a tese de atipicidade da conduta prevista no art. 55 da lei nº 9.605/1998, eis que o delito em voga se trata de crime formal, que prescinde de comprovação do dano e devidamen-te amoldado aos termos da lei de Crimes ambientais. restou

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comprovado que a extração ocorrida no local extrapolou o perío- do de pesquisa permitido, partindo para a execução da lavra, tendo em vista a quantidade de blocos extraídos e o maquinário próprio para extração mineral no local. Porquanto não merece prosperar o argumento de que somente foi verificado que houve o carregamento de um bloco que não foi objeto de comercializa-ção e somente houve a realização de pesquisa. ante o conjunto fático-probatório do feito (laudo, maquinário, depoimento das testemunhas de acusação e os próprios interrogatórios dos réus em Juízo), resta descartado o entendimento de que o mero pro-tocolo do relatório Final de Pesquisa não encerra a fase de pes-quisa. apelação conhecida e desprovida .......................... 31270, 187

Crime De DesoBeDiênCia – CompareCimento para interrogató-rio – sinDiCânCia militar – ausênCia

• agravo regimental no recurso extraordinário. Direito penal e pro-cessual penal militar. acusado que não comparece para interro-gatório em sindicância militar. Caracterização de crime de deso-bediência. art. 301 do Código Penal Militar. alegada ofensa aos arts. 5º, lXiii, e 42 da Constituição Federal. ofensa reflexa ao texto constitucional. Precedentes. repercussão geral não exa-minada em face de outros fundamentos que obstam a admissão do apelo extremo. agravo desprovido ............................... 31271, 188

Crime De latroCínio – Dosimetria – CirCunstânCias – Conse-quênCias – peDiDo revisional – improCeDênCia

• revisão criminal. latrocínio. Julgamento contrário às evidências dos autos. Não ocorrência. Conjunto probatório coeso. Dosime-tria. Circunstâncias. Consequências. Pedido revisional improce-dente. 1. o cabimento da revisão Criminal, com fulcro no inciso i do art. 621 do Código de Processo Penal, pode ter como funda-mento a alteração da interpretação do direito ou contrariedade da decisão à evidência das provas. 2. No caso, verifica-se que há nos autos provas suficientes para amparar a condenação proferida. Não há, portanto, contrariedade às evidências dos au-tos, tampouco foram apresentadas novas provas acerca da ino-cência do requerente, inviabilizando o acolhimento da preten-são revisional. 3. Não se verificando qualquer erro teratológico, flagrante ilegalidade ou abuso de poder que justifique o afasta-mento das circunstâncias judiciais consideradas desfavoráveis no acórdão sob revisão, não há falar em desconstituir-se a coisa julgada. 4. revisão criminal improcedente ........................ 31272, 188

Crime De moeDa Falsa – materialiDaDe e autoria – Comprova-ção – Dolo não ConFiguraDo – sentença mantiDa

• Penal. Processual penal. Crime de moeda falsa. art. 289, § 1º, do CPB. Materialidade e autoria. Comprovação. Dolo não configurado. sentença absolutória mantida. apelação despro-vida. 1. Constitui o delito capitulado no art. 289, § 1º, do CPB guardar ou introduzir na circulação moeda falsa. 2. Materiali-dade e autoria devidamente comprovadas pelo conjunto pro-batório acostado aos autos. 3. o dolo é a vontade de praticar a conduta descrita no tipo penal, exigindo-se que o agente tenha ciência de que se trata de moeda falsa. 4. Não demons-tração nos autos do dolo específico, consistente no conhe- cimento da falsidade da moeda. 5. aplicação do princípio in dubio pro reo. 6. apelo desprovido .................................... 31273, 188

Crime De quaDrilha – rouBo CirCunstanCiaDo – CompetênCia – ConFlito negativo

• Conflito negativo de competência entre varas criminais da justi-ça estadual de rio verde/Go e de várzea Grande/MT. Quadri-lha armada (art. 288, parágrafo único, do CP) e roubo circuns-tanciado com quatro majorantes (art. 157, § 2º, i, ii, iv e v, do CP). restrição da liberdade da vítima. Forma permanente do roubo. Crimes permanentes que se estendem por mais de uma comarca. Fixação da competência pela prevenção. inteligência

