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02 a 05 setembro 2013 Faculdade de Letras UFRJ Rio de Janeiro - Brasil SIMPÓSIO - A literatura como lugar de mulher e imaginação

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02 a 05 setembro 2013

Faculdade de Letras UFRJRio de Janeiro - Brasil

SIMPÓSIO - A literatura como lugar de mulher e imaginação

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Eva futura: mulher-desejo ou o duplo mecânico do amor Maria Conceição Monteiro

José Cardoso Pires: um escritor feminista Lucia Maria Moutinho Ribeiro

Mulheres afásicas: as palavras perdidas Ana Maria de Bulhões-Carvalho e José Tonezzi

Ecos do não reconhecimento em a hora da estrela: a interpretação literária capturada à luz do pensamento de Paul RicoeurHilda Helena Soares Bentes e Rosangela Cleveland Ferrari

Água Viva: o feminino do olharGiselle Sampaio Silva

As vozes femininas e conficcionais da poesia da experiência: abismos, luminescências, confessionalismo e performatividadeJoão Augusto de Medeiros Lira

A poesia de Ângela Vilma e de Lívia Natália: correntes que fluem em águas de memória e águas de Azeviche João Evangelista do Nascimento Neto

A musa desdobrada: retrato de vida e poesia de Adalgisa NeryMarcelo dos Santos

Afluentes travessias em As doze cores do vermelho de Helena Parente Cunha. Lílian Almeida de Oliveira Lima

INDÍCE DE TRABALHOS(em ordem alfabética)

A imaginação do pensamento na obra de Hilda Hilst. Fernanda Shcolnik

Escrita e corpo em Carolina Maria de Jesus: resistência e identidade Daniele Ribeiro Fortuna

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A sangue frio: a “justa-posição” da violência em Ana Paula MaiaMaria Fernanda Garbero de Aragão Página 09

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Nas tuas mãos: um retrato feminino em três tons Tatiana Alves Soares

O processo de escritura de CaroçoRenato Rezende

Para uma conceitualização filosófica da noção de imaginaçãoJean-Luc Amalric

Neo-sereias de instinto caraíba: modos femininos de transformar o tabu em totem na canção popular Leonardo Davino de Oliveira

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A IMAGINAÇÃO DO PENSAMENTO NA OBRA DE HILDA HILST

Pensar a literatura de Hilda Hilst é pensar um texto que quer fazer pensar. Através da voz de

“personagens pensantes”, a escritora oferece ao leitor um convite à reflexão sobre a existência, que

culmina na reflexão sobre si mesmo por meio do ato de perguntar. Na obra Gêneses, genealogias,

gêneros e o gênio, Jacques Derrida aborda o ato de pensar através das perguntas, Por que perguntar

quando talvez a resposta seja impossível ou sempre imprecisa? Na esteira do pensamento de Derrida

e analisando os personagens de A obscena senhora D (1982) e Com os meus olhos de cão (1986),

o objetivo deste trabalho é mostrar que o viés reflexivo da literatura de Hilda Hilst, construído a

partir da sensibilidade e da esfera intuitiva, contraria o racionalismo do cogito cartesiano através

de personagens imersos na experiência radical de sentir o mundo. Por estarem perdidos, procuram

encontrar respostas e, por isso, perguntam. Em busca do irrespondível, mergulham no universo de

questões essenciais, tecendo um caminho incerto, percurso sempre em aberto e que permanece

inconcluso, dada a impossibilidade de se chegar às respostas almejadas. Em última instância,

estes personagens, invadidos por um sentimento de abandono, indagam sobre si mesmos e levam o

leitor a se confrontar com perguntas sobre os temas mais abjetos. Trata-se de uma literatura produzida

por uma mulher que toma para si a tarefa de trazer ao centro a imaginação do pensamento: um pensar

sensível e a possibilidade de ser filósofo de si mesmo.

