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02 a 05 setembro 2013 Faculdade de Letras UFRJ Rio de Janeiro - Brasil SIMPÓSIO - Narrativa, identidade e memória cultural

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02 a 05 setembro 2013

Faculdade de Letras UFRJRio de Janeiro - Brasil

SIMPÓSIO - Narrativa, identidade e memória cultural

A escrita de si como dispositivo da memória: uma leitura de lixo e purpurina de CFA Elisabete Borges Agra e Rosilda Alves Bezerra

INDÍCE DE TRABALHOS(em ordem alfabética)

A (des)configuração do homem: leitura do conto”Embargo”, de José SaramagoJussara Ferreira Melo e Márcia Tavares Silva

Página 05

A literatura reinventada em O ano da morte de Ricardo Reise Em liberdade Wellington R. Fioruci

Identidade e Luto: a narrativa pós moderna de Haroldo MaranhãoAiana Cristina Pantoja de Oliveira

Página 07

Caim, de José Saramago: um rei provisório de uma Bíblia carnavalizada Saulo Gomes Thimóteo Página 13

Página 15

A revista Tel Quel: articulações intertextuais e intersubjetivasAlexandre Rosa Página 09

Página 04

A Literatura de Alice Vaz de Melo: o olhar individual de uma memória coletivaMarta Roque Branco e Paulo Bungart Neto Página 06

Página 08

Página 10

A narrativa pós-moderna da História na metaficção de José SaramagoMilla Benicio Câmara

Análise discursiva em Los pasos perdidos: para além do relato de viagensCamila Lopes Ferreira

Página 14Entre o público e o privado: autodiscurso e representação de Carlota JoaquinaCláudia Luna

Autor é quem trabalha: perspectivas e convergências entre Michael Foucault, Roland Barthes e Walter Benjamim Daniel Christovão Balbi Página 11

La ciudad y los perros: a desnudação da sociedade de Lima Bruna Rafaelle de Jesus Lopes e Gerardo Andres Godoy Farjado Página 17

Memórias da escravidão no romance Leite derramado Tatiana Sena Página 18

33

Narrativa e construção de identidades no romance Terra Nostra, de Carlos Fuentes Ana Lúcia Trevisan Página 19

Narratividade muriliana: percepções de poder no conto Botão-de-rosa Edson Moisés de Araújo Silva Página 20

Projeções da Bíblia e o Midrash Moderno na Literatura Brasileira: um estudo sobre a narrativa, identidade e memória cultural no texto de Moacyr Scliar Cláudia Andréa Prata Ferreira Página 21

Salmos Indígenas e Pajelanças Judaicas: narrativas e contra-narrativas da formação da identidade judaico-brasileira em A Majestade do Xingú, de Moacyr ScliarLeopoldo Osorio Carvalho de Oliveira Página 22

Subalternidade e poder na obra literária de Lima Barreto Rosineide da Silva Página 23

4

O conto “Embargo”, do escritor português José Saramago, foi publicado pela primeira vez em 1978

no livro Objecto quase, obra que reúne seis breves e tensas narrativas através das quais encontramos

evidenciadas as raízes do maravilhoso nesse autor. O conto em questão narra a história de um homem

comum que, repentinamente, tem sua rotina modificada depois de vivenciar uma situação bastante

insólita: ele percebe que o próprio carro passa a ter vontade própria, obrigando-o a parar em todos

os postos de gasolina para abastecer. Nesse ínterim, observamos a tensão acarretada pelo conflito

entre o homem e seu automóvel: no conto, a máquina é quem exerce controle sobre o seu dono,

possibilitando, já em uma leitura não tão minuciosa, uma analogia com o homem contemporâneo,

que se tornou extremamente dependente e subserviente das novas tecnologias. Todavia, há elementos

ao longo do conto que podem ser explorados, sobretudo no que diz respeito ao perfil cultural das

personagens e ao ambiente no qual se passa a narrativa. Podemos perceber, pois, várias marcas no

contexto de construção dos sentidos que sugerem um esfacelamento da identidade do protagonista e a

reconfiguração da mesma pela de um objeto. Diante dessa questão, ressalta-se a ideia da fragmentação

de identidades, que pode ser percebida também através da ambientação do conto, quando somos

transportados a uma atmosfera extremamente capitalista e burocratizada. Em outro segmento, nota-

se que um dos artifícios utilizados por Saramago reside na articulação intertextual com a história.

Nesse sentido, referenciamos tal recurso no conto através da teoria denominada de “metaficção

historiográfica”, termo criado por Linda Hutcheon em Poetics of postmodernism,a fim de explanar o

diálogo histórico-ficcional na narrativa. Em face do exposto, buscamos através desse trabalho propor

uma leitura que demostre a subalternidade da personagem principal e como esse contexto de perda de

identidade ajuda na construção e articulação dos sentidos ao longo da narrativa.

A (DES)CONFIGURAÇÃO DO HOMEM: LEITURA DO CONTO”EMBARGO”, DE JOSÉ SARAMAGO

Jussara Ferreira Melo e Márcia Tavares Silva

5

Este artigo visa explorar questões pertinentes da dimensão cultural subjacente à escritura do conto

“Lixo e purpurina”, de Caio Fernando Abreu, constituindo-se no que se pode denominar de escritura

da diferença, tendo em vista que este prosador contemporâneo frequentemente envolve em seu relato,

seja de maneira real, seja por simulacro, sua vivência explorando-a em forma de tema, observará

também se o narrador do conto analisado incorpora uma figura tríplice; autor/narrador/memória que

passa a definir o literário como um discurso “explicitamente situado na interface entre o real e o

ficcional”(BARTHES). E por fim, verificará se esse deslocamento, capaz de promover a tensão entre o

global e o local, se constitui como uma literatura em permanente diálogo com a cultura ocidental, uma

vez queavalia sua dependência cultural numa postura de autoafirmação e auto-reconhecimentocomo

valor da diferença. Esse percurso de deslocamento é verificado através das experiências vividas pelo

eu- narrador, que relata um saber não de si, mas de fluxos de memória que operam entre o processo de

criação/invenção e realidade.Os teóricos e os críticos como Jacques Derrida, Dominique M., Silviano

