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HUMANO CANTO

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HUMANO CANTOHideraldo Montenegro

Recife

2008

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Hideraldo Montenegro

[email protected]

Impresso no Brasil

Printed in Brazil

Diagramação: Hideraldo Montenegro

Capa: Hideraldo Montenegro

Montenegro, Hideraldo, 1957 -

Humano Canto

, 2008p.78

Poesia

ISBN: 978-85-62154-06-5 ISBN

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UMA VIAGEM AO CENTRO DO EU: A BUSCA DA

LIBERDADE

Em todas as Tradições a morte é colocada como elevação. Não é o fim, mas o começo. Contudo, é fundamental morrerconsciente. O ser humano precisa alcançar a iluminação elibertar-se do seu ego para morrer na luz (ou seja,conscientemente). Quem, ou melhor, o que tem impedido aexpansão e, portanto, a elevação da consciência é o ego. Amorte do ego significa a libertação da alma. É o paradoxo:“morrer para alcançar a imortalidade”. 

Para Dante ascender ao paraíso primeiro teve que descerao inferno. Dante, em sua iniciação, teve que ir ali para purificar-se. O que viu Dante no inferno senão os grandes etenebrosos egos representados por várias figuras históricas? Oque ele teve que enfrentar senão os seus maiores medos e

inimigos?

Jesus se torna Cristo (atinge a Consciência Cósmica)quando vai ao deserto e enfrenta o demônio (o seu ego) e todosos seus desejos impuros. A partir daí, pode afirmar: “eu e o pai

somos um”. Sidarta também enfrenta Maya (a ilusão) para

tornar-se Buda e encontrar a iluminação. A yoga, que querdizer união, almeja esta harmonização com o Eu Interior e a

sublimação do ego. Dentro dessa perspectiva, é necessário o serhumano libertar-se para atingir a plenitude dos céus. Comodisse São Francisco de Assis: “é morrendo que se vive para a

vida eterna”. Mas, é preciso saber morrer.

E, é esse aprendizado que o artista tenta conduzir atravésde sua poética. Ou seja, o artista utiliza a poesia como

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ferramenta dessa morte e renascimento e, enfim, dessacomunhão. Assim, as questões existenciais são colocadas aqui

de forma extremamente viscerais.

O maior desafio para o artista neófito é a herança estéticaque herda. As regras estabelecidas, as normas e convençõesestilísticas é um paredão, um desafio a ser ultrapassado peloartista. Ele não pode ficar confinado às convenções. Precisarespirar livre. Precisa soltar o grito. E, para tanto, o poeta precisa criar uma expressão que o torne livre. Para derrotar odragão São Jorge também precisa demolir suas próprias barreiras.

O que seria um canto humano senão um canto deimperfeições, mas também de deslumbramento? A poética éum exercício libertário. Para expressar-se o artista tenta rompertudo que o restringe. É preciso soltar o grito para representar

com autenticidade o seu universo, ou melhor, o seu estar nomundo.

Este livro é um esforço do artista (o poeta) para libertar-se(espiritual e, consequentemente, esteticamente e vice-versa).Acima de tudo, o engajamento do artista aqui é com a literatura(suas preocupações estéticas), contudo, ele retrata naturalmenteo seu envolvimento com a espiritualidade, como também seu

envolvimento com a espiritualidade lhe abriu o universoliterário, mais especificamente com a poesia. Afinal, comoacredita, fazer poesia é crescer espiritualmente. Crescerespiritualmente é apreender a poesia da vida, do viver.

Recife, 08 de janeiro de 2010.

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Um canto demasiadamente humano

Arrecadei um tempo para maturar os sons e os sentidos

do Humano canto, de Hideraldo Montenegro: um

 pernambucano, natural de Moreno, que se reconhece aprendiz

no universo da poesia - seus mistérios e mistificações.Confesso que me surpreendi com a força da palavra do seu

livro e não poderia ser diferente; considerando que o poeta

sabe, desde sempre, que é preciso estar atento aos movimentos

da vida; atento aos sinais da escrita inventiva e sua função

social. Um bom exemplo reside no poema Lembranças:

Coleciono palavras antigase um gosto estranho pelo bordado da caminhadados pés estradas pontes rios

O termo mistificação que eu emprego, aqui, remete ao

 pensamento de Fernando Pessoa –  poeta português que revelou

em prosa e verso seu “grande amor pelo espiritual, pelo

misterioso, pelo obscuro que, afinal de contas, era apenas uma

forma e variação” de sua personalidade que se volta também

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 para a intuição, segundo afirma o próprio Pessoa, em Obras

em prosa (Editora Nova Aguilar, 1986, p. 36).

