12ª edição do canto da liberdade

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CR Feminino de Piracicaba inova com atividades culturais. Contardo Calligaris, psiquiatra e colunista da Folha de S. Paulo fala ao Canto. Desfile DASPRE agita o Centro da capital paulista. CANTO LIBERDADE Publicação Funap - Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” - distribuição no sistema penitenciário de São Paulo Junho de 2010 edição 12 ª da ENEM certifica pela primeira vez participantes do sistema prisional paulista RAPensando a Educação movimenta a Penitenciária I de Hortolândia.

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12ª edição do Canto da Liberdade

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CR Feminino de Piracicaba inova com atividades culturais.

Contardo Calligaris, psiquiatra e colunista da Folha de S. Paulo fala ao Canto.

Desfile DASPRE agita o Centro da capital paulista.

cantoliberdade

Publicação Funap - Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” - distribuição no sistema penitenciário de São Paulo

Junho de 2010 edição 12 ª

da

ENEM certifica pela primeira vez participantes do sistema

prisional paulista1º RAPensando a Educação movimenta a Penitenciária I de Hortolândia.

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Participe do Canto

cantoda l i b e r d a d e

Editorial

Olá a todos os leitores do Canto da Liberdade! Estamos de volta com mais uma edição. A sua carta sempre será bem-vinda, pois o Canto da Liberdade é o seu canal de comunicação! Participe!

“Tenho encontrado um desejo invejável de viver.Pedi a Deus força para alcançar as coisas;Ele me fez fraco e tive de aprender humildemente a obedecer.Pedi riquezas, porque queria ter respeito dos homens;Deu-me a fraqueza, de modo que precisasse sentir a necessidade de Deus. Pedi todas as coisas, para que pudesse apreciar a vida; Recebi a vida, para que pudesse apreciar todas as coisas.Não recebi nada do que pedi, mas tudo o que esperava.Apesar de estar preso, minhas preces foram ouvidas.Eu sou, entre todas as pessoas, o mais abençoado!Que Deus abençoe você também!”Bruno Gutemberg – Penitenciária de Iaras

Já dizia o renomado cientista e pesquisador Jean Piaget: “A principal meta da educação é criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram. Homens que sejam criadores, inventores, descobridores. A segunda meta da educação é formar mentes que estejam em condições de criticar, verificar e não aceitar tudo que a elas se propõe”.

Assim, a educação é libertadora! Ela solta os grilhões da falta de conhecimento e traz aos indivíduos ferramentas para reivindicarem seus direitos, para conseguirem uma oportunidade de trabalho digno, para viajarem a outro mundo por meio da leitura, para libertarem o espírito, enfim, para sonharem com um novo e diferente destino.

É justamente por toda essa riqueza de possibilidades que a EDUCAÇÃO foi escolhida como matéria de capa para mais esta edição do “Canto da Liberdade”. Um dos alicerces no complexo processo de ressocialização, a Educação dentro das prisões é uma realidade praticada há muitos anos pelos profissionais da FUNAP.

Mais do que um simples ‘saber fazer’, alguns resultados têm comprovado, por meio de indicativos claros e objetivos, que a Educação praticada pela FUNAP dentro das prisões, com metodologia e contextos próprios, além de um direito do apenado, pode ser uma via para alçar novos vôos. É o caso de alguns participantes do ENEM 2009, que obtiveram a classificação e, consequentemente,

“Estude, leia bons livros, comece a guardar tesouros que as traças e ferrugem não consomem. Um livro é o melhor amigo que você pode ter. Vai te passar conhecimentos, vai te levar a lugares nunca dantes imaginados, vai aumentar o seu vocabulário, vai te fazer mais interessante, vai lhe dar condições de avaliar melhor as futuras escolhas... Sem você perceber, vai começar a moldar o seu caráter”.Wadson Pereira de Souza – Penitenciária de Presidente Bernardes “Desistir é a saída dos fracos. Insistir é a alternativa dos fortes. Deus abençoe todos vocês da FUNAP por se preocuparem com um mundo melhor para os menos favorecidos”. Diego Lopes Moreira – PII de Itapetininga

“Às vezes é preciso errar para aprender, porque quem não senta para aprender jamais ficará em pé para ensinar”.Gledson Gonçalves – CDP Pinheiros III

Escreva-nos sempre! Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” – FUNAP A/C COMUNICAÇÃOR. Dr. Vila Nova, 268 - Vila Buarque - São Paulo / SP / CEP: 01222-020

a certificação e poderão, se assim quiserem, buscar bolsas como o ProUni para cursar o Ensino Superior.