Santiago, Beatriz Resende, Compagnon entre outros, servirão como eixo teórico, pois rejeitam os

essencialismos e destroem os argumentos de que haja um significado intrínseco a qualquer produção

de sentido, entendem também que a resposta dessa produção depende da questão que dirigimos de

nosso ponto de vista de nossa memória histórica, como também da capacidade de reconstruir a questão

à qual o texto responde, porque o texto dialoga igualmente com sua própria história.A proposta se

adequa ao Simpósio –Narrativa, iIdentidade e memória cultural, porque que a literatura transforma o

cenário real, pois não se contenta em representá-lo, mas sobretudo, avalia-lo. É através dessa narrativa

contemporânea que se historiciza e se é historicizada a estrutura social do contexto ao qual a obra se

encontra inserida. Esse processo de historicização estabelece uma maior compreensão das relações

entre obra e realidade como uma possível reformulação desse real.

A ESCRITA DE SI COMO DISPOSITIVO DA MEMÓRIA: UMA LEITURA DE LIXO E PURPURINA DE CFA

Elisabete Borges Agra e Rosilda Alves Bezerra

6

Este trabalho se constitui como parte das pesquisas do projeto intitulado “Memorialismo em Ivinhema:

o diário de Alice Vaz de Melo e suas crônicas no jornal O Grito”, desenvolvido pelo programa de Mestrado

em Letras da UFGD na área de Literatura e Práticas culturais desde março de 2012, e visa observar

alguns traços das crônicas da autora publicadas na sessão “Umas e Outras” do jornal supracitado

entre os anos de 1970 e 1971. Estes textos apresentam o contexto sócio-histórico-cultural de Ivinhema

– uma pequena cidade do interior de Mato Grosso do Sul – em seus primeiros anos de emancipação.

As crônicas apresentam-se como exemplo de possibilidades de reconstrução histórica que os textos

ficcionais revelam e insinuam. São escritos que, por intermédio da memória, mostram-se como uma

fonte de conhecimento e apresentam um recorte histórico coletivo a partir do olhar individual de um

figura atenta a seu tempo, preocupada com o meio social em que vive e com perspectiva de um futuro

promissor. Tais textos servem como suporte/fonte aos registros históricos de um determinado tempo

e lugar já que a autora traz em suas narrativas literárias as representações do espaço, dos costumes,

dos anseios da realidade de uma época. Conta as modificações geradas pelo desenvolvimento daquela

cidade e aponta para as causas e consequências dessas transformações. Visto que textos pertencentes

ao gênero memorialístico são, segundo Tânia Regina de Souza, resultados de impressões passadas

que trazem em si marcas da convivência com um determinado grupo social e da experiência dessa

relação, as crônicas serão analisadas pelo viés dos estudos da Memória, da História e da Literatura,

com o auxílio de autores como Sandra Pesavento, Peter Burke, Maurice Halbwachs, Regina Zilberman,

dentre outros. Falar de memória é olhar para além de um conceito de armazenamento de informações

passadas. É perceber que “cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva”

(HALBWACHS, 2006, p. 69). Apesar de construído através de uma “concepção individual”, no dizer

de Souza, as lembranças que essa concepção evocam são, para Maurice Halbwachs, coletivas, uma

vez que não há recordações exclusivamente individuais, pois pertencemos necessariamente a grupos

sociais e vivemos em comunidade (família, ambiente escolar ou profissional, etc.), e, como tal, nossas

lembranças são também “dos outros”, ou seja, coletivas. Nesse sentido, os textos de Alice Vaz de Melo

se constituem como importante testemunho do período de formação de sua cidade, uma vez que

trazem as marcas da convivência do grupo social daquele lugar e as experiências dessa relação por

meio das impressões da autora dentro da memória coletiva, e se enriquece à medida que aproxima

o passado do momento presente – memória e consciência – para uni-lo ao futuro e, assim, construir

uma identidade histórica que traga em si as marcas construídas por cada contexto sócio, histórico e

cultural.

A LITERATURA DE ALICE VAZ DE MELO: O OLHAR INDIVIDUAL DE UMA MEMÓRIA COLETIVA

Marta Roque Branco e Paulo Bungart Neto

6

7

O presente estudo está vinculado a um projeto de pesquisa desenvolvido desde 2012 e tem por objetivo

analisar, de forma cruzada, os romances Em liberdade (1981), de Silviano Santiago, e O ano da morte

de Ricardo Reis (1984), de José Saramago, com o intuito de compreender de que forma as produções

literárias dos anos 1980 dialogam com a corrente poética do pós-modernismo. A escolha destas obras

tem como eixo catalisador recursos estilísticos que as unem, mas não apenas, já que tanto uma quanto

a outra se situam diacronicamente na fronteira de uma obra considerada por parte dos teóricos e

historiadores da literatura como epígono da pós-modernidade, a saber, O nome da rosa (1980), de

Umberto Eco. O ponto fulcral deste estudo centra-se na construção narrativa que estrutura o discurso

de ambos os romances, a qual está sustentada por um jogo metaficcional que re-elabora a linguagem

dos autores diretamente encapsulados pela trama novelesca, Graciliano Ramos e Fernando Pessoa.