dos arts. 71 e 83 do CPP. 1. Circunstância em que integran-tes de quadrilha que agia em estados do sul, Centro-oeste e sudeste, mediante grave ameaça exercida com arma(s) de fogo, abordaram e subtraíram um caminhão que trafegava em rodovia federal no estado de Goiás. em seguida, enquanto um deles conduzia o caminhão até o estado vizinho do Mato Grosso, para se encontrar com outro membro da quadrilha, dois deles mantiveram o motorista do caminhão e sua esposa, me-diante grave ameaça exercida com o emprego de arma de fogo, em cativeiro, por mais de 24 horas, subtraindo, também, seus documentos, dinheiro e cartões bancários. 2. o roubo com restri-ção da liberdade da vítima possui caráter permanente, visto que a execução do delito se protrai por todo o tempo da restrição da liberdade. 3. Classificando-se ambos os delitos apontados na ação penal como permanentes e praticada a conduta em territó-rio de duas ou mais jurisdições, a fixação da competência para o seu julgamento se dá pela prevenção, em atenção às regras dos arts. 71 e 83 do Código de Processo Penal. 4. lavrado o auto de prisão em flagrante na Comarca de várzea Grande/MT, local onde foi concluído o inquérito policial, a denúncia foi ofere-cida e recebida, e o feito tramitou normalmente, com citação dos denunciados, interrogatório e apresentação de defesa prévia, evidencia-se a sua prevenção para o julgamento da ação penal, tanto mais que na Comarca de rio verde/Go, onde ocorreram o roubo e a restrição da liberdade das vítimas, somente se tem notícia do registro de boletim de ocorrência e em momento posterior à lavratura da prisão em flagrante. 3. Conflito conhe-cido, para declarar competente o Juízo da 4ª vara Criminal devárzea Grande/MT, o suscitado ........................................ 31274, 189

Crime liCitatório – FrauDe no proCeDimento liCitatório – aBsolvição

• Penal e processual penal. Crime do art. 90 da lei nº 8.666/1993. lei de licitações. Fraude ao caráter competitivo do procedimen-to licitatório. insuficiência de provas quanto à prática do injus- to penal. inexistência do elemento subjetivo do tipo. existência de dúvida razoável a favor dos réus. absolvição com funda- mento no art. 386, vii, do Código de Processo Penal. 1. No crime previsto no art. 90 da lei nº 8.666/1993 pune-se a frustra-ção ou fraude do caráter competitivo do procedimento licitatório mediante acordo ou qualquer outro instrumento para alcançar esse fim. É a eliminação da competição ou a promoção de uma ilusória competição entre participantes da licitação por qualquer mecanismo. 2. Necessária a absolvição dos acusados diante da fragilidade dos indícios existentes, com base no princípio in dubio pro reo, que tem fundamentação no princípio constitucio-nal da presunção de inocência, segundo o qual se impõe a ab-solvição quando a acusação não lograr provar a participação do réu no evento criminoso. 3. as provas arregimentadas aos autos não dissipam as dúvidas acerca da contribuição dos réus para o evento criminoso, não havendo elementos no sentido de que eles tenham sequer previamente consentido para a prática ilícita. Não há como lhes imputar a responsabilidade penal, sobretudo porque o depoimento das testemunhas arroladas pelo Ministério Público Federal aponta em sentido contrário àquele pretendidopela acusação. 4. ação penal improcedente ..................... 31275, 190

estelionato – vantagem patrimonial ilíCita – insuFiCiênCia pro-Batória – sentença ConDenatória – reForma

• apelação. estelionato (art. 251 do CPM). vantagem patrimo-nial ilícita. Preliminar de instauração de processo penal contra encarregado do iPM. Matéria não prejudicial ao mérito. Não conhecimento. Mérito. insuficiência probatória. reforma da sentença condenatória. Não se conhece de preliminar quando a matéria não for prejudicial ou não tiver qualquer reflexo ou correlação com o mérito da apelação. Não restaram preenchi-das, de forma indubitável, todas as elementares do tipo penal

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previsto no art. 251 do Código Penal Militar, havendo dúvidas no tocante à obtenção de vantagem patrimonial indevida pelo acusado. Por se tratar de crime de natureza patrimonial, o es-telionato demanda não somente a criação intencional de uma situação de erro, mas, também, efetivo ganho que venha a se traduzir em real vantagem econômica indevida, o que não foi possível comprovar no caso sob exame, ensejando, pois, a reforma do Decreto condenatório, absolvendo-se o acusado, por insuficiência probatória, com base no art. 439, alínea e, do CPPM. Preliminar não conhecida. Por maioria. apelo defensi-vo provido. Decisão unânime ............................................ 31276, 190

estupro – vítima menor De 14 anos – violênCia real – oCor-rênCia

• Penal e processual penal. estupro. vítima menor de 14 anos. violência real. ocorrência. Causa de aumento de pena. inci-dência do art. 9º da lei nº 8.072/1990. superveniência da lei nº 12.015/2009. estupro de vulnerável. art. 217-a do Código Penal. lei mais benéfica. aplicação retroativa. Precedentes do sTJ. Habeas corpus não conhecido. ordem concedida de oficio. 1. Comprovada a existência de violência real ou gra-ve ameaça no crime de estupro, contra vítima menor de 14 anos, há de incidir a causa de aumento da pena previsto no art. 9º da lei nº 8.072/1990. Precedentes desta Corte. 2. Não obstante a lei nº 12.015/2009, ao tipificar o delito de estupro, contra vítima menor de 14 anos, previsto no art. 213 do Có-digo Penal, como estupro de vulnerável (art. 217-a do Código Penal), tenha determinado o recrudescimento da pena, deve ela retroagir, por ser mais benéfica, uma vez que também determinou a revogação da causa de aumento prevista no art. 9º da lei nº 8.072/1990. 3. Habeas corpus não conheci-do. ordem concedida de ofício .......................................... 31277, 191

