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Talentos descobertos pelo interior do Estado Entrevista com o teatrólogo Augusto Boal, do Teatro do Oprimido Loja “Do Lado de Lá” é reinaugurada com produtos DASPRE CANTO LIBERDADE Publicação Funap - Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” - distribuição no sistema penitenciário de São Paulo março de 2009 edição 07 da Fazendo Arte ... Beleza e simpatia na passarela - I Concurso “Plantando Sementes” Em cena: Educação e Cultura Projeto “Processos Educativos Através do Teatro”

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da Talentos descobertos pelo interior do Estado Loja “Do Lado de Lá” é reinaugurada com produtos DASPRE Entrevista com o teatrólogo Augusto Boal, do Teatro do Oprimido março de 2009 edição 07 Beleza e simpatia na passarela - I Concurso “Plantando Sementes” Publicação Funap - Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” - distribuição no sistema penitenciário de São Paulo

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Talentos descobertos pelo interior do Estado

Entrevista com o teatrólogo Augusto Boal, do Teatro do Oprimido

Loja “Do Lado de Lá” é reinaugurada com produtos DASPRE

cantoliberdade

Publicação Funap - Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” - distribuição no sistema penitenciário de São Paulo

março de 2009 edição 07

da

Fazendo arte ...

Beleza e simpatia na passarela - I Concurso “Plantando Sementes”

em cena: educação e culturaProjeto “Processos educativos

através do teatro”

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Participe do canto

cantoda l i b e r d a d eeditorial

Olá a todos os leitores do Canto da Liberdade! Estamos de volta com mais uma edição.A sua carta sempre será bem-vinda, pois o Canto da Liberdade é o seu canal de comunicação! Participe!

Parabéns pelo trabalho “Canto da Liberdade” e a todos aqueles que acreditam e tem esperança na mudança de vida. Acredito que os sonhos de cada educando poderá ser realizado. Leandro FelisPenitenciária Tupi Paulista

Tive a felicidade de encontrar uma matéria sobre as oficinas da FUNAP e gostei muito também da entrevista com o guerreiro de fé MV Bill. Ronivaldo BertoliniCDP Americana

É com satisfação que me diri jo novamente a vocês nesta edição, que aborda quase que ex-clusivamente um tema que considero fundamen-tal para todo ser humano: a Arte. O projeto “Processos Educativos Através do Teatro” foi uma experiência bem sucedida nas unidades prisionais, pois uniu educação às di-versas áreas do conhecimento por meio de téc-nicas teatrais, poesias, músicas e tantas outras manifestações artísticas. Coube à criatividade de cada arte educador, com o suporte oferecido pela FUNAP, desenvolver um trabalho tido como “oásis” nos estabelecimentos penais.As práticas do Teatro já eram atividades culturais promovidas há alguns anos pela FUNAP. Na dé-cada de 90, o trabalho realizado em parceria com o Centro de Teatro do Oprimido teve início em Campinas, depois se estendeu para as demais cidades do Estado. Por meio da ação dos educa-dores desta Fundação, capacitados e treinados pela equipe do Centro de Teatro do Oprimido, to-dos esses profissionais conseguiram levar a arte para muitos educandos do sistema prisional pau-

Despreso

Dizem que a felicidade pode transformar-se em mal-dade pelo egoísmo contido de sempre achar que sei,sem saber nada, passo meus dias.Agonia, agonia, agonia...Quantos anos irão durar?Quantas novelas irão passar?E o soluço a intalar, sufocar, machucar o que já nas-ceu ferido.Gritos silenciosos da alma! Como eu queria que eles fossem ouvidos...Narizes ou até bocas... queria tanto ser percebido!Edvar Francisco de Oliveira MonteiroPenitenciária II de Serra Azul

Escreva-nos sempre! Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” – Funap. A/C COMUNICAÇÃOR. Dr. Vila Nova, 268 - Vila Buarque - São Paulo / SPCep: 01222-020

lista. Para muitos, aquele representou o primeiro contato com o lúdico, com o subjetivo. O Teatro, as novas oficinas próprias, as novas salas de aula e de leitura, a DASPRE, entre outros, são algumas das frentes de atuação da FUNAP. O desafio é grande, mas a alegria e o prazer de fazer superaram o medo do erro e das possíveis crít icas.Nunca é tarde para reforçar a importância da educação durante o processo de ressocialização daqueles que se encontram recolhidos em uni-dades prisionais do Estado. E o melhor caminho é pela arte, uma forma de educação que, ao es-timular a sensibil idade e a capacidade de criação do homem preso, permite a ele dar novas formas a si mesmo e ao mundo. A verdadeira r iqueza de um país não está nos seus bens materiais mas no seu povo, razão pela qual todos os esforços devem ser dir igidos à educação das pessoas.Boa leitura!