Por meio da memória ficcionalizada no enredo de Em liberdade e de O ano da morte de Ricardo Reis,

construto literário que lança mão do diálogo solidário entre os discursos da literatura e da história,

o leitor pode transitar por dois momentos históricos marcantes nas trajetórias de Brasil e Portugal, a

saber, o governo do Estado Novo de Getúlio Vargas, no que tange ao primeiro, e o Salazarismo, no

tocante ao segundo. Realidades críticas e polêmicas nas quais Silviano Santiago e Saramago imergem

o leitor, a partir deste momento também uma peça importante na construção de sentidos dos textos

em questão. Para a efetivação desta análise, parte-se das premissas da literatura comparada, cujo

objetivo maior é a ampliação das fronteiras culturais e históricas que formam a leitura crítica das

artes. Em relação à pós-modernidade, o arcabouço teórico remete aos estudos de François Lyotard,

Linda Hutcheon, David Harvey, Perry Anderson, Jair Ferreira dos Santos, Domício Proença Filho,

Nizia Villaça e Leyla Perrone Moisés.

A LITERATURA REINVENTADA EM O ANO DA MORTE DE RICARDO REISE EM LIBERDADE

Wellington R. Fioruci

8

Resumo: [...] em minha discreta opinião, senhor doutor, tudo quanto não for vida, é literatura, A

história também, A história sobretudo, sem querer ofender, E a pintura, e a música, A música anda

a resistir desde que nasceu, ora vai, ora vem, quer livrar-se da palavra, suponho que por inveja, mas

regressa sempre à obediência, E a pintura, Ora, a pintura não é mais do que literatura feita com pincéis

[...].

O trecho acima, cuidadosamente escolhido para iniciar este resumo, pertence ao romance História

do cerco de Lisboa, de José Saramago. O trecho é representativo de uma parte significativa da obra do

escritor português, em especial aquela dedicada a rever episódios históricos, e que é capaz de apontar,

por meio de sua narrativa, as fraturas presentes na relação entre a realidade e sua representação, ao

mesmo tempo em que constrói sua própria versão dos fatos, histórias e conceitos por meio de um

olhar assumidamente contemporâneo, comprometido com as questões de seu tempo. Nesse sentido, o

autor aproxima-se da figura do cronista proposta por Walter Benjamin ou do genealogista de Michel

Foucault, uma vez que nutre uma concepção dialética história.

Esta postura permite a Saramago apropriar-se de referências passadas para promover interessantes

reflexões sobre sua própria sociedade. O termo metaficção historiográfica, cunhado por Linda

Hutcheon, parece encaixar-se perfeitamente à literatura do escritor português, uma vez que designa

textos literários pós-modernos que promovem, por meio da ironia, um diálogo crítico com o passado.

Alguns romances de José Saramago, como História do cerco de Lisboa, Memorial do Convento ou

Evangelho segundo Jesus Cristo, que lidaram explicitamente com referências passadas por trazerem

para debate dados históricos, biográficos ou religiosos, já se revelavam extremamente distantes do

chamado “romance histórico”. Este gênero híbrido, embora se constituísse nas vizinhanças da

literatura e da história, o fazia de modo a separar estas duas esferas, a delimitar bem a história como o

campo da verdade, e a literatura, como pertencente à ficção.

A NARRATIVA PÓS-MODERNA DA HISTÓRIA NA METAFICÇÃO DE JOSÉ SARAMAGO

Milla Benicio Câmara

9

De 1960 a 1982 uma revista trimestral foi publicada em Paris pelas edições do Seuil : Tel Quel.

Durante mais de duas décadas, ela será a principal revista literária teórica e vanguarda, federando

autores como Michel Deguy, Denis Roche, Philippe Sollers, Julia Kristeva ou ainda colaboradores

que trabalharam sobre a linguagem, a cultura, a semiologia como Michel Foucault, Gérard Genette,

Jacques Derrida, Francis Ponge ou Roland Barthes. Por meio da história de Tel Quel, questões que

ultrapassam a pós-modernidade são hoje retomadas sob diversas perspectivas, entre elas, a articulação

de ideias e de ideologias entre os números da revista, criando relações intertextuais que vão além do

simples “debate”, haja vista que vários campos do conhecimento se mesclavam de forma inédita. A

história se confrontava com a linguística para desembocar na balbuciante semiologia. O sentido e

o estudo da literatura escapavam às explicações biográficas dos autores e se terminou por declarar

estes últimos como “mortos”, gerando uma autonomia do texto que veio a afirmar-se como uma

verdadeira revolução nos estudos literários. Enfim, lutas ideológicas opunham, ou aliavam, linguística

e psicanálise; estruturalismo e maoismo; comunismo e sociologia. Estes polos eram frequentemente

transversais e existiam por meio de diálogos intersubjetivos de seus autores, outra novidade. E o

“novo” marcou esse período de construção e de desconstrução intelectual onde a busca do sentido

e a afirmação ideológica nunca foram tão presentes no jogo da construção/estruturação/articulação

de ideias : nouveau roman; nouvelle critique; nouvelle philosophie. Estes autores enquanto grupo

dialogavam entre si mas também com a sociedade de uma época industrial onde o campo cultural

entra na era da (re)produção de massa, do coletivo e de relações de alteridade/identidade. Um período

inédito na história das ideias, no qual uma vanguarda literária sonhou com uma revolução que seria

poética, teórica e política. Estes são os pontos que serão abordados nesse estudo e que se enquadram

dentro desse simpósio sobre Narrativa, identidade e memória cultural.