O que Hideraldo Montenegro nos oferece neste

Humano Canto?

Um recorte poético de sua intimidade com as coisas que

ele vê e vivencia. Para entender essa intimidade, cabe evocar,

outra vez, Pessoa e a partir de suas reflexões acerca do “sentido

interior” compreender que é importante tanto quanto necessário

aproximar a mística pessoana dos elementos que caracterizam o

ser humano na poética de Hideraldo. Nesse percurso, Pessoa

(1986, p. 37) revela:

há para mim um significado mais profundo doque as lágrimas humanas no aroma do sândalo,nas velhas latas num monturo, numa caixa defósforos caída na sarjeta, em dois papéis sujosque, num dia de ventania, rolarão e se

 perseguirão rua abaixo. É que a poesia éespanto, admiração, como de um ser tombadodos céus, a tomar plena consciência de suaqueda, atônito diante das coisas.

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Sentir é criar, alerta Pessoa. Nessa direção, o ser poeta

em Hideraldo se debruça na alquimia das águas e na voz do pássaro que norteiam a primeira e a segunda parte do livro,

confirmando que “a palavra é cria/ ação/ do vento”. Por isso

mesmo é preciso estar atento ao espanto e à voz da poesia que

vem do silêncio e ninguém melhor que o poeta para revelar a

importância desses movimentos e apreender, si-len-ci-o-sa-

men-te, o aquietar de um voo, como sugere o poema Voz.

 Ninguém melhor que o poeta para apreender o que constrói o

homem que não se cala, conforme intuímos do poema Criação.

Em Hideraldo, o ser poeta nos oferece a possibilidade

de entender que a inspiração pode também resultar de uma

sucessão de fazeres no intricado mundo da palavra. Desse

modo, o poema Inspiração sugere a importância do ato de

 perceber os diferentes tempos, os diferentes passos que o poeta

necessita para a escrita acontecer, e o poema acontece “No

apertado das horas / [largo] com palavras e fitas”. Tudo isso é

 parte do ritual iniciático que exige a poesia. Diante dessa

realidade, cabe perguntar: este seria também um dos aspectos

que leva o poeta a ser considerado a antena da raça, como diria

Ezra Pound? A consciência dessa intenção parece confirmar

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que a alma não é pequena neste canto demasiadamente

humano. Um fragmento do poema Iniciação convida-nos a perceber essa relação, pois

Quando um homem desperta na Terrauma luz se acende no firmamentoe estrelas se acendem nos olhos do iluminado

A palavra é um corpo e sendo corpo tem alma e tendoalma pulsa, atravessa o gozo, atravessa a noite e a vida, porque

é Insofismável o corpo do poema. Nesse ritmo, o poema

Constatação diz que a vida e a morte parecem acontecimentos

naturais, de tal forma que compõem o que precisa ser

composto. Assim, acontece: “Os mortos estão mortos / e osvivos estão para morrer”; o homem-comum se rebela, rejeita e

denuncia a falta de atenção do/ao outro; o ser poeta também

expõe a sua dor, mas finge dizer adeus e estar em paz; o seu

silencio é convincente, mas não a sua Despedida  –  poema que

vem reiterar as contradições e, fazendo parte do texto, nomeia a poesia.

Para manter a inquietação que norteia a essência da

 poesia, o ser poeta (re)clama: que todos venham e passem, pois

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é preciso “continuar em campo aberto / vivo ou morto”,

conforme o poema Trincheira que faz da palavra uma arma e daescrita um campo de batalha. Nessa direção, os poemas se

multiplicam e são nomeados ou multifacetados em rastros, luar,

arena, rubra, final, vulcão, trajeto, aos domingos, construção

diária, cantata, perto, indecifrável... Vistos, assim, na superfície

dos títulos; talvez possam ser considerados nomes um pouco

vagos. Todavia cabe, agora, ao leitor e à leitora  –  participantes

 –   perceberem os rastros tantos dos deuses; o olhar atento da

lua; preencherem as idéias e/ou se soltarem até acabar a festa

ou seguirem os confins do coração. Cabe ao leitor, à leitora  –  

 participantes  –   intuírem que “O prazer é um pouso, é uma

 pausa / que a alma faz no corpo”; que as lavas e as lavras da

 palavra dão prazer e nesse trajeto cabe degustar os sabores das

horas, dos domingos e “descansar de não-sei-o-quê” ou  ficar

em paz.