Além da matéria de capa que traz o índice de aprovação dos participantes do último ENEM, a equipe de reportagem do Canto acompanhou uma tarde da ‘Sessão Pipoca’ realizada na Escola do Centro de Ressocialização Feminino de Piracicaba, como parte do processo de integração cultural.

Outra matéria interessante, que é destaque da seção ‘ExtraMuros’, foi o inédito desfile da DASPRE que, literalmente, parou a região central da capital paulista, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. As reeducandas da Penitenciária Feminina do Butantan deram um show de desenvoltura, beleza e simpatia ao mostrarem algumas peças da grife que liberta - DASPRE.

Finalizando esta edição, o psiquiatra e colunista do jornal Folha de S. Paulo, Contardo Calligaris, revela uma nova abordagem da questão da mulher presa e, mais especificamente, da situação prisional brasileira que, segundo ele, traz embutida uma condenação moral que muito pesa ao egresso. Vale a pena uma leitura atenta.

Desejo a todos uma ótima leitura! Lúcia Maria Casali de Oliveira - Diretora Executiva

EXPEDIENTEFUNAP - Fundação “ Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” Presidente: Arthur Allegreti JollyDiretora Executiva: Lúcia Maria Casali de OliveiraChefe de Gabinete: Rosália Maria Andreucci Naves AndradeJornalista: Joyce Malet Kassim Vitorino (MTB 50973)Estagiária de Jornalismo: Verônica Gallo Petrelli

Diagramação: João Carlos Marcondes da SilvaColaboradores: Regionais São Paulo/Vale; Grande São Paulo/Litoral; Campinas/Sorocaba; Presidente Prudente; Bauru; Ribeirão Preto; Araçatuba.

Educação de Resultado

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Extramuroscantoda l i b e r d a d e

DASPRE Promove 1º Desfile no Centro de SP

Em comemoração aos 100 anos da instituição do 8 de março como Dia

Internacional da Mulher, a grife das presas de São Paulo - “DASPRE” – promoveu seu primeiro desfile, no Pátio do Colégio, região central da capital paulista.

A atração ocorreu no dia 10 de março e fez parte da Exposição Cidadania da Mulher, iniciativa do Conselho Estadual da Condição Feminina e da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, e teve por objetivo divulgar na passarela alguns acessórios e tendências da grife das presidiárias.

As modelos selecionadas são presas que cumprem pena em regime semiaberto na Penitenciária Feminina do Butantan, em São Paulo. Ao todo foram 14 presas e uma egressa que conquistou a liberdade no sábado anterior ao desfile e, mesmo assim, quis participar. “Aquela sensação de que estou de volta à sociedade, sou uma pessoa normal no meio de todo mundo é maravilhosa, mas participei porque acredito no projeto”, conta a egressa Tatiana Nascimento.

Já a reeducanda Liana Larossa, primeira a entrar na passarela, mostrou desenvoltura e simpatia que chamaram a atenção da platéia que, mesmo sob um sol escaldante, marcou presença. “Eu me senti livre, livre por um momento. A gente estando fora da unidade, sem uniforme, é liberdade”, contou emocionada.Fruto de um projeto social desenvolvido pela FUNAP, a DASPRE tem por objetivo reconhecer, aprimorar e distribuir o artesanato produzido pelas detentas do Estado de SP.

São diversos produtos confeccionados com muito carinho e capricho. Para essas mulheres é a oportunidade de alcançar sua cidadania. Todas as peças podem ser encontradas na loja “Do Lado de Lá”, na Vila Buarque.

“Se elas tiverem oportunidade, elas e qualquer preso forem capacitados, são capazes de produzir, ter geração de renda e, acima de tudo se integrar à sociedade que é o sonho de todos nós e assim diminuir a criminalidade”, falou Lúcia Casali, diretora da FUNAP e idealizadora do projeto.