Lúcia Maria Casali de Oliveira - Diretora Executiva

EXPEDIENTEFunap - Fundação “ Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” Presidente: Arthur Allegreti JollyDiretora Executiva: Lúcia Maria Casali de OliveiraChefe de Gabinete: Rosália Maria Andreucci Naves Andrade

Jornalista: Joyce Malet Kassim (MTB 50973)Diagramação: Douglas Docelino da ConceiçãoColaboradores: Regionais São Paulo/Vale; Grande São Paulo/Litoral; Campinas; Presidente Prudente; Sorocaba; Ribeirão Preto; Araçatuba; Bauru.

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cantoda l i b e r d a d eextramuros

DASPRE: Mais que uma lembrança, um ato social

Com investimento na qualidade e boa dose de criatividade, o projeto Daspre

conquistou parcela significativa da socie-dade paulistana. Quem não conhecia o trabalho desenvolvido pela FUNAP nos presídios do Estado de São Paulo teve, ao término de 2008, a oportunidade de conhecer, ao menos, esta ação que tem chamado atenção das pessoas e da mídia. O coquetel de abertura do bazar desta que já pode ser considerada a mais nova grife paulista, foi realizado no dia 8 de dezembro, na sede da FUNAP na região central de São Paulo. Desde então, as vendas não param de crescer, bem como o catálogo de produtos! Abreviação de “Das presas”, a marca surgiu com uma identidade forte: todos os produtos são confeccionados pelas detentas do sistema prisional paulista. A turma é dividida pelas reeducandas do regime fechado, da Penitenciária Femi-nina de Santana e do semiaberto, da Penitenciária Feminina do Butantã. O nome é clara referência à butique de luxo Daslu, na Zona Sul da cidade. No Rio de Janeiro há também a Daspu, marca de roupas que surgiu com foco nas garotas de programa, que acabou ganhando status de descolada. A ideia da Daspre foi da diretora executiva da Fundação, Dra. Lúcia Casali. Ela conta que dois anos e meio atrás, ao olhar uma sacola da Daslu, pensou: “Por que não pode existir a Daspre?”. A ideia foi ama-

durecendo e, desde julho, as máquinas de costura da oficina experimental localizada na sede da instituição não param e novas turmas são formadas na Penitenciária de Santana. “O objetivo é trabalhar a autoes-tima e mostrar que elas podem trabalhar e não precisam voltar para o crime”. Com o dinheiro obtido com a venda dos produtos, a FUNAP pretende ampliar o número de presas produzindo para a Daspre. “No Estado são 14 unidades pri-sionais femininas. Por enquanto, estamos atuando apenas em duas, mas o objetivo para 2009 é expandir esse projeto às de-mais”, afirmou. A longo prazo, a diretora planeja ainda montar uma cooperativa e fazer com que as detentas consigam andar com as próprias pernas quando conquistarem a tão sonhada liberdade. Para estabelecer um “padrão de quali-dade” que não deixasse nada a desejar em relação aos demais artesanatos da cidade, a supervisão da oficina está sob a responsabilidade da mestre de ofício Isair Canuto da Silva. Chamada de “mestrinha” pelas mulheres, Isair mostra às presas que a pressa é inimiga da perfeição. “Quando algo é feito com pressa, a qualidade é inevitavelmente ruim. Aqui, a gente pega bastante no pé. Se tiver de desmanchar, vai ter que fazer quantas vezes forem necessárias”, afirma Isair. Já as participantes da Penitenciária Femini-

na de Santana contam com a presença da artesã profissional, Maria Helena Albernaz, 3 vezes por semana. Atuando desde maio na unidade, Maria Helena está satisfeita com o resultado do trabalho. “Já estamos

na quinta turma e é muito gratificante vê-las aprendendo e tendo uma oportunidade real de mudança de vida”, diz. O resultado são peças com acabamento caprichado e de bom gosto. Os produtos da Daspre estão à venda na loja “Do Lado de Lá”. Além de gerar renda e elevar a autoestima das presas, a Daspre também se diferencia pelos detalhes de cada peça. Mais que comprar um presente bacana, adquirir os produtos da Daspre é um ato social.