A REVISTA TEL QUEL: ARTICULAÇÕES INTERTEXTUAIS E INTERSUBJETIVAS

Alexandre Rosa

10

Tendo como ponto de partida a obra Los pasos perdidos, do escritor cubano Alejo Carpentier, o objetivo

deste trabalho é apresentar uma análise que revela a relação entre os diversos discursos que articulam

a obra, apresentando seus pontos-chave principais e sua relação com a estrutura do texto como um

todo. Los pasos perdidos possui como tema central a tipologia de viagens, importante matriz do

romance latino-americano. Ao desembocar de uma vasta tradição dos relatos de viagem ao longo do

processo histórico-literário – estudada a partir dos relatos do teórico russo Mihail Bakhtin – o texto

dialoga com essa mesma tradição, levando em conta um universo particular latino-americano: uma

obra que ao mesmo tempo confirma e transcende a tradição da tipologia das viagens. A presença deste

cronotopo de viagens pode ser explicada pelo amplo legado da narrativa oficial de viagens na história

literária do continente; narrativa que foi obtendo influências de outros gêneros e que surge no século

XX como importante revelador da identidade e da cultura latino-americanas. A obra de Carpentier é

inovadora dentro do processo cronotópico de viagens porque utiliza-se, para além do relato, de outros

discursos, que juntos, são responsáveis pela tentativa – frustrada – de apreensão de uma realidade

testemunhada. Os limites de apreensão do real latino-americano são o resultado da intrincada relação

entre os discursos encontrados em Los pasos perdidos. A partir do panorama acima, cabe explicitar

quais os questionamentos a serem desenvolvidos no trabalho: qual a contribuição desses diversos

discursos – relato oficial de viagens, relato etnográfico, diário pessoal, discurso autobiográfico,

outros romances latino-americanos – para a construção do romance Los pasos perdidos? Como esses

discursos presentes no romance se articulam? Como essa variedade de “vozes discursivas” pode

significar uma heterogeneidade ideológica, dentro do panorama de uma identidade americana não

totalmente apreensível? Espera-se com o desenvolvimento desses pontos, contribuir um pouco mais

para o panorama literário latino-americano moderno e pós-moderno.

ANÁLISE DISCURSIVA EM LOS PASOS PERDIDOS: PARA ALÉM DO RELATO DE VIAGENS

Camila Lopes Ferreira

11

O conceito de autor mobiliza uma série de elementos de naturezas diversas, a partir dos quais sua

definição se conformou ao longo da história da arte e seu estudo crítico. Entre a prática e o conceito

de autoria, percebe-se, tem se realizado uma operação complexa, fruto de uma tensão que transborda

da permanência da questão da obra de arte. E, talvez, ao longo do século XX, o que de mais coeso

se pode reter é o lugar em que se situa a investigação, precisamente no hiato entre o material e sua

apreciação: quais seriam os limites intransponíveis da marca, do esforço que caracteriza o processo

e o seu produto, a que nenhuma abstração pode resistir. Isso não é tão óbvio quanto à primeira vista

pode parecer, pensando-se que, somente nas últimas décadas, é possível falar do mal-estar da história

como o desdobramento das consequências do ímpeto de apropriação da natureza pelo homem, já

que o lugar das ideias e seus contornos como operadores (racionalismo e idealismo) inquestionáveis,

como princípios reguladores a priori, inclusive, não pôde resistir ao século das vontades em conflito.

Não foi possível manter incólume a eficácia do conceito apesar da experiência. É por esse caminho

que se podem traçar os pontos convergentes (mesmo que transitórios) entre as obras de Barthes,

Benjamim, e Foucault. Benjamim, em seu ensaio O autor como produtor, encaminha a análise das

condições de produção do texto, no sentido do conhecimento que este autor tem dessas condições,

interessado em demonstrar de que maneira o lugar que ocupa o autor é, sempre, mesmo que mediata

ou provisoriamente, um lugar que denota uma tomada posição, existindo como componente concreto

da obra. Foucault, diferente de Benjamim, interessa-se pelas marcas que denunciam o autor como

atribuição, remissão ao texto, o que lhe serve para apontar o conflito entre a esfera da produção e da

recepção. No limite, Foucault percebe que o espaço dessa autoria e a flutuação do conceito estão ligados

à articulação entre a história do sentido do dado significante objetivo e o processo de significação, que

é histórico. Não é à toa que Barthes tenha declarado a morte do autor, e curioso tal declaração indique

uma reflexão tanto sobre a produção da obra, quanto sua circulação. O material esconde uma história

de usos e “originais” que, ao prazer, se refazem como trajetória, somente pelos quais será possível

encontrar o jogo do autor e a mobilização de sua vontade, que é a evidenciação da arbitrariedade. Aqui

está uma perspectiva material: a par das profundas diferenças entre esses teóricos, suas reflexões não

escapam a uma imposição do objeto e sua matéria, da obra como resultado de um esforço. Portanto,

pretende-se analisar qual o lugar e a percepção do elemento “trabalho” no estudo da autoria proposta

AUTOR É QUEM TRABALHA: PERSPECTIVAS E CONVERGÊNCIAS ENTRE MICHAEL FOUCAULT,

Daniel Christovão Balbi

12

nos textos O autor como produtor, de Walter Benjamim, A morte do autor, de Roland Barthes, e O

que é um autor?, por Michel Foucault, percebida a definição de autor como operação complexa entre e

articulação da marca indelével do elemento (substância) manuseado.

13

Na obra Caim, último romance publicado pelo escritor português José Saramago, o personagem-título

surge como uma fonte desestabilizadora do deus do Antigo Testamento, ocorrendo uma inversão (e

subversão) do foco das histórias bíblicas. Ao invés da glorificação do nome de Deus, os episódios

saramaguianos põem caim como elemento questionador, que procura construir um mosaico para

compreender os atos de deus (com minúscula, conforme intenção do autor), bem como a si mesmo,

enquanto assassino de seu irmão. Além disso, a própria figura do narrador funciona como uma

desconstrução do discurso bíblico, embutindo novos sentidos alegóricos, dotados de uma razão de

cunho materialista, a histórias enraizadas no senso comum, como o sacrifício disparatado de isaac

ou o pacto com o diabo feito em malefício de job. Dessa forma, a obra adquire a configuração de um

jogo de duplos, em que deus passa por um rebaixamento, sendo caracterizado como louco, malvado

ou ciumento, e caim ascende da posição de pária à de baluarte do enfrentamento divino, tornando-se

polos opostos, mas interligados. Pode-se observar, também, a constituição de Caim segundo a ideia de

um monde à l’envers, conforme a visão carnavalesca de mundo proposta por Bakhtin, pois a hierarquia