exeCução penal – inDulto – FazenDa púBliCa – CompetênCia

• apelação criminal. Tráfico. Pretendida a absolvição. alegado fla-grante preparado. acolhido. súmula nº 145 do supremo Tribunal Federal. Crime impossível. art. 386, iii, do Código de Processo Penal. recurso provido. Trata-se de flagrante preparado, uma vez que os Policiais Civis receberam denúncia de que a apelan-te praticava o tráfico ilícito de entorpecente e, mediante simula-ção, a induziram a entregar o entorpecente a eles, conduta esta pela qual foi denunciada. ora, é cediço que no flagrante prepa-rado, a polícia provoca o agente a praticar o delito e, ao mesmo tempo, impede que ele se consume, cuidando-se, assim, de crime impossível (súmula nº 145 do supremo Tribunal Federal). assim, nos termos do art. 386, inc. iii, do Código Penal, a absol-vição da apelante é medida que se impõe ........................ 31278, 191

exeCução penal – regime semiaBerto – transFerênCia Do reeDu-CanDo – ausênCia De vagas – prisão DomiCiliar – impossiBiliDaDe

• recurso de agravo. execução de pena em regime semiaberto. ausência de vagas para transferência do reeducando. aplicação do “semiaberto harmonizado”. recorrido sem antecedentes de crimes contra a vida. Concessão excepcional de regime aberto até o surgimento de vaga em estabelecimento prisional adequa-do. Precedentes. Decisão mantida. i – “[...] a ausência de vagas em estabelecimento penal compatível com o regime prisional semiaberto, por si só, não autoriza a adoção automática da pri-são domiciliar, pois antes é necessário observar o item 7.3.2 do Código de Normas. Contudo, a comprovada inviabilidade da harmonização do regime prisional, excepcionalmente, autoriza adoção da prisão domiciliar, enquanto o sentenciado aguarda o surgimento de vaga em estabelecimento penal adequado” (TJPr, 3ª C.Crim., HCC 1276490-4, Corbélia, rel. Jefferson alberto Johnsson, unânime, J. 09.10.2014). ii – o Poder Judiciá- rio não deve compactuar com a manutenção dos condenados em situações desumanas, tais quais as narradas nos presentes

autos, diante da inércia do Poder executivo em prover os meios materiais apropriados para a execução da pena conforme reza a leP desde 1984. iii – os estabelecimentos prisionais (pre-sídios) são da responsabilidade do Poder executivo (Decreto nº 6.061/2007, art. 27, inciso ii). as políticas penitenciárias também (art. 2º, inciso ii, alínea f, nº 2). aos juízes é estendida a jurisdição apenas para atender o processo de execução da pena, dentro dessas políticas. a lei nº 7.210, de 1984, até hoje não foi cumprida pelo Poder executivo em relação à construção de estabelecimentos para cumprimento da pena em regime se-miaberto ou mesmo casas de albergado para o regime aberto. apesar disso, o Poder executivo mantém junto ao Ministério da Justiça, uma secretaria (permanente) de reforma do Judiciário pela qual, com o beneplácito do Poder legislativo, esses dois inquilinos do poder (que emana do povo), impuseram profun-da reforma no terceiro inquilino, o Poder Judiciário. Todavia, para a questão carcerária não se deu solução, nem projeto de reforma igualmente profunda. a questão carcerária no Brasil é motivo de vergonha para todos nós brasileiros porquanto a cela de um aprisionado continua sendo verdadeira sucursal do inferno, conforme dicção do ex-Ministro da Justiça ibrahim abi-ackel há mais de 30 anos passados. Há que ser trazido a lume tal realidade e responsabilidade, pois não é certo, nem direito, nem justo que o Poder Judiciário continue arcando perante a população como causador desse descalabro, o que nunca foi. Nem colônias de férias, nem sucursais do inferno: apenas celas de confinamento em que a dignidade do presoseja respeitada. recurso não provido ............................... 31279, 192