Bolsas produzidas na Oficina Experimental DASPREpelas reeducandas da Penitenciária Feminina do Butantã

Caixa artesanal confeccionada naPenitenciária Feminina de Santana

Mais de 200 pessoas passaram pela Loja “Do Lado de Lá” no lançamento da DASPRE

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Abram-se as cortinas...Experiência rica em arte, educação e cultura. Escola e teatro como ferramentas para a

inserção social. “É uma questão de consciência”.

cantoda l i b e r d a d e

O teatro tem uma relevância imen-surável na construção do conheci-

mento ao considerar aquele que dele participa um ser que pensa, sente e realiza. Já a escola representa um espaço de conhecimento e aprendizado, portanto, de liberdade. E o aprender também se dá por meio dos sentidos. O ensino da arte torna-se essencial para o desen-volvimento da percepção criativa de todo ser humano, em especial daquele que se encontra, provisoriamente, desprovido de sua liberdade.O projeto “Processos Educativos Através do Teatro” foi uma das prin-cipais atividades desenvolvidas pela Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” – FUNAP, em 2008. Elabo-rado pela Unidade Gestora, o projeto teve por foco principal a inserção das atividades teatrais no currículo escolar.Além da proposta de agregar ao tra-balho desenvolvido pela Educação algu-mas técnicas propiciadas por esta arte, o projeto possibilitou ainda aos educa-dores do sistema prisional paulista um diálogo inédito com as outras áreas de conhecimento. Mais que isto, ofereceu aos reeducandos o contato e vivência com outras atividades culturais.

PROJETO

O projeto “Processos Educativos Através do Teatro” alcançou os alunos e alunas das escolas do sistema prisional paulista. Com duração de 3 meses, as Unidades que participaram desta pri-meira edição foram: IPA de São José do Rio Preto e CR Feminino; Peniten-ciária II de Bauru; Penitenciárias I, II e III de Hortolândia; Penitenciária Feminina da Capital; Penitenciária Feminina de

Santana; IRT; HTCP Franco da Rocha I e II; Penitenciária “José Parada Neto”; CR e Penitenciária de Presidente Pru-dente; Penitenciária II de Serra Azul e Penitenciária “Dr. Antonio de Souza Neto” de Sorocaba II. A FUNAP contratou 11 arte educadores os quais tiveram por tarefa desenvolver a espontaneidade e criatividade de cada participante, construir um espaço rico em reflexão a fim de ampliar a visão de mun-do de todos os reeducandos envolvidos.Além disso, cada profissional propi-ciou vivências em várias formas de expressão, enriquecendo as possibili-dades de comunicação e interação so-cial, por meio da experiência sensorial e corpórea.“O trabalho de todos os arte educa-dores foi realmente marcante. Só para exemplificar, os presos da PI de Hor-

tolândia já estão perguntando ao dire-tor quando o teatro recomeçará, pois eles gostaram muito e estão ansiosos pelo retorno dessas atividades”, afir-mou Juraci Antonio de Oliveira, responsável pela elaboração e coordenação do projeto.

NA LINHA DE FRENTE

Huxley Ivens Pontes Luz é diretor de Teatro Profissional. Atuou como arte educador na Penitenciária II de Bauru. Ele conta que o propósito do teatro aliado à Educação trouxe não somente noções sobre a esfera cênica, mas possibilitou aos 78 alunos participantes que se enxergassem por dentro, no mais íntimo de cada um. O teatro possibilitou, dessa forma, um ensaio para as ações da realidade. “No

Apresentação da peça “Os Saltimbancos” no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico - Franco da Rocha II