A Exposição Cidadania da Mulher contou com outras programações como palestras e atendimento ao público, visando à divulgação de políticas, programas e serviços de todas as Secretarias e órgãos do Governo do Estado de São Paulo voltados especificamente para a mulher.

O evento foi uma excelente oportunidade para mostrar, mais uma vez, a criatividade das participantes e a importância de projetos que despertem a criatividade e elevam a autoestima.

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Presas da Penitenciária Feminina do Butantan tiveram um dia de modelo no desfile DASPRE.

As participantes que prepararam algumas das peças desfiladas. Todas trabalham na Oficina Experimental DASPRE

A mídia prestigiou o evento. Liana Larossa mostrou muita desenvoltura na passarela.

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Projeto Político Pedagógico, Diretrizes Nacionais, Resultado do ENEM...

Em pauta: Educação dentro das Prisões

cantoda l i b e r d a d e

A rotina dentro de uma unidade prisional é, para muitos, uma

incógnita. Parte da população acredita que a ociosidade impera dentro das quatro muralhas. No entanto, há uma tentativa de tornar cada vez mais público e notório o que de bom tem sido realizado para este universo de quase 165 mil pessoas que cumprem pena no Estado de São Paulo.A Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” - F UNAP - existe há mais de três décadas com o propósito de “contribuir para na recuperação social do preso e para a melhoria de sua condição de vida, através da elevação do nível de sanidade física e moral, da capacitação profissional e do oferecimento de oportunidade de trabalho remunerado”.Dentro destas vertentes estabelecidas, a Educação representa um destes pilares no processo de ressocialização. A F UNAP executa em São Paulo o maior programa de educação nas prisões do Brasil. Mensalmente, cerca de 16 mil alunos frequentam as salas de aula, que se dividem em turmas de alfabetização, ensino fundamental e ensino médio. As aulas são ministradas, em sua maioria, por monitores-presos de educação que são selecionados, capacitados e supervisionados por uma equipe técnica da Fundação.

Diretrizes Nacionais

Reunido no início de fevereiro deste ano, o Conselho Nacional de Educação, órgão de proposição e deliberação das políticas nacionais de educação, aprovou texto que estabelece as Diretrizes Nacionais

para Oferta de Educação nas Prisões, mecanismo por meio do qual os Estados e a União deverão pautar a educação como prioridade no tratamento das pessoas privadas de liberdade.O texto aprovado, de autoria do relator Adeum Sauer - ex-secretário de educação da Bahia e membro da Câmara de Educação Básica do CNE - é fruto de amplo debate entre os Ministérios da Educação e da Justiça, Estados e sociedade civil, e já fora objeto de Resolução do Conselho

Nacional de Políticas Criminais e Penitenciárias, órgão responsável pelas políticas criminais no Brasil.Dentre as principais determinações está a responsabilização dos órgãos gestores dos estados - Secretarias Estaduais de Educação e da Administração Penitenciária - que deverão organizar a oferta e a certificação dos processos de escolarização nas prisões. “Desde o início dos trabalhos da F UNAP com a Educação, desenvolvemos um corpo

profissional e uma proposta político-pedagógica adequados à realidade do sistema prisional paulista”, informa Lúcia Casali, diretora-executiva da Fundação, destacando que as Diretrizes Nacionais apontam a necessidade de implantar um projeto educacional que leve em consideração a realidade específica do local e público beneficiário.“Com a aprovação das Diretrizes Nacionais, a F UNAP e a Secretaria de Educação de São Paulo deverão organizar juntas o aprimoramento deste programa”, destaca Casali.