Deus-humanidade é posta em xeque, abrindo novas possibilidades de entendimento bíblico, não mais

ditatorial, mas sim dialógico. Pode-se ver, então, que nessa inversão José Saramago não quer apenas

provocar, mas sim buscar a renovação da fé a partir da palavra inoportuna que espera uma resposta,

uma vez que é pela interação e indagação constantes que se consolida uma consciência e se forma uma

identidade mais plena. Assim, o presente trabalho propõe-se a observar e discutir a necessidade da

narrativa pós-moderna de Saramago de “desassossegar” tanto a si, quanto ao leitor, não se contentando

com verdades absolutas e buscando sempiternamente o desvencilhar-se de velhos dogmas ou o lançar

nova luz sobre a tradição. Ao modificar a leitura bíblica, acrescentando a ela uma visão racional e de

questionamento, o narrador e seu porta-voz (caim) subvertem o lugar de deus, tornando o romance

um espaço carnavalizado em que uma nova leitura da Bíblia se constrói.

CAIM, DE JOSÉ SARAMAGO: UM REI PROVISÓRIO DE UMA BÍBLIA CARNAVALIZADA

Saulo Gomes Thimóteo

14

Vive-se hoje processo de revisão histórica, em que se redimensionam personagens e se expõe a contraface

dos discursos oficiais. Especialmente no campo da historiografia, determinados personagens históricos

voltam à baila e se incorporam ao imaginário social através de determinados estereótipos veiculados

pela narrativa literária ou cinematográfica. Figura exemplar neste processo é Carlota Joaquina, a cuja

representação se têm associado os perfis de desvario e exagero, em produções recentes.das últimas

décadas do século XX. No entanto, o exame de sua produção discursiva, através tanto de proclamas

como cartas públicas ou privadas, revela uma articuladora política de grande importância no processo

das independências no Cone Sul, em seus contatos com os principais ensaístas e próceres dos processos

emancipatórios latino-americanos.

Nossa proposta, neste trabalho, é confrontar autodiscurso e representação de Joaquina, relacionando-

os, em especial, à questão do poder, no contexto de construção de alternativas políticas aos projetos

de constituição da nação brasileira, no contexto continental e ibero-americano. O tema assume

maior relevância se consideramos o quadro latino-americano de inícios do século XXI, quando se

comemoram os Bicentenários das independências, articulados em comitês nacionais ou regionais,

deste e do outro lado do Atlântico.

Nossa pesquisa se insere nos projetos de resgate da participação feminina nas independências, das

protagonistas esquecidas pela historiografia tradicional. Nesse sentido, Carlota Joaquina representa

a antagonista por antonomásia, figura chave na crise entre as Coroas ibéricas, vinculada tanto a um

projeto português de expansão territorial nas Américas como ao partido espanhol na Corte. Embora

se notabilize no imaginário nacional de forma caricatural, foi figura pública cujo epistolário, recém-

compilado pela pesquisadora Francisca Azevedo, em 2008, permite o acesso ao campo de poder dos

principais nomes da Europa e da América, através do Partido Carlotista, cujos partidários a queriam

à frente de uma possível União Ibero-americana.

Em última análise, trata-se de, a partir do reexame do passado, permitir uma perspectiva mais

abrangente sobre os desafios do presente, para nós, latino-americanos do século XXI, dentro da

dinâmica entre local e global.

ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: AUTODISCURSO E REPRESENTAÇÃO DE CARLOTA JOAQUINA

Cláudia Luna

15

O objetivo do presente trabalho consiste em compreender e interpretara pós-modernidade na narrativa

de Haroldo Maranhão. O estudo apresentado adota os romances O Tetraneto del-Rei e Memorial do

fim: a morte de Machado de Assiscomo recorte destinado à análise, aludindo à presença, em tais

obras, da temática da identidade e à perda da autonomia da literatura em relação ao mundo prosaico.

O primeiro romance em questão desconstrói o conceito de identidade em sua vertente nacional,

subvertendo as perspectivas sobre colonizador e colonizado. Nosegundo romance,embora por meio da

fragmentação do “eu” individual, a mesma discussão sobre identidade se fazpresente com a oscilação

de narradores e nomes de personagens. O jogo textual e discursivo de Memorial do fim reflete aindaa

impossibilidade da arte deemitir uma críticaàconfiguração sócio-histórica contemporânea sem

que seja desativada. Privados de criticidade intangível,os discursos artísticos como o do referido

memorialpassam a serconfiguradospela problematização de conceitos universaisantes entendidos

como referências no mundo social.Deslocando os elementos da formação histórica nacional de suas

posições tradicionais,a prosa haroldiana redimensiona a história ao mesmo tempo em que se serve

dela. Os papéis de civilizado e selvagem são invertidos, o texto histórico/literário A carta de Caminhaé

reconstruído com base na inversão dos discursos sobre a colonização. Ahistoriografia oficial,

componente da identidade nacional, perde sua hegemonia para outra versão do processo colonizador

do Brasil.Ao recontar a morte de uma das figuras mais emblemáticas da literatura brasileira, o texto

do autor paraense também descentraliza a noção de identidade, porém pelo viés do cânone literário.