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APRESENTAÇÕES

Na manhã do dia 03 de dezembro, a capela da PII de Sorocaba estava toda enfeitada e mais de 100 reeducandos aguardavam ansiosos o início da peça “Conto de Natal”. Como o improviso é o exercício da arte, cenário, roupas, maquiagem e até efeitos especiais engrandeceram a apresentação. Durante os 20 minutos, a encenação incitou nos presentes a reflexão sobre o verdadeiro significado do Natal, da importância de um lar es-truturado e o valor da família. O arte educador responsável pela re-gional de Sorocaba, Guilherme Mar-tinelli Altmayer, emocionado com o resultado do trabalho, lembrou o líder pacifista indiano, Gandhi: “A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência.”O ator principal da peça, o reeducando Roniedson Rodrigues, afirmou que a ex-periência com o teatro foi única. “Aprendi muitas coisas nos nossos encontros como a dinâmica, expressão corporal e os exercí-cios de atenção e como me situar no palco foram essenciais”. Quando questionado so-bre o resultado do projeto, ele diz: “Superou todas as nossas expectativas, foi tudo muito maravilhoso. Quando se traz a arte para dentro da prisão, a nossa realidade muda”.A arte educadora Silvaní Maria da Silva atuou no Hospital de Custódia “André Teixeira” - Franco da Rocha I e II. Ela diz que, em alguns momentos, as aulas tradi-cionais conseguiram sair do lugar comum e se tornaram mais lúdicas, não apenas por causa das aulas de teatro, mas tam-bém devido ao comprometimento dos monitores de educação, que se tornaram grandes parceiros e apreciadores do fazer teatral. O maior desafio, no entanto, foi “quebrar” as travas corporais, muitas vezes limitadas devido à medicação.

Silvani conta que os preparativos para as apresentações foram realizados com muito carinho. “Pacientes se inscreveram para participar cantando, dançando, re-citando, atuando e até mesmos os moni-tores e as diretoras de educação ensaiaram comigo o espetáculo ‘Os Saltimbancos’ e fizeram apresentações nos dois hospitais e em lugares fora da unidade. Todos se mobi-lizaram para conseguir figurinos, adereços, músicas para os pacientes que participaram e até familiares ajudaram”, relata.

FUTURO

É missão precípua da FUNAP propiciar educação plena e cidadã aos reeducan-dos do sistema prisional paulista. O pro-jeto “Processos Educativos Através do Teatro”, a DASPRE, o Programa de Alo-cação de mão-de-obra e tantas outras frentes representam este objetivo que, mesmo com tantas dificuldades, tem sido executados e resultam em opor-tunidades de mudança. Finalizo com as palavras do educador Paulo Freire que ressaltou: “é importante preparar o homem por meio de uma educação au-têntica: uma educação que liberte, que não adapte, domestique ou subjugue. Isto obriga a uma revisão total e profunda dos sistemas tradicionais de educação, dos programas e dos métodos”. Alguns passos já foram dados nesta direção.

cantoda l i b e r d a d e

decorrer das aulas todos os alunos se mostravam cada vez mais interessa-dos”, afirma Huxley.Ele conta que pode aplicar a Teoria do Tripé Cênico, “na qual trabalhamos primeiro a ‘pessoa’, libertando-a de seus medos e sombras e, logo após, ela aprende que dentro da sala de aula possui a tão sonhada liberdade”. Este processo interno, de acordo com o arte educador, possibilita que eles se transformem, “sendo diferente entre os iguais”. Assim, a dramaturgia acaba in-trínseca ao psicodrama. “Percebi que depois dos exercícios propostos, aliviadas as tensões, e

com a ‘pessoa’ trabalhada, aí sim, consegui partir para o processo do ator e, em seguida, das personagens”. Huxley confessa que essa experiência fez com que ele começasse a enxer-gar a vida de um novo prisma. “Trabalhar com este Projeto na Peni-tenciária II de Bauru foi um momento muito especial na minha carreira. Sempre dizia aos meus alunos que muitos deles encontravam-se livres, o que estava faltando apenas era sair para o outro lado da porta de aço, e que muitos do lado de fora se encon-travam, de fato, presos”.

O rapper Amaury Januário da Silva em uma de suasapresentações na peça “Conto de Natal”

A capela da PII de Sorocaba abrigou a platéia que riu ese emociou com a atuação dos reeducandos

... porque o espetáculo vai começar!

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intraMuroscantoda l i b e r d a d e

Revelação de Artistas no CR de Piracicaba

A equipe do Canto da Liberdade rece-beu uma carta super entusiasmada

da reeducanda Márcia Pereira Quaresma da Silva, do Centro de Ressocialização Feminino “Carlos Sidnes Cantarelli”, de Piracicaba, para registrar e prestigiar a 1ª Feira Cultural da unidade.Juntamente com a ouvidora da Fundação, Simone Valentini Guarnieri, nossa equipe foi ao interior do Estado e lá encontrou mais que mulheres animadas com o evento. Encontrou artistas de verdade.As reeducandas Michele Caroline Prestes, Débora Pereira Leite e Kátia Rodrigues apresentaram a peça “O Júri” que contou a história de um réu que é acusado pelo diabo e tem a sentença decretada pelo Juiz. O pa-pel mais difícil, segundo elas, foi o do diabo. “É muito complicado mostrar os defeitos e as fraquezas de cada um”, disse Michele.“Toda mulher já foi ré aqui, mas todo mundo enfrenta muitas acusações no dia-a-dia. Não é um ‘privilégio’ de quem está preso”,

