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Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária. Ano 62, nº 445, Novembro de 2014.

Diretor: Elton José Donato

Bimestral: 1953-1962; trimestral: 1963-1965; irregular: 1966-1967; anual: 1968; trimestral: 1977; bimestral: 1982; mensal: 1988

Tiragem: 4.000 exemplares

ASSINATURAS: São Paulo: (11) 2188-7507 – Demais Estados: 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico:São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188-7900

Demais Estados: 0800.7247900

Os conceitos emitidos em trabalhos assinados são de responsabilidade de seus autores. Os originais não serão devolvidos, embora não publicados. Os artigos são divulgados no idioma original ou traduzidos.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias dos originais obtidas na Secretaria do Supremo Tribunal Federal e dos demais tribunais.

Proibida a reprodução parcial ou total, sem autorização dos editores.

E-mail para remessa de artigos: [email protected]

© Revista Jurídica®

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036-060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

ISSN 0103-3379

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ANO 62 – NOVEMBRO DE 2014 – Nº 445

RepositóRio AutoRizAdo de JuRispRudênciASupremo Tribunal Federal: 03/85

Superior Tribunal de Justiça: 09/90Tribunais Regionais Federais 1ª, 2ª e 4ª Regiões

FundAdoR

Professor Angelito Asmus Aiquel

diRetoR executivo

Elton José Donato

GeRente editoRiAl e de consultoRiA

Eliane Beltramini

cooRdenAdoR editoRiAl

Cristiano Basaglia

conselho editoRiAlAda Pellegrini Grinover – Alexandre Pasqualini – Alexandre Wunderlich

Anderson Vichinkeski Teixeira – Antonio Janyr Dall’Agnol Jr.Araken de Assis – Arruda Alvim – Carlos Alberto Molinaro

Cezar Roberto Bitencourt – Daniel Francisco Mitidiero – Daniel UstárrozDarci Guimarães Ribeiro – Eduardo Arruda Alvim – Eduardo de Oliveira Leite

Eduardo Talamini – Ênio Santarelli Zuliani – Fátima Nancy AndrighiFredie Didier Júnior – Guilherme Rizzo Amaral – Humberto Theodoro Júnior

Ingo Wolfgang Sarlet – Jefferson Carús GuedesJoão José Leal – José Carlos Barbosa Moreira – José Maria Rosa TesheinerJosé Roberto Ferreira Gouvêa – José Rogério Cruz e Tucci – Juarez Freitas

Lúcio Delfino – Luis Guilherme Aidar Bondioli Luís Gustavo Andrade Madeira – Luiz Edson Fachin – Luiz Guilherme MarinoniLuiz Manoel Gomes Júnior – Luiz Rodrigues Wambier – Márcio Louzada Carpena

Mariângela Guerreiro Milhoranza – Paulo Luiz Netto LôboRolf Madaleno – Salo de Carvalho – Sergio Cruz Arenhart

Sérgio Gilberto Porto – Teresa Arruda Alvim Wambier – William Santos Ferreira

colAboRAdoRes destA ediçãoAdalmo Oliveira dos Santos Junior, Bernardo de Azevedo e Souza, Fabio Caprio Leite de Castro, Fernanda Kretzmann Pires Gomes, José Ángel Brandariz García, Lourdes Helena Rocha dos Santos,

Lucas Fernando Dummer Serp, Paulo Dariva, Rodrigo Mazzei

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Sumário

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DoutrinasCivil, ProCessual Civil e ComerCial

1. Algumas Notas sobre a Nova Ação Monitória do Projeto do CPCAdalmo Oliveira dos Santos Junior ................................................9

2. Hipoteca Judiciária: Breves Noções e Sua Nova Roupagem Segundo o Projeto do Novo Código de Processo CivilRodrigo Mazzei e Lucas Fernando Dummer Serp ........................37

3. Questões Polêmicas Relacionadas à Teoria da Causa MaduraFernanda Kretzmann Pires Gomes ...............................................61

4. A Evolução Histórica e os Novos Horizontes da Incorpo-ração Imobiliária e do Condomínio Edilício no Direito BrasileiroLourdes Helena Rocha dos Santos e Fabio Caprio Leite de Castro ............................................................................81

Penal e ProCessual Penal

1. Grande Recessão e Mudança de Ciclo do Expansionismo Punitivo: uma Reatualização da Crítica ao Sistema Penal?José Ángel Brandariz García .......................................................117

2. A Prisão Cautelar do Advogado: da Prerrogativa Profissional de Recolhimento em Sala de Estado MaiorBernardo de Azevedo e Souza e Paulo Dariva .............................139

JurisprudênciaCivil, ProCessual Civil e ComerCial

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça .......................................................155

2. Superior Tribunal de Justiça .......................................................161

3. Tribunal Regional Federal da 1ª Região .....................................167

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4. Tribunal Regional Federal da 4ª Região .....................................175

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência Civil, Processual Civil e Comercial ....181

Penal e ProCessual Penal

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Supremo Tribunal Federal ..........................................................205

2. Superior Tribunal de Justiça .......................................................211

3. Tribunal Regional Federal da 2ª Região .....................................221

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência Penal e Processual Penal .....................229

Índice Alfabético e Remissivo ................................................243

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EDITORIAL

A Revista Jurídica trata de temas atuais e de suma relevância aos profissionais do direito. Os trabalhos doutrinários, de autoria de relevantes juristas, são divididos nas áreas cível e penal.

Doutrina Cível

O Mestrando Adalmo Oliveira dos Santos Junior aborda a ação monitória considerando a natureza e a finalidade do instituto, como forma de abreviação da tutela jurisdicional e da tutela eficaz dos direitos do credor. Analisa a evolução dessa técnica processual e suas novas características no projeto do Novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei nº 8.046). Nesse contexto, faz um estudo sobre os requisitos da ação monitória, mormente sobre o conceito de prova escrita e a profundidade da cognição judicial, tendo em vista a natureza da ação e os fins buscados pela mesma.

O Doutor Rodrigo Mazzei e o Graduando Lucas Fernando Dummer Serpa afirmam que a hipoteca judiciária é efeito anexo da sentença que condena a parte vencida ao pagamento de prestação consistente em dinheiro ou coisa. É instituto de natureza bifronte, mantendo pontos de contato com o direito material e pro-cessual. Dotada de direito de sequela e de preferência, é importante instrumento para garantir a satisfação do crédito exequendo ao mesmo tempo em que contri-bui para a concretização da efetividade do processo.

A Especialista Fernanda Kretzmann Pires Gomes trata sobre a alteração ocorrida no art. 515 do Código de Processo Civil, com a inclusão do § 3º, pela Lei nº 10.352/2001, que importou na possibilidade de o Tribunal julgar o mérito da causa, desde logo, quando a sentença de primeiro grau for terminativa. A Teoria da Causa Madura é apontada como exceção ao princípio do duplo grau de juris-dição, razão pela qual se buscou verificar sua constitucionalidade, se ela fere o princípio citado ou privilegia outros princípios como o da celeridade e razoável duração do processo. Ainda, buscou-se analisar se os requisitos expressos no § 3º do art. 515 são cumulativos, e como deve ser lida a expressão “causa exclusiva-mente de direito”.

Os Advogados Lourdes Helena Rocha dos Santos e Fabio Caprio Leite de Castro discorrem que a Constituição Federal, o Código Civil e a alteração da

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Lei de Condomínios e Incorporações pela Lei nº 10.931/2004 reforçaram ainda mais a proteção a esse interesse coletivo. Primeiramente, em razão da configura-ção de um novo horizonte hermenêutico no qual ganham destaque os princípios da função social da propriedade, na Constituição Federal, e da função social do contrato, no Código Civil. Em segundo lugar, pela introdução de um novo insti-tuto jurídico, o patrimônio de afetação, de modo que os condôminos possam dar continuidade à obra em caso de quebra do incorporador. Em todo condomínio e em toda incorporação imobiliária deverá imperar o interesse coletivo, para que a função social do contrato e a função social da propriedade cumpram o seu de-siderato.

Doutrina Penal

O Professor José Ángel Brandariz García fala sobre a Grande Recessão e afirma que também provoca uma segunda transformação do sistema penal, menos perceptível que a então supramencionada. A crise facilitou a penetração no sistema penal de uma noção que, ao menos em boa parte dos países, até o momento parecia mais alheia a este componente da soberania: o conceito de escassez.

O Mestre Bernardo de Azevedo e Souza e o Mestrando Paulo Dariva elaboram estudo sobre a questão relacionada à prisão cautelar do advogado e seus possíveis desdobramentos. Nesse sentido, ainda que a Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB – EOAB) reconheça ser direito do advogado não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar (art. 7º, V), não raro são proferidas em todo o país decisões contrárias a tal nor-ma, determinando o recolhimento do advogado em prisão especial, na esteira do art. 295, do Código de Processo Penal (CPP). O cerne da celeuma reside, portanto, no fato de que tanto o EOAB quanto o CPP possuem normas específicas que, em tese, regulamentariam o recolhimento cautelar do advogado, ora em sala de Es-tado Maior, ora em cela de prisão especial. A pretensão do presente artigo, longe de exaurir a discussão acerca da temática, consiste em tecer brevíssimas conside-rações acerca da controvérsia ora travada, de modo a demonstrar que, sem em-bargo da disposição contida no Diploma Processual Penal, a prisão cautelar do advogado em sala de Estado Maior constitui prerrogativa de índole profissional, qualificável como direito subjetivo daquele regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), devendo, acima de tudo, ser respeitada pelo Poder Público e seus agentes.

Os Editores

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Doutrina

Do

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Cível

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AlgumAs NotAs sobre A NovA Ação moNitóriA do Projeto do CPC

AdAlmo oliveirA dos sAntos Junior

Mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espírito Santo, Pós-Graduado pela Uniderp, Graduado pela

Universidade Federal de Viçosa, Advogado e Procurador do Estado do Espírito Santo, Ex-Procurador da Fazenda Nacional.

RESUMO: Aborda-se a ação monitória considerando a nature-za e finalidade do instituto, como forma de abreviação da tute-la jurisdicional e tutela eficaz dos direitos do credor. Analisa a evolução dessa técnica processual e suas novas características no projeto do Novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei nº 8.046). Nesse contexto, faz-se um estudo sobre os requisitos da ação monitória, mormente sobre o conceito de prova escrita e a profundidade da cognição judicial, tendo em vista a natu-reza da ação e os fins buscados pela mesma.

PALAVRAS-CHAVE: Ação monitória; prova escrita; cognição judicial.

ABSTRACT: Is approached the “monitory” action, considering the nature and purpose from the institute, as a way to shorten the jurisdictional (court) custody and effective custody from creditor’s claim. Analyze the evolution of this procedural te-chnique and your new characteristics on the new Civil Process Code (Law Project nº 8046). On this context, a study has been done about the requirements of the monitory action, especially

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on the concept of written proof and the depth of judicial cognition, looking through the action and the purpose its takes on.

KEYWORDS: Monitory action; written proof; judicial cognition.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Processo e técnica monitória e injuncional; 2 Noção histórica; 3 A tutela monitória no contexto constitucional; 4 O interesse de agir na ação monitória; 5 Um panorama do proces-so; 6 Cabimento e legitimidade; 7 Da prova escrita; 8 Da profundi-dade da cognição judicial; 9 Da natureza multifacetária da decisão monitória; 10 As opções do réu e a ação rescisória em caso de revelia; 11 Algumas questões procedimentais da nova ação monitória; Con-siderações finais; Referências.

iNtrodução

A ação monitória nasceu como uma forma de conferir um abreviamen-to do processo ordinário e satisfazer o credor de maneira mais célere.

Com base nessas premissas que foi estruturado o procedimento moni-tório. Decorreu, com isso, sua simplicidade procedimental, mas, contradito-riamente, uma complexidade para o enquadramento nas classes de proces-suais existentes.

Pode-se dizer que a ação monitória possui a singularidade de gerar controvérsias. A normatização nacional até então vigente não passa de três artigos com poucos parágrafos e ainda menos alíneas, porém, foram capazes de provocar incontáveis pontos de tensão, nos quais ao menos se consegue pacificar premissas básicas para o tratamento do tema.

Com o novo disciplinamento traçado pelo projeto do novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei nº 8.046/2010), lança-se luz sobre alguns temas, porém, com a mesma destreza que o legislador pacifica alguns pontos, abre a possibilidade de vários questionamentos.

Com o fim de auxiliar na interpretação da ação monitória, este opús-culo trabalha com a natureza e fim originário da ação monitória, fazendo-se com que assim a interpretação do instituto seja voltada para suas finalidades essenciais.

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1 ProCesso e tÉCNiCA moNitóriA e iNjuNCioNAl

A legislação e doutrina nacional e internacional não chegaram a um consenso sobre a natureza da ação monitória, sendo que, em algumas leis estrangeiras, ao invés de monitória, há denominação de injunção.

Conquanto a nomenclatura possa parecer de menor importância, ela pode revelar um pouco do contorno que pode se dar à matéria (apesar de, na maioria das vezes, os termos serem utilizados indistintamente). A pala-vra monitória é um substantivo feminino que deriva do latim monere1. Essa expressão latina que dá origem ao verbo “monir”, que possui o sentido de advertir ou admoestar. “A monitória, que nada mais é do que carta de aviso, tem por conteúdo a monição [...] A injunção, por outro lado, é a imposição da autoridade competente que se revela em forma de ordem de caráter de paga-mento imperativo, sobre a qual não se forma qualquer discussão”2.

O Código de Processo Civil italiano denominou a ação monitória de procedimento di ingiuzione e o CPC da Bélgica e França de injonction de payer.

É possível encontrar autores defendendo a natureza de processo, pro-cedimento e técnica processual da ação monitória. Dinamarco afirma que “não se enquadra na figura do processo de conhecimento nem na do executi-vo e muito menos na do cautelar”3.

Alguns autores apontam a ação monitória um processo de cognição, fundamentando na inexistência de um título executivo4.

Vicente Greco Filho sustenta que a ação monitória seria um misto de ação executiva em sentido lado e cognição, prenominando a força executiva. “Apesar de estar a ação colocada entre os procedimentos especiais de juris-dição contenciosa, sua compreensão e a solução dos problemas práticos que apresentam somente será possível se for tratado como se fosse processo de execução.”5

1 TEIXEIRA, Rodrigo Valente Giublin. O procedimento monitório e seus problemas iniciais: exceção do contrato não cumprido e a citação do réu. Revista Scientia Iuris, v. 7/8, Londrina, p 428, 2003/2004.

2 SANTOS, Ernane Fidelis dos. Ação monitória. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 183 DINAMARCO, Cândido Rangel. DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do código de

processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.4 LOPES, João Batista. A prova escrita na ação monitória. Revista de Processo, São Paulo,

v. 106, abr. 2002. p. 28.5 GRECO FILHO, Vicente. Considerações sobre a ação monitória. Revista de Processo,

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Ernane Fidelis dos Santos aponta uma técnica monitória na qual se abre ao devedor a possibilidade de se instaurar o contraditório6. Não se enquadra nos processos “ordinários”, prefere dizer que é um processo com uma técni-ca diferenciada7. O que, devido à especialidade do instituto, parece ser mais acertado.

2 Noção HistóriCA

A ação monitória, contrariamente de muitos institutos do Direito con-temporâneo, não possui sua origem no Direito romano. Apesar de alguns doutrinadores também apontarem sua origem no Direito lusitano, afirma--se que o nascedouro da ação monitória se deu no Direito italiano, na Idade Média8-9.

Sobre a origem da ação monitória, a doutrina esclarece que, para deter-minados créditos, no Direito medieval italiano, estabeleceu-se o uso de não citar o devedor, no qual se conseguia do juiz uma ordem de pagamento. Na ordem de pagamento, abria-se a possibilidade de o devedor alegar exceções (mandatum de solvendo cum clausula iustificativa)10.

A ação monitória foi prevista desde a origem como instrumento para acelerar a satisfação do credor. Ao invés de obrigar o credor a percorrer todo um processo ordinário para satisfação de um crédito não consubstanciado em título executivo, possibilitou-se uma tutela diferenciada para quem tives-se um documento apto a comprovar seu direito.

Decorreu de uma necessidade, como uma reação ao processo ordinário lento e complicado, no qual, devido à morosidade, se tornou usual o Papa, ao designar juízes para as causas, dispensá-los de algumas formalidades do processo ordinário11.

São Paulo, v. 80, p. 155, out. 1995. 6 SANTOS, Ernane Fidelis dos. Op. cit., p. 19.7 TEIXEIRA, Rodrigo Valente Giublin. O procedimento monitório e seus aspectos

polêmicos no ordenamento jurídico brasileiro. Dissertação de Mestrado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. 2004. p. 39.

8 TALAMINI, Eduardo. Tutela monitória: a ação monitória. 2. ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2001. p. 35

9 MOREIRA, Fernando Mil Homens. Uma hipótese sobre a possível origem da ação decendiária ou ação de assinação de dez dias nas ordenações manuelinas. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 104, p. 571-587.

10 Chiovenda apud ALVIM, Jose Eduardo Carreira. Ação monitória e temas polêmicos da reforma processual. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 2.

11 TALAMINI, Eduardo. Op. cit., p. 38.

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A primeira previsão no Brasil se deu ainda com base no ordenamento processual português que previu a tutela monitória nas Ordenações Manue-linas, no Livro 3, Título 16: “Em que maneira se procederá contra os deman-dados por escrituras públicas, ou alvarás que têm força de escritura pública, ou reconhecidas pela parte”12. Era chamada “ação decendiária” ou “da assi-nação de dez dias”.

Pelo regramento da ação monitória, somente poderia intentar a ação quem possuísse prova documental. Poderia ser escritura pública ou outro documento dotado de fé pública. Também poderia ser documento em que o devedor tivesse admitido ser sua a assinatura. Um ponto interessante da normatização da época era de que o réu se insurgindo e tendo razão na sua defesa, o autor seria obrigado a pagar em dobro o que pretendia cobrar (san-ção retirada nas Ordenações Filipinas)13.

Na legislação brasileira, ainda vigorou a assinação de dez dias no Re-gulamento nº 737, de 1850, no título destinado às ações especiais, e posterior-mente na Consolidação de Ribas de 1876 (Consolidação das Leis de Processo Civil). Essa tutela monitória era aplicada na época para processos envolven-do letra de câmbio, nota promissória, conhecimentos de frete e conferiu legi-timidade ativa também aos endossantes dos títulos de crédito14.

O uso de tais ações era necessário, como se pode verificar, pela exis-tência de poucos títulos aptos a ensejar uma tutela executiva. Como se sabe, atualmente grande parte dos títulos de crédito são considerados títulos exe-

12 Porque as demandas, que fam fundadas em efcripturas pubricas, deuem com muita razam mais breuememe de feer acabadas, e pêra que os creedores poffam fem delonga cobrar o que lhe for deuido e feu paguamento fe nom delongue com as maliciofas excepçoes, que os deuedores muitas vezes poem ao que per efcripturas pubricas fam obrigados, Mandamos que, tanto que algũa peffoa em Juizo demandar outra por razam dalgũa coufa, ou quantidade, que lhe feja obriguada dar, ou entreguar, e o Autor amoftrar efcriptura pubrica da dita obriguaçam, ou Aluará feito, e affinado por tal peffoa a que fe deua dar tanta fee como a efcriptura pubrica, o Juiz que de tal caufa conhecer affine loguo termo de dez dias perentorios a effe, que fe affmoftrar feer obriguado, a que pague ao Autor todo o na dita efcriptura, ou Aluará contehudo, ou amoftre pagua , ou quitaçam, ou alegue, e proue dentro dos ditos dez dias qualquer outra razam de embarguos, que teuer a nom paguar, ou comprir o que affi por a dita efcriptura, ou Aluará fe moftrar feer obriguado; e paffados os ditos dez dias nom amoftrando, nem prouando o Reo pagua, ou quitaçam, ou outra tal razão que o defobrigue de paguar, feja logo condenado por fentença , que pague ao Autor todo aquello em que affi fe moftrar feer obriguado.

13 TALAMINI, Eduardo. Op. cit., p. 46. 14 Idem, p. 55.

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cutivos, o que permite o ajuizamento da ação executiva sem necessitar de anterior ação de conhecimento.

Devido à possível opção de ampliar o rol das hipóteses suscetíveis à ação executiva, o Código de Processo Civil de 193915 extinguiu a previsão da assinação de dez dias. O CPC de 1973, em sua redação inicial, também não previu a ação monitória. A coincidência da ampliação do rol dos títulos exe-cutivos extrajudiciais concomitantemente com a “morte” da ação monitória possivelmente deveu-se ao entendimento de que houve perda do objeto da ação monitória, uma vez que os títulos passíveis de manejo da tutela monitó-ria passaram a ser abrigados no rol da ação executiva.

Retornou ao Direito brasileiro pela Lei nº 9.079/1995, que acrescentou os arts. 1.202-A, 1.202-B e 1.202-C ao Código de Processo Civil de 1973. Digno de nota que houve quem defendesse que, ao invés do retorno da ação moni-tória, promovesse-se nova ampliação do rol dos títulos executivos extrajudi-ciais16. Já o projeto do novo Código de Processo Civil prevê a ação monitória nos arts. 715 a 717.

15 “Art. 298. Além das previstas em lei, serão processadas pela fórma executiva as ações: I – dos serventuários de justiça, para cobrança de custas, contadas na conformidade do respectivo regimento; II – dos intérpretes, ou tradutores públicos, para cobrança dos emolumentos taxados em regimento; III – dos corretores, para cobrança das despesas e comissões de corretagem, e dos leiloeiros ou porteiros, para a das despesas e comissões das vendas judiciais; IV – dos condutores, ou comissários de fretes; V – dos procuradores judiciais, médicos, cirurgiões-dentistas, engenheiros e professores, para cobrança de seus honorários, desde que comprovada inicialmente. ou no curso da lide, a prestação do serviço contratado por escrito; VI – dos credores por dívida garantida por caução judicial ou hipoteca; VII – dos credores por obrigações ao portador (debentures), por letras hipotecárias, e coupons de juros de ambos esses títulos; VIII – do credor pignoratício, mediante depósito prévio da coisa apenhada, salvo a hipótese de não ter havido tradição; IX – dos credores por foros, laudêmios, aluguéis, ou rendas de imoveis, provenientes de contrato escrito ou verbal; X – do administrador, para cobrar do co-proprietário de edificio de apartamentos a quota relativa às despesas gerais fixadas em orçamento; XI – dos credores de prestação alimenticia e de renda vitalícia ou temporária; XII – dos credores por dívida líquida e certa, provada por instrumento público, ou por escrito particular, assinado pelo devedor e subscrito por duas testemunhas; XIII – dos credores por letra de câmbio, nota promissória ou cheque; XIV – do credor por fatura, ou conta assinada, ou conta-corrente reconhecida pelo devedor; XV – dos portadores de warrants, ou de conhecimentos de depósito, na fórma das leis que regem os armazens gerais; XVI – do liquidatário de massa falida; [...]”

16 FRIEDE, Roy Reis. Comentários à reforma do direito processual civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 483.

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3 A tutelA moNitóriA No CoNteXto CoNstituCioNAl

Em razão do motivo e a utilidade da ação monitória, podem surgir algumas dúvidas sobre a constitucionalidade do procedimento.

Antes de quaisquer considerações, faz-se necessário esclarecer que a téc-nica monitória atende o anseio constitucional da celeridade processual, uma vez que busca uma maneira mais rápida e eficaz de tutelar o direito do credor. Nesse ponto específico, coaduna-se com o disciplinado na Consti tuição.

Todavia, o questionamento sobre a constitucionalidade da ação mo-nitória é mais evidente quando se tem em vista que, em caso de revelia – au-sência de embargos à ação monitória –, o título executivo é formado pronta-mente, sem se analisar a prova acostada aos autos. Uma eventual inconsti-tucionalidade não estaria nessa revelia, mas em uma técnica na qual a maior eficácia estaria justamente quando ocorresse a revelia do demandado. Em outras palavras, uma técnica que busca a revelia.

Tal disciplina discrepa do processo civil no que tange o tratamento re-velia no processo civil “comum”. Isso porque, mesmo diante da regulação da revelia contida no art. 320 do CPC (projeto do novo CPC, art. 352), a prática judiciária tem sido uma minoração na decretação dos efeitos da revelia.

Na ação monitória, pela sua própria natureza, a revelia acaba sendo perseguida, pois, da maneira que é regulada atualmente, é bastante benéfica ao autor, haja vista que, segundo a legislação, a coisa julgada decorrente da revelia é formada velozmente.

A questão que se impõe, portanto, é se essa ampliação prática da reve-lia é consentânea com o devido processo legal previsto constitucionalmente17. Contudo, não se vê, in casu, uma hipótese de inconstitucionalidade, uma vez que se franqueia ao devedor a possibilidade de oferecimento de embargos à ação monitória. A simplificação procedimental não pode ser vista como um ataque ao devido processo legal somente pelo fato de ser mais rápida.

4 o iNteresse de Agir NA Ação moNitóriA

Com base até mesmo na noção histórica do instituto, se consegue aferir a utilidade da tutela monitória. Ela é uma forma de tentativa de abreviar o procedimento para o credor satisfazer sua pretensão.

17 “Art. 5. [...] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

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Como visto anteriormente, onde atualmente é cabível execução de tí-tulo extrajudicial admitia-se a ação decendiária para o credor se valer de seu crédito, uma vez que inexistia previsão de execução de títulos extrajudiciais. A própria lei processual traçava o critério de prova que se exigia para o cabi-mento da ação monitória. Existindo o documento exigido pela legislação, não era necessário passar pelo alongado processo de conhecimento.

Essa celeridade conferida pela tutela monitória é a que define, sendo fácil perceber que:

A ação monitória tem por finalidade permitir a rápida formação de título executivo judicial, abreviando o caminho para execução forçada de título executivo judicial, abreviando o caminho para a execução forçada nos ca-sos em que o credor está imbuído de documento escrito, porém sem eficá-cia executiva, ou seja, nos casos em que há forte possibilidade de existência do crédito e, o réu, mesmo regularmente citado, não apresenta qualquer modalidade de resposta.18

A doutrina é uníssona quanto à finalidade de abreviação do processo para a satisfação da pretensão. “Com o advento da ação monitória, o credor munido de prova escrita – mas sem eficácia executiva – tem a possibilidade de ajuizar demanda de rito bem singular, visando obter, de forma abrevia-da, bilhete de trânsito para adentrar na fase executiva.”19 “O procedimento monitório foi pensado como alternativa para uma maior tempestividade do processo, podendo ser usado por quem tem prova escrita, sem eficácia exe-cutiva do seu crédito, e pretende obter soma em dinheiro, coisa fungível ou determinado bem móvel.”20

Essa característica de tutela monitória para a abreviação do procedi-mento é tão enraizada que inclusive gera a conclusão que aquele que possui título executivo não teria interesse de agir para o ajuizamento da ação moni-tória. “Enfim, a função essencial do procedimento monitório brasileiro é a de acelerar o surgimento da autorização para executar. Por isso, quem já possui

18 GOTTEMS, Claudinei J.; BORGES, Rodrigo Lanzi de Moraes. A ação monitória como instrumento diferenciado na busca da tutela jurisdicional. Revista de Direito Público, Brasília, a. VII, n. 33, p. 106, maio/jun. 2010.

19 MAZZEI, Rodrigo Reis; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Ação monitória – Primeiras impressões após a Lei nº 11.232/2005. Belo Horizonte: De Jure, 2008, p. 51.

20 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Curso de processo civil. Procedimentos especiais. São Paulo: Revistas do Tribunais, v. 5, 2009. p. 157.

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o título executivo não pode valer-se dessa via (art. 1.102-A, caput) que não lhe traria como resultado nada mais do que aquilo que já tem.”21-22

Entretanto, cabe o registro de que jurisprudência se inclinou para en-tendimento de que o credor detentor de título executivo extrajudicial pode se valer da ação monitória. O tema atualmente é pacífico em âmbito jurispru-dencial23.

O projeto do novo CPC manteve a redação acerca desse ponto, não deixando claro se optou por alguma corrente doutrinária ou se aceitou a in-terpretação jurisprudencial.

5 um PANorAmA do ProCesso

Antes de polemizar sobre um ou outro aspecto da ação monitória, re-levante descrever um pouco da estrutura básica de seu procedimento24 no

21 TALAMINI, Eduardo. Op. cit., p. 29.22 Assim também conclui Marinoni (p. 158), em sentido contrário: “Se o título judicial

oferece mais segurança ao credor, inclusive quanto à restrição ao âmbito dos embargos do devedor, o credor só perde interesse na monitória se o título for judicial” (SANTOS, Ernane Fidelis dos. Op. cit., p. 47).

23 Assim como a jurisprudência da Casa é firme acerca da possibilidade de propositura de ação de conhecimento pelo detentor de título executivo – uma vez não existir prejuízo ao réu em procedimento que lhe franqueia ampliados meios de defesa –, pelos mesmos fundamentos o detentor de título executivo extrajudicial poderá ajuizar ação monitória para perseguir seus créditos, não obstante também o pudesse fazer pela via do processo de execução. (STJ, Recurso Especial nº 981.440/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 02.05.2012)

24 “Art. 1.102-A. A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.

Art. 1.102-B – Estando a petição inicial devidamente instruída, o Juiz deferirá de plano a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de quinze dias. (Incluído pela Lei nº 9.079, de 14.07.1995)

Art. 1.102-C – No prazo previsto no art. 1.102-B, poderá o réu oferecer embargos, que suspenderão a eficácia do mandado inicial. Se os embargos não forem opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo e prosseguindo-se na forma do Livro I, Título VIII, Capítulo X, desta lei. (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 1º Cumprindo o réu o mandado, ficará isento de custas e honorários advocatícios. § 2º Os embargos independem de prévia segurança do juízo e serão processados nos

próprios autos, pelo procedimento ordinário. § 3º Rejeitados os embargos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial,

intimando-se o devedor e prosseguindo-se na forma prevista no Livro I, Título VIII, Capítulo X, desta lei.”

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Direito brasileiro (re)inserida pela Lei nº 9.079/1995. Assim facilita a visuali-zação dos problemas atinentes ao desdobramento processual.

A ação é intentada pelo credor, que, segundo a legislação brasileira, deve estar munido de prova escrita. O juiz, então, determina expedição de mandado de pagamento ou entrega de coisa.

É aberta a possibilidade de o réu oferecer embargos da ação monitória. Tais embargos são processados pelo procedimento ordinário, que, se rejeita-dos ou não opostos, constituir-se-á o título executivo judicial.

Percebe-se, então, que há uma diferença procedimental que torna a ação monitória diferenciada. Há um mandado de pagamento sem um título executivo que o lastreie. O juiz determina o pagamento para que, se apresen-tado os embargos, inicie o contraditório.

Em estudo sobre o tema, Nancy Andrighi aponta que o procedimento “redunda em inversão do contraditório na sua fase preliminar25”. No entanto, tal assertiva não é acolhida inteiramente pela doutrina. Talamini afirma que “o contraditório não é nem ‘eventual’, nem ‘invertido’. Simplesmente, não há contraditório, de início. Ele é postergado: emite-se o provimento sem ouvir a parte contrária26”.

O último doutrinador ainda afirma que o elemento estrutural relevante não seria essa postergação do contraditório, mas sim que, no caso da ausência de embargos, a constituição imediata do título executivo e possibilidade de se executar27.

6 CAbimeNto e legitimidAde

A ação monitória pode ser utilizada por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do de-vedor capaz: I – o pagamento de quantia em dinheiro; II – a entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel; III – o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer (art. 715 do CPC projetado). Mais adian-te se verá que não há restrição quanto a essa prova escrita, podendo valer

25 ANDRIGHI, Fátima Nancy. Aspectos da reforma do código de processo civil. Revista de Processo, São Paulo, a. 21, n. 83, p. 14, jul./set. 1996.

26 TALAMINI, Eduardo. Op. cit., p. 29.27 Idem, ibidem.

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qualquer prova escrita, o que faz com que as hipóteses de cabimento sejam bastante dilatadas.

Ainda se verifica que, apesar de algumas discussões doutrinárias a res-peito da existência de uma faculdade do credor utilizar ou não a ação moni-tória, verifica-se que, na realidade, é uma alternativa existente em benefício do credor, “considerando que o processo é instrumento colocado à disposi-ção do jurisdicionado para a obtenção de um bem da vida, é imperioso que haja uma flexibilização desse instrumento, permitindo ao cidadão a escolha, dentro os instrumento oferecidos pelo Código de Processo Civil, aquele que melhor atenda ao seu direito, haja vista que nem sempre o titular do direito deseja fazer uso da tutela diferenciada tendo em conta a sua individual si-tuação fática em torno do direito material”28. Portanto, a utilização da tutela monitória para a satisfação do direito do credor é de sua livre escolha.

A ação monitória poderá ser proposta por qualquer pessoa que se en-tenda como titular do direito creditório. Segundo Marinoni, “a legitimidade ativa da demanda monitória não diverge daquela que autoriza a propositura de ação que visa o cumprimento de qualquer prestação”29.

Quanto à legitimidade passiva, o CPC projetado incorporou o se-dimentado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado nº 339) e previu que “é admissível ação monitória em face da Fazenda Públi-ca” (art. 715, § 6º).

O projeto do novo CPC ainda impõe requisitos específicos da petição inicial da ação monitória: “Na petição inicial, incumbe ao autor explicitar, conforme o caso: I – a importância devida, instruindo-a com memória de cál-culo; II – o valor atual da coisa reclamada; III – o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido pelo autor” (art. 715, § 2º).

7 dA ProvA esCritA

A ação monitória estaria em um ponto entre a ação de conhecimento e a ação executiva, sendo uma forma de tutela diferenciada. Contudo, será mais próxima à ação de conhecimento na proporção em que se exigir ido-

28 ANDRIGHI, Fátima Nancy. Aspectos da reforma do código de processo civil. Op. cit., p. 16.

29 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Op. cit., p. 158.

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neidade da prova a embasar o pedido. E será mais próxima à ação executiva quanto menos requisitos se exigir em termos probatórios.

Todavia, analisando as legislações estrangeiras, verifica-se que nem sempre para a utilização do procedimento monitório haverá necessidade de juntada de documentos. É o que a doutrina denomina de procedimento mo-nitório puro, em contraponto ao nosso sistema que normatizou o procedi-mento monitório documental30.

Quanto ao requisito “prova escrita”31 para nosso estudo é importante realizar uma dicotomização. Primeiro deve se ater ao significado da expres-são “prova”. De outro lado, cabe analisar quais documentos podem servir de prova escrita.

Taruffo afirma que “la prueba es el instrumento que utilizan las partes desde hace siglos para demostrar la veracidad de sus afirmaciones, y del cual se sirve el juez para decidir respecto a la verdad o falsedad de los enunciados fácticos”32.

Afirma-se33 que o vocábulo “prova” veicula pelo menos três significa-dos: serviria para designar o meio empregado para aferição da verdade sobre um fato. Nesse caso, “prova escrita” teria uma sinonímia com “documento escrito”. Em outra senda, prova poderia ser tomada como toda atividade de-

30 TUCCI, José Rogério Cruz e. Ação monitória no novo processo civil português e espanhol. Revista de Processo, São Paulo, a. 26. jul./set. 2001. p. 110.

31 O Código de Processo Civil da Itália, quando trata do procedimento di ingiuzione, também faz uso do termo “prova escrita”:

“Art. 633. (Condizioni di ammissibilità) Su domanda di chi è creditore di una somma liquida di danaro o di una determinata quantità di cose

fungibili, o di chi ha diritto alla consegna di una cosa mobile determinata, il giudice competente pronuncia ingiunzione di pagamento o di consegna:

1) se del diritto fatto valere si dà prova scritta; [...] Art. 634. (Prova scritta) Sono prove scritte idonee a norma del numero 1 dell’articolo precedente le polizze e promesse

unilaterali per scrittura privata e i telegrammi, anche se mancanti dei requisiti prescritti dal codice civile.

Per i crediti relativi a somministrazioni di merci e di danaro nonche’ per prestazioni di servizi, fatte da imprenditori che esercitano um’attivita’ commerciale, anche a persone che non esercitano tale attivita’, sono altresi’ prove scritte idonee gli estratti autentici delle scritture contabili di cui agli art. 2214 e seguenti del codice civile, purche’ bollate e vidimate nelle forme di legge e regolarmente tenute, nonche’ gli estratti autentici delle scritture contabili prescritte dalle leggi tributarie, quando siano tenute con l’osservanza delle norme stabilite per tali scritture.”

32 TARUFFO, Michele. La prueba, artículos u conferencias. Trad. Nicolás Vera Alvarez. Santiago. Chile: Editorial Metropolitana, 2009. p. 59.

33 TALAMINI, Eduardo. Op. cit., p. 72.

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senvolvida pelo juiz para a aferição da veracidade de uma alegação de fato. Por fim, poderia se referir também ao resultado obtido com essas atividades.

A distinção é relevante, pois, dependendo do entendimento sobre o vo-cábulo, prova o tratamento da matéria, seguirá rumos bem diversos. Sendo prova escrita sinônimo de prova documental, bastaria a juntada de documen-tal que o juiz seria obrigado a seguir o curso do processo. Não poderia o juiz realizar análise sobre o mérito da prova escrita. Parte da doutrina acolhe esse entendimento. Carreira Alvim afirma que prova escrita é documento escrito. “Atividade efetivamente probatória só haverá se vier a ser instaurado o con-traditório, através da oposição de embargos de devedor.”34

Contrariamente, para os que entendem que prova escrita não é docu-mento escrito, há uma necessidade de uma atividade judicial, pois prova é tomada como uma alegação de fato. Ernane Fidelis dos Santos entende dessa maneira, e afirma que “o certo, pois, é tanto no título executivo como no mo-nitório (ou prova escrita para monitória, quando não se quiser falar em títu-lo), o requisito da certeza faz-se presente, ou seja, exige-se convicção jurídica de realidade do direito”35. Da mesma forma, Marinoni deixa bem clara sua posição, afirmando que:

A prova escrita não é a prova que deve fazer surgir direito líquido e certo, isto é, não é a prova que deve demonstrar, por si só, o fato constitutivo do direito afirmado pelo autor. A prova escrita relaciona-se apenas a um juízo de probabilidade. Não há que se falar em certeza quando se está diante de prova escrita. Prova escrita não é sinônimo de prova que pode, por si só, demonstrar o fato constitutivo do direito. Quando se exige prova escrita, como requisito para a propositura da ação monitória, não se pretende que o credor demonstre o se direito extreme de dúvida, como se fosse um di-reito líquido e certo. Ao contrário, a prova escrita necessita fornecer ao juiz apenas certo grau de probabilidade acerca do direito alegado em juízo.36

Com a devida vênia aos que entendem que prova escrita é sinônimo de documento escrito, quando o Código de Processo Civil dispõe textualmente da primeira forma e não da segunda a posição fica de difícil sustentação.

É com base no entendimento de existir atividade probatória, um juízo de cognição, que a jurisprudência sedimentou que alguns documentos servi-

34 ALVIM, Jose Eduardo Carreira. Op. cit., p. 18.35 SANTOS, Ernane Fidelis dos. Op. cit., p. 43.36 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Op. cit., p. 160.

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riam de lastro à ação monitória e outros não. A título de exemplo, consigna-se que o Superior Tribunal de Justiça sedimentou que o contrato de abertura de crédito em conta-corrente sozinho não preenche o requisito da prova es-crita para fins de ação monitória37. Todavia, quanto ao tema, posteriormente pacificou-se que “o contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acom-panhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para o ajui-zamento da ação monitória” (Súmula nº 247).

Portanto, resta claro que no sistema do procedimento monitório docu-mental brasileiro instaurado pela Lei nº 9.079/1995 há uma cognição sumária sobre a prova escrita apresentada. Antes de determinar a expedição do man-dado de pagamento ou entrega de coisa, o juiz deverá realizar um juízo de verossimilhança de molde a verificar a probabilidade da existência do direito da parte autora.

Feitas essas considerações sobre o que seja “prova escrita”, revela-se menos custoso definir quais documentos podem ser apresentados como pro-va escrita.

Cabe tanto a prova pré-constituída como a prova casual. “Tem-se a prova pré-constituída aquele instrumento elaborado no ato da realização do negócio jurídico para registro da declaração de vontade, já a prova casual é aquela que não foi constituída para fins de prova, não havia intenção de do-cumentar o negócio jurídico, mas que em virtude do inadimplemento de uma das partes, o instrumento pode estabelecer um nexo causal entre as partes.”38

Aliás, é de extremo interesse frisar que a conclusão pelo cabimento de determinadas “provas escritas” dependerá do entendimento do que seja

37 “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO MONITÓRIA – PRAZO PRESCRICIONAL – PRETENSÃO DE COBRANÇA DE DÍVIDA DECORRENTE DE CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE – 1. O contrato de abertura de crédito em conta-corrente não é suficiente para atestar a liquidez da dívida adquirida em função desse mesmo contrato, por essa razão a pretensão de cobrança dessa dívida, quando exercitada por meio de ação monitória, deve vir acompanhada de documentos suficientes para indicar, ao menos, em princípio, o an debeatur. (Súmula nº 233/STJ). 2. Por força dessa peculiaridade de ordem processual é possível concluir que a ação monitória fundada em contrato de abertura de crédito em conta-corrente persegue, na prática, uma dívida líquida e se submete, por conseguinte, ao prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 206, § 5º, I, do Código Civil. 3. Recurso Especial a que se nega provimento.” (STJ, Recurso Especial nº 1327786-RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª Turma, DJe 05.09.2012)

38 TEIXEIRA, Rodrigo Valente Giublin. O procedimento monitório e seus problemas iniciais: exceção do contrato não cumprido e a citação do réu. Op. cit., p. 429.

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“prova escrita”. É que, considerando que seja documento escrito, leva-se a crer que seria aquela prova documental disciplinada pelo CPC.

O entendimento mais coerente é, contudo, aquele que entende que pro-va escrita é qualquer escrito, seja ele o próprio documento ou decorrente de depoimento39-40. Contrariamente, parte da doutrina insiste em uma diferen-ciação a depender da origem da prova escrita:

Admitem-se como elemento de prova documental escrita as representações materiais, produzidas por terceiro, que não tiveram o escopo de testemu-nhar o fato, estando com ele apenas relacionadas. A prova é documental, porque quem a produziu não teve objetivo direto de testemunhar o fato, produzindo a informação apenas por acaso. É o que ocorre, por exemplo, com cartas missivas, informações jornalísticas, etc. Pelo próprio objetivo do contido na peça escrita, poderá a mesma ter valor documental e justificar a monitória, não se negando, porém, que, no caso particular, deva o juiz pro-ceder à rigorosa análise na pesquisa da fé que possa merecer o escrito, não apenas com o fim de verificar até onde possa ser confiável a informação, mas, sobretudo, para estabelecer rigorosa diferença entre o documento e o testemunho escrito.41

Na linha seguida no presente trabalho, a cognição judicial no momento da aceitação da prova escrita deve ser sumária, sob pena de transformar a natureza do provimento judicial. Não caberia ao juiz uma análise pormenori-zada para verificação da prova apresentada. Esse procedimento diferenciado é marcado pela técnica monitória, de procedimento sumário. O que deve vir contido na petição inicial e na prova escrita são os requisitos que permitam determinar o valor do montante exigido ou quantidade devida (quando se tratar de dinheiro ou bem fungível).

Por isso, defende-se que, qualquer documento, desde que não tenha sido unilateralmente produzido, seria bastante para a ação monitória. Contu-do, é de considerar que uma prova escrita que seja apenas documentada (v.g.

39 “O documento escrito não precisa estar necessariamente assinado pelo devedor, desde que contenha, conjuntamente com outros documentos, força probante de convencer o Magistrado acerca da possibilidade da existência do crédito.” (GOTTEMS, Claudinei J.; BORGES, Rodrigo Lanzi de Moraes. A ação monitória como instrumento diferenciado na busca da tutela jurisdicional. Revista de Direito Público, Brasília, a. VII, n. 33, p. 111, maio/jun. 2010)

40 Projeto do novo CPC, art. 715, § 1º: “A prova escrita pode consistir em prova oral documentada, produzida antecipadamente nos termos do art. 388”.

41 SANTOS, Ernane Fidelis dos. Op. cit., p. 49.

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ata notarial com o depoimento de terceiros), para que não seja contrário ao sistema jurídico vigente, deve sofrer suas limitações42.

Em razão disso, o conceito de prova escrita deve ser o mais amplo pos-sível, uma vez que não pode confundi-lo com o de título executivo.

8 dA ProFuNdidAde dA CogNição judiCiAl

Questão que se impõe é acerca da profundidade da atividade cogni-tiva do juiz ao se deparar com a demanda monitória. Como visto no tópico anterior, há doutrina no sentido de que o juiz poderia fazer em certos casos “rigorosa análise” da prova escrita. O que não nos afigura correto.

O procedimento diferenciado da ação monitória nasceu para ser mais célere, e para evitar os entraves do procedimento ordinário. Ao se permitir que o juiz faça uma análise criteriosa da prova apresentada antes de determi-nar a expedição de mandado para pagamento, estar-se-á simplesmente usan-do do procedimento ordinário com a obrigatoriedade de análise das provas pelo juiz antes de dar seguimento ao processo. Seria uma negativa à teoria da asserção43, contrariando o sistema processual vigente.

Como pode parecer prima facie, não é nenhum atentado ao direito a expedição de ordem de pagamento sem uma análise probatória do pedido. Se o crédito do autor não existe, basta a apresentação de embargos pelo réu. Não fosse assim, a hipótese de “monitória pura” seria inviável em alguns ordenamentos.

Dissertando sobre a ação monitória, Tucci informa que:

No denominado “puro”, vigorante nos sistemas continentais da Alemanha e Áustria (Mahnverfahen), a prova que acompanha o pedido (Mahnantrag) é prescindível, devido não ser ela examinada pelo juiz (Amtsgericht), por-quanto a ordem liminar de pagamento (Zahlungsbefehl) é exarada pelo seu auxiliar – o Rechtspfleger alemão – que, apenas analisa os pressupostos de cabimento e a plausibilidade da causa petendi deduzida.44

42 CPC, art. 401: “A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no País, ao tempo em que foram celebrados”.

43 Pela teoria da asserção, as condições da ação devem ser apenas analisadas pelas alegações das partes.

44 TUCCI, José Rogério Cruz e. Op. cit., p. 110.

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Considerando essa característica ínsita à ação monitória, resta evidente que o juiz não deveria fazer análise criteriosa da prova escrita. A doutrina inclusive tem refutado denominações que levam a crer que a ação monitória tenha que vir lastreada em algum “título” apto à demonstração do direito justamente para não dar azo à interpretação de que o juiz teria o poder de conferir se esse “título” seria hábil para instruir a ação.

Por isso, deve-se afastar o entendimento de que a prova escrita seria um “título quase executivo”, “título injuntivo” ou “título monitório”45. Ao se atribuir requisitos à prova, inevitavelmente leva o julgador a fazer uma aná-lise se a mesma preenche tais requisitos. Por esse motivo, Talamini discorre que:

A “prova escrita” a que a lei se refere como requisito para emissão do mandado teria de ser entendida como documento de que resulta o crédito. Não ocorreria atividade “instrutória” [do juiz]. Na primeira fase do pro-cedimento, o juiz não poderia tomar em conta nenhum fato embasador de defesas de mérito, por não deter poderes para exame que fosse além dos requisitos formais.46

Tendo em vista a celeridade ínsita à técnica monitória, eventual abuso no uso dessa modalidade de ação deve ser analisada ao final do processo e não na fase de admissão pelo juiz. O credor com um documento qualquer em mãos (título não executivo) teria o direito de escolher ajuizar uma ação pelo procedimento ordinário ou uma ação monitória. Ao optar pela monitória, se de má-fé, dependendo da regulação legal, pagará ao réu uma quantia a título de multa47. É o que prevê o projeto do novo CPC no art. 717, § 10: “O juiz condenará o autor de ação monitória proposta indevidamente e de má-fé ao

45 Em sentido diametralmente oposto: “Conclui-se, pois, que, no processo brasileiro, em se consignarem as exceções expressas no Código italiano, as quais estariam a servir, inclusive, de simples formulação de princípios mais abrangentes e generalizados, há de se orientar pelo da tipificação da prova, apenas que, pela participação efetiva e necessária do injuncionado na formação do título executivo judicial, os requisitos formais se dispensam, não se incluindo no conceito qualquer ideia de autenticidade material do documento, comportando-se, na eficácia monitória, somente uma indagação: se, naquele determinado momento, a prova escrita em si, hipoteticamente autêntica e hipoteticamente sem alegação contrária de fatos impeditivos, extintivos e modificativos, seria suficiente como prova da dívida ou obrigação” (SANTOS, Ernane Fidelis dos. Op. cit., p. 50).

46 TALAMINI, Eduardo. Op. cit., p. 70.47 Sanção também prevista nas Ordenações Manuelinas.

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pagamento, em favor do réu, de multa de até dez por cento sobre o valor da causa”.

Entretanto, não obstante a argumentação supra, o CPC projetado pa-rece ter sido contrário à natureza da técnica monitória, como também pare-ceu seguir em sentido oposto à de algumas normatizações estrangeiras. Seu art. 716 é claro ao afirmar que o haverá o deferimento do mandado de paga-mento somente se “evidente o direito do autor”.

O entendimento do código projetado coincide com a ideia trazida pelo Professor Cruz e Tucci no que defende que:

Para o ajuizamento e conseqüente admissibilidade da ação monitória, uma vez que a cognição delineia-se exauriente no procedimento dos embargos ao mandado, é suficiente que a prova produzida pelo autor possibilite ao órgão judicante estabelecer um grau elevado de probabilidade da proce-dência da pretensão deduzida.48

A análise do pedido monitório pelo juiz é realmente uma realidade no projeto do novo CPC. Inclusive há previsão de emenda de inicial quando houver dúvida sobre a idoneidade da prova apresentada (art. 715, § 5º). Caso não houvesse análise prévia da força probatória dos documentos, a previsão de emenda seria inócua.

O Instituto Brasileiro de Direito Processual, no seu encontro de proces-sualistas, aprovou um enunciado sobre decisão que admite o processamento da ação monitória: “Na ação monitória a decisão interlocutória prevista no caput do art. 716 deverá ser fundamentada, em razão do princípio da moti-vação (art. 93, IX, da CF/1988), aplicando-se, no que couber, o § 1º do art. 499 do texto projetado”. O entendimento dos processualistas no referido encon-tro foi de que há realmente uma análise judicial da prova apresentada pelo alegado credor.

Contudo, o entendimento anteriormente esposado talvez mereça ser aperfeiçoado. Isso porque, por exemplo, quando um credor apresenta um cheque prescrito – exemplo comum de uso da ação monitória –, exigir que o juiz fundamente os motivos pelos quais expedirá a ordem de pagamento seria o mesmo que exigir que o juiz fundamentasse a decisão que determina a

48 TUCCI, José Rogério Cruz e. Prova escrita na ação monitória. Revista dos Tribunais, v. 768, p. 11, out. 1999.

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citação. Melhor seria que a obrigatoriedade da fundamentação ficasse restrita à hipótese de indeferimento da petição inicial.

9 dA NAtureZA multiFACetÁriA dA deCisão moNitóriA

Em razão da natureza um tanto camaleônica da decisão que determina o pagamento na ação monitória, grassa divergência na doutrina sobre a natu-reza dessa decisão. Carrera Alvim afirma que, “sob o aspecto processual tem forma de interlocutória, e, sob o aspecto substancial, o conteúdo de sentença, tudo depende do comportamento do devedor”49.

O Código de Processo Civil projetado regula a matéria dispondo que, “sendo evidente o direito do autor, o juiz deferirá a expedição de mandado de pagamento, de entrega de coisa ou para execução de obrigação de fazer ou de não fazer, concedendo ao réu prazo de quinze dias para o cumprimento e o pagamento de honorários advocatícios de cinco por cento do valor atri-buído à causa”50 (art. 716). Mais adiante prevê que o constituir-se-á o título executivo judicial com a não apresentação dos embargos (art. 716, § 2º) ou com a rejeição destes (art. 717, § 8º), deixando claro que a natureza da decisão que determina o pagamento se altera dependendo do decorrer do processo.

No art. 1.102-C do CPC de 1973 havia a seguinte previsão: “Se os em-bargos não forem opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executi-vo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo”. De forma semelhante prevê o projeto do novo CPC quando prevê que o cons-tituir-se-á o título executivo judicial com a não apresentação dos embargos (art. 716, § 2º) ou com a rejeição destes (art. 717, § 8º). Deixando claro que a natureza da decisão que determina o pagamento se altera dependendo do decorrer do processo.

Deveras, o tema é espinhoso e entendemos que, dependendo da postu-ra do devedor, a natureza do provimento jurisdicional toma novos contornos. Por exemplo, o juiz, optando por decidir pela expedição do mandado para pagamento, essa decisão teria o condão de transformar a prova escrita em título executivo. Ou seja, teria natureza condenatória. Contudo, se o devedor apresenta embargos, o título executivo não se constitui com aquela decisão.

49 ALVIM, Jose Eduardo Carreira. Op. cit., p. 24.50 No art. 1.102-C do CPC de 1973, há a seguinte previsão: “Se os embargos não forem

opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo”.

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Em razão disso, é extremamente custoso o enquadramento em determinada categoria. Nancy Andrighi defende que decisão que determina o pagamento constitui “em técnica de antecipação de caráter eventual para obtenção do título executivo, atuando secundum eventum defensioni”51.

No tocante aos efeitos que os embargos monitórios operam na decisão, também não há unanimidade. Segundo Mazzei e Zaneti Junior, a decisão monitória fica suspensa enquanto aguarda-se a conduta do réu: “Com efeito, a decisão judicial liminar, ao determinar a expedição de mandado injuntivo, fica, em parte, como se em condição suspensiva, na medida em que seu efeito total (e final) depende de ato futuro do réu da ação monitória”52-53.

Outros já defendem que a ordem para pagamento quando exarada não fica suspensa, mas, se propostos os embargos, a ordem seria automaticamen-te suspensa. O autor lusitano Fernando Amâncio Ferreira, ao diferenciar os efeitos dos embargos no procedimento monitório puro e no documental, as-sinala que:

O diferente suporte da injunção determina que a apresentação da oposi-ção por parte do devedor conduza a realidades processuais distintas nos dois tipos de processo monitório. Assim, no monitório puro, a oposição faz cair a ordem de pagamento, iniciando-se um procedimento novo des-tinado a provas o crédito do requerente da injunção, como se a ordem de pagamento não tivesse sido emitida; no monitório documental, a oposição não provoca a queda da ordem de pagamento, mas abertura dum processo declarativo em contraditório que terminará ou por manter aquela ordem ou por declarar sem efeito, em conformidade com as provas produzidas e dos debates havidos.54

Como se disse em linhas anteriores, o encontro de processualistas do Instituto Brasileiro de Direito Processual considerou essa decisão que deter-mina o pagamento como interlocutório. O que nos parece, considerando as classes de decisões existentes, em um entendimento acertado.

51 ANDRIGHI, Fátima Nancy. Aspectos da reforma do código de processo civil. Op. cit., p. 14.

52 MAZZEI, Rodrigo Reis; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Op. cit., p. 51.53 Da mesma posição: ALVIM, Jose Eduardo Carreira. Op. cit., p. 32.54 FERREIRA, Fernando Amâncio. Curso de processo de execução. 13. ed. Coimbra: Almedina,

2010. p. 54.

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10 As oPçÕes do rÉu e A Ação resCisóriA em CAso de reveliA

Como se pôde deduzir da explanação supra, o réu da ação monitória possui algumas opções ao se deparar com o mandado de pagamento ou en-trega de coisa.

Em primeiro lugar, poderá adimplir a obrigação. Realizando o paga-mento da obrigação dentro do prazo do mandado, “o réu será isento do pa-gamento das custas processuais” (art. 716, § 1º). Essa isenção é uma inovação do projeto do Código de Processo Civil. E, como não esclarece quem arcará com as custas, deixa transparecer que é uma isenção tributária, uma forma de exclusão do crédito tributário.

Outrossim, o suposto devedor pode manejar os embargos à ação mo-nitória. O CPC de 1973, com a alteração que incluiu a ação monitória (Lei nº 9.079/1995), previu que, interpostos os embargos, a ação passaria a ser regida pelo rito ordinário55. O Código de Processo Civil projetado não trouxe disposição semelhante. Entretanto, prevê que “os embargos podem se fun-dar em matéria passível de alegação como defesa no procedimento comum” (art. 717, § 1º), fazendo-se crer que os embargos seguirão o rito do procedi-mento comum.

Sendo os embargos à ação monitória integrais, impugnando todo o cré-dito, se julgados procedentes, a ação monitória será extinta. Por outro lado, “rejeitados os embargos, constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial, prosseguindo-se o processo em observância ao disposto no Título II do Livro I da Parte Especial, no que for cabível” (art. 717, § 8º).

Da sentença que julga procedente o “embargo monitório” pode ocorrer duas situações: (1) caso se julgue procedente por falta de requisitos necessá-rios para o ajuizamento da ação monitória, haverá desconstituição do man-dado injuntivo e impossibilitará o manejo de nova monitória; (2) se julgar procedente com base na questão de inexistência do direito do autor, a senten-ça assumirá um caráter declaratório negativo, não podendo o autor discutir o direito em novo processo em razão da formação da coisa julgada56.

55 Art. 1.102-C, § 2º: “Os embargos independem de prévia segurança do juízo e serão processados nos próprios autos, pelo procedimento ordinário”.

56 SANTOS, Ernane Fidelis dos. Op. cit., p. 177.

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O réu também poderá permanecer inerte, caso em que se opera a reve-lia. Conforme a dicção do Código projetado, “constituir-se-á de pleno direi-to o título executivo judicial, independentemente de qualquer formalidade, se não realizado o pagamento e não apresentados os embargos previstos no art. 717, observando-se, no que couber, o Título II do Livro I da Parte Espe-cial” (art. 716, § 2º). Ou seja, em caso de revelia o tratamento que se dá é a formação do título executivo judicial no qual a defesa posterior do réu, já na execução do título executivo, fica restrita às cabíveis ao cumprimento de sentença (art. 53957).

É importante asseverar que o regime anterior à Lei nº 11.232/2005 era mais benéfico ao réu revel58, uma vez que, ao determinar que, após a con-versão em mandado executivo, o procedimento seguisse o rito da execução de título executivo extrajudicial, permitia executado alegar toda a matéria deduzível para os embargos à execução59.

Anote-se que, quando estamos a falar de revelia do réu, está se refe-rindo à ausência de interposição de embargos à ação monitória. Como cedi-ço, a revelia não ocorre somente quando ausente a contestação, “há revelia quando o réu, citado, não aparece em juízo, apresentando a sua resposta, ou, comparecendo ao processo, também não apresenta a sua resposta tempesti-va. Não se pode confundir a revelia, que é um ato-fato, com a confissão ficta, que é um dos seus efeitos”60.

57 Art. 539, § 1º: “Na impugnação, o executado poderá alegar: I – falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia; II – ilegitimidade de parte; III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; IV – penhora incorreta ou avaliação errônea; V – excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; VI – incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução; VII – qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes ao trânsito em julgado da sentença”.

58 “Art. 1.102-C. No prazo previsto no artigo anterior, poderá o réu oferecer embargos, que suspenderão a eficácia do mandado inicial. Se os embargos não forem opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo e prosseguindo-se na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV.”

59 “Art. 745. Quando a execução se fundar em título extrajudicial, o devedor poderá alegar, em embargos, além das matérias previstas no art. 741, qualquer outra que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento.”

60 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 12. ed. Salvador: JusPodivm, v. 1, 2010. p. 521.

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Uma novidade que causa espécie é a expressa possibilidade de ajui-zamento de ação rescisória em face da decisão que deferir a expedição do mandado de pagamento em caso de revelia. É a redação do art. 716, § 3º: “É cabível ação rescisória da decisão prevista no caput quando ocorrer a hipótese do § 2º”.

Primeiro pelo fato de que a decisão inicial (antes de detectada à revelia) mais se assemelha à uma decisão interlocutória. O que poderia ser passível de discussão seria de uma decisão que declarasse a revelia, e não a decisão do caput que defere a expedição de mandado de pagamento. Então, ao apontar o decisum, o legislador parece ter se equivocado.

Outro problema que se constata é a opção de proteger o devedor con-siderado revel, abrindo-se a possibilidade da ação rescisória. Prima facie, a intenção do legislador era a de proteger o alegado devedor, pois o suposto credor poderia se utilizar de estratagemas para forçar a revelia. Assim, restou consignado que ação rescisória seria cabível.

Ocorre que o legislador não andou bem, pois, ao se nominar a ação res-cisória para os casos de revelia, acabou por estipular prazo de dois anos para o revel desconstituir o título judicial. Isso em um momento em que a doutri-na e jurisprudência já admitia a desconstituição do título executivo judicial após o prazo da ação rescisória. Didier Junior e Leonardo Cunha asseveram que, no direito processual civil brasileiro, há “duas hipóteses em que uma decisão judicial existente pode ser invalidada após o prazo da ação rescisória. É o caso da decisão proferida em desfavor do réu, em processo que correu à sua revelia, que porque não fora citado, quer porque o fora de maneira defeituosa”61. E arrematam dizendo que, “nesses casos, a decisão judicial está contaminada por vícios transrescisórios”62.

Portanto, a redação do CPC projetado no tocante à impugnação da re-velia mais atrapalha que beneficia o devedor, uma vez que, ao que parece, não acompanhou a evolução da temática acerca da impugnação das decisões judiciais.

61 DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Meios de impugnações as decisões judiciais e processo nos tribunais. 8. ed. Salvador: JusPodivm, v. 3, 2010. p. 451.

62 Idem, ibidem.

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11 AlgumAs QuestÕes ProCedimeNtAis dA NovA Ação moNitóriA

No que tange ao disciplinamento dos embargos à ação monitória no projeto do novo CPC, verifica-se que houve, na prática, uma incorporação da praxe judiciária, absorvendo-se posições consolidadas pela jurisprudência.

Pelo CPC projetado para a apresentação dos embargos, não é neces-sária a garantia do juízo (art. 717), seguindo a linha da execução de título extrajudicial. A defesa do réu do processo monitório deve ser realizada nos embargos, podendo se valer de qualquer matéria arguível no procedimento comum (art. 717, § 1º), e deve apontar o valor devido em caso de discordância com o montante do crédito indicado pelo autor (art. 717, § 2º). Nessa última hipótese, se o réu não indicar o valor devido, existe um ônus: o juiz deixa-rá de examinar a alegação de excesso. E se o único fundamento dos embar-gos for o excesso na cobrança, a indicação do valor devido transforma-se em pressuposto processual (art. 717, § 3º).

Seguindo a linha do pacificado no Enunciado nº 292 (a reconvenção é cabível na ação monitória, após a conversão do procedimento em ordinário) da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, previu-se a reconvenção do credor embargado. Vedou-se a reconvenção da reconvenção (art. 717, § 6º) e esclarece-se que o recurso cabível da decisão que acolhe ou rejeita os embargos é a apelação.

Com a finalidade de incentivar o pagamento e evitar a protelação do processo via embargos à ação monitória, o CPC projetado prevê que “o juiz condenará o réu que, de má-fé, opuser embargos à ação monitória ao paga-mento de multa de até dez por cento sobre o valor atribuído à causa, em favor do autor” (art. 717, § 11). O dispositivo não fala em agir de má-fé durante o processo, mas a simples má-fé na oposição dos embargos. A norma desperta interesse quando se tem em vista que o caput do art. 716 determina que o juiz deferirá a expedição de mandado de pagamento se evidente o direito do autor. Se a ordem de pagamento é expedida quando evidente o direito do credor, seria um tanto custoso imaginar uma hipótese de embargos improvidos sem que haja a condenação em má-fé.

Ainda na toada de estímulo ao pagamento voluntário, o art. 717, § 12, remete ao art. 932, que prevê que, “reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, mais cus-

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tas e honorários de advogado, faculta-se ao executado requerer, de forma motivada, seja admitido a pagar o restante em até seis parcelas mensais”.

Todavia, surge uma dúvida quanto ao dispositivo, o benefício é para quem faz o pagamento voluntário antes de interposto os embargos ou após o julgamento dos embargos? A questão toma corpo pela localização do be-nefício ao devedor. Enquanto o benefício da isenção das custas se encontra no § 1º do artigo anterior, benesse do parcelamento está depois de todo o regramento da interposição dos embargos à ação monitória. Tem-se ainda a discrepância na redação, pois, para a isenção das custas, consta explicitamen-te que o devedor, para a obtenção do benefício, deve cumprir o pagamento da obrigação no prazo do mandado. Destarte, conclui-se que a benesse do parcelamento do art. 932 aplica-se mesmo para o devedor que teve seus em-bargos julgados improcedentes.

No que tange aos efeitos da interposição dos embargos na ação moni-tória, houve uma alteração na disciplina. O Código de Processo Civil de 1973 acerca dispunha que, “no prazo previsto no art. 1.102-B, poderá o réu ofere-cer embargos, que suspenderão a eficácia do mandado inicial” (art. 1.102-C). Já o CPC projetado afirma que o manejo os embargos suspendem a própria ação monitória até o julgamento em primeiro grau (art. 717, § 4º).

Com a nova redação, a ação monitória fica mais próxima ao processo de execução originário do CPC de 1973, com a diferença de que a apresenta-ção dos embargos e a suspensão da execução dependiam de garantia, o que não ocorre na nova ação monitória.

O novo regramento deferindo ao autor a possibilidade de executar seu crédito mesmo sem o trânsito em julgado dos embargos à ação monitória acaba por aproximá-lo do processo executivo. E até soa estranho, pois não há previsão de que a tutela monitória se transforme em tutela executiva antes do trânsito em julgado. Tendo em vista que os embargos acabam por assemelhar a ação monitória à ação de conhecimento, teoricamente o mais correto seria que a satisfação do credor na pendência de recurso no “embargo monitório” seja por meio de “cumprimento provisório da sentença” contido nos arts. 534 e seguintes do projeto do novo CPC. Mas como se disse em linhas anteriores, a opção legislativa foi de aproximação com o processo executivo.

Um ponto que é, no mínimo, curioso é o comando legislativo de que o réu oponha o os embargos à ação monitória nos próprios autos da ação monitória. Isso porque isso causa conflito com o sistema recursal eleito para a decisão que julga o “embargo monitório”. Segundo o § 9º do art. 717, “cabe

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apelação contra a sentença que acolhe ou rejeita os embargos”. O projeto do novo CPC manteve incólume o procedimento no que tange o direcionamento e a remessa dos autos. A petição de apelação é dirigida ao juízo de primeiro grau e este remete dos autos ao tribunal (art. 1.023).