exeCução penal – remição Da pena – possiBiliDaDe

• Habeas corpus substitutivo. Falta de cabimento. execução penal. remição da pena pela leitura. art. 126 da leP. Portaria Conjunta nº 276/2012, do Depen/MJ e do CJF. recomendação nº 44/2013 do CNJ. 1. É inadmissível o ajuizamento de habeas corpus em substituição ao meio próprio cabível, estando evi-dente o constrangimento ilegal, cumpre ao tribunal, de ofício, saná-lo. 2. De acordo com a jurisprudência do superior Tribunal de Justiça, é possível o uso da analogia in bonam partem do art. 126 da lei de execução Penal que admita a possibilidade da remição da pena, em razão de atividades que não estejam expressas na norma. 3. um dos objetivos da remição é incen-tivar o bom comportamento do sentenciado e sua readaptação ao convívio social. a interpretação extensiva do mencionado dispositivo revela a crença do Poder Judiciário na leitura como método factível para o alcance da harmônica reintegração à vida em sociedade. essa atividade de estudo só traz benefícios aos internos, quer pela ocupação útil e saudável do tempo, quer pela absorção do conteúdo do livro, propiciando cultura e apri-morando à formação pessoal, possui também caráter ressociali-zador e reduz a reincidência criminal. 4. É nessa linha a edição da Portaria Conjunta nº 276/2012, do Departamento Peniten- ciário Nacional/MJ e do Conselho da Justiça Federal, bem como da recomendação nº 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça. 5. Writ não conhecido. ordem expedida de ofício, para resta-belecer a decisão do Juízo da execução ........................... 31280, 192

exploração ClanDestina De serviços De teleComuniCações – extinção De puniBiliDaDe – presCrição retroativa

• Processual penal. rádio comunitária. exploração clandestina de serviços de telecomunicações. art. 183 da lei nº 9.472/1997. Preliminar de intempestividade. afastada. extinção da punibi-lidade pela prescrição retroativa. inocorrência. Materialidade e autoria comprovadas. sentença condenatória mantida. 1. É indispensável a intimação do réu e de seu defensor constitu-ído acerca da prolação da sentença condenatória, sob pena de nulidade, por violação do princípio da ampla defesa. o prazo para interposição de recurso tem seu início a partir da

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intimação que se realizar por último. Precedentes. 2. Não configuração da prescrição da pretensão punitiva. 3. autoria e materialidade delitivas comprovadas. 4. Conduta que se adequar ao delito tipificado no art. 183 da lei nº 9.472/1997 é formal, de perigo abstrato, exigindo para a sua consumação tão somente que se desenvolva atividade de telecomunicação clandestinamente, ou seja, sem a necessária autorização do órgão competente e tampouco a desnecessidade da reali-zação de perícia no local para aferir a potência do transmis-sor. 5. apelação não provida ............................................. 31281, 193

FalsiFiCação De DoCumento púBliCo – prisão preventiva – ex-Cesso De prazo – não oCorrênCia

• Penal. Processo penal. habeas corpus. Falsificação de docu-mento público. arts. 297, 298, 299, e 304, todos do Código Pe-nal. Prisão preventiva. Prisão em flagrante. excesso de prazo na comunicação. Não ocorrência. Prisão preventiva. Preser-vação da ordem pública e da aplicação da lei penal. art. 312 do Código de Processo Penal. 1. a garantia da aplicação da lei penal justifica a decretação da prisão preventiva quando funda-da em elementos fáticos concretos, suficientes a demonstrar a necessidade da medida. 2. o conjunto probatório carreado a estes autos não permite autorizar a desconstrução da prisão preventiva lançada pelo juízo a quo, ao argumento de que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal. 3. o supremo Tribunal Federal já decidiu que a reiteração criminosa, devi-damente comprovada, constitui motivação idônea e suficiente para a manutenção da segregação destinada à preservação da ordem pública. 4. o fato de o paciente, isoladamente, pos-suir circunstâncias pessoais favoráveis, como primariedade e residência fixa, não lhe assegura o direito de responder ao processo em liberdade, quando o ato atacado mostrar-se su-ficientemente fundamento e, também, quando se mostrarem presentes as circunstâncias a justificar a segregação cautelar, tais como materialidade delitiva, indícios suficientes de autoria, e na necessidade de ser preservada a ordem pública. 5. ordem de habeas corpus denegada ............................................. 31282, 194

homiCíDio qualiFiCaDo – inquérito poliCial – quaDrilha – jus-tiça estaDual – CompetênCia

• Conflito negativo de competência em inquérito policial. Duplo homicídio qualificado supostamente motivado por roubo de en-torpecentes efetuado por uma das vítimas em prejuízo de qua-drilha internacional de traficantes de entorpecentes. ausência de conexão probatória ou teleológica com o tráfico internacional de entorpecentes. Competência da Justiça estadual para apu-rar o crime previsto no art. 121, § 2º, i, iii e iv, do CP. 1. Como os atos preparatórios não são puníveis no Direito Penal brasileiro, ex vi do art. 14, ii, do CP, é irrelevante para a identificação do Juízo competente para conduzir o inquérito policial que a ordem para o cometimento do homicídio tenha partido de mandante localizado em país estrangeiro. 2. Não se evidencia conexão entre os crimes de duplo homicídio qualificado e tráfico inter-nacional de entorpecentes unicamente pelo fato de que o pri-meiro deles teria tido por motivação o roubo de entorpecentes, supostamente perpetrado por uma das vítimas em prejuízo de quadrilha de traficantes colombiana que age também no Brasil. 3. a conexão que justifica a modificação da competência de-manda avaliação, caso a caso, da necessidade de julgamento conjunto dos delitos para melhor esclarecimento dos fatos ou para prevenir decisões judiciais conflitantes. 4. No caso concre-to, não se evidenciaram as hipóteses do art. 76 do CPP. os cri-mes foram praticados de forma autônoma, sem que um tivesse repercutido sobre o outro. assim sendo, a investigação de um delito não contribuirá para a obtenção de provas em relação ao outro. além disso, não há possibilidade de prolação de decisões conflitantes, caso os crimes sejam julgados em separado, assim