Projeto Político PedagógicoNo início de maio, toda a equipe da DIFHOR - Diretoria de Formação, Capacitação e Valorização Humana da F UNAP esteve reunida em auditório da USP Maria Antônia para apresentação do Projeto Político-Pedagógico, que tem como finalidade traçar as diretrizes para a educação nas prisões paulistas.O projeto discutido compreende a revisão do “Tecendo a Liberdade”, programa educacional que é realizado desde 2004. Constitui, portanto, a consolidação e sistematização da ação educativa da F UNAP, talhada ao longo de algumas décadas pelas mãos dos diversos atores que, por meio de sua práxis, construíram uma experiência única em educação a partir da prisão, considerando suas peculiaridades e, sobretudo, buscando apontar para novas direções e possibilidades. Isso configura uma atuação que, como diria Paulo Freire, considera a realidade do educando, mas também busca sua superação, pois a educação,

Atividades culturais, como a ‘sessão pipoca’ no CR Feminino dePiracicaba, fazem parte da rotina dentro das Escolas no sistema

prisional paulista.

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na Penitenciária II de Sorocaba e fala sobre sua experiência. “O acompanhamento é bem próximo, na preparação das aulas e no trabalho em torno dos eixos temáticos. O retorno é muito positivo”.

Certificação e ResultadosA 4ª edição do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) realizado no sistema prisional paulista foi bem diferente para os 4.216 presos que fizeram a prova, nos dias 5 e 6 de janeiro. O exame foi usado pela primeira vez para atestar a conclusão do ensino médio para os que cumprem suas penas nas penitenciárias do Estado.No ensino médio, o currículo segue os moldes do ENEM. É dividido em 4 áreas: Ciências da Natureza, Humanas, Matemática e Português. Para garantir o diploma de conclusão do ensino médio, a pontuação mínima exigida é de 400 nas 4 áreas de conhecimento e 500 na Redação. No Exame de 2009, 75% dos presos de São Paulo foram aprovados em pelo menos uma área. Desta forma, podem eliminar parte da prova em avaliações como o Exame Supletivo (CESU). Dos 4.216 participantes do ENEM, 26,2% tiraram o diploma de conclusão do ensino médio. A área que obteve o maior índice de aprovação foi Ciências da Natureza e suas Tecnologias, com 70,87%. Já a área de menor índice de aprovação foi Ciências Humanas e suas Tecnologias, com 59,23%. A Redação, cujo tema foi os desafios da inclusão digital, teve um índice significativo de aprovação: 56,7% e um outro detalhe é que a nota mínima é 500.Um dos reeducandos que obteve uma das maiores notas em Redação, com direito a citação de Jim O´Neil e os Brics em seu texto, foi o monitor Claudinei Valentim. Aos 34 anos, Valentim atua como monitor na

Penitenciária II de Sorocaba, ministrando aulas de Geografia e História. Prestou o ENEM com o claro objetivo de tentar uma bolsa pelo programa ProUni e cursar engenharia petroquímica. Finalizou sua Redação dizendo: “Somente assim, através da iniciativa estatal e privada, é que haverá um avanço na estrutura tecnológica e acesso por parte de todos às informações no Brasil”.

E não é apenas Claudinei que reflete, por meio de seus textos, a importância do acesso à educação para aqueles que estão privados de seu direito de ir e vir. Trazendo à tona a relevância do ensino e do aprendizado no processo de formação do indivíduo, o reeducando Benedito Aparecido da Silva, da Penitenciária de Getulina, transporta – assim como Claudinei – bonitas palavras ao papel, por meio de uma carta enviada à equipe do Canto da Liberdade: “Observando um formigueiro com suas milhares de formiguinhas, somente uma dúzia delas me chamaram maior atenção: elas possuíam asas, o que as diferenciava das demais companheiras. Numa prisão, os que estudam são comparados a essas formigas com asas, onde uma pequeníssima parte faz a diferença em meio à grande maioria!”

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entre outras coisas, é o compromisso com a mudança. A revisão do Projeto “Tecendo a Liberdade”, seis anos após sua implantação, representa, também, esse processo de superação.“O documento elaborado é o reflexo de um processo coletivo de construção. O próprio binômio processo-coletivo denota que as coisas não estão acabadas, que as contribuições sempre se somarão ao projeto”, explica o superintendente Felipe Athayde Lins de Melo. O Projeto Político-Pedagógico parte do princípio de que educador e educando são sujeitos do processo educativo, tanto um como outro aprendem e ensinam nesse processo. Deste princípio, são definidos os objetivos principais do Projeto, quais sejam, assegurar aos jovens e adultos presos o acesso à aquisição de conhecimentos, atitudes e valores, por meio de ações formais e não formais de educação, cultura e formação profissional; e possibilitar a elevação da escolaridade dos educandos jovens e adultos presos e o fortalecimento da cidadania, assegurando desta forma o direito à educação.