No caso dos embargos à ação monitória, como se prevê a interposição nos próprios autos da ação monitória, o procedimento da apelação se com-plica. Some-se a isso o fato da ausência de efeito suspensivo no recurso da apelação. O juiz de primeiro grau precisaria dos autos para dar continuidade à ação monitória e o tribunal também deles necessita para julgar a apelação. A solução não é das mais difíceis, e pode ser tomada de várias maneiras, mas seria conveniente uma uniformização do procedimento.

CoNsiderAçÕes FiNAis

A ação monitória ocorre por um procedimento bastante diferenciado e tem por finalidade a satisfação do credor de maneira mais célere. Os requi-sitos para o manejo da ação monitória são poucos, sendo o principal a prova escrita, que não se confunde com documento escrito.

Como visto, na técnica monitória, as decisões são marcadas pela aná-lise judicial da prova com base em juízo de verossimilhança, em cognição sumária. Não obstante, o projeto do novo Código de Processo Civil possui a redação de que o direito do autor terá que ser evidente para o deferimento da tutela monitória. Normatização que parece se distanciar da natureza ori-ginária do instituto.

Conquanto tenha se discutido sobre a natureza da ação monitória e sua normatização em países estrangeiros, como um procedimento que visa a uma maior celeridade processual e com isso melhor satisfação do credor, a ação monitória brasileira deve ser regulada de forma a atender esses objeti-vos considerando, sobretudo, a realidade nacional.

Quanto à questão procedimental, se verifica que caberá à doutrina e jurisprudência corrigir algumas imperfeições do projeto do novo Código de Processo Civil, uma vez que é impossível seguir a linha traçada na legislação, sob pena de total ineficácia da tutela monitória.

reFerÊNCiAs

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HiPoteCA judiCiÁriA: breves NoçÕes e suA NovA rouPAgem seguNdo o Projeto

do Novo Código de ProCesso Civilrodrigo mAzzei

Doutor (Fadisp) e Mestre (PUC/SP), Pós doutorando (UFES – bolsa Capes- -Reuni), Professor (Graduação e Mestrado) da Universidade Federal do

Espírito Santo (UFES), Vice-Presidente do Instituto dos Advogados do Estado do Espírito Santo (IAEES), Presidente da Escola Superior da Advocacia

(ESA-OAB/ES), Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

lucAs FernAndo dummer serp

Graduando em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, Membro do Grupo de Pesquisa “A Reconstrução do Processo

Civil Segundo o Modelo Democrático” (UFES), com estágio em pesquisa pelas Editoras Eppur si Muove (ESM) e JusPodivm.

RESUMO: A hipoteca judiciária é efeito anexo da sentença que con-dena a parte vencida ao pagamento de prestação consistente em di-nheiro ou coisa. É instituto de natureza bifronte, mantendo pontos de contato com o direito material e processual. Dotada de direito de sequela e de preferência, é importante instrumento para garantir a satisfação do crédito exequendo ao mesmo tempo em que contribui para a concretização da efetividade do processo. Em razão dessa ele-vada repercussão, o instituto ganha contornos ainda mais específi-cos no Projeto do Novo Código de Processo Civil, consolidando-se como mecanismo apto a viabilizar o resultado frutífero das deman-das judiciais.

PALAVRAS-CHAVE: Hipoteca judiciária; efeito anexo da sentença; direito de natureza bifronte; direito de sequela e de preferência; Pro-jeto do Novo Código de Processo Civil.

ABSTRACT: The judicial mortgage is a reflection effect of the sen-tence that condemns the defendant to pay an obligation in cash or anything. It is an institute of bifronte nature, keeping points of con-tact with the material and procedural law. The judicial mortgage is endowed with sequel and preemptive rights and it’s an important instrument to ensure a credit, at the same time as contribute to reali-ze the effectiveness of process. For this reason, this institute receives more details in the Project of The New Code of Civil Procedure, con-solidating as a mechanism to provide useful result of lawsuit.

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KEYWORDS: Judicial mortgage; reflection effect of the sentence; bifronte rights; sequel and pre-emption rights; project of The New Code of Civil Procedure.

SUMÁRIO: 1 Uma abordagem inicial; 2 A natureza jurídica da hi-poteca judiciária; 2.1 Direito de natureza processual?; 2.2 Direito de natureza material?; 2.3 Hipoteca judiciária como direito de natureza bifronte; 3 Hipoteca judiciária no Projeto do Novo Código de Proces-so Civil; Referências.

1 umA AbordAgem iNiCiAl

A figura jurídica em comento, no seu aspecto mais amplo – hipoteca – tem como eixo central as previsões contidas nos arts. 1.473 e seguintes do Código Civil, tendo seus contornos fixados como modalidade de direito real de garantia “em virtude do qual um bem imóvel remanesce na posse do de-vedor ou de terceiro, assegurando preferencialmente ao credor o pagamento de uma dívida”1.

A existência da hipoteca, vale ressaltar, está diretamente ligada às repercussões da obrigação principal. Consequências distintas se verificam, desse modo, quando há o inadimplemento da prestação, e, no lado oposto, quando se verifica o seu cumprimento. Na primeira e na segunda hipóteses, respectivamente, “o credor hipotecário pode sempre pôr termo à propriedade2 do devedor pela venda da coisa, e o devedor pode dar fim em qualquer mo-mento ao direito do credor pagando a dívida”3.

Importante realçar que, embora se firme uma teoria geral do direito hi-potecário a partir da chamada hipoteca convencional, a codificação civil – como manancial de regulações acerca do instituto – traz previsões que envolvem

1 No sentido (entre vários): FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6. ed. Rio de Janeiro: JusPodivm, 2012. p. 909.

2 Destaque não original, mas que se faz necessário, na medida em que – atualmente – é perfeitamente possível que a hipoteca tenha por objeto bem do devedor (ou de terceiro) que não é caracterizado pela propriedade (ao menos no seu conceito mais ortodoxo). No sentido, basta observar o rol do art. 1.473 do Código Civil que admite a hipoteca sobre alguns direitos reais sobre coisas alheias, como é o caso do direito de uso especial para fins de moradia, do direito real de uso e da “propriedade superficiária” (na verdade dos implantes decorrentes do direito de superfície). Com olhos na última situação, ainda que de forma breve, confira-se: MAZZEI, Rodrigo. Direito de superfície. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 197-206.

3 IHERING, Rudolf Von. Teoria simplificada da posse. Trad. Fernando Bragança. Belo Horizonte: Líder, 2004. p. 37.

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outras espécies, como a hipoteca legal (arts. 1.489-1.4914) e, em relação ao bem imóvel objeto de garantia, a hipoteca de vias férreas (arts. 1.502 a 1.5055). Há, ainda, as hipotecas cedulares – que são tratadas em leis especiais, des-tacando-se, no sentido, o Decreto-Lei nº 167, de 14.02.1967 (cédula hipotecá-ria rural) e o Decreto-Lei nº 413, de 19.01.1969 (cédula de crédito industrial), jungindo-se tais espécies ao sistema legal do Código Civil naquilo que não for incompatível com a legislação específica6.

Além do ambiente especial das hipotecas cedulares e do geral da co-dificação civil, há situação peculiar envolvendo a hipoteca que merece ser analisada, sendo tal questão a eleita como foco do presente estudo.

Com efeito, o Código de Processo Civil de 1973 traz a previsão da cha-mada hipoteca judiciária, consoante disposto em seu art. 4667, fixando-se,

4 “Art. 1.489. A lei confere hipoteca: I – às pessoas de direito público interno (art. 41) sobre os imóveis pertencentes aos encarregados da cobrança, guarda ou administração dos respectivos fundos e rendas; II – aos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias, antes de fazer o inventário do casal anterior; III – ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinquente, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais; IV – ao co-herdeiro, para garantia do seu quinhão ou torna da partilha, sobre o imóvel adjudicado ao herdeiro reponente; V – ao credor sobre o imóvel arrematado, para garantia do pagamento do restante do preço da arrematação. Art. 1.490. O credor da hipoteca legal, ou quem o represente, poderá, provando a insuficiência dos imóveis especializados, exigir do devedor que seja reforçado com outros. Art. 1.491. A hipoteca legal pode ser substituída por caução de títulos da dívida pública federal ou estadual, recebidos pelo valor de sua cotação mínima no ano corrente; ou por outra garantia, a critério do juiz, a requerimento do devedor.”

5 “Art. 1.502. As hipotecas sobre as estradas de ferro serão registradas no Município da estação inicial da respectiva linha. Art. 1.503. Os credores hipotecários não podem embaraçar a exploração da linha, nem contrariar as modificações, que a administração deliberar, no leito da estrada, em suas dependências, ou no seu material. Art. 1.504. A hipoteca será circunscrita à linha ou às linhas especificadas na escritura e ao respectivo material de exploração, no estado em que ao tempo da execução estiverem; mas os credores hipotecários poderão opor-se à venda da estrada, à de suas linhas, de seus ramais ou de parte considerável do material de exploração; bem como à fusão com outra empresa, sempre que com isso a garantia do débito enfraquecer. Art. 1.505. Na execução das hipotecas será intimado o representante da União ou do Estado, para, dentro em quinze dias, remir a estrada de ferro hipotecada, pagando o preço da arrematação ou da adjudicação.”

6 No sentido: SANTA MARIA, José Serpa de. Direito reais limitados. Brasília: Editora e Livraria Brasília Jurídica, 1993. p. 234-235.

7 Confira-se a redação do citado dispositivo: “Art. 466. A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos. Parágrafo único. A sentença condenatória produz a

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pois, a concepção de que a sentença que condenar o réu ao pagamento de uma prestação consistente em dinheiro ou em coisa valerá como título cons-titutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita pela Lei de Registros Públicos.

Em resenha, o Magistrado8 – por meio de expedição de mandado – determina a inscrição da sentença condenatória no registro geral de imóveis sobre patrimônio do (possível) futuro executado, valendo a sua decisão como título constitutivo da hipoteca judiciária. Portanto, a dicção da lei deixa claro que a sentença condenatória será o título para inscrição da hipoteca, situação que justifica a denominação do instituto (hipoteca judiciária), na medida em que o título detém raiz em processo judicial e a sua inscrição se dá por deter-minação de um juiz.

Assim, somente se poderá falar em constituição da hipoteca ju-dicial após o seu registro respectivo, nos termos do art. 167, I, “2”, da Lei nº 6.015/10739. Verifica-se, desse modo, que esta se submete ao regime geral do disposto no art. 1.227 do Código Civil10, no sentido de que os direitos reais imobiliários por atos entre vivos só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

hipoteca judiciária: I – embora a condenação seja genérica; II – pendente arresto de bens do devedor; III – ainda quando o credor possa promover a execução provisória da sentença”.

8 Não obstante seja mais usual o requerimento da parte interessada, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho já colaciona posicionamentos no que se refere à possibilidade de aplicação da hipoteca judiciária no direito processual do trabalho, por meio de ato oficioso do juiz. Nesse sentido: “[...] À luz da jurisprudência desta Corte e do art. 466, parágrafo único, do CPC, a hipoteca judiciária, instituto compatível com o processo do trabalho, decorre, por força da lei, da sentença condenatória proferida, sendo viável, portanto, sua determinação ex officio [...]” (TST, Autos nº 98600-73.2006.5.03.0087, TST-SBDI-1-E-RR, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, publ. 21.05.2010. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/web/guest/processos-do-tst>. Acesso em: 11 jul. 2014); “A hipoteca judiciária é medida de ordem pública, podendo ser constituída de ofício, independentemente de requerimento da parte, mesmo no juízo trabalhista. Há precedentes. [...]” (TST, Autos nº 159500-70.2008.5.03.113, 6ª Turma do TST, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, J. 05.02.2014. Disponível em: <http://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/121181253/recurso-de-revista-rr-1595007020085030113>. Acesso em: 11 jul. 2014.

9 “Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I – o registro: [...] 2) das hipotecas legais, judiciais e convencionais; [...]”

10 “Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.”

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Há, na doutrina, postura que defende que o objetivo último do instituto é evitar a fraude à execução (art. 593 do CPC11-12), um dos consagrados instru-mentos da tutela judicial da responsabilidade patrimonial, embora se deva entender que há diferenças entre os institutos e que tal comparação acaba por criar ambiente de desnível em relação às demais espécies de hipoteca13.

O que se deve compreender, pois, é que, com a inscrição da hipote-ca judiciária bens do devedor (fixados pelo juiz), passam a garantir a dívi-da proveniente do eventual não cumprimento da condenação sentencial. A execução fica garantida, desse modo, porque, mesmo que se aliene o bem, a vinculação dele à dívida continuará, aplicando-se, pela lógica, o princípio da sequela. Não há de se falar, em razão disso, na necessidade de se comprovar a má-fé de terceiro adquirente, requisito que é exigido para fins de reconhe-cimento da fraude à execução, conforme preceitua o Enunciado Sumulado nº 375 do STJ14. A particular finalidade da hipoteca judicial é, pois, garantir a plena exequibilidade das sentenças judiciais15, devendo, para tanto, aproxi-mar a figura jurídica do tipo real, sendo nociva a ideia de fixação do instituto apenas a partir de parâmetros (e fenômenos) processuais.

Embora seja um instrumento pouco utilizado na práxis forense, e isso se dá, principalmente, em razão de uma disciplina lacunosa e precária, a hipote-ca judiciária deve ser concebida como um importante meio para a persecução da efetividade da tutela jurisdicional e a busca pela celeridade processual, que é um clamor dos jurisdicionados e interesse maior do Estado16.

11 No sentido: “Hipoteca judicial. É efeito secundário e imediato da sentença que visa resguardar o interessado de eventual e futura fraude. Para ter eficácia contra terceiros, exige inscrição e especialização, considerando-se em fraude de execução toda e qualquer transação que lhe seja posterior (LRP 16712)” (NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 591).

12 Há autores que parecem confundir os institutos, equiparando-os de alguma maneira. Silvio Venosa afirma, por exemplo, que “a disposição (hipoteca judicial) perde utilidade perante os princípios da fraude de execução” (Direito civil – Direitos reais. 9. ed. São Paulo: Atlas, v. 5, 2009. p. 518).

13 Ponto apreciado adiante com mais vagar no presente trabalho quando examinado o texto do novo Código de Processo Civil.

14 Súmula nº 375 do STJ: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

15 No sentido: TST, AI-RR 776-21.2010.5.03.0105, 4ª T., Rel. Min. Fernando Eizo Ono, J. 24.04.2013, DJ 10.05.2013.

16 Como adiante abordaremos, a hipoteca judiciária é extremamente útil, notadamente quando conjugada com a liquidação de sentença prévia, isto é, sendo apresentada de forma antecipada (antes do trânsito em julgado), possibilidade esta que se extrai do disposto no

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2 A NAtureZA jurÍdiCA dA HiPoteCA judiCiÁriA

A formalização da hipoteca judiciária é uma faculdade do litigante que obtém sentença condenatória a seu favor, condenando a contraparte numa obrigação de prestar quantia ou coisa, formalizando em favor do primeiro garantia para eventual inadimplemento quando do vencimento da obriga-ção. Mais do que uma faculdade, tem-se trilhado a ideia de que a hipoteca ju-diciária deve ser vista na teoria processual como efeito da sentença, lapidado por alguns como efeito secundário ou efeito anexo da sentença17.

2.1 direito de natureza processual?

Sobre os efeitos da sentença, Enrico Tulio Liebman, em sua clássica obra Eficácia e autoridade da sentença, ensina que, além daqueles efeitos que são diretamente inerentes ao próprio objeto da demanda, isto é, ao litígio que na ação se discute (eficácia direta do provimento jurisdicional), em cer-tas situações a sentença produz efeitos que independem da vontade do Ma-gistrado ou das partes18. Verifica-se, desse modo, que os chamados efeitos secundários, anexos, ou ainda reflexos da sentença existem em razão de um fato jurídico, que nada mais é que a própria sentença. É nessa concepção que se toma a hipoteca judiciária, que é construída per si, independente de prévia postulação da parte na petição inicial e sem necessidade de menção expressa, pelo juiz, no bojo da sentença.

§ 2º do art. 475-A do CPC atual, confira-se: “Art. 475-A. [...] § 2º A liquidação poderá ser requerida na pendência de recurso, processando-se em autos apartados, no juízo de origem, cumprindo ao liquidante instruir o pedido com cópias das peças processuais pertinente” (há no Projeto do CPC dispositivo semelhante, a saber: art. 526. A liquidação poderá ser realizada na pendência de recurso, processando-se em autos apartados no juízo de origem, cumprindo ao liquidante instruir o pedido com cópias das peças processuais pertinentes). Sobre liquidação de sentença, em especial quanto à possibilidade de ser efetuada antes do trânsito em julgado, confira-se: MAZZEI, Rodrigo. Reforma do CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 160-162.

17 No sentido: “Ratificando a previsão de que a sentença condenatória constitui hipoteca judiciária, o parágrafo único do art. 466 do CPC explicita tal efeito anexo imediato da sentença, ao estabelecer que ‘a sentença condenatória produz a hipoteca judiciária’. O verbo produz está para efeito anexo imediato, como a metáfora está para a poesia” (CLAUS, Ben-Hur Silveira. Hipoteca judiciária: a (re)descoberta do instituto diante da Súmula nº 375 do STJ – Execução efetiva e atualidade da hipoteca judiciária. Disponível em: <http://www.lex.com.br/doutrina_25510822_HIPOTECA_JUDICIARIA_A_RE_DESCOBERTA_DO_INSTITUTO_DIANTE_DA_SUMULA_N_375_DO_STJ__EXECUCAO_EFETIVA_E_ATUALIDADE_DA_HIPOTECA_JUDICIARIA.aspx>. Acesso em: 30 jun. 2014).

18 LIEBMAN, Erico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Trad. Alfredo Buzaid, Benvindo Aires e Ada Pellegrini Grinover. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 72.

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Partindo dessa premissa, alguns autores como – por exemplo – Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias entendem ser a hipoteca judiciária um direito de cunho processual. No sentido, afirmam os citados juristas que

não se pode cogitar de preferência sobre os bens do devedor, em virtude de um débito comum, justamente pelo fato de a hipoteca judicial não ser um direito real. Aliás, a sua índole meramente processual explica por que foi extirpada do Código Civil de 2002.19-20

2.2 direito de natureza material?

A parte mais tradicional da doutrina civilista, representada pelos auto-res que defenderam seus posicionamentos num contexto anterior à vigência do Código Civil de 2002, costuma sustentar a tese de que natureza jurídica da hipoteca judicial tem cunho propriamente de direito material, ou seja, é uma espécie do tipo hipoteca enquanto figura de direito real. Caio Mario, nes-se sentido, enquadra a hipoteca judicial como modalidade de hipoteca legal (art. 1.489 do Código Civil), dotada de direito de sequela, mas sem o atributo da preferência21. De forma próxima, Luciano de Camargo Penteado trata a hi-poteca judiciária juntamente com a hipoteca legal, devendo ser especializada para que irradie seus regulares efeitos22-23.

19 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 929.20 Dando sinais de concordar com a afirmativa, Flávio Tartuce afirma que a análise vertical

do instituto deve ser feita a partir da ótica do direito processual civil, e não do direito civil (Direito civil. Direito das coisas. 6. ed. São Paulo: Método, v. 4, 2014. p. 521).

21 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – Direitos reais. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 4, 2012. p. 344.

22 PENTEADO, Luciano de Camargo. Manual de direito civil: coisas. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 323.

23 No sentido: “[...] Não obstante constitua a hipoteca judiciária efeito secundário próprio da sentença (que condena o devedor à prestação em dinheiro ou coisa), instituindo-se independentemente do trânsito em julgado, afigura-se imprescindível sua especialização, como forma de individualização do bem a respaldar a obrigação e a oportunizar a intervenção do devedor nesse procedimento. 3.3 Assim, embora a lei concretamente não estabeleça um procedimento próprio para a efetivação da hipoteca judiciária, em possuindo os institutos objetivos e características semelhantes, é indelével a viabilidade de aplicação analógica dos preceitos concernentes à hipoteca legal àquela outra modalidade de garantia. 3.4 Há que se ter em perspectiva uma interpretação sistemática associada ao conteúdo do art. 620 do CPC, porquanto embora tal preceito legal assegure a menor devassa possível ao patrimônio do devedor na fase de ultimação da obrigação, de outro lado, por constituir emanação direta de princípio de envergadura constitucional (art. 1º, III, da CF/1988), também irradia efeitos no estágio incipiente em que surge a hipoteca judicial, ou seja, quando o crédito ainda não está definitivamente constituído, sujeito a objeções e questionamentos. [...]. 4. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta

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Muito do que se extrai dessas posições doutrinárias é, na verdade, um destrinchar da ideia contida no art. 824 do Código Civil de 191624. Nesse sentido, fala-se que ao gravame posto no bem por intermédio da hipoteca judi ciária é assegurado o direito de sequela contra os adquirentes que o ad-quiriram após o registro. Negava-se majoritariamente, com base no citado dispositivo, o direito de preferência, diante da exclusão contida na parte final da redação do próprio art. 824, muito embora não fosse a questão pacífica25-26.

Com efeito, Washington de Barros Monteiro defende que a hipoteca judiciária é um direito real que se confere ao exequente sobre bens do execu-tado, objetivando garantir a execução do julgado27. Em trilha próxima, Pontes de Miranda afirma que a hipoteca judicial se operacionaliza como qualquer outra hipoteca. Para o jurista, “a hipoteca judiciária é plus – cria vínculo real, de modo que, na execução imediata ou mediata, está o vencedor munido de direito de sequela, que não tinha”28.

Percebe-se, pela análise dos argumentos sustentados por tais doutri-nadores, que a análise que faziam sobre a hipoteca judiciária estava muito ligada aos contornos que o Código Civil de 1916 estipulava. Não se trata de

extensão, provido para anular a hipoteca judiciária efetuada nos presentes autos, sem prejuízo de nova constituição da garantia, observado o contraditório no respectivo procedimento” (STJ, REsp 1120024/SP, 4ª T., Rel. Min. Marco Buzzi, J. 13.11.2012, DJe 28.06.2013).

24 Código Civil de 1916: “Art. 846. Compete ao exequente o direito de prosseguir na execução da sentença contra os adquirentes dos bens do condenado; mas, para ser oposto a terceiros, conforme valer e sem preferência, depende de inscrição e especialização”.

25 Como pontuado por Dacy Bessone, para se compreender a exclusão do direito de preferência tracejado no art. 824 do Código Civil de 1916 (que era, no particular, contrário à principiologia da hipoteca), acabou se formando várias correntes doutrinárias sobre o assunto: “Os comentadores do texto [art. 824 do CC/1916] não se entendem a respeito da ressalva. Uns consideram que a letra da lei exclui o direito de preferência, que é próprio da hipoteca; outros pretendem que, se as disposições legais conferem direito de preferência ao credor hipotecário, a referida ressalva carece de alcance; outros, tentando a conciliação entre as duas correntes, sustentam que a hipoteca judicial não confere preferência em relação aos credores contemporâneo a sua constituição, mas a estabelece em relação ao credores futuros” (Direitos reais. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 406-407).

26 Fausto Pereira de Lacerda Filho, embora não negasse que o direito de sequela foi inerente à hipoteca judiciária, adotava posição de que – por carecer do direito de preferência – a classificação do instituto em estudo como hipoteca era equivocada (Hipoteca. Curitiba: Juruá, 1977. p. 59).

27 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das coisas. 38. ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 426.

28 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro. Forense, t. V, 1974. p. 111.

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postura ultrapassada, pois parcela da doutrina ainda sustenta esse posiciona-mento, reproduzindo ideias aqui plasmadas. Mas o fato é que deve ser reali-zada uma nova interpretação em relação a essa temática, de maneira que seja mais voltada ao sistema jurídico atual e aos ditames constitucionais previstos na Carta Magna de 198829.

2.3 Hipoteca judiciária como direito de natureza bifronteMuito além da discussão dicotômica existente em relação à natureza

jurídica processual ou material de um direito, aponta-se aqui uma terceira vertente que se mostra eficaz para enquadrar institutos jurídicos complexos, como é o caso da hipoteca judiciária.

Pensamos, pois, que é perfeitamente possível que alguns institutos – diante das suas peculiaridades – possam ter características mistas (hibridas), tendo em seu núcleo, simultaneamente, cargas de direito material e de di-reito processual. São os chamados institutos bifrontes, em que se tem numa mesma figura, a partir do ângulo de leitura que se efetua, consequências não apenas no âmbito processual, como também resultados no plano material30. Ainda que a abordagem não seja exata a que aqui é apresentada, percebe--se, mesmo que de forma ligeira, que tal fenômeno já foi vislumbrado por Liebman e por Dinamarco31.

29 Sem dúvida, com a Carta Constitucional de 1988, há a necessidade de releitura de todo ordenamento jurídico infraconstitucional, do qual não desapega o direito processual e os seus institutos. No sentido, confira-se: Rodrigo Mazzei (Embargos de declaração: recurso de saneamento com função constitucional. Tese de Doutoramento. Orientador: Professor Dr. Eduardo Arruda Alvim. São Paulo: Fadisp, 2012. p. 05), Eduardo Arruda Alvim (Direito processual civil. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 104), José Rogério Cruz e Tucci (Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos de Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 7), Hermes Zaneti Junior (Processo constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 191) e Luiz Guilherme Marinoni (Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 229-230). Correta, pois, a assertiva de Salvatore Patti (Codificazione ed evoluzione del diritto privato. 1. ed. Roma: Laterza, 1999. p. 17-18) de que – com a mudança do paradigma constitucional – os dispositivos codificados anteriores à Carta Magna devem receber nova leitura compatível com os ditames constitucionais. Eleanora Ceccherini, por sua vez, afirma que as disposições devem refletir o Estado Democrático que se pretende (La codificazione dei diritti nelle recenti constituzioni. Milano: Giuffrè Editore, 2002, em especial p. 53-63).

30 Confira-se, no sentido, MAZZEI, Rodrigo. Enfoque processual do art. 928 do Código Civil. RBDPro – Revista Brasileira de Direito Processual, n. 59, p. 48-51; MAZZEI, Rodrigo. Algumas notas sobre o (“dispensável”) artigo 232 do Código Civil. In: DIDIER JR., Fredie; MAZZEI, Rodrigo (Coord.). Prova, exame médico e presunção: o artigo 232 do Código Civil. Salvador: JusPodivm, 2006. p. 261-262.

31 Aproveitamos aqui a expressão (bifronte) já trazida em estudo de Enrico Tullio Liebman ao examinar as normas processuais contidas no Código Civil italiano de 1942 (Norma

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Entende-se, desse modo, que a hipoteca judiciária, não obstante tenha natureza processual (até porque somente poderá ter raiz a partir de decisão condenatória judicial), guarda em seu núcleo elementos de direito material (tanto assim que para a sua constituição é mister seu registro imobiliário, em atenção ao disposto no art. 1.227 do Código Civil, tendo, por outro lado, seu objeto limitado ao rol de bens que podem servir de bandeja à formação da hipoteca, conforme previsto no art. 1.473 do Código Civil32).

No que tange à segunda faceta acima exposta (ponto de contato exis-tente entre a hipoteca judiciária e o direito material), é possível estabelecer outras comunicações do instituto em acato com as principais diretrizes dos direitos reais, como o princípio da taxatividade (visto que os tipos reais de-vem estar devidamente previstos na legislação) e o princípio da tipicida-de (que preconiza que o conteúdo de tais direitos estará contido em tipos legais)33.

Mas não é só: uma característica intrínseca aos direitos reais é a sua eficácia global, isto é, desde que devidamente registrados, passam a ter efi-

processuali nel codice civile. Problemi del processo civile. Milano: Morano Editores, 1962. p. 158). No Brasil, com a utilização da mesma expressão, há registro da doutrina de Cândido Rangel Dinamarco: “A ação, a competência, a coisa julgada e a responsabilidade patrimonial, recebendo do direito processual parte de sua disciplina (na sua técnica), mas também dizendo respeito a situações dos sujeitos fora do processo (às vezes, até antes dele), compõem um setor que a doutrina já denominou de direito processual material (Chiovenda). Elas são, portanto, institutos bifrontes: só no processo aparecem de modo explícito em casos concretos, mas são integrados por um intenso coeficiente de elementos definidos pelo direito material e – o é que mais importante – de algum modo dizem respeito à própria vida dos sujeitos e suas relações entre si e com os bens da vida. Constituem pontes de passagem entre o direito e o processo, ou seja, entre o plano substancial e o processual do ordenamento jurídico (Calamandrei)” (Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, v. I, 2001. p. 44).

32 “Art. 1.473. Podem ser objeto de hipoteca: I – os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles; II – o domínio direto; III – o domínio útil; IV – as estradas de ferro; V – os recursos naturais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde se acham; VI – os navios; VII – as aeronaves; VIII – o direito de uso especial para fins de moradia; IX – o direito real de uso; X – a propriedade superficiária. § 1º A hipoteca dos navios e das aeronaves reger-se-á pelo disposto em lei especial. § 2º Os direitos de garantia instituídos nas hipóteses dos incisos IX e X do caput deste artigo ficam limitados à duração da concessão ou direito de superfície, caso tenham sido transferidos por período determinado.”

33 Com boa abordagem sobre as diretrizes aplicáveis aos direitos reais, vale conferir: ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Breves anotações para uma teoria geral dos direitos reais. In: CAHALI, Yussef Said (Org.). Posse e propriedade: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 39-67.

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cácia global, sendo, portanto, oponíveis erga omnes34. Preenchido esse requi-sito, é possível visualizar outros atributos, como o direito de sequela e o de preferência. Pelo primeiro, o titular do direito real pode perseguir a coisa onde quer que ela esteja, mesmo estando em poder de terceiros. Já o direito de preferência representa um privilégio que o titular do direito real possui. Trata-se de uma prerrogativa que, predominantemente, está presente nos di-reitos reais de garantia, de posição prioritária no recebimento dos créditos decorrentes da alienação da coisa35.

Desse modo, o credor hipotecário tem preferência em obter a satisfação de um crédito em relação aos demais credores (quirografários) do devedor que não possuem tal garantia, exceto quando existir créditos que tenham pre-lação em decorrência de outras leis, como, por exemplo, no caso da falência36. Assim, o bem que garante a dívida contraída pelo devedor será protegido em favor do credor que tem a coisa afetada por garantia real. Colocados os principais aspectos dos direitos reais, é perfeitamente possível afirmar que a hipoteca judiciária possui ponto de contato com eles, pois:

(a) obedece ao princípio da taxatividade;

(b) submete-se aos contornos traçados pela tipicidade;

(c) depois de registrada no Cartório de Registro de Imóveis, possui eficácia erga omnes;

(d) o exequente deterá direito de sequela e de preferência.

34 Um dos argumentos que afasta a posse como direito real, inclusive, é justamente a impossibilidade de se considerá-la erga omnes, pois há situações em que o terceiro de boa- -fé não poderá ser alcançado por postulação do possuidor (art. 1.212 do Código Civil), ao contrário da regra do caput do art. 1.228 do Código Civil – aplicável a toda espécie (tipo) de direito real, com suas devidas adaptações – para afastar qualquer pessoa que esteja causando embaraço ao exercício das faculdades conferidas ao titular do direito real.

35 Fazendo uma análise ampla do dueto preferência e sequela aplicado à hipoteca (gênero), Darcy Bessone afirma que: “Afeta-se um imóvel à garantia de uma obrigação, de tal modo que, da afetação, resultam o direito de preferência, oponível aos demais credores do devedor comum, e o direito de sequela, que, no que interessar a eficácia da garantia hipotecária, se opõe a qualquer direito real ou de outra natureza. Já esta visto que o direito de preferência consiste no de pagar-se o credor hipotecário, pelo produto da alienação da coisa, antes e com exclusão de qualquer outro credor. Também é sabido que o direito de seqüela autoriza a perseguição da coisa, para garantir-se a dívida a que ela se vinculara realmente” (Direitos reais. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 391).

36 AQUINO, Leonardo Gomes de. Garantias reais: disposições gerais do penhor, da hipoteca e da anticrese. Disponível em: <http://www.academia.edu/2547061/Garantias_reais_disposicoes_gerais_do_penhor_da_hipoteca_e_da_anticrese>. Acesso em: 18 jul. 2014.

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Importante realçar, ainda que com risco de ser repetitivo, que os argu-mentos de que a hipoteca judiciária não contempla o direito de preferência estão, atualmente, esvaziados, pois, com a revogação do art. 824 do Código Civil de 1916 (dotado de infeliz redação), não há no sistema qualquer regra que permita – de forma segura – fazer tal exceção de encaixe da figura jurídi-ca nas diretrizes gerais da hipoteca e dos direitos reais.

Configura-se, desse modo, como um instituto dotado de notável im-portância no sistema jurídico, visto que permite a especificação de bens parti-culares do patrimônio do devedor de modo a servir de base para uma futura execução, possuindo ainda preferência em caso de excussão ou adjudicação do bem37.

Noutro rumo, é forçoso reconhecer que a hipoteca judiciária comunica--se amplamente com o direito processual. É, pois, efeito anexo da sentença condenatória. Um atributo que o legislador concedeu ao provimento juris-dicional final, portanto. Ao analisar tal situação, verifica-se que o objetivo primordial da hipoteca judicial é garantir uma (possível) execução futura ou até mesmo provisória.

Assim, não há que se conceber tal instituto sem se valer das regras fun-damentais atinentes à hipoteca, uma variação de um tipo de direito real de garantia previsto na codificação civil, ao mesmo tempo em que não há como imaginá-lo fora da esfera do processo civil38.

O presente estudo, pelas razões expostas, considera a hipoteca judiciá-ria como figura jurídica bifronte: atua como um instrumento destinado a dar efetividade ao processo, ao passo que, sem perder o vínculo com o direito material, guarda consigo elementos típicos de direitos reais, tais como o di-reito de sequela e, tendo em vista que não há nenhum impedimento para tal, o direito de preferência.

Trata-se de um instituto que permite (e necessita de) uma interação entre o plano material e processual. Nessa esteira, é salutar a colocação de Antônio Augusto Bello Ribeiro da Cruz, que dispõe que a hipoteca judicial: “Pode ser visto como um instituto do direito civil, pois neste está contido o

37 No sentido, com boa fundamentação, confira-se: BUFULIN, Augusto Passamani. Hipoteca: constituição, eficácia e extinção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 136.

38 Situação semelhante à figura do “parcelamento legal”, prevista no art. 745-A do CPC. No tema, confira-se. MAZZEI, Rodrigo. Reforma do CPC 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 601-621.

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gênero do qual é espécie. Também é escopo do direito processual por ter ga-nhado vida para servi-lo”39.

3 HiPoteCA judiCiÁriA No Projeto do Novo Código de ProCesso Civil

O Projeto de Lei nº 8.046, de 2010, representa o arquétipo para a ins-tauração de um novo sistema processual civil no ordenamento pátrio. De ini-ciativa do Senado Federal (PLS 166/2010), o projeto, naquela ocasião, contou com uma comissão presidida pelo Ministro Luiz Fux e contou com notáveis juristas como integrantes. A ideologia norteadora do projeto, vale dizer, foi trazer maior celeridade à prestação jurisdicional, efetividade ao resultado da ação, estímulo à inovação e à modernização de procedimentos e técnicas pro-cessuais, tudo isso em consonância com a promessa constitucional da dura-ção razoável do processo40.

A criação de um novo código, nesse contexto, tem objetivos múltiplos, como extirpar contradições eventualmente existentes, consolidar no âmbito do direito positivo entendimentos jurisprudenciais41 e doutrinários consoli-dados, desburocratizar procedimentos e, até mesmo, inovar no que for cabí-vel, quando a experiência cotidiana assim o exigir e os interesses políticos se mostrarem convenientes. Trata-se, pois, de verdadeiro processo de recodifi­cação42.

39 CRUZ, Antônio Augusto Bello Ribeiro da. A hipoteca judiciária e o novo Código Civil: Morte ou renascimento? Disponível em: <http://blog.newtonpaiva.br/direito/wp-content/uploads/2012/08/PDF-D6-02.pdf.>. Acesso em: 28 jun. 2014.

40 Ato do Presidente do Senado Federal nº 379, de 2009. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2014.

41 “O projeto elaborado pela comissão de juristas e agora revisto pelo Senado estabelece claramente os propósito que persegue no sentido de dar cumprimento a alguns objetivos identificados como adequados à ordem jurídica processual contemporânea, tendo como plano de fundo, evidentemente, a celeridade. Dentre esses se pode claramente identificar o propósito de [...] prestigiar posições consolidadas, na tentativa de instituir uma espécie de efeito commonlawlizante à civil law brasileira, através da busca da previsibilidade das decisões jurisdicionais, no sentido de oferecer maior segurança jurídica.” (Comentários ao Projeto de Lei nº 8.046/2010 – Proposta de um novo Código de Processo Civil. In: MACEDO, Elaine Harzheim (Org.). EdiPUCRS, 2012. p. 25. Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/Ebooks/Pdf/978-85-397-0300-5.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2014.

42 Sobre a edificação de nova codificação, valendo-se do processo de recodificação (ainda que com olhos para o Código Civil de 2002), confira-se: MAZZEI, Rodrigo. Notas iniciais à leitura do novo Código Civil. In: ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza (Org.). Comentários ao Código Civil brasileiro. Parte geral. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2005. p. LXVII-LXIX.

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Embora contenha algumas vacilações em seu texto, no que tange à re-gulamentação da hipoteca judiciária, o projeto trouxe notáveis e importantes alterações.

No projeto original, desenvolvido por comissão formada no Senado Federal, o dispositivo que regulamentava o instituto avançou timidamente. Naquela oportunidade, mantendo-se a redação do art. 466 do texto vigente, apenas houve preocupação no sentido de regular, de forma mais detalhada, o procedimento a ser realizado para a constituição da hipoteca judiciária. Preceituava o art. 482 da versão do Senado, nesses termos, que a hipoteca judiciária será realizada mediante apresentação de cópia da sentença perante o cartório de registro imobiliário, independente de ordem judicial43.

Pois bem. Como prevê a legislação constitucional, o processo de cria-ção de leis obedece a uma série de regras. Sendo assim, e conforme previsto no art. 6544 da Carta Constitucional de 1988, o PL 8.046/2010 foi encaminhado à Câmara dos Deputados, onde passou por um crivo de análise, discussão e votação e assumiu uma nova feição, com inclusão de uma série de emendas.

Agora regulada no art. 506 do projeto, a hipoteca judiciária, do ponto de vista topológico, não sofreu significativa mudança. Está, pois, disciplina-da no Capítulo XIV (Da Sentença e Da Coisa Julgada), na Seção II (Dos ele-mentos, dos requisitos e dos efeitos da sentença). É digno de nota, por outro lado, que uma análise despretensiosa do dispositivo já permite conduzir à conclusão de que, desta vez, o Legislativo buscou tratar do instituto de forma mais detalhada.

Feitas as considerações breves sobre o texto projetado, a redação do art. 50645 possui o seguinte teor:

43 “Art. 482. A sentença que condenar o réu ao pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária: § 1º A sentença condenatória produz a hipoteca judiciária: I – embora a condenação seja genérica; II – pendente arresto de bens do devedor; III – ainda quando o credor possa promover a execução provisória da sentença.” (Texto disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=921859&filename=Avulso+-PL+8046/2010>. Acesso em: 29 out. 2014).

44 “Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar. Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.”

45 Tomou-se como base neste artigo o texto aprovado em Plenário na Câmara dos Deputados no dia 26.03.2014.

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Art. 506. A decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consis-tente em dinheiro e a que determinar a conversão de prestação de fazer, de não-fazer ou de dar coisa em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária.§ 1º A decisão produz a hipoteca judiciária:I – embora a condenação seja genérica;II – ainda que o credor possa promover o cumprimento provisório da sen-tença ou esteja pendente arresto sobre bem do devedor;III – mesmo que seja impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo.§ 2º A hipoteca judiciária poderá ser realizada mediante apresentação de cópia da sentença perante o cartório de registro imobiliário, independen-temente de ordem judicial, de declaração expressa do juiz ou de demons-tração de urgência.§ 3º No prazo de até quinze dias da data de realização da hipoteca, a parte informá-la-á ao juízo da causa, que determinará a intimação da outra parte para que tome ciência do ato.§ 4º A hipoteca judiciária, uma vez constituída, implicará, para o credor hipotecário, o direito de preferência quanto ao pagamento, em relação a outros credores, observada a prioridade no registro.§ 5º Sobrevindo a reforma ou a invalidação da decisão que impôs o paga-mento de quantia, a parte responderá, independentemente de culpa, pelos danos que a outra parte tiver sofrido em razão da constituição da garantia, devendo o valor da indenização ser liquidado e executado nos próprios autos.

Após anos a fio sendo desprestigiada pelo legislador e pela jurispru-dência, aquele por dispor de uma disciplina lacunosa para o instituto e esta por ter receio em aplicá-la nas decisões, a hipoteca judiciária, enfim, parece ganhar algum destaque na esfera da legislação processual.

A ampliação dos regramentos da hipoteca judiciária no projeto vem a revelar a efetivação de um de seus escopos, que é justamente o primor pela efetividade do processo. Ora, abrindo essa possibilidade, o objetivo da hipo-teca judicial de garantir uma execução ganha contornos ainda mais relevan-tes na nova sistemática processual.

Ao destrinchar, pois, as expressões constantes no art. 506 do projeto, é possível verificar mudanças e inovações.

É digno de nota, primeiramente, que, enquanto o art. 466 do Código de Processo Civil de 1973, em vigência, fala em “sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação”, o projeto preceitua que a decisão condenatória

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que se adequar ao tipo legislativo valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária.

Sobre tal aspecto, o legislador parece ter ampliado o rol de vetores ca-pazes de constituir a hipoteca judiciária, não sendo a sentença (ou acórdão que a substituir) a opção única. Tal constatação, na nossa visão, assume impor-tância diante da previsão da resolução parcial de mérito (art. 361, parágrafo único, do NCPC46), visto que a redação mais genérica do dispositivo do texto projetado permite o encaixe de tal dicção decisória (que não é uma sentença propriamente dita, notadamente se analisarmos a questão topográfica). Mais ainda, pode ser cogitar – em casos excepcionais – a constituição da hipoteca judiciária por tutela antecipatória de urgência, situação invulgar no sistema atual e que demanda uma inteligência simbiótica aberta dos arts. 273 e 466 da codificação processual civil de 197347. Ora, sendo a hipoteca judiciária efei-to secundário da sentença condenatória, abre-se a possibilidade de a parte autora requerer ao Juízo a antecipação desse efeito secundário com base no art. 273 do Código vigente.

Em relação à espécie de condenação que enseja a constituição da hipo-teca judiciária, o projeto sedimenta algo que já é lógico. Tem-se, desse modo, que a condenação deve consistir no pagamento de prestação consistente em dinheiro ou naquela que determinar a conversão da prestação de fazer, de não-fazer ou de dar coisa em prestação pecuniária.

Parece certo, nesse contexto, que o instituto tem incidência nas execu-ções pecuniárias, que afetam, por via principal, o patrimônio do devedor. Assim, à primeira vista, não faria muito sentido conceber a hipoteca judi-ciária nas tutelas específicas. No entanto, a partir do momento em que se torna inviável a obtenção dessa tutela, uma das possibilidades do exequente é requerer a conversão da obrigação em perdas e danos. É o que se chama de subsidiariedade da execução por quantia. Nessa esteira, sendo o objeto da prestação de cunho patrimonial, não há óbices para a constituição da hipote-ca judiciária.

Vale notar que a nova redação pode permitir raciocínio (que entende-mos como correto) de que é possível se cogitar a configuração da hipoteca

46 “Art. 361. Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 495 e 497, incisos II e III, o juiz proferirá sentença. Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput pode dizer respeito a apenas parcela do processo, caso em que será impugnável por agravo de instrumento.”

47 No sentido: TJDF, AI 1999.00.2003430-3, 3ª T.Cív., J. 02.10.2000, v.u.; TJES, AI 11009000560, 4ª C.Cív., J. 05.11.2001, DJ 03.12.2001.

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judiciária nas sentenças que homologam transação e fixam obrigações pecu-niárias, pois a inteligência do dispositivo indica que se trata de regramento que visa a garantir o cumprimento de obrigação pecuniária fixada no âmbito judicial, não podendo, de tal modo, descartar as decisões homologatórias de transação.

Ao se admitir o uso da hipoteca judiciária de modo amplo, alcançando a hipótese aqui versada, fará com que a transação judicial (solução amigável homologada judicialmente) seja bastante atraente ao credor, pois este terá a seu favor um instrumento de garantia em relação ao cumprimento da obri-gação pecuniária, seja em relação ao que foi avençado especificamente para pagamento ou por conversão pecuniária da prestação de fazer, de não-fazer ou de dar coisa fixada na transação. Mais ainda, permitirá que terceiro (que não figure como parte no processo) possa intervir na transação e indique bem de seu patrimônio para garantir o cumprimento da avença a ser homologada judicialmente, tendo em vista não existir qualquer restrição no sentido no art. 1.420 do Código Civil48-49.

Verifica-se, nessas condições, que “qualquer decisão judicial a que a lei atribua eficácia condenatória imediata ou mediata, ainda que não seja ação de condenação e só se refira a custas, é inscretível”50-51.

Os incisos do art. 506, § 1º, por sua vez, repetem o texto do parágrafo único do art. 466 do Código vigente. Tem-se, como resultado, que a hipoteca judicial se constitui ainda que a condenação seja genérica, mesmo existindo outras válvulas processuais e também na hipótese de haver execução provi-sória.

Noutro rumo, os demais parágrafos do dispositivo apresentam enorme conquista para a efetivação, no caso concreto, da hipoteca judiciária.

48 “Art. 1.420. Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese; só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca.”

49 Na verdade, o sistema autoriza que o terceiro empenhe garantia real em favor do devedor, consoante pode se extrair da inteligência do art. 1.427, que dispõe: “Salvo cláusula expressa, o terceiro que presta garantia real por dívida alheia não fica obrigado a substituí- -la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize”.

50 MIRANDA, Pontes de. Op. cit., p. 115.51 “Quanto ao conceito de sentença condenatória, é o mais amplo possível, pois o texto fala

em condenar, seja a que título for... Trata-se de sentença que imponha o dever de adimplir, de cumprir, de pagar, e possa, por isso, constituir título executivo judicial.” (MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Hipoteca judiciária. Revista de Processo, v. 51, jul. 1988.

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Com efeito, o § 2º do art. 506 mantém a regra prevista na versão origi-nal do projeto, relativa à regulamentação procedimental do instituto. Sendo assim, a inscrição da hipoteca judiciária poderá ser realizada pela apresen-tação de cópia da decisão no cartório de Registro Geral de Imóveis sem que haja necessidade de qualquer ordem judicial prévia ou declaração expressa do juiz. É uma sistemática parecida com a prevista na legislação processual de Portugal52.

Reforça-se, no mais, a qualidade do instituto de ser efeito anexo da sentença, que se produz independente do pedido das partes e sem que haja declaração expressa, pelo juiz, no bojo da decisão final.

Embora seja louvável a simplificação do procedimento para inscrição da hipoteca judicial, parece que nem sempre será possível, de imediato, rea-lizar o registro. Com efeito, quando a condenação não demonstrar o quantum debeatur, haverá necessidade de instaurar um incidente para traçar a estima-tiva da repercussão financeira da sentença53. No particular, vale lembrar que, mesmo no sistema em vigor (balizado no Código de Processo Civil de 1973), é perfeitamente possível “liquidar a sentença” tão logo proferida, pouco importando se o recurso possui ou não efeito suspensivo. Isso porque a Lei nº 11.232/2005 inseriu regra processual (§ 2º do art. 475-A) que permite a liquidação na pendência de recurso, pouco importando se este tenha ou não

52 Douglas Ribeiro Neves, em tese de dissertação de mestrado sobre o tema, aduz que, em Portugal, o credor, para registrar o título constitutivo da hipoteca judiciária, deve obter uma certidão da sentença e requerer o registro na matrícula dos imóveis que indicar ao oficial do registro. Não é necessária, para isso, decisão judicial nem mesmo de mandado. Trata-se de itinerário notadamente simplificado e célere (NEVES, Douglas Ribeiro. Hipoteca judiciária. Orientador: Professor Dr. José Rogério Cruz e Tucci. USP: São Paulo, 2011. p. 30).

53 Tendo em vista que a hipoteca judiciária decorre da sentença condenatória, não há que se instaurar o procedimento de liquidação de sentença para apurar o montante devido, visto que a aplicabilidade do instituto prescinde da fase de execução para ser constituído. Sustenta Luis Alberto Hoff, nesse sentido, que o que se deve perseguir é a estimativa da repercussão financeira da sentença. Desse modo, a parte interessada pleiteia, por meio de simples petição, o pedido de inscrição do provimento judicial final, fundamentando seu pedido com a estimativa da repercussão financeira da responsabilidade do vencido. O Magistrado, então, no âmbito de sua cognição, podendo, se for o caso, recorrer a peritos, irá avaliar os valores estimulados pelo postulante e proferirá sua decisão (HOFF, Luis Alberto. A hipoteca judiciária e sua importância como instrumento de garantia. Revista dos Tribunais, v. 674, p. 81, dez. 1991).

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efeito suspensivo54. Semelhante regra consta no Projeto de novo Código de Processo Civil, consoante pode ser extraído da redação do art. 52655.

Note-se, por deveras relevante, que – mantendo o sistema anterior – a urgência não figura como requisito para a constituição da hipoteca judicial, conforme disposição expressa do § 2º do art. 506. Não precisará a parte, certa-mente, comprovar a forte plausibilidade do direito alegado e risco de demora (= periculum in mora), até porque tal mecanismo não se confunde com (modalida-de de) tutela de urgência. Tal fato, contudo, não impedirá a (excepcional) cons-tituição da hipoteca judiciária por tutela antecipatória de urgência, se assim for necessário, até mesmo diante da redação mais ampla do caput do art. 506, en-cartando a sua constituição por qualquer tipo de decisão, consoante já exposto.

Há de se ressaltar, todavia, que a previsão de um procedimento com viés essencialmente prático e célere, quase que unilateral, e que tem grande repercussão na esfera patrimonial do responsável, pode dar margem para inseguranças e até mesmo violar princípios e garantias fundamentais como a ampla defesa e o contraditório. Atento a essa problemática, o projeto tenta não deixar margens para qualquer dúvida e prevê que, no prazo de até quin-ze dias da data da realização da hipoteca, a parte [beneficiada com a garantia propiciada com a formalização da hipoteca judiciária] deve informar o juízo, que, a seu turno, deverá intimar a outra parte para tomar ciência do ato (§ 3º do art. 503).

Entende-se que, ao abrir vista para ciência do ato, deverá o juiz conce-der prazo para que a parte vencida se manifeste, impugnando, nesse momen-to, eventuais exceções que impossibilitam a inscrição do gravame, tal como a alegação de impenhorabilidade do bem (em caso de bem de família, por exemplo)56-57.

54 No sentido, MAZZEI, Rodrigo. Reforma do CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 160-162.

55 “Art. 526. A liquidação poderá ser realizada na pendência de recurso, processando-se em autos apartados no juízo de origem, cumprindo ao liquidante instruir o pedido com cópias das peças processuais pertinentes.”

56 O contraditório é o valor-fonte do modelo democrático de processo civil que se pretende que se instale de forma concreta (em respeito ao art. 1º da Carta de 1988). Confira-se: Hermes Zaneti Junior (Processo constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 190) e Rodrigo Mazzei (Embargos de declaração: recurso de saneamento com função constitucional. Tese de Doutoramento. Fadisp. Orientação: Professor Dr. Eduardo Arruda Alvim, 2012. p. 399-409).

57 No sentido: “É cabível o mandado de segurança contra o ato judicial que determinou a constituição da hipoteca legal sobre o imóvel residencial do impetrante, pois esse instituto esta subsumido na área de abrangência do art. 1º da Lei nº 8.009/1990” (STJ, RMS 8.281/RJ,

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Outro mecanismo que visa a proteger a parte que suporta o gravame da hipoteca judicial em seu patrimônio foi previsto no § 5º do art. 506. Sendo assim, sobrevindo a reforma ou a invalidação da decisão que impôs o paga-mento de quantia, a parte responderá, independentemente de culpa, pelos danos que a outra parte tiver sofrido em razão da constituição da garantia, devendo o valor da indenização ser liquidado e executado nos próprios au-tos. Trata-se da criação de uma espécie de responsabilidade objetiva, que se justifica pela gravidade que os efeitos de uma decisão injusta, ainda que tem-porários, podem causar aos sujeitos de direito58.

Por fim, a mudança de maior notoriedade no projeto, indubitavelmen-te, está prevista no § 4º do art. 506. Eis que, por expressa determinação do dispositivo, a hipoteca judiciária implica o direito de preferência em relação aos demais credores do devedor.

É certo, pois, que o texto projetado desmistifica um dos temas de maior debate quando se fala em hipoteca judiciária. Trata-se de uma polêmica in-fundada, é verdade, tendo em vista que se sustenta em razão de um dispositi-vo concebido pelo Código Civil de 1916 que não foi repetido pelo diploma de 2002, mas que, mesmo assim, causa embaraço na doutrina e jurisprudência.

No modelo do projeto do novo Código de Processo Civil, o credor que possui hipoteca judiciária terá direito de preferência sobre os demais credo-res do devedor, desde que observada a prioridade no registro.

Dessa maneira, diante do fenômeno de pluralidade de hipotecas, por exemplo, deve-se observar o disposto no direito material: nos termos do art. 1.47659 do Código Civil, não há entraves para constituição de uma segun-da ou terceira hipoteca sobre o mesmo bem e em favor de credores diferentes. Em situações que o valor do bem hipotecado exceda o da obrigação garanti-da, com boa margem de sobra, é perfeitamente possível visualizar a hipótese

4ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, Rel. p/o Ac. Min. Cesar Asfor Rocha, J. 16.12.1997, DJ 27.04.1998, p. 164).

58 No tema, com análise fulcral no sistema de responsabilidade objetiva processual vinculado às tutelas de urgência que, se vingar o texto projetado, terá contato com a hipoteca judiciária, confira-se: MAZZEI, Rodrigo; MARQUES, Bruno Pereira. Primeiras linhas sobre a responsabilidade pelos danos decorrentes da efetivação de tutelas de urgência em caso de insucesso final da ação de improbidade administrativa. Revista Jurídica, Porto Alegre, 1953, v. jun. 2014, p. 9-44, 2014.

59 “Art. 1.476. O dono do imóvel hipotecado pode constituir outra hipoteca sobre ele, mediante novo título, em favor do mesmo ou de outro credor.”

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de pluralidade de hipotecas60, fenômeno que também é tratado como sub--hipoteca.

Ora, se alguém aceita a qualidade de sub-hipotecário, automaticamen-te estará sujeitando-se a uma licitação, com posição próxima ao credor quiro-grafário em relação aos credores hipotecários pretéritos.

Trata-se de uma limitação do próprio direito material. Não há que se falar, assim, na mitigação do direito de preferência na hipoteca judicial. Ele efetivamente existe, ressalvadas as devidas exceções, e passa a ser categorica-mente previsto no novo modelo processual que virá.

Destaca-se, por derradeiro, que o projeto passa a prever expressamente como uma das hipóteses que ensejam a fraude à execução a alienação de bem gravado pela hipoteca judiciária (art. 808, III)61. Há de se ressaltar que tal ins-tituto, como já exposto, prevê o direito de sequela, que não deve se confundir com a caracterização da fraude à execução.

Há, ainda que de forma involuntária, uma contradição com os regra-mentos gerais da hipoteca judiciária, pois se o direito de sequela e o direito de preferência estão garantidos no art. 506, a alienação ou a oneração do bem não afetará o direito do credor. Aplicado do disposto no art. 1.422 do Código Civil62 (artigo que faz parte regramento geral dos direitos reais de garantia), o art. 808, III, do Projeto de novo Código de Processo Civil perde potência, já que a solução da codificação civil parece ser mais adequada.

Ultrapassando a redação do art. 1.422, vale lembrar ainda que o Código Civil permite alienação do bem hipotecado, não se configurando tal como qualquer tipo de fraude, até porque o texto legal considera como nula de ple-no direito a cláusula que veda a alienação de bem que é alvo de garantia de

60 SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida. Do direito do promitente comprador e dos direitos reais de garantia (penhor, hipoteca, anticrese). Sob a coordenação de Miguel Reale e Judith Martins-Costa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 184.

61 “Art. 808. Considera-se fraude à execução a alienação ou a oneração de bem: [...] III – quando tiver sido averbado, em seu registro, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude; [...]”

62 “Art. 1.422. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro.

Parágrafo único. Excetuam-se da regra estabelecida neste artigo as dívidas que, em virtude de outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos.”

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penhor, hipoteca ou anticrese (art. 1.475)63. O adquirente de bem hipotecado, nos termos do art. 1.481 do Código Civil64, passa a ter uma posição com tri-lhas fixadas em lei, que buscam o adimplemento da obrigação, com proteção no sentido do credor hipotecário.

Há, na realidade, um feixe de regramentos que o adquirente do imóvel hipotecado deve seguir, sujeitando-se a tais situações previamente desenha-das na legislação civil, podendo também se citar no sentido os arts. 1.479 e 1.480 do Código Civil65.

Por tal motivo, cremos que o art. 808 do Projeto de novo Código de Processo Civil não possui grande inspiração, sendo a solução dos arts. 1.475 e 1.481 do Código Civil mais adequada às características e natureza da hipo-teca judiciária.

reFerÊNCiAs

ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda. Direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Breves anotações para uma teoria geral dos direitos reais. In: CAHALI, Yussef Said (Org.). Posse e propriedade: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.

63 “Art. 1.475. É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado. Parágrafo único. Pode convencionar-se que vencerá o crédito hipotecário, se o imóvel for alienado.”

64 “Art. 1.481. Dentro em trinta dias, contados do registro do título aquisitivo, tem o adquirente do imóvel hipotecado o direito de remi-lo, citando os credores hipotecários e propondo importância não inferior ao preço por que o adquiriu. § 1º Se o credor impugnar o preço da aquisição ou a importância oferecida, realizar-se-á licitação, efetuando-se a venda judicial a quem oferecer maior preço, assegurada preferência ao adquirente do imóvel. § 2º Não impugnado pelo credor, o preço da aquisição ou o preço proposto pelo adquirente, haver-se-á por definitivamente fixado para a remissão do imóvel, que ficará livre de hipoteca, uma vez pago ou depositado o preço. § 3º Se o adquirente deixar de remir o imóvel, sujeitando-o a execução, ficará obrigado a ressarcir os credores hipotecários da desvalorização que, por sua culpa, o mesmo vier a sofrer, além das despesas judiciais da execução. § 4º Disporá de ação regressiva contra o vendedor o adquirente que ficar privado do imóvel em consequência de licitação ou penhora, o que pagar a hipoteca, o que, por causa de adjudicação ou licitação, desembolsar com o pagamento da hipoteca importância excedente à da compra e o que suportar custas e despesas judiciais.”

65 “Art. 1.479. O adquirente do imóvel hipotecado, desde que não se tenha obrigado pessoalmente a pagar as dívidas aos credores hipotecários, poderá exonerar-se da hipoteca, abandonando-lhes o imóvel. Art. 1.480. O adquirente notificará o vendedor e os credores hipotecários, deferindo-lhes, conjuntamente, a posse do imóvel, ou o depositará em juízo. Parágrafo único. Poderá o adquirente exercer a faculdade de abandonar o imóvel hipotecado, até as vinte e quatro horas subsequentes à citação, com que se inicia o procedimento executivo.”

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QuestÕes PolÊmiCAs relACioNAdAs à teoriA dA CAusA mAdurA

FernAndA KretzmAnn pires gomes

Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil com Ênfase em Processo Civil pela Escola Superior Verbo Jurídico, Advogada.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Aspectos gerais sobre o artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil; 1.1 Por uma releitura do duplo grau de jurisdição: a teoria da causa madura; 1.2 Requisitos genéricos para aplicação do artigo 515, § 3º, do CPC; 2 Questões polêmicas relacio-nadas à teoria da causa madura; 2.1 Do julgamento do mérito de ofício pelos tribunais; 2.2 Do cabimento dos embargos infringentes; Conclusão; Referências.

iNtrodução

A alteração ocorrida no art. 515 do Código de Processo Civil, com a inclusão do § 3º pela Lei nº 10.352/2001, importou na possibilidade de o Tri-bunal julgar o mérito da causa, desde logo, quando a sentença de primeiro grau for terminativa.

No entanto, a lei exige como requisitos genéricos para a incidência do § 3º do art. 515, o qual a doutrina e a jurisprudência passaram a chamar de teoria da causa madura, que a causa verse sobre questão exclusivamente de direito e esteja em condições de imediato julgamento.

A teoria da causa madura é apontada como exceção ao princípio do duplo grau de jurisdição, razão pela qual se buscou verificar sua constitucio-nalidade, se ela fere o princípio citado ou privilegia outros princípios como o da celeridade e da razoável duração do processo. Ainda, buscou-se analisar se os requisitos expressos no § 3º do art. 515 são cumulativos, e como deve ser lida a expressão “causa exclusivamente de direito”.

Outra questão polêmica relacionada à teoria da causa madura diz res-peito ao julgamento do mérito de ofício pelos Tribunais, quando nenhuma

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das partes tenha requerido sua atuação neste sentido, ou tenha solicitado ex-pressamente que a regra não seja aplicada.

Referida questão será objeto de análise deste artigo, juntamente com a hipótese de cabimento dos embargos infringentes, quando o acórdão que jul-ga a apelação adentra diretamente no mérito, embora a sentença de primeiro grau não o tenha feito, tendo em vista que a redação do art. 530 do Código de Processo Civil, também alterada pela Lei nº 10.352/2001, passou a exigir como pressupostos específicos para a interposição dos embargos infringentes que o acórdão não unânime haja reformado a decisão de primeiro grau e que esta seja de mérito.

1 AsPeCtos gerAis sobre o Artigo 515, § 3º, do Código de ProCesso Civil

Antes do advento da Lei nº 10.352/2001, havendo sentença de extinção do processo sem resolução de mérito, nas hipóteses do art. 267 do CPC, a par-te poderia interpor recurso de apelação e, apurando o equívoco, o tribunal anularia o ato e devolveria o processo ao primeiro grau para que o Juiz a quo proferisse nova sentença, com a apreciação do mérito.

Assim, uma vez extinto o processo sem julgamento do mérito, a apela-ção interposta contra a sentença deveria demonstrar apenas a impropriedade de tal extinção, sem entrar no mérito da demanda que sequer chegou a ser analisado. Essa realidade determinava uma demora na resolução da causa, pois entre a remessa dos autos ao primeiro grau e o seu retorno ao Tribunal transcorriam meses ou anos.

Tentando oferecer uma solução a este problema, a nova redação do art. 515, § 3º, do CPC, a qual a doutrina, com apoio em um precedente do Su-perior Tribunal de Justiça, denominou de “teoria da causa madura”, inovou ao permitir expressamente ao Tribunal, nos casos de sentença terminativa, a ultrapassar o julgamento das questões puramente processuais e julgar o mérito da ação. Tal modificação pretendeu dar maior celeridade ao processo, mitigando o princípio do duplo grau de jurisdição, por meio de determina-dos requisitos.

1.1 Por uma releitura do duplo grau de jurisdição: a teoria da causa madura

O art. 515, § 3º, do CPC dispõe que, “nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide,

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se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”.

Conforme Ustárroz e Porto1, “[...] constata-se que o Código autorizou ao Tribunal, em situações especiais, emitir provimento sobre tópico diverso da decisão recorrida, o que demonstra o potencial alargamento do efeito de-volutivo do recurso de apelação”.

Nas palavras de Santos2, o efeito devolutivo ganhou novos contornos, sem ferir a regra prevista no caput do art. 515 do CPC, pois só se passará ao exame do mérito, após superado o julgamento de conhecimento da cau-sa. Assim, a teoria da causa madura consiste numa exceção ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum, tendo em vista que o objeto do julga-mento pode ser maior do que o proferido em primeiro grau.

Com a substancial mudança ocorrida por meio da Lei nº 10.352/2001, Moreira3 expõe o seguinte:

Ampliou-se o efeito devolutivo da apelação e, do mesmo passo, tornou-se inevitável a revisão das ideias correntes a cerca do princípio do duplo grau de juris-dição – que, repita-se, não está definido em texto algum, nem tem significa-ção universal fixada a priori: seu alcance será aquele que resulta do exame do ius positum e, portanto, discutir se o infringe ou não disposição legal como a que ora se comenta é inverter os termos da questão. (grifos nossos)

Para Hommerding, o parágrafo introduzido ao art. 515 é inconstitu-cional, pois viola, além de outros princípios constitucionais, o princípio do duplo grau de jurisdição, uma vez que permite ao Tribunal o julgamento imediato do feito quando a questão for exclusivamente de direito, ainda que o mérito não tenha sido apreciado pelo juiz de primeiro grau4.

Verifica-se que, apesar de a teoria da causa madura ter sido acrescen-tada ao Código de Processo Civil no ano de 2001, ainda suscita grandes in-

1 USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 153.

2 SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2010. p. 118.

3 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. V, 2009. p. 431.

4 HOMMERDING, Adalberto Narciso. O § 3º do artigo 515 do Código de Processo Civil: uma análise à luz da filosofia hermenêutica (ou hermenêutica filosófica) de Heidegger e Gadamer. Revista da Ajuris – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: Ajuris, v. 30, n. 91, p. 09, 1974.

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dagações quanto à sua aplicabilidade, dividindo posições doutrinárias e ju-risprudenciais.

Nesse ponto, o princípio do duplo grau de jurisdição apresenta-se como questão de grande relevância, devendo ser analisado se a inovação tra-zida pelo § 3º do art. 515 do CPC o afronta ou não.

Conforme Donizetti5, “o princípio do duplo grau de jurisdição consiste na possibilidade assegurada às partes de submeterem matéria já apreciada e decidida pelo juízo originário a novo julgamento por órgão hierarquica-mente superior”. A Constituição Federal prevê a garantia do duplo grau de jurisdição implicitamente, como consectária do devido processo legal, ou em decorrência da previsão constitucional de tribunais superiores, aos quais foi conferida competência recursal.

O duplo grau garante às partes o direito de revisão do julgado e atua como instrumento de controle da justiça e da legalidade da decisão. Mas, por não se tratar de princípio de previsão expressa na Constituição Federal, o legislador ordinário pode mitigá-lo para determinadas situações. Porém, tal mitigação não deve inviabilizar o direito da parte de acesso ao recurso, devendo ser feito, assim, uma ponderação entre os direitos fundamentais ao recurso e a celeridade do processo6.

O § 3º do art. 515 do CPC não pode ser visto como inconstitucional, porque não há disposição expressa de que o duplo grau seja sempre respei-tado. Ainda, coaduna-se com o princípio da instrumentalidade, tendo em vista que, se o processo está pronto para julgamento, não se justifica que ele retorne ao primeiro grau de jurisdição7.