como não há interesse da união em que o homicídio seja julga-do na Justiça Federal, já que o crime contra a vida não envolve o exercício de função federal. Precedente da Terceira seção: CC 114.561/sP, rel. Min. Marco aurélio Bellizze, 3ª s., Julgado em 14.08.2013, DJe 20.08.2013. 5. Conflito conhecido, para decla-rar competente para a condução do inquérito policial e posterior julgamento da ação penal o Juízo suscitante da 1ª vara do Tri-bunal do Júri da Comarca de Manaus/aM ........................ 31283, 194

homiCíDio qualiFiCaDo – pena-Base – maus anteCeDentes – atenuante – reConheCimento

• apelação criminal. Tentativa de homicídio qualificado. Pena--base. Maus antecedentes decotados. redução operada ex officio. Confissão qualificada. atenuante reconhecida ex officio. redutora fixada no mínimo de 1/3. Pretendida majoração do quantum para o máximo de 2/3. iter criminis quase todo per-corrido. Fração mantida. regime prisional fechado. almejado abrandamento. Pena que não supera oito anos. Consequências do crime. Circunstância judicial desfavorável. regime mantido. recurso improvido. a condenação transitada em julgado por fatos praticados após o narrado na exordial acusatória não gera maus antecedentes. redução da pena-base operada ex officio. a confissão qualificada, aquela na qual o agente agrega teses defensivas descriminantes ou exculpantes, enseja o reco-nhecimento da atenuante prevista no art. 65, iii, d, do Código Penal, conforme firme orientação Jurisprudencial. atenuante reconhecida ex officio. a causa de diminuição da pena referente à tentativa é mensurada levando em consideração a proximi-dade entre os atos executórios e a consumação do injusto. assim, se o iter criminis foi quase todo percorrido, justifica-se a diminuição da pena na fração mínima. ainda que condenado à pena não superior a 08 (oito) anos de reclusão, a existência de circunstância judicial desfavorável, como as consequên-cias do crime, inviabiliza a fixação de regime prisional maisbrando que o fechado ........................................................ 31284, 195

latroCínio – intimação pessoal Do DeFensor Dativo – ausênCia

• Habeas corpus substitutivo. latrocínio tentado. apelação. ausência de intimação pessoal do defensor dativo. Nulidade. Não ocorrência. Prévia concordância do defensor de ser inti-mado via imprensa oficial. ausência de ilegalidade manifesta. Conduta desclassificada para roubo majorado. Pena reduzida a 3 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão. regime inicial fe-chado. Motivação abstrata. Constrangimento ilegal. existência. 1. o supremo Tribunal Federal e o superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais. 2. a ausência de intimação pessoal do defensor dativo para a sessão de julgamento da apelação criminal representa nulidade absoluta. Contudo, tendo o defensor prestado termo de compromisso, em que optava pela intimação através da imprensa oficial, não há falar em nulidade, mesmo porque, no caso dos autos, não houve prejuízo para o paciente. 3. Quanto à fixação do regime inicial de cumprimento de pena, considerando-se a ausência de fundamentação con-creta para se manter o paciente em regime inicial mais gravoso do que a sanção imposta permite, vê-se, na decisão impugna-da, a presença de manifesto constrangimento ilegal na impo-sição do regime inicial fechado para o cumprimento da pena. 4. reduzida a pena do paciente a 3 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, fixada pelo Tribunal a quo, ante a ausência de subs-tratos concretos no acórdão vergastado, não há como manter o paciente em regime inicial fechado. além do que o art. 33, § 2º, c, do Código Penal dispõe que o condenado não reinci-dente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, po-derá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. 5. Habeas corpus não conhecido. ordem concedida de ofício, tão somentepara fixar o regime inicial aberto ao paciente .................... 31285, 196

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Índice cÍvel e PenalRevista JuRÍdica 453

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lesão Corporal Culposa – meio empregaDo – arma DeFeituosa – Culpa Do agente – inaFastaBiliDaDe