Para a elaboração de uma versãoficcional dos derradeiros dias de Machado de Assis, acionou-se a

memória relativa à obra machadiana enquanto produto cultural, o que culminou com sua apropriação

para a montagem de outro texto. A memória é,então,entendida comomecanismo responsável pela

desconstrução do cânone. Tais pontos de diferença na narrativa de Haroldo Maranhão remetem à

descentralização do sujeito cartesiano e igualmente a um fazer literário permeado de luto em razão

da nova etapa dominadora do capital, iniciada na América Latina pelo período ditatorial, que impôs a

absorção e “desarmamento” de qualquer discurso que conteste a lógica capitalista.

IDENTIDADE E LUTO: A NARRATIVA PÓS MODERNA DE HAROLDO MARANHÃO

Aiana Cristina Pantoja de Oliveira

16

O objetivo deste trabalho é discutir, dentro do âmbito da Literatura Comparada na América Latina,

analisando, mais especificamente, o romance La ciudad y los perros, do escritor peruano Mário Vargas

Llosa, romance que marcou o segundo momento do “boom”, quando com apenas vinte e quatro anos,

no ano de 1962, recebeu o Prêmio Biblioteca Breve – da editora Barcelonesa Seix Barral –, e em 2010, o

Prêmio Nobel de Literatura. Para alcançar tal meta a pesquisa está embasada na leitura analítica dessa

obra levando em consideração seu caráter político em função da denúncia/ desnudação da realidade

vivenciada por jovens militares de Lima, capital do Peru. Procuraremos levantar uma discussão que

permita ao leitor conhecer o pensamento crítico latino americano para uma abordagem mais situada

em relação à literatura regional. As ideias aqui desenvolvidas estão fundamentadas nos postulados

de Lukács (2000), Coutinho e Carvalho (1965), Donoso (1987) e Galeno (2000). A literatura exerce

um papel fundamental na consolidação e no reconhecimento de determinada cultura. Se escrever

uma história está intimamente ligado com a cultura e com o momento histórico de quem escreve,

há, portanto, um posiciona-se por parte do autor, o qual introduz na sua escrita um ponto de vista

particular em função de sua ideologia e o efeito que ela causa em sua cultura, em seu território e em seu

tempo. O presente trabalho nos ajudará entender que para desenvolver a crítica literária na América

Latina, devemos não esquecer que uma cultura, por exemplo, como a peruana, e, consequentemente,

sua literatura se configura por meio da afirmação desse sistema cultural e do reconhecimento da

presente influência de outras culturas ditas minoritárias e outras majoritárias – por exemplo, a cultura

que podemos denominar branca e/ou europeia. Em suma, as práticas desenvolvidas pela literatura

comparada permitem um olhar mais aguçado e crítico dentro da sociedade estudada a partir de suas

obras literárias.

LA CIUDAD Y LOS PERROS: A DESNUDAÇÃO DA SOCIEDADE DE LIMA

Bruna Rafaelle de Jesus Lopes e Gerardo Andres Godoy Farjado

17

A pesquisa analisou as inscrições da memória da escravidão no romance Leite derramado, de Chico

Buarque, argumentando que a trajetória de vida relatada pelo centenário narrador-protagonista, Eulálio

Montenegro d’Assumpção, delineia uma cartografia política e cultural do Brasil republicano, cuja

memória cultural é constantemente assombrada pelos fantasmas do passado escravocrata, exorcizado

incompletamente. A Proclamação da República marcou um ponto de inflexão na história brasileira,

inaugurando uma narrativa nacional na qual a exaltação de ideais de modernização e progresso

coletivo se articulava ao apagamento e ao recalcamento da memória da escravidão. Entretanto, em

diversas expressões culturais modernas e contemporâneas, ocorre o retorno fantasmático de figuras

tidas como “arcaicas”, mas familiares, na arena político-cultural brasileira. Em Leite derramado, a

genealogia familiar empreendida por Eulálio torna visível essa outra genealogia espectral, já que a

riqueza dos Assumpção foi construída através do tráfico escravagista. O bisavô de Eulálio foi um

“barão negreiro”, envolvido na captura de “peças” em Moçambique. Por conta disso, a discussão das

relações intersubjetivas projetadas no romance entre as gerações de Eulálios e Balbinos possibilita

demarcar condicionantes e variáveis no exercício do poder político no Brasil, bem como explicitar as

hierarquias simbólicas de prestígio e de desprestígio cultural na sociedade. A comunicação também

pretende abordar as ambiguidades com que o narrador-protagonista de Leite derramado evoca

a fazenda colonial como um “lugar de memória”. Embora a fazenda seja um local constantemente

relembrado na moderna literatura brasileira, em geral estão invisibilizadas as marcas da violência e do

terror escravista, as quais acabam por se inscrever fantasmaticamente na narrativa saudosa elaborada

pelo ponto de vista senhorial. A construção discursiva do romance não referenda a perspectiva do

herdeiro nostálgico de seu prestígio. Chico Buarque dialoga com uma tradição crítica que rediscute o

passado colonial e a memória da escravidão, destacando sua resiliência na sociedade contemporânea.

Dessa forma, o trabalho está adequado à proposta do simpósio “Narrativa, identidade e memória

cultural”, contribuindo para a reflexão acerca da memória cultural republicana, visto que as práticas

e os discursos que lastreiam a contemporaneidade brasileira ainda repercutem, diferencialmente,

muitos impasses do processo de modernização instaurado pela república, deixando perceptíveis as

tensas conexões entre memória, esquecimento e política.

MEMÓRIAS DA ESCRAVIDÃO NO ROMANCE LEITE DERRAMADO

Tatiana Sena

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No romance Terra Nostra(1975),do escritor mexicano Carlos Fuentes, deparamo-nos com o “mundo

nuevo” desvendado pelo ponto de vista do homem europeu, caracterizado na figura de um narrador que

descreve recortando, ordenando e interpretando uma realidade e uma natureza totalmente distinta.