afi rmaram as participantes da peça.A estagiária da FUNAP, Ariana Santos Ciri-no, ficou surpresa com o resultado. “Quando cheguei ao CR encontrei uma descrença

muito grande por parte das meninas e até dos funcionários”. O mais difícil, segundo ela, foi recuperar a autoestima de todos, mostrar que é possível desenvolver habilidades e propiciar momentos de reflexão.

“O artesanato que elas produzem, essa nova experiência com o teatro, as poesias aqui elaboradas, são exemplos de que este trabalho é possível”, concluiu.Sentar-se, independente do local, e soltar as asas da imaginação. Poucas são as pessoas que bem conseguem expressar por meio das palavras o que estão vivendo ou o que desejam registrar. Uma dessas pessoas é Valterlândia Lisboa. Presa há mais de 7 anos, ela mostrou sua relíquia: dois cadernos bem antigos repleto de poe-sias de sua autoria. Temas sobre a solidão, o amor e a liberdade preenchem as linhas daquelas folhas já amareladas. Depois da apresentação da peça, ela recitou “Vale a pena sonhar”. Todos se emocionaram. Os mais reservados ten-tavam esconder os olhos marejados, em vão. Há uma frase que diz que “ninguém é capaz de escrever bem, se não sabe bem o que vai escrever”.Valterlândia entende do que escreve.

O nível das concorrentes foi elogiado pelos jurados. A vencedora na catego-ria beleza, Maria Lúcia Isaias Porfi rio, foi chamada de “nova Naomi Campbell” pelo jurado André Jalonetsky, editor da Revista Maxim International e acrescen-tou “ela possui os requisitos para ser modelo”. As redações também foram elogiadas pela comissão julgadora. A primeira colocada nessa categoria, Ana Lúcia Silva Oliveira, destacou em seu texto intitulado “Saber viver encarcerada” que a educação e o respeito mútuo são primordiais às mulheres encarceradas. Já o prêmio de miss simpatia fi cou com Fabíola Palmiere, que recebeu a notícia com um belo sorriso.O concurso contou com o apoio de di-versas instituições e demonstrou às par-ticipantes, platéia e jurados que, inde-pendente do solo, a semente pode ser lançada e o belo, admirado.

“Se não houver frutos, valeu a beleza das fl ores. Se não houver fl ores, valeu a sombra das folhas. Se não houver folhas,

valeu a intenção da semente”. Henfi l

A Penitenciária Feminina “Dra. Marina Cardoso de Oliveira”, no Butantã,

foi palco do I Concurso “Plantando Sementes” que elegeu a reeducanda mais bela da Unidade. Ao todo foram 90 inscritas em três categorias: Beleza, Simpatia e Redação.As inscrições iniciaram em setembro e no mês seguinte restavam apenas 21 candidatas. Em novembro foi realizada a tão esperada fi nal. A capela da unidade, devidamente decorada, fi cou pequena para acolher reeducandas e convidados que foram assistir às apresentações, com direito até a torcida organizada! Aos 6 jura-dos fi cou a complicada tarefa de eleger as vencedoras. Para a diretora Gizelda Morato Costa,

atividades como as desenvolvidas são es-senciais no estímulo à sociabilidade entre as presas, além de contribuir para aumen-tar a autoconfi ança de todas elas. “Esses

projetos são fundamentais no processo de ressocialização. Elas se empenharam muito para a concretização deste sonho”.