 Na construção diária do fazer poético há pedaços de

sonhos (não)realizados e acatando o convite dos dias, o poeta

sente que faz parte do humano apalpar o universo  –  ora sagrado

e profano  –   ainda que a névoa do cotidiano muitas vezes o

impeça de ver as coisas como verdadeiramente são.

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Demasiadamente humano é poder apalpar o universo, ainda que

de longe e sem fronteiras; mas consciente dessa possibilidade,o poeta mostra a tatuagem da solidão contida em seu silêncio:

O poema que não escreviInscreve-se em mimcomo cicatriz

Graça Graúna

Escritora, Professora universitária

na área de Literaturas de Língua Portuguesa

e Direitos Humanos.

Nordeste do Brasil, 29 de abril de 2009*

* Neste livro foram acrescentados vários poemas à primeira edição. Humano

Canto é um livro que continuará sendo inscrito.  Nota do Autor

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Para todosos rosacruzes

do mundo.

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“Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter;

repugna-la-íamos, se a tivéssemos. O perfeito é

desumano, porque o humano é imperfeito”. 

Fernando Pessoa

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Agradeço

a Graça Graúnaa delicadezadas palavras

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LEMBRANÇAS

Coleciono palavras antigase um gosto estranho pelo bordado da caminhadados pés estradas pontes rios

Estruturo gestos largos e deixo fluir

o riso e a lágrima com a mesma intensidadedos navios que cruzam mares rostos olhares

Fixo os olhos das meninas em minha carae guardo sempre abertas lembranças

Não disfarço minhas fantasias

Sigo abertosempre com o coração à frentedesta procissão de mim mesmo

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CRIAÇÃO

 A palavra constrói a boca o som a fala

Constrói este homem que não se calae voa aberta doce salgada seca molhada

 Às vezes, como canto lamento silêncio celasala santo fera

Constrói o canto o prantoo pensamento o manto o acalanto o espanto

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INSPIRAÇÃO

No apertado das horasescrevo poemas largoscom palavras e fitas

Poemas emendadosPoemas-chitas

Colo todas as palavrasque sobrevoamrápidassobre o papelcomo se fossem listassem discriminar nem a que me agita

INICIAÇÃO

Quantos corpos são passados em meu corpo?Quantos mortos carregam o meu dorso?

Os olhos alcançam as coisasMas não a compreensão

Quando um homem desperta na Terrauma luz se acende no firmamentoe estrelas se acendem nos olhos do iluminado

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INSOFISMÁVEL

Este corpo que atravessa a vida, a garganta, o tempoatravessa o fosso, a fossa, o ventosempre mensurável como o gado e o feno

Este corpo, irrecusável instrumento, indissoluvelmente afinadocom o tempoluta para manter-se atento, pulsante e, às vezes, dormente

como porta, concha, moinho, cata-vento

 Atravessa a noite, o sono, o sonho, a estação, o trema fronha, o cabelo, o pente

Veste caras, amores, rancores, bocas, dentesabraços, espantos, pássaros, serpentes.

 Atravessa o gozo, o abraço e a aguardente

Contudo, acorda pesadoe só não consegue atravessar a cova, a faca, a dor de dente.

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CONSTATAÇÃO

Os mortos estão mortose os vivos estão para morrer

 A vida corre pelos corredorese todos vãos abertos estãopara a veia e a cova

somos tudo nadasomos nada tudoem vãosim e nãoabsolutamentegrãofome e pão

somos nãoInfinitamentechão

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DESPEDIDA

Não me esperem para o jantarNão me esperem nas esquinasNão sejam bestas em me esperarSigam em frenteEscovem os pés penteiem os dentesFaçam a festa

Cantem danceme soltem todos os seus fantasmasde mime velas não precisam acender

Digam apenas adeuse me deixem em paz

que daqui não saio mais

-Afinal, este meu silêncionão é convincente?