Para Gonçalves, o princípio do duplo grau decorre do sistema, uma vez que nenhum ato estatal pode ficar sem controle. Assevera que a “possi-bilidade de que as decisões judiciais venham a ser analisadas por um outro órgão assegura que as equivocadas sejam revistas. Além disso, imbui o juiz

5 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 78.

6 QUEIROZ, Bruno Véras de. O duplo grau de jurisdição na Constituição Federal e as recentes alterações no sistema recursal brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 47, nov. 2007. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br.

7 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Curso de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2007. p. 97.

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de maior responsabilidade, pois ele sabe que sua decisão será submetida a nova apreciação”8.

Contudo, como não há exigência expressa na Constituição de que sem-pre se obedeça ao duplo grau, existem hipóteses no ordenamento jurídico em que ele não ocorre, mas, nem por isso, podem ser qualificadas de inconstitu-cionais, a exemplo da atual redação do art. 515, § 3º, do CPC, que permite ao tribunal apreciar o mérito, mesmo que o Juízo a quo não o tenha feito9.

Assim, a regra é a observância da dualidade de instâncias, mas a Cons-tituição Federal não declarou, de forma expressa, a obrigatoriedade do duplo grau em todo e qualquer processo, havendo, assim, causas que escapam ao referido princípio10.

No mesmo sentido, entende Rodrigues11 que o art. 515, § 3º, do CPC é constitucional, uma vez que pautado nos princípios da celeridade e econo-mia processual, pois, ainda que o princípio do duplo grau esteja implicita-mente previsto na Constituição Federal, é possível que, por meio do princípio da proporcionalidade, ocorra uma ponderação de interesses, para que um princípio seja mitigado pela adoção de outro, no caso mais relevante.

Ustárroz e Porto12 reconhecem a garantia do duplo grau de jurisdição como princípio constitucional, apesar de não estar expresso na Carta Mag-na. Contudo, não se extrai dessa conclusão que ele deva ser observado em todo e qualquer processo, cabendo aos aplicadores do Direito definirem sua extensão, uma vez que tal princípio deve conviver com todos os demais que informam o direito processual.

Ainda, leva-se em conta a jurisprudência do Supremo Tribunal Fede-ral13, que refere que o duplo grau de jurisdição não se reveste de garantia absoluta, nem mesmo no âmbito do direito processual penal, pois, apesar de o princípio encontrar-se previsto na Convenção Americana de Direitos Hu-manos (Pacto de São José da Costa Rica), e ter sido internalizado no Direito

8 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2007. p. 36.

9 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil. Op. cit., p. 36.10 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 51. ed. Rio de Janeiro:

Forense, v. 1, 2010. p. 36.11 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil: teoria geral: premissas e

institutos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 644-645.12 USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Op. cit., p. 57-58.13 Ag-AI 601832/SP, 2ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, J. 17.03.2009.

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brasileiro, não significa que tenha natureza absoluta, havendo exceções ao duplo grau.

1.2 requisitos genéricos para aplicação do artigo 515, § 3º, do CPC

Ao examinar o § 3º do art. 515 do CPC, percebe-se que sua incidência requer que o processo tenha sido equivocadamente extinto sem resolução de mérito (art. 267 do CPC). Ainda, a causa deve estar madura, de onde se ex-traem dois requisitos: a questão deve ser exclusivamente de direito e a causa deve estar em condições de imediato julgamento.

Estaremos diante de uma questão exclusivamente de direito, quando não houver controvérsias acerca dos fatos, ou seja, quando a situação fática se comprova de plano nos autos, restando discutir apenas se o direito – objeto da questão – incide ou não sobre o fato comprovado.

O processo encontra-se pronto para julgamento, quando a fase postu-latória estiver completa, o que significa dizer, com a defesa do réu ou decre-tação da revelia, e depois de encerrada a instrução14.

Como lecionam Medina e Wambier15,[...] por “condições de imediato julgamento” se deve entender o fato de a questão ter sido debatida pelas partes em primeiro grau de jurisdição – ou, pelo menos, de se ter verificado o contraditório –, a ponto de ser possível identificar, com clareza, qual é a questão de direito sobre a qual se funda o debate. De todo modo, satisfaz-se o novo sistema com a simples colocação da questão em primeiro grau, independentemente de apreciação ou não pelo juiz.

A causa “madura” para julgamento pode ser entendida como aque-la na qual as partes não mais tenham provas a produzir, onde não exista a necessidade de maior esclarecimento dos fatos. O tribunal poderá afastar a sentença terminativa, julgando o mérito, quando isto não ocasionar ofensa às garantias do contraditório, ampla defesa ou do devido processo legal16.

14 BARROSO, Darlan. Manual de direito processual civil. Teoria geral e processo de conhe-cimento. 1. ed. Barueri: Manole, v. 1, 2003. p. 494.

15 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim Wambier. Recursos e ações autônomas de impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2008. p. 146.

16 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARDT, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. Processo de conhecimento. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2008. p. 535.

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Na “causa exclusivamente de direito”, estamos diante de ausência de controvérsia fática, podendo-se incluir ainda, nessa expressão, hipóteses em que, mesmo havendo controvérsia sobre fatos, “todos os eventos estão devi-damente provados por documentos”, como a situação referida pelo art. 330, I, do CPC. Logo, o requisito não é adequado, por não abarcar situações em que há questionamento fático, embora não seja necessária instrução probatória17.

Assim, não seria preciso que a causa tratasse sobre questão exclusi-vamente de direito, devendo ser considerado o fato de as alegações estarem ou não devidamente comprovadas, se dispensam instrução ou são incontro-versas.

Como referem Ustárroz e Porto18, o requisito expresso na norma deve ser visto “com olhos voltados para a finalidade da inovação”, pois, ainda que a questão verse sobre fatos e direito, se todas as provas suficientes para o deslinde do feito já foram produzidas, não há razão para retroceder com o processo. Logo, a grande exigência para a aplicação da teoria da causa madu-ra deve ser o esgotamento da atividade instrutória no primeiro grau.

A norma em questão não deve ser interpretada literalmente, sob pena de sua utilidade e rendimento se revelar restrito. Assim, a expressão “matéria de direito” pode significar matéria de direito pura e simplesmente; matéria de direito e de fato, mas cujo aspecto fático tenha sido comprovado por meio de prova documental; ou matéria de direito e de fato, desde que o aspecto fático não tenha suscitado divergência entre as partes, ou seja composto de fatos notórios (art. 334 do CPC)19.

Quanto à necessidade da presença dos dois requisitos expressos no § 3º do art. 515, há entendimento de que eles foram impostos de forma cumu-lativa pelo legislador, conforme Barioni20; mas também há posicionamentos em contrário.

17 MENEZES, Iure Pedroza. O artigo 285-A do CPC e a teoria da causa madura. Jus Navigandi, Teresina, a. 12, n. 1481, 22 jul. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10166>. Acesso em: 13 ago. 2012.

18 USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Op. cit., p. 154.19 WABIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel

Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 269-270.

20 BARIONI, Rodrigo. Efeito devolutivo da apelação civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 16, 2007. p. 165.

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Para Andrade21, a literalidade do art. 515, § 3º, deve ser mitigada, para que o termo “e” tenha significado de “ou”, afastando-se a noção de acúmulo dos requisitos previstos. Assim, ainda que diante de questão que não seja unicamente de direito, poderá a regra incidir quando da ausência de provas a serem produzidas, estando instruído o feito de forma suficiente e adequada.

Moreira salienta que os pressupostos do art. 515, § 3º, do CPC, de certa maneira, superpõem-se, pois,

a entender-se que a causa estará “em condições de imediato julgamento” sempre que já não haja necessidade de outras provas além das produzidas nos autos, a cláusula abrangerá as hipóteses de discutir-se naquela “ques-tão exclusivamente de direito”, pois só por exceção (art. 337) é concebível que se necessite de prova para resolver quaestio iuris. Teria sido preferível que se adotasse aqui, com as devidas adaptações, a fórmula relativa ao jul-gamento antecipado da lide, constante do art. 330, nº I: “Quando a questão suscitada no recurso for unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de outras provas”.22

Verifica-se que quanto ao requisito da “questão exclusivamente de di-reito”, a jurisprudência também se manifesta no sentido de que o art. 515, § 3º, deve ser lido à luz do art. 330, I, ambos do CPC, como se verifica de parte da ementa do Recurso Especial nº 797.989/SC:

3. Alegada violação do art. 515, § 3º, do CPC. O caso dos autos amolda--se ao conceito de “causa madura” trazida pela doutrina e jurisprudência, uma vez que o Tribunal a quo, ao estabelecer que não eram as rés partes ilegítimas, adentrou desde logo no mérito da questão, pois toda a instrução probatória já se fazia presente nos autos, bem como assim lhe permitia o art. 515, § 3º, do CPC.

21 ANDRADE, Marcelo Santiago de Padua. Da possibilidade (excepcional) de aplicação do artigo 515, § 3º, do CPC no exame de recurso contra decisões interlocutórias. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 34, n. 168, p. 269-270, 2009. “Compreendida dessa forma, a teoria da causa madura se relacionada muito intimamente com a ideia de julgamento conforme o estado do processo contemplado no art. 330, I, do CPC, que prevê, tanto quando na hipótese do art. 515, § 3º, do CPC, o poder-dever do Poder Judiciário de entregar prontamente a prestação jurisdicional invocada, dispensando-se a prática de todo e qualquer ato de instrução que não contribua para o deslinde do feito”.

22 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. V, 2009. p. 432.

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4. O art. 515, § 3º, do CPC deve ser lido à luz do disposto no art. 330, I, do mesmo diploma, que trata do julgamento imediato do mérito. Poderá o Tribunal (assim como o juiz de primeiro grau poderia) pronunciar-se des-de logo sobre o mérito se as questões de mérito forem exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, não houver necessidade de produção de novas provas. Entendimento doutrinário e jurisprudencial.23

A citada “questão exclusivamente de direito” é questionada também por Alvim24, que não encontra justificativa para restringir a interpretação do § 3º do art. 515, de modo a ignorar o que dispõe o art. 330, I, do CPC. Logo, o tribunal estará autorizado a analisar o mérito se a questão for exclusivamen-te de direito, ou se tratar de questão de fato e de direito, que esteja pronta para julgamento, ou seja, prescindindo da realização de outras provas em audiência.

Assim, quanto aos requisitos exigidos para a aplicação da teoria da causa madura, verifica-se que, em relação à “causa exclusivamente de di-reito”, pode ocorrer interpretação extensiva, na medida em que o tribunal poderá julgar o mérito ainda que a causa verse sobre questão de fato, se estes estiverem devidamente comprovados ou forem incontroversos.

Quanto à exigência da causa estar em condições de imediato julgamen-to, significa que o processo deve ter observado plenamente os princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como não sejam necessários novos de-bates entre as partes, para que a decisão possa ser proferida com segurança.

O projeto de lei do novo CPC mantém a teoria da causa madura, e traz, em seu art. 965, § 3º, novidades referentes ao seu cabimento. Prevê que a teoria será aplicada se a causa versar questão exclusivamente de direito ou estiver em condições de imediato julgamento. Assim, o fato de os requisi-tos tornarem-se alternativos consagra o melhor entendimento doutrinário no sentido de se admitir sua aplicação nas ações que versem sobre questões de fato, caso seja desnecessária a produção de provas25.

23 REsp 797.989/SC, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, J. 15.05.2008.24 ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008. p. 783-784.25 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo:

Método, 2011. p. 655.

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2 QuestÕes PolÊmiCAs relACioNAdAs à teoriA dA CAusA mAdurA

A introdução do § 3º no art. 515 do CPC também gera discussões com relação à faculdade ou não do tribunal julgar o feito quando não há pedi-do expresso do apelante no tocante ao mérito da causa, bem como quanto à possibilidade de interposição de embargos infringentes contra decisão de se-gundo grau não unânime, que julga o mérito após o juiz de primeiro grau ter proferido sentença terminativa, diante da atual redação do art. 530 do CPC.

2.1 do julgamento do mérito de ofício pelos tribunais

Questão relevante relacionada à teoria da causa madura diz respeito à possibilidade de o tribunal julgar o mérito da ação após a anulação da senten-ça terminativa, ainda que sem pedido expresso do recorrente/apelante, ou diante de pedido expresso para que a regra não seja aplicada.

Há quem afirme que o julgamento do mérito diretamente pelo tribunal, sem pedido do apelante, significa desconsiderar por completo o princípio tantum devolutum quantum apelatum, segundo o qual o tribunal só deverá co-nhecer das matérias suscitadas pela parte recorrente26.

É possível que a omissão do recorrente sobre o julgamento do mérito, ou o pedido expresso para que o tribunal não o julgue corresponda à intenção de ainda realizar algumas provas, quando da volta do processo ao primeiro grau. Por isso, em princípio, a disposição do art. 515, caput, deve prevalecer também em relação aos casos regidos por seu § 3º, diante das regras referen-tes à correlação entre a decisão e o pedido (arts. 128 e 460 do CPC), bem como pelo “objetivo de resguardar o recorrente contra possíveis surpresas decor-rentes da negação de seu direito ao processo e direito à prova”27.

No entanto, se, na análise do caso concreto, o tribunal entender que não há mais provas a serem produzidas, ele estará autorizado a valer-se do que o § 3º permite, sendo seu dever explicitar as razões de seu entendimento (dever de motivação), situação provável quando a sentença terminativa tiver sido

26 VIEIRA, Luciane Helena. O artigo 515, § 3º, do CPC. Disponível em: <http://pinheiro pedro.com.br/site/artigos/o-artigo-515-paragrafo-3%C2%BA-do-CPC/>. Acesso em: 07 nov. 2012.

27 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 159-160.

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proferida após o cumprimento de todo o procedimento no primeiro grau de jurisdição28.

Para Assis29, a aplicação da teoria da causa madura depende da iniciati-va da parte. Isso porque a extensão do efeito devolutivo se subordina ao prin-cípio dispositivo e é preciso que o apelante solicite o julgamento do mérito. Ainda, o apelante tem direito ao duplo exame e talvez não queira arriscar de imediato o julgamento do mérito, salientando-se que o retorno dos autos ao primeiro grau em nada prejudica a parte contrária.

No mesmo sentido, Didier Júnior e Cunha30:Assim, para que reste aplicada a regra do § 3º do art. 515 do CPC, é preciso que o recorrente, em suas razões recursais, requeira expressamente que o tribunal dê provimento ao seu recurso e, desde logo, aprecie o mérito da demanda. Caso o apelante requeira que, após o provimento do recurso, sejam os autos devolvidos ao juízo de primeira instância para análise do mérito, por ignorância da nova regra ou por lhe ser mais conveniente, não poderá o tribunal, valendo-se do § 3º do art. 515 do CPC, adentrar o exame do mérito, sob pena de estar julgando extra ou ultra petita. (grifos nossos)

Do contrário, se o apelante fizer requerimento expresso e estiverem preenchidos os demais pressupostos legais, é “obrigatório” ao tribunal co-nhecer o mérito da causa, aplicando a teoria da causa madura, ao prover a apelação interposta contra sentença terminativa, salvo se a matéria ainda reclame alguma providência ou prova que deva ser produzida31.

Para Neto e Rohr32, a incidência da teoria da causa madura deve se subordinar ao efeito devolutivo, ou seja, à amplitude da matéria impugnada, pois, se o juiz proferir sentença terminativa e ocorrer apelação apenas em relação às questões processuais, a devolutividade do recurso permite que o tribunal analise apenas o que foi impugnado.

28 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma, p. 160. 29 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

p. 413.30 DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual

civil. 9. ed. Salvador: JusPodivm, v. 03, 2011. p. 111.31 DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Op. cit., p. 111.32 NETO, Fernando Orotavo; ROHR, Joaquim Pedro. Dos recursos cíveis. 2. ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2006. p. 120.

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Mas, se o apelante adentrar a discussão do mérito, ainda que não for-mule pedido expresso, o tribunal estará autorizado a julgar o mérito, uma vez ultrapassada a questão processual. Por isso, cumpre ao interessado na rápida e eficiente solução da lide suscitar a apreciação do mérito, com base no art. 515, § 3º, do CPC, pois, se não o fizer ou requerer expressamente que o tribunal não julgue o mérito, ele deverá analisar apenas as questões proces-suais terminativas33.

Em sentido contrário, Neves34 entende que, ainda que a teoria da causa madura esteja inserida em um dos parágrafos do art. 515 do CPC, que trata do efeito devolutivo dos recursos, parece que sua colocação em tal local não basta para que se defina tratar-se de uma “extensão da devolução” de maté-rias ao conhecimento do órgão ad quem. Isto porque tal entendimento levaria a uma conclusão forçada de que a vontade do recorrente seria imprescindível para a devolução ou não do mérito da causa, com pedido expresso daquele para aplicação da teoria.

Assim, “o objetivo da norma não é a proteção do interesse particular do recorrente, e sim a otimização do julgamento de processos, em nítido ganho de celeridade e economia processual”. O propósito da norma seria o oferecimen-to de uma tutela jurisdicional em menor tempo, presumindo-se, também, uma tutela de melhor qualidade35.

Neste sentido, a agilidade e a celeridade dos processos são de interesse público, devendo as partes, ao interpor o recurso, contar com a possibilidade de aplicação do art. 515, § 3º, o que, de qualquer forma, lhes traria benefícios, já que não há interesse legítimo em que os processos sejam lentos36.

Para Barioni37, também não há necessidade de o apelante requerer ex-pressamente o julgamento do feito pelo tribunal. Explica que a apelação é dirigida contra a parte dispositiva da sentença, e, no caso da sentença termi-nativa, a matéria impugnada referida no caput do art. 515 limita-se ao pro-nunciamento que decretou a extinção do processo sem resolução de mérito.

33 NETO, Fernando Orotavo; ROHR, Joaquim Pedro. Op. cit., p. 120.34 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo:

Método, 2011. p. 654. O doutrinador refere junto à p. 655 que a aplicação da teoria da causa madura deriva do efeito translativo do recurso, e não do efeito devolutivo.

35 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Op. cit., p. 654.36 WABIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel

Garcia. Op. cit., p. 271-272.37 BARIONI, Rodrigo. Op. cit., p. 171.

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Assim, não é correto afirmar que a possibilidade do tribunal julgar o mérito esteja condicionada a pedido da parte, porque tal requerimento não constitui a “matéria impugnada”.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também entende que o tribunal pode julgar o mérito da causa utilizando-se do art. 515, § 3º, do CPC, mesmo sem pedido expresso do recorrente:

Processual civil. Embargos à execução. IPTU e taxas. Sentença terminati-va. Ilegitimidade passiva ad causam. Apelação. Matéria de direito. Causa madura. Julgamento do mérito. Possibilidade. Pedido expresso. Desneces-sidade. Precedentes. 1. Na dicção do art. 515, § 3º, do CPC, acrescentado pela Lei nº 10.352/2001, é possível ao Tribunal, em caso de extinção do feito sem apreciação do mérito, julgar a lide desde logo, se a causa versar questão exclusivamente de direito e o processo estiver devidamente ins-truído, como ocorre no caso concreto. 2. Consoante a pacífica jurisprudência do STJ, extinto o processo sem julgamento de mérito, em face da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, o Tribunal, ao afastar a nulidade, pode de ime-diato julgar o feito, ainda que inexista pedido expresso nesse sentido, máxime se a controvérsia disser respeito a questão estritamente de direito. 3. Hipótese em que o Tribunal a quo afastou a preliminar de ilegitimidade passiva do promi-tente vendedor, no que se refere aos débitos do IPTU e demais taxas, e, na sequência, acolheu parcialmente os embargos à execução, para decotar do executivo fiscal os valores referentes à TIP, à TCLLP e àquele que exceder a alíquota mínima do IPTU, considerando a ilegalidade e a inconstitucionali-dade da instituição ou a majoração das exações. 4. Agravo regimental não provido.38 (grifou-se)

2.2 do cabimento dos embargos infringentes

Além de introduzir o § 3º no art. 515, a Lei nº 10.352/2001 também al-terou a redação do art. 530 do CPC, que passou a dispor sobre os embargos infringentes da seguinte forma: “Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os em-bargos serão restritos à matéria objeto da divergência”.

38 AgRg-EDcl-Ag 1.124.316/RJ, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, J. 03.11.2009, DJe 16.12.2009. No mesmo sentido: AgRg-REsp 1192287/SP, 1ª T., Rel. Min. Benedito Gonçalves, J. 03.05.2011, DJe 10.05.2011.

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Salienta-se que, antes da alteração, admitia-se a interposição dos in-fringentes desde que houvesse julgamento não unânime na apelação, in-dependentemente da reforma da sentença e do enfrentamento do mérito39. Contudo, na atual redação do art. 530 do CPC, passaram a ser pressupostos específicos para o cabimento do recurso, a ausência de conformidade entre as instâncias, que importe na reforma da decisão, e que esta decisão reformada seja de mérito.

Assim, tendo em vista que a redação do art. 530 do CPC estabelece o cabimento de embargos infringentes, quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, caberiam os infrin-gentes contra a decisão que aplicou a norma do art. 515, § 3º, e julgou o mérito por maioria de votos?

Para Barioni40, a resposta é negativa, pois o fato de inexistir decisão de mérito em primeiro grau impede que o acórdão proferido em apelação preencha o requisito exigido pelo art. 530 do CPC, qual seja, haver reformado “sentença de mérito”. Logo, “incabíveis embargos infringentes da decisão de mérito proferida diretamente pelo órgão ad quem, por aplicação do § 3º do art. 515 do CPC”.

Medina e Wambier41 entendem que, no caso da incidência do art. 515, § 3º, do CPC, jamais caberão embargos infringentes, pelo fato de um dos pressupostos do art. 530 do mesmo diploma legal ser justamente a ocorrência de uma sentença de mérito.

Para Ferreira42, também não são cabíveis os embargos infringentes, se a sentença de primeiro grau não for de mérito. Ele reconhece que a “supressão de instância” em relação ao mérito pode inviabilizar uma situação recursal; mas, se não há o julgamento de mérito na primeira instância, não há que se falar em reforma da sentença, o que inviabiliza a interposição dos embargos infringentes.

39 Antes da alteração efetuada pela Lei nº 10.352/2001, o art. 530 do CPC assim estabelecia: “Cabem embargos infringentes quando não for unânime o julgado proferido em apelação e em ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência”.

40 BARIONI, Rodrigo. Op. cit., p. 176.41 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit., p. 183.42 FERREIRA, Wiliam Santos. Aspectos polêmicos e práticos da nova reforma processual civil. Rio

de Janeiro: Forense, 2002. p. 168.

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Ainda, dizer que se estaria “podando” um recurso, diante da regra da teoria da causa madura, parece tão exagerado quanto permitir os infringen-tes, sem que se saiba se o julgamento do órgão ad quo teria ou não o mesmo posicionamento majoritário do tribunal43.

Wambier e Wambier44 referem que, se a lei não se referiu ao acórdão que deu provimento à apelação, mas, sim, expressamente à sentença, foi com a nítida intenção de restringir a hipótese de cabimento dos embargos infrin-gentes.

Em regra, uma sentença terminativa recorrida, qualquer que seja o re-sultado da apelação, jamais proporcionaria o ingresso de embargos infrin-gentes. Mas, se o acórdão da apelação for de mérito, ainda que a sentença seja terminativa, caberá o recurso, se este acórdão for proferido por maioria de votos, como refere Neves45:

Tal circunstância torna-se possível diante da aplicação do art. 515, § 3º, do CPC, por meio do qual o tribunal poderá na apelação julgar originaria-mente o mérito da demanda. Nesse caso, o tribunal anula a sentença ter-minativa em razão do equívoco do julgador de primeiro grau em extinguir o processo sem resolução do mérito e passa imediatamente ao julgamento de mérito da demanda, desde que a causa esteja madura para o julgamen-to. Sendo esse acórdão não unânime (2x1), com julgamento de mérito da demanda – acolhimento ou rejeição do pedido do autor –, caberá à parte sucumbente ingressar com embargos infringentes.

Para Theodoro Júnior46, quando a sentença for terminativa, mas o acór-dão, ao prover a apelação, tiver julgado o mérito com base na teoria da causa madura, os embargos infringentes poderão ser interpostos, se houver voto vencido, apesar de o juízo de primeiro grau não ter adentrado no mérito da causa.

Ocorre que o legislador não levou em conta a possibilidade de a re-forma da sentença terminativa incluir o julgamento do mérito pelo tribunal, razão pela qual se entender que deve ocorrer uma interpretação sistemática para que os embargos infringentes sejam admitidos no caso de sentença ter-

43 FERREIRA, Wiliam Santos. Op. cit., p. 168.44 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentários à 2ª fase

da reforma do código de processo civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 177.45 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Op. cit., p. 706.46 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Op. cit., p. 629.

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minativa é mais coerente com o sistema e com a garantia constitucional do devido processo legal47.

Para Ustárroz e Porto48, a aplicação do art. 515, § 3º, do CPC indica uma falha do Estado, levando-se em conta que o juízo de primeiro grau extingue indevidamente o processo, ao invés de se pronunciar sobre o mérito. Por isso, diante do princípio da isonomia, os embargos infringentes deveriam ser ad-mitidos para qualquer dos litigantes quando da aplicação da teoria da causa madura, sendo decidida a apelação por maioria.

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, havendo o julgamento do mérito a partir da aplicação da teoria da causa ma-dura, serão cabíveis os embargos infringentes, conforme ementa:

Processual civil. Embargos infringentes. Acórdão que, por maioria, refor-ma sentença terminativa e adentra o julgamento do mérito. Cabimento. 1. Nem sempre é meramente terminativo o acórdão que julga apelação con-tra sentença terminativa, eis que, nos termos do § 3º do art. 515, “nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”. 2. Se apenas o Tri-bunal julga o mérito, não se aplica o critério de dupla sucumbência, segundo o qual a parte vencida por um julgamento não unânime em apelação não terá direito aos embargos infringentes se houver sido vencida também na sentença. 3. Em respeito ao devido processo legal, o art. 530 deve ser interpretado harmoniosa e sistemati-camente com o restante do CPC, em especial o § 3º do art. 515, admitindo-se os embargos infringentes opostos contra acórdão que, por maioria, reforma sentença terminativa e adentra a análise do mérito da ação. 4. De acordo com a teoria da asserção, se o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferi-do juízo sobre o mérito da questão. 5. A natureza da sentença, se processual ou de mérito, é definida por seu conteúdo e não pela mera qualificação ou nomen juris atribuído ao julgado, seja na fundamentação ou na parte dispositiva. Entendida como de mérito a sentença proferida, indiscutível o cabimento dos embargos infringentes. Recurso especial parcialmente pro-vido.49 (grifou-se)

47 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 204.48 USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Op. cit., p. 189-190.49 REsp 1.194.166/RS, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 28.09.2010.

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Para Didier Júnior e Cunha50, é o acórdão que reforma a sentença por maioria de votos que deve ser de mérito, e não propriamente aquela. Se, após reformar a sentença terminativa, o tribunal prossegue no julgamento do feito e por maioria de votos decide o mérito, houve substituição da sentença profe-rida pelo juízo ad quo, sendo cabíveis, então, os embargos infringentes.

A exigência de uma sentença de mérito para o cabimento dos infringen-tes não atingiu o objetivo da reforma da Lei nº 10.352/2001, pois

não é a sentença que produz a coisa julgada, mas sim o acórdão. E, de acor-do com a legislação processual, nada impede que uma sentença de mérito seja substituída por um acórdão terminativo, ou ainda que uma sentença terminativa seja substituída por um acórdão de mérito. Deveria, portanto, o dispositivo legal exigir para o cabimento dos infringentes o acórdão de mérito e não a sentença.51

Assim, extrai-se que o imprescindível para o cabimento dos embargos infringentes não é a ocorrência de decisão com resolução de mérito no 1º grau de jurisdição, mas, sim, que o tribunal tenha analisado o mérito quando do julgamento da apelação contra a sentença terminativa, reformando esta por maioria de votos, uma vez, que nos casos de incidência do art. 515, § 3º, é o acórdão que tem a faculdade de produzir a coisa julgada material.

CoNClusão

Diante das considerações realizadas neste artigo, conclui-se que a Lei nº 10.352/2001 teve a finalidade de conferir maior celeridade à tramitação dos processos, sem violar o princípio do duplo grau de jurisdição.

Não há como dizer que o § 3º, incluído ao art. 515 do CPC, é inconsti-tucional. O princípio do duplo grau, apesar de representar uma garantia ao jurisdicionado, não se encontra de forma expressa e obrigatória no ordena-mento jurídico, e, sendo assim, pode ser abrandado pelo legislador em deter-minados casos, como ocorre quando presentes os requisitos para aplicação da teoria da causa madura.

50 DIDIER JÚNIOR, Fredier; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Op. cit., p. 225-226.

51 SILVEIRO, Roberto Santos. O cabimento dos embargos infringentes de acordo com a primeira hipótese do artigo 530 do CPC. Disponível em: www.abdpc.org.br. Acesso em: 21 nov. 2012.

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Se o processo está pronto para ser julgado, não se justifica que ele retor-ne ao primeiro grau de jurisdição, uma vez que importaria em uma demora na prestação jurisdicional. Nesse caso, há que ser feita uma ponderação entre os princípios que regem o direito processual, a fim de prestigiar a efetividade e razoável duração do processo, tão almejados pelas partes litigantes. Na ver-dade, deve ser feita uma releitura do princípio do duplo grau, quando o § 3º do art. 515 estiver autorizado a incidir no caso concreto.

No tocante aos requisitos exigidos pelo § 3º do art. 515, deve-se fazer uma interpretação extensiva, ou seja, o tribunal poderá julgar o mérito quan-do a causa versar sobre questão exclusivamente de direito, ou ainda, quando a causa versar sobre questão de direito e de fato, mas estiver em condições de ser julgada, o que significa dizer que não há necessidade da produção de novas provas, estando a instrução do processo completa.

Mesmo que haja questionamento sobre fatos, se estes forem incontro-versos, deve ser aplicada a teoria da causa madura. Também não há que se falar em cumulatividade dos requisitos expressos na lei (questão exclusiva-mente de direito e condições de imediato julgamento).

Isto porque se entende que os requisitos se confundem. Quando se fala em “condições de imediato julgamento”, significa que foi devidamente opor-tunizado o contraditório e a ampla defesa às partes, mas também que houve a devida produção de provas, estando o processo devidamente concluído para decisão.

E se a expressão “questão exclusivamente de direito” pode/deve ser interpretada como questão de direito ou de fato, desde que não haja necessi-dade de produção de outras provas, significa dizer que estas já foram realiza-das, estando o processo pronto, em condições de ser julgado imediatamente. Tanto é que o projeto de lei do novo CPC prevê as condições para a aplicação da teoria da causa madura, de forma alternativa.

Quanto ao julgamento do mérito de ofício pelo tribunal, sem que ocor-ra pedido expresso da parte em suas razões de apelação, há de se ter em mente que o legislador não estabeleceu a necessidade de tal requerimento, e a expressão do § 3º do art. 515, “[...] o tribunal pode julgar desde logo a lide [...]”, não deve ser aliada à ideia de requerimento da parte, mas sim aos requisitos genéricos para o julgamento do feito.

Entender-se pela necessidade de requerimento da parte vai até mesmo contra o objetivo da reforma, que foi o de acelerar o trâmite processual na busca de uma maior efetividade da tutela jurisdicional às partes.

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Com relação aos embargos infringentes, ainda que o art. 530 do CPC exija que em grau de apelação ocorra a reforma de sentença de mérito, deve ser possível sua interposição. Deve ser levado em conta que, com a incidência do § 3º do art. 515, não há que se falar em reforma da sentença no tocante ao mérito, ou seja, o tribunal analisa a questão de forma originária, em razão de o processo ter sido extinto no primeiro grau de jurisdição, de forma equivo-cada.

Neste sentido, não há como retirar da parte o direito à interposição do recurso, pelo fato de os requisitos exigidos pela lei não restarem preenchidos. Se a lei oportuniza que uma causa seja julgada sem maiores demoras, ou seja, sem precisar retornar ao Juízo a quo, porque se encontra madura, apta para julgamento, deve o art. 530 do CPC ser interpretado de forma a se compatibi-lizar com o art. 515, § 3º, do mesmo diploma legal.

Portanto, o necessário para o cabimento dos embargos infringentes é que ocorra a análise do mérito pelo tribunal, quando, ao julgar a apelação, profere acórdão por maioria de votos, reformando a sentença terminativa, pois é este acórdão, não unânime, que tem a capacidade de produzir a coisa julgada material, e não a sentença que resolveu o processo sem resolução de mérito.

reFerÊNCiAs

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A evolução HistóriCA e os Novos HoriZoNtes dA iNCorPorAção imobiliÁriA e do

CoNdomÍNio edilÍCio No direito brAsileiro*

lourdes HelenA rocHA dos sAntos

Advogada Especialista em Direito Imobiliário, Sócia do Escritório Santos e Silveiro Advogados.

FAbio cAprio leite de cAstro

Advogado, Professor Adjunto da Pontifícia Universidade Católica, Doutor em Filosofia pela Université de Liège/Bélgica.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Do Brasil-Colônia ao Império; 2 Do Impé-rio aos primeiros anos da República; 3 Do Código Civil de 1916 ao Decreto nº 5.481/1928; 4 Os 50 anos de vigência da Lei dos Condo-mínios e Incorporações Imobiliárias – Lei nº 4.591, de 1964; 5 Novos horizontes de interpretação da Lei nº 4.591/1964: a função social da propriedade e do contrato de incorporação imobiliária; Considera-ções finais; Referências.

iNtrodução

Há cinquenta anos, a entrada em vigência da Lei nº 4.591/1964 repre-sentou um verdadeiro marco jurídico na regulação do condomínio e da in-corporação imobiliária no Brasil. Aperfeiçoada posteriormente pelo novo Có-digo Civil e pela Lei nº 10.931/2004, a Lei de Condomínios e Incorporações resiste até os nossos dias como o diploma legal que sistematizou e trouxe segurança para o setor imobiliário nacional. O aniversário da lei nos inspira a fazer uma reflexão em duas vias: a primeira consiste em reconstruir a evo-lução histórica dos institutos da incorporação e do condomínio no sistema

* O presente ensaio tem origem na tese de doutorado intitulada “A exclusão de sócio por falta grave na sociedade limitada: fundamentos, pressupostos e consequências”, apresentada e defendida junto à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, a quem agradeço por todo o auxílio.

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jurídico brasileiro; a segunda, em analisar o tempo de vigência da lei, desde o impacto da sua aprovação até o seu atual horizonte de aplicação.

Partindo da reconstrução histórica da legislação pátria, é possível obter um entendimento das transformações sociais e jurídicas que permearam a regulamentação dos institutos do condomínio e da incorporação imobiliá-ria. O projeto de lei concebido por Caio Mário da Silva Pereira respondia a uma necessidade do setor imobiliário, que não dispunha ainda de uma legis-lação adequada. O crescimento dos investimentos nesse setor dependia de uma urgente regulação jurídica, que deveria consolidar um novo sistema de proteção ao adquirente, trazendo um cenário de segurança para o mercado imobiliário.

Desde a aprovação da lei até os nossos dias, muitas foram as transfor-mações da sociedade brasileira, da economia nacional, do mercado imobi-liário, da legislação pátria e da situação política do país. Os novos horizontes jurídicos produzidos pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil, além das alterações expressas da lei, ensejam uma nova hermenêutica, pauta-da pelos princípios da função social da propriedade e do contrato. Com base no método histórico, o objetivo deste artigo é estabelecer uma compreensão jurídica da Lei nº 4.591/1964 e de seus atuais desdobramentos, a fim de re-constituir o seu fio condutor e a sua essência: a proteção ao interesse coletivo.

1 do brAsil-ColÔNiA Ao imPÉrio

Nosso ponto de partida é o marco histórico da expedição de Cabral, cuja partida se deu no dia 9 de março de 1500. A “descoberta” do Brasil na manhã do dia 23 de abril do mesmo ano dava continuidade ao expansionis-mo marítimo português do século XV. Nesse século, inúmeras expedições portuguesas foram, pouco a pouco – de Gil Eanes, em 1433, a Bartolomeu Dias, em 1487 –, fazendo o percurso da costa africana, até o Cabo da Boa Esperança1.

Antes disso, já em 1494, portugueses e castelhanos haviam divi-dido o mundo entre si, através do tratado firmado na pequena cidade de Tordesilhas. Afastados dessa partilha, os franceses não aceitaram a validade jurídica do tratado e passaram a assediar a costa brasileira. As novas dispu-

1 BUENO, Eduardo. A viagem do descobrimento – A verdadeira história da expedição de Cabral. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998. p. 47 e s.

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tas despertaram a necessidade de ocupação do território, passados mais de 30 anos desde que Cabral tomou posse oficialmente do Brasil. Até então, a vasta costa brasileira estivera praticamente abandonada a náufragos e degre-dados portugueses e espanhóis, além de traficantes de pau-brasil2. Entre 1534 e 1536, implantava-se o modelo de colonização já conhecido dos portugueses, utilizado anteriormente na ilha da Madeira e no próprio território português em 13753.

O sistema dividia o território brasileiro em áreas chamadas de “dona-tarias” ou “capitanias hereditárias”, cujos lotes possuíam as enormes dimen-sões de cerca de 350 km de largura cada um, prolongando-se, em extensão, “até a linha de Tordesilhas, em algum lugar no interior ainda desconhecido do continente”4. Os 15 lotes em que foi dividido o território brasileiro perfa-ziam, ao total, 12 capitanias, as quais terminaram nas mãos de membros da pequena nobreza. Os donatários recebiam a própria terra e os poderes para administrá-la, porém sem nenhum recurso. Em razão disso, o projeto de colo-nização resultou em total fracasso. Prova é que apenas duas das 12 capitanias se desenvolveram em seu período inicial: Pernambuco e São Vicente5.

O sistema donatarial apresentava dois ângulos básicos: a repartição política (da jurisdição e do imperium) e a distribuição do solo entre os mora-dores, em conformidade com o modelo português das sesmarias6.

As sesmarias

A origem da evolução fundiária brasileira estabeleceu-se no sesmarialismo. Sendo o Brasil uma colônia da Coroa portuguesa, a ele foi aplicada a legis-lação real lusa, inclusive no que tange ao modelo de doação e administra-ção das terras. Precisamente o grande problema enfrentado no sesmarialismo brasileiro foi que a situação da colônia era bastante diferente da portuguesa quando da introdução desse sistema em Portugal, por volta de um século e meio antes da colônia.

A concepção das sesmarias e a sua aplicação ao solo português teve por orientação jurídica a repulsa ao solo inculto, herdada da tradição romana

2 BUENO, Eduardo. Capitães do Brasil – A saga dos primeiros colonizadores. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. p. 09-10.

3 PORTO, Costa. O sistema sesmarial no Brasil. Brasília: UnB, 1970. p. 42.4 BUENO, Eduardo. Capitães do Brasil – A saga dos primeiros colonizadores. Op. cit., p. 11.5 Idem, p. 12.6 PORTO, Costa. O sistema sesmarial no Brasil. Op. cit., p. 24.

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e visigoda. Na legislação de D. Fernando, de 1375, a primeira lei de sesma-rias, “a cultura do solo é obrigatória tendo em vista o interesse coletivo – o abastecimento”7. Como observa Ângela Silva, a lei de Don Fernando pode ser considerada, de um lado, uma “lei de reforma agrária totalitária”; porém, de outra banda, ela continha a ideia embrionária da função social da propriedade, representada pelo controle da produtividade8.

Os sesmeiros possuíam, nesse contexto, a incumbência de investigar quais eram as terras incultas e de taxar os donos e seus lavradores, podendo inclusive confiscá-las e redistribuí-las. O disciplinamento sesmarial lusitano sobreviveu no tempo e passou a ter alcance geral nas Ordenações do Reino. Posteriormente, as Ordenações Manuelinas (1514)9 e as Filipinas (1603)10 fo-ram, sucessivamente, aplicadas ao Brasil.

A definição legal de sesmaria encontra-se no Título XLIII do Livro IV das Ordenações Filipinas (cujo texto muito pouco alterou a definição já existen-te nas Ordenações Manuelinas):

Sesmarias são propriamente as dadas de terras, casaes, ou pardieiros, que foram, ou são de alguns Senhorios, e que já em outro tempo foram lavradas e aproveitadas, e agora o não são. As quaes terras, e os bens assi danifica-dos, e destruídos podem e devem ser dados de sesmarias, pelos Sesmei-ros, que para isso forem ordenados. E a Nós sómente pertence dar os ditos Sesmeiros, e os pôr nos lugares onde houver terras ou bens de raiz que de sesmaria se devão dar.11

7 Idem, p. 28 O conceito de sesmaria possui discutida etimologia. As alternativas mais conhecidas são que a palavra derivaria do verbo sesmar (dividir) ou que derivaria do latim hipotético siximum (a sexta parte). Conforme o historiador e jurista Costa Porto, há uma explicação da origem do termo baseada em um fato histórico, que nos parece a mais pertinente. As terras distribuídas diziam-se de sesmaria porque “a repartição se processava através dos Sesmeiros, integrantes do Siximum, ou Sesmo, colégio integrado de seis membros – os Seviri, encarregados de repartir o solo entre os moradores, fracionando as áreas dos terrenos de alfoz das cidade em pequenos tratos” (Idem, p. 33). A palavra sesmaria deriva de “sesmeiro”, que era o almoxarife encarregado de dar e repartir o solo entre os moradores e lavradores, a fim de que o solo não se tornasse inculto ou abandonado.

8 SILVA, Ângela. Terras devolutas. Revista dos Tribunais On-Line. Reprodução de Revista de Direito Imobiliário, v. 14, jul. 1984. Acesso em: 29 jan. 2014, às 17h.

9 PORTUGAL. Ordenações Manuelinas (1514). Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, v. III. Reprodução da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra (1797).

10 PORTUGAL. Ordenações Filipinas (1603). Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, v. II. Reprodução da edição feita por Cândido Mendes de Almeida no Rio de Janeiro (1870).

11 PORTUGAL. Ordenações Filipinas (1603). Fundação Calouste Gulbenkian. Op. cit., p. 822.

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No Brasil, por conta das pressões externas e das invasões, além da ne-cessidade de resolver o problema do solo inculto, seria preciso promover o povoamento e a colonização do território. Adotando a forma jurídica das Or-denações, Don João III determinou aos capitães a repartição e distribuição de sesmarias entre os moradores, para que assim pudessem eles se estabelecer na terra e cultivá-la12. Exigia-se do sesmeiro o pagamento do dízimo e o cul-tivo da terra estabelecido na doação. Conforme as Ordenações Filipinas, a concessão de terreno implicava aproveitamento no prazo máximo de cinco anos, sob pena de anulação automática, tornando-se essas terras devolutas.

Aos olhos de hoje, a iniciativa da Coroa portuguesa pode parecer-nos censurável. Porém, é preciso ressaltar que não havia fórmula alternativa à distribuição do solo para incentivar o povoamento da colônia, o qual, mes-mo com um sistema de doações, mostrou-se moroso. Os erros não derivam tanto da fórmula empregada, mas da aplicação do mesmo instituto a realida-des distintas. Como assevera Costa Porto, entre Portugal de D. Fernando e o Brasil de D. João III, só havia um ponto em comum: “a existência de solo sem cultura, sem aproveitamento, inexplorado”13. As causas não eram as mesmas: no Reino, a incultura resultava do descaso dos senhorios, enquanto, no Brasil, decorria da falta de população. Em Portugal, era possível apontar o binômio “pouca terra e muita gente”; já no Brasil ocorria exatamente o contrário14. Es-sas diferenças explicam por que a cópia do sistema, assim como dos procedi-mentos portugueses, refletindo um Reino que legisla de longe, sem conhecer a realidade da colônia, conduziu ao seu fracasso no Brasil, com apossamentos irregulares e inúmeras devoluções por desocupação e abandono.

Até o final do século XVII, não havia limite para a concessão de ses-marias. A demanda por terras levou o governo metropolitano a limitar a sua concessão ao máximo de quatro léguas de comprimento por uma de largura. Na Carta Régia de 1697, o limite foi reduzido para “três léguas e depois, sucessivamente, para duas, uma e meia légua”15. No entanto, essas medidas

12 PORTO, Costa. O sistema sesmarial no Brasil. Op. cit., p. 30.13 Idem, p. 42.14 Para um maior aprofundamento dessas diferenças, ver: PORTO, Costa. O sistema sesmarial

no Brasil. Op. cit., p. 42-45; PORTO, Costa. Curso de direito agrário. V. 1 – Formação territorial do Brasil. Brasília: Fundação Petrônio Portella, 1982. p. 41-43.

15 NEVES, Erivaldo Fagundes. Sesmarias em Portugal e no Brasil. Politeia: História e Sociedade, v. 1, n. 1, p. 125-125, 2001.

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restritivas foram inócuas, pois não conseguiram deter o processo de expan-são territorial praticado por fazendeiros16.

A cidade colonial e os primeiros desenvolvimentos urbanos

Ao longo de três séculos, os processos de urbanização e o desenvolvi-mento das vilas e cidades brasileiras estiveram visceralmente relacionados ao sistema colonial, organizado e administrado em capitanias e sesmarias, bem como marcados por diversos ciclos econômicos de expansão da colonização. A ocupação e colonização portuguesa obedeceu a modelos de monocultura para a extração de matéria-prima brasileira, combinada com o uso de mão de obra indígena e escrava, e o tráfico de escravos.

Desde o descobrimento até o desembarque da família Real ao Brasil em 18 de janeiro de 1808, foram pelo menos quatro os grandes ciclos econômi-cos no Brasil17. Um período preliminar estendera-se de 1500 a 1530, centrando--se, basicamente, na extração de pau-brasil. Iniciava-se, em seguida, de 1530 a 1640, um período de ocupação efetiva, sob o modelo da grande proprieda-de, voltada em grande número para a produção de açúcar. Nas regiões de Pernambuco e da Bahia, a produção de açúcar alastrou-se rapidamente, em-bora nem todas as propriedades dispusessem de engenho próprio. Além dis-so, começava nesse período, embora em menor escala, o cultivo do tabaco18. A partir de 1640 até 1770, iniciava um novo sistema político e administrativo na Colônia, em razão da libertação de Portugal da dominação espanhola, bem como da sua privação em relação ao mercado asiático e das novas invasões holandesas por volta de 1630 no nordeste brasileiro. O aumento do interesse de Portugal pela sua Colônia contribuiu para uma ainda maior centralização do domínio português. Um novo ciclo iniciou-se com a ocupação do Centro--sul objetivando desenvolver a mineração, com a pecuária no nordeste e a co-lonização do vale amazônico para fins de colheita florestal. Posteriormente, entre 1770 e 1808, ocorreu o período designado por Caio Prado Júnior como apogeu da Colônia, com a decadência da mineração e o progresso da lavoura algodoeira, facilitada pela simplicidade de sua produção. Ao lado do açúcar, a produção de algodão aumentou de maneira vertiginosa, igualmente tra-balhada pela mão de obra escrava. Esse período de consolidação conheceria

16 MOTTA, Márcia Maria Menendes. Sesmarias e o mito da primeira ocupação, 2004, p. 5.17 Cf. PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1971

(1945). p. 09-119.18 Idem, p. 39-40.

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ainda a incorporação do Rio Grande do Sul e o estabelecimento da pecuária, encerrando-se por conta da vinda da família Real ao Brasil.

Interessa-nos conhecer um pouco da realidade das cidades coloniais. Sérgio Buarque de Holanda, no clássico Raízes do Brasil, acentua que o Brasil, como na maioria dos países de colonização recente, mal conheceu estabeleci-mentos intermediários entre os meios urbanos e as propriedades rurais, cuja distinção correspondia, de um modo bastante peculiar, à “distinção clássica e tipicamente europeia entre a cidade e a aldeia”19. Com a falta do incremento das cidades e do atraso na formação de uma classe não-agrária, sucedeu pro-gressivamente que a terra concentrou-se na mãos de pessoas que habitavam a cidade e consumiam a produção dos elementos rurais. É significativo o fato de que, naquele período, os centros urbanos brasileiros se ressentiam da dita-dura dos domínios rurais, pelo fato de que as funções mais elevadas eram exer-cidas pelos senhores de terras20. O acento na vida rural estava bem alinhado ao espírito da Coroa portuguesa21. A ocupação, de início, predominantemen-te litorânea, conhece apenas no seu terceiro século um afluxo mais elevado de emigrantes para o “interior”. Tudo isso explica por que as primeiras cidades coloniais e vilas foram construídas tendo como objetivo maior o domínio ru-ral e a extração de matéria-prima, faltando-lhes, em contraste com a América espanhola, uma legislação prévia abundante, a criação de núcleos estáveis e bem ordenados, com zelo político sobre o território e um traçado urbano operado desde o centro ou da praça maior22.

No contexto do urbanismo colonial, observa-se “o predomínio do irregular”23. Desde o fim dos tempos coloniais, a irregularidade urbana pas-sou a ser vista como obstáculo a uma urbanização mais ordenada e adequa-da24. O Poder Público não fornecia normas e orientações claras quanto ao

19 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995 (1936). p. 88-89.

20 Idem, p. 89.21 “Essa primazia acentuada da vida rural concorda bem com o espírito da dominação

portuguesa, que renunciou a trazer normas imperativas e absolutas, que cedeu todas as vezes em que as conveniências imediatas aconselharam a ceder, que cuidou menos em construir, planejar ou plantar alicerces, do que em feitorizar uma riqueza fácil e quase ao alcance da mão.” (Idem, p. 95)

22 Idem, p. 95-98.23 CENTURIÃO, Luiz Ricardo Michaelsen. A cidade colonial no Brasil. Porto Alegre: Edipucrs,

1999. p. 218.24 Ibidem. Segundo o autor, Salvador é um exemplo de cidade que, partindo de um centro

com planta reticulada, espalhava-se de maneira desordenada em várias direções. Em seu

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modelo a ser seguido no traçado urbano. “As Ordenações apenas de forma genérica faziam alusões aos aspectos de conformação e ordenação dos aglo-merados citadinos”25. Somente mais tarde a orientação sobre a concentração e o traçado das cidades se tornaram efetivos, nos centros de maior importância.

O regramento acerca dos edifícios e das servidões do Brasil colonial também derivava das Ordenações do Reino. Essas normas estavam inclusas no título que regulava a função dos almotacés, um tipo de oficial que atuava no âmbito do município para supervisionar o mercado, os pesos e medidas, os aspectos construtivos e sanitários das cidades e vilas. Nesse sentido, o Tí-tulo LXVIII (Dos Almotacés), §§ 22 a 42, do Livro I das Ordenações Filipinas regulava o conteúdo do direito de construção, de servidão, de vizinhança e uma forma ainda rudimentar do direito de condomínio. No § 34, as Ordena-ções determinavam que se a casa pertence a dois senhorios, a um pertence o sótão e ao outro o sobrado26. Essa era a previsão das Ordenações da divisão da propriedade imobiliária por andares.

As cidades e vilas brasileiras do período colonial foram resultado da aplicação da legislação lusa no tocante ao uso das terras e às construções, até a Independência, subsistindo ainda a aplicação de inúmeras regras das Ordenações em pleno Brasil-Império. São esses os aspectos sobre os quais passaremos a discorrer.

2 do imPÉrio Aos Primeiros ANos dA rePÚbliCA

O regime sesmarial implantado no Brasil deixou nefastos reflexos na estrutura rural do País. Os grandes latifúndios formaram-se a partir do sis-tema de colonização do solo27. Nos moldes precários em que foi adotado no Brasil, o regime não beneficiou a agricultura, atividade lastro da economia brasileira no período colonial; pelo contrário, estava prejudicando-a, o que levou o patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva a arrancar de D. Pedro I a Resolução nº 76, de 17 de julho de 1822, que extinguiu o regime sesmarial no Brasil28.

novo movimento de expansão, e com a formação de novas paróquias, a cidade buscou acomodar-se ao relevo e as ruas acompanharam a topografia.

25 Idem, p. 219.26 PORTUGAL. Ordenações Filipinas (1603). Fundação Calouste Gulbenkian. Op. cit., p. 161.27 SILVA, Ângela. Terras devolutas. Revista dos Tribunais On-Line. Op. cit. Acesso em: 29 jan.

2014, às 17h.28 Ibidem.

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A lei de terras

A partir daí, generalizou-se o sistema de aquisição da propriedade pela ocupação pura e simples do território brasileiro, até a vigência da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, conhecida como a Lei de Terras.

O referido diploma teve o mérito de ser a primeira lei editada com o mister de regular a propriedade de terras no País (embora tenha mantido, em muito, o modelo dos grandes latifúndios). O seu objetivo primordial foi o de proibir a posse de terras devolutas, entendidas estas as que “não estão incor-poradas ao patrimônio público, como próprios, ou aplicadas ao uso público ou objeto de domínio ou de posse particular, manifestada esta em cultura efetiva e morada popular”29.

Denote-se que as sesmarias, desde sua origem, ao tempo do rei D. Fernando, sempre foram concedidas para o cultivo do solo. Seguindo a tradição nesse aspecto, a Lei nº 601/1850 considerou a cultura efetiva do solo como condição essencial para deixar no patrimônio privado as terras com, pelo menos, início de cultura, fazendo retornar ao patrimônio público as ter-ras não cultivadas.

A Lei de Terras só foi regulamentada alguns anos depois, pelo Decreto nº 1.318, de 30.1.1854. Tal regulamentação previa a possibilidade de que as posses até 1854 fossem devidamente regularizadas. Entretanto, a data fatal para a regularização das posses foi, de tempos em tempos, dilatada, o que favorecia os grandes latifundiários. O processo de regularização era adminis-trativo, facilitando a incidência de atos fraudulentos. As fraudes quanto às datas de posse e às transferências das terras devolutas – as quais passaram a pertencer, desde a Lei nº 601/1850, ao governo imperial e após a Proclamação da República (1889), aos Estados – acabaram por dilapidar o patrimônio pú-blico, criando-se, às suas custas, imensos latifúndios particulares.

Outro aspecto marcante da Lei de Terras é que ela instituía a compra como único instrumento capaz de legitimar a aquisição da propriedade rural no Brasil. O art. 1º da referida lei dispunha que “ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra”.

Embora com imprecisões, a Lei nº 601, de 1850, representou um marco legislativo em direção a um ordenamento jurídico verdadeiramente brasilei-

29 JUNQUEIRA, Messias apud SILVA, Ângela. Terras devolutas. Revista dos Tribunais On-Line. Op. cit. Acesso em: 29 jan. 2014, às 17h.

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ro, adequado à realidade pátria. A necessidade de uma legislação própria fica evidenciada pelo grande número de leis esparsas que começam a vigorar no Brasil, convivendo até o início da vigência do Código Civil com as Ordena-ções lusas.

Neste sentido, é importante ressaltar que o século XIX, especialmente na segunda metade, é marcado por grandes alterações no cenário político, social e econômico, exigindo leis que regulassem esta nova realidade. É um período auge, onde o País entra bruscamente em franca prosperidade e lar-ga ativação econômica. Fundam-se empresas, bancos, sem contar os grandes empreendimentos como a construção de estradas de ferro e companhias de navegação a vapor. O Brasil ingressa num novo plano que desconhecera no passado e nasce para a vida moderna das atividades financeiras; o comércio em todas as modalidades se expande. Mas é sobretudo na agricultura que se observará o grande crescimento da produção brasileira. A lavoura do café, gênero então de largas perspectivas nos mercados internacionais, contará com uma base financeira sólida e de crédito, bem como um aparelhamento comercial suficiente que permitirá a expansão da economia do País.

A evolução econômica experimentada à época perfazia-se ao mesmo tempo em que entrava em decadência o sistema escravagista, que fora desde o início do século XIX alvo da oposição internacional ao tráfico – sobretudo a inglesa, por interesses diretos na economia brasileira. Deste sistema depen-diam, nos moldes em que foram estruturadas, as atividades econômicas ba-seadas na monocultura. Por isso, a extinção do uso da mão de obra escrava provocava a apreensão de que o País entrasse em colapso. A partir do es-tabelecimento de medidas para a repressão do tráfico de escravos, pela Lei Eusébio de Queiroz, de 1850, a população escrava, sem o reforço permanente do tráfico, começava a entrar em declínio30. Não faltava quem visse na aboli-ção da escravidão o fim da economia da grande lavoura; considerava-se que não seria possível ajustar a ela o trabalho livre e assalariado, especialmente do imigrante europeu. Falhará a previsão, pois, com a abolição da escravatu-

30 A esse respeito, vale conferir a lição de Caio Prado Jr.: “A contradição estrutural que representa a escravidão para a jovem nação recém-libertada do regime colonial tornar-se-á patente quando se trata de organizá-la politicamente em Estado autônomo. [...] Mas, de uma forma geral, é exato afirmar-se que a população escrava, sem o reforço permanente do tráfico, vai sempre em declínio. Já era esta aliás a opinião corrente na época; e ela se verificará efetivamente depois de 1850, quando é extinta a importação de escravos” (PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil. Op. cit., p. 144).

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ra, que veio definitivamente ocorrer em 188831, a expansão da lavoura do café continuará progredindo, inclusive em ritmo mais acentuado, contando com trabalhadores livres e imigrantes europeus.

Para o ilustre historiador e economista Caio Prado Jr., tudo isso re-sultará numa completa remodelação material do Brasil. “O Império, quando em 1889 se extingue e é substituído pela República, terá coberto uma larga e importante etapa da evolução econômica do país”32. A República romperá os quadros conservadores dentro dos quais se mantivera o Império, desencade-ando um novo espírito, em tom social bem mais de acordo com a prosperida-de material que experimentava o País.

As Consolidações das leis Civis (de 1858 e de 1899)

Em 1858, sem desvincular-se da legislação portuguesa – nesta época vigiam, em grande parte, no que tange à vida civil, as Ordenações Filipinas –, é publicada a primeira Consolidação das Leis Civis do Brasil, de autoria de Teixeira de Freitas, “o jurisconsulto do Império”. Por força desta Consolida-ção, foram compiladas todas as leis civis esparsas até então vigorantes. Não obstante o enorme esforço desempenhado pelo nobre jurista, é evidente que em vários assuntos a Consolidação ficou devedora de uma sistematização mais apurada.

A Consolidação declarava, em seu art. 884, que o domínio consiste “na livre faculdade de usar e dispor das cousas”33. Faltou-lhe, porém, uma abor-dagem mais criteriosa da classificação desta faculdade e dos direitos reais a

31 A abolição ocorreu progressivamente. Tudo começa com a Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831. Esta lei declarava livre todos os escravos vindos de fora do Império e impunha pena aos seus importadores, no entanto, tratava-se de mera demonstração abstrata às pressões da Coroa britânica, não tendo nenhuma efetividade na prática. O primeiro passo para tornar a lei anterior efetiva e romper com o sistema escravagista foi a proibição da importação de escravos, com a Lei Eusébio de Queiroz, nº 581/1850, a qual estabelecia “medidas para a repressão do tráfico de africanos neste Império”. Essa lei produziu uma notável diminuição do número de escravos, mas ainda não extinguia o sistema da escravidão no país. Mais de vinte anos depois, a chamada Lei do Ventre Livre, Lei nº 2.040/1871, sancionada pela Princesa Imperial Regente, determinava em seu art. 1º que: “Os filhos de mulher escrava, que nascerem no Império desde a data dessa Lei, serão considerados de condição livre”. Finalmente, por meio da Lei nº 3.353/1888, sancionada também pela Princesa Isabel, é declarada extinta a escravidão no Brasil.

32 PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil. Op. cit., p. 195.33 “Art. 884. Consiste o dominio na livre faculdade de usar, e dispôr, das cousas, e de as-

demandar por acções reaes.” (FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis (1858). Brasília: Senado Federal, v. II, 2003. Obra fac-similar, p. 523)

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ela relacionados. Somente seis anos depois, a Lei Hipotecária, aprovada em 24 de setembro de 1864, vinha trazer uma classificação dos ônus reais, em seu art. 6º: a servidão, o uso, a habitação, a anticrese, o usufruto, o fôro, e o legado de prestações ou alimentos expressamente consignado no imóvel; tratando todos os demais ônus como pessoais34.

No que tange à aquisição, revalidação ou legitimação de terras devo-lutas, o art. 904 da Consolidação de 185835 remete a leis brasileiras especiais, quais sejam, a Lei nº 601, de 1850, em vigor à época, bem como o Decreto nº 1.318/1854, que a regulamentava e estabelecia os critérios e condições da repartição geral das terras públicas. Na mesma linha, o art. 905 da Consoli-dação de Teixeira de Freitas determinava que todos os possuidores de terras, em conformidade com as leis especiais, são obrigados a fazer registrá-las36.

No campo dos prédios em condomínio, a Consolidação, no seu art. 946, ratificou o conteúdo das Ordenações Filipinas (Livro I, T. 68, § 34), assim dis-pondo: “Art. 946. Se uma casa fôr de dois dônos, pertencendo á um as lojas e ao outro o sobrado, não póde o dono do sobrado fazêr janella, ou outra obra, sobre o portal das lojas”37. Desde as Ordenações, este era o único dispositivo aplicável aos condomínios em edificações, além do disciplinamento do direi-to de construção, de servidão e de vizinhança38.

34 “Art. 6º. Somente se considerão onus reaes: A servidão; O uso; A habitação; O antichrese; O usofructo; O fôro; O legado de prestações ou alimentos expressamente consignado no imóvel. § 1º Os outros onus que os proprietarios impuzerem aos seus predios se haverão como pessoaes, e não podem prejudicar aos credores hypothecarios.” (BRASIL. Lei nº 1.237 (1864). Collecção das Leis do Imperio do Brasil (1864). Rio de Janeiro: Typographia Nacional, t. XXIV, parte I, p. 71)

35 “Art. 904. As acquisições das terras devolutas, e a revalidação, e legitimação, das posses dellas, são reguladas por Leis especiais.” (FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis (1858). Op. cit., p. 532)

36 “Art. 905. Todos os possuidores de terras, qualquer que seja o titulo de sua propriedade, ou possessão, são obrigados a fazer registrar as terras, que possuírem, dentro dos prazos marcados pelo presente Regulamento, os quaes se começarão a contar, na Côrte, e Provincia do Rio de Janeiro, da data fixada pelo Ministro e Secretario d’Estado nos Negocios do Imperio, e nas Provinciais, da fixada pelo respectivo Presidente.” (BRASIL. Decreto nº 1.318 (1854). Collecção das Leis do Imperio do Brasil (1854). Rio de Janeiro: Typographia Nacional, t. XV, parte I, p. 26)

37 FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis (1858). Op. cit., p. 550.38 Este fato é corroborado pelos ilustres Pontes de Miranda e Caio Mário da Silva Pereira.

(MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito predial. Op. cit., v. I, p. 60; PEREIRA, Caio Mário da Silva. A propriedade horizontal, novo regime de condomínio. Revista Forense, n. 185, set./out. 1959, p. 54)

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Em 1899, em plena República, e a um passo do século XX, teremos a Nova Consolidação das Leis Civis brasileiras, escrita por Carlos de Carvalho, aplicável no Brasil até 01.01.1917, data de entrada em vigor do Código Civil brasileiro.

Esta Consolidação apresenta-se bem mais evoluída na sua sistemática em comparação à primeira, onde a propriedade é tratada em capítulo pró-prio, ao lado da compropriedade e dos direitos reais sobre bens alheios. Ga-nha notável destaque o tratamento da compropriedade, sobretudo no tocante ao rateio das despesas comuns e à determinação de frações ideais. O conceito de “rateio das despesas comuns” entre os condôminos está bem identificado no art. 386, que determina a responsabilidade dos comproprietários pelas despesas de conservação, melhoramento e manejo, na mesma proporção de suas partes ideais39. Da mesma forma, a determinação da fração ideal de bem imóvel havidos em comunhão aparece em seguida, no art. 391, atribuindo--se ao agrimensor “precisos cálculos para pôr em relação as quantidades aritméticas”40.

Baseada na Nova Lei de Hipotecas (instituída pelo Decreto nº 169-A, de 19 de janeiro de 1890), a Consolidação de Carlos de Carvalho trouxe expres-samente, em seu art. 401, o rol de direitos reais sobre bens alheios: (1) com existência principal (o uso, a habitação, o usufructo, a servidão, a emphyteu-se, o legado de prestações ou alimentos consignados em determinados bens) e (2) com existência subordinada às obrigações que garantem (o penhor, a retenção, a antichrese a hypotheca).

Quanto às edificações, em seu art. 612, a Nova Consolidação apenas reiterou o disposto na legislação anterior, corroborando mais uma vez a an-tiga regra das Ordenações, anteriormente mencionada. Alguns aperfeiçoa-mentos no que tange ao direito de construção e de vizinhança foram fruto das legislações que avançaram na última década do século XIX. Um exemplo

39 “Art. 386. O comproprietario tem direito aos fructos, rendimentos e acessões na proporção de sua parte ideal e na mesma proporção é responsável pelas despesas de conservação, melhoramento e maneio.” (CARVALHO, Carlos de. Nova consolidação das leis civis (1899). Porto: E. Nogueira, 1915. p. 134)

40 “Art. 391. Quando os condominos possuirem no imóvel, não quotas de extensão superficial determinadas, mas partes ideaes originadas de partilhas em inventarios ou de outros títulos, geradores da comunhão, o agrimensor praticará previamente os precisos calculos para pôr em relação as quantidades arithmeticas, constantes dos títulos, com a avaliação do imóvel na divisão processada.” (CARVALHO, Carlos de. Nova consolidação das leis civis (1899). Op. cit., p. 136)

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disso foi o Decreto nº 1.663, de 30 de janeiro de 1894, que aprovou o regula-mento da repartição geral dos telégrafos. Por influência desse regramento, as limitações do direito de construir, até então inspiradas preponderantemente nas relações de vizinhança, ampliam-se no sentido de resguardar o interesse público relativo à passagem das linhas telegráficas. Assim dispõe o art. 614 da Consolidação:

O proprietário tem o direito de levantar construção no terreno até a maior altura, mas não poderá oppôr-se á passagem das linhas telegráficas ou tele-fônicas e á colocação de pontos de apoio pelos terenos ou sobre os telhados, salvo o direito á indemnisação e á reparação dos damnos causados.41

Vista sobre vários aspectos, a Nova Consolidação das Leis Civis bra-sileiras, cuja compilação foi fruto do trabalho do eminente jurista Carlos de Carvalho, representou um avanço, muito embora já se reclamasse uma com-pleta reformulação da legislação civilista, como expressão maior da necessi-dade de um corpo civil único e brasileiro, que pudesse perdurar no tempo.