I Concurso “Plantando Sementes”Beleza e simpatia em passarela inusitada

Maria Lúcia Isaias Porfírio,Vencedora do I Concurso “Plantando Sementes”

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cantoda l i b e r d a d e

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou campanha institucional des-

tinada a sensibilizar a população para a necessidade de recolocação, no mer-cado de trabalho e na sociedade, dos presos libertados após o cumprimento de penas. A campanha, de utilidade pública, foi veiculada gratuitamente em emissoras de rádio e televisão e está no portal do CNJ (www.cnj.jus.br). A campanha denominada “Começar de Novo” conta a história fictícia de Marcos que foi preso por furto e pagou sua dívida com a sociedade após 6 anos na prisão e conclama “Antes de atirar a primeira pedra, é importante saber que ele pagou sua pena e a única coisa que ele quer é uma segunda chance”.O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Na-cional de Justiça (CNJ), ministro Gil-mar Mendes, pediu ajuda de advoga-dos, empresários, gestores do setor

público e dos comunicadores de todo o Brasil para o Programa Começar de Novo, “tanto na divulgação quanto nas ações do dia-a-dia”, a fim de garantir o sucesso do projeto. Veiculada gratui-tamente desde o dia 29 de dezembro, a campanha ficou no ar até final de fevereiro. A proposta é para a popu-lação evitar o preconceito em relação ao ex-presidiário. “Dê uma segunda chance para quem já pagou pelo que fez. Ignorar é fácil, ajudar é humano” foi uma das mensagens transmitidas para atrair a atenção ao programa. Existem hoje no Brasil 420 mil pessoas cumprindo pena nas diversas peniten-ciárias do país. O projeto tentará sensi-bilizar a população para a necessidade de reinserir, no mercado de trabalho e na sociedade, presos que já pagaram suas dívidas com a Justiça.Para o ministro Gilmar Mendes, a situação prisional no Brasil “é um

problema complexo da nossa socie-dade e exige a participação de todos nós na busca de solução”. Desta for-ma, garantiu que o CNJ dará “o apoio aos Tribunais de Justiça dos Esta-dos que tratam da reintegração dos presos”. A Secretaria da Administração Peniten-ciária (SAP) conta com o Departamento de Reintegração Social Penitenciário que tem atuação em todo o Estado de São Paulo e mantém 30 unidades do Cen-tro de Penas e Medidas Alternativas, as quais foram responsáveis pelo acom-panhamento de 11.389 casos, em 2008. Há também 16 Centros de Atenção ao Egresso e Família que realizam atendi-mento psicossocial, atendimentos para concessão de benefícios e entrevistas para gerenciar a participação de presos em projetos de reintegração social. Afinal, todos merecem uma segunda chance.

Projeto “Começar de Novo”

culturachamou de “insuperável” invenção: uma loção “descarapinhadora”, à base de fortís-simos raios ômega. Assim, os negros, os quais na narrativa já tinham “conquistado” o branqueamento da pele, poderiam ter seus cabelos alisados. Todas as mulheres e homens negros aderiram à invenção como a mais aguardada de todos os tem-pos. O sucesso foi total e absoluto. O que a tal porção “milagrosa” continha, no entanto, era o poder de esterilizar o usuário. Assim, com este desfecho cruel, os brancos exterminaram os negros sem derramamento de sangue. Com a morte do negro, o branco assumiu.Voltando para 2009... Em 20 de Janeiro, tomou posse Barack Hussein Obama, o 48º Presidente dos Estados Unidos. Resta ao mundo aguardar e torcer para que este Presidente negro represente o início de um mundo menos segregacionista e mais fraterno.

Uma mulher e um negro disputam a presidência da maior potência mun-

dial, os Estados Unidos da América. Qualquer semelhança, não é mera coin-cidência com os recentes desdobramen-tos históricos... Mas, este é o contexto do ano 2.228, observado por meio do porviroscópio. Nunca ouviu falar? Pois este é o início da narrativa de “O Presi-dente Negro”, obra de Monteiro Lobato lançada em 1.926 e que ganhou ares de atualidade no final do ano passado,na convenção democrata norte-americana.A história começa com um simplório vendedor, Ayrton Lobo, que sofre um acidente de automóvel e é socorrido pelo Professor Benson, enigmático mo-rador de um castelo. O professor resolve contar o maior segredo de sua vida ao inesperado visitante – o aparelho de enxergar o futuro, o tal porviroscópio, que inventara e instalara.