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TRINCHEIRA

Que venham as cegonhasQue venham os abraços abertosQue venha o sorriso leve fixo certoQue venham as mentiras as verdades e as vergonhasQue venham o vôo e o pouso e os netosQue venham todos os aeroportos

Que venham e passem todosque preciso continuar em campo abertovivo ou morto

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TRAJETÓRIA

Sabe-seque muitos caminhosobscuroshabitam a soladestes pés

Sabe-seque a revelaçãodestes lábiosque não conseguemesconder as palavras

Sabe-se

que todo tiroestampido e fumaçaapesar de tudose elevamaos céus

Sabe-seque a noite vemque a noite veme não consegueescondero amanhecer

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Sabe-seque todo

gatilhotem a suaresponsávelculatra

Sabe-se

sem avisoque a despedidaé inevitávelembora nãoconsiga calaro choro

Sabe-see é temidoo que se calaneste ouvidoo silêncioinexorávelda alma

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ORGIA FÚNEBRE

Comam-me todos os vermesFaçam a festa, se fartemneste bacanal humanoque ofereçoInvoluntariamente

Para mim,pouco importaos risos e os choros

-no fimtudo é gozode alguém

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TRANSIÇÃO

Esta aparência incertade meus passosestrandando históriase dengosàs vezes, em saltoàs vezes, sobressalto

voapara cimaou para baixoem rumo concomitantede chapéus e sapatosinfernos e céus

-um corpo que se enterrauma alma que se libertaaberturas e obscurecimentosde véus

E o chãoque se dilaceraentre o santo e a feraabre o peitopara revelar-meou esconder

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QUE ALMA SE PERCEBE?

Mas, que alma se perdenos cemitériosentre covase corpos desfeitos?

Que alma vaga

leve mágoainsistentee se assombrapersistentena vida?

Que alma

perdidaencontra-seferidasem um corpoque marqueessa dor?

Que almanão sangrapor causadeste amor-vidae segue insensívelsensitiva?

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Que alma

não se assombracom esta dorde parto e despedida?

Mas, por quea alma não se percebe

viva e neste escuronão se percebe luze iluminada fica?

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CONSUMADO

Não importa maisestas veias, este sangueesta teia, este mangue

Não importa maiseste dinheiro, este whisk,

este isqueiro, este trejeito

Não importa maisEste nome, esta dataEsta farsa, esta falta

Não importa mais

estes olhos, esta peleesta língua, este tinteiro

Não importa maisporque todos os sentidosagora são iguais

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IMPULSIVO

Mas, a palavra que me assustasobe garganta acimae explode na bocavergonhosamentecomo bomba em Hiroshimae arrasa quarteirões

E, entre mortos e feridossigo cambaleantena vida

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EXPEDIÇÃO

Rasgo em minhas mãosestas estradasque ainda virão

Sulcos permanentesda caminhada

permanecerão intocáveisou não

Sigo dentroou foradesta ampla solidão-inexorável destino

que me conduzpelas mãos

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ESPELHO

Olhas para mimadmiradacom a minha velhice

Olho para tiadmirado com

os teus olhossem perceberas rugasdesse meu olhar

RASTROS

Há rastros que nos fazem tão fortesa história colada na solatanto deuses (e deusas) pela vidauma palavra, um tormentoum bulir, um desenhodos péscriam-nosasase nos encontramos nos aresnos céus

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LUAR

Mas, o olhar se faz atentoe a lua acende ideiasde tomar todos abraçospara o corpoe a luz define a nossa silhuetae tudo escorre para dentro

embevecidos, embriagados dizemos sim

 ARENA

Nada desta fera é raro, é ouro.Nada que atiça, eriça o couro.

Pousa a mão sobre a testae confessa: é fala, é vala, é faca aberta.

Preenche as ideiase solta-se como touroe, num só golpe, acaba-se a festa.

-há emoções que não douro.

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FINAL

Deitado vejo o nada que tua mão oferecee recebo o teu desejo como prêmioe reconhecimento.

Tento lembrar alguma coisa que ficouNo passado, talvez

-ou será agora?

Tua mão se espalha e rioprofundamente deste vazio.