3 do Código Civil de 1916 Ao deCreto Nº 5.481/1928

Como pudemos ver até agora, em meados do século XIX, o ordena-mento jurídico brasileiro conheceu um conjunto de importantes transforma-ções legislativas que levaram à extinção do sistema de sesmarias e a um novo disciplinamento da propriedade do solo. Embora esse século tenha conheci-do notáveis progressos legislativos, havia ainda muitas falhas, das quais se sobressaía a falta de um Código que disciplinasse o direito civil. As Orde-nações lusas, reafirmadas pela Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas (1858), e depois pela Consolidação das Leis Civis de Carlos de Carva-lho (1899), continuaram parcialmente em vigor no Brasil até a sua completa revogação em bloco pelo Código Civil brasileiro.

o Código Civil de 1916

A necessidade de um corpo sistemático de direito civil já era sentida desde os tempos da Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas e mais ainda enfatizada por Carlos de Carvalho. No entanto, o que se pode notar é que essas compilações não rompiam totalmente com o ordenamento luso. Ao contrário, Carlos de Carvalho afirmava que seria temerário repudiar a

41 Idem, p. 202.

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parte ainda em vigor das Ordenações42. Por essa razão, apesar dos enormes avanços representados pelas Consolidações, faltava ainda um Código que aperfeiçoasse a sistematização dos direitos civis e constituísse uma ruptura definitiva com as Ordenações do Reino.

Temos de lembrar que as capitais começavam, no início do século XX, a ganhar um novo formato urbano, com um grande nó de complexidades. De um lado, há um progressivo aumento da instalação de indústrias, gerando polos de desenvolvimento. De outro, o crescimento desordenado das cidades produzia inúmeros problemas urbanos. Grande parcela das cidades carecia de infraestrutura e não possuía um planejamento adequado. Além disso, o êxodo em direção aos grandes centros urbanos é crescente, não havendo po-líticas ajustadas para a distribuição do solo e para a habitação. Uma tentativa de solução foi a criação de novos loteamentos. Em São Paulo, por exemplo, o bairro Jardim América, fruto de um loteamento projetado pelo urbanista inglês Barry Parker, teve a sua primeira casa construída em 191543. Desde a última década do século XIX, formam-se muitos bairros populares e comuni-dades irregulares, estas últimas sem alternativas de solução para o problema habitacional. As inúmeras e rápidas transformações exigiam uma legislação mais avançada para tentar resolver tais problemas.

É nesse clima que, no dia 1º de janeiro de 1916, o Presidente Wenceslau Braz sancionou a Lei nº 3.071, instituindo o primeiro Código Civil brasileiro, cujo projeto havia sido elaborado por Clóvis Bevilácqua em 1901. Transcorri-da a contagem do período de vacatio legis, determinada no art. 1.806, o Código passou a vigorar no dia 1º de janeiro de 1917. Em seu art. 1.807, determinou--se a revogação de toda legislação anterior concorrente: “Ficam revogadas as Ordenações, Alvarás, Leis, Decretos, Resoluções, Usos e Costumes concer-nentes às matérias de direito civil reguladas neste Código”.

O Código brasileiro herdava do sistema francês a dicotomia do Código Civil e do Código Comercial. Também o Código brasileiro acompanhava o Código napoleônico de 1804, por exemplo, na teoria das nulidades e na teo-ria da responsabilidade civil. No entanto, em outros aspectos, distanciava-se

42 CARVALHO, Carlos de. Nova Consolidação das leis civis (1899). Op. cit., ver notadamente a introdução escrita pelo eminente jurista, p. CXV.

43 VÍCOLA, Nivaldo Sebastião. A propriedade imobiliária no Brasil: breve histórico. FMU Direito, v. 23, n. 31, p. 94, 2009.

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radicalmente do Direito francês, como era o caso da transmissão do domínio, o qual nos interessa aqui44.

Ao regrar a aquisição da propriedade imóvel pela transcrição do título no registro de imóveis (art. 530, I), o Código Civil brasileiro aproximava-se do sistema germânico (não adotando integralmente a sua sistemática), guardan-do fidelidade ao direito romano, para o qual a transferência de propriedade do imóvel exige o ato material e concreto da inscrição no registro. O próprio Código trazia também o disciplinamento geral do registro de imóveis, nos seus arts. 856 a 86245.

Em seu art. 674, o Código Civil elencava, de forma sistemática, os se-guintes direitos reais, além da propriedade: “A enfiteuse, as servidões, o usu-fruto, o uso, a habitação, as rendas expressamente constituídas sobre imó-veis, o penhor, a anticrese e a hipoteca”46.

O Código Civil regrava também, no capítulo da propriedade imóvel, o direito de vizinhança, do art. 553 ao art. 588. Como parte deste último era previsto o direito de construir, regulando vários aspectos da construção, bem como as demarcações e as limitações entre os prédios, proibindo o proprietá-rio de fazer da sua propriedade um uso nocivo que prejudicasse os vizinhos.

Além do disciplinamento sistemático da propriedade, sua aquisição e extinção, e do direito de vizinhança, aí incluso o direito de construir, o Códi-go Civil disciplinava o condomínio. Esse regramento destinou-se ao tratamen-to jurídico das comunhões “pro indiviso”. Condomínio era, na definição do art. 623 do Código de 1916, sinônimo de propriedade comum ou comproprie-dade, como fora chamado na Consolidação das Leis Civis de Carlos de Car-valho. O Código trazia, de forma ordenada, o disciplinamento dos direitos e deveres dos condôminos (arts. 623 a 634), da administração do condomínio

44 Sobre essa influência, ver: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Código Napoleão. Revista dos Tribunais On-Line. Reprodução de: Revista dos Tribunais, v. 835, maio 2005. Acesso em: 24 jan. 2014, às 17h.

45 Como assevera Pontes de Miranda, embora alguns tribunais e o próprio Clóvis Beviláqua tenham reputado revogado o sistema de registro Torrens pelo Código Civil, ele foi expressamente mantido, no que tange aos imóveis rurais, pelo Código de Processo Civil (1939) (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito predial. Op. cit., v. I, p. 173). O registro Torrens foi criado pelo Decreto nº 451 B de 1890. Após longa discussão acerca da sua constitucionalidade (diante da Constituição republicana de 1891) e da sua subsistência perante o Código, findou-se a celeuma jurídica com a sua previsão legal, nos arts. 457 a 464 do Código de Processo Civil de 1939, para o registro de imóveis rurais.

46 BRASIL. Código Civil (1916). 52. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

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(arts. 635 a 641) e do condomínio em paredes, cercas, muros e valas (arts. 642 a 645). No entanto, quanto ao condomínio em prédios e edificações, ou con-domínio horizontal, o Código simplesmente silenciou, assim como silenciou sobre a incorporação como negócio jurídico singular.

Apesar de todos os avanços jurídicos proporcionados pelo Código, o regramento dos condomínios mostrava-se insuficiente e o das incorporações, totalmente ausente. Pontes de Miranda asseverava que “a lei absteve-se de quaisquer regras especiais sobre a organização ou incorporação do edifício de apartamentos”47. No Tratado de Direito Predial, por sua própria conta, uma vez que o Código não dispunha sobre a matéria, o nobre jurista tratava a incorporação como “período pré-comunial”, definindo-a como “período em que se praticam os atos necessários ao estabelecimento da comunhão pro diviso nos edifícios de apartamentos”48. Além disso, o jurista esforçava-se para interpretar a incorporação, conjugando as determinações do Código com o Decreto nº 5.481/1928.

No que tange aos condomínios, não é de se espantar que o Código não cogitasse a divisibilidade por andares, já que o seu ilustre autor era manifes-tamente a isso contrário, como sublinha Caio Mário da Silva Pereira49. Pode--se assim notar que, apesar do grande marco ordenatório e sistemático repre-sentado pela aprovação do Código, é notória a lacuna que subsistiu em nosso ordenamento jurídico, faltando-lhe um regramento que consolidasse normas específicas para a incorporação e o condomínio de apartamentos. Vale lembrar que o Código revogou todo o texto das Ordenações, inclusive o único disposi-tivo que tratava do tema do condomínio em edifício. Tudo isso a um tempo em que as cidades e vilas brasileiras já tomavam novas e significativas proporções. Urgia o aparecimento de uma legislação moderna – e, nesse tocante, o Código já nascia ultrapassado! –, que desse conta de todos os problemas relacionados à crescente concentração de pessoas em prédios e comunidades.

decreto nº 5.481/1928

O tempo passava e o Brasil seguia sem uma legislação moderna que tratasse das novas construções e condomínios em edifícios. Onze anos e meio

47 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito predial. Rio de Janeiro: José Konfino, v. II, 1947. p. 80.

48 Ibidem.49 PEREIRA, Caio Mário da Silva. A propriedade horizontal, novo regime de condomínio.

Op. cit., p. 54.

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após o início da vigência do Código Civil em 1917, o Congresso Nacional, com a sanção do Presidente Washington de Souza, aprovou o Decreto nº 5.481, de 25 de junho de 1928, que regulava “a alienação parcial de edifícios de mais de cinco andares”. A iniciativa deste decreto tinha por objetivo preencher o enorme vazio deixado pelo Código, que, além de não disciplinar a matéria da divisibilidade do condomínio por andares, revogava a sua única, embora ultrapassada, disposição nas Ordenações e nas Consolidações das Leis Civis.

O art. 1º do decreto formulava, de imediato, a possibilidade de aliena-ção do edifício de apartamentos de mais de cinco andares, no todo ou parte, destinados a escritórios ou à residência particular, constituindo cada unidade uma propriedade autônoma, a ser assinalado por designação numérica, aver-bada no Registro de Imóveis, para fins de identidade e discriminação50.

É surpreendente que o texto do dispositivo tenha restringido sua pró-pria aplicação aos “edifícios de mais de cinco andares”. Ora, como ficaria a situação dos edifícios de menos de cinco andares? A eles não seria aplicável o decreto, de forma obrigatória, mesmo constituindo condomínios em edifí-cios? Essa imperfeição legislativa gerou muitas contendas, que parecem ter diminuído com o Decreto-Lei nº 5.234, de 8 de fevereiro de 1943, quando alterou a expressão para “edifícios de três ou mais pavimentos”. Pontes de Miranda entendia, em seu Tratado de direito predial, de 1947, que, “se há divi-são do edifício e há comunhão, o regime jurídico é o dos apartamentos, por-que de apartamentos se trata”51. A tensão somente foi dissipada por ocasião

50 “Art. 1º Os edificios de mais de cinco andares, construidos de cimento armado ou materia similar incombustivel, sob a fórma de apartamentos isolados, entre si, contendo cada um, pelo menos, tres peças, e destinados a escriptorios ou residencia particular, poderão ser alienados no todo ou em parte objectivamente considerada, constituindo cada apartamento uma propriedade autonoma, sujeita ás limitações estabelecidas nesta lei. Paragrapho unico. Cada apartamento será assignalado por uma designação numerica, averbada no Registro de Immoveis, para os effeitos de identidade e discriminação. ”

51 O ilustre jurista complementa seu argumento da seguinte forma: “É verdade que a Lei nº 5.481, de 25 de junho de 1928, art. 1º, sòmente falou de edifícios de mais de cinco andares, e o Decreto-Lei nº 5.234, de 8 de fevereiro de 1943, art. 1º, o alterou para dizer ‘edifícios de três ou mais pavimentos’: mas é por êsses textos legislativos que por analogia se regem as relações entre comunheiros pro diviso de casas da mesma ‘propriedade’ ou apartamentos de um mesmo e só pavimento. [...] Casos há, porém, em que as circunstâncias mesmas obrigam o juiz ou jurista a aplicar a lei sôbre apartamentos, ainda que o prédio não tenha três andares, porque foi ela que incidiu: a única solução justa é revelar o direito, entendendo que a restrição conservada pelo Decreto-Lei nº 5.234, de 8 de fevereiro de 1943, art. 1º, apenas se referia a regime que se considera como regime tipo” (MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito predial. Op. cit., v. II, p. 141-142).

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da Lei nº 285, de 5 de junho de 1948, que alterou a mesma expressão para “edifícios de dois ou mais pavimentos”. Por força dessa mudança, todos os condomínios edilícios de dois ou mais pavimentos, enquadrados na defini-ção da lei, passaram a ser por ela regidos. Restava a comunhão “pro diviso” de um só andar, à qual seguia sendo aplicada a sistemática do Código Civil.

Além dessa grave imperfeição do dispositivo, há ainda outro problema técnico na sua redação. Como assinala Pontes de Miranda com o seu bri-lhantismo habitual, uma simples leitura do dispositivo incluiria apenas os edifícios destinados a escritórios ou residência particular, deixando de fora as casas de comércio sem escritórios, ou consultórios, assim como as casas de pensão ou hotéis. Por essa razão, propunha o douto jurista que o dispositivo deve ser interpretado como se dissesse: “apartamentos destinados a exercício de profissão ou residência”52.

No entanto, apesar destas visíveis falhas, o Decreto nº 5.481/1928 tam-bém apresentava mudanças positivas. Em seu art. 2º, instituía a área de uso comum como coisa inalienável e indivisível (art. 2º). Impedia, assim, que o indivíduo sobrepusesse, quanto às áreas de uso comum, seus interesses em detrimento do interesse coletivo do condomínio. Por outro lado, no tocante às áreas privativas, permitia que cada unidade fosse dada separadamente em hipoteca, anticrese, arrendamento ou locação. Ou seja, em relação aos direi-tos reais que cabe a cada unidade resultante da divisão, o seu proprietário tinha plena autonomia, desde que não afetasse o conjunto. Nesse sentido, inscreveu-se no decreto o art. 11, prevendo, expressa e objetivamente, um rol de proibições gerais direcionadas a qualquer proprietário. O proprietário não poderia (a) mudar a forma externa da fachada ou distribuição interna dos compartimentos; (b) decorar as paredes e esquadrias em cores diversas das empregadas no conjunto do edifício; (c) estabelecer instalações perigosas ou que produzam ruídos incômodos; (d) embaraçar o uso de corredores e ca-minhos internos, bem como lançar detritos; (e) empregar qualquer processo de aquecimento suscetível de ameaçar a segurança do prédio ou prejudicar a sua higiene e limpeza. Note-se que todas essas vedações não tinham outra coisa em vista senão o interesse coletivo dos condôminos.

Ademais, o decreto estabelecia, no art. 8º, regras gerais de adminis-tração, determinando a eleição bienal de um condômino ou de terceiro, por maioria de votos. Configurava-se a determinação legal da prevalência da

52 Idem, p. 120.

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vontade da maioria em detrimento da minoria como expressão do interesse coletivo. Na mesma linha, previa o art. 9º a realização de assembleias anuais por parte dos proprietários, a fim de votar as questões relativas às despesas comuns e ao orçamento. Ademais, o art. 10 estabelecia regra geral para orien-tar as obras relativas à estrutura integral do edifício, a serem aprovadas com orçamento prévio. Pode-se ver, portanto, no disciplinamento da administra-ção do prédio e na imposição de limitações aos condôminos, uma verdadeira proteção ao interesse coletivo que dá vida à edificação.

Outrossim, não é de pouca importância o disciplinamento da questão fiscal, do seguro e da desapropriação. O decreto estabelecia a forma de contri-buição proporcional, em seu art. 5º, determinando que cada lançamento de-veria ser feito como se se tratasse de prédio isolado. Com vistas a assegurar as situações de destruição parcial ou total dos prédios, o decreto determinava a obrigatoriedade do seguro a ser definido pelos condôminos no art. 6º. Previa ainda o decreto, no art. 7º, que, no caso de desapropriação, as indenizações seriam calculadas pelo valor locativo do apartamento no ano anterior ao de-creto que o declarasse de utilidade ou necessidade pública.

Evidentemente, um diploma legal de apenas 11 artigos parece, aos olhos hodiernos, ainda demasiadamente enxuto para a finalidade a que se propunha: regrar a situação dos edifícios em condomínio em todo território nacional. A isso somam-se as imperfeições do art. 1º, que, durante décadas, exigiu dos mais notáveis juristas um esforço hermenêutico de superação da literalidade da lei. De um modo geral, porém, apesar de suas falhas e do nú-mero exíguo de dispositivos, o Decreto nº 5.481/1928 representou o início do reconhecimento e da proteção dos interesses coletivos no âmbito do condomínio. Seguia ainda sem nenhuma previsão legal a incorporação imobiliária.

4 os 50 ANos de vigÊNCiA dA lei dos CoNdomÍNios e iNCorPorAçÕes imobiliÁriAs – lei Nº 4.591, de 1964

Desde sua promulgação, em 16 de dezembro de 1964, até a data de hoje, passaram-se 50 anos de vigência da Lei nº 4.591/1964, a Lei dos Condomí-nios e Incorporações Imobiliárias. De autoria do ilustre Dr. Caio Mário da Silva Pereira, a Lei nº 4.591, de 1964, regula, desde então, a atividade da incorpora-ção imobiliária no Brasil.

O cenário que antecedeu a promulgação da lei era crítico, a reclamar do legislador o suprimento de verdadeira lacuna legal ante a inexistência de um regramento imobiliário suficiente para dirimir os inúmeros conflitos que se

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apresentavam. A lei reguladora do condomínio e incorporações imobiliárias imprimiu, com sua vigência, sistema e ordem à matéria, sendo verdadeiro marco regulatório da atividade imobiliária no País.

Conforme a lição de Milton Santos, a partir dos anos 1950, o processo de urbanização brasileira alcança novos patamares, em razão de uma “revo-lução demográfica”, decorrente da urbanização aglomerada53. Ao longo des-ta década, o agravamento da crise habitacional, a superposição de unidades residenciais, comerciais e profissionais, bem como a proliferação crescente de edifícios nas capitais e no interior do País reclamavam, com efeito, uma disciplina legal que regulasse a matéria, que até então se limitava ao Decre-to nº 5.481/1928 com as alterações superficiais promovidas pelo Decreto-Lei nº 5.234/1943 e pela Lei nº 285/1948.

o projeto da lei de Condomínio e incorporações imobiliárias

Foi em 1959, no centenário de Clóvis Bevilácqua realizado em Fortaleza, que Caio Mário da Silva Pereira, no I Congresso Nacional do Direi-to, expôs sua tese acerca da problemática jurídica dos condomínios, na con-ferência intitulada “A propriedade horizontal, novo regime de condomínio”.

A sua abordagem trazia uma nova tese, que havia sido transformada em artigo e publicada no mesmo ano, muito bem recepcionada pelos juristas da época54. No seu relato, Caio Mário traçou o cenário de crise habitacional que vivia o mundo após duas grandes Guerras, aliado à elevação salarial, ao encarecimento dos materiais, à dificuldade de construção de novas casas e à extrema elevação do preço dos terrenos. O edifício de apartamentos surgia,

53 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 69: “É a partir dos anos 50 que se nota mais francamente uma tendência à aglomeração da população e da urbanização. Os núcleos com mais de 20.000 habitantes veem crescer sua participação no conjunto da população brasileira, passando de pouco menos de 15% do total de 1940 para quase o dobro (28,43%) em 1960 para constituir mais da metade (51%) da população em 1980. Esses mesmos núcleos com mais de 20.000 habitantes reuniam quase metade (47,7%) da população urbana em 1940, mas de três quintos (63,64%) em 1960 e mais de três quartos (75,48%) em 1980. Mas as realidades regionais são diferentes e o peso relativo dessas aglomerações na população total e na população urbana de cada região são um reflexo da história passada e recente de cada uma delas”.

54 “Em 1959, no centenário de Clóvis Bevilácqua [...], relatei uma tese sobre o assunto” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, “prefácio da 2ª ed.”, p. 11). Essa mesma tese foi publicada em “A propriedade horizontal, novo regime de condomínio”, artigo dividido em duas partes: Revista Forense, n. 185, set./out. 1959, p. 52-68, e Revista Forense, n. 186, nov./dez. 1959, p. 44-62.

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então, como uma nova técnica de melhor aproveitamento de espaços e me-lhor distribuição dos encargos econômicos, motivo pelo qual a construção de edifícios passa a desempenhar relevante função social, a requerer do Estado proteção, especialmente daqueles que mal exerciam a atividade.

Dois anos mais tarde, em 1961, Caio Mário publica o livro Propriedade horizontal55, no qual desenvolve a dogmática do condomínio de apartamentos e focaliza na necessidade de se atentar para a economia popular, que estava ameaçada ante a inexistência de meios eficazes para decidir os pleitos e coibir os abusos. Começa, então, a tomar feição jurídica a figura do incorporador, para quem o ilustre jurista sustentava a necessidade de que a lei lhe fixasse responsabilidades. Além disso, sugeria o renomado jurista a reestruturação do condomínio especial e a regulamentação efetiva da figura do incorporador, de-fendendo o caráter de ordem pública que a preceituação deveria adotar. Neste livro, é anexado, ao final, o projeto de lei que será mais adiante aperfeiçoado.

Outras tentativas de regulamentação das incorporações surgiram nes-se período, as quais restaram frustradas, como o Projeto nº 498/1955, do De-putado Bilac Pinto; o projeto do Deputado Gama Lima, em 1963; o projeto do Deputado Emanuel Weissman, em 1964; e o projeto das organizações imobi-liárias e do Colégio Notarial de São Paulo, também em 196456.

Ao assumir a Chefia do Gabinete do Ministério da Justiça, Caio Mário levanta novamente a questão, encontrando acolhida do então Presi-dente Castelo Branco e do Ministro Milton Campos. Com a participação de profissionais e entidades de classe, promoveram-se debates, estudos, contri-buições e sugestões que levaram Caio Mário a elaborar o anteprojeto, ofere-cido pelo Ministro da Justiça ao Presidente da República. Com a sua adoção pelo Governo, o projeto foi encaminhado ao Congresso Nacional, constituin-do o Projeto nº 19, de 1964 (C.N.), o qual, após algumas ementas e alguns vetos do Presidente da República, veio a converter-se na Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964.

A vigência da lei no tempo

Nestes cinquenta anos de vigência da Lei nº 4.591/1964, muitos acon-tecimentos se sucederam, a desafiar o intérprete e o aplicador do Direito na

55 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Propriedade horizontal. Rio de Janeiro: Forense, 1961.56 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,

1981, “prefácio da 2ª ed.”, p. 12.

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solução dos conflitos do seu tempo. Já em 1964, ano da promulgação da Lei dos Condomínios e Incorporações, acabara de ser implantado o SFH – Siste-ma Financeiro da Habitação, por meio da Lei nº 4.380/1964.

A enorme carência de habitações populares geradas com o desenvolvi-mento das indústrias nos grandes centros urbanos, que se constituíram como atrativo às populações interioranas e como polo das correntes migratórias de outras regiões do país, impulsionou o governo do Presidente Castelo Branco a atender a essa contingência, por meio de um planejamento básico, órgãos e meios hábeis para sua execução.

O Plano Habitacional implantado com a citada Lei Federal nº 4.380/1964 instituiu a correção monetária nos contratos imobiliários57 e criou o Banco Nacional da Habitação (BNH) e demais entidades formadoras do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) – entre as quais as sociedades de crédito imo-biliário, as letras imobiliárias e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo58. Como assinala Maria Garcia em artigo sobre a política urbana e a questão habitacional,

a correção monetária anunciava-se como instrumento hábil para estimu-lar essas inversões, mediante a atualização de bens ou de obrigações, em função do poder aquisitivo da moeda no período compreendido entre a data da aquisição e a data pactuada para o pagamento das parcelas dos contratos.59

57 Lei nº 4.380/1964: “Art. 5º Observado o disposto na presente lei, os contratos de vendas ou construção de habitações para pagamento a prazo ou de empréstimos para aquisição ou construções de habitações poderão prever o reajustamento das prestações mensais de amortização e juros, com a conseqüente correção do valor monetário da dívida tôda a vez que o salário mínimo legal fôr alterado”.

58 Lei nº 4.380/1964: “Art. 8º O sistema financeiro de habitação, destinado a facilitar e promover a construção e a aquisição de casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população, será integrado: I – pelo Banco Nacional da Habitação; II – pelos órgãos federais, estaduais e municipais inclusive sociedades de economia mista em que haja participação majoritária do Poder Público, que operem, de acordo com o disposto nesta lei, no financiamento de habitações e obras conexas; III – pelas sociedades de crédito imobiliário; IV – pelas fundações, cooperativas, mútuas e outras formas associativas para construção ou aquisição da casa própria, sem finalidade de lucro, que se constituirão de acordo com as diretrizes desta lei, as normas que forem baixadas pelo Conselho de Administração do Banco Nacional de Habitação e serão registradas, autorizadas a funcionar e fiscalizadas pelo Banco Nacional de Habitação”.

59 GARCIA, Maria. Política urbana e a questão habitacional. Revista dos Tribunais On-Line. Reprodução de Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 22, jan. 1998. Acesso em: 24 abr. 2014, às 17h, p. 02.

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Em 1965, é promulgada a Lei nº 4.864, trazendo no seu bojo alterações à Lei nº 4.591/1964 e à Lei nº 4.380/1964, no sentido de estimular a indústria da construção civil e de viabilizar um sistema de concessão do crédito imobi-liário seguro, munido de garantias para as partes envolvidas. Em especial, os arts. 22 e 23 da citada lei estabeleceram as condições da cessão fiduciária em garantia para alcançar esse fim60.

Ao incorporador era concedido o empréstimo que possibilitaria a cons-trução da edificação, a qual, submetida ao regime da incorporação imobiliá-ria prevista na Lei nº 4.591/1964, destinava-se à venda das unidades autôno-mas aos adquirentes finais, os quais contavam com a possibilidade de, uma vez concluídas fossem as obras, a pagarem o preço das unidades por meio de financiamento imobiliário obtido no âmbito do Sistema Financeiro da Habi-tação (SFH). Sem dúvida, a Lei nº 4.591/1964 foi o suporte jurídico às opera-ções de financiamento imobiliário ocorridas no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), que propiciaram a enorme alavancagem da construção civil ocorrida nas décadas de 70 e 80.

Acerca desse tema, vale transcrever a notável lição dos ilustres Miguel Reale, Miguel Reale Jr. e Pedro Alberto do Amaral Dutra, que descrevem, com clareza, a relação negocial do construtor, agente financeiro e do adqui-rente de imóveis, ou seja, a malha contratual do SFH:

A relação jurídica que o construtor estabelece, primeiro com o agente fi-nanceiro que lhe empresta recursos para a construção do imóvel e, a se-guir, com os adquirentes finais aos quais vende as unidades habitacionais é transitória – e assim sua presença no circuito negocial do SFH – porquanto satisfaz o construtor sua dívida com o agente financeiro ao ceder a este o crédito resultante da venda das unidades habitacionais, para cuja compra irão os adquirentes finais buscar financiamento junto ao mesmo agente fi-nanceiro.61

60 Lei nº 4.864/1965: “Art. 22. Os créditos abertos nos têrmos do artigo anterior pelas Caixas Econômicas, bem como pelas sociedades de crédito imobiliário, poderão ser garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado”. Lei nº 4.864/1965: “Art. 23. Na cessão fiduciária em garantia referida no art. 22, o credor é titular fiduciário dos direitos cedidos até a liquidação da dívida garantida, continuando o devedor a exercer os direitos em nome do credor, segundo as condições do contrato e com as responsabilidades de depositário”.

61 REALE, Miguel; REALE JÚNIOR, Miguel; DUTRA, Pedro Alberto do Amaral. O sistema financeiro da habitação – estrutura, dirigismo contratual e a responsabilidade do Estado. In: A atividade de crédito imobiliário e poupança – Alguns aspectos jurídicos. São Paulo:

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Os adquirentes finais tomam o empréstimo junto às sociedades de cré-dito imobiliário para compra a prazo dos imóveis do construtor, enquanto este, por sua vez, cede o crédito destas alienações para a sociedade de crédito imobiliário, em quitação do empréstimo tomado.

Muito embora não tenha o Plano Habitacional solucionado o déficit de habitações tal como se propunha, é indubitável que, a partir de sua im-plantação, houve um grande estímulo à construção civil, evidenciado pelos milhões de metros quadrados edificados por todo o País. Muito se construiu no Brasil, dos anos 60 a 80, com recursos do Sistema Financeiro da Habitação, incrementando o mercado de compra de imóveis “na planta”.

Os anos de bom funcionamento do SFH começam a se esgotar ao final da década de 80, em meio a um ambiente econômico hostil pelo qual passava o País, mergulhado nas elevadas taxas inflacionárias, uma política econômica altamente intervencionista, marcada por sucessivos planos econômicos mal--sucedidos. Por outro lado, subsídios e benesses foram concedidos aos mu-tuários do SFH, indiscriminadamente, levando a um esgotamento das fontes de recursos pela própria ausência de retorno dos financiamentos.

Sem um retorno adequado, o SFH perdeu seu dinamismo na década de 90, reduzindo significativamente a disponibilidade de crédito às construtoras e incorporadoras, que apelaram para as modalidades de autofinanciamento e financiamento privado, comprometendo seu capital de giro para não suspen-derem a construção de habitações62.

Diante da ausência de financiamentos do Sistema Financeiro da Habi-tação e da restrição ao crédito aliado à estagnação econômica, o setor da cons-trução civil passa a viver uma grave crise, somente retomando seu cresci-mento a partir de 1994, com a estabilização da economia e a gradual redução

Abecip, 1994. p. 11.62 Vejamos os dados trazidos no VIII Encontro da Abecip (Associação Brasileira das

Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), em Brasília, em novembro de 1995. “Sem retorno adequado, o SFH perdeu o dinamismo. No quadriênio 92/95, menos de 300 mil imóveis foram financiados pelo SFH – menos da metade dos 617,3 mil financiados em 1980 –, enquanto cresciam as modalidades de autofinanciamento e financiamento privado, via construtoras, que comprometiam seu capital de giro para não parar de produzir habitação” (VIII Encontro da Abecip – Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança). SFH: Apogeu e declínio de um vigoroso modelo habitacional. SFI – Um novo modelo habitacional. São Paulo: Abecip, 1996. p. 14).

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das taxas inflacionárias, ocorridas com o advento do Plano Real, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Todas essas questões impactaram muito fortemente o mercado imobi-liário, levando a dificuldades muitas empresas, inclusive à falência da então maior construtora e incorporadora do País – a Encol. Como lembra Hamilton Quirino Câmara, no livro Falência do incorporador imobiliário, “a Encol deixou obras paradas em 66 grandes cidades do país, e nunca se viu falência de tão grande proporção”63. Foram em torno de 700 obras paralisadas e dezenas de milhares de famílias afetadas64. Pela sua expressão e abrangência, o caso En-col levou a um questionamento dos mecanismos de proteção do adquirente e dos credores específicos em casos de quebra de grandes incorporadoras.

Ainda que, sob a inspiração de Caio Mário da Silva Pereira, a Lei de Condomínios e Incorporações tivesse tratado da hipótese da falência do in-corporador e previsto os meios para que os adquirentes pudessem prosseguir as obras65, o caso Encol fez evidenciar as fragilidades a que estavam expostos os adquirentes de unidades imobiliárias “na planta”, na hipótese de parali-sação das obras por abandono ou na ocorrência de falência do incorporador imobiliário.

A solução aventada foi a alteração da legislação nacional a fim de que nela figurasse uma proteção jurídica específica para os adquirentes. Melhim Chalhub apresentou, naquele contexto, a afetação patrimonial do empreendimen-to como uma possível solução para a proteção dos adquirentes e dos credores.

Para afastar esse tipo de risco e dar maior eficácia e abrangência ao sistema de proteção dos adquirentes, seria de todo conveniente atribuir a cada in-corporação imobiliária o caráter de patrimônio de afetação, de modo que

63 CÂMARA, Hamilton Quirino. Falência do incorporador imobiliário – O caso Encol. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 3

64 CHALHUB, Melhim Namem. Propriedade imobiliária – Função social e outros aspectos. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 48.

65 Lei nº 4.591/1964, art. 43, VI: “Se o incorporador, sem justa causa devidamente comprovada, paralisar as obras por mais de 30 dias, ou retardar-lhes excessivamente o andamento, poderá o Juiz notificá-lo para que no prazo mínimo de 30 dias as reinicie ou torne a dar-lhes o andamento normal. Desatendida a notificação, poderá o incorporador ser destituído pela maioria absoluta dos votos dos adquirentes, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal que couber, sujeito à cobrança executiva das importâncias comprovadamente devidas, facultando-se aos interessados prosseguir na obra”.

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todo o conjunto de direitos e obrigações do empreendimento ficasse vincu-lado à consecução desse negócio [...].66

Em meio aos debates sobre a efetividade da proteção legal aos adqui-rentes, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), por meio da Indicação nº 220, aprovou um novo projeto de lei, em 14 de julho de 1999, encaminhan-do-o a autoridades do Poder Executivo e a parlamentares. Em resposta às necessidades evidenciadas, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 2.221, de 4 de setembro de 2001, a qual instituiu o patrimônio de afetação. Três anos depois, sobreveio a aprovação da Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004, para o efeito de alterar definitivamente a Lei de Condomínios e Incor-porações, incluindo, entre outras medidas, o Capítulo I-A “Do Patrimônio de Afetação”, em seu arts. 31-A a 31-F. O texto legal aprovado determinou que a afetação é apenas uma faculdade do incorporador, conforme disposição expressa do art. 31-A67.

Inobstante persistam dúvidas quanto à efetividade do patrimônio de afetação, tal como foi aprovado em sua versão final, em vigor atualmente no ordenamento jurídico brasileiro, buscou a Lei nº 10.931/2004 aperfeiçoar o sistema de proteção aos adquirentes, introduzindo um regime no qual o terreno, as acessões, bens e direitos vinculados à incorporação mantêm-se apartados do patrimônio do incorporador e ali permanecem segregados até a conclusão das obras e entrega da edificação, registrados os títulos em nome dos adquirentes e resgatado o financiamento da construção.

Em caso de falência do incorporador, os efeitos da quebra não atingem as incorporações afetadas, cujos acervos não se sujeitam a arrecadação à mas-

66 CHALHUB, Melhim Namem. Propriedade imobiliária – Função social e outros aspectos. Op. cit., p. 50. Em edição atualizada do Condomínio e incorporações, Chalhub reitera que “a incorporação imobiliária se ajusta com perfeição à teoria da afetação como um mecanismo de proteção aos adquirentes, ‘seja porque seu especial alcance econômico e social a tornam merecedora de tutela especial, seja porque é dotada de estrutura material e jurídica autônoma, justificando seja conferida proteção especial aos credores desse negócio, priorizando-se a posição jurídica dos adquirentes’” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 11. ed. rev., atual. e ampl. Atualização de Sylvio Capanema de Souza e Melhim Namem Chalhub. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 260).

67 Lei nº 4.591/1964: “Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes”.

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sa, de modo a deixá-los livres para que a incorporação prossiga, até a entrega das unidades aos adquirentes, independente do processo falimentar. Neste contexto, ganha relevância a comissão de representantes, a quem a lei tratou de conferir poderes irrevogáveis para outorgar em nome do incorporador falido os títulos definitivos aos adquirentes finais das unidades.

Todavia, é fundamental ressaltar que, mesmo sem a criação do patri-mônio de afetação, nada impede que os condôminos criem uma comissão a fim de dar seguimento ao empreendimento em caso de quebra do incorpo-rador. Isto porque o caráter de afetação decorre naturalmente da essência e funcionalidade do contrato de incorporação imobiliária, que tem como carac-terística a captação de recursos dos compradores e sua aplicação na execução da obra a eles prometida, de sorte que estes ativos estão irremediavelmente ligados àquela incorporação em específico.

Tanto é assim que a jurisprudência firmou-se no sentido de que, mes-mo nas incorporações não submetidas ao regime da afetação, a maioria dos condôminos, representados por comissão legitimamente constituída, pode dar prosseguimento às obras, nas hipóteses de falência ou abandono pelo in-corporador. A título ilustrativo, cabe destacar trecho do memorável acórdão do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.115.605, relatado pela Excelentíssima Ministra Nancy Andrighi:

Embora o art. 43, III, da Lei nº 4.591/1964 não admita expressamente ex-cluir do patrimônio da incorporadora falida e transferir para comissão formada por adquirentes de unidades a propriedade do empreendimento, de maneira a viabilizar a continuidade da obra, esse caminho constitui a melhor maneira de assegurar a funcionalidade econômica e preservar a função social do contrato de incorporação, do ponto de vista da cole-tividade dos contratantes e não dos interesses meramente individuais de seus integrantes. 3. Apesar de o legislador não excluir o direito de qualquer adquirente pedir individualmente a rescisão do contrato e o pagamento de indenização frente ao inadimplemento do incorporador, o espírito da Lei nº 4.591/1964 se volta claramente para o interesse coletivo da incorporação, tanto que seus arts. 43, III e IV, e 49, autorizam, em caso de mora ou falência do incorporador, que a administração do empreendimento seja assumida por comissão formada por adquirentes das unidades, cujas decisões, toma-das em assembleia, serão soberanas e vincularão a minoria.68

68 BRASIL. STJ, REsp 1.115.605, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, DF, DJ 18.04.2011.

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Referida decisão consagrou o interesse coletivo da incorporação, ad-mitindo a transmissão da propriedade à comissão de representantes para viabilizar a continuidade da obra, atenta à preservação da função social do contrato de incorporação imobiliária.

No caso do condomínio formado pelos adquirentes de unidades de um empreendimento paralisado, representado em sua maioria por uma co-missão, existe um interesse notadamente coletivo, que não pode ser prejudica-do por interesses individuais. Esse interesse coletivo é a base e o esteio do contrato de incorporação imobiliária, pelo que o término da construção em prol da coletividade dos condôminos é o bem maior a ser assegurado, como corolário do princípio da função social da propriedade, assegurado constitu-cionalmente, e do princípio da função social do contrato, trazido pelo Código Civil de 2002.

5 Novos HoriZoNtes de iNterPretAção dA lei Nº 4.591/1964: A FuNção soCiAl dA ProPriedAde e do CoNtrAto de iNCorPorAção imobiliÁriA

Depois desse breve excurso histórico com a intenção de mostrar as evo-luções e progressos da legislação imobiliária no Brasil, desde o seu descobri-mento, cabe fazer uma reflexão sobre os novos horizontes interpretativos da Lei nº 4.591/1964, a partir de dois elementos centrais. Desde a sua aprovação até os nossos dias, a Lei de Condomínios e Incorporações passou por dois mo-mentos sucessivos de renovação hermenêutica. O primeiro desses momen-tos é o da sua recepção pela Constituição Federal de 1988, que influenciou o cenário principiológico no qual a lei é pensada, sobretudo com o princípio da função social da propriedade, insculpido como direito fundamental no art. 5º, XXIII, e como princípio geral da atividade econômica, no art. 170, III. O segundo momento é o da aprovação do Novo Código Civil, com todas as transformações, não apenas no que tange à vigência de determinados artigos da Lei de Condomínios e Incorporações, como também no que se refere aos princípios que norteiam o universo contratual complexo da incorporação, em especial o da função social do contrato, previsto no art. 421 do Código Civil.

A Constituição Federal operou uma transformação paradigmática do modo como a propriedade, tanto urbana como rural, passou a ser tratada ju-ridicamente no Brasil. Em verdade, a previsão da função social da proprieda-de como princípio orientador do uso da propriedade em solo nacional, com todas as suas implicações e obrigações, organizou e preparou terreno para

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uma nova perspectiva de leitura da Lei de Condomínios e Incorporações. A afirmação constitucional deste princípio influencia em sua base mais profun-da a percepção do que é a propriedade no Estado Democrático de Direito. Toda propriedade tem uma função, possui uma orientação, um desígnio para o qual ela se destina. É com base na função social que se estabelecem os crité-rios urbanísticos, ambientais e imobiliários da propriedade, em um conjunto de disposições jurídicas que traçam as suas potencialidades e os seus limites. Em uma camada profunda, portanto, a Constituição Federal chama o pro-prietário ao exercício de um dever, ao mesmo tempo em que a coletividade e a sociedade como um todo veem-se diante da garantia de que a propriedade não cairá em completo desaproveitamento, ou, ao contrário, de que ela não será explorada para além dos limites do quadro jurídico no qual ela é proje-tada.

Seguindo essa orientação, na qual a autonomia privada passa a assu-mir importância e contorno públicos, a função social da propriedade, prevista como princípio geral da atividade econômica, forneceu as bases para se pen-sar a propriedade a partir de uma rede de relações contratuais. Isso significa que, na afirmação da função social da propriedade, encontra-se a semente da função social do contrato. Como muito bem assinala Andrea Marighetto:

As primeiras formas de reconhecimento expresso desse fenômeno – na es-pécie, o Código Civil brasileiro de 2002 – representam, portanto, as atuais tendências de uma evolução de pensamento, que surgiram em paralelo com as transformações operadas na propriedade, mas que, por razões li-gadas às diferentes exigências sociais e econômicas, desenvolveram-se em momentos e contextos diferentes.69

Ambos os princípios baseiam-se na noção de “função social”, ponto de cruzamento dos interesses públicos e dos interesses privados. Pensar a função de algo é pensar a sua direção, a sua orientação, ou seja, é pensar a sua finalidade. Assim como a propriedade não pode ser isolada do seu caráter social, o contrato, hoje, não é mais visto como mero instrumento de formalização das relações jurídicas e como meio de garantir a tutela dos pró-prios interesses negociais, mas como fim dos vínculos jurídicos, na medida em que expressa, por meio da boa-fé dos contratantes, o fluxo de operações que convergem, no seu todo, para a realização dos anseios sociais. O princí-

69 MARIGHETTO, Andrea. O acesso ao contrato: sentido e extensão da função social do contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 110.

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pio da função social do contrato figura, claramente, como uma resposta ao tradicional paradigma do pacta sunt servanda – o qual implica a imutabilidade do contrato. Em um contexto de multiplicação dos contratos em que uma das partes normalmente não decide sobre o seu conteúdo, a própria noção de autonomia privada teve de ser reinterpretada à luz de uma necessária ingerência estatal, que tem por objetivo o equilíbrio das relações privadas dos sujeitos. O formalismo do pacta sunt servanda cedeu lugar, nos últimos tempos, portanto, a uma visão do contrato que almeja o equilíbrio social das relações jurídicas, sob o controle público.

O Código Civil de 2002, na esteira da Constituição Federal, fez um grande gesto tipificando a função social do contrato no seu art. 421: “A li-berdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Ao lado dos princípios da probidade e da boa-fé, previstos no art. 422, a função social do contrato passou a ser uma cláusula geral pressu-posta em todas as relações negociais.

No âmbito dos contratos de incorporação imobiliária, desde a compra ou permuta do terreno por área construída até o registro da incorporação e os compromissos de compra e venda das unidades que a ela se vinculam, deve--se atender especialmente aos princípios da função social da propriedade e do contrato de incorporação imobiliária.

O contrato de incorporação, pela sua complexidade, pelos esforços que mobiliza, pelas transformações urbanístico-ambientais que acarreta, orienta-se por meio da função social que desempenha e pelo modo como vai dar significação à propriedade. Nesse sentido, quando se trata de incor-poração imobiliária, além dos princípios citados, estamos a falar de um in-teresse coletivo correspondente ao fim almejado por todos os partícipes do negócio, sobretudo o conjunto de consumidores finais. Ademais, o próprio fato de que um conjunto de adquirentes compra as diferentes unidades de um prédio residencial ou comercial já manifesta, por si só, que o interesse de um não pode prevalecer sobre o conjunto. Em outras palavras, o consu-midor não pode ser visto aqui como um partícipe exclusivo ou isolado em um negócio complexo, porque ele faz parte de uma rede contratual que visa a satisfazer não apenas aos seus interesses individuais, mas aos de todo um conjunto de adquirentes.

Na rede contratual que sustenta juridicamente a incorporação, o in-teresse coletivo dos adquirentes, dentro dos limites legais, deve prevalecer

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sobre os interesses individuais70. Do contrário, o próprio negócio restaria obstado. Isso fica ainda mais visível nos casos de paralisação da obra em decorrência de falência ou de abandono da obra pelo incorporador, onde a comissão de representantes passa a desempenhar uma função essencial na busca da realização da meta comum aos adquirentes, que é a finalização do empreendimento. O verdadeiro fundamento da comissão de representantes nessa intrincada situação jurídica decorre do interesse coletivo no término do empreendimento. Em verdade, observada por esse ângulo, a Lei de Condo-mínios e Incorporações representa um sistema de proteção ao adquirente, razão pela qual parece até mesmo natural a sua adequação ao preceito constitucio-nal da função social da propriedade e ao preceito civilista da função social do contrato. A inspiração da Lei nº 4.591/1964, há cinquenta anos, já andava nessa mesma direção.

Nada mais coerente do que levar também ao condomínio a aplicação dos princípios da função social da propriedade e do contrato. O respeito ao interesse coletivo apresenta-se de inúmeras formas, como, por exemplo, na noção do “interesse comum”. O interesse comunial é por si só um interesse coletivo, o que vem a justificar todo o conjunto de restrições necessárias e as tomadas de decisão assembleares para que o convívio entre os diferentes seja possível. O atendimento ao interesse comum chama mais a atenção quando a coletividade precisa fazer valer o seu interesse frente a interesses indivi duais ou da minoria. Nesse sentido, a Lei nº 4.591/1964 trouxe um conjunto de proteções à saúde condominial, o que foi ratificado e aperfeiçoado pelo novo Código Civil.

CoNsiderAçÕes FiNAis

O uso do método de análise histórica permitiu reconstituir o fio condu-tor das transformações sociais e jurídicas que fizeram nascer a necessidade de um disciplinamento do condomínio e da incorporação imobiliária no Brasil. O presente estudo primou pelas questões essenciais de cada período históri-

70 A noção de “rede contratual” é tomada da lição de Rodrigo Xavier Leonardo, segundo a qual o contrato não pode ser estudado de forma estanque, distanciado da realidade econômica que o suporta, como se se tratasse apenas de uma estrutura jurídico-formal. “Entende-se por redes contratuais a coordenação de contratos, diferenciados estruturalmente, porém interligados por um articulado e estável nexo econômico, funcional e sistemático” (LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes contratuais no mercado habitacional. São Paulo: RT, 2004. p. 137).

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co, não tendo por objetivo uma determinação exaustiva dos fatos, mas uma reconstrução documentada de elementos suficientes para uma compreensão desse fenômeno jurídico no cenário nacional através do tempo.

É notável como esses institutos e as garantias que os circundam fo-ram reconhecidos e regulados tardiamente. O projeto de Caio Mário da Silva Pereira, em 1959, mostrava-se como uma verdadeira urgência para o fomento da construção civil no País. A partir da sua aprovação, em 1964, a lei exerceu (e exerce ainda) um forte papel na proteção dos interesses em jogo na incor-poração, sobretudo do interesse coletivo dos adquirentes.

A Constituição Federal, o Código Civil e a alteração da Lei de Con-domínios e Incorporações pela Lei nº 10.931/2004 reforçaram ainda mais a proteção a esse interesse coletivo. Primeiramente, em razão da configuração de um novo horizonte hermenêutico onde ganham destaque os princípios da função social da propriedade, na Constituição Federal, e da função social do contrato, no Código Civil. Em segundo lugar, pela introdução de um novo instituto jurídico, o patrimônio de afetação, de modo que os condôminos pos-sam dar continuidade à obra em caso de quebra do incorporador. Em todo condomínio e em toda incorporação imobiliária deverá imperar o interesse coletivo, para que a função social do contrato e a função social da proprieda-de cumpram o seu desiderato.

reFerÊNCiAs

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DoutrinaPenal

grANde reCessão e mudANçA de CiClo do eXPANsioNismo PuNitivo: umA reAtuAliZAção

dA CrÍtiCA Ao sistemA PeNAl?José Ángel brAndAriz gArcíA1

Universidad de A Coruña, España.

tradução

mAtHeus Antenor cHiocHetA

Acadêmico de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil.

revisão

proF. dr. ricArdo JAcobsen gloecKner

Professor do Programa de Pós-Graduação de Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil.

SUMÁRIO: I – Introdução. A Grande Recessão e o sistema penal; II – Racionalidade de mercado e sistema penal. Expansionismo penal e desatenção do princípio da escassez; III – Grande Re-cessão e mudança de ciclo do sistema penal espanhol; IV – De-clínio da distopia penal? A evolução do sistema penal estadu-nidense; V – (A modo de) conclusão: rumo a uma atualização do pensamento crítico sobre a penalidade?; Referências.

1 O presente texto se enquadra no desenvolvimento dos Projetos de Investigação nº 10PXIB101082PR, subvencionado pela Consellería de Economía e Industria de la Xunta de Galicia, e nº DER2011-24030JURI-, subvencionado pelo Ministerio de Ciencia e Innovación espanhol, assim como auxílio para grupos de investigação com potencial de crescimento, outorgado pela Consellería de Cultura, Educación e Ordenación Universitaria de la Xunta de Galicia ao grupo ECRIM da Universidad de A Coruña, Espanha. D

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i – iNtrodução. A GRANDE RECESSÃO e o sistemA PeNAl

O ponto de partida deste texto exige firme tomada de posição, sem ser demasiadamente aventurada: o acontecimento ora conhecido como “Grande Recessão”2 deu início a novos tempos, afetando profundamente os múltiplos espaços vitais – sobretudo nos países situados no âmago desta crise. Quer se interprete a Grande Recessão como o começo de um novo ciclo de acumula-ção capitalista em nível global3 ou se lhe outorgue menor importância, trata--se de um verdadeiro acontecimento, em sua completa densidade semântica.

O campo da criminalidade e a punição não permaneceram imunes a este evento. Pelo contrário, a Grande Recessão suscita questões de notável relevância para este âmbito de estudo. Sem dúvida, uma interrogação tem a ver com a crise de legitimidade dos tradicionais processos de criminalização, contemplada desde a perspectiva do debate sobre o dano social4. Em suma, urge uma reflexão sobre o sentido de um sistema penal que segue orientado a perseguir e punir comportamentos que causam um dano social limitado (v.g., pequena delinquência patrimonial), num momento em que a crise, originada não somente por operações financeiras de risco, mas também por condutas ilícitas e criminais, tem aniquilado com a expectativa de vida de milhares de pessoas5. Tal observação deveria nos conduzir a repensar quanto aos princí-pios em que têm se sustentado o sistema penal da modernidade.

2 Sobre a popularização desta expressão, confira artigo de Catherine Rampell – The New York Times de 11.03.2009. A expressão tem sido deformada em diversos sentidos, como o da “Grande Regressão”, empregado para se referir às gravíssimas consequências da crise em certos países (vid. Burgi, 2014).

3 Vid. por todos, neste sentido, Arrighi, 2007.4 Vid., neste sentido, Bernal et al., 2012: p. XXV-LIV, retomando um debate de maior atenção

em Hillyard et al., 2004. Quanto aos efeitos do debate atual sobre o dano social, parece prudente retomar o antecedente que representam os penalistas progressistas alemães que, por voltas dos anos setenta, se aproximaram da crítica do direito penal desde o conceito praticamente homônimo de “dano social” (Sozialschädlichkeit) (vid., como referência, Amelung, 1972).

5 Alguns dados, referidos ao caso espanhol, resultam especialmente reveladores neste sentido. Seguindo as estatísticas do INE (Instituto Nacional de Estadística), pode-se analisar que, no primeiro trimestre de 2013, o desemprego alcançou a máxima histórica na Espanha, 27,2%, enquanto que, na mesma fase de 2007, a taxa estava em 8,5%. Por outro lado, de acordo com os dados da Eurostat, o porcentual da população em “risco de pobreza” ou exclusão social cresceu de 23,3% em 2007, para 28,2% em 2012. De acordo com o índice GINI, que mede a desigualdade econômica em termos de renda, aumentou de 31,9% em 2007, para 35% em 2012.

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A Grande Recessão também provoca uma segunda transformação do sistema penal, menos perceptível que a então supramencionada. A crise facili-tou a penetração no sistema penal de uma noção que, ao menos em boa parte dos países, até o momento parecia mais alheia a este componente da sobera-nia: o conceito de escassez.

A recessão nos convida a prestar atenção aos textos econômicos; ao mesmo tempo, no campo do sistema penal este contexto histórico também incentiva a consulta deste tipo de literatura, não por acaso especializada em análises do princípio de escassez de recursos. Momento idôneo este, tanto para retomar os textos da tradição da economia política da pena6, como para reler um artigo muito distante dessa orientação crítica: o texto seminal de Gary Becker (1968), que trata da análise econômica do delito e da pena (AED – Análise Econômica do Direito). Em tal artigo, o economista neoclássico da Universidade de Chicago sugere uma metodologia radicalmente utilitária para analisar o sistema penal em termos normativos. Becker (1968: 170) con-cluiu que em determinados casos a criminalização é ineficiente em termos de custos e, como consequência, uma sociedade deve assumir certos níveis de impunidade.

ii – rACioNAlidAde de merCAdo e sistemA PeNAl. eXPANsioNismo PeNAl e desAteNção do PriNCÍPio dA esCAsseZ

Provavelmente o mais chamativo da abordagem de Becker é que, in-dependentemente de suas próprias intenções, permite certa leitura progres-sista7. Conforme se desenvolverá infra, seu utilitarismo radical oferece uma perspectiva menos mal intencionada que as distopias punitivas que vimos surgir em múltiplos países durante as últimas décadas.

Em absoluto, a perspectiva econômica não pode ser considerada como estranha ao atual sistema penal. De forma coetânea à difusão da doxa neolibe-ral durante os últimos decênios, a racionalidade de mercado como princípio organizador tem penetrado gradualmente nas políticas públicas, incluindo as punitivas, que pareciam tão distantes deste tipo de lógica. Essa racionali-dade foi aditada no sistema penal mediante a difusão do gerenciamento nas

6 Neste ponto, como resulta evidente, a clássica referência é Rusche/Kirchheimer, 1984.7 Vid., neste sentido, Harcourt, 2011: 134.

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políticas públicas8, a responsabilização dos indivíduos quanto à gestão de seus próprios riscos criminais9, ou a mercantilização da prevenção e o castigo do delito10. Ademais, a teleologia atuarial de gestão e controle de riscos é ple-namente coerente com a racionalidade de mercado11.

Todavia, a penetração gradual da racionalidade de mercado no âmbito das políticas criminais parece ter desatendido ao princípio da escassez. A evolução recente do sistema penal de muitos países caracterizou-se por uma expansão sustentada em uma elasticidade aparentemente ilimitada dos re-cursos públicos12.

Embora – como é óbvio – os processos não sejam lineares e uma plura-lidade de países mostra tendências decrescentes de certa estabilidade13, den-tro do grande ciclo das últimas décadas, o crescimento da população peni-tenciária tem se manifestado como um fenômeno comum à maior parte dos territórios do globo14.

A título informativo, junto ao Quadro 1 podemos observar que, nas duas últimas décadas, de dezenove países do denominado G-20, somente três (Canadá, Coreia do Sul e Rússia) experimentaram certa redução de sua população penitenciária. Os demais países mostram tendências crescentes, em alguns casos de forma escancarada: nesse mesmo período, as taxas peni-tenciárias se duplicaram, na Argentina e México, e se triplicaram no Brasil, Indonésia e Turquia.

8 Vid., entre outros, Barker, 2009: 125 e ss.; Deering, 2011: 19 e ss.; Painter, 2005: 307 e ss.; Raine, 2005: 293 e ss.; Vigour, 2006: 425 e ss.

9 Vid., dentre muitos outros, Dean, 2010: 137, 220 e s.; Ericson, 2007: 184 e ss.; Rose, 2000: 324, 327 e ss.

10 Vid., por todos, Christie, 1993: 111 e ss.; Garland, 2005: 57, 200, 266; Larrauri, 1991: 189 e ss.

11 Vid., neste sentido, Dean, 2010: 220; Hannah-Moffat, 2013: 130; O’Malley, 2004: 12; Rigakos/Hadden, 2001: 62 e s., 74 e s., 79. Discrepam deste ponto de vista Johnston/Shearing, 2003: 145 e s.

12 Vid., sobre isso, Anitua, 2005: 477 e s.; Gottschalk, 2013: 211 e ss.; Harcourt, 2011: 198 e s.; Wacquant, 2004: 83, 170 e ss., 176 e ss.

13 Vid., sobre isso, Aebi/Aubusson de Cavarlay/Stadnic, 2007: 1 e ss.; Re, 2006: 8 e ss., 97 e ss.

14 Vid., neste sentido, Cavadino/Dignan, 2006: 43 e s.; Santoro, 2004: 113. A décima edição da World Prison Population List (2013) observa que a população penitenciária mundial cresceu 6% nos últimos quinze anos, passando de uma taxa média de 136 reclusos por cada 100.000 habitantes em 1998 para 144 em 2013.

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Quadro 1: Evolução das taxas de população penitenciária

nos países do G-20, entre 1992-2013

estAdo 1992 1995 1998 2001 2004 2007 2010 2013

Alemanha 71 81 96 98 98 92 88 77

Arábia Saudita ---- ---- 114 132 (2002) ---- ----- 178 (2009) 172

Argentina 62 74 99 152 (2002) 163 (2005) 151 (2008) 145 147 (2011)

Austrália 89 96 106 116 120 130 135 130 (2012)

Brasil 74 92 102 (1997) 133 183 220 253 274 (2012)

Canadá 123 131 126 117 108 114 114 118 (2012)

China ---- 109 115 112 122 124 123 121 (2012)

Coreia do Sul 126 135 149 135 122 98 99 99

Estados Unidos 501 592 655 685 725 758 730 707 (2012)

França 84 89 87 75 91 91 98 100

Índia ---- ---- 27 (1999) 29 31 (2005) 32 31 30 (2012)

Indonésia 21 20 (1996) 24 27 39 55 49 62

Itália 83 83 84 97 96 82 112 105

Japão 36 38 42 51 60 62 57 51

México 98 101 133 164 186 197 197 210

Reino Unido 92 102 125 125 139 147 151 148

Rússia 487 622 688 636 588 613 609 475

África do Sul 285 301 349 386 403 339 331 294

Turquia 54 74 92 81 81 129 164 184

Fonte: International Centre for Prison Studies (ICPS) [www.prisonstudies.org].

No caso sul-americano, essa situação de expansionismo tem sido es-pecialmente clara e preocupante. Como mostra o Quadro 2, que observa o mesmo período em caso isolado, durante os últimos vinte anos a taxa da população penitenciária cresceu significativamente em dez países da região, duplicando-se em quatro (Argentina, Equador, Paraguai e Uruguai) e tripli-cando-se em outros três (Brasil, Colômbia e Peru).

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Quadro 2: Evolução das taxas de população penitenciária nos

países da América do Sul, 1992-2013

estAdo 1992 1995 1998 2001 2004 2007 2010 2013

Argentina 62 74 99 152 (2002) 163 (2005) 151 (2008) 147 (2011) ----

Bolívia ---- 70 (1996) 76 65 71 80 93 140

Brasil 74 92 102 (1997) 133 183 220 253 274 (2012)

Chile 154 153 179 216 226 282 313 255

Colômbia 78 90 115 121 159 142 181 248

Equador 74 85 79 63 88 136 86 149 (2012)

Paraguai ---- 57 74 75 89 (2003) 99 97 (2009) 118 (2012)

Peru 69 87 103 102 114 139 154 202 (2012)

Uruguai 100 99 119 154 207 215 257 289

Venezuela 109 (1993) 101 (1996) 95 (1999) 76 (2002) 74 (2005) 85 (2008) ---- 161 (2012)

Fonte: ICPS.

iii – grANde reCessão e mudANçA de CiClo do sistemA PeNAl esPANHol

A tendência expansionista tampouco é estranha ao sistema espanhol. Como referência, de acordo com os dados do INE (Instituto Nacional de Esta-dística), a população carcerária total aumentou em 102,7% entre junho de 1997 e junho de 2010, enquanto a população geral crescia somente 18% durante o mesmo período. De fato, a política penal espanhola apresenta-se como um exemplo paradigmático de desatenção para com os limites dos recursos co-letivos. Como ocorrido no caso estadunidense15, na Espanha os enormes re-cursos financeiros, humanos e logísticos requeridos por um expansionismo penal ininterrupto há décadas não parecem ser um problema.

No entanto, como em tantas outras matérias, a Grande Recessão cons-tituiu uma relevante mudança de tendência para o sistema penal espanhol. Embora o sistema penitenciário espanhol tenha experimentado um cresci-mento extraordinário – superior inclusive ao estadunidense, em termos per-centuais – e praticamente constante desde o final do período autocrático16, o

15 Vid., por todos, Harcourt, 2011: 198 e s.; Holleman et al., 2009; Wacquant, 2004: 83, 170 e ss.

16 A população penitenciária total, calculada em sua média anual, cresceu 801,4% entre 1975

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aprofundamento da recessão econômica pôs fim ao aumento punitivista. De acordo com o Quadro 3, entre junho de 2010 e novembro de 2013, a população penitenciária total sofreu uma diminuição de 12,1%, enquanto sua taxa dimi-nuiu de 167 para 145.

Quadro 3: Evolução da população penitenciária espanhola, 2010-2013

ANo (mÊs)PoPulAção PeNiteNCi-

ÁriA (totAl)PoPulAção PeNiteNCiÁriA (tAXA)

2010 (junho) 76.701 167

2010 (dezembro) 73.929 160

2011 (junho) 72.961 158

2011 (dezembro) 70.472 153

2012 (junho) 70.695 153

2012 (dezembro) 68.597 147

2013 (junho) 68.857 148

2013 (novembro) 67.404 145

Fonte: INE (www.ine.es); Secretaría General de Instituciones Penitenciarias (www.insti-tucionpenitenciaria.es).

Essa chamativa evolução gera pelo menos duas questões de interesse, que em certa medida estão estreitamente interligadas. A primeira é quanto à transcendência da presente tendência. A segunda é relativa ao como, ou seja, às circunstancias concretas que explicam que o sistema penal espanhol tenha experimentado essa situação.

Na tentativa de responder a ambas as perguntas a partir da primeira, cabe inicialmente intuir que as cifras mencionadas não mostram uma mudan-ça verídica de ciclo, mas sim um ajustamento momentâneo17. Não obstante, resulta difícil desvalorizar essa situação em um sistema penal caracterizado nas últimas décadas – conforme exposto – por um expansionismo penitenciá-rio tão duradouro e significativo. Por outro lado, qualquer outro argumento,

e 2009, e sua taxa incrementou-se de 24 a 165. Não resulta menos relevante que nesse lapso temporal de três décadas e meia a população penitenciária, novamente calculada de acordo com a média anual, diminuiu somente em 1977, 1983, 1986, 1995-1996 e 1999, na maior parte dos casos de maneira muito pouco significativa.

17 Esta parece ser, substancialmente, a hipótese de Forero Cuéllar/Jiménez Franco, 2013.

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que remete à questão sobre o como desta evolução, questiona que se trate de uma tendência irrelevante.

Em primeiro lugar, a evolução não pode ser vista como um mero efeito mecânico do sistema; isto é o que, mesmo em sua precariedade, começam a evidenciar os dados disponíveis, expostos no Quadro 4. Não se pode afirmar que a diminuição da população penitenciária fundamente-se em uma redu-ção, mais ou menos semelhante, do volume de delinquência perseguida pelo sistema penal espanhol. É certo que, face ao que talvez se coubesse aguardar em um contexto de grave crise18, a criminalidade registrada diminuiu desde o início do ciclo recessivo (7,5% entre 2008-2012)19. Todavia, esta tendência não parece extraordinariamente relevante, já que o importante é quanto dessa delinquência conhecida pela polícia é processada pelo sistema em termos de persecução. Nesse ponto é onde se evidencia a contradição, já que, face ao ocorrido no âmbito penitenciário – e, em menor medida, no âmbito da cri-minalidade registrada –, durante o ciclo recessivo o desempenho, em geral, do sistema penal seguiu se expandindo: tanto o número de pessoas detidas (31,4% em números totais, entre 2008-2012), quanto o volume de pessoas con-denadas (7,1% entre 2008-2012) como a cifra de condenações à prisão (9,7% entre 2008-2012).

A explicação dessa situação não resulta evidente, partindo dos limita-dos dados disponíveis. Uma primeira hipótese remete à possível expansão do uso da suspensão condicional da execução das penas de prisão, derivada da redução do número de condenações, que superam os dois anos de pri-vação de liberdade – limite objetivo da suspensão condicional, de acordo

18 Neste sentido, resulta interessante a observação de Melossi, 2013: 429, n. 5, que aborda que, em situações de recessão, a criminalidade pode aumentar, se contemplada desde a perspectiva da motivação delitiva, mas também pode diminuir, como consequência da carência de oportunidades. Dão ênfase no primeiro elemento, por conseguinte, no potencial aumento da delinquência nestes contextos, dentre outros, Allen, 1996: 302; Hale, 2009. Vid. igualmente Albertson/Fox, 2012: 103 e ss.

19 Vid., também neste sentido, Forero Cuéllar/Jiménez Franco, 2013; Rodríguez/Larrauri, 2012: 10 e ss. Devido à precariedade dos dados oficiais disponíveis (vid. Ministerio del Interior, 2013: 145 e ss.), torna-se difícil afirmar por que se produziu tal diminuição da delinquência (registrada) em um contexto tão pouco propício para tanto como o processo generalizado de empobrecimento e de aumento da desigualdade, verificado através da recessão. Não obstante, até onde se pode perceber, verificou-se certo aumento da delinquência patrimonial, mais evidente quanto àquelas menos graves e profissionais – v.g., os furtos – que se observa compensada por um descenso generalizado do resto das espécies delitivas.

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com o art. 81 do Código Penal Espanhol; art. 77 do Código Penal brasileiro. Essa hipótese seria compatível com a importante diminuição (19,6% entre 2010-2012) experimentada nas condenações superiores a dois anos de prisão, decorrentes da reforma do Código Penal espanhol operada pela Ley Orgáni-ca nº 5/2010, que pressupõe a atenuação das penas para determinados fatos de uma fenomenologia delitiva de frequente persecução, como o tráfico de drogas20.

Mesmo levando em conta essa circunstância, não parece que nela resi-da a explicação total da recente evolução, ainda que seja somente pela relati-va limitação, em cifras globais, do número de condenações que superam os dois anos. Por isso, a explicação não pode ser encontrada somente no âmbi-to das reformas normativas, senão também no das práticas administrativas. Neste ponto, pode-se pensar, além do mencionado incremento da suspensão condicional, no aumento da aplicação dos dispositivos de concessão de li-berdade ao apenado, mediante o acesso ao regime aberto (tercer grado) e à liberdade condicional21. É provável que o extraordinário aumento das expul-sões penais – ou expulsões sustentadas em motivos penais – de estrangeiros aponte no mesmo sentido, verificado de forma coetânea ao desenvolvimento da crise (58,3% entre 2008-2012)22. Tal hipótese é alicerçada pela redução da população estrangeira reclusa durante o período da crise (de 35,6% do total como população média anual em 2008 para 33,4% na média populacional anual de 2012)23.

20 Vid. também neste sentido Forero Cuéllar/Jiménez Franco, 2013; Rodríguez/Larrauri, 2012: 12, n. 12.

21 Neste sentido se pode apontar alguns dados provisórios que também se refletem no Quadro 4. Em primeiro lugar, certa diminuição das entradas penitenciárias (6,5% entre 2009-2010). Em segundo lugar, o aumento da concessão de liberdade ao apenado (10,3% entre 2009-2010). Em terceiro lugar, certo aumento – não linear – do número de reclusos classificados em terceiro grau (regime aberto).