A narrativa começa a partir desta reve-lação. A história de “O Presidente Negro” é contada por Ayrton e Miss Jane, a bela filha do professor. O caso ocorre por ocasião da eleição do 88º presidente dos Esta-dos Unidos, em 2.228. Com semelhanças admiráveis, como a disputa entre um homem negro (Barack Hussein Obama) e uma mulher (Hillary Clinton), o livro de Lobato voltou a ser destaque nas livrarias. Na ficção, o presidente negro enfrenta a fúria não apenas das mulheres, mas da sociedade “branca” que vê nesta ascen-são um perigo à estabilidade do país. Com um desfecho de arrepiar, a narrativa nos leva a refletir sobre o valor do ser hu-mano, independente de cor ou sexo.As páginas nos revelam um representante da Ciência, John Dudley, que com sua inteligência sagaz desenvolve sua 73ª invenção... Trágica e assustadora. O velho cientista desenvolve o que

O Presidente Negro

oportunidade

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cantoda l i b e r d a d eentrevista

“Uma semente plantada em solo fértil gera plantas fortes”

CL - Boal, como foi dirigir o Teatro de Arena em SP, no fervor das décadas de 50 e 60? Qual a relevância deste momento para o Teatro Brasileiro? Boal - A gente admirava muito o Teatro Brasileiro de Comédia, mas admirava como coisa que não tinha a ver com a gente. Os atores falavam até com uma entonação meio italiana. Os diretores do TBC eram italianos, eles tinham um jeito italiano de fazer e faziam muito bem. A gente não que-ria isso, a gente queria fazer um teatro brasileiro, sobre problemas brasileiros. A gente não estava querendo fazer história, vivíamos o presente que era duro.

CL - Em quais circunstâncias nas-ceu o Teatro do Oprimido? E qual a magnitude desta criação?Boal - Na verdade, foi criado sem-pre pela relação com a realidade. A primeira forma de teatro oprimido foi em São Paulo. Toda a peça que a gente fazia, a polícia proibia. A gente

desenvolveu muitos grupos em São Paulo que faziam isso. Foi quando eu fui preso.

CL - Como foi sua experiência na política carioca? Qual foi a con-tribuição dessa experiência para a cena cultural do RJ?Boal - Desde 1986, o Centro de Teatro do Oprimido desenvolve pro-jetos com ONGs, sindicatos, univer-sidades, prefeituras, etc. Em 1992, me convidaram a me candidatar e fui eleito vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PT, para fazer Teatro-Fórum e, a partir da intervenção dos espectadores, criar projetos de lei: o Teatro Legislativo. Conseguimos a aprovação de 15 leis municipais e duas estaduais.

CL - Bárbara, há alguns anos a FUNAP desenvolveu o Projeto Drama com o Centro do Teatro do Oprimido (CTO) e outras instituições. Numa primeira etapa, o foco foi DST e AIDS e, posteriormente, o tra-balho se deu em torno dos Direitos Humanos. Atualmente, este último Projeto é aplicado na formação dos vários profissionais que trabalham no Sistema Penitenciário Paulista. Fale sobre essa experiência.BS - O Teatro do Oprimido nas Prisões foi uma ação localizada em Campinas, depois tomou todo o Es-tado de São Paulo, através da ação dos educadores da FUNAP, trei-nados pela equipe do CTO. A partir de um convite do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, do Ministério da Justiça, entre 2002 e 2006, a experiência chegou a outros nove estados. A experiência gerou dezenas de proposições para a su-peração dos variados problemas, já que o objetivo da iniciativa não era o de se limitar a denúncia e sim o de superar as dificuldades. Uma se-

A entrevista a seguir foi concedida pelo teatrólogo Augusto Boal, di-

retor artístico do Centro de Teatro do Oprimido, e pela socióloga Bárbara Santos, curinga do Centro de Teatro do Oprimido e coordenadora do Programa Teatro do Oprimido nas Prisões.

Ícone da arte-educação, Augusto Boal também éreferência do “Teatro Político”

SECRETARIA DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA

mente plantada em solo fértil gera plantas fortes que produzem novas sementes, que são transportadas por passarinhos multiplicadores que ampliam enormemente o efeito da ação inicial.

CL - De que forma o Teatro pode ajudar a pessoa presa?BS - O Teatro do Oprimido criou espaços de liberdade atrás dos muros das prisões, não apenas para as pessoas judicialmente pri-vadas de liberdade, mas também para aquelas aprisionadas em seus monólogos e verdades herméticas. Os espetáculos de Teatro-Fórum estimularam o diálogo, a troca de ideias, questionando atitudes pura-mente repressivas, abrindo espaços para posturas propositivas.O exercício do Diálogo, que creio ser o melhor antídoto do conflito, é benéfico para qualquer pessoa presa, seja lá em que tipo de prisão essa pessoa esteja.

Bárbara Santos tem se especializado na criação de programas de capacitação de Multiplicadores de Teatro do Oprimido