-O prazer é um pouso, é uma pausaque a alma faz no corpo-

 Acendo um cigarro e lanço meu olhar para este fossoaonde fui arremessado pelo teu/meu gozo.

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MAÇÃ

E esta frutacom gosto humanoque saboreio até o taloe me entalo até o gozotem sabor de venenocorte e morte

que me deixa desfalecidono leito- pura sorte!

 Acerta-me no veioe me entrego à mortecom um sorriso nos beiços

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VULCÃO

Dentro de vocêO vulcão explodeE suas lavas lhe dão prazer

Dentro de vocêO mundo para se comer

Você sempre de boca aberta

Dentro de vocêQuando o vulcão explodeVocê ri de prazer

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TRAJETO

E nesta altura(da vida)meus olhos acariciamas ruas, os céuse esperoasas e pés

volto desarmadodessa luta contra o nadaque existia em mim

 As lembrançassão apenas lembranças

e não pisam o chãonem moem o pão-degusto os saboresdestas horas agorae fico em paz

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 AOS DOMINGOS

 Aos domingos passeiocom meus pensamentos antigos

-Fantasmas do passado tão vivos!

 Aos domingos como macarrão vejo filmes

e vou descansar de não-sei-o-quê

 Aos domingos esperoo domingo passarpara devolver-me o presenteamanhã

-Nos domingos estes vazios!

 Aos domingos tiro feriado de mim

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CONSTRUÇÃO DIÁRIA

E os sonhos recolhemas migalhas diurnas-desejos não realizadosnão fogem aosfantasmas das noites

E meu corpoabsorvetodo impactodas minhas fantasiasmal dormidas

E toda manhãtento juntaros meus pedaços

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CANTATA - HUMANO CANTO

O dia convida ao açoitedas palavras que se fazem vento

Tantos fantasmas invadem o diaque a noite só resta o silêncio

Penso nas horasque passam como ventoe voam pela janela

Penso nas crianças que virãoe nas crianças que ficarampresas na memória

O pó ocupa todosos espaçose não pára de correrpelas frestasda mente

Na quietudeo tempo corre veloze se torna absoluto poente

Contemplo as flores que nascemcom as horas contadas

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e se eternizamno tempo

Os relógios não determinam o tempoapenas demarcam os espaçosque o ponteiro percorreentre um ponto ao outro

Já é Outono e as floresse despedeme os seus abraços já não são os mesmosdesde janeiro

Espero a chuva caire o que passa são os olhos

-vitrines que se renovamem cada estação

 As manhãs acordam mornase esperam aquecera vida

Lá fora um trem passacomo se fosse apenas cumprir uma obrigação

Mas, sabemos dos olhares que observama paisagem que somos-estática?

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E o gado se fixa ao solo

e cerca o território com olharesimóveisno espaço

E não sabe do tempoque o corrói

Mas é absoluto em sua certeza

Só o homem dobra os passose esquece das estrelas no céu

 As rugas se fixam em meu rosto

e contam histórias esquecidas

 A tv desvia o olhardo espelhoe vamos surdos para encontrosprogramadoscom máscaras e sorrisosavisos prévioseditaise cenas de postais

Visto minhas horassem disfarces

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e alcanço tuas mãosentre espelhos diversos

e nenhum beijo te acorda

Meus pés são uma farsasobre a estradae sinto calafriosem teus beijos

-inevitável despedida futura

Você olha para mimsem compreender a si mesmae escuta o canto dos pássarosna manhã

E os pássaros cantam na manhãe os pássaros cantam na manhã

Mas, principalmente, os galos cantame desafiam as incertezas

 As manhãs nascem do cantoe até mesmo o galo se espantada manhã que se levantano seu canto

E, como o galo, também me espantomas não consigo deter este canto

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E o canto perdurará mesmo quando não houver

mais pássaros nas manhãs

Os homens oferecem pontesaos pés que não levama outro pontodo universo

 As pontes ligamapenas o reverso da perspectiva-ir e vir são a mesmas coisase quem vai cruza com seu futurona volta de quem foi

Os rios foram feitospara atravessar-nos-batismo purificadordas águas da fala

Configuro emoçõespara este momento underlinee formato lembranças ideais

Formato meus prazerespara vocêe te ofereço florescomo oferecesse pão

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Visto as palavras para criar universos