22 Os dados oficiais do Ministério não afirmam que as expulsões qualificadas sejam deportações penais, unicamente que se aplicam a sujeitos que cometeram delitos ou têm antecedentes. De fato, a comparação dos dados do Ministério do Interior espanhol com as cifras da Fiscalía General del Estado (2013: 350 e ss.) permite intuir que a maior parte dessas deportações qualificadas são expulsões administrativas, no caso fundamentadas na existência de antecedentes delitivos – penais – (ex. art. 57.2 LO 4/2000, sobre derechos y libertades de los extranjeros en España y su integración social). Todavia, deve-se compreender que o crescimento das expulsões qualificadas de migrantes tem contribuído de forma significativa à diminuição da população penitenciária na Espanha, como fundamentado infra no texto.

23 Vid. também neste sentido Forero Cuéllar/Jiménez Franco, 2013; Rodríguez/Larrauri, 2012: 12. Dados retirados da estatística de reclusos do INE. Tanto ou mais significativo

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Contudo, a hipótese que explica a redução substancial da população penitenciária em termos de práticas administrativas, vinculadas ao aumento da concessão de liberdade ao apenado e das expulsões de estrangeiros ten-dencialmente criminosos, colide, ao menos parcialmente, com os limitados dados sobre a evolução da duração média de encarceramento, que mostram uma tendência ao crescimento, entre 2008 e 2010. Não obstante, não se pode perder de vista que os dados disponíveis alcançam até o ano de 2010, coinci-dentemente o ano de encerramento do ciclo penitenciário expansivo.

Por tudo isso, pode-se concluir que, se por um lado, quanto ao como da atual contração penitenciária influenciaram reformas normativas introduzi-das pela Ley Orgánica nº 5/2010, por outro, provavelmente a parte funda-mental dessa evolução deve-se a práticas administrativas, orientadas para a busca de uma efetiva diminuição da população carcerária dentro do contexto de crise24.

Quadro 4: Evolução do sistema penal espanhol desde o início da Grande Recessão.

2008 2009 2010 2011 2012

Taxa de criminalidade (registrada) 51,9 50,0 48,9 48,4 48,0

Número de detenções 350.859 362.488 351.967 468.253 461.042Número de condenados 206.396 221.916 215.168 221.590 221.063Condenações de prisão 129.890 139.663 141.849 135.713 142.444

Condenações de prisão superiores a 2 anos ----- ----- 15.336 13.297 12.328

Número de entradas penitenciárias (taxa)

49.852(106)

52.458(111)

49.034(106)

----- -----

é que esse descenso da população penitenciária estrangeira constitui a principal razão da diminuição total das presenças penitenciárias: 66,7% do descenso da população penitenciária entre 2008-2012, em números totais, corresponde a reclusos estrangeiros, de acordo com os mesmos dados. Contudo, e sem prejuízo do afirmado no texto, resulta também significativo que durante o período de crise produziu-se certa diminuição percentual de penas de prisão impostas a estrangeiros não comunitários: de 21,5% de um total em 2008 para 19,5% em 2012, de acordo com os dados estatísticos de condenados do INE.

24 Esta parece também a conclusão alcançada por Rodríguez/Larrauri, 2012: 13, quando falam de “back door strategies” (estratégias indiretas, heterodoxas ou irregulares) para reduzir a população penitenciária.

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2008 2009 2010 2011 2012

Número de saídas peni-tenciárias (taxa) -----

44.130(94)

48.686(105)

----- -----

Reclusos classificados como em regime aberto (dic.) [taxa]

8.372(16,0%)

9.618(16,2%)

9.731(16,4%)

9.701(16,9%)

9.083(16,2%)

Duração média de encar-ceramento (meses) 17,3 17,9 18,5 ----- -----Expulsões de estrangei-ros (total) 10.616 13.278 11.454 11.358 10.130

Expulsões qualificadas de estrangeiros 5.564 7.591 8.196 9.114 8.809

Porcentagem população penitenciária estrangeira (média anual) 35,6% 35,7% 35,6% 34,8% 33,4%

Fonte: Ministerio del Interior, INE (“dados de detenções, condenações e expulsões”); Eurostat, Ministerio del Interior (“dados de criminalidade”); SPACE I, Consejo de Europa, Secretaría General de Instituciones Penitenciarias, INE (“dados penitenciários”).

Certamente tão importante quanto o que foi afirmado é que a contra-ção do sistema penal espanhol não somente tem afetado o âmbito carcerário, mas também outros setores, igualmente caracterizados como especialmente dispendiosos. Talvez o caso mais significativo quanto a esses efeitos seja o re-gime de expulsões: de acordo com os dados oficiais do Ministério do Interior espanhol, o número total de expulsões caiu 23,6% (de 13.728 para 10.130) en-tre 2009 e 2012, independentemente da evolução populacional de migrantes irregulares presente em território espanhol.

Em síntese, a resposta ensaiada quanto à segunda questão anterior-mente enunciada (o como da diminuição da população penitenciária no con-texto da crise) permite responder também à primeira (de verdadeira rele-vância do processo). Por meio de todo o exposto, não parece desnorteada a com preensão de que seria ingênuo imaginar que estamos diante de uma dinâmica meramente conjuntural, e mais ainda, de que a tendência presente não tenha relação com a gravíssima crise econômica. Pelo contrário, é razoá-vel admitir que o sistema penal espanhol encontrou o princípio da escassez.

iv – deClÍNio dA distoPiA PeNAl? A evolução do sistemA PeNAl estAduNideNse

A recente evolução espanhola não pode ser vista como uma exceção. Em primeiro lugar, começa a se desenhar certa evolução geral coincidente no

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contexto europeu25, embora não isenta de ambiguidades e desde logo não tão clara como as tendências que se manifestam no caso espanhol. Como se pode observar no Quadro 5, parece deflagrada uma queda significativa de contin-gentes penitenciários em certo número de países europeus desde 2010-201126, exatamente no mesmo momento em que a recessão no continente entra em sua segunda fase, claramente mais grave: a etapa da denominada crise da dívida soberana27.

Quadro 5: Evolução das taxas de população penitenciária

em diversos países da UE, 2007-2013.

2007 2008 2009 2010 2011 2013

Alemanha 94 91 89 88 87 77

Chipre 106 104 111 112 106 -----

França 100 104 103 103 111 100

Grécia 100 110 98 106 110 111 (2012)

Irlanda 80 85 88 97 93 89

Itália 78 96 107 113 111 105

Portugal 109 101 104 109 120 137

Reino Unido 145 151 150 152 151 147

Fonte: SPACE I, Consejo de Europa (dados 2007-2011); ICPS (dados 2012/2013).28

Não obstante, e sem prejuízo desta incipiente tendência europeia, re-sulta ainda mais significativo o sistema penal estadunidense ter enfrentado uma contração semelhante num período recente. Na realidade, do mesmo modo que o sistema penal dos Estados Unidos destacou-se durante décadas como o melhor exemplo da distopia de um expansionismo penal aparente-mente ilimitado29, do contexto da crise advém um caso paradigmático das

25 Vid., também neste sentido, Karstedt, 2013: 8 e s.26 Parece oportuno destacar que, no entanto, há tendência contrária em dois países da União

Europeia que (provavelmente) mais sofreram com os efeitos da recessão econômica: Grécia e Portugal.

27 Vid., sobre isso, Lapavitsas et al., 2012.28 Os Estados da União Europeia incluídos neste quadro são, substancialmente, os de maior

tamanho e aqueles que se tem visto como os mais afetados pela recessão.29 Esse expansionismo pode ser visto nos seguintes dados: Quadro 6: Evolução populacional

submetida ao controle penal dos Estados Unidos, 1980-2005 (milhares)

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consequências da Grande Recessão e do princípio da escassez dentro do cam-po da punição.

Com efeito, inclusive o extraordinário expansionismo punitivista esta-dunidense encontrou seus próprios limites. O crescimento da população pe-nal e penitenciária dos Estados Unidos abrandou-se de forma evidente desde o início do século, para finalmente diminuir a partir de 2007-2008, como mos-tra o Quadro 7. Embora tal diminuição tenha sido modesta30 (baixa de 3,4% da população penitenciária entre 2008-2012, de 6,7% da taxa de população penitenciária na mesma etapa e de 5,4% da população penal total entre 2007-2012), ela contrasta abruptamente com a evolução anterior.

Quadro 7: Evolução da população penal estadunidense, 2007-2012 (em milhares).

ANotAXA de PoPulAção

PeNiteNCiÁriAPrisão ProbAtioN

liberdAde CoNdi-CioNAl (PArole)

PoPulAção Pe-NAl (totAl)

2007 758 2298 4293’2 826’1 7337’9

2008 756 2308’4 4270’9 828’2 7312’4

2009 744 2291’9 4204 819’3 7232’8

2010 730 2266’8 4055’5 840’7 7076’2

2011 716 2239’8 3971’4 853’9 6977’7

2012 707 2228’4 3942’8 851’2 6937’6

Fontes: Sourcebook of Criminal Justice Statistics (www.albany.edu), Bureau of Justice Sta-tistics (bjs.ojp.usdoj.gov). Las estimaciones poblacionales se basan en el US Census Popu-lation Clock.

Ano Taxa população penitenciária Prisão ProbationLiberdade condicional

(parole)População penal (total)

1980 220 501,9 1118,1 220,4 1840,4

1985 311 742,6 1968,7 300,2 3011,5

1990 456 1146,4 2670,2 531,4 4348

1995 589 1577,8 3077,9 679,4 5335,1

2000 680 1929,9 3826,2 723,9 6437,4

2005 737 2189,1 4166,8 780,6 7045,1

Fontes: Dados retirados do documento Correctional Populations: Key Facts At A Glance del BJS. As estimativas populacionais se devem ao US Census Population Clock.

30 Além disso, como lembra Gottschalk, 2013: 206, trata-se de uma diminuição que, na realidade, somente se produziu em 24 dos 50 Estados.

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Atualmente há um volume importante de literatura que analisa essa mudança de tendência31. As análises proporcionam uma interessante refle-xão sobre as razões que subjazem em tais mutações, isolando explicações simplistas que derivam mecanicamente da evolução da criminalidade. De acordo com este marco de estudo, três diferentes tipos de fatores parecem ter influenciado esta emergente contração do sistema penal estadunidense.

Em primeiro lugar, o declínio da importância outorgada pela socieda-de dos Estados Unidos32 à criminalidade, apesar de ainda haver, por parte da população33, certas atitudes punitivistas. Essa decrescente ansiedade em relação ao delito parece ter sido determinada, pelo menos até certo ponto, por uma diminuição das taxas de delinquência, que, na etapa recente, tem se mantido claramente inferior às do final do século34. Além disso, a crescente transcendência adquirida por outras preocupações coletivas (v.g., o terroris-mo, a imigração ou o declínio da classe média) parece ter influenciado na menor relevância do medo ao delito35.

Em segundo lugar, a mais recente evolução do sistema penal esta-

dunidense, em grande medida, deve-se à crescente consciência pública do fracasso da orientação político-criminal, que enxerga no aumento constante da punitividade e no recurso generalizado à prisão as principais respostas ao crime36. De certo modo, começa a se difundir a impressão, ao menos no âmbito administrativo, de que a prisão cria mais problemas do que resolve37. Por este motivo, não é de se surpreender que outras questões político-crimi-nais, diferentes da mera inflação punitiva, tenham cobrado sua relevância no campo das políticas penais. Em particular, deve-se mencionar a preocupação quanto ao retorno dos reclusos libertados38. De algum modo, consoante com

31 De fato, um setor da literatura previu (vid. Beckett/Sasson, 2004: 70 e s.; Tonry, 2004: 4; Wacquant, 2004: 62) essa mudança de tendência, inclusive antes que se materializasse em termos estatísticos. À diferença destes autores, Pratt, 2006: 265 e s.; Western, 2006: 195 e s., 198, dentre outros, prognosticaram, na mesma época, um aumento da população penitenciária estadunidense.

32 Vid., neste sentido, Lynch, 2008: 102; Pratt, 2007: 36.33 Vid. Gottschalk, 2013: 232; Pratt, 2006: 265 e s.; Western, 2006: 195 e s.34 Vid., sobre isso, Beckett/Sasson, 2004: 70 e s.; Pratt, 2006: 264; Simon/Lopez/Frampton,

2008: 1, 16.35 Vid., neste sentido, Clear, 2008: 68; Simon/Lopez/Frampton, 2008: 1, 16.36 Vid. Barker, 2009: 91; Campbell, 2010: 216; Clear, 2008: 68; Simon/Lopez/Frampton,

2008: 3.37 Vid. Barker, 2009: 188.38 Vid. Beckett/Sasson, 2004: 70 e s.; Simon, 2008: 56; Simon/Lopez/Frampton, 2008: 3,

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esta mudança política-criminal, diversos Estados dos Estados Unidos toma-ram medidas logísticas e legais orientadas à reversão da tendência de cresci-mento da população penitenciária39; o caso mais relevante é, sem dúvida, o da Califórnia40.

Este último ponto conduz à terceira e mais relevante explicação da re-cente evolução penal estadunidense. No início do século, a crise econômi-ca vivida no país – intensificada desde 2007-2008 – gerou restrições fiscais e preocupações quanto ao custo do sistema penal, o que foi fundamental para frear sua expansão e, ulteriormente, determinar sua contração41. Como se se tratasse de uma espécie de confirmação do prosaico realismo utilitarista da AED, inclusive um expansionismo punitivo tão ambicioso como o dos Esta-dos Unidos finalmente se confrontou com os limites orçamentários de seu desenvolvimento.

v – (A modo de) CoNClusão: rumo A umA AtuAliZAção do PeNsAmeNto CrÍtiCo sobre A PeNAlidAde?

Esta breve revisão da evolução de diferentes sistemas penais do norte dentro do contexto da Grande Recessão permite aventurar algumas hipóte-

5; Western, 2006: 196 e s. – quem vê neste ponto a recuperação de certa preocupação reabilitadora. Resulta especialmente relevante que o presidente Bush referiu-se a esta questão no Debate sobre o estado da União de 2004 (vid. Simon, 2008: 56; Simon/Lopez/Frampton, 2008: 5; Western, 2006: 197).

39 Vid., dentre outros, Barker, 2009: 6, 121 s.; Beckett/Sasson, 2004: 70 e s.; Gottschalk, 2013: 218, 227; Pratt, 2007: 150 e s.; Simon/Sparks, 2013: 15 – fazendo extensiva esta situação ao Reino Unido. Também Lea/Hallsworth, 2012: 22, 33, fazem referência à adoção deste tipo de medidas no Reino Unido.

40 Com efeito, este Estado do Pacífico, após a sentença Brown vs. Plata (2011) da Corte Suprema dos Estados Unidos, que entendeu que a superpopulação havia degradado tanto a sanidade penitenciária que se havia formado uma verdadeira penalidade desumana ou degradante, se viu obrigado a uma redução drástica de sua população penitenciária, mediante a Public Safety Realigment Act de 2011 (vid. Lynch, 2013: 255; Simon, 2011: 251 ss.; Simon/Sparks, 2013: 14 e s.; Van Zyl Smit, 2013: 409; Zysman Quirós, 2013: 72 e ss.).

41 Vid., entre outros, Barker, 2009: 188; Brown, 2009: 208; Campbell, 2010: 217 e s.; Karstedt, 2013: 6 ss.; Page, 2013: 163 – quem aponta que então a batalha política se centra em decidir como produzir essa contração. Situação semelhante é observada por Albertson/Fox, 2012: 3, 208; Liebling/Crewe, 2013: 294 e s.; Reiner, 2011: x, em relação com o sistema britânico. Gottschalk, 2013: 206, apesar de reconhecer influência da Grande Recessão, observa que não é seguro que seja uma tendência sólida, já que o encarceramento não somente tem a ver com pressupostos públicos, mas também com o tecido político, cultural, institucional e social de uma determinada sociedade (confira substancialmente no mesmo sentido, Bell, 2011: 209 – em referência ao Reino Unido; Simon, 2013: 83; Zysman Quirós, 2013: 76).

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ses, orientadas a continuar refletindo sobre as aproximações críticas à pena-lidade. Tais abordagens são provisórias e seguramente ousadas, mas nosso tempo, como qualquer outro momento de crise, deve ser entendido como um convite para o ensaio de novas ideias42, ou a reconsiderar, sob outra perspec-tiva, análises consideradas clássicas.

Em primeiro lugar, como já mencionado, há boas razões para pen-sar que estamos no início de uma nova etapa. Ao menos em certa medida, modelos analíticos tão difundidos há alguns anos, como o Estado de Exceção Permanente43 ou o Estado Penal44, começaram a parecer um tanto fora de seu tempo45. A novidade da presente situação reside, em parte, no término de um ciclo histórico, pelo menos nos Estados Unidos. Como reiterado, inclusive o ambicioso experimento punitivo estadunidense encontrou finalmente seus limites, tanto por sua pobre eficácia preventiva quanto pela relativa inelasti-cidade dos recursos públicos.

Em segundo lugar, o início desta nova fase convida à inovação, espe-cialmente no campo das análises críticas. Faz-se importante estudar cuida-dosamente as razões que conduzem à mudança de tendência no caso norte--americano, para então analisar sua aplicabilidade em outros países, no in-tuito de facilitar uma evolução semelhante. Tal crise deve ser vista como um extraordinário momento de oportunidade para redefinir as prioridades cole-tivas, repensando o sistema penal quanto ao dano social46, e para contribuir na medida do possível para que este deixe de funcionar como depósito de ansiedades sociais que pouco tem a ver com os conflitos conceituados como delito47.

42 Vid. também neste sentido Karstedt, 2013: 5 e ss., que, inclusive, carrega a ideia no chamativo título de seu artículo.

43 Vid. Agamben, 2003. Para uma crítica da abordagem agambeniana neste ponto, vid., dentre outros, Butler, em Butler/Spivak, 2009: 50, 69 e s., 73; Hardt/Negri, 2009: 57 e s., 77; Lemke, 2011: 58, 62; Mezzadra/Neilson, 2013: 148 e s., 189.

44 Vid. Wacquant, 2000; 2004. Para uma crítica desta abordagem, confira, dentre outros, Bell, 2011: 4, 62 e s., 169; Hancock/Mooney, 2012: 110, 119; Lacey, 2013: 261, 266 e s., 272, 277; Lea/Hallsworth, 2012: 22 e s.; Pitts, 2012: 62, 64 e ss., 68.

45 Vid., em um sentido não muito distante, Bell, 2011: 4; Pitts, 2012: 62, 64. Karstedt, 2013: 8 e s., por sua parte, observa que a evolução penal recente mostra que o neoliberalismo não conduz inevitavelmente a uma expansão permanente do sistema punitivo. Bell, 2011: 3 e s.; Lacey, 2013: 273, 277, parecem defender uma semelhante perspectiva.

46 Vid. Bernal et al., 2012: XXV e ss.; Huisman, 2012: 8 e ss.47 Vid., sobre isso, por todos, Bauman, 2007: 168, 171 e ss., 185; Ericson, 2007: 202 e s.;

Wacquant, 2004: 85, 255; Zedner, 2009: 20, 24.

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Para tanto, faz-se necessário aprender a falar novas linguagens e a aceitar inesperados companheiros de viagem. A linguagem dos direitos e do sofrimento causados pela pena continuam sendo necessária, mas até o momento – sobretudo em determinados territórios – mostra-se claramente insuficiente. Parece ter funcionado, em certa medida, como dissuasória. A crise impulsiona ao acolhimento da linguagem da escassez, que abre o campo de debate, para discutir o que é realmente essencial para efeitos de enfrenta-mento quanto às necessidades e aos problemas coletivos. Aqui, a análise crí-tica não deveria temer a semântica econômica. No curto prazo, um imanente utilitarismo como o de Becker parece ser uma alternativa melhor do que as experiências de “penalidade soberana”, excepcional e neutralizadora, viven-ciadas em diversos países durante as últimas décadas.

Obviamente, a proposta não servirá para mudar o sistema punitivo de base, nem tampouco deixa de ser heterodoxa em relação às tradições do pensamento crítico sobre a penalidade. Não obstante, a hipótese pode ser vista, de algum modo, como a expressão do que a Internacional Situacionista48 denominava como “détournement” (desvio), isto é, a sobredeterminação de uma abordagem alheia, e a posterior ressignificação orientada aos interesses de sua própria abordagem49. Posteriormente, como teriam recomendado os situacionistas, é tempo de ver para onde carrega a derive (deriva)50.

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48 Vid. Internationale Situationniste, 1959: 10 e s.49 Outro recente exemplo do emprego deste conceito situacionista em Criminologia pode ser

visto em Ferrell/Hayward/Young, 2008: 199 e ss. 50 Vid., sobre o conceito de deriva, Debord, 1958: 19 e ss.

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A Prisão CAutelAr do AdvogAdo: dA PrerrogAtivA ProFissioNAl de

reColHimeNto em sAlA de estAdo mAiorbernArdo de Azevedo e souzA

Mestre em Ciências Criminais (PUCRS), Especialista em Ciências Penais (PUCRS), Advogado Criminalista.

pAulo dArivA

Mestrando em Ciências Criminais (PUCRS), Especialista em Direito Penal Empresarial (PUCRS), Conselheiro

Seccional da OAB/RS, Advogado Criminalista.

RESUMO: O presente ensaio é fruto dos inúmeros debates travados ao longo dos últimos anos nas sessões (ordinárias e extraordinárias) da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas dos Advogados (CDAP) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Rio Grande do Sul (OAB/RS), a qual integram os subscreventes. Entre os diver-sos temas discutidos na referida comissão nesse período, assumiu especial relevância a questão relacionada à prisão cautelar do advo-gado e seus possíveis desdobramentos. Nesse sentido, ainda que a Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB – EOAB) reconheça ser direito do advogado não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar (art. 7º, V), não raro são proferidas em todo o país decisões contrárias a tal norma, determi-nando o recolhimento do advogado em prisão especial, na esteira do art. 295 do Código de Processo Penal (CPP). O cerne da celeuma re-side, portanto, no fato de que tanto o EOAB quanto o CPP possuem normas específicas que, em tese, regulamentariam o recolhimento cautelar do advogado, ora em sala de Estado Maior, ora em cela de prisão especial. A pretensão do presente artigo, longe de exaurir a discussão acerca da temática, consiste em tecer brevíssimas consi-derações acerca da controvérsia ora travada, de modo a demonstrar que, sem embargo da disposição contida no Diploma Processual Penal, a prisão cautelar do advogado em sala de Estado Maior cons-titui prerrogativa de índole profissional, qualificável como direito subjetivo daquele regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), devendo, acima de tudo, ser respeitada pelo Poder Público e seus agentes.

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PALAVRAS-CHAVE: Prerrogativas; sala de Estado Maior; Lei nº 8.906/1994.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Sala de Estado Maior e prisão especial: de-finições e distinções; 2 Conflito aparente de normas: sala de Estado Maior ou prisão especial? 3 Ausência de sala de Estado Maior e pri-são domiciliar; 4 Considerações finais; Referências.

iNtroduçãoA discussão em torno da prisão cautelar do advogado não é recente

em nosso país e em relação ao tema jamais foi firmado consenso. Isso se deve porque, a despeito da disposição do art. 295 do CPP, no sentido de assegu-rar a inúmeras pessoas a chamada prisão especial, entre elas os portadores de diploma de nível superior reconhecido pela República1 (estando aqui abran-gidos os profissionais da advocacia), a matéria foi regulamentada diferente-mente pelo EOAB, que, em seu art. 7º, V, dispõe ser direito do advogado não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar.

A coexistência de tais disposições tem fomentado polêmica em rela-ção ao tema nos Tribunais de Justiça de todo o País e até mesmo nas Cortes Superiores, que se dividem em relação ao encaminhamento do advogado preso cautelarmente. Qual norma, afinal, deve prevalecer e ser aplicada ao profissional da advocacia, cuja prisão preventiva é decretada por um juiz de direito? Para onde deverá ser conduzido o advogado em tal situação? Deverá ser encaminhado a uma cela de prisão especial, em observância ao art. 295

1 “Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva: I – os ministros de Estado; II – os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; III – os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados; IV – os cidadãos inscritos no ‘Livro de Mérito’; V – os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; VI – os magistrados; VII – os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República; VIII – os ministros de confissão religiosa; IX – os ministros do Tribunal de Contas; X – os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função; XI – os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.”

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do CPP, ou ser direcionado a uma sala de Estado Maior, em cumprimento ao art. 7º, V, do EOAB?

Antes de procurarmos oferecer respostas aos questionamentos expos-tos acima e adentrarmos no debate acerca do objeto de estudo propriamente dito, entendemos necessário diferenciar a sala de Estado Maior da prisão es-pecial, visto que, não raras vezes, tais conceitos são interpretados erronea-mente como se sinônimos fossem.

1 sAlA de estAdo mAior e Prisão esPeCiAl: deFiNiçÕes e distiNçÕes

Muito embora o EOAB reconheça ser direito do advogado não ser reco-lhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, em nenhum momento conceitua, ainda que minimamente, a referida expressão. Nos mais de oitenta dispositivos do referido diploma legal, o ter-mo “sala de Estado Maior” é citado uma única vez (art. 7º, V), sem qualquer menção ou mesmo definição posterior. A dificuldade em interpretar o verbe-te e definir seus contornos foi identificada desde o advento do EOAB, nota-damente em virtude da ausência de salas de Estado Maior, se não em todo o nosso país, na maior parte dele.

O Supremo Tribunal Federal (STF) teve a oportunidade de manifestar--se sobre a questão quando do julgamento da Reclamação nº 4.535/ES, em 07.05.2007. Em seu voto, o Ministro Relator Sepúlveda Pertence, após definir “Estado Maior” como o grupo de oficiais que assessoram o Comandante de determinada organização militar (Exército, Marinha, Aeronáutica, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar), conceituou “sala de Estado Maior” como o com-partimento de qualquer unidade militar que possa por aqueles ser utilizado para exercer suas funções, ainda que potencialmente. A ementa ficou assim redigida:

I – Reclamação: alegação de afronta à autoridade da decisão plenária da ADIn 1127, de 17.05.2006, Red. p/o Ac. Min. Ricardo Lewandowski: pro-cedência. 1. Reputa-se declaratória de inconstitucionalidade a decisão que – embora sem o explicitar – afasta a incidência da norma ordinária perti-nente à lide para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição. 2. A decisão reclamada, fundada na inconstitucionalidade do art. 7º, V, do Estatuto dos Advogados, indeferiu a transferência do recla-mante – advogado, preso preventivamente em cela da Polícia Federal –, para sala de Estado Maior e, na falta desta, a concessão de prisão domiciliar. 3. No ponto, dissentiu do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal

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na ADIn 1127 (17.05.2006, Red. p/o Ac. Ricardo Lewandowski), quando se julgou constitucional o art. 7º, V, do Estatuto dos Advogados, na parte em que determina o recolhimento dos advogados em sala de Estado Maior e, na sua falta, em prisão domiciliar. 4. Reclamação julgada procedente para que o reclamante seja recolhido em prisão domiciliar – cujo local deverá ser especificado pelo Juízo reclamado –, salvo eventual transferência para sala de Estado Maior. II – “Sala de Estado-Maior” (Lei nº 8.906, art. 7º, V): carac-terização. Precedente: HC 81.632 (2ª T., 20.08.2002, Velloso, RTJ 184/640). 1. Por Estado-Maior se entende o grupo de oficiais que assessoram o Co-mandante de uma organização militar (Exército, Marinha, Aeronáuti-ca, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar); assim sendo, “sala de Estado--Maior” é o compartimento de qualquer unidade militar que, ainda que potencialmente, possa por eles ser utilizado para exercer suas funções. 2. A distinção que se deve fazer é que, enquanto uma “cela” tem como finalida-de típica o aprisionamento de alguém – e, por isso, de regra contém grades –, uma “sala” apenas ocasionalmente é destinada para esse fim. 3. De outro lado, deve o local oferecer “instalações e comodidades condignas”, ou seja, condições adequadas de higiene e segurança.

Em 04.09.2007, no julgamento do HC 91089/SP, o Ministro Relator Carlos Britto complementou o conceito. Para o Ministro, sala de Estado Maior seria: a) uma verdadeira sala, e não cela ou cadeia; b) instalada no Comando das Forças Armadas ou de outras instituições militares; c) um tipo heterodo-xo de prisão, pois destituída de grades ou de portas fechadas pelo lado de fora. A ementa do julgamento ficou registrada do seguinte modo:

Habeas corpus. Prisão cautelar. Profissional da advocacia. Inciso V do art. 7º da Lei nº 8.906/1994. Sala de Estado-Maior. Prisão especial. Diferen-ças. Ilegalidade da custódia do paciente em cela especial. Aos profissio-nais da advocacia é assegurada a prerrogativa de confinamento em sala de Estado-Maior, até o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória. Prerrogativa, essa, que não se reduz à prisão especial de que trata o art. 295 do Código de Processo Penal. A prerrogativa de prisão em sala de Estado--Maior tem o escopo de mais garantidamente preservar a incolumidade fí-sica daqueles que, diuturnamente, se expõem à ira e retaliações de pessoas eventualmente contrariadas com um labor advocatício em defesa de con-trapartes processuais e da própria ordem jurídica. A advocacia exibe uma dimensão coorporativa, é certo, mas sem prejuízo do seu compromisso ins-titucional, que já é um compromisso com os valores que permeiam todo o ordenamento jurídico brasileiro. A sala de Estado-Maior se define por sua qualidade mesma de sala e não de cela ou cadeia. Sala, essa, instalada no Comando das Forças Armadas ou de outras instituições militares (Polícia Militar, Corpo de Bombeiros) e que em si mesma constitui tipo heterodoxo

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de prisão, porque destituída de portas ou janelas com essa específica finali-dade de encarceramento. Ordem parcialmente concedida para determinar que o Juízo processante providencie a transferência do paciente para sala de uma das unidades militares do Estado de São Paulo, a ser designada pelo Secretário de Segurança Pública.

Finalmente, em 17.12.2007, o Ministro Relator Ricardo Lewandowski, ao proferir voto na Reclamação nº 4.713/SC, contribuiu com a definição ao mencionar que a sala de Estado Maior se trata de uma dependência em es-tabelecimento castrense, sem grades, com instalações condignas. A decisão ficou assim ementada:

Reclamação. Processo penal. Prisão de advogado. Recolhimento em de-pendência da polícia militar. Descumprimento de decisão do STF na ADIn 1.127. Inocorrência. Entendimento da expressão “sala de Estado Maior” contida na Lei nº 8.906/1994. Reclamação improcedente. I – O Supremo Tribunal Federal estabeleceu que é constitucional a prerrogativa de o ad-vogado ser preso em sala de Estado Maior até o trânsito em julgado da con-denação. II – A prisão de profissional inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil em dependência da Polícia Militar não desafia o decidido por esta Corte. III – A expressão “sala de Estado Maior” deve ser interpretada como sendo uma dependência em estabelecimento castrense, sem grades, com instalações condignas. IV – O preceito legal que confere aos advogados o direito à prisão especial, antes do trânsito em julgado da condenação, não desnatura o caráter da medida, que representa uma restrição à liberdade de locomoção, ainda que em condições diferenciadas dos demais presos. V – Reclamação cujo alcance não pode ser ampliado, sob pena de transfor-má-la em verdadeiro sucedâneo do recurso de apelação, ajuizada direta-mente perante a Suprema Corte. VI – Reclamação julgada improcedente.

Com efeito, na esteira dos julgados supramencionados, a sala de Es-tado Maior poderia ser definida, grosso modo, como o aposento ou cômodo de qualquer unidade militar, sem grades e com instalações condignas. Já a prisão especial, por sua vez, corresponderia ao local distinto da prisão comum, de preferência em estabelecimento específico para tal finalidade (que não corresponda a quartéis2), para recolher os chamados presos espe -

2 A conjunção alternativa “ou” constante no caput do art. 295 do CPP (“Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva”) permite concluir que a prisão especial se trata de estabelecimento diverso dos quartéis. Para que não haja nebulosidade, é importante sublinhar que os presos especiais, na esteira do dispositivo mencionado, podem ser encaminhados tanto para um quartel quanto para uma cela de prisão especial. O que

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ciais3. É o que se infere, a propósito, pela leitura conjunta dos §§ 1º, 2º e 3º ao art. 295 do CPP, cuja redação fora acrescenta pela Lei nº 10.258/2001:

Art. 295. [...]

§ 1º A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum.

§ 2º Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento.

§ 3º A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência hu-mana.

Deve-se referir ainda que, uma vez inexistindo o estabelecimento espe-cífico para recolher o preso especial (relembre-se: em local distinto da prisão comum, e que não seja quartel), seu recolhimento se dará em cela distinta do mesmo estabelecimento. A lei não oferece maiores detalhes sobre qual a na-tureza deste estabelecimento distinto. Observa-se ainda que, como regra, a cela da prisão especial será individual, sendo o alojamento coletivo medida ex-cepcional e, nesta hipótese, o ambiente deve ser salubre, arejado e condigno.

Finalmente, acrescenta o § 4º que “o preso especial não será transporta-do juntamente com o preso comum”. Tal regra, no entanto, é contrariada dia-riamente em virtude de nossa realidade prisional. Não apenas o transporte é realizado diferentemente do que dispõe a lei como são inúmeros os relatos de presos em cadeias e delegacias públicas, tanto definitivamente condenados, aguardando vagas em penitenciárias, quanto provisórios, o que viola tam-bém, nessa linha, o art. 300 do CPP4.

se pretende aqui é atentar ao leitor para o fato de que o local da cela de prisão especial deverá, necessariamente, ser distinto do quartel. Nessa esteira, como assinala Roberto Delmanto Júnior: “Com efeito, o próprio caput do art. 295 do CPP faz a distinção entre quartéis e prisão especial, deixando claras duas hipóteses distintas (serão recolhidos: 1) a quartéis ou 2) a prisão especial). A locução ‘ou’, aqui, indica alternância, e não sinonímia, caso contrário não haveria a necessidade do emprego da locução ‘a’ antes dá expressão ‘prisão especial’” (DELMANTO JUNIOR, Roberto. Prisão especial, sala de Estado-Maior e prisão domiciliar em face da Lei nº 10.258/2001. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 793, p. 463-474).

3 São todos aqueles arrolados no art. 295 do CPP. No ponto, remete-se o leitor à leitura da nota de rodapé nº 1, em que a redação do referido dispositivo está colacionada na íntegra.

4 “Art. 300. As pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem definitivamente condenadas, nos termos da lei de execução penal.”

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Em suma, a diferença essencial entre “cela” (de prisão especial) e “sala” (de Estado Maior) seria a de que a primeira corresponde a uma cela fechada, com grades, com instalações condignas, em local distinto da prisão comum e de unidade militar (quartel), enquanto que a segunda se trata de verdadeira sala, sem grades, com instalações condignas, também em local distinto da prisão comum, mas em instituição militar.

2 CoNFlito APAreNte de NormAs: sAlA de estAdo mAior ou Prisão esPeCiAl?

Consoante acima explicitado, o CPP, em seu art. 295, com as alterações introduzidas pela Lei nº 10.258/2001, disciplina a denominada prisão especial, conferindo tal direito, entre outros, àquele diplomado por faculdade supe-rior da República. Por outro lado, o art. 7º, V, da Lei nº 8.906/1994 (EOAB) preceitua ser direito do advogado não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e co-modidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar.

Dessa forma, ambos os dispositivos legais teriam, em tese, aplicação à prisão cautelar do advogado. No entanto, atentos à lição de Nélson Hungria, não é admissível que duas ou mais leis penais ou dois ou mais dispositivos da mesma lei penal disputem, com igual autoridade, exclusiva aplicação ao mesmo fato5.

Para evitar a perplexidade ou a intolerável solução dada pelo bis in idem, o direito penal (como o direito em geral) dispõe de regras, explícitas ou implícitas, que previnem a possibilidade de competição em seu seio. O mes-mo opera-se em relação a normas processuais que não estejam relacionadas diretamente ao fato delituoso, mas a direitos subjetivos dos réus6.

Quando duas ou mais leis apresentam-se, prima facie, em colisão, no que diz respeito a determinado fato, cumpre, liminarmente, verificar se hou-ve entre elas uma sucessão no tempo, pois o princípio lex posterior derogat priori impede que se estabeleça a rivalidade. Não sendo este o caso, no entan-to, a doutrina estabelece alguns critérios para a solução do problema.

Ainda conforme Hungria, ou o fato, apesar de unitário no seu proces-so material, é idealmente fragmentável, de modo que, considerado em suas partes, representa violação concomitante de normas distintas e autônomas

5 Cf. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1951.6 HUNGRIA, Nelson. Comentários..., p. 118.

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(concurso formal de crimes), e então não há que há se falar em conflito, pois todas as normas violadas têm aplicação simultânea (embora unificadas as pe-nas segundo o chamado cúmulo jurídico); ou o fato incide sob várias normas, mas estas apresentam entre si tal relação de dependência ou hierarquia, que só uma delas é aplicável, ficando excluídas ou absorvidas as outras7.

Neste último caso é que se costuma falar em conflito aparente de normas penais. O mesmo raciocínio deve ser aplicado quanto ao objeto ora analisado, o qual, a par de não se tratar de conflito de tipos penais, refere-se ao confli-to quanto ao direito à prisão especial, em cela especial, ou à sala de Estado Maior, conceitos essencialmente diferentes entre si. Evitando-se o “constru-cionismo jurídico” que o problema tem suscitado, podem ser reduzidas a três as regras que disciplinam a sua solução: a) lex specialis derogat legi generali; b) lex primaria derogat legi subsidiarae; c) lex consumens derogat legi consumptae8.

Especificamente no que concerne ao princípio da especialidade, que nos interessa no presente estudo, Francisco de Assis Toledo nos ensina que, se entre duas ou mais normas penais existir uma relação de gênero e espécie, ou seja, de especialidade, a regra é que a norma especial afasta a incidência da norma geral, sendo especial aquela norma que contém todos os elemen-tos da norma geral, mais o elemento especializador9. Não obstante, segundo Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, “a especialidade é um fenômeno que tem lugar em razão de um fechamento conceitual, que um tipo faz do outro e que pressupõe uma relação de subordinação conceitual entre os tipos”10.

Dito isso, parece-nos evidente estarmos diante de um conflito aparente de normas: de um lado, temos o EOAB, que, em seu art. 7º, V, determina que o advogado regularmente inscrito não será recolhido preso, antes de senten-ça transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas e, na sua falta, em prisão domiciliar; de outro, temos o art. 295 do CPP, que trata da prisão especial para aqueles agentes elencados em seus incisos, a exemplo do diplomado em curso superior.

7 HUNGRIA, Nelson. Comentários..., p. 118-119.8 TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 50-54.9 TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos..., p. 51.10 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal

brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 734.

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Veja-se que o advogado se enquadra tanto no inciso VII do art. 295 do CPP (diplomado em curso superior), quanto no art. 7º, V, da Lei nº 8.906/1994. No entanto, esta última, o EOAB, é lei especial e, por conseguinte, afasta a norma geral instituída pelo CPP. Sobre o ponto, importante colacionar a dou-trina de Fernando da Costa Tourinho Filho:

Insta esclarecer que o bacharel em Direito faz jus à prisão especial, nos ter-mos do inciso VII do art. 295, por ser diplomado por escola superior. Mas se inscrito na OAB, nos termos do art. 7º, V, da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia), não pode ser recolhido preso antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado-Maior, com instalações e comodida-des condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar. Trata-se de lei espe-cial, e, a nosso juízo, em face do princípio da especialidade, a nova lei não a revogou, não só porque lex posterior generalis non derogat speciali, como também porque ali não se fala em prisão especial, mas em sala do Estado--Maior ou prisão domiciliar.11

Ademais, é cediço que a lei não possui palavras inúteis, devendo o in-térprete deduzir o significado dos elementos normativos nela contidos. Ora, nesse sentido, não há como se conceber que prisão especial seja equivalente à prisão em sala de Estado Maior. Trata-se aquela de cela especial, que pode ser, inclusive, nas dependências da casa prisional, desde que separada dos demais detentos. Esta, por sua vez, possui outro significado muito diferente.

Portanto, não havendo possibilidade de incidência de duas normas distintas, aparentemente conflitantes entre si, a uma mesma situação jurídi-ca, a questão deve ser resolvida mediante as regras acima referidas. No tema aqui em debate, a solução será dada pelo princípio da especialidade, ou seja, a norma prevista no art. 295 do CPP é norma geral, enquanto aquela discipli-nada pelo art. 7º, V, do EOAB é especial, esta possuindo plena aplicabilidade quando da prisão cautelar de advogados regularmente inscritos na OAB.

3 AusÊNCiA de sAlA de estAdo mAior e Prisão domiCiliAr

Outra questão de fundamental relevância diz respeito à parte final do art. 7º, V, do EOAB. O presente dispositivo, como já salientado, dispõe ser direito do advogado não ser recolhido preso, antes de sentença transitada

11 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Em que consiste a prisão especial? In: WUNDERLICH, Alexandre et al. (Org.). In: Escritos de Direito e Processo Penal em homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 119-123.

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em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar. Assim, determina o referido diploma legal que, na hipótese de prisão provisória de advogado regular-mente inscritos nos quadros da OAB, e constatada a inexistência de sala de Estado Maior na localidade, constitui direito subjetivo daquele ser recolhido em prisão domiciliar.

A prisão domiciliar está disciplinada nos arts. 317 e 318 do CPP12, bem como no art. 117 da Lei de Execuções Penais (LEP)13. No entanto, novamente por meio das regras que disciplinam o conflito aparente de normas, e princi-palmente o princípio da especialidade, se reconhece que o art. 7º, V, do EOAB criou hipótese de aplicação da prisão domiciliar além daquelas já previstas nos dispositivos legais mencionados.

Com efeito, a Lei nº 8.906/1994, com aplicabilidade, no aspecto, exclu-siva aos advogados regularmente inscritos na OAB, institui direito subjeti-vo do profissional em ser recolhido em prisão domiciliar, quando decretada sua prisão provisória e na hipótese de inexistir na localidade sala de Estado Maior. E nesse sentido vem decidindo o STF, conforme se infere pela leitura da ementa do julgamento do HC 72.465/SP, na data de 05.09.1995, sendo o relator o Ministro Celso de Mello:

Habeas corpus. Matéria constitucional. Condenação penal imposta a ex--prefeito municipal. A prisão especial como prerrogativa profissional do advogado. A questão da prisão domiciliar. Pedido parcialmente deferido. Ex-prefeito municipal. Reconhecimento da competência penal originária do Tribunal de Justiça (CF/1988, art. 29, X, c/c EC 1/92). [...] Advogado. Condenação penal recorrível. Direito a prisão especial. Prerrogativa de or-dem profissional (Lei nº 8.906/1994). O advogado tem o insuprimível di-reito, uma vez efetivada a sua prisão, e até o trânsito em julgado da decisão

12 “Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I – maior de 80 (oitenta) anos; II – extremamente debilitado por motivo de doença grave; III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV – gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.”

13 “Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I – condenado maior de 70 (setenta) anos; II – condenado acometido de doença grave; III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV – condenada gestante.”

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penal condenatória, de ser recolhido a sala de Estado-Maior, com instala-ções e comodidades condignas (Lei nº 8.906/1994, art. 7º, V). Trata-se de prerrogativa de ordem profissional que não pode deixar de ser respeitada, muito embora cesse com o trânsito em julgado da condenação penal. Dou-trina e jurisprudência. O recolhimento do advogado a prisão especial cons-titui direito público subjetivo outorgado a esse profissional do Direito pelo ordenamento positivo brasileiro, não cabendo opor-lhe quaisquer embara-ços, desde que a decisão penal condenatória ainda não se tenha qualificado pela nota da irrecorribilidade. A inexistência, na comarca, de estabelecimento adequado ao recolhimento prisional do advogado, antes de consumado o trânsito em julgado da condenação penal, confere­lhe o direito de beneficiar­se do regime de prisão domiciliar.

Na mesma linha, cabe também trazer à baila a decisão proferida no âmbito do HC 109.213/SP, julgado em 28.08.2012, sob a relatoria do Ministro Celso de Mello. A ementa ficou assim transcrita:

Advogado. Condenação penal meramente recorrível. Prisão cautelar. Re-colhimento a “Sala de Estado-Maior” até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Prerrogativa profissional assegurada pela Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia, art. 7º, V). Inexistência, no local do recolhimento prisional, de dependência que se qualifique como “Sala de Estado-Maior”. Hipótese em que se assegura, ao advogado, o recolhimento “em prisão domiciliar” (Estatuto da Advocacia, art. 7º, V, in fine). Superveniência da Lei nº 10.258/2001. Inaplicabilidade desse diploma legislativo aos advo-gados. Existência, no caso, de antinomia solúvel. Superação da situação de conflito mediante utilização do critério da especialidade. Prevalência do Estatuto da Advocacia. Confirmação da medida liminar anteriormente deferida. Pedido de habeas corpus deferido. O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994), em norma não derrogada pela Lei nº 10.258/2001 (que al-terou o art. 295 do CPP), garante, ao advogado, enquanto não transitar em julgado a sentença penal que o condenou, o direito de “não ser recolhido preso [...], senão em sala de Estado-Maior [...] e, na sua falta, em prisão do-miciliar” (art. 7º, V). Trata-se de prerrogativa de índole profissional – qua-lificável como direito público subjetivo do advogado regularmente inscrito na OAB – que não pode ser desrespeitada pelo Poder Público e por seus agentes, muito embora cesse com o trânsito em julgado da condenação penal. Doutrina. Jurisprudência. Essa prerrogativa profissional, contudo, não poderá ser invocada pelo Advogado, se cancelada a sua inscrição (Lei nº 8.906/1994, art. 11) ou, então, se suspenso, preventivamente, o exercí-cio de sua atividade profissional, por órgão disciplinar competente (Lei nº 8.906/1994, art. 70, § 3º). A inexistência, na comarca ou nas Seções e Subse-

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ções Judiciárias, de estabelecimento adequado ao recolhimento prisional do advoga-do confere-lhe, antes de consumado o trânsito em julgado da sentença penal conde-natória, o direito de beneficiar­se do regime de prisão domiciliar (RTJ 169/271­274 – RTJ 184/640), não lhe sendo aplicável, considerado o princípio da especialidade, a Lei nº 10.258/2001. Existe, entre o art. 7º, V, do Estatuto da Advocacia (norma anterior especial) e a Lei nº 10.258/2001 (norma posterior geral), que alterou o art. 295 do CPP, situação reveladora de típica antinomia de segundo grau, eminentemente solúvel, porque superável pela aplicação do critério da especialidade (lex posterior generalis non derogat priori speciali), cuja incidência, no caso, tem a virtude de preservar a essencial coerência, integridade e unidade sistêmica do ordenamento positivo (RTJ 172/226-227), permitindo, assim, que coexistam, de modo harmonioso, normas em relação de (aparente) conflito. Doutrina. Consequente subsistência, na es-pécie, não obstante o advento da Lei nº 10.258/2001, da norma inscrita no inciso V do art. 7º do Estatuto da Advocacia, ressalvada, unicamente, por inconstitucional (ADIn 1.127/DF), a expressão “assim reconhecidas pela OAB” constante de referido preceito normativo.

Denota-se, portanto, que a inexistência de sala de Estado Maior com instalações e comodidades condignas é condição suficiente ao reconheci-mento do direito do advogado de ser recolhido em prisão domiciliar, não havendo necessidade de preenchimento dos demais pressupostos elencados no CPP ou na LEP. Entendimento diverso seria evidentemente contrário à própria ideia de solução de conflitos aparentes de normas, pois, com a apli-cação do princípio da especialidade, as normas previstas no CPP e na LEP em relação ao tema são afastadas por completo, permanecendo vigente apenas aquela prevista no EOAB.

CoNsiderAçÕes FiNAis

O tema da prisão cautelar do advogado, especificamente no que diz respeito ao estabelecimento em que deverá ser recolhido preso, tem suscitado fortes debates, principalmente quando de sua aplicação no caso concreto.

Como visto, há duas normas distintas que, em tese, poderiam ser apli-cadas na hipótese de recolhimento provisório do profissional da advocacia: o art. 295 do CPP, que disciplina a prisão especial, entre outros, do diplomado em faculdade superior da República, e o art. 7º, V, do EOAB, que prevê o direito de o advogado não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas.

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O aparente conflito de ambas as normas resolve-se mediante o princípio da especialidade, eis que entre aquelas existe uma relação de gênero e espécie, sendo que, por possuir tudo aquilo que contém a norma geral, mais o ele-mento especializador, a norma especial é que terá aplicabilidade. Portanto, em se tratando de advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB, es-tando provisoriamente preso, deverá obrigatoriamente ser recolhido em Sala de Estado Maior.

Em relação à inscrição nos quadros da OAB, é importante destacar que, na oportunidade do julgamento do HC 109.213/SP, o Ministro Celso de Mello entendeu pela impossibilidade de invocar a prerrogativa profissional do re-colhimento em sala de Estado Maior se o advogado estiver com seu registro cancelado ou se o exercício de sua atividade profissional estiver suspenso preventivamente. Em outras palavras, estando o advogado com sua inscri-ção cancelada nos quadros da OAB (art. 11 do EOAB) ou mesmo suspensa, preventivamente, por ato de órgão disciplinar competente, o exercício de sua atividade profissional (art. 70, § 3º, do EOAB), o direito ao recolhimento em sala de Estado Maior não lhe seria reconhecido.

A despeito da orientação esposada pelo Ministro, adotamos aqui posi-cionamento diverso, no sentido de que, mesmo se aplicada a penalidade de suspensão preventiva ao profissional da advocacia, este faria jus ao recolhi-mento em sala de Estado Maior, dada a possibilidade de, em sede de defesa do procedimento disciplinar, ser revertida a sanção outrora imposta.

De acordo com o art. 70, § 3º, do EOAB:

O Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho onde o acusado tenha inscri-ção principal pode suspendê-lo preventivamente, em caso de repercussão pre-judicial à dignidade da advocacia, depois de ouvi-lo em sessão especial para a qual deve ser notificado a comparecer, salvo se não atender à notificação. Neste caso, o processo disciplinar deve ser concluído no prazo máximo de noventa dias.

Como se pode observar pela redação de tal dispositivo, a “repercussão prejudicial à dignidade da advocacia” é que o fundamenta a suspensão pre-ventiva. Ainda que não se tenha aqui espaço para analisar toda a complexida-de que circundaria a temática (sobretudo no que diz respeito à influência dos meios midiáticos na opinião pública e os efeitos negativos decorrentes deste comportamento, sendo a “repercussão prejudicial à dignidade da advoca-cia” passível de fabricação), não vislumbramos razão plausível para negar ao advogado preso (cautelarmente) o direito de se recolher em sala de Estado

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Maior tão somente por estar com o exercício de sua atividade profissional suspensa preventivamente. A expressão “preventivamente”, a propósito, não quer dizer “definitivamente”, mas pode significar “temporariamente”, dada a possibilidade de, no âmbito da defesa administrativa, ser revertida a penalidade anteriormente decretada.

Não é demais salientar, nesse sentido, que o art. 73, § 1º, do EOAB assegura ao advogado o amplo direito a defesa no âmbito do processo disci-plinar, sendo-lhe permitido acompanhar o processo em todos os seus termos, pessoalmente ou por procurador, oferecer defesa prévia após ser notificado, razões finais após a instrução e inclusive defesa oral perante o Tribunal de Ética e Disciplina, por ocasião do julgamento. Da mesma forma, o § 5º abre também possibilidade de revisar o processo disciplinar por erro de julga-mento ou por condenação baseada em falsa prova. Em suma, a suspensão preventiva do exercício da atividade advocatícia pode, a qualquer momen-to, ser reconsiderada; já o eventual recolhimento cautelar do profissional em estabelecimento prisional (e não em sala de Estado Maior) poderá lhe trazer graves prejuízos, que lhe acompanharão por toda a vida.

No que diz respeito ao cancelamento da inscrição, por outro lado, co-mungamos do entendimento do Ministro Celso de Mello, sendo razoável a negativa do direito ao advogado de se recolher em sala de Estado Maior se verificados quaisquer dos incisos do art. 11 do EOAB14. Em relação especifi-camente ao inciso II (cancelamento decorrente de penalidade de exclusão), cabe referir que, em tal hipótese, já houve inclusive a tramitação de todo o procedimento disciplinar para apuração das infrações e sanções disciplinares imputadas inicialmente (art. 34 do EOAB) e o contraditório e a ampla defesa foram devidamente exercidos, ao contrário da suspensão preventiva (art. 70, § 3º, do EOAB), em que o mesmo não ocorre. Daí se justifica nosso posicio-namento, no sentido de não ser possível tolher o direito do advogado de se recolher cautelarmente em sala de Estado Maior na hipótese de suspensão preventiva do exercício profissional, mas ser razoável negar o benefício em caso de cancelamento da inscrição da OAB.

Para encerrar, é imprescindível sublinhar que, ao se examinar o pre-sente objeto de estudo, desde logo não se pode perder de perspectiva a íntima

14 “Art. 11. Cancela-se a inscrição do profissional que: I – assim o requerer; II – sofrer penalidade de exclusão; III – falecer; IV – passar a exercer, em caráter definitivo, atividade incompatível com a advocacia; V – perder qualquer um dos requisitos necessários para inscrição.”

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conexão existente entre as prerrogativas profissionais dos advogados e os di-reitos e garantias consagrados na Constituição Federal. Esse liame decorre do fato de que as prerrogativas profissionais não existem em função de si mes-mas, visto que traduzem, na realidade, emanações da própria Carta Magna. É dizer: ainda que o EOAB disponha sobre as prerrogativas dos advogados, estas somente foram concebidas com o fito de viabilizar a defesa da integrali-dade das liberdades públicas dos indivíduos, que se encontram proclamadas no nosso ordenamento constitucional.

Mais do que poderes jurídicos, as prerrogativas constituem meios es-senciais para viabilizar a proteção e tutela dos direitos e garantias fundamen-tais, conferindo efetividade à defesa daqueles indivíduos cujos interesses são confiados aos profissionais da advocacia. Sob essa ótica, as prerrogativas dos advogados existem não apenas para possibilitar a tutela efetiva dos interes-ses e direitos de seus constituintes, mas, mais do que isso, para que se possa defender a Constituição Federal e a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito.

Daí decorrem a relevância da temática e a necessidade de se observar a regra de que, enquanto não transitar em julgado a sentença, deverá o ad-vogado se recolher em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas. Somente quando inexistir, na comarca ou nas Seções e Subseções judiciárias, estabelecimento adequado para o recolhimento prisional do ad-vogado, lhe será conferido o direito de se beneficiar do regime de prisão do-miciliar. O advogado preso cautelarmente em nenhuma hipótese, contudo, será direcionado à prisão comum.

Trata-se, acima de tudo, do respeito às prerrogativas profissionais.

reFerÊNCiAs

DELMANTO JUNIOR, Roberto. Prisão especial, sala de estado-maior e prisão domiciliar em face da Lei nº 10.258/2001. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 793, p. 463-474.HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1951.TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2001.TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Em que consiste a Prisão Especial? In: WUNDERLICH, Alexandre et al. (Org.). In: Escritos de Direito e Processo Penal em homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

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Jurisprudênciacível

STJSuperior Tribunal de JuSTiça

AgRg no Recurso Especial nº 1.372.605 – CE (2013/0062606-9)Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia FilhoAgravante: Maria do Socorro Leite PinheiroAdvogado: Wilson de Norões Milfont Neto e outro(s)Agravado: Departamento Nacional de Obras Contra as SecasRepr. por: Procuradoria-Geral FederalInteres.: Antônio Belarmino da SilvaAdvogado: Stephenson Francisco Maia Josué

EMENTA

AdmiNistrAtivo – AgrAvo regimeNtAl No reCurso esPeCiAl – desAProPriAção

– trANsCrição do domÍNio – iseNção do PAgAmeNto de tAXAs e emolumeNtos Pelo dNoCs

– deCreto-lei Nº 1.537/1977 – ACórdão reCorrido em CoNFormidAde Com A jurisPrudÊNCiA do stj – AgrAvo regimeNtAl desProvido1. O Tribunal a quo decidiu em consonância com a

jurisprudência consolidada nesta Corte, segundo a qual o DNOCS, ora agravado, é isento de pagamento de custas e emolumentos para registro de títulos translativos de domínio de imóveis objeto de expropriação.

2. Agravo Regimental desprovido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao Agravo Regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Sérgio Kukina, Regina Helena Costa e Marga Tessler (Juíza Federal convocada do TRF 4ª Região) votaram com o Sr. Ministro Re-lator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Benedito Gonçalves.

Brasília/DF, 04 de novembro de 2014 (data do Julgamento).

Napoleão Nunes Maia Filho Ministro Relator

RELATÓRIO

1. Trata-se de Agravo Regimental interposto pela Maria do Socorro Leite Pinheiro contra decisão que negou provimento ao seu Agravo em Re-curso Especial, nos termos da seguinte ementa:

ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – DESAPROPRIAÇÃO – TRANSCRIÇÃO DO DOMÍNIO – ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE TA-XAS E EMOLUMENTOS PELO DNOCS – DECRETO-LEI Nº 1.537/1977 – PRECEDENTES DESTA CORTE – RECURSO ESPECIAL AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO (fls. 309).

2. Nas razões do regimental (fls. 319/336), sustenta a agravante, em síntese, que no presente caso a isenção de pagamento de taxas e emolumen-tos é indevida por se tratar de desapropriação por utilidade pública.

3. Pugna, desse modo, pela reconsideração da decisão ora atacada ou a apresentação do feito à Turma Julgadora para que seja conhecido e provido o Recurso Especial.

4. É o relatório.

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VOTO

ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPE-CIAL – DESAPROPRIAÇÃO – TRANSCRIÇÃO DO DOMÍNIO – ISEN-ÇÃO DO PAGAMENTO DE TAXAS E EMOLUMENTOS PELO DNOCS – DECRETO-LEI Nº 1.537/1977 – ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFOR-MIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO

1. O Tribunal a quo decidiu em consonância com a jurisprudência conso-lidada nesta Corte, segundo a qual o DNOCS, ora agravado, é isento de pagamento de custas e emolumentos para registro de títulos translativos de domínio de imóveis objeto de expropriação.

2. Agravo Regimental desprovido.

1. A despeito das alegações da agravante, razão não lhe assiste, deven-do a decisão agravada ser mantida pelos seus próprios fundamentos, que por hora transcrevo:

8. Com efeito, o Tribunal a quo decidiu em consonância com a jurisprudên-cia consolidada nesta Corte, que é assente em que o DNOCS é isento de pagamento de custas e emolumentos para registro de títulos translativos de domínio de imóveis de bens expropriados por si segundo o regime do Decreto-Lei nº 3.365/1941. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – TRANS-CRIÇÃO DA SENTENÇA NO OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS – ISENÇÃO DE EMOLUMENTOS – DECRETO-LEI Nº 1.537/1977 – EXTENSÃO DA PRERROGATIVA ÀS AUTARQUIAS

1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.

2. O art. 1º do Decreto-Lei nº 1.537/1977 isenta a União do pagamento de custas e emolumentos aos Ofícios e Cartórios de Registro de Imó-veis, com relação às transcrições, inscrições, averbações e fornecimento de certidões relativas a quaisquer imóveis de sua propriedade ou de seu interesse, ou que por ela venham a ser adquiridos.

3. Na transcrição do título de propriedade representado por sentença proferida em ação de desapropriação no ofício de registro de imóveis competente, o DNOCS é isento do pagamento de emolumentos, sobre-tudo prevendo o art. 31 da Lei nº 4.229/1963 que “ao Departamento serão extensivos a imunidade tributária, impenhorabilidade de bens,

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rendas ou serviços e os privilégios de que goza a Fazenda Pública, in-clusive o uso de ações especiais, prazo de prescrição e regime de custas correndo os processos de seu interesse perante o Juiz de Feitos da Fa-zenda Pública, sob o patrocínio dos procuradores da autarquia”.

4. Recurso especial provido (REsp 1.334.830/CE, Relª Min. Eliana Calmon, DJe 09.10.2013).

9. No mesmo sentido, as seguintes decisões monocráticas:

REsp 1.408.923/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 16.06.2014; REsp 436.113/CE, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 04.04.2014; REsp 1.372.107/CE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 13.02.2014; e REsp 1.413.655/CE, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 13.12.2013 (fls. 311/312).

2. No que se refere à alegação da agravante de que a isenção não se aplica à desapropriação por utilidade pública, melhor sorte não lhe assiste.

3. Como já afirmado na decisão supratranscrita, o art. 1º do Decreto-Lei nº 1.537/1977, isenta do pagamento de custas e emolumentos a prática de quaisquer atos, pelos Ofícios e Cartórios de Registro de Imóveis, relativos às solicitações feitas pela União, conforme preceitua o conteúdo da norma em comento:

Art. 1º É isenta a União do pagamento de custas e emolumentos aos Ofícios e Cartórios de Registro de Imóveis, com relação às transcrições, inscrições, averbações e fornecimento de certidões relativas a quaisquer imóveis de sua propriedade ou de seu interesse, ou que por ela venham a ser adqui-ridos. Entende-se por emolumentos o preço dos serviços praticados pelos serventuários de cartório ou serventias não oficializados, remunerados pelo valor dos serviços desenvolvidos e não pelos cofres públicos.

4. Dessa forma, a referida norma espanca quaisquer dúvidas quanto à isenção conferida à União no momento em que esta formula ao Ofício de Registro de Imóveis competente a transcrição de título de propriedade re-presentado por sentença proferida em ação de desapropriação, e uma vez o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS, autarquia vin-culada ao Ministério da Integração Nacional e dotada da incumbência de promover a desapropriação por necessidade e utilidade pública ou social dos bens necessários à consecução de suas finalidades, essa Corte entende que é extensível tal prerrogativa, sobretudo prevendo o art. 31 da Lei nº 4.229/1963 que ao Departamento serão extensivos a imunidade tributária, impenhorabilidade de bens, rendas ou serviços e os privilégios de que goza a Fazenda Pública, inclusive o

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uso de ações especiais, prazo de prescrição e regime de custas correndo os processos de seu interesse perante o Juiz de Feitos da Fazenda Pública, sob o patrocínio dos procuradores da autarquia.

5. Diante do exposto, nega-se provimento ao Agravo Regimental.

6. É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO PRIMEIRA TURMA

AgRg no REsp 1.372.605/CE

Número Registro: 2013/0062606-9

Números Origem: 00006452020054058101 00126571220114050000 118652 200581010006454 6452020054058101

Em Mesa Julgado: 04.11.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Darcy Santana Vitobello

Secretária: Belª Bárbara Amorim Sousa Camuña

AUTUAÇÃO

Recorrente: Maria do Socorro Leite Pinheiro

Advogados: Wilson de Norões Milfont Neto e outro(s) Rubens Ferreira Studart Filho Silah de Norões Milfont

Recorrido: Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

Repr. por: Procuradoria-Geral Federal

Interes.: Antônio Belarmino da Silva

Advogado: Stephenson Francisco Maia Josué

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Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – In-tervenção do Estado na propriedade – Desapropriação por utilidade pú-blica / DL 3.365/1941

AGRAVO REGIMENTAL

Agravante: Maria do Socorro Leite Pinheiro

Advogado: Wilson De Norões Milfont Neto e outro(s)

Agravado: Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

Repr. por: Procuradoria-Geral Federal

Interes.: Antônio Belarmino da Silva

Advogado: Stephenson Francisco Maia Josué

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Primeira Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Sérgio Kukina, Regina Helena Costa e Marga Tessler (Juíza Federal convocada do TRF 4ª Região) votaram com o Sr. Ministro Re-lator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Benedito Gonçalves.

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STJSuperior Tribunal de JuSTiça

AgRg na Carta Rogatória nº 9.067 – US (2014/0040286-0)

Relator: Ministro Presidente do STJ

Agravante: Margot Ilse Helga Schraibhand e outro(s)

Advogado: Caio Gracco Bizatto de Campos

Agravado: American Resource Technologies Inc. e outros

Requerido: Presidente do STJ – Relator da CR 9.067/US

Jusrogante: Tribunal Distrital dos Estados Unidos

A. Central: Ministério da Justiça

EMENTA

CArtA rogAtóriA – AgrAvo regimeNtAl – NulidAde dA NotiFiCAção e oFeNsA à soberANiA

NACioNAl – iNeXistÊNCiA – NulidAde dos CoNtrAtos e tÍtulos de CrÉdito objeto de Ação

No eXterior – mAtÉriA estrANHA à esPÉCie

I – Juntado aos autos o contrato social de Brasil Asset Management Projetos Ltda. e nele constando Margot Ilse Helga Schraibhand como administradora da sociedade empresarial, a notificação (citação) realizada em sua pessoa é regular, sem qualquer ofensa à soberania nacional.

II – As questões atinentes à nulidade dos contratos e títulos de crédito que dão suporte à ação ajuizada na Justiça rogante são estranhas no âmbito da carta rogatória, devendo lá ser articuladas, porque, a teor do art. 9º da Resolução STJ nº 9/2005, “na carta rogatória, a defesa somente poderá versar sobre a autenticidade dos documentos, inteligência da decisão e observância dos requisitos desta Resolução”.

Agravo regimental desprovido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima in-dicadas, a Corte Especial, por unanimidade, negou provimento ao agravo re-gimental nos termos do voto do Ministro Relator. Os Ministros Felix Fischer, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Raul Araújo votaram com o Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Ministros Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha e Herman Benjamin.

Presidiu o julgamento a Ministra Laurita Vaz.

Brasília, 05 de novembro de 2014 (data do Julgamento).

Ministra Laurita VazPresidente

Ministro Francisco Falcão Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Francisco Falcão:

O agravo regimental ataca a seguinte decisão, da lavra do então Presi-dente, Ministro Felix Fischer, in verbis:

Trata-se de carta rogatória pela qual a Justiça dos Estados Unidos solicita que se proceda à notificação da empresa interessada Brasil Asset Manage-ment Projetos Ltda.

Intimada previamente, a empresa interessada apresentou impugnação (fls. 315-332). Alegou, em suma: a) que a interessada não pode responder e receber citação por atos que ultrapassaram os limites do objeto social da empresa, o que ofenderia a soberania nacional e b) que James Lee Rowton não é administrador nomeado da empresa e todos os atos por ele pratica-dos estão eivados de nulidade.

O Ministério Público Federal, à fl. 344, opinou pela concessão da ordem bem como pela devolução da comissão, vez que, pelo comparecimento es-pontâneo da interessada, a diligência foi cumprida.

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Decido.

A impugnação apresentada não é procedente.

No que tange às alegações realizadas pela intimada, constato que a aná-lise sobre as questões de mérito transcende a limitação estabelecida pelo art. 9º da Resolução STJ nº 9/2005 e deve ser apresentada perante a Justiça rogante.