• lesões corporais culposas. apelação defensiva. Preliminar de intempestividade. recursal rejeitada por unanimidade. Meio empregado. arma defeituosa. inafastabilidade da culpa do agente. autoria e materialidade comprovadas. requisitos do crime culposo presentes. Condenação mantida. Decisão unâ-nime. À luz dos princípios constitucionais regentes do Direito Penal, o recurso interposto dentro do prazo legal, ainda que intempestiva a apresentação de suas razões, deve ser admitido. a profissão das armas oferece maiores riscos em comparação às demais atividades, mas eles são mantidos em nível social-mente tolerável, mercê de cuidadoso preparo técnico, focado no fiel cumprimento das missões constitucionais das Forças armadas. Nesse contexto, o adestramento militar resulta útil quando observadas as recomendações e as normas de se-gurança, que visam, inclusive, a reduzir danos causados por eventuais falhas técnicas do armamento. esse dever objetivo de cuidado é indispensável e semelhante ao conhecido, no trânsito, como de “direção defensiva”. independentemente de eventual defeito que uma arma possa apresentar, o seu porta-dor nunca está autorizado a retirá-la do coldre e a manuseá-la de forma incauta dentro de dependência do aquartelamento. Deve-se presumir que a arma, mesmo que esteja com a sua manutenção atualizada, possa não ter o desempenho espe-rado. Manter a arma em segurança é medida a ser efetivada sempre, em especial ao recebê-la de terceiros, ainda que o entregador do material bélico seja superior hierárquico ou mesmo instrutor de tiro. Presentes os elementos da tipicidade culposa e ausentes quaisquer excludentes, mantém-se a con-denação do agente. Decisão unânime .............................. 31286, 196

livramento ConDiCional – assoCiação para o tráFiCo – prinCí-pio Da espeCialiDaDe – preCeDentes

• livramento condicional. associação para o tráfico. Princípio da especialidade. Penal. Processo penal. agravo em execução penal. recurso ministerial. Pretensão de cassação de deter-minação de novo cálculo de pena para fins de concessão de livramento condicional, aplicando-se a fração de 1/3 prevista no Código Penal, negando-se o caráter hediondo do delito de associação para o tráfico. Normatização específica. art. 44, pa-rágrafo único da lei nº 11.343/0206. Decisão agravada que não fundamentou a negativa do cálculo como requerido pela defesa na hediondez do crime. requisito temporal diferenciado para os delitos dos arts. 34 a 37 da lei antidrogas. Conflito aparente de normas. Princípio da especialidade. lapso temporal diferen-ciado. Tratamento mais severo. Política criminal e opção legis-lativa. Precedentes deste órgão fracionário. Desprovimento do agravo. 1. a questão discutida no recurso, como bem observou a digna procuradora de justiça em seu parecer, versa sobre a validade da norma contida no art. 44, parágrafo único da lei nº 11.343/2006, que exige o cumprimento de 2/3 da pena, para os crimes previstos nos arts. 34 a 37 da lei antidrogas, para fins de concessão de livramento condicional. 2. Na partida, convém afastar a argumentação defensiva que pretende seja negado o caráter hediondo do delito, uma vez que a decisão agravada não fundamentou o indeferimento do cálculo, como requerido pela Defesa, na hediondez da conduta. a decisão guerrea-da sequer menciona o assunto, até porque, como cediço, o delito de associação para o tráfico não tem caráter hediondo. 3. Contudo, o fato de não se tratar de crime hediondo não autori-za a aplicação da regra dos crimes comuns para fins de conces-são de livramento condicional. 4. o delito de associação para o tráfico está previsto em lei especial e, em razão de pertencer àquele microssistema, a fonte primária para a regulamentação é a lei nº 11.343/2006. 5. o conflito aparente de normas, in casu, resolve-se pela simples aplicação do Princípio da especialida-

de. invoca a Defesa, o argumento de que para a concessão de progressão de regime, recorre-se à fração de 1/6, prevista para os crimes comuns e, por isso, para fins de livramento con-dicional, deve-se buscar a mesma solução, por não se tratar de crime hediondo. 6. Confunde-se a laboriosa defesa, com todas as vênias. Não existe qualquer correspondência entre as figuras do crime não hediondo e do crime comum. Para fins de concessão de progressão de regime, busca-se a norma aplicá-vel aos crimes comuns pelo simples fato de que, na legislação especial aplicável ao caso concreto – a lei nº 11.343/2006 – não há regulamentação específica para tal benefício. Não é o que ocorre, contudo, em relação ao livramento condicional. 7. a lei especial tem expressa previsão no sentido de exigir um lapso temporal maior para concessão da liberdade antecipada para os crimes previstos nos arts. 34 a 37 da lei nº 11.343/2006. 8. o art. 44 da lei nº 11.343/2006 está em plena vigência, exceto quanto à vedação da liberdade provisória – já declarada incons-titucional pelo supremo Tribunal Federal. Portanto, o tratamen-to mais severo para a concessão do benefício do livramento condicional é fruto de política criminal e de opção legislativa, não havendo qualquer razão para afastar-se a incidência da norma especial para aplicação da norma .......................... 31287, 197