Em abril, 516 monitores-presos estavam sob a supervisão de um monitor orientador em cada unidade prisional. Um destes monitores orientadores, Giuliano Verga, atua

Sala de aula no recém-inaugurado CDP de Franca

Biblioteca na Penitenciária II de Lavínia retrata a movimentação e interesse dos alunos

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Intramuroscantoda l i b e r d a d e

CR Feminino de Piracicaba traz exemplos de inovação e dedicação

Jovem, de longos e escuros cabelos, a sul-coreana Young Ran Cha começa

falando de sua formação acadêmica e da mais recente experiência profissional. Formada em Administração de Empresas pela Faculdade Osvaldo Cruz, na capital paulista, Young há 3 meses dedica-se à arte de lecionar. E não é para qualquer tipo de aluno. Seu público é composto por cerca de 30 reeducandas que participam das atividades escolares e culturais do Centro de Ressocialização Feminino de Piracicaba.Young está presa desde 2008 e aos 45 anos foi surpreendida pelo amor ao ensino e seus olhos brilham quando diz “hoje eu sei o que é ser professora”. Deixou a Coréia do Sul com seus pais aos 6 anos e morou algum tempo no Paraguai, onde foi alfabetizada. Conta que, quando criança, admirava seus professores e sempre que possível os presenteava com maçãs e outros mimos.

Desde quando cumpria pena em regime fechado, Young está envolvida com a escola. “No início, tinha muito receio se conseguiria passar algum conhecimento às meninas. Mas, com o suporte e orientação dos monitores da FUNAP, aliados a minha própria dedicação, o trabalho se tornou muito gratificante”, declara Young.

Sem o respaldo da direção da unidade prisional, todo trabalho proposto pode ser infrutífero. No entanto, a diretora geral, Dra. Cleonice Aparecida da Silva, apóia e auxilia na divulgação das atividades específicas neste complexo processo de ressocialização. “O projeto ‘Sessão Pipoca’, por exemplo, tem por objetivo transmitir mensagens especiais de motivação e superação, além de elevar a autoestima e possibilitar um meio de interação no convívio diário”, afirma a diretora.A estagiária da FUNAP, Débora Alves de Macedo, endossa esta filosofia de trabalho. “Vivencio uma experiência indescritível neste lugar. Cheguei crua e tenho certeza que sairei com uma maturidade significativa”. Certamente, as palavras utilizadas pela bela Young para descrever o seu trabalho no sistema são as mesmas de Débora: “satisfação e gratidão”.

de ser neste tipo de concurso, as medidas (quadril, busto, altura e peso). Depois de desfilarem em traje social e incitarem torcidas exaltadas na plateia, houve uma pausa de 30 minutos para o cômputo das notas. O primeiro resultado divulgado foi da Redação. Verônica Espíndula Vaz levou o prêmio com a redação “Tempo para Confiar”. Em seguida, foi anunciada a reeducanda mais simpática do Concurso, a lisboeta Marisa Monteiro, dona de um sorriso encantador.O momento mais aguardado da tarde foi anunciado pelo diretor da Revista MAXIM, André Jalonetsky, patrocinador desta categoria. A inovação desta edição foi o fato de serem selecionadas as 5 mais belas, sem classificação hierárquica. Além disso, as 5 vencedoras foram convidadas pela Revista para participar de um ensaio fotográfico sensual para a próxima edição. As vencedoras mais belas foram: Vanessa de Oliveira, Priscila Marino, Gisele Aparecida, Maria Kelly e Vanessa de Souza.Com certeza, ações diferenciadas como esta provam que a beleza, inteligência e ações positivas podem ser cultivadas nos mais diversos solos.