Fuentes se aproxima dos relatos clássicos de cronistas e descobridores do século XVI, justamente,

para subvertê-los. Afirmando e negando os modelos de narrativa histórica, que se tornaram sinônimo

de verdades históricas, somos obrigados a encará-los em toda a sua amplitude, ou seja, como forma,

e logo, como uma ordenação possível que se cristalizou como única e verdadeira. Em Terra Nostra

somos levados a pensar o encontro entre o mundo europeu e o mundo americano de forma cíclica,

como repetição, como reiteração mítica de atos primigênios. O texto ficcional permite uma visão

menos redutora da História, se arrisca a cruzar as fronteiras do universo cognitivo europeu. A

forma cíclica que impregna a segunda parte do romance aponta criticamente para a forma narrativa

linear de representação dos universos simbólicos americanos, apresentada pelos europeus, e insere

a possibilidade de reflexão sobre a ordem indígena de concepção do tempo e sobre a formação das

identidades no continente latino-americano.

NARRATIVA E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES NO ROMANCE TERRA NOSTRA, DE CARLOS FUENTES

Ana Lúcia Trevisan

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Diante das tensões estabelecidas na contemporaneidade através dos mais diversos conflitos, a

literatura surge como uma possibilidade de tornar a concepção de mundo dos indivíduos mais

profunda e crítica perante as posições sociais. Para tal, existe a necessidade de destacar que a obra

literária abarca os elementos constituintes da realidade – pessoas e estruturas sociais – configurando-

os em sua estrutura literária e criando o espaço e o ser ficcional, mediados pelas especificidades da

linguagem literária, caracterizando a noção de redução estrutural (CANDIDO, 2004). Desse modo, a

complexidade da realidade é refletida na obra literária, ganhando novas formas e dimensões dentro da

literatura. Nesse sentido, o presente trabalho apresenta uma leitura crítica do conto “Botão-de-rosa”,

de Murilo Rubião, considerando os aspectos formais e conteudísticos que constituem dialeticamente

seu o universo narrativo. A narratividade observada no conto destaca o dilaceramento da liberdade

e fortalecimento da voz de poder, que oprime os que são subjulgados pelos ocupantes das posições

mais altas da hierarquia social, sendo mediados pelos procedimentos narrativos presentes na estética

muriliana. Tais indicativos, por sinal, emergem das constituições das personagens através de recursos

como, por exemplo, o fluxo de consciência – procedimento revelador daquilo que não poderia nem

ser proferido no espaço enunciativo dos personagens, mas é revelado autonomia da consciência dos

personagens perante sua configuração narrativa (BAKHTIN, 2008). Dessa maneira, as temáticas

sociais levantadas pelo conto podem trazer para o plano da reflexão os conflitos e inadequações

em relação à concepção de humanidade. Por consequinte, analisaremos o narrador como categoria

mediadora das discussões sociais emergidas pela narrativa, bem como a posição e constituição

dos personagens. Assim, pensadores como Adorno (2003), Bakhtin (2008) e Candido (2000; 2004),

instigarão a reflexão a respeito do valor ideológico dos discursos observados nas narrativas e a relação

com o plano social, bem como a percepção dos lugares ocupados pelos discursos de opressão. Esse

discurso que denuncia as desigualdades também revela semelhanças, tendo o intuito de compor a

percepção dos personagens sobre si mesmo e sobre os outros. Tal relação está diretamente relacionada

ao olhar que os seres ficcionais irão propor como possibilidade de compreensão e articulação crítica

na contemporaneidade.

NARRATIVIDADE MURILIANA: PERCEPÇÕES DE PODER NO CONTO BOTÃO-DE-ROSA

Edson Moisés de Araújo Silva

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A maior parte dos livros de ficção do escritor brasileiro Moacyr Scliar insere a temática do

imigrante judeu e urbano no imaginário gaúcho.Procuramos evidenciar o processo de apropriação e

transformação do texto bíblico na obra de Moacyr Scliar. Compreendemos o seu trabalho como um

processo de criação midráshica, no qual o autor através de versões recontadas do material bíblico,

criou uma nova obra, que reflete a sua própria visão e atitude em relação à Bíblia.

Ao criar uma versão recontada da narrativa bíblica, notadamente no livro A mulher que escreveu a

Bíblia, Scliar segue a tradição judaica do Midrash, que se caracteriza por ser um gênero literário de

interpretação livre e imaginosa do texto bíblico. O Midrash é um gênero literário, mas também uma

prática metodológica de estudo. A mulher que escreveu a Bíblia é um pequeno romance em que se

fundem as três maiores qualidades do escritor Moacyr Scliar: a imaginação, o humor e a fluência

narrativa. O texto foi criado a partir da hipótese apresentada por Harold Bloom em seu livro O Livro

de J de que parte da Bíblia teria sido escrita por uma mulher.

Moacyr Scliar recria o cotidiano da corte de Salomão e oferece novas versões de célebres episódios

bíblicos. Em sua narrativa, repleta de malícia e irreverência, a sátira e a aventura são matizadas pela

profunda simpatia do autor pelos excluídos de todas as épocas e lugares. As questões levantadas por

Scliar ao apresentar uma personagem feminina escritora da Bíblia, podem ser também levantadas por

aquele que procura a presença feminina no texto bíblico. Apesar de trazer todo o cenário antigo, A

mulher que escreveu a Bíblia traz uma mulher que parece já ter passado pelas revoluções feministas que

vivenciamos em nossa era. Mas esta constatação não impede que o autor apresente questionamentos

humanos que excedem tempo e espaço. Os caracteres do passado são transformados em novos tipos

que refletem os valores e experiência do presente. Scliar usa a Bíblia como uma fonte de tramas, imagens

e temas para representar problemas e preocupações contemporâneas, uma narrativa que reflete por

intermédio da temática bíblica, uma identidade e memória cultural do autor.