O objeto da presente carta rogatória, portanto, não atenta contra a sobera-nia nacional nem contra a ordem pública, razão pela qual, com fundamen-to no art. 2º da Resolução STJ nº 9/2005 do Superior Tribunal de Justiça, concedo o exequatur.

Assim, diante do comparecimento espontâneo da interessada, considero consumado o objeto da comissão, mostrando-se desnecessária a remessa dos autos à Justiça Federal.

Tendo em vista o seu devido cumprimento, e com fulcro no art. 14 da Re-solução STJ nº 9/2005, determino, após o trânsito em julgado, a devolução da presente carta rogatória à Justiça rogante por intermédio da autoridade central competente.

P. e I.

Alega a agravante, resumidamente, a) que Margot Ilse Helga Schraibhand não tem legitimidade para receber notificação em nome de Bra-sil Asset Management Projetos Ltda. e b) que a diligência requerida afronta a soberania nacional, porque “os contratos e notas promissórias que vincu-laram a empresa Brasil Asset Management Projetos Ltda. são explicitamente nulos, porquanto foram praticados indevidamente, por pessoa completa-mente estranha à sociedade comercial” (e-STJ, fl. 368).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): Trata-se de carta roga-tória por meio da qual a Justiça americana solicitou a notificação (citação) de Brasil Asset Management Projetos Ltda.

O exequatur foi concedido, e a diligência tida por cumprida à vista do comparecimento espontâneo da sua representante legal, Margot Ilse Helga Schraibhand.

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Sobreveio então o presente agravo regimental, em cujas razões Margot Ilse Helga Schraibhand alega não ter legitimidade para receber notificação (citação) em nome da empresa interessada. Alega, ainda, que os contratos firmados no exterior e os títulos de crédito deles decorrentes são nulos, por-que realizados por quem “não tem nenhuma procuração ou autorização con-tratual para atuar e muito menos realizar negócios em nome desta pessoa jurídica” (e-STJ, fl. 356).

Quanto à primeira alegação, sem razão a agravante. Sendo Margot Ilse Helga Schraibhand a administradora de Brasil Asset Management Projetos Ltda., conforme contrato social juntado aos autos (e-STJ, fl. 334), evidente-mente a notificação da sociedade empresarial deve se dar na sua pessoa.

Registre-se, ademais, que a diligência requerida, qual seja, a mera noti-ficação da empresa interessada, não ofende a soberania nacional.

Por fim, as demais questões articuladas são estranhas à espécie, por-que dizem respeito ao processo em trâmite nos Estados Unidos da América, local em que, se for o caso, deverão ser apreciadas. É que, a teor do art. 9º da Resolução STJ nº 9/2005, “na carta rogatória, a defesa somente poderá versar sobre a autenticidade dos documentos, inteligência da decisão e observância dos requisitos desta Resolução”, e, no caso dos autos, não é disso que se trata.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO CORTE ESPECIAL

AgRg na CR 9.067/US

Número Registro: 2014/0040286-0 Processo Eletrônico

Números Origem: 08099017498201413 8099017498201413

Em Mesa Julgado: 05.11.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Presidente do STJ

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Eugênio José Guilherme de Aragão

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Secretária: Belª Vania Maria Soares Rocha

AUTUAÇÃO

Jusrogante: Tribunal Distrital dos Estados Unidos – Distrito do Norte do Texas

Interes.: Brasil Asset Management Projetos Ltda.

Advogados: Walmir Oliveira da Cunha Caio Gracco Bizatto de Campos

Partes: American Resource Technologies Inc. e outros

A. Central: Ministério da Justiça

Assunto: Direito Processual Civil e do Trabalho – Objetos de cartas preca-tórias/de ordem – Diligências

AGRAVO REGIMENTAL

Agravante: Margot Ilse Helga Schraibhand e outro(s)

Advogado: Caio Gracco Bizatto de Campos

Agravado: American Resource Technologies Inc. e outros

Requerido: Presidente do STJ – Relator da Cr 9.067/US

Jusrogante: Tribunal Distrital dos Estados Unidos

A. Central: Ministério da Justiça

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Corte Especial, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Corte Especial, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimen-tal, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Felix Fischer, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Raul Araújo votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha e Herman Benjamin.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz.

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TrF 1ª r.Tribunal regional Federal da 1ª região

Poder JudiciárioApelação/Reexame Necessário nº 0005731-45.2010.4.01.3400/DF (D) Relator: Desembargador Federal Kassio Nunes MarquesApelante: União FederalProcurador: José Roberto Machado FariasApelado: Fundação Assistencial VicosenseAdvogado: Helda Carla Andrade AlvesAdvogado: Marco Antonio Correa FerreiraAdvogado: Maiari Ruckert de AraujoAdvogado: Fernanda de Carvalho RibeiroAdvogado: Fabiana Correa SantannaAdvogado: Raphael Mourão de AzevedoAdvogado: Lorena Vargas LembrançaAdvogado: Julia Amelia Duarte EuzebioAdvogado: Clarissa de Souza BarcelosLitisconsorte Passivo: Fundação Nacional de Saúde – FunasaProcurador: Adriana Maia VenturiniRemetente: Juízo Federal da 22ª Vara – DF

EMENTA

APelAção e remessA oFiCiAl – AdmiNistrAtivo – iNsCrição de FuNdAção em CAdAstro de iNAdimPleNtes – siAFi, CAdiN e CAuC –

PrelimiNAr de AusÊNCiA de iNteresse – Não CoNHeCimeNto do reCurso de APelAção

– demoNstrAção de PAgAmeNto dA dÍvidA – eXClusão dA iNsCrição – seNteNçA mANtidA1. A impetrante almejou, inicialmente: (1) compelir a autoridade

pública a celebrar o Convênio nº 716021/2009, destinado à aquisição

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de equipamentos hospitalares; e (2) determinar a baixa da inscrição de inadimplência do seu nome junto ao Cadin.

2. Considerando que a apelação da União Federal se refere apenas ao primeiro pedido (1 – celebração do convênio), não se vislumbra nela o necessário interesse processual, conduzindo ao seu não conhecimento, na medida em que a matéria por ela tratada não foi acolhida na sentença. Em nenhum momento o julgador determinou que a administração fosse compelida a celebrar o negócio sob análise.

3. Em sede de remessa necessária, cumpre anotar que nos casos em que a inadimplência é atribuída a ente federativo municipal, o entendimento perfilhado nesta E. Corte é no sentido de que, em conformidade com os §§ 2º e 3º da Instrução Normativa nº 01/STN, a inadimplência do município deve ser liberada quando tomadas todas as providências objetivando o ressarcimento ao erário pelo prefeito que sucedeu o administrador faltoso. Precedentes desta Corte (REOMS-63438020104013400, Des. Fed. Jirair Aram Megueriam, DJ de 12.12.2012; e REO-296518720064013400, Desembargador Federal Carlos Moreira Alves, DJ de 10.12.2012) e também do Superior Tribunal de Justiça.

4. Inobstante não se tratar a espécie de inadimplência de ex-prefeito faltoso, mas sim de restrições cadastrais em nome de Fundação (Cadin) que almeja transferências voluntárias de verbas públicas regidas pela IN STN 01/1997, Lei nº 10.522/2002 e LC 101/2000, comporta, a toda evidência, o mesmo entendimento jurisprudencial retro referido, tendo em vista a identidade da natureza dos recursos e do regime jurídico aplicado. Ou seja, adotando o ente inadimplente providências no sentido de sanar as irregularidades de sua responsabilidade, deve a sua inscrição ser excluída dos aludidos cadastros.

5. Tendo em mente que não mais existe o motivo da inadimplência – ante a comprovação de que o impetrante quitou a dívida ora analisada – razoável reconhecer o seu direito à exclusão da restrição de seu nome nos respectivo cadastro, ensejando a manutenção da r. sentença.

4. Apelação não conhecida e Remessa Oficial a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Decide a Turma, por unanimidade, não conhecer da apelação e negar provimento à remessa oficial.

Sexta Turma do TRF da 1ª Região – Brasília, 3 de novembro de 2014.

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Desembargador Federal Kassio Marques Relator

RELATÓRIO

Trata-se de remessa oficial e de apelação interposta pela União contra a sentença que, em ação mandamental impetrada pela Fundação Assistencial Vicosense, mantenedora do Hospital São João Batista, em face do Secretário Executivo do Ministério da Saúde e do Diretor Presidente da Agência Na-cional de Saúde, com pedido de liminar, concedeu em parte a segurança, tão somente, para que fosse imediatamente retirada a inscrição da impetrante do CADIN, apenas no que se refere ao valor quitado do débito (R$ 3.276,83); e que esse débito, já quitado, não sirva de único óbice à celebração do convê-nio. Custas processuais ex lege. Sem verbas honorárias.

Irresignada, apela a União alegando, em síntese, que a jurisprudên-cia aplicada ao caso e a legislação de regência da matéria (IN 01/1997, Lei nº 10.522/2002) não albergam a pretensão deduzida em juízo pela parte im-petrante, vez que as inscrições das pessoas, físicas ou jurídicas, que se en-contram em débito com órgãos da administração pública, direta ou indireta, não constitui ilegalidade. Sustenta que a celebração de convênios pelo poder público depende da avaliação da oportunidade e da conveniência, em obser-vância à supremacia do interesse pública, não cabendo ao Judiciário imiscuir--se no mérito administrativo. Além disso, não pode o administrador celebrar convênio com contratado inadimplente (Cadin).

Após os prazos para contrarrazões, subiram-se os autos.

O MPF considerou hipótese em que não necessitava de sua inter venção.

É o relatório.

VOTO

PrelimiNAr – AusÊNCiA de iNteresse

Para melhor compreensão da presente hipótese, cumpre registrar que a impetrante almejava, inicialmente, em síntese: (1) compelir a autoridade pública a celebrar contigo o Convênio nº 716021/2009, destinado à aquisi-ção de equipamentos hospitalares; e (2) determinar a baixa da inscrição de inadimplência do seu nome junto ao Cadin.

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Posteriormente, diante da legislação pertinente e da documentação apresentada, mormente a comprovação da quitação do debito que ensejou a inadimplência da impetrante, o juízo singular deferiu parcialmente a limi-nar tão somente quanto ao segundo pedido (baixa da inscrição de inadim-plência), anotando que o débito – já quitado – não deveria servir de óbice à celebração do convênio. Quanto ao primeiro pedido, entretanto, entendeu o juiz de base que não vislumbrava ilegalidade na espécie capaz de justificar a intervenção do Poder Judiciário a determinar a celebração do convênio. Nes-sa mesma linha foi o entendimento do parquet.

Constatando-se a ausência de elementos que pudessem alterar tal posi-cionamento, foi proferida sentença adotando os mesmos fundamentos cons-tantes dessa decisão. Agora, interpõe a União Federal apelação sustentando a regularidade de seus atos e a impossibilidade de intervenção do judiciário na presente questão para determinar a celebração do convênio, por se cuidar de ato administrativo discricionário em que reclamaria juízo de conveniência e oportunidade.

No entanto, tal recurso não deve ser nem conhecido, por ausência de interesse processual, vez que não trará nenhum proveito ao apelante, na me-dida em que a matéria por ele tratada (obrigação da administração em ce-lebrar o convênio) não foi acolhido na sentença, trata-se de pretensão não agasalhada pela decisão singular. O fato de o juiz haver consignado que o “débito, já quitado, não sirva de única razão para a não celebração do convênio”, ape-nas deixou claro que aquele débito não constitui óbice à eventual assinatura do convênio. Não determinou, em nenhum momento, que a administração fosse compelida à celebração do negócio.

Assim, não conheço do recurso de apelação.

MÉRITO

Em sede de remessa oficial, cabe consignar que reputo correta a senten-ça, havendo o Juízo de base assim consignado:

“[...] Compulsando os autos, observo que a impetrante logrou fazer o pa-gamento, mediante GRU (doc. 5), do montante de R$ 3.276,83 (três mil e duzentos e setenta e seis reais e oitenta e três centavos), que alega ser o total do débito que ensejou a sua inscrição no Cadin.

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Assim, tendo em vista a prova pré-constituída de quitação do referido va-lor, é razoável entender que este anterior débito que já foi quitado não ve-nha a servir de razão para prejudicá-la em suas atividades...”

Quanto ao tema, nos casos em que a inadimplência é atribuída a ente federativo municipal, o entendimento perfilhado nesta E. Corte é no sen-tido de que em conformidade com os §§ 2º e 3º, da Instrução Normativa nº 01/STN, a inadimplência do município deve ser liberada quando toma-das todas as providências objetivando o ressarcimento ao erário pelo pre-feito que sucedeu o administrador faltoso. Precedentes desta Corte (REOMS 63438020104013400, Desembargador Federal Jirair Aram Megueriam, DJ de 12.12.2012; e REO 296518720064013400, Desembargador Federal Carlos Moreira Alves, DJ de 10.12.2012) e também do Superior Tribunal de Justiça.

Em que pese não se tratar a espécie de inadimplência de ex-prefeito faltoso, mas de restrições cadastrais em nome de pessoa jurídica (Cadin) que almeja transferências voluntárias de verbas públicas, regidas pela IN STN 01/1997, Lei nº 10.522/2002 e LC 101/2000, comporta, ao meu entender, o mesmo entendimento jurisprudencial retro referido, tendo em vista identida-de na natureza dos recursos (verbas públicas voluntárias). Ou seja, adotado o ente inadimplente as providências no sentido de sanar as restrições sob sua responsabilidade, deve a sua inscrição ser excluídas dos aludidos cadastros.

Ressalto que, no presente caso, não há dúvidas de que o impetrante es-tava, de fato, inadimplente, tanto que, segundo informação do parquet (fl. 483 – rolagem única), numa ação judicial (Ap 0002638-27.2006.4.02.5101 do TRF da 2ª Região), em que se discutia a validade da dívida ensejadora da inadim-plência, o pedido da ora apelada não logrou êxito, permanecendo a determi-nando da restituição dos valores por ela devidos. Todavia a parte impetrante comprovou, agora na presente demanda, que tomou as providências cabíveis visando regularizar a sua situação junto aos cadastros de inadimplência, tan-to que realizou o pagamento do valor devido à administração (R$ 3.276,83) e que acarretava a inscrição de seu nome no referido cadastro.

Assim, considerando que não mais existe o motivo da inadimplência, razoável reconhecer o direito da impetrante à exclusão da restrição de seu nome nos respectivo cadastro, como assim também entendeu o juízo singu-lar, o que enseja a manutenção da r. sentença.

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disPositivo

Ante o exposto, não conheço da apelação e, no mérito, nego provimen-to à remessa oficial.

É como voto.

Desembargador Federal Kassio Marques Relator

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO SECRETARIA JUDICIÁRIA

36ª Sessão Ordinária do(a) Sexta TurmaPauta de: 03.11.2014 Julgado em: 03.11.2014 ApReeNec 0005731-45.2010.4.01.3400/DFRelator: Exmo. Sr. Des. Fed. Kassio Nunes MarquesRevisor: Exmo (a). Sr(a). Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Kassio Nunes MarquesProc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a).Dr(a). João Akira OmotoSecretário(a): Vanessa Ferreira dos SantosApte.: União Federal Procur.: José Roberto Machado Farias Apdo.: Fundação Assistencial Vicosense Adv.: Helda Carla Andrade Alves Adv.: Marco Antonio Correa Ferreira Adv.: Maiari Ruckert de AraujoAdv.: Fernanda de Carvalho Ribeiro Adv.: Fabiana Correa Santanna Adv.: Raphael Mourão de Azevedo Adv.: Lorena Vargas Lembranca Adv.: Julia Amelia Duarte Euzebio Adv.: Clarissa de Souza Barcelos Litisconsorte Passivo: Fundação Nacional de Saúde – FunasaProcur.: Adriana Maia Venturini Remte.: Juízo Federal da 22ª Vara – DF

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Nº de Origem: 57314520104013400 Vara: 22ªJustiça de Origem: Justiça Federal Estado/Com.: DF

SUSTENTAÇÃO ORAL CERTIDÃO

Certifico que a(o) egrégia (o) Sexta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe , em Sessão realizada nesta data , proferiu a seguinte decisão:

A Turma, à unanimidade, não conheceu da apelação e negou provimento à remessa oficial, nos termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian e Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro.

Brasília, 03 de novembro de 2014.

Vanessa Ferreira dos Santos Secretário(a)

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TrF 4ª r.Tribunal regional Federal da 4ª região

Agravo de Instrumento nº 5020691-10.2014.404.0000/PRRelator: Des. Federal Joel Ilan PaciornikAgravante: União – Fazenda NacionalAgravado: Petro Pneus Ltda.Advogado: Eugenio Sobradiel Ferreira

EMENTA

eXeCução FisCAl – doAção Com eNCArgo Pelo muNiCÍPio – imPeNHorAbilidAde – NulidAde dA

PeNHorA – ClÁusulA de reversibilidAde1. Pacífica a jurisprudência no sentido de que não é penhorável

o imóvel doado por município, com encargos e cláusulas de reversibilidade em caso de inadimplemento das condições ali expostas, em conformidade com o disposto nas Leis Municipais nºs 1.298/1989 e 1.369/1990.

2. O bem imóvel doado por ente municipal com cláusula de reversibilidade da medida devidamente registrada por escritura pública não pode ser constritado e posteriormente alienado, uma vez patente sua impenhorabilidade (TRF 4ª R., Ag 0005516-66.2011.404.0000). No mesmo sentido: (TRF 4ª R. , AC 0013539-74.2011.404.9999, 1ª T., Relatora Maria de Fátima Freitas Labarrère, DE 11.01.2012; TRF 4ª R., AC 5005853-55.2012.404.7009, 1ª T., Rel. p/Ac. Jorge Antonio Maurique, juntado aos autos em 25.10.2013).

3. Hipótese em que os imóveis estão gravados com cláusulas de reversibilidade e encargos, possuindo destinação específica, conforme a “escritura pública de doação com encargos” (evento 26, Escritura3), que comprova a celebração do negócio entre a Prefeitura Municipal e do donatário. O argumento de que o município, desde então, não reivindicou o imóvel em razão de eventual inadimplemento das

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condições e encargos não prospera. Isso porque a própria excussão do bem no processo de execução para fins de extinção da dívida tributária constituiria, em si, utilização desvirtuada do imóvel, diga-se: finalidade diversa da estabelecida no encargo, a ensejar reversão ao Município donatário.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 19 de novembro de 2014.

Desembargador Federal Joel Ilan Paciornik Relator

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que de-terminou o cancelamento da penhora dos imóveis matriculados sob os nºs 27.843, 27.844, 27.845 e 27.846, considerando que os bens foram objeto de doação pelo Município de Paranavaí com cláusula de reversibilidade em caso de inadimplemento das condições ali expostas, em conformidade com o disposto nas Leis Municipais nºs 1.298/1989 e 1.369/1990.

A União sustenta que a cláusula acessória constante da doação efetua-da pelo Município em favor do executado, seja vista como encargo, seja como condição resolutiva, não limita os direitos de propriedade do donatário, não fazendo caracterizar, tampouco, a impenhorabilidade do bem. Ressalta que, nos termos do compromisso gravado nas matrículas dos imóveis, foram esti-pulados os seguintes deveres ao beneficiário: i) início da execução das obras no prazo máximo de 4 e 12 meses; ii) proibição de ociosidade das instalações pelo período de 1 ano; iii) proibição de subdivisão e de alienação de áreas não edificadas a terceiros; iv) edificação ou produção em área superior a 60%; v) proibição de tredestinação; vi) proibição de construções habitacionais ou recreativas no imóvel. Narra que já se transcorreram mais de 20 (vinte) anos da doação e não restou comprovado na execução fiscal o descumprimento

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das condições estabelecidas, do que se denota que a agravada atendeu às con-dições impostas no ato de liberalidade e, por sucedâneo, restou caracterizada a consolidação da propriedade. Diante destas considerações, revelam-se ple-namente penhoráveis os imóveis, merecendo ser revista a decisão agravado.

É o relatório. Peço dia.

Desembargador Federal Joel Ilan Paciornik Relator

VOTO

A questão a ser decidida diz respeito à possibilidade de recair penhora em execução fiscal sobre bens imóveis gravados com encargos e cláusula de reversibilidade ao doador (Município de Paranavaí). A matéria não é nova, restando pacificada na jurisprudência desta Corte, como bem destacado na decisão agravada, conforme os seguintes precedentes:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – TRIBUTÁRIO – PENHORA E ARREMA-TAÇÃO – BEM IMÓVEL DOADO POR MUNICÍPIO – CLÁUSULA DE REVERSIBILIDADE – DESCONSTITUIÇÃO – 1. O bem imóvel doado por ente municipal com cláusula de reversibilidade da medida devidamente registrada por escritura pública não pode ser constritado e posteriormente alienado, uma vez patente sua impenhorabilidade. Precedentes da Turma. 2. Agravo de instrumento provido. (TRF 4ª R., Ag 0005516-66.2011.404.0000, Segunda Turma, Rel. Otávio Roberto Pamplona, DE 05.10.2011)

No mesmo sentido:

EXECUÇÃO FISCAL – EMBARGOS – PENHORA – CLÁUSULA DE INA-LIENABILIDADE – Não é penhorável o imóvel doado por município para a implantação de indústria em parque industrial com cláusula de reversão em caso de destinação diversa da prevista e de inalienabilidade. (TRF 4ª R., AC 0013539-74.2011.404.9999, 1ª T., Relatora Maria de Fátima Freitas La-barrère, DE 11.01.2012)

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – NULIDADE DA PENHORA – CLÁUSULA DE REVERSIBILIDADE – NULIDADE DA CDA – 1. Nula a penhora de imóvel objeto de doação condicional por ente municipal, com cláusula de reversibilidade da medida. 2. As certidões de dívida ativa que instrumentalizam a execução fiscal contêm o nome do devedor, seu en-dereço, o valor originário do débito, a forma de cálculo e a origem da dí-vida, contendo, pois, todos os requisitos exigidos pelos arts. 202 do CTN

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e 2º, § 5º, da Lei nº 6.830/1980. (TRF 4ª R., AC 5005853-55.2012.404.7009, 1ª T., Relator p/Acórdão Jorge Antonio Maurique, juntado aos autos em 25.10.2013)

No caso concreto, os imóveis de matrícula 27.844, 27.843, 27.845 e 27.846 estão gravados com cláusulas de reversibilidade e encargos, possuin-do destinação específica, conforme a “escritura pública de doação com encargos” (evento 26, Escritura 3), que comprova a celebração do negócio entre a Prefei-tura Municipal e do donatário.

O argumento de que o município, desde então, não reivindicou o imó-vel em razão de eventual inadimplemento das condições e encargos não prospera. Isso porque a própria excussão do bem no processo de execução para fins de extinção da dívida tributária constituiria, em si, utilização des-virtuada do imóvel, diga-se: finalidade diversa da estabelecida no encargo, a ensejar reversão ao Município donatário.

Assim, não há reparos na decisão agravada, a cujos fundamentos me reporto sem ressalvas. Em conclusão, deve ser afirmada a impenhorabilidade do bem, que sequer estava na esfera de disponibilidade da executada, pois “a qualquer momento pode ser revertido ao Município”, no caso de descumprimento dos encargos e condições.

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao agravo de instrumento.

Desembargador Federal Joel Ilan Paciornik Relator

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19.11.2014

Agravo de Instrumento nº 5020691-10.2014.404.0000/PR

Origem: PR 50033505520124047011

Relator: Des. Federal Joel Ilan Paciornik

Presidente: Maria de Fátima Freitas Labarrère

Procurador: Dr. Waldir Alves

Agravante: União – Fazenda Nacional

Agravado: Petro Pneus Ltda.

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Advogado: Eugenio Sobradiel Ferreira

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19.11.2014, na seqüência 100, disponibilizada no DE de 06.11.2014, da qual foi intimado(a) União – Fazenda Nacional, o Ministério Público Federal e as demais Procu-radorias Federais.

Certifico que o(a) 1ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epí-grafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu negar provimento ao agravo de ins-trumento.

Relator Acórdão: Des. Federal Joel Ilan Paciornik

Votante(s): Des. Federal Joel Ilan Paciornik Des. Federal Jorge Antonio Maurique Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Leandro Bratkowski Alves Diretor de Secretaria

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EmEntário CívEl

Ação CAutelAr PArA outorgA de eFeito susPeNsivo Ao

reCurso esPeCiAl – ComPetÊNCiA – APliCAção dAs sÚmulAs

Nºs 634 e 635 do stF

33627 – “Processual civil. Agravo regimental em medida cautelar. Indeferimento liminar. Recurso especial. Efeito suspensivo. Juízo de admissibilidade. Ausência. Competência do Superior Tribunal de Justiça que não se inaugurou. Súmulas nºs 634 e 635 do STF. 1. Não compete ao Superior Tribunal de Justiça conceder efeito suspensivo a recurso especial que nem sequer foi objeto de juízo de admissibilidade na origem. 2. Postulação da parte no es-pecial que, ademais, refere-se ao preenchimento dos requisitos para a concessão de tutela antecipada, a qual, num primeiro exame, envolve contexto fático-probatório e esbarra no óbice do enunciado da Súmula nº 7 desta Corte. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-MC 23.093/CE – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – J. 23.10.2014 – DJe 03.11.2014)

Ação CAutelAr – Poder gerAl de CAutelA – eXegese do Art. 798, CPC

33628 – “Processual civil. Agravo regimental na petição na medida cautelar. Poder geral de cautela. Prestação de caução. Cabimento. Fumus boni juris e periculum in mora confi-gurados. Decisão mantida. 1. ‘Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos’ (Súmula nº 115/STJ). 2. O poder geral de cautela, regrado pelo art. 798 do CPC, autoriza o magistrado determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julga-mento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. 3. A prestação de caução é medida acautelatória expressamente prevista na legislação processual (CPC, art. 799, parte final), podendo o magistrado exigi-la para evitar o dano à parte e garantir a eficácia de provimento jurisdicional futuro. 4. Agravo regimental do BRB Banco de Brasí-lia S/A não conhecido. Agravo regimental de Marta de Carvalho Leonardi a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-PET-MC 20.839/SP – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – J. 23.10.2014 – DJe 05.11.2014)

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Ação reiviNdiCAtóriA – limiNAr – reQuisitos

33629 – “Agravo de instrumento. Ação reivindicatória. Medida liminar. Ausência dos requisitos. Ação anulatória conexa. Decisões conflitantes. Ausência de recurso contra de-cisão que deferiu a medida naqueles autos. 1. Compete àquele que ajuíza uma ação rei-vindicatória comprovar a propriedade da coisa e a posse injusta daquele que a detém. 2. Não demonstrado, a priori, algum destes requisitos, a medida liminar pleiteada há que ser negada, mormente quando tal medida implicará na revogação de liminar já deferida em ação conexa que, contra ela, não houve recurso. 3. Negar provimento ao recurso.” (TJMG – AI 1.0026.14.001540-0/001 – 16ª C.Cív. – Rel. Des. Wagner Wilson – DJ 10.11.2014)

Ação revisioNAl de AlimeNtos – APelAção CÍvel – reCebimeNto

APeNAs No eFeito devolutivo – eXegese do Art. 520, Código

de ProCesso Civil

33630 – “Processual civil. Direito civil. Agravo regimental no recurso especial. Família. Ação revisional de alimentos. Sentença. Apelação. Efeito devolutivo. Art. 520, II, do CPC. Ausência de comprovação do dissídio jurisprudencial. Decisão mantida. 1. A apelação interposta de sentença que condena à prestação de alimentos será recebida apenas no efeito devolutivo (art. 520, II, do CPC). 2. ‘A jurisprudência da Seção de Direito Priva-do pacificou-se no sentido de atribuir efeito devolutivo à apelação não importando se houve redução ou majoração dos alimentos’ (AgRg-EREsp 1.138.898/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Seção, Julgado em 25.05.2011, DJe 02.06.2011). 3. No caso, o Tribunal de origem entendeu que não foram comprovados os requisitos previstos no art. 558 do CPC a justificar a atribuição de efeito suspensivo em caráter excepcional. 4. O conhecimento do recurso especial interposto com fundamento na alínea c do permissivo constitucional exige a demonstração da similitude fática entre os acórdãos confrontados. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1236324/SP – 4ª T. –Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – J. 11.11.2014 – DJe 14.11.2014)

Nota:Neste Agravo Regimental, foi enfocada pelo Superior Tribunal de Justiça uma matéria presente em todos os Foros: o recebimento da apelação interposta contra a sentença proferida em ação revisional de alimentos e a possibilidade do magistrado outorgar efeito suspensivo ao recurso. No caso concreto, a sentença fora procedente, acolhendo o pedido do alimentante, no sentido de reduzir o valor dos alimentos fixados proviso-riamente. Na origem, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo havia proferido a seguinte ementa: “ALIMENTOS – Fixação provisória em 15 salários mínimos. Redução, na sen-tença, para 6 salários mínimos. Apelação do autor recebida somente no efeito devolu-tivo. Pedido de recebimento no duplo efeito. Impossibilidade. Aplicação do art. 520, II,

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do CPC. Arbitramento sentencial que prevalece sobre o anterior. Inteligência do art. 13, §§ 1º e 2º, da Lei nº 5.478/1968. Decisão mantida.”Dentre os fundamentos adotados pelo alimentado em seu recurso especial, encontra-vam-se a violação dos arts. 13 e 14 da Lei nº 5.478/1968 e 520, II e VII, do CPC. O juízo a quo admitiu o recurso e o Ministério Público Federal opinou, em seu parecer, pelo seu provimento.O relator assentou que “a ação de alimentos é uma das exceções em que a apelação é recebida apenas no efeito devolutivo (art. 520, II, do CPC), devido seu caráter de urgência, produzindo seus efeitos desde logo, seja nas sentenças proferidas nas ações especiais fundadas da Lei de Alimentos, nas de procedimento ordinário, bem como nas cautelares de alimentos provisionais (arts. 852 a 854 do CPC). Em tal circunstância, a sentença proferida na ação de alimentos que fixa a obrigação, que a reduz, majora ou exonera, deve ser recebida apenas no efeito devolutivo”. Invocou os seguintes prece-dentes: “o recurso de apelação interposto contra sentença que decida pedido revisio-nal de alimentos, seja para majorar, diminuir ou exonerar o alimentante do encargo, deve ser recebido apenas no efeito devolutivo” (AgRg-Ag 1336639⁄SP, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, J. 02.08.2012, DJe 09.08.2012); “a apelação interposta contra sentença que julgar pedido de alimentos ou pedido de exoneração do encargo deve ser recebida apenas no efeito devolutivo” (REsp 1.280.171/SP, 3ª T., Rel. Min. Massami Uyeda, J. 02.08.2012, DJe 15.08.2012); “a condenação aos alimentos fixados em sentença de ação de investigação de paternidade pode ser executada de imediato, pois a apela-ção que contra ela se insurge é de ser recebida no efeito meramente devolutivo” (REsp 595.746/SP, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, J. 02.12.2010, DJe 15.12.2010).Com base nessa linha jurisprudencial, considerou o Min. Antonio Carlos Ferreira con-siderou que o art. 520, II, do Código de Processo Civil, que determina ao magistrado receber a apelação interposta contra a sentença que condena o réu a prestar alimentos apenas no efeito devolutivo também deveria ser aplicado, por analogia, em relação à sentença que aprecia a revisional de alimentos.Registre-se o seguinte precedente no mesmo sentido: “PROCESSUAL CIVIL – EMBAR-GOS DE DIVERGÊNCIA – AGRAVO REGIMENTAL – AUSÊNCIA DE DEMONSTRA-ÇÃO DA DIVERGÊNCIA – COTEJO ANALÍTICO NÃO REALIZADO – 1. A divergên-cia jurisprudencial deve ser demonstrada na forma preceituada pelo CPC e RISTJ, com a realização do cotejo analítico dos arestos em confronto. 2. A jurisprudência da Se-ção de Direito Privado pacificou-se no sentido de atribuir efeito devolutivo à apelação não importando se houve redução ou majoração dos alimentos. Incidência da Súmula nº 168/STJ. 3. Agravo regimental desprovido” (AgRg-EREsp 1138898⁄PR, 2ª S., Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 25.05.2011. DJe 02.06.2011).Diante de tais fundamentos, o Relator negou provimento ao Agravo.

bem de FAmÍliA – ONUS PROBANDI – PeNHorA deFeridA

33631 – “Agravo inominado. Impenhorabilidade de bem de família. Ausência de com-provação. Bem indicado à penhora pela própria parte. Descabe alegar a impenhorabili-dade de bem indicado à penhora pela própria parte recorrente. Cabe à parte que invoca a

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impenhorabilidade comprovar o fim a que se destina o imóvel sobre o qual pretenda pro-teção legal. Diante destas circunstâncias, não havendo comprovação de que a propriedade rural é objeto de trabalho pela própria entidade familiar, tampouco comprovação de que a família do agravante retira do bem seu sustento, não cabe impenhorabilidade.” (TJRS – Ag 70062024716 – 20ª C.Cív. – Rel. Carlos Cini Marchionatti – J. 05.11.2014)

CAsAmeNto – ComuNHão PArCiAl de beNs – reCebimeNto

de ProveNtos mediANte seNteNçA judiCiAl –

NeCessidAde de PArtilHA

33632 – “Recurso especial. Casamento. Comunhão parcial de bens. Servidor público. Re-ajuste de 28,86%. Leis nºs 8.622 e 8.627, de 1993. Diferenças de remuneração. Patrimônio comum. Partilha de bens. 1. Os rendimentos do trabalho, pertinentes a fato gerador ocor-rido durante a vigência da sociedade conjugal, integram o patrimônio comum na hipótese de dissolução do vínculo matrimonial, desde que convertidos em patrimônio mensurá-vel de qualquer espécie, imobiliário, mobiliário, direitos ou mantidos em pecúnia. 2. Os atrasados oriundos de diferenças salariais relativas ao reajuste de 28,86% concedido aos servidores públicos federais pelas Leis nºs 8.622 e 8.627, ambas de 1993, recebidos por um dos ex-cônjuges por força de decisão judicial, após a dissolução do vínculo conjugal, mas correspondentes a direitos adquiridos na constância do casamento celebrado sob o regime da comunhão parcial de bens, integram o patrimônio comum do casal e devem ser objeto da partilha decorrente da dissolução do vínculo conjugal. Precedentes. 3. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1096537/RS – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – J. 23.10.2014 – DJe 07.11.2014)

CoNsumidor – AtrAso de voo – iNdeNiZAção FiXAdA em r$ 10.000,00

33633 – “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Responsabilidade civil. Companhia aérea. Atraso no voo. 1. Código de Defesa do Consumidor. Aplicação. 2. Dano moral. Revisão do valor fixado. Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo improvido. 1. A responsabi-lidade civil das companhias aéreas em decorrência da má prestação de serviços, após a entrada em vigor da Lei nº 8.078/1990, não é mais regulada pela Convenção de Varsóvia e suas posteriores modificações (Convenção de Haia e Convenção de Montreal), ou pelo Có-digo Brasileiro de Aeronáutica, subordinando-se, portanto, ao Código Consumerista. Pre-cedentes. 2. O valor estabelecido pelas instâncias ordinárias pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade. Não se mostra desproporcional a fixação em R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de reparação moral decorrente da falha na prestação de serviços por parte da companhia aérea, de modo que sua revisão encontra óbice na Súmula nº 7 desta Corte. 3. Agravo improvido.” (STJ – AgRg-AREsp 567.681/RJ – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – J. 23.10.2014 – DJe 04.11.2014)

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CoNsumidor – iNsCrição iNdevidA No sPC – iNdeNiZAção

ArbitrAdA em r$ 20.000,00 – rAZoAbilidAde

33634 – “Civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Consumidor. Inclu-são da consumidora em cadastro de inadimplentes. Configurado o dano moral. Revi-são do valor da condenação. Impossibilidade. Quantum razoável. Incidência da Súmula nº 83/STJ. Precedentes 1. Mostra-se razoável a fixação em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para reparação do dano moral pelo ato ilícito de incluir os dados da usuária em cadastro de inadimplentes injustificadamente, consideradas as circunstâncias do caso e as condi-ções econômicas das partes. 2. Este Sodalício Superior altera o valor indenizatório por dano moral apenas nos casos em que o valor arbitrado pelo acórdão recorrido for irrisório ou exorbitante, situação que não se faz presente. 3. A prestadora de serviço não apresen-tou argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, que se apoiou em enten-dimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça. Incidência da Súmula nº 83 do STJ. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-AREsp 538.645/SC – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – J. 23.10.2014 – DJe 03.11.2014)

CoNtrAto bANCÁrio – desCoNto de oFÍCio em CoNtA-CorreNte

PArA sAldAr dÉbito – ilegAlidAde – dANo morAl reCoNHeCido

33635 – “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Contrato bancário. Desconto em conta-corrente. Impossibilidade. Valor fixado a título compensatório. Proporcionali-dade. Agravo regimental não provido. 1. Nos termos da jurisprudência do STJ, é ilegal a apropriação do salário, depositado em conta-corrente, para a satisfação de saldo nega-tivo existente na sua conta, cabendo a esta a satisfação do crédito por meio de cobrança judicial. Precedentes. 2. O entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça é de que o valor estabelecido pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisó-ria ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade, o que não se evidencia no presente caso. Desse modo, não se mostra desproporcional a fixação em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de reparação moral, decorrente das circunstâncias específicas do caso concreto, motivo pelo qual não se justifica a excepcional intervenção desta Corte no presente feito, como bem consignado na decisão agravada. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-EDcl-AREsp 429.476/RJ – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – J. 18.09.2014 – DJe 03.11.2014)

CoNtrAto de loCAção – Ação de desPejo – Não sujeição Ao

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juÍZo uNiversAl dA reCuPerAção judiCiAl – eXegese do Art. 49,

§ 3º, dA lei Nº 11.101/2005

33636 – “Conflito positivo de competência. Recuperação judicial. Locação. Ação de des-pejo. Sujeição ao juízo natural. 1. Em ação de despejo movida pelo proprietário locador, a retomada da posse direta do imóvel locado à sociedade empresária em recuperação judicial, com base nas previsões da lei específica (a Lei do Inquilinato nº 8.245/1991), não se submete à competência do Juízo universal da recuperação. 2. O credor proprietário de imóvel, quanto à retomada do bem, não está sujeito aos efeitos da recuperação judi-cial (Lei nº 11.101/2005, art. 49, § 3º). 3. Conflito de competência não conhecido.” (STJ – CC 123.116/SP – 2ª S. – Rel. Min. Raul Araújo – J. 14.08.2014 – DJe 03.11.2014)

CoNtrAto de PlANo de sAÚde – trAtAmeNto NeCessÁrio PArA A CoNservAção dA sAÚde do

usuÁrio – iNterPretAção mAis FAvorÁvel Ao AdereNte

33637 – “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Plano de saúde. 1. Violação ao art. 535, II, do Código de Processo Civil não verificada. 2. Contrato submetido às regras do Código de Defesa do Consumidor. Interpretação de cláusulas mais favorável ao con-sumidor. Abusividade. Procedimento essencial à vida do segurado. Indispensabilidade. 3. Agravo improvido. 1. Não há violação ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem dirime, fundamentadamente, todas as questões que lhe foram submetidas. 2. Conforme entendimento adotado pela jurisprudência deste Tribunal Superior, em se tratando de contrato de adesão submetido às regras do CDC, a interpretação das cláusulas deve ser feita da maneira mais favorável ao consumidor, bem assim devem ser consideradas abu-sivas as cláusulas que visam a restringir procedimentos médicos essenciais para a saúde do consumidor. 3. ‘A exclusão de cobertura de determinado procedimento médico-hos-pitalar, quando essencial para garantir a saúde e, em algumas vezes, a vida do segurado, vulnera a finalidade básica do contrato’ (REsp 183.719/SP, Relator o Ministro Luis Feli-pe Salomão, DJe de 13.10.2008). 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AREsp 581.293/DF – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – J. 23.10.2014 – DJe 04.11.2014)

CoNtrAto de seguro – AgrAvAmeNto iNteNCioNAl do risCo – veÍCulo deiXAdo

Aberto Com A CHAve NA igNição – eXClusão dA CoberturA

33638 – “Recurso especial. Direito civil. Contrato de seguro. Furto. Veículo deixado aber-to com a chave na ignição. Agravamento intencional do risco. Exclusão da cobertura. Pos-

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sibilidade. Precedentes. 1. Veículo furtado, durante a madrugada, em posto de gasolina, tendo o segurado deixado as portas abertas e a chave na ignição. 2. Caracterização do agravamento intencional do risco pelo segurado. 3. Interpretação do art. 768 do Código Civil a luz do princípio da boa-fé objetiva (art. 765 do CC). 4. Doutrina e jurisprudência do STJ acerca do tema. 5. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1411431/RS – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – J. 04.11.2014 – DJe 10.11.2014)

Nota:O instituto do agravamento intencional do risco é o alvo deste Recurso Especial, apre-ciado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Conforme o art. 768, do Código Civil, “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”.O recurso foi deduzido contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Gran-de do Sul, assim ementado: “APELAÇÃO CÍVEL – SEGURO – FURTO DE VEÍCULO DEIXADO COM AS PORTAS ABERTAS E CHAVE NA IGNIÇÃO – AGRAVAMENTO DO RISCO INOCORRENTE – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA MÁ-FÉ DO SE-GURADO – DEVER DE INDENIZAR – 1. Para que a seguradora, ora apelada, restasse isenta do pagamento do seguro, a má-fé ou dolo da parte segurada deveria ter sido cabalmente demonstrada, o que não se verificou na hipótese vertente. Imprescindível a intenção do segurado, não bastando mera negligência ou imprudência deste. Destarte, não comprovado o agravamento intencional do risco contratado, ônus que incumbia à parte ré, nos termos do art. 333, II, do CPC, é devida a indenização securitária. 2. A indenização deve ser calculada segundo os parâmetros vigentes no momento em que o risco foi implementado. Assim, deve ser utilizada, no caso em apreço, a tabela Fipe do mês em que o sinistro ocorreu, diversamente da tese esposada pela seguradora que pretende a adoção daquela vigente à época do pagamento. Precedentes. 3. Tendo o au-tor decaído do pedido de indenização por dano morais, não há falar em sucumbência mínima. Ônus sucumbenciais redistribuídos. Deram parcial provimento ao apelo.”A seguradora, insatisfeita, interpôs recurso especial, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional. Apontou violação ao art. 768 do Código Civil, uma vez que “(I) é inequívoco que o sinistro ocorreu em razão, substancialmente, de que as chaves estavam na ignição, as portas estavam abertas, era madrugada e o segurado não se encontrava ao lado do bem segurado, mencionando-se, apenas, a falta de prova da intenção do segurado no agravamento do risco; (II) a referida norma, em que pese re-gistre a intenção do agravamento do risco como fato gerador da perda da indenização, por certo engloba a culpa grave neste rol”.Analisando o recurso especial, o Relator, Min. Paulo de Tarso Sanseverino, inicialmen-te, estipulou as premissas fáticas, acertadas pelo Tribunal de Origem: “restou incon-troverso, desde a petição inicial, que o veículo foi furtado, durante a madrugada, em posto de gasolina, pois o segurado teria deixado as portas abertas e a chave na ignição”. Outrossim, registrou o acórdão que o “o furto ocorreu às duas horas da madrugada, deixando-se o veículo com as portas abertas e a chave na ignição”.Com base nesse quadro, definiu a questão jurídica nesses termos: “a discussão é se essa conduta do segurado pode ser considerada como um agravamento intencional do risco objeto do contrato de seguro”.Na visão da Turma, a conduta do segurado não poderia ser qualificada como um mero descuido. Referiu o Ministro: “pelo contrário, essa conduta voluntária do segurado

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ultrapassa os limites da culpa grave, incluindo-se nas hipóteses de agravamento do risco na linha dos precedentes desta Corte, determinando o afastamento da cobertura securitária”.Foram lembrados os seguintes precedentes em idêntico sentido: REsp 1.412.816/SC, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 15.05.2014, DJe 30.05.2014; AgRg-EDcl-REsp 1.341.392/SP, 3ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 20.06.2013, DJe 01.07.2013; REsp 780.757/SP, 4ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 01.12.2009, DJe 14.12.2009.

O voto registra a histórica lição de Pontes de Miranda, comentando o análogo art. 1.454 do Código Civil de 1916: “Enquanto vigorar o contrato, o segurado abster-se-á de tudo o quanto possa aumentar os riscos, ou seja, contrário aos termos do estipulado, sob pena de perder o direito ao seguro. A pena é justificada pelo fato de ter sido o próprio interessado quem transforma in peius a situação de fato, que foi apreciada pelo segu-rador ao ter de aceitar a oferta do contrato de seguro. Para que haja a pena, é preciso que a mudança haja sido tal que o segurador, se ao tempo da aceitação existisse o risco agravado, não teria aceito a oferta, ou teria exigido prêmio maior” (Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, t. XLV, p. 487).

Lembrou o Relator que “a interpretação do enunciado normativo do art. 768 do Código Civil deve ser feita à luz do princípio da boa-fé objetiva, que constitui um dos pilares do Direito do Seguro”. Consoante o art. 765: “o segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”.

Anotou o acórdão que desse enunciado normativo, decorre que “a boa-fé é uma estrada de duas mãos, aplicando-se tanto ao segurador, como ao segurado, que devem manter uma conduta pautada por seus ditames (lealdade, honestidade, probidade) desde a celebração do contrato de seguro, mantendo-se ao longo da execução da relação obri-gacional dele nascida, conforme também estatuído no art. 422 do CC”.

Nesse panorama, afirmou o Ministro que “no presente caso, se mostra inequívoco o ‘voluntário e consciente’ agravamento do risco do objeto do contrato, que foi determi-nante para a subtração do veículo”. Desta forma, foi dado provimento ao recurso especial, através do reconhecimento da ofensa ao art. 768 do Código Civil pelo acórdão recorrido.

CurAdor esPeCiAl – HoNorÁrios AdvoCAtÍCios – resPoNsAbilidAde

do estAdo Pelo AdimPlemeNto

33639 – “Agravo regimental em recurso especial. Competência da segunda seção. Rela-ção jurídica litigiosa abrangida pelo direito privado. Entendimento do tribunal local em conformidade com a jurisprudência desta Corte. Manutenção da negativa de seguimento. Recurso não provido. 1. A competência das seções e das respectivas turmas é fixada em função da natureza da relação jurídica litigiosa. 2. Demanda abrangida pelo direito priva-do. Competência da Segunda Seção. 3. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que são devidos pelo Estado os honorários advocatícios do curador especial nomeado

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em razão da ausência de Defensoria Pública para a defesa dos interesses do réu revel citado por edital. 4. Acórdão local em consonância com esse entendimento. 5. Agravo re-gimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1479694/PR – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – J. 23.10.2014 – DJe 03.11.2014)

direito bANCÁrio – CANCelAmeNto uNilAterAl do limite de CrÉdito sem PrÉviA

NotiFiCAção do CorreNtistA – iliCitude – iNdeNiZAção devidA

33640 – “Indenização. Dano moral. Procedência parcial decretada em 1º grau. Decisão alterada em parte. É injurídico o cancelamento do limite de crédito sem prévia notificação da correntista. Responsabilidade objetiva do réu e negligência, caracterizadas à luz da prova dos autos. Dano extrapatrimonial configurado. Dever de indenizar. Devolução sin-gela de valores indevidamente cobrados decorrentes de tarifas não contratadas. Recurso do réu provido em parte e desprovido o da autora.” (TJSP – AC 0006918-26.2013.8.26.0564 – 22ª CDPriv. – Rel. Des. Campos Mello – DJ 09.11.2014)

direito de FAmÍliA – Ação de reCoNHeCimeNto e dissolução de uNião estÁvel – PArtilHA de

beNs – ComPANHeiro seXAgeNÁrio – iNterPretAção do Art. 1.641, ii, Código Civil – NeCessidAde de ProvA de esForço Comum NA AQuisição do PAtrimÔNio

33641 – “Recurso especial. Civil e processual civil. Direito de família. Ação de reco-nhecimento e dissolução de união estável. Partilha de bens. Companheiro sexagenário. Art. 1.641, II, do Código Civil (redação anterior à Lei nº 12.344/2010). Regime de bens. Se-paração legal. Necessidade de prova do esforço comum. Comprovação. Benfeitoria e cons-trução incluídas na partilha. Súmula nº 7/STJ. 1. É obrigatório o regime de separação legal de bens na união estável quando um dos companheiros, no início da relação, conta com mais de sessenta anos, à luz da redação originária do art. 1.641, II, do Código Civil, a fim de realizar a isonomia no sistema, evitando-se prestigiar a união estável no lugar do casa-mento. 2. No regime de separação obrigatória, apenas se comunicam os bens adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum, sob pena de se desvirtuar a opção legislati-va, imposta por motivo de ordem pública. 3. Rever as conclusões das instâncias ordinárias no sentido de que devidamente comprovado o esforço da autora na construção e realização de benfeitorias no terreno de propriedade exclusiva do recorrente, impondo-se a partilha, demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que é inviável em sede de recurso

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especial, nos termos da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 4. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1403419/MG – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – J. 11.11.2014 – DJe 14.11.2014)

Nota:A matéria tratada no Recurso Especial é muito interessante. Tratava-se de discutir crité-rios para se aferir a partilha de bens, diante de um pedido de reconhecimento de união estável, no qual um dos companheiros era sexagenário. A polêmica reside na aplicação analógica do art. 1.641, II, do Código Civil, na redação vigente à época dos fatos, a qual determina o regime da separação total de bens para os casamentos realizados por pes-soas maiores de sessenta anos.O acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais foi assim ementado: “APE-LAÇÃO CÍVEL – RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE BENS – CAUTELARES DE ARROLAMENTO E SEQÜESTRO – JUL-GAMENTO CONJUNTO – SEXAGENÁRIO – REGIME OBRIGATÓRIO DA SEPARA-ÇÃO DE BENS – MITIGAÇÃO – SÚMULA Nº 377, DO STF – REGIME APLICADO – SEPARAÇÃO PARCIAL DE BENS – PERÍODO DA UNIÃO – PARTILHA DE BENS – BENS SUB-ROGADOS – ALIMENTOS – VALOR ARBITRADO INALTERADO – EX-COMPANHEIRA – DEPENDENTE DO PLANO DE SAÚDE – MANUTENÇÃO – LIMITE TEMPORAL – SENTENÇA – AUSÊNCIA DE NULIDADE – O regime da separação obrigatória de bens entre os sexagenários deve ser flexibilizado em razão da Súmula n° 377, do STF. Assim, comunicam-se todos os bens adquiridos, a título onero-so, na constância da União, aplicando-se o regime da separação parcial de bens, confor-me o disposto no art. 1.725, do CC/2002. Excluem-se os bens sub-rogados da partilha, computando-se o valor correspondente a favor de um dos companheiros, desde que comprovada a sub-rogação. O valor arbitrado a título de pensão alimentícia a ex-com-panheira deve atender a realidade atual em que as partes se encontram e sempre com observância ao binômio necessidade/possibilidade, admitindo-se a manutenção da ex--companheira como dependente junto ao plano de saúde por certo período de tempo”.Portanto, o Tribunal local concluiu pela incidência do regime de comunhão parcial de bens, consoante o art. 1.725 do Código Civil e não pela separação total, prevista no art. 1.641, II, do Código Civil. A Corte Mineira admitiu o direito de meação à compa-nheira de todos os bens adquiridos a título oneroso ao longo da união estável, sem exigir demonstração de esforço comum. Esta foi a conclusão colocada em xeque pelo recorrente.Dentro desse contexto, o Relator considerou que esta argumentação vai contra aquela que prevalece no Superior Tribunal de Justiça: “o entendimento majoritário de que o re-gime aplicável à união estável em que ao menos um dos companheiros seja sexagenário (atualmente septuagenário) é o da separação obrigatória de bens”.Inicialmente, o Relator, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, delimitou a matéria fática acer-tada pelas instâncias ordinárias, dando conta que houve união estável entre “meados de 2003 e outubro de 2009”. Desta forma, entendeu que “o acórdão emprestou fiel inter-pretação ao disposto no § 1º do art. 5º da Lei nº 9.278/1996 ao declarar a impossibilida-de de partilha de bens já pertencentes ao companheiro antes do início da união estável ou de bens adquiridos na constância desta com o produto ou rendimentos oriundos do patrimônio particular. Isso porque é vedada a meação de bens adquiridos por sub-ro-gação, acrescidos seus produtos, desde que fruto do esforço exclusivo do sub-rogado, sob pena de enriquecimento sem causa”.

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No que toca a questão do regime patrimonial da união estável, o Relator lembrou a redação do art. 1.641, II, do Código Civil, o qual dispunha que o regime de separação de bens no casamento, com pessoa maior de 60 (sessenta anos), seria o da separação obrigatória de bens. Sabe-se que, após a Lei nº 12.344/2010, a idade foi ampliada para 70 (setenta anos). Contudo, pelo brocardo, tempus regis actum, seria o caso de aplicar a lei velha.Na visão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, “essa limitação visa a realizar a isonomia no sistema, evitando-se prestigiar a união estável no lugar do casamento”. O voto registra a lição de Maria Berenice Dias, que justifica o tratamento igualitário à restrição de regime: “Havia uma circunstância que talvez fizesse a união estável mais vantajosa do que o casamento: quando um, ou ambos, têm mais de 70 anos. Para quem casar depois dessa idade, o casamento não gera efeitos patrimoniais. É o que diz a lei (CC, art. 1.641, II), que impõe o regime da separação obrigatória de bens. Como essa limitação não existe na união estável, não cabe interpretação analógica para restringir direitos. No entanto, o STJ estendeu a limitação também à união estável, orientação que vem sendo acolhida pela jurisprudência” (Manual de direito das famílias. 9. ed. Revista dos Tribunais, p.190).Dentre os precedentes que aplicam o regime da separação obrigatória de bens, por for-ça dos arts. 1.641, II, do Código Civil, encontram-se: REsp 646.259/RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 22.06.2010, DJe 24.08.2010; REsp 1.369.860/PR, 3ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. p/ Ac. Min. João Otávio de Noronha, J. 19.08.2014, DJe 04.09.2014 – grifou-se); REsp 1.387.683/DF, 3ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 06.08.2013, DJe 20.03.2014).O Relator, ainda, destacou a existência de posição minoritária na Corte: “com base na Súmula nº 377/STF (‘No regime de separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento’), que conferiu uma certa ‘flexibilização’ ao regime de separação obrigatória, há precedentes nesta Corte que conferem ao companheiro o direito de me-ação aos frutos produzidos durante o período de união estável, independentemente da demonstração do esforço comum”.Contudo, na visão da 3ª Turma, a melhor interpretação da norma é “aquela segundo a qual os bens adquiridos na constância da união estável são incomunicáveis, ressalva-da a prova de que tais bens provêm do esforço comum. É o esforço comum que enseja a comunicabilidade e não o mero dever de solidariedade, inerente à vida comum do casal. Ora, não há falar em presunção de esforço comum na aquisição de bens no caso de separação legal, sob pena de confusão com o regime de comunhão parcial de bens”.O voto registra, ainda, a lição de Arnaldo Rizzardo, “o fator determinante da comu-nhão dos aquestos está na conjugação de esforços que se verifica durante a sociedade conjugal, ou na affectio societatis própria das pessoas que se unem para uma atividade específica” (Direito de família. 8. ed. Editora Forense, p. 594).Com base nessas premissas, diante da “demonstração da participação da companheira na construção da obra que se pretende partilhar, esforço comum que não foi suficientemente refutado pelo recorrente, a quem incumbiria o ônus da prova contrária, pois, nos ter-mos postos na sentença, ‘a autora demonstrou de forma satisfatória que a construção loca-lizada no imóvel referido às fls. 118⁄119, localizado no Bairro Retiro do Chalé, no município de Brumadinho foi construído pelo casal na constância da união estável, pelo que deve também ser partilhado em 50%’, o Relator votou pelo desprovimento do Recurso Especial”.

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Conforme o seu voto: “a comunicabilidade de bens, portanto, decorreu do efetivo es-forço realizado na construção patrimonial, que de fato restou demonstrada no presente feito, premissa cujo revolvimento é insindicável nesta instância especial ante o óbice da Súmula nº 7/STJ”. Por decorrência, “os aquestos decorrentes do esforço demonstrado pelos companheiros, por meio da colaboração mútua, a partir de trabalho conjunto, ain-da que oriundos da esfera doméstica, diferentemente daqueles decorrentes de uma ati-vidade isolada e individual de apenas um dos companheiros, devem ser partilhados”.Desta forma, o Superior Tribunal de Justiça considerou equivocada a exegese do Tribu-nal de Minas Gerais em relação à Súmula nº 377/STF, pois compete ao Judiciário exigir a prova do esforço comum. No caso, diante da demonstração na instância ordinária, o companheiro deveria ter direito à partilha.À luz desses fundamentos, o recurso especial foi desprovido.

direito de FAmÍliA – AlimeNtos ComPeNsAtórios – PriNCÍPio dA Adstrição Ao Pedido – eXegese

33642 – “Processual civil. Direito civil. Família. Separação judicial. Pensão alimentícia. Binômio necessidade/possibilidade. Art. 1.694 do CC/2002. Termo final. Alimentos com-pensatórios (prestação compensatória). Possibilidade. Equilíbrio econômico-financeiro dos cônjuges. Julgamento extra petita não configurado. Violação do art. 535 do CPC não demonstrada. 1. A violação do art. 535 do CPC não se configura na hipótese em que o Tribunal de origem, ainda que sucintamente, pronuncia-se sobre a questão controvertida nos autos, não incorrendo em omissão, contradição ou obscuridade. Ademais, a ausência de manifestação acerca de matéria não abordada em nenhum momento do iter processual, salvo em embargos de declaração, não configura ofensa ao art. 535 do CPC. 2. Na ação de alimentos, a sentença não se subordina ao princípio da adstrição, podendo o magistrado arbitrá-los com base nos elementos fáticos que integram o binômio necessidade/capa-cidade, sem que a decisão incorra em violação dos arts. 128 e 460 do CPC. Precedentes do STJ. 3. Ademais, no caso concreto, uma vez constatada a continência entre a ação de separação judicial e a de oferta de alimentos, ambas ajuizadas pelo cônjuge varão, os pro-cessos foram reunidos para julgamento conjunto dos pedidos. A sentença não se restrin-giu, portanto, ao exame exclusivo da pretensão deduzida na ação de oferta da prestação alimentar. 4. Em tais circunstâncias, a suposta contrariedade ao princípio da congruência não se revelou configurada, pois a condenação ao pagamento de alimentos e da prestação compensatória baseou-se nos pedidos também formulados na ação de separação judicial, nos limites delineados pelas partes no curso do processo judicial, conforme se infere da sentença. 5. Os chamados alimentos compensatórios, ou prestação compensatória, não têm por finalidade suprir as necessidades de subsistência do credor, tal como ocorre com a pensão alimentícia regulada pelo art. 1.694 do CC/2002, senão corrigir ou atenuar grave desequilíbrio econômico-financeiro ou abrupta alteração do padrão de vida do cônjuge desprovido de bens e de meação. 6. Os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem, em regra, ser fixados com termo certo, assegurando-se ao alimentando tempo hábil para sua inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho, que lhe possibilite manter, pelas próprias forças, o status social similar ao período do relacionamento. 7. O Tribunal

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estadual, com fundamento em ampla cognição fático-probatória, assentou que a recorrida, nada obstante ser pessoa jovem e com instrução de nível superior, não possui plenas con-dições de imediata inserção no mercado de trabalho, além de o rompimento do vínculo conjugal ter-lhe ocasionado nítido desequilíbrio econômico-financeiro. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido para fixar o termo final da obrigação alimentar.” (STJ – REsp 1290313/AL – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – J. 12.11.2013 – DJe 07.11.2014)

direito de FAmÍliA – AlimeNtos – iNterPretAção do Art. 1.694,

§ 1º, Código Civil

33643 – “Ação de dissolução de união estável. Alimentos. Art. 1.694, § 1º, do CPC. Bi-nômio necessidade/possibilidade. Parceiros com idade avançada. Proventos modestos percebidos por ambos. Problemas de saúde do alimentante. Verba alimentar que compor-ta adequação em 30% dos ganhos do réu. Recurso parcialmente provido. A fixação dos alimentos deve atender ao conhecido binômio necessidade x possibilidade, insculpido no art. 1.694, § 1º, do Código Civil. Isso posto, patenteado que o alimentante detém idade avançada, e problemas de saúde que requerem despesas com tratamentos médicos, avulta excessivo o pensionamento estabelecido em 40% de sua renda, mesmo patenteada a hi-possuficiência por parte da alimentada, mormente porque também recebe pensão estatal, embora modesta. Verba alimentar fixada em 30% da renda do acionado, sopesadas as peculiaridades do caso vertente.” (TJSC – AI 2014.053850-2 – Continente – Relª Desª Maria do Rocio Luz Santa Ritta – J. 04.11.2014)

direito de FAmÍliA – uNiÕes estÁveis simultÂNeAs –

iNAdmissibilidAde

33644 – “Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Ação de reconhecimento de união estável. Não configuração. Uniões estáveis simultâneas. Impossibilidade. Súmula nº 83/STJ. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não admite o reconheci-mento de uniões estáveis simultâneas, pois a caracterização da união estável pressupõe a inexistência de relacionamento de fato duradouro, concorrentemente àquele ao qual se pretende proteção jurídica. Precedentes. 2. Inviável o recurso especial se o acórdão re-corrido se alinha com o posicionamento sedimentado na jurisprudência do STJ, a teor do que dispõe a Súmula nº 83 desta Corte Superior. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AREsp 395.983/MS – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – J. 23.10.2014 – DJe 07.11.2014)

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direito de ProPriedAde – Ação reiviNdiCAtóriA –

relevÂNCiA dA ProvA

33645 – “Apelação cível. Ação reivindicatória conexa com ação de nunciação de obra nova, cautelar de caução e reintegração de posse. Condições da ação. Presença. Prova pericial. Resultado incoerente e contraditório. Sentença anulada. Recursos prejudicados. Inocorre carência de ação se estão presentes as condições da ação, como legitimidade das partes, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido. Resta caracterizado o cercea-mento de defesa se os pontos controvertidos do litígio não foram devidamente elucidados na perícia, causando incerteza à controvérsia instaurada, comprometendo a atuação do Julgador na formação sua convicção”. (TJMG – AC 1.0024.03.009486-6/005 – 9ª C.Cív. – Des. Rel. Moacyr Lobato – DJ 10.11.2014)

direito do CoNsumidor – ComPrA de gelAdeirA – AtrÁs de sete

meses NA eNtregA – dANo morAl

33646 – “Apelação cível. Indenização. Danos morais. Produto de primeira necessidade. Atraso de 07 meses na entrega. Descaso com o consumidor. Reparação devida. I – Sem desconhecer do entendimento de que o mero descumprimento contratual não gera obriga-ção de reparar por danos morais, não se pode olvidar que uma vez requerida indenização a esse título devem ser considerados os desdobramentos da inadimplência, a fim de se aferir a existência (ou não) de lesão à honra de um dos contratantes. II – O atraso de 07 meses na entrega de produto de primeira necessidade (geladeira), sem qualquer justifi-cativa plausível ao consumidor, que tentou diversas vezes solução da pendência junto à central de atendimento da empresa ré, enseja reparação por danos morais, vez que as situações vivenciadas vão além de meros aborrecimentos cotidianos. III – Ausentes parâ-metros legais para fixação do dano moral, mas consignado no art. 944 do CC/2002 que a indenização mede-se pela extensão do dano, o valor fixado a este título deve assegurar reparação suficiente e adequada para compensação da ofensa suportada pela vítima e para desestimular-se a prática reiterada da conduta lesiva pelo ofensor. V.v. Apelação cível. Ação de obrigação de entrega de coisa certa c/c indenização por danos materiais e morais. Indenização por danos morais e materiais. Compra de móveis. Atraso na entrega da mercadoria. Mero descumprimento contratual. Dano moral não configurado. O mero transtorno ou aborrecimento, por si só e ainda que de proporção significativa, não é capaz de ensejar a configuração do dano moral. A atitude da empresa ré, de atrasar a entrega do produto adquirido pelo consumidor, constitui descumprimento contratual suficiente para causar grande aborrecimento, mas sem capacidade para dar ensejo à configuração de um legítimo dano moral.” (TJMG – AC 1.0515.11.001236-3/002 – 18ª C.Cív. – Rel. Des. Arnaldo Maciel – DJ 07.11.2014)

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direito do CoNsumidor – ComPrA e veNdA de veÍCulo usAdo – deFeito meCÂNiCo

oCulto – ressArCimeNto

33647 – “Apelação cível e recurso adesivo. Dano moral e material. Compra e venda de veículo usado. Defeito mecânico oculto. Responsabilidade da revendedora. Ressarcimen-to do valor desembolsado com o conserto. Viabilidade. Dano moral. Inocorrência. Ma-nutenção da sentença. 1. Do apelo: Hipótese em que o veículo encontrava-se, ao tempo da comercialização, sem condições de trafegar por força de defeito oculto. Embora bem possuísse mais de 10 (dez) anos de uso, a responsabilidade dos fornecedores permanece na medida em que estes apenas devem ofertar ao consumidor bens passíveis de venda, não defeituosos. 2. Segundo o art. 23 do Código de Defesa do Consumidor: ‘A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade’. 3. Demais disso, a ausência de garantia contratual não retira do consumidor a possibilidade de exigir aquela prevista legalmente no art. 18 do CDC, o que, no caso, consiste na restituição imediata da quantia paga com o conserto do bem, monetariamente atualizada (art. 18, § 1º, II do CDC). 4. Do recurso adesivo: de acordo com Humberto Theodoro Júnior, para ‘chegar-se à configuração do dever de indenizar não será suficiente ao ofendido demonstrar sua dor. Somente ocorrerá a responsabilida-de civil se se reunirem todos os seus elementos essenciais: dano, ilicitude e nexo causal’ (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral. 4. ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001. p. 06). 5. In casu, é certo que o evento, tal como se deu, causou uma frus-tração momentânea no autor que se viu privado por algum tempo do uso veículo, mas não ao ponto de atingir sua honra, personalidade ou dignidade, razão pela qual não tem cabimento a pretensão indenizatória. 6. Honorários advocatícios mantidos. 7. Recursos de apelação e adesivo desprovidos. Manutenção da sentença.” (TJPE – AC 328706-1 – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Jônes Figueiredo – DJ. 05.11.2014)

direito dos reCursos – Pedido de desistÊNCiA FormulAdo Por

AdvogAdo sem ProCurAção Nos Autos – iNAPliCAbilidAde dos

Arts. 13 e 37 NA iNstÂNCiA esPeCiAl

33648 – “Embargos de declaração no agravo regimental. Embargos de divergência. Pe-dido de desistência efetuado por advogado sem poderes específicos. Julgamento pela turma. Recurso improvido. Erro material. Inexistência. Ausência de prejuízo. Embargos rejeitados. 1. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que não é aplicável o regramento dos arts. 13 e 37 do Código de Processo Civil aos recursos interpostos na instância extraordinária ou a ela dirigidos e de que o pedido de desistência efetuado por advogado sem poderes não gera efeitos. 2. De outro lado, a jurisprudência desta Corte orienta, há muito, que ‘por regra geral do Código de Processo Civil, não se dá valor a nulidade, se dela não resultou prejuízo para as partes’ (REsp 449.099/PR, Rel. Min. Felix