A capela ecumênica da Penitenciária Feminina do Butantan foi palco do já

tradicional Concurso de Beleza promovido pela unidade há 3 anos consecutivos. O concurso, segundo a diretora da unidade, Dra. Gizelda Morato Costa, tem como objetivo promover a humanização e valorização social da mulher que vive em situação de aprisionamento. As participantes se apresentaram na tarde do dia 17 de abril, para uma plateia de mais de duzentas pessoas, entre elas não apenas as companheiras de cárcere, mas imprensa especializada, universitários e demais convidados. A mestre de cerimônia que conduziu a primeira parte do evento foi Ana Paula Junqueira, presidente da Liga das Mulheres Eleitoras do Brasil e secretária geral da Associação das Nações Unidas no Brasil, desde 2005. Ela explicou que a 1ª fase do concurso ocorreu no dia 17 de março. “Foram 97 mulheres inscritas e foram classificadas 18 para a categoria Beleza, 10 para a categoria Simpatia e 7 para Cultura”, explicou.A primeira categoria apresentada foi Cultura e as finalistas tiveram a oportunidade de

ler suas redações. Já a segunda apresentada foi Simpatia. As finalistas desfilaram e os quesitos considerados pelos jurados, além da simpatia, foram sorriso, expressão, postura e carisma. As finalistas de ambas as categorias desfilaram com roupas produzidas pelas participantes da DASPRE.Finalmente, as classificadas da categoria Beleza foram apresentadas. Conforme anunciadas, cada uma foi apresentada em detalhes aos jurados e platéia, com informações como naturalidade, idade, gosto literário, musical e, como não poderia deixar

Na passarela: Cultura, Simpatia e muita Beleza atrás das grades

Young Ran Cha mostra no mapa seu país de origem.

As vencedoras da categoria Beleza

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Mais uma das iniciativas de proporcionar uma carreira profissional de sucesso

aos reeducandos do sistema prisional paulista surge em meio às celas do cárcere, trazendo esperanças de um futuro profissional promissor àqueles que sonham com a liberdade. Desta vez, a responsável por propiciar essa oportunidade é a Penitenciária II de Itirapina, por meio de uma ideia que partiu do diretor da unidade, Dr. Péricles Fiori de Souza. Trata-se de curso de soldagem ministrado aos sentenciados do regime semiaberto por professores do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Tal curso traz uma especificidade muito gratificante: a empresa MecMaq (produção de máquinas agrícolas), que possui uma oficina de produção dentro da unidade prisional, resolveu investir no aprimoramento de sua mão-de-obra e está subsidiando o curso de soldagem para os participantes, cobrindo custos extras.

A iniciativa existe desde janeiro de 2009 e 43 alunos já passaram pelas quatro turmas do curso. A última turma formou-se em maio desse ano e todos obtiveram seus diplomas. De acordo com o diretor Péricles e com o proprietário da oficina de produção, Leonel Frias Júnior, a melhora no desempenho dos reeducandos já é nítida.

“O curso foi uma rica oportunidade de aprender um ofício que antes eu não possuía”, afirma o aluno Júlio César Serafim. “É deste tipo de iniciativa que o sistema prisional necessita. Assim, o indivíduo preso pode retornar à sociedade de forma digna”.O reeducando José Brandão de Aquino conta que a cada dia está aprendendo mais na profissão de soldador. “Agora, com previsão de futuro profissional, minha família está montando uma serralheria em que irei trabalhar quando estiver em liberdade, na cidade de Caieiras”, relata José. O mesmo acontece com os formandos Marcos Rogério dos Santos, Waldir Cernew, Leandro Carlos Passoni e Ademir Dias Oliveira que, por meio da experiência adquirida, afirmam ter emprego garantido quando conquistarem a liberdade.Deste modo, positivamente, os reeducandos de Itirapina podem atestar que essas iniciativas proporcionam esperança e oportunidades àqueles que transporão, no futuro, as paredes implacáveis da prisão.

Penitenciária II de Itirapina: reeducandos com ferramentas para um futuro profissional melhor

Cultura

acompanhando Dexter em o “Oitavo Anjo”. A letra é um retrato da vida na prisão. Versos como “pra sobreviver por aqui tem que ser, mesmo no inferno é bom saber com quem se anda, se não embaça, vira, desanda” e “as grades te fazem chorar, a saudade na direta, vem ti visitar” são realidades vividas por cada um dos reeducandos que cumprem suas penas.