peCulato – assoCiação Criminosa – ação penal – justa Causa – possiBiliDaDe

• Penal e processo penal. recebimento de denúncia. Peculato (art. 312 do CP), ordenação de despesas não autorizadas em lei (art. 359-D do CP) e associação criminosa (art. 288 do CP). Cheques emitidos pela direção do tribunal de contas e saca-dos em espécie por conselheiros e servidores ou utilizados para pagamentos indevidos. Pagamentos de verbas ilegais a conselheiros e reembolso de despesas médicas inidôneas e para tratamentos estéticos. Concerto dos envolvidos de modo comissivo e omissivo. indícios suficientes de autoria e mate-rialidade. Presente a justa causa para abertura de ação penal. 1. a denúncia deve ser recebida quando o Ministério Público narra fatos subsumíveis aos tipos penais do peculato, da orde-nação de despesas não autorizadas e da associação criminosa. além disso, as condutas devem ser suficientemente individua-lizadas a fim de permitir o pleno exercício do direito de defesa. 2. a descrição de conduta de conselheiro de tribunal de contas que, no exercício da presidência, em conjunto com servidores, saca e se apropria de vultosas quantias em espécie oriundas do próprio tribunal preenche o tipo do peculato-apropriação (art. 312, caput, 1ª parte, do CP). 3. Tipifica, em tese, o crime de peculato-desvio (art. 312, caput, 2ª parte do CP) utilizar-se do mesmo expediente para pagar ajuda de custo, estruturação de gabinete, segurança pessoal, despesas médicas e estéticas em proveito de conselheiros, passagens aéreas e verbas em favor de servidores inexistentes ou “fantasmas”, entre outras despe-sas sem amparo legal. 4. a prática atribuída a conselheiros e membro do Ministério Público atuante no tribunal de contas que, de maneira comissiva ou omissiva, organizam-se para reforçar rubrica orçamentária genérica e dela subtrair quantias expres-sivas ou desviá-las sem destinação pública tem aptidão para caracterizar associação criminosa. 5. ordenação de despesa não autorizada é, em princípio, crime meio para o peculato. Pelo princípio da consunção, ele é absorvido pelo peculato mais gravoso se o dolo é de assenhoramento de valores públicos. a certificação do elemento subjetivo – o dolo – exige, no entanto, o exaurimento da instrução criminal, sendo prematuro atestá--lo ou afastá-lo em fase de recebimento de denúncia. 6. De-núncia recebida integralmente ........................................... 31288, 198

prisão preventiva – Crime De Furto qualiFiCaDo – Falta De FunDamentação – alegação

• Habeas corpus. Processual penal. Prisão preventiva (CPP, art. 312). Crime de furto qualificado pelo concurso de agentes

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Revista JuRídica 453índice cível e Penal

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(CP, art. 155, § 4º, inciso iv). alegada falta de fundamentação. Questão não analisada pelo superior Tribunal de Justiça. impe-tração dirigida contra decisão monocrática com que o relator do Habeas corpus naquela Corte de Justiça indefere liminarmente a inicial com arrimo na súmula nº 691, do supremo Tribunal Federal. Não exaurimento da instância antecedente. apreciação per saltum. impossibilidade. Dupla supressão de instância. Pre-cedentes. Presença de ilegalidade flagrante que autoriza, ex-cepcionalmente, abstrair os óbices processuais em evidência. Conversão do flagrante do paciente em prisão preventiva, pelo suposto furto de uma bicicleta, assentado na gravidade em abs-trato do delito. Fundamento inidôneo para justificar a medida ex-trema. Precedentes. 1. É firme a jurisprudência da Corte no sen-tido de que “não compete ao supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão de relator que, em HC requerido a Tribunal superior, indefere liminarmente o pedi-do com supedâneo na súmula nº 691 do sTF. essa circunstân-cia impede o exame da matéria pelo Tribunal, sob pena de se incorrer em dupla supressão de instância, com evidente extra-vasamento dos limites da competência descritos no art. 102 da Carta Magna” (HC 117.761/sP, 2ª T., relator o Ministro ricardo lewandowski, DJe de 04.10.2013). 2. Como se não bastasse, é inadmissível o habeas corpus que se volte contra decisão mo-nocrática do relator da causa no superior Tribunal de Justiça não submetida ao crivo do colegiado por intermédio do agra-vo interno, por falta de exaurimento da instância antecedente. 3. Presença de constrangimento ilegal flagrante, que autoriza, excepcionalmente, abstrair os óbices processuais em evidência. 4. o Juízo de Direito da vara Única da Comarca de Cajuru/sP, ao converter a autuação em flagrante do paciente em prisão preventiva, pelo suposto furto de uma bicicleta, baseou-se, tão somente, na gravidade em abstrato do delito, fundamento esse, consoante a jurisprudência da Corte, insuficiente para se manter a medida extrema. 5. Habeas corpus do qual não se conhece. ordem concedida de ofício para revogar a prisão preventiva do paciente, se, por aí, não estiver preso ............................... 31289, 199

reCeptação – materialiDaDe e autoria – Comprovação – Bis in iDem – não ConFiguração