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Fischer, DJ 28.10.2003). 3. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-AgRg-EREsp 1284035/MS – 2ª S. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – J. 22.10.2014 – DJe 04.11.2014)

divórCio – CumulAção Com AlimeNtos – dever de mÚtuA

AssistÊNCiA – ProCedÊNCiA

33649 – “Divórcio. Fixação de alimentos provisórios. Pedido de majoração. Adequação do quantum. 1. Os alimentos provisórios devem ser fixados sempre com moderação e de-vem ter em mira tanto a capacidade econômica do alimentante como as necessidades da alimentada. 2. O dever de mútua assistência existente entre os ex-cônjuges se materializa no encargo alimentar, quando existe a necessidade. 3. Se o varão era o provedor da fa-mília e a mulher recebe parca aposentadoria, justifica-se o amparo alimentar, pois existe o dever de mútua assistência. 4. Os alimentos devem ser fixados de forma a atender as necessidades da alimentada, mas sem sobrecarregar em demasia o alimentante. Recurso desprovido. 5. Sendo provisória a fixação provisória, o valor poderá ser revisto a qualquer tempo, bastando que venham aos autos elementos de convicção que justifiquem a revi-são. Recurso desprovido.” (TJRS – AI 70062438718 – 7ª C.Cív. – Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – J. 06.11.2014)

embArgos iNFriNgeNtes – CritÉrio dA duPlA suCumbÊNCiA – iNterPretAção do Art. 530, CPC

33650 – “Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Cabimento dos em-bargos infringentes. Art. 530 do CPC. Critério da dupla sucumbência. Agravo regimental improvido. 1. Na linha da jurisprudência desta egrégia Corte Superior o cabimento dos embargos infringentes, em virtude da adoção do critério da dupla sucumbência, está con-dicionado ao interesse de se fazer prevalecer o voto vencido que adote a mesma conclusão da sentença, ainda que por fundamentos diversos. Hipótese não configurada. Preceden-tes. 2. Se a sentença condenou ao pagamento de dano moral e se a apelação manteve a condenação para a formação de um capital, pelo descumprimento da obrigação de fazer assumida no divórcio, então descabem os infringentes porque a condenação prevaleceu ainda que por solução diversa. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1441120/RJ – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – J. 23.10.2014 – DJe 03.11.2014)

iNdeNiZAção Por dANo morAl – Ato ilÍCito – juros de morA – eveNto dANoso

33651 – “Agravo regimental nos embargos de divergência. Ação de indenização. Dano moral. Ato ilícito. Juros de mora. Termo inicial. Evento danoso. Súmula nº 54/STJ. Aplica-

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ção da Súmula nº 168/STJ. 1. Segundo o entendimento majoritário da Segunda Seção, su-fragado no REsp 1.132.866/SP (Julgado em 23.11.2011), no caso de indenização por dano moral puro decorrente de ato ilícito os juros moratórios legais fluem a partir do evento danoso (Súmula nº 54 do STJ). 2. ‘Não cabem embargos de divergência, quando a jurispru-dência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado’ (Súmula nº 168, Corte Especial, Julgado em 16.10.1996, DJ 22.10.1996, p. 40503). 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-EREsp 1091056/RS – 2ª S. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – J. 22.10.2014 – DJe 04.11.2014)

loCAção de imóvel Não resideNCiAl – desPejo – deNÚNCiA

vAZiA – AdmissibilidAde

33652 – “Locação de imóvel não residencial. Ação de despejo fundada em denúncia va-zia. Desnecessidade de designação de audiência de conciliação. Não evidenciada proposi-tura de ação para renovação do imóvel, com o propósito de proteger o fundo de comércio. Eventual indenização pela sua perda deverá ser discutida em ação autônoma, a fim de não obstaculizar o direito da locadora à retomada imediata do imóvel. Recurso negado.” (TJSP – AC 4007535-60.2013.8.26.0161 – 36ª CDPriv. – Rel. Des. Gil Cimino – J. 06.11.2014)

loCAção de imóvel resideNCiAl – desPejo – AlegAção de

iNAdimPlÊNCiA – limiNAr iNdeFeridA

33653 – “Agravo de Instrumento. Locação de imóvel residencial. Ação de despejo funda-da na falta de pagamento e na ausência de assinatura do fiador no instrumento contratual. Decisão que indeferiu a liminar de desocupação. Manutenção. Locador que, embora ale-gue não possuir via do contrato assinada pelo fiador, admite que existe a via devidamente assinada. Agravo negado.” (TJSP – AI 2188495-09.2014.8.26.0000 – 36ª CDPriv. – Rel. Des. Gil Cimino – J. 06.11.2014)

PrevidÊNCiA PrivAdA – Ação de CobrANçA – PresCrição

QuiNQueNAl – DIES A QUO

33654 – “Agravo regimental nos embargos de declaração no recurso especial. Civil. Pre-vidência privada. Ex-participante. Restituição a menor de reserva de poupança. Diferen-ças de correção monetária (expurgos inflacionários). Prescrição de fundo de direito. Prazo quinquenal. 1. A Segunda Seção desta Corte Superior já decidiu que a ação de cobrança

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de diferenças de complementação de aposentadoria ou de diferenças de restituição de contribuição (reserva de poupança) de participante de entidade de previdência privada que se desliga do plano prescreve em cinco anos, contados a partir da data da devolução a menor (Súmulas nºs 291 e 427/STJ). 2. O prazo prescricional da pretensão que discute direitos advindos de previdência complementar é quinquenal, mesmo na égide do Código Civil de 1916, e não vintenária, sendo inaplicável à hipótese o art. 177 do CC/1916. Isso porque incidem as normas dos arts. 178, § 10, II, do CC/1916 e 103 da Lei nº 8.213/1991, c/c art. 36 da Lei nº 6.435/1977 ou art. 75 da Lei Complementar nº 109/2001. 3. ‘Se, já não sendo segurado, o autor reclama a restituição do capital investido, a prescrição quinque-nal apanha o próprio fundo do direito; se, ao revés, demanda na condição de segurado, postulando prestações ou diferenças, a prescrição alcança apenas as parcelas vencidas há mais de cinco anos [da propositura da ação]’ (REsp 431.071/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, Segunda Seção, DJ de 02.08.2007), tratando-se, nessa hipótese, de relação de trato sucessi-vo. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-EDcl-REsp 1360016/PB – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – J. 04.11.2014 – DJe 07.11.2014)

PrevidÊNCiA PrivAdA – relAção de trAto suCessivo – PreteNsão

de utiliZAção de temPo de serviço esPeCiAl reCoNHeCido

Pelo iNss – iNviAbilidAde

33655 – “Recurso especial. Civil. Previdência privada. Cessivo. Revisão de cerceamento de defesa. Prova pericial indeferida. Fundamento inatacado. Súmula nº 283/STF. Pres-crição quinquenal. Relação de trato sucessivo. Pretensão já obtida. Ausência de interesse recursal. Benefício previdenciário. Revisão de renda mensal inicial. Tempo de serviço es-pecial. Reconhecimento pelo INSS. Utilização na previdência complementar. Inadmissibi-lidade. Sistema financeiro de capitalização. Autonomia em relação à previdência oficial. 1. Ação de revisão de benefício de previdência privada em que se postula o aproveitamen-to de tempo de serviço especial (tempo ficto), devidamente reconhecido pelo INSS, para fins de cálculo da renda mensal inicial. 2. A aposentadoria especial é uma espécie de bene-fício previdenciário do regime geral de previdência social (RGPS), devida ao trabalhador que exerce atividade em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física. Assim, ele pode se aposentar mais cedo como forma de se compensar o desgaste físico resultante do tempo de serviço prestado em ambiente insalubre, penoso ou perigoso (tempo de serviço especial). Ademais, quanto maior o grau de nocividade, menor será o tempo de trabalho. 3. A previdência privada possui autonomia em relação ao regime geral de previdência social. Além disso, é facultativa, regida pelo Direito Civil, de caráter complementar e ba-seada na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, sendo o regime financeiro de capitalização. 4. A previdência social é um ‘seguro coletivo’, público, de cunho estatutário, compulsório, ou seja, a filiação é obrigatória para diversos empregados e trabalhadores rurais ou urbanos (art. 11 da Lei nº 8.213/1991), destinado à proteção

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social, mediante contribuição, proporcionando meios indispensáveis de subsistência ao segurado e à sua família na ocorrência de certa contingência prevista em lei (incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte do segurado), sendo o sistema de financiamento o de caixa ou de repartição simples. 5. A concessão de benefício oferecido pelas entidades abertas ou fechadas de previdência privada não depende da concessão de benefício oriundo do regime geral de previdência social, haja vista as especificidades de cada regime e a autonomia existente entre eles. 6. Pelo regime de capitalização, o benefício de previdência complementar será decorrente do montante de contribuições efetuadas e do resultado de investimentos, não podendo haver, portanto, o pagamento de valores não previstos no plano de benefícios, sob pena de comprometimento das reservas financeiras acumuladas (desequilíbrio eco-nômico-atuarial do fundo), a prejudicar os demais participantes, que terão que custear os prejuízos daí advindos. 7. O tempo ficto ou o tempo de serviço especial, próprio da previdência social, é incompatível com o regime financeiro de capitalização, ínsito à pre-vidência privada. 8. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1230046/PB – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – J. 04.11.2014 – DJe 07.11.2014)

ProCesso Civil – HAstA PÚbliCA – iNtimAção FiCtA – CiÊNCiA

iNeQuÍvoCA – vAlidAde

33656 – “Agravo regimental no agravo de instrumento. Embargos à arrematação. De-cisão monocrática que negou provimento ao reclamo. Irresignação dos demandantes. 1. É prescindível a intimação pessoal do devedor, quando o advogado da parte, devida-mente intimado, demonstra a ciência inequívoca da data da hasta pública por manifesta-ção expressa nos autos. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag 1243290/PR – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – J. 23.10.2014 – DJe 07.11.2014)

ProCessuAl Civil – iNterPosição de reCurso viA FAX – eXegese

33657 – “Processual civil. Pedido de reconsideração recebido como agravo regimental no agravo em recurso especial. Recurso protocolizado via fax. Original não apresentado. 1. Os originais do recurso interposto via fac-símile devem ser entregues em juízo, dentro de cinco dias após o término do prazo para sua interposição, conforme previsto no art. 2º da Lei nº 9.800/1999. 2. No caso, o recurso foi protocolizado via fac-símile no prazo legal, contudo, os originais não foram apresentados, o que obsta o seu conhecimento. 3. Pedido de reconsideração, recebido como agravo regimental, não conhecido.” (STJ – AgRg-AREsp 547.101/SP – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – J. 23.10.2014 – DJe 05.11.2014)

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reCurso esPeCiAl – AusÊNCiA de reColHimeNto do Porte de remessA e retorNo – deserção

33658 – “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ausência de recolhimento do porte de remessa e retorno. Deserção. Inaplicabilidade do disposto no art. 511, § 2º, do CPC. Decisão mantida por seus próprios fundamentos. Agravo desprovido. 1. Con-forme entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, a parte deve comprovar o re-colhimento das custas e do porte de remessa e retorno, quando for o caso, no momento da interposição do recurso. 2. Inexistindo o recolhimento de uma das guias, o caso é de deserção, não sendo possível a intimação do recorrente para complementação do preparo, porquanto não se trata da hipótese do art. 511, § 2º, do CPC. Precedentes. 3. Agravo re-gimental desprovido.” (STJ – AgRg-AREsp 547.976/PR – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – J. 23.10.2014 – DJe 04.11.2014)

reCurso esPeCiAl – ComProvAção de FeriAdo loCAl – ÔNus dA PArte

33659 – “Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Intempesti-vidade do recurso especial. Recesso forense. Não comprovação. Documento idôneo. Re-curso não provido. 1. A partir do julgamento do AgRg-AREsp 137.141/SE, de relatoria do Ministro Antônio Carlos Ferreira, a Corte Especial modificou o entendimento até então aplicado no Superior Tribunal de Justiça para admitir que a comprovação de tempestivi-dade, em virtude de feriado local ou de suspensão de expediente forense no tribunal de origem, ocorra quando da interposição do agravo regimental. 2. Referida comprovação, porém, deve ser realizada por meio de documento idôneo capaz de evidenciar a prorro-gação do prazo do recurso. 3. No caso dos autos, não houve qualquer comprovação, por documento idôneo, de que foram suspensos os prazos processuais. Não basta a simples menção, nas razões do presente agravo regimental, da existência de Resolução da Corte de origem constituindo o recesso forense. 4. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg--AREsp 564.097/SC – – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – J. 23.10.2014 – DJe 03.11.2014)

reCurso esPeCiAl CoNtrA deCisão moNoCrÁtiCA – Não CAbimeNto

33660 – “Agravo regimental nos embargos de divergência no agravo em recurso espe-cial. Recurso interposto contra decisão monocrática. Impossibilidade. Precedentes da se-gunda seção. Inconformismo da ré. 1. Os embargos de divergência somente são cabíveis contra acórdãos (decisões colegiadas proferidas por Turmas ou Seções) e quando houver divergência entre os julgados, não se admitindo, todavia, nos termos da legislação de regência, a sua oposição contra decisões monocráticas. Precedentes da Segunda Seção.

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2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-EAREsp 423.063/MG – 2ª S. – Rel. Min. Marco Buzzi – J. 22.10.2014 – DJe 06.11.2014)

reCurso esPeCiAl CoNtrA deCisão moNoCrÁtiCA – Não esgotAmeNto de iNstÂNCiA

– iNAdmissibilidAde

33661 – “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Recurso interposto contra decisão monocrática. Não exaurimento das vias ordinárias. Súmula nº 281/STF. Agravo regimental improvido. 1. Não é cabível recurso especial contra decisão monocrática do re-lator do Tribunal de origem, porquanto necessário o exaurimento dos recursos ordinários cabíveis, conforme dispõe o Enunciado nº 281 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, o qual se aplica por analogia ao recurso especial. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AREsp 538.995/PE – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – J. 23.10.2014 – DJe 04.11.2014)

reCurso esPeCiAl – deCisão de AdmissibilidAde Com bAse No

Art. 543-C – AdmissibilidAde do AgrAvo iNterNo

33662 – “Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Decisão de admissibilidade. Negativa com base no art. 543-C do CPC. Agravo interno. Único recurso cabível. 1. O único recurso cabível em face de decisão que negou seguimento ao recurso especial com base no art. 543-C do Código de Processo Civil é o agravo interno, conforme restou esclarecido na QO-Ag 1154599/SP. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AREsp 411.957/MG – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – J. 23.10.2014 – DJe 04.11.2014)

reCurso esPeCiAl – PrePAro irregulAr – deFiCiÊNCiA NA

ComProvAção do reColHimeNto – PreeNCHimeNto dAs guiAs

33663 – “Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Deserção. Recurso especial. Custas judiciais. Resolução nº 1/2014. Utilização indevida de GRU simples. GRU cobran-ça. Necessidade. Recurso não provido. 1. ‘O recolhimento em guia diversa daquela pre-vista na resolução em vigor no momento da interposição do recurso conduz ao reconhe-cimento da deserção’ (AgRg-MS 18.404/DF, Relª Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, J. 05.09.2012, DJe 18.09.2012). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AREsp 559.401/RJ – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – J. 21.10.2014 – DJe 07.11.2014)

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33664 – “Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Preparo ir-regular. Deficiência na comprovação do recolhimento. Falta de correspondência entre o número constante no código de barras da guia de recolhimento e o respectivo compro-vante de pagamento. Descumprimento do art. 511 do CPC. Deserção. Agravo regimental improvido. 1. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que a falta de corres-pondência entre o número do código de barras da guia de recolhimento e o comprovante bancário demonstra irregularidade no preparo do recurso especial, tornando-o, portanto, deserto. 2. Não é possível a comprovação posterior do preparo, ainda que o pagamento das custas tenha se dado dentro do prazo recursal, ante a ocorrência da preclusão consu-mativa. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-AREsp 554.603/PR – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – J. 23.10.2014 – DJe 03.11.2014)

resPoNsAbilidAde Civil – CoNFlito eNtre liberdAde de imPreNsA e A digNidAde dA PessoA HumANA – dANo

morAl reCoNHeCido

33665 – “Agravo regimental no agravo (art. 544 do CPC). Ação indenizatória. Liberdade de imprensa e livre manifestação do pensamento em confronto com a dignidade da pes-soa humana e a proteção à honra e à imagem do cidadão. Decisão monocrática que negou provimento ao recurso. Irresignação da ré. 1. Violação aos arts. 165, 458 e 535, do Código de Processo Civil, não configurada. Acórdão estadual que enfrentou todos os aspectos essenciais à resolução da controvérsia de forma clara e fundamentada. 2. É assente que, no exercício do direito fundamental de liberdade de imprensa, havendo divulgação de in-formações verdadeiras e fidedignas, de interesse público, não há falar em configuração de dano moral. Contudo, referida liberdade de informação e de manifestação do pensamento não constitui direito absoluto, podendo ser relativizado quando colidir com o direito à proteção da honra e à imagem dos indivíduos, bem como quando ofender o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 3. Tribunal de origem que, com amparo nos elementos de convicção dos autos e adotando o entendimento desta Corte Superior, consignou estar configurada a lesão à honra e à imagem do magistrado, pois a reporta-gem, apesar de descrever fatos efetivamente ocorridos, veiculou afirmações imprecisas, abusando de recursos retóricos e que geraram dúvida quanto à conduta do magistrado. Impossibilidade de reexame de fatos e provas, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. 4. A inde-nização por danos morais, fixada em quantum sintonizado ao princípio da razoabilidade, não enseja a possibilidade de interposição do recurso especial, dada a necessidade de exame de elementos de ordem fática, cabendo sua revisão apenas em casos de manifesta excessividade ou irrisoriedade do valor arbitrado, o que não se evidencia no presente caso ao ser fixado em R$ 25.000,00 para cada uma das rés. Incidência novamente da Súmula nº 7/STJ. 5. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AREsp 163.884/RJ – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – J. 23.10.2014 – DJe 07.11.2014)

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revisão de AlimeNtos – NovA Prole – AdmissibilidAde

33666 – “Agravo de instrumento. Família. Ação de revisão de alimentos. Filho menor. Redimensionamento. A exoneração ou redução dos alimentos, assim como a majoração, somente se justifica quando comprovada alteração no binômio necessidade/possibilidade e, em sede de antecipação de tutela, essa prova deve ser inequívoca de plano. A compro-vação da existência de outros filhos permite o redimensionamento do encargo alimentar, mas não no valor postulado, pois cabe ainda comprovar o binômio possibilidade/neces-sidade, o que será demonstrado no decorrer da instrução processual. Recurso provido em parte.” (TJRS – AI 70062482716 – 7ª C.Cív. – Relª Liselena Schifino Robles Ribeiro – J. 06.11.2014)

soCiedAde ANÔNimA – resPoNsAbilidAde Civil dos ACioNistAs CoNtrolAdores

– Abuso de Poder

33667 – “Recurso especial. Processual civil e empresarial. Julgamento antecipado da lide. Cerceamento de defesa (CPC, art. 130). Não ocorrência. Sociedade anônima. Ação de responsabilidade civil contra administrador (Lei nº 6.404/1976, art. 159) ou acionis-tas controladores (aplicação analógica): ação social ut universi e ação social ut singuli (Lei nº 6.404/1976, art. 159, § 4º). Danos causados diretamente à sociedade. Ação individual (Lei nº 6.404/1976, art. 159, § 7º). Ilegitimidade ativa de acionista. Recurso provido. 1. O art. 130 do CPC trata de faculdade atribuída ao juiz da causa de poder determinar as pro-vas necessárias à instrução do processo. O julgamento antecipado da lide, no entanto, por entender o magistrado encontrar-se maduro o processo, não configura cerceamento de defesa. 2. Não viola os arts. 459 e 460 do CPC a decisão que condena o réu ao pagamento de valor determinado, não obstante constar do pedido inicial a apuração do valor da con-denação na execução da sentença. 3. Aplica-se, por analogia, a norma do art. 159 da Lei nº 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas) à ação de responsabilidade civil contra os acionistas controladores da companhia por danos decorrentes de abuso de poder. 4. Sen-do os danos causados diretamente à companhia, são cabíveis as ações sociais ut universi e ut singuli, esta obedecidos os requisitos exigidos pelos §§ 3º e 4º do mencionado dispositi-vo legal da Lei das S/A. 5. Por sua vez, a ação individual, prevista no § 7º do art. 159 da Lei nº 6.404/1976, tem como finalidade reparar o dano experimentado não pela companhia, mas pelo próprio acionista ou terceiro prejudicado, isto é, o dano direto causado ao titular de ações societárias ou a terceiro por ato do administrador ou dos controladores. Não de-pende a ação individual de deliberação da assembleia geral para ser proposta. 6. É parte ilegítima para ajuizar a ação individual o acionista que sofre prejuízos apenas indiretos por atos praticados pelo administrador ou pelos acionistas controladores da sociedade anônima. 7. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1214497/RJ – 4ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – Rel. p/ Ac. Min. Raul Araújo – J. 23.09.2014 – DJe 06.11.2014)

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JurisprudênciaPenal

STFSupremo Tribunal Federal

04.11.2014 Segunda TurmaHabeas Corpus nº 113.900 – São PauloRelator: Min. Teori ZavasckiPacte.(s): Mário SilvaImpte.(s): Defensoria Pública do Estado de São PauloProc.(a/s)(es): Defensor Público-Geral do Estado de São PauloCoator(a/s)(es): Superior Tribunal de Justiça

EMENTA

HABEAS CORPUS – PeNAl – roubo CirCuNstANCiAdo e eXtorsão mAjorAdA PrAtiCAdos NAs mesmAs CirCuNstÂNCiAs FÁtiCAs – CoNCurso mAteriAl

– CoNtiNuidAde delitivA – imPossibilidAde – PreCedeNtes – ordem deNegAdA

1. É clássica a jurisprudência desta Corte no sentido de que os delitos de roubo e de extorsão praticados mediante condutas autônomas e subsequentes (a) não se qualificam como fato típico único; e (b) por se tratar de crimes de espécies distintas, é inviável o reconhecimento da continuidade delitiva (CP, art. 71). Precedentes.

2. Ordem denegada.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Teori Zavascki, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigrá-ficas, por unanimidade, em denegar a ordem, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 4 de novembro de 2014.

Ministro Teori Zavascki Relator

RELATÓRIO

O Senhor Ministro Teori Zavascki (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça que denegou a ordem no HC 162.862/SP.

Consta dos autos, em síntese, que (a) o paciente foi condenado à pena de 5 anos, 8 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado, pela prá-tica do crime de roubo circunstanciado (art. 157, § 2°, I, II e V, do CP); (b) o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu parcial provimento ao apelo da acusação e condenou o paciente também pelo crime de extorsão (art. 158, § 1º, do CP), fixando a reprimenda final em 11 anos de reclusão; (c) inconfor-mada, a defesa impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem, em acórdão assim ementado:

“[...] 1. Para distinguir o concurso material do concurso formal, é impres-cindível verificar se o Agente praticou uma ou mais ações, e se atingiu uma ou mais vítimas, com patrimônios únicos ou diversos. In casu, as instâncias ordinárias – soberanas na análise fático-probatória – concluíram que, em-bora somente uma vítima tenha sido lesada, a ação não foi única. Por isso, deve entender-se que as condutas foram praticadas em concurso material.

2. A continuidade delitiva é uma ficção jurídica que beneficia o agente, segundo a qual vários delitos cometidos são entendidos como desdobra-mento do primeiro, conforme o preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos.

3. Não há como reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de rou-bo e extorsão, pois são infrações penais de espécies diferentes, que têm definição legal autônoma e assim devem ser punidos. Precedentes.

4. Ordem de habeas corpus denegada.”

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Neste habeas corpus, a impetrante sustenta, em suma, que (a) não está caracterizado o crime de extorsão, pois se trata de uma única conduta prati-cada com violência ou grave ameaça contra a mesma vítima, configuradora apenas do crime de roubo; (b) caso não acolhida a tese de crime único, é possível o reconhecimento da continuidade delitiva, com aplicação da fração mínima de 1/6 prevista no art. 71 do Código Penal.

Requer, ao final, a concessão da ordem, para que seja excluída a conde-nação pela prática do delito de extorsão e, subsidiariamente, reconhecida a prática de crime continuado.

Em parecer, a Procuradoria-Geral da República manifesta-se pela de-negação da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Senhor Ministro Teori Zavascki (relator): 1. Sem razão a impetrante sobre a alegação de ocorrência de crime único. No caso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento da apelação, reconheceu a existência de duas condutas autônomas praticadas pelo paciente, aptas a caracterizar os delitos de roubo circunstanciado (art. 157, § 2°, I, II e V, do CP) e de extorsão majorada (art. 158, § 1º, do CP), em concurso material (art. 69 do CP). Veja-se a fundamentação:

“Com efeito, restou provado, suficientemente, que os apelantes cometeram um roubo triplamente qualificado pelo concurso de agentes, emprego de arma de fogo e restrição de liberdade da vítima, e uma extorsão qualifica-da. Segundo os seguros e convincentes elementos de convicção, eles, me-diante emprego de armas de fogo, agindo em conjunto e com identidade de propósitos, com o auxílio do adolescente Edmilson Alves da Silva (faleci-do), abordaram o ofendido que trafegava em seu veículo GM/Kadett, pela via pública. Ocorre que, David entrou na frente de seu carro, obrigando-o a parar.

Neste momento, foi rendido por Mário e pelo menor, que empunhavam re-vólveres. Logo surgiram mais pessoas, sendo que três indivíduos adentra-ram em seu veículo e obrigaram-no a permanecer abaixado junto ao assoa-lho, sob a mira de arma de fogo. Levaram-no até uma casa, onde cobriram sua cabeça, e o impeliram a fornecer-lhes a senha de sua conta bancária.

Permaneceu por duas horas detido naquele local e pode perceber que eram seis os agentes criminosos, sendo que um deles era uma mulher, que aten-dia pelo nome de Raquel.

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Passado este período, quatro bandidos que tentaram efetuar o saque ban-cário retornaram, afirmando que a senha fornecida pelo ofendido estava errada. Resolveram transportá-lo para outro cativeiro. Desta feita, a vítima fora colocada no portamalas do carro e levada até um matagal, onde fora amarrada em uma árvore, sob a promessa de retornarem, depois de uma hora, para matá-la.Entretanto, o ofendido conseguiu desatar as amarras e se livrar. [...]A vítima sempre apresentara declarações seguras, coerentes e convincen-tes, pormenorizando o ocorrido, confirmando a decisiva participação dos réus no delito, afirmando que eram seis os criminosos e que sofrera grave ameaça, com emprego de arma de fogo. Ressaltou que, restringiram sua liberdade, mantendo-a presa em cativeiro. [...]Obrigaram-no a fornecer sua senha bancária, e pretendiam matá-lo, após a efetivação do saque em dinheiro. Subtraíram seu relógio de pulso, carteira contendo documentos, talão de cheques, cartões bancário e de crédito, e seu veículo GM/Kadett.[...]Portanto, houve a configuração tanto do roubo triplamente qualificado quanto da extorsão qualificada. A extorsão, crime formal, ficou caracteri-zada pelas graves ameaças feitas ao ofendido, que se viu obrigado a forne-cer sua senha bancária aos indigitados, após já ter sido despojado de seus bens. Caracterizadas, também, as qualificadoras, eis que houve concurso de agentes, emprego de arma de fogo e restrição da liberdade da vítima.Efetivamente, o roubo ocorreu dentro de uma determinada realidade fá-tica, e a extorsão, noutra. Tais crimes são definidos, de modo autônomo, não são da mesma espécie, havendo diferenças substanciais entre eles, não se admitindo, portanto, eventual continuidade delitiva ou concurso ideal” (vol. 3 – fls. 29-36).

Verifica-se na doutrina que a principal diferença entre as duas figuras delituosas reside no fato de que na extorsão a participação da vítima é con-dição para que o crime seja praticado; ou seja, o apoderamento do objeto material depende da conduta da vítima. No roubo, o crime ocorrerá indepen-dentemente de uma ação ou omissão do sujeito passivo. A entrega do bem não pode ser considerada ato livremente voluntário, tornando tal conduta de nenhuma importância no plano jurídico. A entrega pode ser dispensada pelo autor do fato (cf. JESUS, Damásio de. Código Penal anotado. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 736).

Foi o que ocorreu no caso dos autos: a prática dos dois crimes. Confor-me se depreende do acórdão impugnado, num primeiro momento, os agen-

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tes subtraíram o veículo da vítima (roubo) e, depois de levá-la a um cativeiro, passaram a constrangê-la com o intuito de obterem vantagem econômica, exi-gindo dela o número da senha bancária, no que foram atendidos (extorsão). Noutras palavras, ao constranger a vítima a fornecer os dados bancários, os executores dos crimes não pretendiam consolidar a vantagem econômica do crime de roubo, porquanto esta já havia se concretizado com a subtração do veículo. Buscavam, em rigor, agravar a lesão patrimonial da vítima com a prática de outro delito: a extorsão.

A propósito da controvérsia, é clássica a jurisprudência desta Corte no sentido de que os crimes de roubo e de extorsão praticados nessas circunstân-cias não constituem crime único e devem ser punidos em concurso material. Nesse sentido, os seguintes julgados:

“[...] entendo que não há como prosperar a tese de crime único sustentada pela defesa, uma vez que o paciente, após roubar o carro da vítima, obri-gou-a a fornecer a senha de cartão bancário, bem como a assinar talonário de cheques em branco, fatos que se amoldam aos crimes de roubo e extor-são, praticados em concurso material”.

(excerto do voto: HC 106433, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 13.04.2011)

“1. Apesar da eventual dificuldade, em casos práticos, da distinção entre roubo e extorsão, havendo condutas autônomas, inviável o reconhecimen-to de crime único.”

(RHC 112676, Relª Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe de 12.09.2012)

“1. Ocorre concurso material de delitos quando o agente pratica na mesma oportunidade fática, mediante ações imediatamente subsequentes, os cri-mes de extorsão mediante sequestro e de roubo; estes crimes são da mesma natureza, mas não são da mesma espécie; têm definição autônoma e assim devem ser punidos. Precedentes.” (HC 74528, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 13.12.1996)

No mesmo sentido, entre outros: RE 104.063, Rel. Moreira Alves, Se-gunda Turma, DJ 17.05.1985; HC 69810, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, DJ 18.06.1993.

2. Não prospera, ainda, a argumentação do crime continuado. Há precedentes de ambas as Turmas desta Corte no sentido “de não reconhe-cer a continuidade delitiva entre os crimes de roubo e de extorsão, na me-dida em que, embora inseridos no rol dos delitos contra o patrimônio, são

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de espécies distintas” (HC 106433, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Tur-ma, DJe 13.04.2011). No mesmo sentido: HC 71174, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, DJ 18.06.1993; RvC 5345, Relator(a): Néri da Silveira, Tri-bunal Pleno, DJ 01.03.2002; HC 69810, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, DJ 18.06.1993; HC 75234 Rel. Min. Sydney Sanches, Primeira Tur-ma, DJ de 05.09.$1997; RHC 112676, Relª Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe de 12.09.2012; HC 74528, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 13.12.1996; HC 57564, Rel. Min. Cordeiro Guerra, Segunda Turma, DJ 28.03.1980, esse último assim ementado:

“Para que se reconheça o nexo de continuidade é imprescindível que os delitos sejam da mesma espécie. Os crimes de roubo e extorsão, definidos autonomamente, são da mesma natureza, mas não são da mesma espécie, no sentido absoluto. Concurso material de delitos, e não crime continuado, bem reconhecido. HC indeferido.”

3. Pelo exposto, denego a ordem de habeas corpus. É o voto.

SEGUNDA TURMA EXTRATO DE ATA

Habeas Corpus nº 113.900Proced.: São PauloRelator: Min. Teori ZavasckiPacte.(s): Mário SilvaImpte.(s): Defensoria Pública do Estado de São PauloProc.(a/s)(es): Defensor Público-Geral do Estado de São PauloCoator(a/s)(es): Superior Tribunal de Justiça

Decisão: A Turma, por votação unânime, denegou a ordem, nos termos do voto do Relator, 2ª Turma, 04.11.2014.

Presidência do Senhor Ministro Teori Zavascki. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.

Subprocuradora-Geral da República, Dra. Deborah Duprat.

Ravena Siqueira Secretária

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STJSuperior Tribunal de JuSTiça

Habeas Corpus nº 302.274 – RJ (2014/0213704-3)

Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura

Impetrante: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

Advogado: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Paciente: Carlos Jose Benguela da Silva (Preso)

EMENTA

HABEAS CORPUS – eXeCução PeNAl – visitAs PeriódiCAs Ao lAr – Art. 123, iii, dA lei Nº 7.210/1984 – deFerimeNto

Pelo juÍZo dAs eXeCuçÕes – iNterPosição de AgrAvo em eXeCução – viA iNdevidAmeNte utiliZAdA em substituição A reCurso esPeCiAl – AusÊNCiA de

ilegAlidAde mANiFestA – Não CoNHeCimeNto1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego

do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial.

2. Hipótese em que não há flagrante ilegalidade a ser reconhecida. A progressão ao regime semiaberto não traz como consequência automática o deferimento da benesse relativa às visitas periódicas ao lar, necessitando, para tanto, que o apenado satisfaça os requisitos elencados no art. 123 da Lei nº 7.210/1984. In casu, o Tribunal a quo indeferiu o pleito fundamentadamente, eis que entendeu incompatível a benesse com os objetivos da reprimenda, em atenção ao inciso III do mencionado dispositivo legal.

3. Habeas corpus não conhecido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Sexta Turma, por unanimidade, não conheceu da ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior (Presi-dente), Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro e Ericson Maranho (Desembar-gador convocado do TJ/SP) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 06 de novembro de 2014 (data do Julgamento).

Ministra Maria Thereza de Assis Moura Relatora

RELATÓRIO

Ministra Maria Thereza De Assis Moura (Relatora):

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Carlos José Benguela da Silva, apontando como autoridade coatora o Tribu-nal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Agravo em Execução nº 0002220-78.2014.8.19.0000).

Depreende-se dos autos que o paciente encontra-se cumprindo pena de 15 (quinze) anos de reclusão pela prática dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor com violência presumida contra a sua enteada, com térmi-no da pena previsto para 26.09.2023, tendo sido deferida a progressão para o regime semiaberto em 17.08.2012.

Posteriormente, a defesa pleiteou a concessão de benefícios extramu-ros, dentre eles, a visita periódica ao lar, tendo sido o mesmo deferido nos seguintes termos (fls. 8/9):

A despeito da percuciente análise procedida pelo órgão ministerial, o que se vê é que não há qualquer óbice concreto à concessão da saída temporá-ria para visita periódica ao lar ao apenado neste momento, na medida em que ele preenche o requisito objetivo necessário, ostentando ainda índice de comportamento carcerário “excepcional”, não tendo praticado qualquer falta grave nos últimos dois anos.

Com efeito, os documentos acostados às fls. 282/290 e 324 não indicam qualquer impedimento de ordem social ou prática para a obtenção desta autorização de saída.

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Diante do exposto, estando devidamente instruído o requerimento e pre-sentes os requisitos legais, com arrimo nos arts. 122, I, e 123, da LEP, conce-do ao apenado em epígrafe autorização para saídas extramuros para visita-ção periódica à família, sem pernoite a ser realizada duas vezes por mês, de modo a não embaraçar eventual atividade laborativa, bem assim por oca-sião de seu aniversário, na Páscoa, nos dias nomeados das mães e dos pais, no Natal e nas festividades do Ano Novo, até o limite ânuo de 35 (trinta e cinco) saídas, cujas saídas se darão a partir das 06:00 horas, com retorno até às 22:00 horas do mesmo dia, exceção feita ao Natal, quando a saída se dará a partir das 06:00 horas do dia 24, e o retorno até às 22:00 horas do dia 25, e aos festejos do Ano Novo, quando a saída se dará no dia 31 de dezembro, e o retorno no dia 01 de janeiro, com o mesmo horário de saída e retorno.

Não sendo obedecidos o horário e data de retorno da saída temporária, ficam automaticamente canceladas as autorizações para as saídas subse-quentes.

Oficie-se para cumprimento.

Contra essa decisão, o Ministério Público interpôs agravo em execução, tendo a Corte local, por unanimidade de votos, dado provimento ao recurso para cassar a decisão que havia concedido a visita periódica à família, o que fez pelos seguintes fundamentos (fls. 44/46):

Atendidos os requisitos de admissibilidade do recurso, impõe-se o seu co-nhecimento. No mérito, assiste razão ao agravante.

A progressão para o regime semiaberto não implica na automática con-cessão dos benefícios previstos nos art. 122 da LEP, tendo em conta a ob-servância da reinserção gradativa do apenado ao convívio social. E, nesse contexto, impossível desprender de tal análise o montante da condenação ainda a cumprir, considerando ser este o primeiro balizamento a revelar, sob a ótica contrária, a necessidade da segregação.

Ademais, os objetivos da pena não se limitam tão somente a um caráter ressocializador; possuem também um viés preventivo e retributivo, todos insertos no disposto no art. 123, III, da LEP.

No mesmo sentido:

[...]

No caso em análise, o apenado foi condenado a um total de 15 (quinze) anos de reclusão por crimes sexuais praticados contra sua própria enteada, menor de quatorze anos, tendo sido concedida a progressão de regime a

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contar de 17.08.2012, com data prevista para o término do cumprimento da pena em 26.09.2023 (doc. nº 53 – fl. 57).

Apesar de o apenado ostentar comportamento carcerário considerado ex-cepcional (doc. nº 44) e o relatório social ser favorável (doc. nº 58), a me-dida não é recomendada diante da gravidade dos delitos cometidos e do restante de pena a ser cumprida (cerca de onze anos, conforme cálculo de pena – doc. nº 56), mostrando-se prematura a concessão do benefício neste momento, podendo, inclusive, servir de estímulo a eventual evasão.

Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso ministerial para cassar a decisão que concedeu o benefício de visita periódica à família.

Aduz o impetrante que o acórdão ora impugnado importou em grave constrangimento ilegal ao paciente, razão pela qual deve ser reformado.

Aponta que a suposta gravidade do delito praticado e a quantidade de pena a cumprir não são parâmetros aptos a impedir a concessão de benesses ao paciente, que efetivamente preencheu os requisitos previstos em lei.

Conclui, assim, que o Tribunal de origem criou requisito não previsto em lei, em total afronta ao princípio da legalidade.

Salienta que são apenas três os requisitos previstos em lei para a con-cessão de visita periódica ao lar, quais seja, o cumprimento do lapso temporal (requisito objetivo), o atestado de bom comportamento carcerário e a compa-tibilidade do benefício com os objetivos da pena (notadamente o de ressocia-lização do apenado), todos devidamente aferidos pelo Juízo a quo.

Dessarte, entende fazer jus ao restabelecimento do benefício de visitas periódicas.

Requer, liminarmente e no mérito, o restabelecimento da decisão do Juízo das Execuções que havia deferido o benefício de visitação periódica ao lar ao paciente.

Pleiteia, ainda, a intimação pessoal do representante da Defensoria Pú-blica para a sessão de julgamento do writ.

O presente mandamus foi distribuído à minha relatoria por prevenção ao HC 178.686/RJ.

O pedido de medida liminar foi indeferido às fls. 51/53.

As informações solicitadas vieram aos autos.

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Com vista dos autos, manifestou-se o Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Subprocuradora-Geral da República Raquel Elias Ferreira Dodge, pela denegação da ordem (fls. 97/101).

É o relatório.

EMENTA

HABEAS CORPUS – eXeCução PeNAl – visitAs PeriódiCAs Ao lAr – Art. 123, iii, dA lei Nº 7.210/1984 – deFerimeNto

Pelo juÍZo dAs eXeCuçÕes – iNterPosição de AgrAvo em eXeCução – viA iNdevidAmeNte utiliZAdA em substituição A reCurso esPeCiAl – AusÊNCiA de

ilegAlidAde mANiFestA – Não CoNHeCimeNto1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego

do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial.

2. Hipótese em que não há flagrante ilegalidade a ser reconhecida. A progressão ao regime semiaberto não traz como consequência automática o deferimento da benesse relativa às visitas periódicas ao lar, necessitando, para tanto, que o apenado satisfaça os requisitos elencados no art. 123 da Lei nº 7.210/1984. In casu, o Tribunal a quo indeferiu o pleito fundamentadamente, eis que entendeu incompatível a benesse com os objetivos da reprimenda, em atenção ao inciso III do mencionado dispositivo legal.

3. Habeas corpus não conhecido.

VOTO

Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora):

Busca a presente impetração a concessão ao Paciente do direito à visita periódica ao lar.

De início, cumpre registrar a compreensão firmada nesta Corte, sinto-nizada com o entendimento do Pretório Excelso, de que se deve racionalizar o emprego do habeas corpus, valorizando a lógica do sistema recursal. Nesse sentido:

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HABEAS CORPUS – JULGAMENTO POR TRIBUNAL SUPERIOR – IM-PUGNAÇÃO – A teor do disposto no art. 102, inciso II, alínea a, da Cons-tituição Federal, contra decisão, proferida em processo revelador de habeas corpus , a implicar a não concessão da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do substitutivo do habeas corpus . PRO-CESSO-CRIME – DILIGÊNCIAS – INADEQUAÇÃO. Uma vez inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na condução do processo, indeferi-las. (HC 109956, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Pri-meira Turma, Julgado em 07.08.2012, Processo Eletrônico DJe-178 Divulg. 10.09.2012; Public. 11.09.2012)

É inadmissível que se apresente como mera escolha a interposição de recurso ordinário, do recurso especial/agravo de inadmissão do REsp ou a impetração do habeas corpus. É imperioso promover-se a racionalização do emprego do mandamus , sob pena de sua hipertrofia representar verdadeiro índice de ineficácia da intervenção dos Tribunais Superiores. Inexistente cla-ra ilegalidade, não é de se conhecer da impetração.

Passa-se, então, à verificação da ocorrência de patente ilegalidade.

Sobre a benesse das visitas periódicas ao lar e os pressupostos para a sua obtenção, confiram-se os requisitos estipulados no art. 123 da Lei nº 7.210/1984, o qual aborda o tema acerca das saídas temporárias, in verbis:

Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execu-ção, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e depen-derá da satisfação dos seguintes requisitos:

I – comportamento adequado;

II – cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;

III – compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

Nesse âmbito, convém trazer à baila o dito pelo Juízo das Execuções ao deferir o pleito. Eis o decisum (fls. 8/9):

A despeito da percuciente análise procedida pelo órgão ministerial, o que se vê é que não há qualquer óbice concreto à concessão da saída temporá-ria para visita periódica ao lar ao apenado neste momento, na medida em que ele preenche o requisito objetivo necessário, ostentando ainda índice de comportamento carcerário “excepcional”, não tendo praticado qualquer falta grave nos últimos dois anos.

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Com efeito, os documentos acostados às fls. 282/290 e 324 não indicam qualquer impedimento de ordem social ou prática para a obtenção desta autorização de saída.

Diante do exposto, estando devidamente instruído o requerimento e pre-sentes os requisitos legais, com arrimo nos arts. 122, I, e 123, da LEP, conce-do ao apenado em epígrafe autorização para saídas extramuros para visita-ção periódica à família, sem pernoite a ser realizada duas vezes por mês, de modo a não embaraçar eventual atividade laborativa, bem assim por oca-sião de seu aniversário, na Páscoa, nos dias nomeados das mães e dos pais, no Natal e nas festividades do Ano Novo, até o limite ânuo de 35 (trinta e cinco) saídas, cujas saídas se darão a partir das 06:00 horas, com retorno até às 22:00 horas do mesmo dia, exceção feita ao Natal, quando a saída se dará a partir das 06:00 horas do dia 24, e o retorno até às 22:00 horas do dia 25, e aos festejos do Ano Novo, quando a saída se dará no dia 31 de dezembro, e o retorno no dia 01 de janeiro, com o mesmo horário de saída e retorno.

Não sendo obedecidos o horário e data de retorno da saída temporária, ficam automaticamente canceladas as autorizações para as saídas subse-quentes.

Oficie-se para cumprimento.

Contra essa decisão, o Ministério Público interpôs agravo em execução, tendo a Corte local, por unanimidade de votos, dado provimento ao recurso para cassar a decisão que havia concedido a visita periódica à família, o que fez pelos seguintes fundamentos (fls. 44/46):

Atendidos os requisitos de admissibilidade do recurso, impõe-se o seu co-nhecimento. No mérito, assiste razão ao agravante.

A progressão para o regime semiaberto não implica na automática con-cessão dos benefícios previstos nos art. 122 da LEP, tendo em conta a ob-servância da reinserção gradativa do apenado ao convívio social. E, nesse contexto, impossível desprender de tal análise o montante da condenação ainda a cumprir, considerando ser este o primeiro balizamento a revelar, sob a ótica contrária, a necessidade da segregação.

Ademais, os objetivos da pena não se limitam tão somente a um caráter ressocializador; possuem também um viés preventivo e retributivo, todos insertos no disposto no art. 123, III, da LEP.

No mesmo sentido:

[...]

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No caso em análise, o apenado foi condenado a um total de 15 (quinze) anos de reclusão por crimes sexuais praticados contra sua própria enteada, menor de quatorze anos, tendo sido concedida a progressão de regime a contar de 17.08.2012, com data prevista para o término do cumprimento da pena em 26.09.2023 (doc. nº 53 – fl. 57).

Apesar de o apenado ostentar comportamento carcerário considerado ex-cepcional (doc. nº 44) e o relatório social ser favorável (doc. nº 58), a me-dida não é recomendada diante da gravidade dos delitos cometidos e do restante de pena a ser cumprida (cerca de onze anos, conforme cálculo de pena – doc. nº 56), mostrando-se prematura a concessão do benefício neste momento, podendo, inclusive, servir de estímulo a eventual evasão.

Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso ministerial para cassar a decisão que concedeu o benefício de visita periódica à família.

As benesses inerentes à execução penal somente são deferidas de for-ma progressiva, comungando do mesmo escopo dos regimes carcerários. Ao magistrado a quo cabe a análise da aptidão do apenado para a concessão de um dado benefício.

Desse modo, a visita periódica ao lar não deve ser deferida de forma automática, conjuntamente com a progressão ao regime semiaberto. Neces-sário se faz o exame acerca do preenchimento, por parte do apenado, dos pressupostos previstos em lei, atentando-se para a razão maior das benesses na execução criminal, que consiste na readaptação do condenado à vida em sociedade.

No caso, verifica-se que o Tribunal de origem indeferiu a visita perió-dica ao lar fundamentando adequadamente o decisum no requisito estipulado no inciso III do art. 123 da Lei de Execuções Penais, visto que não constatou a compatibilidade de tal deferimento com o objetivo da reprimenda. A mim me parece, portanto, correta a decisão do Tribunal a quo.

Nesse sentido, vejam-se os seguintes precedentes desta Corte:

HABEAS CORPUS – VISITAS PERIÓDICAS AO LAR – PROGRESSÃO PARA REGIME SEMIABERTO – NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUI-SITOS DO ART. 123, III, DA LEI Nº 7.210/1984 – ANÁLISE FUNDAMEN-TADA PELO JUÍZO DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS – CONSTRAN-GIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO

1. Paciente ainda não preenche o requisito previsto no art. 123, III, da Lei nº 7.210/1984, sendo irrelevante para a concessão de visitas periódicas ao lar a progressão ao regime semiaberto, quando ausentes outras exigências.

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2. Decisão do Juízo da Vara de Execuções Penais suficientemente motiva-da, entendendo corretamente acerca da incompatibilidade do benefício com os objetivos da pena, uma vez que as benesses devem ser concedidas de forma progressiva à medida que o apenado vá demonstrando estar apto à concessão de benefícios.

3. Ordem denegada.

(HC 143.409/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, Julgado em 15.12.2009, DJe 22.02.2010)

PENAL – PROGRESSÃO DE REGIME – FECHADO PARA SEMI-ABERTO – SAÍDAS E TRABALHO EXTERNO – VERIFICAÇÃO DE REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DA CONDUTA DO APENADO

1. O deferimento de progressão do regime fechado para o semi-aberto não determina, automaticamente, sejam asseguradas ao apenado regalias como visitas ao lar e trabalho externo, pois são benefícios que demandam análise de requisitos objetivos e subjetivos da sua conduta, não aferíveis, aliás, em sede de habeas corpus.

2. Ordem denegada.

(HC 15502/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Sexta Turma, Julgado em 03.05.2001, DJ 04.06.2001, p. 259)

À vista disso, não conheço do habeas corpus.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEXTA TURMA

Número Registro: 2014/0213704-3 HC 302.274/RJ

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 00022207820148190000 01375248520108190001 1375248520108190001 20060500001560 22207820148190000

Em Mesa Julgado: 06.11.2014

Relatora Exma. Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura

Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior

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Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira

Secretário Bel. Eliseu Augusto Nunes de Santana

AUTUAÇÃO

Impetrante: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

Advogado: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Paciente: Carlos Jose Benguela da Silva (Preso)

Assunto: Direito Processual Penal – Execução penal

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Sexta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Sexta Turma, por unanimidade, não conheceu da ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior (Presidente), Rogerio Schiet-ti Cruz, Nefi Cordeiro e Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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TrF 2ª r.Tribunal regional Federal da 2ª região

V – Apelação Criminal 2011.51.08.000195-2 Nº CNJ: 0000195-09.2011.4.02.5108Relator: André FontesEmbargante: Edesio Amaral FilhoAdvogado: Racina Lima dos Santos FilhoEmbargado: Acórdão de fls. 297-298Apelante: Edesio Amaral FilhoAdvogado: Racine Lima dos Santos FilhoApelado: Ministério Público FederalOrigem: 1ª Vara Federal de São Pedro da Aldeia (201151080001952)

EMENTA

direito PeNAl e ProCessuAl PeNAl – embArgos de deClArAção – Art. 304 do Código PeNAl – CoNtrAdiçÕes APAreNtes – iNdeFerimeNto

de ProvA – Crime imPossÍvelI – Se não está caracterizado qualquer vício formal no voto

condutor, por ocasião da apreciação das teses defensivas, relativas à afirmado cerceamento defesa decorrente do indeferimento de prova e à ocorrência de crime impossível, de rigor é o desprovimento dos embargos de declaração.

II – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Membros da 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, à unanimidade, desprover os embargos de declaração,

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nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante deste julga-do. Votaram ainda os Desembargadores Simone Schreiber e Messod Azulay Neto. O Procurador Regional da República, Vagner Leão da Costa, em sessão de julgamento, apresentou o Ministério Público.

Rio de Janeiro, 4 de novembro de 2014 (data do Julgamento).

André Fontes Relator Desembargador do TRF 2ª Região

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração interpostos por Edesio Amaral Filho, de v. acórdão de fls. 297-298, assim ementado:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL – USO DE DOCUMENTO FALSO – ART. 304 DO CÓDIGO PENAL – PRESCRIÇÃO RETROATIVA – NÃO OCORRÊNCIA – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVA-DAS – DOLO CONFIGURADO – RECURSO DESPROVIDO

I – É permitido ao juiz indeferir a produção de provas que sejam evidente-mente desnecessárias ou impertinentes, desde que fundamente a decisão, não sendo o simples indeferimento de oitiva de testemunha ou de realiza-ção de acareação causa de nulidade.

II – Fixada a pena em 2 (dois) anos de reclusão e verificado entre a data dos fatos (21.01.2010) e o recebimento da denúncia (11.02.2011), bem como entre essa data e a publicação da sentença penal condenatória (06.12.2013) que não transcorreu lapso temporal superior a quatro anos, deve ser afasta-da a alegação de ocorrência da prescrição da pretensão punitiva pela pena em concreto.

III – Comprovado que o réu utilizou, efetivamente, certificado de compe-tência falsificado, com o objetivo de obter a sua renovação com habilitação idônea ao comando de meios de transporte marítimo de dimensões supe-riores àqueles a que estava capacitado, estando plenamente consciente de sua inautenticidade, resta configurado o tipo penal previsto no art. 304 do Código Penal.

IV – À luz do princípio do livre convencimento motivado, vigente em nos-so sistema processual, o juiz forma sua convicção por meio da livre apre-ciação da prova.

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V – O dolo do delito do art. 304 do Código Penal consubstancia-se no co-nhecimento do agente acerca da inautenticidade do documento.

VI – Se a pena pecuniária fixada em substituição à pena privativa de liber-dade guarda proporcionalidade à gravidade dos fatos, bem como à condi-ção socioeconômica do acusado, atendendo aos preceitos do art. 45, § 1º, do Código Penal, nada há a ser reparado.

VII – Recurso desprovido.

Nas razões do recurso, de fls. 309-312, sustenta o embargante que “o R. Acórdão não abordou teses do recurso de apelação, que merecem e de-vem ser avaliadas, na medida em que o Recorrente foi severamente punido pela sentença, sem que contudo fossem levados em consideração seus argu-mentos, como se segue: O depoimento da testemunha de defesa, Elizabeth, fls. 210, asseverou que ‘a adulteração não são suficientes para ludibriar ou possibilitar o comando de uma embarcação sendo mais importantes os ca-rimbos e anotações não há como o crime se consumar pois os órgãos são conhecedores da verdadeira regra’”.

Assim, sobre a aventada tese de crime impossível, a partir da referida prova testemunhal, conclui que “o Respeitável Acórdão não se pronunciou a respeito deste tema. A Capitania dos Portos possui Arquivo com toda a vida funcional do Acusado, que possui trinta anos no comando de embarcações, em como a anotação pó si só, não elide e não é suficiente para enganar a Ca-pitania, pois todos os cursos e efetivamente a categoria do Acusado estão no verso da carta. Sem estas informações, não é possível enganar o responsável da forma como se quer fazer crer”.

Noutro prisma, sobre o indeferimento de prova, assevera que “segun-do narra a testemunha de Acusação, o fala do Acusado teria ocorrido a por-tar fechadas, sem mais ninguém presenciando, o que torna a prova passível de uma ratificação ou confirmação. A defesa rogou que o depoimento era contraditório, e pretendia provar o mesmo, por intermédio de nova oitiva ou acareação. um depoimento a portar fechadas, não pode ser absoluto para condenar um profissional com décadas de serviços, sem que nunca tenha tido nenhuma mancha. Se é a única testemunha e o depoimento foi a portas fechadas, e a Testemunha foi imediato abaixo do Acusado, deve-se trabalhar com a hipótese picuinha”.

Para, conclusivamente, aduzir que “os presentes Embargos, tem como cerne o depoimento da testemunha de defesa, que afirma com clareza que a

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adulteração constatada na carta não é suficiente para se conseguir enganar a Capitania dos Portos. Assim, requer a procedência dos presentes Embargos, para suprir as presentes contradições”.

Contrarrazões do Ministério Público, às fls. 317-230.

É o relatório.

Em mesa, na forma regimental.

Em 04.11.2014.

André Fontes Relator Desembargador do TRF 2ª Região

VOTO

Se não está caracterizado vício formal na apreciação das teses defen-sivas, relativas à afirmado cerceamento defesa decorrente do indeferimento de prova e à ocorrência de crime impossível, de rigor é o desprovimento dos embargos de declaração.

Como abaixo se demonstrará, os vícios formais apontados não estão configurados.

Inicialmente, no que diz respeito à tese de crime impossível, dita no recurso não apreciada, é ver que o voto não deixa dúvidas quanto ao seu correto equacionamento. Sobre esse aspecto, colhe-se o seguinte excerto do voto condutor:

“Dito isso, vê-se que a materialidade é inconteste, sobretudo diante da mi-nuciosa perícia realizada no documento objeto dos presentes autos, a qual constatou a adulteração do documento, revelando sinais de inserção, em momentos distintos, de informações na face da cártula quanto às regras de capacitação do titular. Confira-se o seguinte trecho:

‘Conforme detalhadamente explanado na seção IV – Exames, a Perícia con-cluiu que as regras (capacitações profissionais) “11/3” e “11/2” impressas por tecnologia jato de tinta monocromática preta no Certificado de Com-petência nº 1000006714 foram impressas em momentos distintos. Elas não foram impressas em um único e contínuo momento de impressão’ – fl. 103.

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Não merece prosperar, outrossim, a tese defensiva de atipicidade dos fatos com base em suposta falsificação grosseira, e tampouco no fato da Marinha do Brasil dispor em seus arquivos das informações concernentes à quali-ficação do acusado. Note-se que a servidora da Marinha do Brasil respon-sável pelo recebimento da documentação para renovação do certificado de competência, Elizabeth Pires Barreto de Souza, ao ser ouvida em juízo, de-clarou não ter sido capaz de perceber a inautenticidade do certificado apre-sentado, somente sendo possível concluir pela sua inautenticidade após a realização de perícia grafotécnica, que atestou a falsidade das informações inseridas no documento objeto dos presentes autos (fls. 143-144). Portanto, não se pode classificar o crime como impossível, pois detinha de efetiva potencialidade lesiva a terceiros e à fé pública dos documentos.”

No particular, aliás, foi também o posicionamento da Exma. Revisora, a Desembargadora Simone Schreiber, que sabidamente fez consignar, in verbis:

“Ultrapassada esta questão, verifico, ao compulsar o conjunto fático pro-batório acostado aos autos, que o fato narrado na denúncia ocorreu e foi praticado pelo apelante. A materialidade do delito está comprovada pelo laudo pericial de fls. 93/103, o qual atestou a inserção de informações no documento em momento distintos, referentes às regras de capacitação do réu. Costa no laudo a seguinte conclusão:

‘Em suma, se a linha (região comum) referente à impressão das regras “11/3” e “11/2” tivesse ocorrido de forma contínua e ininterrupta, obri-gatoriamente seria o mesmo sentido de movimentação da cabeça de im-pressão dessas duas regras. Todavia, a ampliação dessas duas capacitações profissionais “11/03” e “11/2” apresentaram sentido opostos de movimen-tação do cabeçote de impressão, Portanto, ocorreram obrigatoriamente em momentos distintos, pois se trata de área comum de impressão.’

Do mesmo modo, consta do laudo pericial a seguinte ressalva acerca de possíveis incongruências nas disposições do verso do certificado:

‘A perícia informa que, apesar da aparente similaridade entre as duas “observações” emolduradas e impressas no verso do Certificado ques-tionado, existem dessemelhanças e características sutis entre elas, tais como: estilo de escrita (diferenças de emprego de espaçamento para os algarismos na escrita das datas, equívoco de uso da palavra “e” ao in-vés de “and”), moldura (moldura simples X moldura dupla); molduras desalinhadas entre si), utilização total X parcial de símbolos no fecha-mento das linhas em branco, dentre outras.’

Em seu interrogatório judicial, às fls. 145/147, o réu confirmou tratar-se de documento adulterado, ao afirmar que ‘reconhece que o documento apre-

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sentado, acostado à fl. 104 possuía adulteração; que só tomou conhecimen-to dessa adulteração no momento do retorno da solicitação da Diretoria de Portos e Costas (DPC)’.

A apresentação do certificado de competência foi feita pelo próprio réu na Capitania dos Portos, fato confirmado em juízo pelo depoimento da servi-dora da Marinha Elizabeth Barreto (fls. 143/144), cujo trecho ora transcre-vo, tal como colacionado na sentença:

[...]

Dessa forma, entendo que restou comprovado nos autos que o apelante ti-nha plena consciência da adulteração do certificado de capacitação, eis que, antes da entrega do documento à Capitania dos Portos, já havia visualiza-do a inserção da regra ‘II/2’ para a qual não está habilitado. Além disso, o fato de o apelante contar com mais três décadas de experiência profissional afasta a possibilidade de o mesmo desconhecer quais habilitações possui, de modo que o dolo para a prática do delito do art. 304 do CP está suficien-temente demonstrado.

A tese concernente à falsificação grosseira e crime impossível também não se sustenta, eis que a adulteração não fora inicialmente detectada pela servidora da Marinha, sendo apurada apenas a pós a solicitação do docu-mento original para complementar a instrução do pedido de renovação da competência, de modo que a conduta praticada demonstrou capacidade de lesar o bem jurídico tutelado.”

Da mesma forma, não encontra amparo a tese relativa à existência de contradição quanto ao indeferimento da prova requerida pela defesa. Nesse passo, é ver que o voto condutor foi explícito e objetivo ao ponderar, ipsis litteris:

“Melhor sorte não assiste à tentativa da defesa de desvalidar as declarações feitas pela testemunha Rodinei Elias, sob o argumento de que encontra-se repleta de contradições. Como asseverado pelo magistrado a quo ‘Obser-vou-se narrativa convicta, na inquirição, do episódio destacado, ocorrido em período anterior ao da apresentação, à Marinha do Brasil, do requeri-mento de renovação do certificado. A exposição circunstanciada, inserida no contexto instrutório reconstituído nestes autos, evidencia que o réu co-nhecia a falsidade da informação constante no título do qual era portador’ – fl. 191.

Ademais, à luz do princípio do livre convencimento motivado, vigente em nosso sistema processual, o juiz forma sua convicção por meio da livre apreciação da prova. O magistrado, no escólio do renomado jurista Moacyr

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Amaral Santos, não obstante aprecie as provas livremente, não segue as suas impressões pessoais, mas tira a sua convicção das provas produzidas, ponderando sobre a qualidade e vis probandi destas; a convicção está na consciência formada pelas provas, não arbitrária e sem peias, e sim condi-cionada a regras jurídicas, a regras de lógica, a regras de experiência, tanto que o juiz deve mencionar na sentença os motivos que a formaram. (In: Prova judiciária no cível e comercial. 3. ed. Saraiva: São Paulo. v. 1, p. 347).”

Dessa feita, e em última análise, se não se perfazem as contradições apontadas, e se o que pretende o embargante é o reexame da matéria efetiva-mente decidida pelo órgão colegiado, a outra conclusão não se pode chegar senão o desprovimento dos embargos de declaração.

É como voto.

Em 04.11.2014.