O saldo do dia foi positivo, de acordo com a gerente da Regional Campinas, Elisande de Lourdes Quintino. “Este evento cultural serviu para emocionar, divertir, fazer pensar por meio das diversas apresentações”, concluiu. O incentivo final ficou por conta de um artista que aprendeu na prática – e ainda cumpre sua pena aprendendo. Parafraseando Monteiro Lobato, Dexter afirmou que “um país se faz com homens, livros, música e oportunidade”. E acrescentou: “busque sempre a oportunidade, encontre uma brecha e entre, não fique esperando, não!”. Afinal, toda e qualquer revolução deve começar dentro de cada um de nós.

“Malandragem de verdade é viver”. Foi desta forma que o reeducando Marcos Fernandes

de Omena, mais conhecido como Dexter, saudou todo o pavilhão onde cumpre pena em regime semiaberto, na Penitenciária I de Hortolândia. Na presença de alguns convidados, a atração mais aguardada daquele dia voltado exclusivamente à cultura foi, sem dúvida, o dueto que o artista fez com o conhecido ‘poeta do Rap’, Genival Oliveira Gonçalves, o GOG. Diretamente da capital federal, GOG foi a grande estrela na 1ª edição do RAPensando a Educação.O objetivo do projeto foi promover a integração entre os reeducandos por meio de várias atividades culturais desenvolvidas pela e na Escola, além de debates sobre a importância da manifestação artística. Exemplos da mais pura brasilidade foram expostos ao longo do dia. Diversas preferências musicais foram atendidas: samba, Hip Hop, funk, dança de rua e teatro. “Nosso desejo é mostrar o outro lado do sistema prisional, revelar situações positivas

em relação aos presos”, afirmou o diretor geral da unidade, Dr. Jurandyr Kenes Junior.O dia era mesmo de festa. Por alguns instantes, aquela multidão no pavilhão se esqueceu de onde realmente se encontrava. O reeducando Washington José Inácio, um dos integrantes do grupo de teatro “Fazendo Arte”, foi uma espécie de mestre de cerimônias de todo o evento. Desenvolto e com boa oratória, Washington apresentou um breve monólogo sobre a importância da Arte. “Já que amanhã - 27 de março - é o Dia Mundial do Teatro, resolvi apresentar para a rapaziada e convidados um pouco da História desta maravilhosa arte”, iniciou. Aos 35 anos, preso há quase 11, Washington está ansioso e muito orgulhoso com os feitos da turma do teatro. O grupo foi convidado e fará uma apresentação em Brasília, em junho. “Quando a gente realiza algo bonito, surpreendemos e somos valorizados pela sociedade”, diz.Um dos momentos mais emocionantes do dia foi ver todo o pavilhão em uníssono

1° RAPensando a Educação mobiliza pavilhão na PI de Hortolândia

Oportunidade

O curso de soldagem já beneficiou 43 reeducandos e existe desde 2009.

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cantoda l i b e r d a d eEntrevista

CL - Em um de seus artigos na Folha de São Paulo, você abordou sobre a questão da mulher presa. Qual é a sua relação com o sistema prisional, em especial com a mulher presa?

CC - Eu não tenho uma relação especial com o sistema prisional. Tenho mais experiências com o antigo sistema manicomial, que nada mais é do que uma das formas de segregação, entre as quais a prisão também está incluída. Isso sim é uma coisa que eu conheço bem. Certa ocasião, um grupo de leitura organizado por ex-alunos da FESP me convidou para participar de uma das rodas de leitura que aconteciam com presas leitoras da Penitenciária Feminina do Butantan. Elas tinham lido e discutido alguns dos meus textos. Depois disso, fui jurado no concurso de Beleza que aconteceu nesta mesma unidade prisional.