-Esta é minha forma de abrir-mecomo canteiros que se preparampara as abelhasque fecundarão o mel

E ofereço para ti

essas asasabertas para o céu

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PERTO

Tão longe eu moroQue não existem portas abertasTão longe eu moro que nem portas existem

De tão longe a paisagem só existeE divide o espaçoDa minha distância

De tão longeVivo tão pertoDe mim mesmosem Fronteiras

De tão longeNão sou alcançadoPelo dano que causaria

 A mim mesmoDe tão longeVivo de janelas abertasSem temorNem mesmo do diabo

De tão longeVivo encontrado

Em diversos horizontes Abertos

De tão longeVivoDebruçado sobre a paz

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INDECIFRÁVEL

O poema que não escrevié feito de carnetem nome largoe palavras de forma

O poema que não escrevi

dorme comigo todos os diasrevira meus sonhostorna-se insônia

O poema que não escrevicome, bebe, faz sexoe, às vezes, sai pelo nariz

O poema que não escrevivive na lama, no lixono luxo, na cama

O que poema que não escrevié macho, puta, bicha louca-desenho que não sai da boca

O poema que não escrevié leve, é plumapesado tiroé chumbo, é morte

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é casulo, é sedaé sorte que não chega

O poema que não escreviInscreve-se em mimcomo cicatrizcomo uma dor, um partoum sapato apertado

O poema que não escreviJamais escreverei

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EPITÁFIO

Terra, minha terraeis que me devolvo:tua poesia, teu ovo.

Devolvo-te os sorrisos escrotosmeus sonhos, meus brotosminhas esperanças, meus mortose, agora, o meu inútil corpo

Devolvo-te o cheirodestes eucaliptos que acenamdespedidas e boas vindasaos filhos errantes, retirantesnessa ilha latifundiáriae agreste de oportunidadese sonhos delirantes

Devolvo-te tuas verdes colinaso Societé, a Praça da Bandeiraas rochas, insensíveis, indiferentes

as Sevis, as Brandinasos servis, a falsidade,a dor de denteo dinheiro poucopara pagar a cantinateu odor, tua latrinao futuro e o presente

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Devolvo-te o Poço da Nega

o schistosomaa Travessa da Uniãoa política comao engenho, o mele a ausência do pão

Devolvo-te o peito,

o sangue derretido, o veioo clamor, o povo sofridoo cordão umbilical, o pleito

Devolvo-te teus governantesque fingem festas, festivaisvotos e sorrisos bacanaisembora deixem deserdadosos irmãos natais

Devolvo-te o teu povoque se abre fabrila outros abraços operários- cicatriz aniltecida em pele, pavio

Devolvo-te minhas noites,meus açoites, o salário canavial,a hipocrisia, a água batismal,a pia, teu vazio cultural

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teu sangue, teu corpotua gente, teu sal

Devolvo-te os puteirosa tua falta de perspectiva,e a pátria amada sepultadapela enxada do coveiroo grito incontidoo escritor, o tinteiro

Devolvo-te tudoexceto tua moralBelge Bresilienepacífica, morenensee teu involuntárioabraço final- cana de açúcarteu bem, teu mal

 A Terra dos Eucaliptosfinalmente receptivae acolhedoraabre a sua boca vorazpara receber-mequando não estoumais nem aíe não quero saber

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FLORES DE MAIO

Em maiodesmaio em teus braçosrimas e floresde um cantosenão de amoresum canto de sol

sal e suorese que recebesmolhadade sexo e odores

Em maiome abelho

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PERSPECTIVA

Mas, não pensem vocês que vou entregar-me fácil.Meus pés ainda coçam percursose estradas se insinuam e desenham os seus traçadosVolto como se estivesse indo. Vou como estivessevoltando.

E refaço o trajeto em meus pésmapeando histórias de idas e vindas

Tudo requer seu passaportee pago minha passagempor esta vidae durmo sobre travesseiros duros

de viajar minh’alma 

Olho para o horizonteque sempre estar aos meus pése não consigo enxergar alémde mim mesmo-este cemitério de paixõesloucas, atrevidas -covas fundasque vou cavando na vida

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O QUE ABRE EM SI UMA LUZ

Mas, há tantas coisas que nos atingemque sobram espaços entre o toquee o coração

E nenhum vazio preenche o homemnem mesmo quando ele está sentadosobre pensamento nenhum

pois, pensamentos existemmesmo quando não os há-o pensamento da constataçãode sua paradoxal ausência!