André Fontes Relator Desembargador do TRF 2ª Região

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EmEntário PEnal

CAlÚNiA

31047 – “Penal. Processual penal. Apelação criminal. Roubo qualificado. Pedido de ab-solvição e insurgência ante o reconhecimento da qualificadora e em face da pena base exacerbada. Subsistência em parte. Condenação mantida e qualificadora caracterizada. Elementos inerentes ao tipo penal não podem ensejar exacerbação da pena base. Proce-dência em parte. Ante as provas nos autos, a condenação resta justificada e verifica-se caracterizada a qualificadora do emprego de arma. Elementos inerentes ao tipo penal não podem ensejar exacerbação da pena base, devendo ser excluídos. Apelo provido em par-te.” (TJAC – Ap 0004483-18.2013.8.01.0001 – (16.356) – C.Crim. – Relª Desª Denise Bonfim – DJe 10.10.2014)

ComPetÊNCiA

31048 – “Penal e processo penal. Conflito negativo de competência. Justiça estadual x justiça federal. 1. Crime de violação de direito autoral. Ausência de afronta a bens, servi-ços ou interesse da União. Ofensa limitada aos interesses dos titulares do direito autoral. 2. Presença de elementos que demonstram a transnacionalidade da conduta. Hipótese do art. 109, V, da CF. 3. Palavra da acusada utilizada de forma isolada para firmar a compe-tência. Possibilidade. Vedação à sua utilização pra firmar juízo condenatório. 4. Conflito conhecido, para declarar a competência do juízo federal da 2ª Vara de Foz do Iguaçu/PR, suscitado. 1. Admitir, de forma peremptória, que todo crime que tenha relação com pro-dutos trazidos de outro país seja da competência da Justiça Federal, independentemente da vulneração imediata, e não meramente reflexa, de bens, serviços e interesses da União, e sem que efetivamente se verifique a transnacionalidade da conduta, desvirtuaria a com-petência fixada constitucionalmente. 2. Apesar de o crime de violação de direito autoral violar, em regra, apenas o interesse particular, não se tratando, portanto, de hipótese de violação a bens, serviços e interesses da União, tem-se que a nota de transnacionalida-de presente no caso concreto determina a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso V, da Constituição Federal. 3. É possível extrair-se do depoimento da acu-sada as circunstâncias do delito, aptas a esclarecer suas nuances, desde que referidos ele-mentos não sejam utilizados, de forma isolada, para firmar juízo condenatório. Dessa for-ma, não há óbice à sua utilização para firmar a competência. 4. Conheço do conflito para declarar a competência do Juízo Federal da 2ª Vara de Foz do Iguaçu da Seção Judiciária do Paraná, o suscitado.” (STJ – CC 125.527 – (2012/0236968-0) – 3ª S. – Rel. Min. Walter de Almeida Guilherme – DJe 24.10.2014)

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CorruPção PAssivA

31049 – “Processo penal. Embargos de declaração. Corrupção passiva. Perda de cargo público. Art. 92, do Código Penal. Aposentadoria superveniente. Exame da prova. Ine-xistência de contradição, omissão e obscuridade. 1. Cabível a cassação da aposentadoria como consectário da condenação criminal em caso de policial militar condenado por cor-rupção passiva durante o exercício do cargo. 2. Os temas ventilados nos Embargos foram devidamente analisados pelo Colegiado, não se fazendo presente nenhuma das hipóte-ses elencadas no art. 619 do Diploma Processual, porquanto não há obscuridade, contra-dição e muito menos omissão no acórdão hostilizado.” (TRF 4ª R. – EDcl-ACr 0002364-34.2008.404.7107/RS – 7ª T. – Relª Desª Fed. Cláudia Cristina Cristofani – DJe 23.10.2014)

Crime de redução de trAbAlHAdor à CoNdição

ANÁlogA à de esCrAvo

31050 – “Penal e processual penal. Crimes de redução de trabalhador à condição análoga à de escravo (art. 149/CP). Lesão corporal de natureza grave (CP, art. 129, § 1º, II) e porte de arma de fogo (art. 14 da Lei nº 10.826/2003) prova da materialidade e da autoria. Pena mantida. Devolução de armas e motosserra. Impossibilidade. Inexistência de registro e de licença. Apelação desprovida. 1. Impossibilidade de redução da pena-base ao mínimo le-gal, à medida que foram detectadas, em desfavor do réu, circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, o que torna razoável a manutenção da pena, arbitrada numa graduação mediana. 2. A aplicação da pena cumulativa de multa independe da condição econômico--financeira do réu, à medida que possui caráter de sanção penal. 3. Razoável facultar ao Juízo da Execução a averiguação da real condição econômico-financeira do apenado, com vistas ao acolhimento do pedido de redução da pena de multa, a fim de possibilitar o seu regular cumprimento. 4. Manutenção da decisão que Decretou a perda das armas de fogo e da moto-serra em favor da União, porquanto, em relação às armas, os registros provisó-rios para o porte venceram nos dias 28 e 29 de março de 2010. Quanto à moto-serra, não foi apresentada a licença para o seu uso, nos termos do art. 45 da Lei nº 4.771/1965 com a redação dada pela Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989, vigente à época dos fatos. 5. Ape-lação desprovida.” (TRF 1ª R. – ACr 0001762-33.2012.4.01.3600/MT – Rel. Juiz Fed. Conv. Pablo Zuniga Dourado – DJe 23.10.2014)

deNuNCiAção CAluNiosA

31051 – “Apelação criminal. Denunciação caluniosa. Absolvição. Insuficiência de provas. Não verificação. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Redução da pena. Substi-tuição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Cabimento. Transação penal. Cabível somente nos crimes de menor potencial ofensivo. 1. Resultando, das provas dos autos, a certeza da conduta ilícita da processada, pertinente ao crime de denunciação

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caluniosa, descrito no art. 339, caput, do Código Penal Brasileiro, uma vez que provocou a deflagração de investigação policial, imputando o cometimento do crime de lesão cor-poral praticada no âmbito doméstico (art. 129, § 9º, do CP) a quem sabia inocente, não há que se falar em absolvição, devendo ser mantida a sentença condenatória, revelando a im-procedência da insurreição defensiva. 2. A conduta da apelante não pode ser enquadrada como irrelevante, haja vista que o bem jurídico tutelado é a administração pública, preju-dicada com a falsa imputação de crime a pessoa inocente, razão pela qual se protege muito além dos interesses da ré, mas sobretudo o interesse da justiça, situação que torna inviável a aplicação do princípio da insignificância. 3. Inadmissível o acolhimento do pedido de redução da pena corpórea quando já aplicada no patamar mínimo. 4. A pena pecuniária deve guardar proporção com a pena privativa de liberdade. 5. Cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, quando atendidos os requisitos exigidos pelo art. 44, do Diploma Repressivo. 6. O instituto da transação penal, estabeleci-do no art. 74, da na Lei nº 9.099/1995, apenas é permitido nos crimes de menor potencial ofensivo, isto é, com sanção máxima não superior a 02 (dois) anos cumulada ou não com multa, nos termos do art. 61 da referida Lei. 7. Recurso conhecido e parcialmente provido, para reduzir a pena de multa e aplicar a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.” (TJGO – ACr 201192680367 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. J. Paganucci Jr. – DJe 23.10.2014)

estuPro

31052 – “Processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Estupro tentado. Réu pre-so durante a instrução criminal. Superveniência da sentença condenatória. Persistência dos motivos ensejadores da constrição cautelar. Garantia da ordem pública. Reiteração delitiva. Condições pessoais. Insuficiência. Motivação idônea. Recurso ordinário despro-vido. I – A prisão cautelar deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva-se o réu de seu jus libertatis antes do pronunciamento condenatório definitivo, con-substanciado na sentença transitada em julgado. É por isso que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da Lei penal, ex vi do art. 312 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: AgRg-RHC 47.220/MG, 5ª T., Relª Min. Regina Helena Costa, DJe de 29.08.2014; RHC 36.642/RJ, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 29.08.2014; HC 296.276/MG, 5ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizzee, DJe de 27.08.2014; RHC 48.014/MG, 6ª T., Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 26.08.2014. II – No caso dos autos, o Decreto prisional encontra fundamento de validade na gravidade concreta dos fatos e na necessidade de garantia da ordem pública, visto se tratar de crime sexual em menor de idade, com abordagem em via pública, quando esta voltava da escola, sendo apanhada pelo braço e conduzida a um matagal. Precedentes citados: RHC 49.900/DF, 6ª T., Rel. Min. Néfi Cordeiro, DJe de 17.09.2014; RHC 47.015/MG, 5ª T., Relª Min. Laurita Vaz, DJe de 02.09.2014). III – Não há falar em ofensa ao princípio da homogeneidade das medidas cautelares no particular, pois não cabe a esta Corte Superior, em um exercício de futurologia, prever de antemão qual seria o grau de aplicação da fração redutora em razão

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do Conatus, o que implicaria análise do conjunto probatório, inviável nesta via estreita. Recurso ordinário desprovido.” (STJ – Rec-HC 43.423 – (2013/0404769-6) – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJe 24.10.2014)

FAlso testemuNHo

31053 – “Penal. Falso testemunho. Não auto-incriminação. Direito constitucional. Absol-vição. I – Nosso ordenamento jurídico vai além do simples direito ao silêncio, previsto no inciso LXIII do art. 5º da Constituição da República, porquanto não incrimina o crime de perjúrio, autorizando aquele que se vê objeto de acusação em processo penal até mesmo a mentir sobre fatos não integrantes de sua qualificação pessoal, e que possam contribuir para sua auto-incriminação. II – Não se trata, na verdade, de uma autorização expressa do ordenamento jurídico, mas sim de uma construção que, por coerência, faz com que seja desculpada a conduta do indivíduo que, chamado como testemunha a depor num dado processo, nele venha a mentir em razão de que a dicção da verdade lhe seria prejudicial e auto-incriminadora no processo penal ao qual responde. Nemo tenetur se detegere. Prece-dentes. III – Recurso provido. Absolvição nos termos do art. 386, VI, do CPP.” (TRF 2ª R. – ACr 2010.50.01.007134-0 – (10255) – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Abel Gomes – DJe 24.10.2014)

Furto QuAliFiCAdo

31054 – “Recurso de apelação criminal. Furto qualificado absolvição. Desclassificação. Impossibilidade, na espécie. Édito condenatório mantido. Recurso não provido. O consis-tente conjunto probatório produzido evidencia a incursão do agente no injusto previsto no art. 155, § 4º, inciso I, do Código Penal, afastando qualquer possibilidade de absolvição. Apelação conhecida e não provida.” (TJPR – ACr 1256113-6 – 5ª C.Crim. – Rel. Des. Jorge Wagih Massad – DJe 23.10.2014)

Furto simPles

31055 – “Apelação criminal. Furto simples. Assistência judiciária. Impossibilidade. Pres-crição configurada. Reconhecimento de ofício. 1. Tendo a defesa do apelante sido patro-cinada, durante toda a instrução processual, por defensor constituído mormente por não trazer aos autos elementos aptos a demonstrar sua hipossuficiência, mister se torna inde-ferir o pleito do beneficio da justiça gratuita. 2. Considerando que entre a data do fato e o recebimento da denuncia transcorreu o prazo que dispõe o art. 109, inciso V, do Código Penal deve ser decretada, de ofício, a extinção da punibilidade do apelante em razão da prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal, nos moldes do art. 107, inciso IV, do mesmo diploma, sendo concedido ao apelante os benefícios da justiça gratuita. Recurso conhecido e desprovido. De oficio, declarada a prescrição da pretensão punitiva.” (TJGO – ACr 200794391192 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Nicomedes Domingos Borges – DJe 23.10.2014)

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HomiCÍdio QuAliFiCAdo

31056 – “Habeas corpus. Processo penal. Homicídio qualificado. Prisão preventiva. Con-clusão do inquérito policial. Não recebimento da denúncia. Devolução para diligências. Indeferimento da revogação da prisão. Desnecessidade. Constrangimento ilegal configu-rado. Ordem concedida. Unanimidade. 1. Apesar de oferecida a denúncia, a autoridade impetrada determinou a devolução ao Ministério Público para complementação de infor-mações, sob pena de rejeição, contudo não revogou a prisão. 2. Constrangimento ilegal evidenciado. Ordem concedida para substituir a prisão por outras medidas cautelares.” (TJMA – HC 045100/2014 – (155347/2014) – Rel. Des. Benedito de Jesus Guimarães Belo – DJe 24.10.2014)

iNserção de dAdos FAlsos em sistemA de iNFormAçÕes

31057 – “Penal e processual penal. Apelação. Inserção de dados falsos em sistema de informações. Crime formal. Vantagem indevida. Exaurimento. 1. Por tratar-se de deli-to formal, o crime de inserção de dados falsos em sistema de informação, tipificado no art. 313-A do Código Penal, não exige a obtenção da vantagem indevida ou o dano al-mejado, que constituem mero exaurimento. Consuma-se o crime no instante em que o funcionário público autorizado insere dados falsos nos sistemas informatizados ou ban-cos de dados da Administração Pública. 2. Recurso não provido.” (TJAP – Ap 0024436-45.2012.8.03.0001 – C.Única – Rel. Des. Carmo Antônio – DJe 23.10.2014)

iNvAsão de domiCÍlio

31058 – “Habeas corpus. Invasão de domicílio (art. 150, § 1º, do Código Penal). Suspensão condicional do processo. Aceitação. Prejudicialidade do writ. Inexistência. 1. A eventual aceitação da suspensão condicional do processo não prejudica a análise de habeas corpus em que se pleiteia o trancamento da ação penal, pois durante todo o período de prova o acusado fica submetido ao cumprimento das condições impostas, cuja inobservância enseja o restabelecimento do curso do processo. Doutrina. Precedentes. Trancamento de ação penal. Atipicidade da conduta. Ingresso e permanência sem autorização em gabinete de delegado da polícia federal. Acesso restrito. Ambiente em que o indivíduo exerce suas atividades laborais. Enquadramento no conceito de ‘casa’ previsto no inciso III do § 4º do art. 150 do estatuto repressivo. Constrangimento ilegal não caracterizado. Denegação da ordem. 1. Em sede de habeas corpus somente deve ser obstada a ação penal se restar demonstrada, de forma indubitável, a ocorrência de circunstância extintiva da punibili-dade, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, e ainda, a atipicidade da conduta. 2. De acordo com o art. 150 do Código Penal, comete o delito nele previsto aquele que entra ou permanece, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem direito, em casa alheia ou em suas dependências.

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3. Consoante o inciso III do § 4º do tipo penal em comento, a expressão ‘casa’ compreen-de o ‘compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade’. 4. Se o compartimento em que alguém exerce suas atividades profissionais deve ser fecha-do ao público, depreende-se que faz parte de um prédio ou de uma repartição públicos, ou então que, inserido em ambiente privado, possua uma parte conjugada que seja aberta ao público. Doutrina. 5. Assim, a sala de um servidor público, no caso concreto o gabinete de um Delegado Federal, ainda que situado em um prédio público, está protegida pelo tipo penal em apreço, já que se trata de compartimento cujo acesso é restrito e depende de autorização, constituindo local fechado ao público em que determinado indivíduo exerce suas atividades, nos termos preconizados pelo Código Penal. 6. Ordem denegada.” (STJ – HC 298.763 – SC (2014/0168353-6) – 5ª T. – Rel.: Min. Jorge Mussi – DJe 14.10.2014)

Nota:O art. 150 do Código Penal, in verbis:“Art. 150. Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.§ 1º Se o crime é cometido durante a noite ou em lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas:Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além da pena correspondente à vio-lência.§ 2º Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder.§ 3º Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas depen-dências:I – durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência;II – a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser.§ 4º A expressão ‘casa’ compreende:I – qualquer compartimento habitado;II – aposento ocupado de habitação coletiva;III – compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.§ 5º Não se compreendem na expressão ‘casa’:I – hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do nº II do parágrafo anterior;II – taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.”Consta dos autos, que o recorrente foi denunciado pela suposta prática do crime pre-visto no art. 150, caput e § 1º, do Código Penal, pois, juntamente com outros 28 (vinte e oito) corréus, teria invadido o gabinete do Delegado de Polícia Federal Misael Flávio Mazzetti Pires.O impetrante sustentou que a invasão de repartição pública não caracterizaria o crime previsto no art. 150 do Estatuto Repressivo, tratando-se de conduta atípica.

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Argumentou que o termo “repartição pública” não se inseriria no conceito de casa pre-visto no inciso III do § 4º do mencionado dispositivo legal.Afirmou que seria odiosa a criminalização de cidadãos que simplesmente teriam aden-trado um espaço utilizado pela Administração, especialmente porque o paciente estaria exercendo seu direito de manifestação perante uma autoridade pública.O nobre relator entendeu que o gabinete do delegado também está abrangido no con-ceito de casa para fins penais, nos termos do art. 150, § 4º, III, do Código Penal.Vale trazer trecho do voto do relator:“É necessário verificar se no conceito de casa estaria abrangido o gabinete de Delegado de Polícia Federal situado em repartição pública. Antes de mais nada, cumpre ressal-tar que o delito de invasão de domicílio encontra-se no capítulo destinado aos crimes contra a liberdade individual, e na seção referente ao delitos contra a liberdade pessoal. Com efeito, o bem jurídico tutelado com a norma incriminadora prevista no art. 150 do Código Penal é a liberdade individual, protegendo-se a intimidade das pessoas quando se encontram em suas casas ou nos seus locais de trabalho, impedindo que terceiros ingressem ou permaneçam em tais ambientes sem autorização.”O entendimento contrário implicaria a ausência de proteção à liberdade individual de todos aqueles que trabalham em prédios públicos.O Superior Tribunal de Justiça denegou a ordem.

moedA FAlsA

31059 – “Penal e processual penal. Moeda falsa. Introdução em circulação. Art. 289, § 1º, do Código Penal. Dosimetria da pena. Exacerbação. Impropriedade. Circunstâncias judi-ciais inerentes ao tipo penal. Consequências do crime a se valorar negativamente. Corre-ção do elastério previsto na sentença, próximo ao mínimo legal. Fixação do valor mínimo fixado a título de reparação do dano. Art. 387, IV, CPP. Ausência de justa fundamentação para modificar os termos da sentença. Apelação improvida. I – A motivação e as circuns-tâncias do crime se apresentam inerentes ao tipo penal, pelo que não há como as entender em desfavor dos acusados para exacerbar a pena-base além do patamar fixado na senten-ça, já dissociado do mínimo legal diante das consequências da conduta às vítimas. II – No que diz respeito ao valor mínimo fixado a título de reparação dos danos, não logrou o Órgão Ministerial justificar a pretensão recursal, pelo que é de se manter, neste ponto, os termos da sentença. III – Apelação improvida.” (TRF 5ª R. – ACr 2007.84.01.000715-2 – (11157/RN) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Ivan Lira de Carvalho – DJe 23.10.2014)

PeCulAto

31060 – “Direito penal. Peculato. Art. 312 do CP. Pasep. Saques indevidos. Materialidade, autoria e dolo comprovados. Condenação mantida. Pena-base. Culpabilidade inerente ao tipo. Comportamento da vítima. Valoração positiva. Descabimento. Continuidade deliti-va. 1. Incorre nas penas do art. 312 do Código Penal o funcionário público que se apropria, em proveito próprio, de valores do Pasep administrados pelo Banco do Brasil, valendo-

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-se da sua condição de funcionário da referida instituição. 2. O conjunto probatório não deixa dúvidas quanto aos desvios efetuados pelos réus das contas do Pasep. Mantidas as condenações de ambos os réus pela prática de peculato. 3. Ter os réus se apropriado de valores do Pasep na condição de funcionários do Banco do Brasil constitui o próprio delito de peculato, não merecendo valoração negativa à vetorial da culpabilidade. 4. No caso do réu Fagner, lembrando-se que o crime foi cometido em detrimento de grande número de trabalhadores, ou de sucessores (familiares) de trabalhadores, em operação envolvendo o sistema financeiro (e, ainda, sem que se apresentasse qualquer quadro de necessidade financeira do apenado, senão a motivação apontada pela sentença (‘jogos de azar, festas diárias, regadas a bebidas e prostitutas’), como disposto na sentença, as circunstâncias do crime são graves. 5. Em razão do enorme prejuízo suportado pela instituição bancária (acima de R$ 1.400.000,00), que em muito supera o valor do qual se apropriou o corréu Marco, merecem maior reprovação as consequências do crime. 6. Em face da imensa quan-tidade de saques ilegais realizados pelos réus (223 e 525 saques feitos por Marco e Fagner, respectivamente), incide o aumento pela continuidade no patamar máximo de 2/3 (dois terços).” (TRF 4ª R. – ACr 0003243-13.2005.404.7118/RS – 7ª T. – Relª Desª Fed. Claudia Cristina Cristofani – DJe 23.10.2014)

PriNCÍPio dA iNsigNiFiCÂNCiA

31061 – “Penal e processo penal. Agravo regimental no recurso especial. 1. Furto de ca-bos de cobre. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Acusado reincidente. Seis con-denações transitadas em julgado por delitos contra o patrimônio. 2. Agravo regimental improvido. 1. As reiteradas infrações delitivas impedem o reconhecimento da insignifi-cância penal, uma vez ser imprescindível não só a análise do dano causado pela ação, mas também o desvalor da culpabilidade do agente, sob pena de se aceitar, ou mesmo incen-tivar, a prática de pequenos delitos, aumentando ainda mais a sensação de impunidade presente na sociedade. 2. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.383.446 – (2013/0165269-4) – 5ª T. – Rel. Min. Walter de Almeida Guilherme – DJe 24.10.2014)

Prisão CAutelAr

31062 – “Habeas corpus. Processual penal e penal. Sentença de pronúncia. Prisão cautelar. Inexistência de qualquer ilegalidade na constrição da liberdade do paciente. Prisão domi-ciliar. Impossibilidade. Excesso de prazo. Inocorrência. Inteligência do enunciado da Sú-mula nº 21 do STJ. 1. Tendo o Paciente permanecido foragido durante toda a instrução, é de fácil percepção que a Prisão Preventiva foi decretada como forma de garantir-se a apli-cação da Lei Penal. 2. Estando o Paciente recebendo o devido tratamento médico, e não havendo indicações de prejuízos ao mesmo caso mantida sua constrição cautelar, inviável a concessão da prisão domiciliar. 3. Nos termos da Súmula nº 21 do STJ, ‘pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução.’ 4. Ordem denegada.” (TJES – HC 0021615-62.2014.8.08.0000 – Rel. Willian Silva – DJe 24.10.2014)

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Prisão em FlAgrANte

31063 – “Recurso ordinário em habeas corpus. Duas tentativas de homicídio. Prisão em flagrante convertida em preventiva. Circunstâncias do crime. Gravidade. Periculosidade do agente. Garantia da ordem pública. Agente tentou empreender fuga. Conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal. Custódia fundamentada e necessária. Incidên-cia de medidas alternativas. Supressão. Coação ilegal não demonstrada. Reclamo em parte conhecido e nesse ponto improvido. 1. Não há que se falar em constrangimento ilegal quando a constrição está devidamente justificada na garantia da ordem pública, em razão da gravidade efetiva dos delitos em tese praticados e da periculosidade social do acusado, bem demonstradas pelas circunstâncias em que ocorridos os fatos criminosos. 2. Caso em que o recorrente é acusado da prática de duas tentativas de homicídio contra o sobrinho de sua ex-companheira e o amigo deste que tentaram impedir que cumprisse a ameaça de matá-la, tendo, para tanto, desferido golpes de faca contra os ofendidos que não vieram a óbito por circunstâncias alheias à vontade do agente. 3. A tentativa de fuga do distrito da culpa é fundamentação a mais a embasar a manutenção da custódia preventiva, ordenada para assegurar a conveniência da instrução criminal e para garantir a aplicação da Lei penal. 4. Condições pessoais favoráveis não têm, em princípio, o condão de, isoladamente, revogar a prisão cautelar, se há nos autos elementos suficientes a demonstrar a necessida-de da custódia, como ocorre, in casu. 5. Impossível a apreciação, diretamente por esta Cor-te Superior de Justiça, da possibilidade de substituição da medida extrema por cautelares diversas, tendo em vista que tal questão não foi analisada no aresto combatido. 6. Recurso em parte conhecido e nesse ponto improvido.” (STJ – Rec-HC 51.027 – (2014/0217482-1) – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 23.10.2014)

Prisão PreveNtivA

31064 – “Penal. Processual penal. Art. 366 do CPP. Réu que se ausenta do distrito da culpa e não fornece atualização do endereço. Prisão preventiva decretada. Ausência de ilegalidade praticada. Decisum prolatado com judicialidade. Ordem denegada. 1. É in-sofismável que a privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excep-cional (STF, 2ª T., HC 90.753/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, J. 05.06.2007, DJe 23.11.2007), sendo inadmissível que a finalidade da custódia, qualquer que seja a modalidade, seja deturpada a ponto de configurar uma antecipação do cumprimento da pena (STF, 1ª T., HC 90.464/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 10.04.2007, DJe 04.05.2007). In casu, após aprofundado estudo dos autos, e ao compulsar os documentos que acompanham a inicial, e aferir o teor da decisão hostilizada proferida pela autoridade judiciária apontada como coatora, o Órgão Fracionário entendeu que a mesma reveste-se de plena judicialida-de, estando devidamente fundamentada em fato concreto extraído dos autos de origem, qual seja, a não localização do paciente no endereço constante dos autos para atendimento de chamado judicial, no caso, a citação e intimação para responder a acusação. 2. Ademais, outros pontos merecem registro. São eles: 1. Ressai do decisum concessivo da liberdade provisória ao paciente, constante de fl. 08, a aplicação da medida cautelar de ‘proibição de ausentar-se da Comarca, sem prévia comunicação ou autorização deste Juízo’, bem como

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a cientificação ao mesmo de que o descumprimento das medidas impostas na referida decisão poderia acarretar na expedição de mandado de prisão em seu desfavor, e tais obrigações não foram observadas pelo paciente. 2. Não há nenhuma comprovação nos autos que ateste que o acusado teria mudado de endereço e realizado a prévia e devida comunicação ao juízo, afim de que atendesse aos chamados do Poder Judiciário. O docu-mento de fl. 11 – cópia de certidão exarada por oficial de justiça – não possui o condão de comprovar tal alegação. 3. Ao Poder Judiciário não é direcionada a obrigação invariável de expedir ofícios a Órgão Públicos para localizar pessoas processadas que não atualizam o seu endereço em juízo, principalmente quando há comando judicial que previamente esclarece que tal proceder – ausentar-se da Comarca, sem comunicação – possui o condão de desobedecer a termos de medida cautelar prévia, ensejando a aplicação daquela mais drástica, qual seja: a prisão preventiva. 4. A decisão que delineou a prisão preventiva do paciente fora devidamente fundamentada, para garantia da instrução processual e aplica-ção da Lei Penal. 5. É entendimento uniforme desta Corte, e das Cortes de Superposição, que em hipóteses como tais é passível nova decretação da custódia cautelar (RHC 29.469/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., Julgado em 13.08.2013, DJe 13.09.2013). Exis-tência de variados precedentes neste sentido. Ordem denegada. Unânime.” (TJES – HC 0020504-43.2014.8.08.0000 – Relª Substª Maria Cristina de Souza Ferreira – DJe 24.10.2014)

31065 – “Processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Homicídio qualificado na forma tentada. Prisão preventiva. Alegada ausência de fundamentação do decreto prisio-nal. Periculosidade do agente. Reiteração criminosa. Recorrente que já responde a outros processos criminais. Garantia da ordem pública. Recurso ordinário desprovido. I – A pri-são cautelar deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva-se o réu de seu jus libertatis antes do pronunciamento condenatório definitivo, consubstanciado na sentença transitada em julgado. É por isso que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instru-ção criminal ou a aplicação da Lei penal, ex vi do art. 312 do Código de Processo Penal. Precedentes. II – No caso, o Decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, que evidenciam a necessidade de segregação cautelar do recorrente em face do risco à ordem pública, notadamente se for considerado o fato de já responder a outras ações criminais, a evidenciar o risco de reiteração delitiva (fl. 189, e-STJ). III – Inviável a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão quando a gravidade concreta do delito demonstra serem insuficientes para acautelar a ordem públi-ca. IV – A existência de condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, ocupação lícita e residência fixa, não têm o condão de, por si só, garantir ao recorrente a revogação da prisão preventiva se há nos autos elementos hábeis a recomendar a manutenção de sua custódia cautelar. Precedentes. Recurso ordinário desprovido.” (STJ – Rec-HC 47.616 – (2014/0110172-0) – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJe 24.10.2014)

roubo CirCuNstANCiAdo

31066 – “Penal. Roubo circunstanciado. Dosimetria. Maus antecedentes. Pena-base exas-perada. Proporcionalidade e adequação. Manutenção do aumento. Confissão espontânea

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e reincidência. Compensação integral. Inviabilidade. Sentença parcialmente reformada. 1. Incabível o acolhimento do pedido defensivo para que seja fixada a pena-base no mí-nimo legal, especialmente se o réu é possuidor de maus antecedentes e a exasperação da pena-base mostra-se adequada e proporcional. 2. Inviável a compensação igualitária entre a atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência, porquanto o art. 67 do Código Penal determina que, no concurso entre agravantes e atenuantes, de-ve-se preponderar os motivos determinantes do crime, a personalidade do agente e a reincidência. 3. Recurso da defesa conhecido e não provido. Recurso do MP conhecido e provido.” (TJDFT – Pen 20140310024318 – (826901) – Rel. Des. Humberto Adjuto Ulhôa – DJe 23.10.2014)

trÁFiCo de drogAs

31067 – “Habeas corpus. Associação para o tráfico de drogas. Excesso de prazo na instru-ção criminal. Ocorrência. Falta de razoabilidade. Manifesto constrangimento ilegal. Prisão preventiva. Art. 312 do CPP. Periculum libertatis. Indicação necessária. Fundamentação insuficiente. Aditamento do tribunal ao decreto constritivo. Vedação em habeas corpus. Or-dem concedida de ofício. 1. Segundo entendimento consolidado nos tribunais, os prazos indicados na legislação processual penal para a conclusão dos atos processuais não são peremptórios, de maneira que eventual demora no término da instrução criminal deve ser aferida dentro dos critérios da razoabilidade, levando-se em conta as peculiaridades do caso concreto. 2. Na espécie, reputo absolutamente desarrazoado e injustificável o trans-curso de 3 anos e 7 meses da prisão cautelar do paciente, sem a conclusão da instrução probatória. 3. A jurisprudência desta Corte Superior é remansosa no sentido de que a de-terminação de segregar o réu, antes de transitada em julgado a condenação, deve efetivar--se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP. 4. Assim, a prisão provisória se mostra legí-tima e compatível com a presunção de inocência somente se adotada, em caráter excepcio-nal, mediante decisão suficientemente motivada. Não basta invocar, para tanto, aspectos genéricos, posto que relevantes, relativos à modalidade criminosa atribuída ao acusado ou às expectativas sociais em relação ao Poder Judiciário, decorrentes dos elevados índices de violência urbana. 5. O juiz de primeira instância apontou genericamente a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal, sem indicar motivação suficiente para justificar a necessidade de colocar o recorrente cautelarmente privado de sua liberdade, uma vez que ‘o tráfico é delito equiparado a hediondo e traz efeitos nefas-tos para a sociedade, na medida em que incentiva a criminalidade e destrói a base desta que é a família de modo que é necessária a sua custódia para garantia da ordem pública’. 6. Os argumentos trazidos no julgamento do habeas corpus original pelo Tribunal a quo, tendentes a justificar a prisão provisória, não se prestam a suprir a deficiente fundamenta-ção adotada em primeiro grau, sob pena de, em ação concebida para a tutela da liberdade humana, legitimar-se o vício do ato constritivo ao direito de locomoção do recorrente. 7. Habeas corpus não conhecido, mas concedido de ofício, para relaxar a prisão cautelar do paciente, na Ação Penal nº 0000557-20.2011.8.26.0028, em trâmite na 1ª Vara Criminal de Aparecida/SP, se por outro motivo não estiver preso.” (STJ – HC 287.142 – (2014/0012947-0) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 23.10.2014)

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31068 – “Habeas corpus. Prisão preventiva. Delito de tráfico e associação ao tráfico. Deci-são devidamente fundamentada. Necessidade de resguardar a ordem pública e aplicação da lei penal. Inocorrência de excesso de prazo. Demora devido às peculiaridades do pro-cesso. Presença dos requisitos previstos no art. 312 do CPP. Ordem denegada. 1. É perfei-tamente possível a manutenção da segregação do réu, uma vez que está provada a existên-cia do crime e indícios de autoria, bem como a necessidade de salvaguardar a aplicação da lei penal e a garantia da ordem pública (tendo em vista a evasão do paciente do distrito da culpa, bem como a existência de outras ações penais em seu desfavor). 2. Ademais, no que tange ao excesso, considera-se que este é hábil a configurar constrangimento ilegal somen-te quando imputado exclusivamente ao Poder Judiciário, quando, sem motivo justificado, dá causa à mora processual. Além disso, frise-se que o excesso de prazo não é verificado apenas pela mera somatória de prazos, devendo ser levada em consideração as peculia-ridades do caso concreto, a exemplo da pluralidade de réus e complexidade da causa. 3. Estão preenchidos, assim, os requisitos previstos no art. 312 do CPP, inexistindo qual-quer constrangimento ilegal. 4. Ordem denegada.” (TJES – HC 0022833-28.2014.8.08.0000 – Rel. Willian Silva – DJe 24.10.2014)

31069 – “Penal. Processo penal. Embargos infringentes. Tráfico transnacional de subs-tância entorpecente (cocaína). Divergências quanto à aplicação da atenuante de confissão espontânea e à incidência da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Embargos a que dá provimento. 1. Na hipótese dos autos, o embargante cumpriu os requi-sitos legais para ter aplicada a atenuante em referência, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão, em conformidade com a qual: a) não se afasta a confissão espontânea nos casos em que o agente busca se valer de alguma dirimente; e b) é de se reconhecer a incidência dessa minorante se ela foi utilizada para embasar a condenação proferida contra o acusado, como se observa no caso dos autos (cf. fls. 183). 2. Na esteira do quanto assentado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus nº 101.265/SP, tenho entendido que a mera traficância transnacional não basta para afirmar que o agente integra organização criminosa, sendo necessária a pre-sença de indícios que indiquem muito mais que uma simples cooperação ou cooptação de agentes, como, por exemplo, que o réu ou a ré tenha, de alguma forma, uma participação mais efetiva nas atividades da quadrilha – v.g., que tenha combinado o preço do serviço, a data ou o roteiro da viagem, a quantidade de droga a ser transportada etc. –, ou, ainda, que venha se colocando à disposição da organização criminosa sempre que necessário, empreendendo, rotineiramente, viagens internacionais em situações análogas. 3. Na hipó-tese vertente, o embargante é primário, não ostenta maus antecedentes nem empreendeu viagens anteriores sob as mesmas circunstâncias e, apesar de ter se encarregado do trans-porte da droga, afirmou que assim agiu porque estava em dificuldades financeiras. Acres-ça-se, que a quantidade de drogas apreendida em poder do embargante – 4.008 gramas de cocaína –, conquanto significativa, estava presa ao seu corpo por esparadrapos e cinta cirúrgica, o que não desnatura sua condição de transportador. 4. Nessa ordem de ideias, o quantum de cocaína apreendido com o embargante não constitui óbice à incidência da pre-tendida causa de diminuição de pena, máxime quando não demonstrado que o embargan-te possuía vínculos mais estreitos com a organização criminosa proprietária da substân-cia entorpecente. 5. Embargos providos.” (TRF 3ª R. – EI 0012904-91.2009.4.03.6119/SP – 4ª S. – Rel. Des. Fed. Paulo Fontes – DJe 24.10.2014)

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trÁFiCo de eNtorPeCeNte

31070 – “Penal. Processo penal. Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes. Prisão preven-tiva. Alegado excesso de prazo. Inocorrência. Aplicação do princípio da razoabilidade. Complexidade da causa. Habeas corpus denegado. 1. O princípio da razoabilidade admite a flexibilização dos prazos estabelecidos pela Lei Processual Penal para a prática de atos em ações penais que envolvam réus presos, quando existente motivo que a tanto justifi-que, como é o caso dos autos. 2. Não há que se falar na ocorrência de constrangimento ilegal pelo excesso de prazo na conclusão da instrução criminal, à vista das peculiaridades do respectivo processo, conforme os esclarecimentos prestados pelo MM. Juízo Federal impetrado. 3. Ademais, a instrução depende apenas da inquirição de duas testemunhas, comuns à defesa e à acusação, por precatória. 4. Habeas corpus denegado.” (TRF 1ª R. – HC 0026102-06.2014.4.01.0000/PA – Relª Juíza Fed. Rosimayre Gonçalves de Carvalho – DJe 24.10.2014)

trÁFiCo ilÍCito de eNtorPeCeNte

31071 – “Direito penal e processual penal. Revisão criminal. Tráfico ilícito de entorpecen-tes. Extensão de benefício com redução de condenação. Descabimento. Reexame de pro-vas. Via inadequada. Revisão criminal improcedente. 1. A decisão apontada pelo Reque-rente cuida de benefício reconhecido estritamente em favor de outro denunciado, sendo impossível pleitear sua extensão, pois os termos do dito acórdão foram bastante precisos a respeito do caráter pessoal das conclusões nele firmadas. 2. A revisão criminal não se presta ao reexame de provas, devendo ser manejada apenas na hipótese de flagrante ile-galidade ou equívoco, ou seja, em caso de sentença condenatória contrária ao texto de Lei ou à prova dos autos, fundada em provas falsas, ou ainda, quando sobrevêm novos elementos hábeis a inocentar o Requerente ou se descobertas circunstâncias que autori-zem ou determinem a diminuição especial da pena do peticionário. 3. Revisão Criminal Improcedente.” (TJAM – RvCr 4002672-71.2013.8.04.0000 – C.Reun. – Relª Desª Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura – DJe 23.10.2014)

tribuNAl do jÚri

31072 – “Apelação. Penal e processual penal. Tribunal do júri. Homicídio qualificado (art. 121, § 2º, IV do Código Penal). Pena de 12 (doze) anos de reclusão no regime inicial fe-chado. Julgamento manifestamente contrário à prova dos autos. Inocorrência. Decisão do conselho de sentença com lastro probatório. Precedentes. Inteligência da Súmula nº 6 des-ta Corte. Recurso conhecido e improvido. 1. Trata-se de apelação interposta em plenário (fls. 285) pelo acusado Francisco Claudio da Silva contra sentença condenatória (fls. 279/281) prolatada em Sessão do Tribunal do Júri realizada em 28 de setembro de 2009 (Ata em fls. 282/285) que, conforme votação do Conselho de Sentença (fls. 272/276), responsabilizou o apelante pelo delito de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, IV do Có-

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digo Penal) impondo-lhe pena de 12 (doze) anos de reclusão em regime inicial fechado. 2. Em suas razões (fls. 288/292), defendeu tese de ocorrência de julgamento manifesta-mente contrário à prova dos autos, pois teria atuado em legítima defesa. Ademais, aven-tou que não haveria provas das qualificadora de surpresa. 3. Parecer exarado pelo Pro-curadoria-Geral de Justiça em 02 de março de 2010 (fls. 309/312) no qual opinou pelo conhecimento e improvimento do apelo. 4. Quanto ao julgamento manifesta contrário à prova dos autos, não assiste razão ao recorrente. A materialidade é inconteste, conforme laudos periciais acostados aos autos, mormente o exame de corpo de delito (cadavérico) de fls. 25/26. Em relação à autoria, comprova-se pela prova testemunhal. 5. A testemunha presencial Francisco Gilderlanio Andrade Lopes (fls. 70 e 259/261), destacou que a víti-ma estava em uma confusão com outro indivíduo chamado Luiz Viana, tendo o acusado ‘Adão’, sorrateiramente, recebido uma faca de um terceiro não identificado e aplicado uma punhalada na vítima, atacando-a pelas costas. Já a testemunha Francisco Fábio Alves da Silva (fls. 71) asseverou que viu uma confusão onde a vítima foi ferida gravemente, mas não chegou a presenciar o momento do seu esfaqueamento. Disse que tudo come-çou por uma briga entre a vítima e Luiz Viana por conta de um queda de braço, não sabendo se o acusado ‘Adão’ tinha uma rixa com a vítima. 6. Não se ignora que existem provas também para a tese de legítima defesa, mormente em relação à versão do acusado (fls. 56/57) corroborada por uma testemunha (fls. 69). Todavia, é de se ressaltar que, por se tratar de feito de competência do Tribunal do Júri, não é papel deste Tribunal substituir--se ao juiz natural da causa, ou seja, o Conselho de Sentença, mas meramente perceber se existem elementos que deem azo à tese acusatória, o que se comprova pelos depoimentos acima. 7. Deste modo, entendo que não há decisão manifestamente contrária à prova dos autos, mas apenas pronunciamento dos jurados por uma das teses. 8. Recurso conhecido e improvido.” (TJCE – Ap 0019101-40.2007.8.06.0000/50001 – Rel. Francisco Gomes de Moura – DJe 23.10.2014)

31073 – “Apelação criminal. Tribunal do júri. Homicídio triplamente qualificado. Cir-cunstâncias favoráveis. Redução da pena-base. Compensação. Furto. Prescrição retroa-tiva. Reconhecimento de ofício. 1. Constatado que a culpabilidade e as consequências do crime foram equivocadamente valoradas como desfavoráveis, imperiosa a reanálise da re-primenda basilar. 2. Havendo concurso entre atenuante e agravante procede-se a compen-sação com o redimensionamento da pena. 3. Se, entre as datas do recebimento da denún-cia e da publicação da decisão de pronúncia, transcorreu prazo superior ao estabelecido no art. 109, V c/c art. 115 do Código Penal, deve ser declarada a extinção da punibilidade pela prescrição retroativa quanto ao crime de corrupção de menor. Apelação parcialmente provida.” (TJGO – ACr 200793669774 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Ivo Favaro – DJe 23.10.2014)

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Índice AlfAbético e Remissivo cÍvel e PenAl

Doutrina

Civil e ProCessual Civil

assunto

ação monitória

• algumas Notas sobre a Nova ação Monitória do Projeto do CPC (adalmo oliveira dos santos Junior) ......................................... 9

Hipoteca

• Hipoteca Judiciária: Breves Noções e sua Nova roupagem segundo o Projeto do Novo Código de Processo Civil (rodrigo Mazzei e lucas Fernando Dummer serp) ...................................... 37

Lei Dos conDomínios e incorporações imobiLiárias

• a evolução Histórica e os Novos Horizontes da incorporação imobiliária e do Condomínio edilício no Direito Brasileiro (lourdes Helena rocha dos santos e Fabio Caprio leite de Castro) ............ 81

teoria Da causa maDura

• Questões Polêmicas relacionadas à Teoria da Causa Madura (Fernanda Kretzmann Pires Gomes) ............................................... 61

autor

aDaLmo oLiveira Dos santos Junior

• algumas Notas sobre a Nova ação Monitória do Projeto doCPC ................................................................................................... 9

Fabio caprio Leite De castro

• a evolução Histórica e os Novos Horizontes da incorporação imobiliária e do Condomínio edilício no Direito Brasileiro ............... 81

FernanDa Kretzmann pires Gomes

• Questões Polêmicas relacionadas à Teoria da Causa Ma-dura .................................................................................................. 61

LourDes HeLena rocHa Dos santos

• a evolução Histórica e os Novos Horizontes da incorporação imobiliária e do Condomínio edilício no Direito Brasileiro ............... 81

Lucas FernanDo Dummer serp

• Hipoteca Judiciária: Breves Noções e sua Nova roupagemsegundo o Projeto do Novo Código de Processo Civil .................. 37

roDriGo mazzei • Hipoteca Judiciária: Breves Noções e sua Nova roupagem

segundo o Projeto do Novo Código de Processo Civil .................. 37

PeNal e ProCessual PeNal

assunto

prisão cauteLar

• a Prisão Cautelar do advogado: da Prerrogativa Profissio-nal de recolhimento em sala de estado Maior (Bernardo deazevedo e souza e Paulo Dariva) ................................................. 139

sistema penaL

• Grande recessão e Mudança de Ciclo do expansionismo Pu-nitivo: uma reatualização da Crítica ao sistema Penal? (José Ángel Brandariz García e Matheus antenor Chiocheta) .................117

autor

bernarDo De azeveDo

• a Prisão Cautelar do advogado: da Prerrogativa Profissional de recolhimento em sala de estado Maior .................................. 139

José ánGeL branDariz García

• Grande recessão e Mudança de Ciclo do expansionismo Pu-nitivo: uma reatualização da Crítica ao sistema Penal .................117

matHeus antenor cHiocHeta

• Grande recessão e Mudança de Ciclo do expansionismo Pu-nitivo: uma reatualização da Crítica ao sistema Penal? (José Ángel Brandariz García e Matheus antenor Chiocheta ..................117

pauLo Dariva

• a Prisão Cautelar do advogado: da Prerrogativa Profissional derecolhimento em sala de estado Maior ....................................... 139

acórDão na ínteGra

Civil, ProCessual Civil e CoMerCial

assunto

carta roGatória

• Carta rogatória – agravo regimental – Nulidade da notifica-ção e ofensa à soberania nacional – inexistência – Nulidade

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Revista JuRídica 445índice cível e Penal

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dos contratos e títulos de crédito objeto de ação no exterior– Matéria estranha à espécie (sTJ) ............................................... 161

Desapropriação

• administrativo – agravo regimental no recurso especial – De-sapropriação – Transcrição do domínio – isenção do paga-mento de taxas e emolumentos pelo DNoCs – Decreto-lei nº 1.537/1977 – acórdão recorrido em conformidade com a juris-prudência do sTJ – agravo regimental desprovido (sTJ) ............. 155

execução FiscaL

• execução fiscal – Doação com encargo pelo município – im-penhorabilidade – nulidade da penhora – Cláusula de rever-sibilidade (TrF 4ª r.) .................................................................... 175

recurso

• apelação e remessa oficial – administrativo – inscrição de fundação em cadastro de inadimplentes – siafi, Cadin e Cauc – Preliminar de ausência de interesse – Não conhecimento do recurso de apelação – Demonstração de pagamento da dí-vida – exclusão da inscrição – sentença mantida (TrF 1ª r.) ..... 167

PeNal, ProCessual PeNal

assunto

execução penaL

• Habeas corpus – execução penal – visitas periódicas ao lar – art. 123, iii, da lei nº 7.210/1984 – Deferimento pelo juízo das execuções – interposição de agravo em execução – via indevidamente utilizada em substituição a recurso especial –ausência de ilegalidade manifesta – Não conhecimento (sTJ) .....211

prova

• Direito penal e processual penal – embargos de declaração – art. 304 do Código Penal – Contradições aparentes – indeferi-mento de prova – Crime impossível (TrF 2ª r.) ........................... 221

roubo

• Habeas corpus – Penal – roubo circunstanciado e extorsão majorada praticados nas mesmas circunstâncias fáticas – Concurso material – Continuidade delitiva – impossibilidade –Precedentes – ordem denegada (sTF) ........................................ 205

ementário

Civil, ProCessual Civil e CoMerCial

assunto

ação cauteLar para outorGa De eFeito suspensivo ao recurso especiaL – competência – apLicação Das súmuLas nºs 634 e 635 Do stF

• Processual civil. agravo regimental em medida cautelar. inde-ferimento liminar. recurso especial. efeito suspensivo. Juízo de admissibilidade. ausência. Competência do superior Tribu-nal de Justiça que não se inaugurou. súmulas nºs 634 e 635do sTF ............................................................................... 33627, 181

ação cauteLar – poDer GeraL De cauteLa – exeGese Do art. 798, cpc

• Processual civil. agravo regimental na petição na medida cautelar. Poder geral de cautela. Prestação de caução. Cabi-mento. Fumus boni juris e periculum in mora configurados.Decisão mantida ................................................................ 33628, 181

ação reivinDicatória – Liminar – requisitos

• agravo de instrumento. ação reivindicatória. Medida liminar. ausência dos requisitos. ação anulatória conexa. Decisões conflitantes. ausência de recurso contra decisão que deferiu amedida naqueles autos ...................................................... 33629, 182

ação revisionaL De aLimentos – apeLação cíveL – recebimento apenas no eFeito DevoLutivo – exeGese Do art. 520, cóDiGo De processo civiL

• Processual civil. Direito civil. agravo regimental no recurso especial. Família. ação revisional de alimentos. sentença. apelação. efeito devolutivo. art. 520, ii, do CPC. ausência de comprovação do dissídio jurisprudencial. Decisão mantida ........................................................................................... 33630, 182

bem De FamíLia – onus probanDi – penHora DeFeriDa

• agravo inominado. impenhorabilidade de bem de família. au-sência de comprovação. Bem indicado à penhora pela própria parte. Descabe alegar a impenhorabilidade de bem indicado à penhora pela própria parte recorrente ............................... 33631, 183

casamento – comunHão parciaL De bens – recebimento De pro-ventos meDiante sentença JuDiciaL – necessiDaDe De partiLHa

• recurso especial. Casamento. Comunhão parcial de bens. servidor público. reajuste de 28,86%. leis nºs 8.622 e 8.627, de 1993. Diferenças de remuneração. Patrimônio comum. Par-tilha de bens ...................................................................... 33632, 184

consumiDor – atraso De voo – inDenização FixaDa em r$ 10.000,00

• agravo regimental no agravo em recurso especial. responsa-bilidade civil. Companhia aérea. atraso no voo. 1. Código de Defesa do Consumidor. aplicação. 2. Dano moral. revisão dovalor fixado. súmula nº 7/sTJ. 3. agravo improvido .......... 33633, 184

consumiDor – inscrição inDeviDa no spc – inDenização arbi-traDa em r$ 20.000,00 – razoabiLiDaDe

• Civil. agravo regimental no agravo em recurso especial. Con-sumidor. inclusão da consumidora em cadastro de inadim-plentes. Configurado o dano moral. revisão do valor da con-denação. impossibilidade. Quantum razoável. incidência da súmula nº 83/sTJ. Precedentes ....................................... 33634, 185

contrato bancário – Desconto De oFício em conta-corrente para saLDar Débito – iLeGaLiDaDe – Dano moraL reconHeciDo

• agravo regimental no agravo em recurso especial. Contrato bancário. Desconto em conta-corrente. impossibilidade. valor fixado a título compensatório. Proporcionalidade. agravo regi-mental não provido ............................................................ 33635, 185

contrato De Locação – ação De DespeJo – não suJeição ao Juízo universaL Da recuperação JuDiciaL – exeGese Do art. 49, § 3º, Da Lei nº 11.101/2005

• Conflito positivo de competência. recuperação judicial. lo-cação. ação de despejo. sujeição ao juízo natural ........... 33636, 186

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índice cível e penalRevista JuRídica 445

novembRo/2014

contrato De pLano De saúDe – tratamento necessário para a conservação Da saúDe Do usuário – interpretação mais Favo-ráveL ao aDerente

• agravo regimental no agravo em recurso especial. Plano de saúde. 1. violação ao art. 535, ii, do Código de Processo Civil não verificada. 2. Contrato submetido às regras do Có-digo de Defesa do Consumidor. interpretação de cláusulas mais favorável ao consumidor. abusividade. Procedimento essencial à vida do segurado. indispensabilidade. 3. agravoimprovido ........................................................................... 33637, 186

contrato De seGuro – aGravamento intencionaL Do risco – veícuLo DeixaDo aberto com a cHave na iGnição – excLusão Da cobertura

• recurso especial. Direito civil. Contrato de seguro. Furto. ve-ículo deixado aberto com a chave na ignição. agravamento intencional do risco. exclusão da cobertura. Possibilidade.Precedentes ....................................................................... 33638, 186

curaDor especiaL – Honorários aDvocatícios – responsabiLi-DaDe Do estaDo peLo aDimpLemento

• agravo regimental em recurso especial. Competência da se-gunda seção. relação jurídica litigiosa abrangida pelo direito privado. entendimento do tribunal local em conformidade com a jurisprudência desta Corte. Manutenção da negativa de segui-mento. recurso não provido. ............................................ 33639, 188

Direito bancário – canceLamento uniLateraL Do Limite De créDito sem prévia notiFicação Do correntista – iLicituDe – inDenização DeviDa

• indenização. Dano moral. Procedência parcial decretada em 1º grau. Decisão alterada em parte. É injurídico o cancela-mento do limite de crédito sem prévia notificação da corren-tista .................................................................................... 33640, 189

Direito De FamíLia – ação De reconHecimento e DissoLução De união estáveL – partiLHa De bens – companHeiro sexaGenário – interpretação Do art. 1.641, ii, cóDiGo civiL – necessiDaDe De prova De esForço comum na aquisição Do patrimônio

• recurso especial. Civil e processual civil. Direito de família. ação de reconhecimento e dissolução de união estável. Partilha de bens. Companheiro sexagenário. art. 1.641, ii, do Código Civil (redação anterior à lei nº 12.344/2010). regime de bens. separação legal. Necessidade de prova do esforço comum. Comprovação. Benfeitoria e construção incluídas na partilha.súmula nº 7/sTJ ............................................................... 33641, 189

Direito De FamíLia – aLimentos compensatórios – princípio Da aDstrição ao peDiDo – exeGese

• Processual civil. Direito civil. Família. separação judicial. Pen-são alimentícia. Binômio necessidade/possibilidade. art. 1.694 do CC/2002. Termo final. alimentos compensatórios (prestação compensatória). Possibilidade. equilíbrio econômico-financeiro dos cônjuges. Julgamento extra petita não configurado. vio-lação do art. 535 do CPC não demonstrada ..................... 33642, 192

Direito De FamíLia – aLimentos – interpretação Do art. 1.694, § 1º, cóDiGo civiL

• ação de dissolução de união estável. alimentos. art. 1.694, § 1º, do CPC. Binômio necessidade/possibilidade. Parceiros

com idade avançada. Proventos modestos percebidos por ambos. Problemas de saúde do alimentante. verba alimentar que comporta adequação em 30% dos ganhos do réu. re-curso parcialmente provido ................................................ 33643, 193

Direito De FamíLia – uniões estáveis simuLtâneas – inaDmissi-biLiDaDe

• agravo regimental. agravo em recurso especial. ação de re-conhecimento de união estável. Não configuração. uniões estáveis simultâneas. impossibilidade. súmula nº 83/sTJ ........................................................................................... 33644, 193

Direito De proprieDaDe – ação reivinDicatória – reLevância Da prova

• apelação cível. ação reivindicatória conexa com ação de nun-ciação de obra nova, cautelar de caução e reintegração de posse. Condições da ação. Presença. Prova pericial. resul-tado incoerente e contraditório. sentença anulada. recursosprejudicados ...................................................................... 33645, 194

Direito Do consumiDor – compra De GeLaDeira – atrás De sete meses na entreGa – Dano moraL

• apelação cível. indenização. Danos morais. Produto de primeira necessidade. atraso de 07 meses na entrega. Descaso com o consumidor. reparação devida ......................................... 33646, 194

Direito Do consumiDor – compra e venDa De veícuLo usaDo – DeFeito mecânico ocuLto – ressarcimento

• apelação cível e recurso adesivo. Dano moral e material. Compra e venda de veículo usado. Defeito mecânico oculto. responsabilidade da revendedora. ressarcimento do valor desembolsado com o conserto. viabilidade. Dano moral. inocor-rência. Manutenção da sentença ....................................... 33647, 195

Direito Dos recursos – peDiDo De Desistência FormuLaDo por aDvoGaDo sem procuração nos autos – inapLicabiLiDaDe Dos arts. 13 e 37 na instância especiaL

• embargos de declaração no agravo regimental. embargos de divergência. Pedido de desistência efetuado por advogado sem poderes específicos. Julgamento pela turma. recurso im-provido. erro material. inexistência. ausência de prejuízo. em-bargos rejeitados ............................................................... 33648, 195

Divórcio – cumuLação com aLimentos – Dever De mútua assis-tência – proceDência

• Divórcio. Fixação de alimentos provisórios. Pedido de majo-ração. adequação do quantum. 1. os alimentos provisórios devem ser fixados sempre com moderação e devem ter em mira tanto a capacidade econômica do alimentante como as necessidades da alimentada ............................................. 33649, 196

embarGos inFrinGentes – critério Da DupLa sucumbência – in-terpretação Do art. 530, cpc

• Processual civil. agravo regimental no recurso especial. Ca-bimento dos embargos infringentes. art. 530 do CPC. Cri-tério da dupla sucumbência. agravo regimental improvido ........................................................................................... 33650, 196

inDenização por Dano moraL – ato iLícito – Juros De mora – evento Danoso

• agravo regimental nos embargos de divergência. ação de indenização. Dano moral. ato ilícito. Juros de mora. Ter-

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Revista JuRídica 445índice cível e Penal

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mo inicial. evento danoso. súmula nº 54/sTJ. aplicação da súmula nº 168/sTJ. .......................................................... 33651, 196

Locação De imóveL não resiDenciaL – DespeJo – Denúncia vazia – aDmissibiLiDaDe

• locação de imóvel não residencial. ação de despejo fundada em denúncia vazia. Desnecessidade de designação de au-diência de conciliação. Não evidenciada propositura de ação para renovação do imóvel, com o propósito de proteger o fun-do de comércio. eventual indenização pela sua perda deverá ser discutida em ação autônoma, a fim de não obstaculizar o direito da locadora à retomada imediata do imóvel. recursonegado ............................................................................... 33652, 197

Locação De imóveL resiDenciaL – DespeJo – aLeGação De inaDimpLência – Liminar inDeFeriDa

• agravo de instrumento. locação de imóvel residencial. ação de despejo fundada na falta de pagamento e na ausência de assinatura do fiador no instrumento contratual. Decisão que indeferiu a liminar de desocupação. Manutenção. locador que, embora alegue não possuir via do contrato assinada pelo fiador, admite que existe a via devidamente assinada.agravo negado .................................................................. 33653, 197

previDência privaDa – ação De cobrança – prescrição quin-quenaL – Dies a quo

• agravo regimental nos embargos de declaração no recurso especial. Civil. Previdência privada. ex-participante. restitui-ção a menor de reserva de poupança. Diferenças de correção monetária (expurgos inflacionários). Prescrição de fundo dedireito. Prazo quinquenal ................................................... 33654, 197

previDência privaDa – reLação De trato sucessivo – preten-são De utiLização De tempo De serviço especiaL reconHeciDo peLo iNss – inviabiLiDaDe

• recurso especial. Civil. Previdência privada. Cessivo. revisão de cerceamento de defesa. Prova pericial indeferida. Funda-mento inatacado. súmula nº 283/sTF. Prescrição quinquenal. relação de trato sucessivo ................................................ 33655, 198

processo civiL – Hasta púbLica – intimação Ficta – ciência inequívoca – vaLiDaDe

• agravo regimental no agravo de instrumento. embargos à ar-rematação. Decisão monocrática que negou provimento ao reclamo. irresignação dos demandantes ........................... 33656, 199

processuaL civiL – interposição De recurso via Fax – exeGese

• Processual civil. Pedido de reconsideração recebido como agra-vo regimental no agravo em recurso especial. recurso proto-colizado via fax. original não apresentado ........................ 33657, 199

recurso especiaL – ausência De recoLHimento Do porte De remessa e retorno – Deserção

• agravo regimental no agravo em recurso especial. ausên-cia de recolhimento do porte de remessa e retorno. Deser-ção. inaplicabilidade do disposto no art. 511, § 2º, do CPC. Decisão mantida por seus próprios fundamentos. agravo desprovido ........................................................................ 33658, 200

recurso especiaL – comprovação De FeriaDo LocaL – ônus Da parte

• Processual civil. agravo regimental no agravo em recurso es-pecial. intempestividade do recurso especial. recesso forense. Não comprovação. Documento idôneo. recurso não provido ........................................................................................... 33659, 200

recurso especiaL contra Decisão monocrática – não cabi-mento

• agravo regimental nos embargos de divergência no agravo em recurso especial. recurso interposto contra decisão mo-nocrática. impossibilidade. Precedentes da segunda seção. inconformismo da ré ......................................................... 33660, 200

recurso especiaL contra Decisão monocrática – não esGota-mento De instância – inaDmissibiLiDaDe

• agravo regimental no agravo em recurso especial. recur-so interposto contra decisão monocrática. Não exaurimento das vias ordinárias. súmula nº 281/sTF. agravo regimentalimprovido ........................................................................... 33661, 201

recurso especiaL – Decisão De aDmissibiLiDaDe com base no art. 543-c – aDmissibiLiDaDe Do aGravo interno

• agravo regimental. agravo em recurso especial. Decisão de admissibilidade. Negativa com base no art. 543-C do CPC. agravo interno. Único recurso cabível ............................... 33662, 201

recurso especiaL – preparo irreGuLar – DeFiciência na com-provação Do recoLHimento – preencHimento Das Guias

• agravo regimental. agravo em recurso especial. Deserção. recurso especial. Custas judiciais. resolução nº 1/2014. uti-lização indevida de Gru simples. Gru cobrança. Necessi-dade. recurso não provido ................................................ 33663, 201

• Processual civil. agravo regimental no agravo em recurso espe-cial. Preparo irregular. Deficiência na comprovação do recolhi-mento. Falta de correspondência entre o número constante no código de barras da guia de recolhimento e o respectivo com-provante de pagamento. Descumprimento do art. 511 do CPC. Deserção. agravo regimental improvido ............................ 33634, 202

responsabiLiDaDe civiL – conFLito entre LiberDaDe De imprensa e a DiGniDaDe Da pessoa Humana – Dano moraL reconHeciDo

• agravo regimental no agravo (art. 544 do CPC). ação indeni-zatória. liberdade de imprensa e livre manifestação do pensa-mento em confronto com a dignidade da pessoa humana e a proteção à honra e à imagem do cidadão. Decisão monocráticaque negou provimento ao recurso. irresignação da ré ...... 33665, 202

revisão De aLimentos – nova proLe – aDmissibiLiDaDe

• agravo de instrumento. Família. ação de revisão de alimentos. Filho menor. redimensionamento. a exoneração ou redução dos alimentos, assim como a majoração, somente se justifica quando comprovada alteração no binômio necessidade/possibi-lidade e, em sede de antecipação de tutela, essa prova deve serinequívoca de plano ........................................................... 33666, 203

socieDaDe anônima – responsabiLiDaDe civiL Dos acionistas controLaDores – abuso De poDer

• recurso especial. Processual civil e empresarial. Julgamento antecipado da lide. Cerceamento de defesa (CPC, art. 130). Não ocorrência. sociedade anônima ................................. 33667, 203

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Índice cÍvel e PenalRevista JuRÍdica 445

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PeNal e ProCessual PeNal

assunto

caLúnia

• Penal. Processual penal. apelação criminal. roubo qualifi-cado. Pedido de absolvição e insurgência ante o reconheci-mento da qualificadora e em face da pena base exacerbada. subsistência em parte. Condenação mantida e qualificadora caracterizada. elementos inerentes ao tipo penal não podem ensejar exacerbação da pena base ................................... 31047, 229

competência

• Penal e processo penal. Conflito negativo de competência.Justiça estadual x justiça federal ....................................... 31048, 229

corrupção passiva

• Processo penal. embargos de declaração. Corrupção passiva. Perda de cargo público. art. 92, do Código Penal. aposentado-ria superveniente. exame da prova. inexistência de contradi-ção, omissão e obscuridade .............................................. 31049, 230

crime De reDução De trabaLHaDor à conDição anáLoGa à De escravo

• Penal e processual penal. Crimes de redução de trabalhador à condição análoga à de escravo (art. 149/CP). lesão corpo-ral de natureza grave (CP, art. 129, § 1º, ii) e porte de arma de fogo (art. 14 da lei nº 10.826/2003) prova da materialidade e da autoria. Pena mantida. Devolução de armas e motos-serra. impossibilidade. inexistência de registro e de licença.apelação desprovida ......................................................... 31050, 230

Denunciação caLuniosa

• apelação criminal. Denunciação caluniosa. absolvição. insu-ficiência de provas. Não verificação. Princípio da insignificân-cia. inaplicabilidade. redução da pena. substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Cabimento. Transação penal. Cabível somente nos crimes de menor poten-cial ofensivo ....................................................................... 31051, 230

estupro

• Processual penal. recurso ordinário em habeas corpus. es-tupro tentado. réu preso durante a instrução criminal. super-veniência da sentença condenatória. Persistência dos motivos ensejadores da constrição cautelar. Garantia da ordem pública. reiteração delitiva. Condições pessoais. insuficiência. Motiva-ção idônea. recurso ordinário desprovido ........................ 31052, 231

FaLso testemunHo

• Penal. Falso testemunho. Não auto-incriminação. Direitoconstitucional. absolvição .................................................. 31053, 232

Furto quaLiFicaDo

• recurso de apelação criminal. Furto qualificado absolvição. Desclassificação. impossibilidade, na espécie. Édito conde-natório mantido. recurso não provido. o consistente conjun-to probatório produzido evidencia a incursão do agente no injusto previsto no art. 155, § 4º, inciso i, do Código Penal, afastando qualquer possibilidade de absolvição. apelaçãoconhecida e não provida ................................................... 31054, 232

Furto simpLes

• apelação criminal. Furto simples. assistência judiciária. impos-sibilidade. Prescrição configurada. reconhecimento de ofício ........................................................................................... 31055, 232

HomicíDio quaLiFicaDo

• Habeas corpus. Processo penal. Homicídio qualificado. Prisão preventiva. Conclusão do inquérito policial. Não recebimento da denúncia. Devolução para diligências. indeferimento da revo-gação da prisão. Desnecessidade. Constrangimento ilegal con-figurado. ordem concedida. unanimidade ........................ 31056, 233

inserção De DaDos FaLsos em sistema De inFormações

• Penal e processual penal. apelação. inserção de dados fal-sos em sistema de informações. Crime formal. vantagem indevida. exaurimento ...................................................... 31057, 233

invasão De DomicíLio

• Habeas corpus. invasão de domicílio (art. 150, § 1º, do Código Penal). suspensão condicional do processo. aceitação. Pre-judicialidade do writ. inexistência ...................................... 31058, 233

moeDa FaLsa

• Penal e processual penal. Moeda falsa. introdução em circu-lação. art. 289, § 1º, do Código Penal. Dosimetria da pena. exacerbação. impropriedade. Circunstâncias judiciais ine-rentes ao tipo penal. Consequências do crime a se valorar negativamente. Correção do elastério previsto na sentença, próximo ao mínimo legal. Fixação do valor mínimo fixado a título de reparação do dano. art. 387, iv, CPP. ausência de justa fundamentação para modificar os termos da sentença.apelação improvida ........................................................... 31059, 235

pecuLato

• Direito penal. Peculato. art. 312 do CP. Pasep. saques indevi-dos. Materialidade, autoria e dolo comprovados. Condenação mantida. Pena-base. Culpabilidade inerente ao tipo. Compor-tamento da vítima. valoração positiva. Descabimento. Con-tinuidade delitiva ................................................................ 31060, 235

princípio Da insiGniFicância

• Penal e processo penal. agravo regimental no recurso espe-cial. 1. Furto de cabos de cobre. Princípio da insignificância. inaplicabilidade. acusado reincidente. seis condenações tran-sitadas em julgado por delitos contra o patrimônio. 2. agravoregimental improvido ......................................................... 31061, 236

prisão cauteLar

• Habeas corpus. Processual penal e penal. sentença de pro-núncia. Prisão cautelar. inexistência de qualquer ilegalidade na constrição da liberdade do paciente. Prisão domiciliar. im-possibilidade. excesso de prazo. inocorrência. inteligência do enunciado da súmula nº 21 do sTJ .................................. 31062, 236

prisão em FLaGrante

• recurso ordinário em habeas corpus. Duas tentativas de homi-cídio. Prisão em flagrante convertida em preventiva. Circunstân-cias do crime. Gravidade. Periculosidade do agente. Garantia da ordem pública. agente tentou empreender fuga. Conveni-ência da instrução criminal e aplicação da lei penal. Custódia

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Revista JuRídica 445índice cível e Penal

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fundamentada e necessária. incidência de medidas alternati-vas. supressão. Coação ilegal não demonstrada. reclamo em parte conhecido e nesse ponto improvido ......................... 31063, 237

prisão preventiva

• Penal. Processual penal. art. 366 do CPP. réu que se au-senta do distrito da culpa e não fornece atualização do ende-reço. Prisão preventiva decretada. ausência de ilegalidade praticada. Decisum prolatado com judicialidade. ordem dene-gada ................................................................................... 31064, 237

• Processual penal. recurso ordinário em habeas corpus. Homicídio qualificado na forma tentada. Prisão preventiva. alegada ausência de fundamentação do decreto prisional. Pe-riculosidade do agente. reiteração criminosa. recorrente que já responde a outros processos criminais. Garantia da ordempública. recurso ordinário desprovido .............................. 31065, 238

roubo circunstanciaDo

• Penal. roubo circunstanciado. Dosimetria. Maus anteceden-tes. Pena-base exasperada. Proporcionalidade e adequação. Manutenção do aumento. Confissão espontânea e reincidên-cia. Compensação integral. inviabilidade. sentença parcial-mente reformada ............................................................... 31066, 238

tráFico De DroGas

• Habeas corpus. associação para o tráfico de drogas. ex-cesso de prazo na instrução criminal. ocorrência. Falta de razoabilidade. Manifesto constrangimento ilegal. Prisão pre-ventiva. art. 312 do CPP. Periculum libertatis. indicação ne-cessária. Fundamentação insuficiente. aditamento do tribunal ao decreto constritivo. vedação em habeas corpus. ordemconcedida de ofício ............................................................ 31067, 239

• Habeas corpus. Prisão preventiva. Delito de tráfico e as-sociação ao tráfico. Decisão devidamente fundamentada.

Necessidade de resguardar a ordem pública e aplicação da lei penal. inocorrência de excesso de prazo. Demora devi-do às peculiaridades do processo. Presença dos requisitos previstos no art. 312 do CPP. ordem denegada ............... 31068, 240

• “Penal. Processo penal. embargos infringentes. Tráfico trans-nacional de substância entorpecente (cocaína). Divergências quanto à aplicação da atenuante de confissão espontânea e à incidência da minorante prevista no art. 33, § 4º, da lei nº 11.343/2006. embargos a que dá provimento............... 31069, 240

tráFico De entorpecente

• Penal. Processo penal. Habeas corpus. Tráfico de entorpecen-tes. Prisão preventiva. alegado excesso de prazo. inocorrência. aplicação do princípio da razoabilidade. Complexidade da cau-sa. Habeas corpus denegado ............................................ 31070, 241

tráFico iLícito De entorpecente

• Direito penal e processual penal. revisão criminal. Tráfico ilícito de entorpecentes. extensão de benefício com redução de con-denação. Descabimento. reexame de provas. via inadequada. revisão criminal improcedente .......................................... 31071, 241

tribunaL Do Júri

• apelação. Penal e processual penal. Tribunal do júri. Homicí-dio qualificado (art. 121, § 2º, iv do Código Penal). Pena de 12 (doze) anos de reclusão no regime inicial fechado. Julga-mento manifestamente contrário à prova dos autos. inocorrên-cia. Decisão do conselho de sentença com lastro probatório. Precedentes. inteligência da súmula nº 6 desta Corte. recurso conhecido e improvido ....................................................... 31072, 241

• apelação criminal. Tribunal do júri. Homicídio triplamente qualifi-cado. Circunstâncias favoráveis. redução da pena-base. Com-pensação. Furto. Prescrição retroativa. reconhecimento deofício .................................................................................. 31073, 242