CL - Como você avalia a situação da mulher presa? CC - Em linhas gerais, acho curiosamente que as mulheres têm uma resiliência e uma capacidade de resistência muito maior que os homens. Então, acho que as mulheres provavelmente saem da prisão menos lesadas do que os homens. Elas têm outras capacidades. Isso acontece nas prisões, sobretudo também em nossas periferias. Hoje a gente não para de dizer que as periferias e as favelas são matriarcais, porque grande parte das famílias que têm o mínimo de consistência é, na verdade, organizada ao redor de uma mulher. O fato é que as mulheres aguentam, elas são chefes de família nas condições mais difíceis.

CL - Você acha que é por isso a relação de as mulheres não terem muitas visitas, enquanto os homens recebem muitas visitas?CC - Totalmente. A mulher encara inclusive as tarefas relativas aos afetos. Os afetos da gente custam um certo preço, não é? É claro que, se você quer ter amigos, você tem que telefonar, ir visitar quando o amigo estiver no hospital, levar uma sopinha... Amigo é isso. Não é uma coisa teórica. Os afetos são relações práticas. Se você tem alguém que está preso, você vai visitar. E os homens não criam esse vínculo. Eles simplesmente somem. Os homens estão muito menos dispostos a pagar o preço dos seus afetos. As mulheres vão, visitam e aguentam o tranco. Já os homens vão uma vez, outra e depois somem. CL - Voltando à questão dos manicômios, como foi este trabalho?CC - Foi na França e na Itália. O manicômio judiciário é um total enigma. Chega até a ser uma prisão perpétua, porque no fundo ninguém é condenado a um dado número de anos porque, em princípio, você deveria estar preso até se curar. Mas, de fato, curar-se significa que é necessária uma junta psiquiátrica assinar embaixo o fato de que

Contardo Calligaris. Psicólogo italiano que fugiu de casa aos 15

para viver um amor por uma canadense, na Inglaterra. História confusa? Nem tanto se comparada às diversas e diversificadas experiências deste que já é um brasileiro por ‘opção’ e que tão bem entende os costumes e mazelas tupiniquins.

SECRETARIA DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA

o preso não vai mais cometer aquele delito. E quem vai assinar isso? É complicado e, certamente, um risco para a comunidade. Seria preciso que a psiquiatria tivesse um poder que ela de fato não tem. Estamos muito longe de ter, em matéria psiquiátrica, um remédio que seja equivalente a um antibiótico para bronquite. CL - Quais são as diferenças que você vê entre o sistema prisional da França, da Itália, dos Estados Unidos em comparação ao que você conhece aqui no Brasil?CC - Nos Estados Unidos, a grande diferença não é tanto sobre o sistema em si (porque, claro, aqui no Brasil também tem uma diferença enorme de presídio para presídio). Mas lá, a diferença é a seguinte (eu não sei como os americanos conseguem isso, mas vale tanto para a prisão masculina como para a feminina): o crime que levou a pessoa a ser presa não é a mesma coisa que uma mancha moral. Ou seja, você fez uma besteira, foi preso, era para ser preso mesmo, passou na cadeia o tempo que devia, mas tudo bem. Inclusive, lá as pessoas vão para a cadeia por causas que aqui não são consideradas crime como, por exemplo, evasão fiscal. Agora, quando o detento sai, ele não é considerado um páreo. É considerado uma pessoa que fez uma burrada, pagou por ela e está pronto para voltar. Aqui no Brasil tem o lado de mancha moral que não vai embora, mesmo que você tenha ficado na prisão e pagado pelos seus erros. Acredito que o grande problema, no fundo, continua sendo o que acontece depois do encarceramento. Trata-se do grande problema da aceitação.

CL - Para finalizar, gostou do evento na Penitenciária Feminina do Butantan?CC - Gostei sim. Achei um evento muito legal, simpático e bem humorado. Na verdade, fiquei completamente satisfeito, pois todas as candidatas para as quais eu dei nota máxima na redação ganharam. Agora, só esperar a ‘versão gay’ do evento, que foi prometida pela unidade.

“Aqui no Brasil tem o lado de mancha moral que não vai embora”.

“Acho que as mulheres provavelmente saem da prisão menos lesadas do que os homens. Elas têm outras capacidades. Isso acontece nas prisões, sobretudo também em nossas periferias”