Viver é melhor que sonharporque todo sonho háde viver-sequando acordado estar-se

E este universo humanoé habitado por tudo que existe

fora e dentrodentro e forada cabeça e do coração

E o que nos trouxe à vidaé o que da vida a morte levará-a rosa e a cruz

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REFLEXO

Mas, nada me alcança sem razãoe todo foco me centralizano percebido

Percebo-me nas coisas que vejoe sinto neste encontro

dos meus olhos com as coisasum atingirfundo de mimcom o outro que me fita

Dentro dos meus olhosvivo dentro do outro que fito

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SETEMBRO

Estas flores que carrego em meu peitosão para oferecer-te primaveras

e deixar correr seiva e espermaem tuas veiasfogo aceso

setembrosriso solto gozo de serpente-enchentes em teu coração

TURISMO

Estive em outrocoraçãoe lembrei de você

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TOQUE

Tua mão desassossegoem meu corporelampejaacendee queima-pura combustão

 Acorda-me vulcão(ereção na peletua em mim)

 A TINTA ESCREVE PALAVRAS TINTAS

Mas, num dia só gaivotas reviravoltasem torno de mares e olhares alhuresnavegantes soturnos de vidas presas pescadasem bicos e anzóis toda solução está na cor do mar do olharem torno da vida o beija-flor beija a flor e corre risco pelo néctar

do bico a boca abre a flor e fecunda a bica e o piotodos os olhares se voltam para si mesmosnada sai inteiro a tinta do tinteiro escreve palavras tintas

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EM MEUS LÁBIOS NENHUMA PALAVRA

Concentrado em meu desejo antevejo o gozode um prazer inalcançávelprocuro nos dedos o que resta de ti-Uma sombra que se esvaiem meus pés o caminho se desfazsempre nas voltas de desenhos

não realizados na estrada

Tudo é aconchego em esperançastratadas como sonhosem meus lábios nenhuma palavraé esboçada para firmar o recorteda quimera do beijo

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EM TEUS OLHOS FLORESTAS 

Em teus olhos florestasacendem palavrasdemarcadas pelo espanto do invasor

O riso é flor em marchad’alma envolvida em dor  

Em tua boca o territóriose recolhe à tabae escondes tua nudezcomo fosse praga

 A cicatriz já foi posta

em tua alma-mata

e tua garganta vomita cançõesde saudades vindase um passado que não deságua

Vontade de ser mãeterra saudade da ausênciade quem ficounos limites extremosentre a civilização e a farsae a falta de pudordo explorador

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 A tua tribo se levanta

e o arco alcançaa flecha que não foiarremessada atingeo sangue do arremessador-a submissão do braçonão confessa a fervura

da idéia

E teu canto graúnaassume a bravurade uma graça que não erapara a guerra

CÓPULA

E o beija-flor ejacula na flora outra flor

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VISCERAL

Letal é uma palavra vivacomo o metal no corpoo poço nos pés

Letal anuncia a facao veneno na veia

a aranha na teiao perigo da fala

Letal não calaimprime n’alma a cova, a valao gesto fatal

a palavra na bocaou no papel

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CONSCIÊNCIA

Não controlo meu olharo meu olhar não controloe deixo meus olhosem todo instanteque minha visãoencontra o olhar

do mundoe meus olhos são movidospelo movimento que provocao olhar em mimquando dentro acordao eu que vê

CEMITÉRIO

Pequenos pedaçosde gentefazem multidão

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PRISÃO

O riso soltona gaiolagritaa sua dorde não ser

DELICADEZA

Os gestos lembramà menteque precisamser contidos

quando o afagoé para o vidro

 ADOÇÃO

 A criança soltano orfanatobrinca deaparecer

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 AMANHECER

Então, por não entender o cantoa ave de espanto assume a posturado vôo que enfrenta os ventose gritos dilacerados assombram o cantardo pássaro humano preso na garganta

 A liberdade é só um saltoda voz que atinge a almaem pleno vôo.