PROJEÇÕES DA BÍBLIA E O MIDRASH MODERNO NA LITERATURA BRASILEIRA: UM ESTUDO SOBRE A NARRATIVA, IDENTIDADE E MEMÓRIA

CULTURAL NO TEXTO DE MOACYR SCLIAR

Cláudia Andréa Prata Ferreira

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Lançado em 1997, o romance A Majestade do Xingú, aparentemente, tem como tema central a vida e

o trabalho do famoso médico sanitarista judeu-brasileiro Noel Nutels. Não obstante, por uma hábil

escolha do foco narrativo, percebe-se que o que mais importa no texto não são tanto a biografia e

os acontecimentos sucedidos à figura retirada do mundo real, mas as significações metafóricas de

que os mesmos elementos, ficcionalizados, se revestem no decorrer do romance quanto à história

da imigração judaica para o Brasil em face da macro história do país e de sua composição étnica,

mormente nas feições que tomou nas últimas décadas do século XX, com a imigração de grupos não-

europeus e a intensificação da problemática sobre a questão indígena.

Em A Majestade do Xingu, o judaísmo perde um tanto de seu status de centralidade, característico das

obras anteriores de Scliar, para assumir a função de filtro ou parâmetro de avaliação para o conjunto

das relações de poder entre as diversas etnias formadoras de nossa sociedade e da dinâmica de suas

construções identitárias no Brasil contemporâneo. A partir disso, e através de fusões, aproximações

e transferências não hierarquizada de identidades e da sobreposição de tempos e lugares díspares,

as configurações modernas da identidade nacional são examinadas pelo prisma do fantástico e do

simbólico, vasados em narrativas plurais, que se contradizem e, ao mesmo tempo, se complementam

na tentativa de dotar o leitor de uma via de acesso ao imaginário nacional e às suas significações em

termos de construção de uma vivência coletiva contemporânea.

Sendo assim, através de um ponto de vista não linear e não exclusivista, este trabalho pretende examinar

os processos históricos e culturais contemporâneos das construções das identidades e imaginários

judaicos no Brasil como parte integrante das formulações mais gerais sobre a identidade nacional e

suas interações com as demais micro narrativas identitárias constituintes da mesma, avaliando os

diferentes “pesos” a elas atribuídas em nosso senso de pertencimento cultural.

SALMOS INDÍGENAS E PAJELANÇAS JUDAICAS: NARRATIVAS E CONTRA-NARRATIVAS DA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE JUDAICO-BRASILEIRA EM A

MAJESTADE DO XINGÚ, DE MOACYR SCLIARLeopoldo Osorio Carvalho de Oliveira

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O trabalho reflete sobre a produção literária do escritor Lima Barreto, tendo em mente o contexto

sócio-cultural-histórico e as respectivas relações de poder entre grupos sociais. No todo da obra,

daremos destaque para o romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1998) com o propósito

de exemplificar a questão do subalterno nos primeiros anos da Primeira República brasileira, e as

relações de poder estabelecida da época. Daremos destaque aos aspectos referentes à subalternidade

e seu papel na sociedade. Para tanto recorreremos aos seguintes teóricos: Bonnici (2006), sobre

colonização e subalternidade; Mignolo (2000), sobre o pensamento liminar; Santiago (2003), sobre as

relações mais amplas entre poder e cultura. Dessa forma, a obra do escritor Lima Barreto, em especial,

Recordações, será objeto de análise. Destacaremos, em especial, o capítulo V, ao destacar como essa

situação ocorrida com o personagem Isaías, pode ser vista sobre o contexto de poder, principalmente

de hierarquias em uma sociedade de fins do século XIX. A crítica aponta na produção literária do

escritor traços das referidas relações de poder. Escritor polêmico da literatura brasileira que utilizava

o talento das letras para poder expressar de forma irônica e coerente o que realmente pensava sobre o

sistema vigente de sua época, Barreto, usa a literatura contra os poderosos do sistema. Os percalços e

fracassos não tiram a expectativa que o escritor tem de se situar dentro do debate intelectual e artístico

de seu tempo. Barreto em seus textos deixa claro sua condição de mulato, abordando aspectos de

sua realidade imediata de forma simples e direta, objetivando atingir um público amplo, escrevendo

não somente para a elite ou para alguns intelectuais. Como dissemos, a subalternidade e o poder

exercidos pelos órgãos governamentais será nosso foco neste trabalho. A posição do subalterno na

sociedade é relevante na obra do escritor aqui citados, mas, de antemão podemos discutir o conceito

a partir dos olhares de teóricos que trabalham com esse estudo. O termo subalterno nos diz sobre o

“sujeito de categoria inferiorizada”. Nessa perspectiva, Thomas Bonnici (2009) nos diz que o termo

descreve o colonizado-objeto, ou seja, a pessoa, o grupo na sociedade que é objeto da hegemonia das

classes dominantes. Para o pesquisador, em Teoria Literária: Abordagens Históricas e Tendências

Contemporâneas (2009) “as classes subalternas podem ser compostas por colonizados, trabalhadores

rurais, operários e outros grupos ao qual o acesso ao poder é vedado” (BONNICI, 2009, p.265).

Segundo Mignolo (2003) afirma sobre o “pensamento liminar”: “um sangrento campo de batalha na

longa história da subalternização colonial do conhecimento e da legitimação da diferença colonial”

(MIGNOLO, 2003, p.35). O escritor Silviano Santiago, traz uma forma de cordialidade para resolver

SUBALTERNIDADE E PODER NA OBRA LITERÁRIA DE LIMA BARRETORosineide da Silva

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o problema, “não pode ser um agrupamento de indivíduos ferozes e/ou bondosos. O brasileiro tem de

buscar a harmonia entre os opostos, ser cordial (SANTIAGO, 2006, p.243), saber à hora do silêncio e

articular suas ações explosivas sobre o discurso do poder.