• Penal. Processual penal. receptação (Código Penal, art. 180, § 6º). Materialidade e autoria comprovadas. Bis in idem não configurado. Dosimetria da pena mantida. sentença confirma-da. 1. a materialidade e a autoria do tipo penal previsto no art. 180, § 6º, do Código Penal ficaram suficientemente demons-tradas. 2. a alegação de ocorrência de bis in idem, foi exami-nada e corretamente afastada na v. sentença recorrida, nos seguintes e precisos termos: “[...] É bom que se diga que pela associação anterior, os fatos foram objeto de outro proces-so, tendo sido renato condenado por formação de quadrilha (2002.41.00.004185-9). se aquela associação permaneceu não cabe nova condenação, pois o crime é único [...]”. 3. a dosi-metria da pena deu-se com a devida observância do disposto nos arts. 59 e 68, do Código Penal, não estando a v. sentença apelada a merecer reparos também neste aspecto. 4. apelaçãodesprovida. ........................................................................ 31290, 200

rouBo CirCunstanCiaDo – prisão preventiva – periCulum liBertatis – inDiCação neCessária

• recurso ordinário em habeas corpus. roubo circunstancia-do. Prisão preventiva. art. 312 do CPP. Periculum libertatis. indicação necessária. Fundamentação suficiente. recurso não provido. 1. a jurisprudência desta Corte superior é firme em assinalar que a determinação de segregar o réu, antes de transitada em julgado a condenação, deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da

cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal. 2. Não há ilegalidade a ser reco-nhecida no Decreto prisional, pois justificada a prisão preventiva do paciente para garantia da ordem pública ante a sua pericu-losidade concreta, manifestada quer pela forma de execução do roubo, realizado por vários agentes, com emprego de armas de fogo e mediante restrição de liberdade das vítimas, quer por seu comportamento anterior, pois possui antecedentes pela prática de crimes contra o patrimônio. 3. recurso ordinárionão provido ........................................................................ 31291, 200

tráFiCo De Drogas – Falta De provas – aBsolvição

• apelação criminal. Tráfico de drogas. absolvição por falta de provas. impossibilidade. Desclassificação do crime de tráfico para o delito do art. 28 da lei nº 11.343/2006. impossibilidade. Depoimento de policiais. validade probatória. Decote da causa de aumento prevista no art. 40, inciso vi da lei nº 11.343/2006. envolvimento de menor. Comprovação. inviabilidade. redução da pena-base. impossibilidade. Privilégio. Percentual máximo de redução. Não cabimento. regime. alteração. substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. inviabili-dade. 1. se as provas dos autos, colhidas na fase de inquérito e reproduzidas em juízo, demonstram o envolvimento dos acu-sados com o tráfico de drogas, impossível é acolher a tese de absolvição ou desclassificação do delito de tráfico de drogas para o delito do art. 28 da lei nº 11.343/2006. 2. Comprovado o envolvimento de menor no crime de tráfico ilícito de entorpecen-tes, impõe-se a aplicação do art. 40, vi, da lei nº 11.343/2006. 3. Não há que se falar em redução da pena-base quando ela se mostrar justa, proporcional e razoável à prevenção e repressão do delito. 4. Justifica-se a redução da pena pelo privilégio no pa-tamar de 1/5, considerando-se a variedade das drogas apreen-didas. 5. Diante da qualidade e da considerável quantidade da droga apreendida, inviável se torna a fixação de regime menos rigoroso, por não ser suficiente para a prevenção e reprovação do delito. 6. Não é cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos se os réus não preenchemos requisitos do art. 44 do Código Penal ........................... 31292, 200

uso De DoCumento Falso – reCeptação – CompetênCia – ino-CorrênCia

• Processual penal. Conflito de competência. uso de documento falso perante a polícia rodoviária federal. receptação. Compe-tência da justiça federal para o segundo crime. inocorrência. ausência de conexão processual. Concurso de crimes que não implica necessariamente em conexão. Conflito conhecido para declarar a competência do juízo suscitado para apuração do delito de receptação. i – Pretende o d. Juízo suscitante a fixação da competência do d. Juízo suscitado para apreciação do crime de receptação, cometido em concurso com aquele que deve ser apurado perante à Justiça Federal, qual seja, o uso de documento falso perante a Polícia rodoviária Federal. ii – Não obstante a verificação dos crimes tenha ocorrido no mesmo contexto fático, não há elementos para se indicar a existência de conexão processual que atraia a competência da Justiça Federal para apuração da receptação, nos termos do enunciado nº 122, da súmula do superior Tribunal de Justiça. iii – assim, a competência para o processamento do crime de receptação deve recair sobre a Justiça estadual, não havendo se falar em prejuízo à instrução com a cisão dos processos, pois a consumação dos crimes imputados se deu em momentos diferentes. Conflito conhecido para declarar a competência do d. Juízo de Direito da vara Criminal da Comarca de itaguaí/rJ, ora suscitado, para apuração do crime previsto no art. 180, doCódigo Penal ..................................................................... 31293, 201