E, todos os caminhos voampara um céu aberto

à morte do homeme a liberdade do pássarosolto na voz.

E todo dia se faz de repente,sem avisos e canta a luzdo grito nascente na vozno amanhecerdo pássaro que voatodos os diasnos homens

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PEIXE NO AQUÁRIO

Nada que estar no ar é seguroNada que voa fixa territórioNada que enxerga ao longe guarda saudadeSó esta vontade de ficar aquiNessa proteção amniótica

Deste horizonte definido

 AFAGO

Se flores eu voupor estradas de mel-Percusos perfumados

em teus pése faço ceraem teu coloaté extrair o néctarde tua flor

POUSO

No céuo azul descansaasas

e teus olhosadormecem anjos

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REFLEXO

 A cidade tatua no peitoos percursos dos pés

 A cidade invade o leitodas águas que deságuamem viés

os sonhos das floresque convidam os insetosao beijo das cores

 A cidade me convidaa sonhos de luzesque se repartem

nas águas no brilhodos meus olhos

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RECIFE

Recife e seu banho de águasRecife mergulhado nas águasbebe pontes e brilhose o sol se reparte nas águasem estrelas milRecife repartido

em pontes que atravessama vida da gente

Recife repartidoem gente-pingente no pescoçoe grito no asfalto

não disfarça a criançaque salta na vidapelas pontes que unemtodos nósao mesmo mangue

Recife sangueda gentepelas veiasdas pontesque se constroemnos rios da cidadeque nos habita

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GESTAÇÃO

E assim quando a morte vem de súbitomata-nos a todos mesmo anunciadaesperada ou desejadaficamos em sustocomo ela, a morte, fosse

uma espadaque sabemos de sua existênciamas nos afeta quando é praticadae de espanto morremos semprecom a morte alheia-nossa própria sorte-e debruçamos sobre lágrimas o choro

do nosso destinoe esquecemos que a vida existe apenaspara criá-la

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PERCALÇOS

Há tantos lábios no meio do caminhoque os sonhos se desfazem antesde nascer o beijoe o meu encontra o teucongelado na esperado laço da língua

e me desfaço em tua bocacomo aspirinasem me dá contaque morro sempreem teus braçose fico sem opções denovos percursos

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 A CASA

 Aos poucos a casa vaiadquirindo vidanos pés de quem a pisaergue-se entre sonhosda noite os assombrosconstruídos durante o diae refaz cada pedaço

canto e esquimaideias vividas

 A casa é pranto, doravenida nos esquadrosdas janelas o de bruçosdeita os desejosda casa o aviso

no portal é bem-vindo

 A casa se enchede vida do telhadoao pombo que pousaenxuto o gorjeio da vida

Vaziaa casa desmoronasem vitalidadea ausênciade seus vazios

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 ANSATA

E dela fosse ensinadaa fala que germinade seus cantos aquarteladosa doçura da meninanascente dos olhoso grito, a sina

que tanto gestos cismamem guardar laçosdo prazer e da feridae da boca salgada ou docese faz fera ou santoa alquimia divina

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VOYEUR

não cismo com você à mesma proporçãoque os vãos da boca esboçam cantos e trejeitos indisfarçáveiscaminho pelo teu rosto como uma vaca no pastoesquadrinhando todas as fendasTua face é um mapa de tu’alma que exploro sem pudor

e viajo por luas, sóis, céus e piso em nuvenssem importar-me com a espessura da travessiae não adiante entocar-se em pensamentos esmos que de tocaia avançotodos os recônditos gestos inomináveise, assim, lhe deixo inapelavelmente nuae o gozo me vem pelos olhos ao contemplara mulher que dentro de você há

DESTINO

 As paredes confirmam os fatose cercam os sonhose medem os passos-não há saída exceto pela portae lá fora os limites já foram demarcadosnum estreito quarto

Todos os pisos pisam igualmente os pése fixam o destino de quem vivecercado de limites

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 ALQUIMIA

Todas as formas informam à menteos limites das coisase dentro (da mente) as formas se contorceme contorcem a mentee levam os homens ao inferno ou paraíso

EXISTÊNCIA

Dentro (dos olhos) Deus acena

pra toda gentee, simplesmente, ficamos a vê navios

PONTE

Em meus lábios promessas vãs cavam fossas