Fernanda Shcolnik

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TEste trabalho pretende abordar o romance As doze cores do vermelho, da escritora Helena Parente

Cunha, como um rio, tomando-o a partir da perspectiva rizomática de Gilles Deleuze e Félix

Guatari. Esta proposta deseja evidenciar algumas possibilidades de viagem pela obra a partir dos três

pilares estruturais que a sustém:a tripartição em módulos, a simultaneidade de tempos e a polifonia

de vozes, de focos narrativos. Os esteios dessa estrutura são aqui concebidos como afluentes que

permitem acessar o texto (rio) por qualquer um deles, além de afluentes menores como as cores, a

numerologia, imagens e expressões recorrentes que entrecruzam enredo e estrutura. Gilles Deleuze

e Félix Guattari assinalam que “qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e

deve sê-lo” (1995, p. 15). Desse modo, é possível navegar pela obra parentiana por quaisquer afluentes,

em percursos de ida e volta ao texto, visto que todos eles desembocam no rio-romance. Helena Parente

Cunha tem como traço característico de sua prosa o questionamento aos valores hegemônicos,

especialmente aqueles referentes à mulher, bem como a ruptura com a gramática convencional,

a quebra de paradigmas estruturais e o acentuado labor estético que brinda o leitor com

uma requintada poeticidade. No romance As doze cores do vermelho essa marca se mantém e se

intensifica com a ruptura de três esferas que norteiam um romance: o tempo, o foco narrativo e a

sequência narratológica. É essa quebra de paradigmas, além dos afluentes menores, materializada na

fragmentação visual do romance, que proporciona diferentes possibilidades de chegada e saída da

narrativa, distintos meios de acesso à trajetória de vida da mulher pintora. Por qualquer percurso que

se decida adentrar o texto, chega-se aos questionamentos acerca da condição feminina definida pelos

valores patriarcais. É marcante no romance a presença de números e cores, já sinalizados no título.

Os jogos simétricos construídos pelos números promovem uma leitura convergente para as bases do

enredo e da estrutura da narrativa, assim como a paleta de cores, o vermelho, as cores utilizadas

para caracterizar as personagens femininas, entre outras, é também mais uma via de acesso ao

romance. Irrigando a trajetória da personagem pintora, tais elementos adensam as vivências

das personagens existentes na trama, ofertando rica simbologia e caudal de interpretações. Enfim,

adensando o caudaloso rio, estes afluentes possibilitam mais veios de adentramento na teia narrativa,

no sistema rizomático que a constitui, uma vez que “uma das características mais importantes do

rizoma talvez seja a de ter sempre múltiplas entradas...” (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 22) cujas

ramificações levam a toda parte: ao sujeito vital da narrativa – a artista plástica – ser de onde tudo

emana e para onde tudo pode também convergir; aos números e cores, uma multicolor torrente de

vida espraiando-se na direção de todos os integrantes do enredo; aos ângulos, tempos e narradoras.

Qualquer que seja a travessia que se faça, todos os caminhos deságuam no rio maior.

AFLUENTES TRAVESSIAS EM “AS DOZE CORES DO VERMELHO” DE

HELENA PARENTE CUNHALílian Almeida de Oliveira Lima

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Analisar a ficção Água Viva, de Clarice Lispector, é um desafio se procuramos integrar autor, texto

e leitor em uma discussão acerca de experiência estética e estrutura textual. Partindo de conceitos

desenvolvidos pela Teoria do Efeito Estético, de Wolfgang Iser, o objetivo a ser atingido é o de identificar

as ferramentas utilizadas pela autora Clarice Lispector que fazem de seu texto potência estética a

ser desencadeada pelo leitor no ato da leitura. Ao investigar a estrutura desta obra, encontram-se

elementos que tornam vulneráveis concepções pré-estabelecidas acerca não somente da literatura,

abrindo-se em vazios constitutivos que convidam o leitor a participar da criação de significações e

da experimentação dos sentidos. A aproximação entre texto e artes plásticas, principalmente à

pintura, tem forte presença nesta obra, que provoca a formação de imagens no momento do contato

com o texto, acontecimento em que se fundem tempo e espaço para a irrupção do instante-já.

Procuramos identificar, ainda, tendências comuns entre a produção deste texto de Clarice Lispector

e os questionamentos presentes em outras manifestações artísticas da época, notadamente quanto

ao caráter transitório que a arte dos anos 70 assume, fazendo com que o próprio movimento,

a própria transformação, tornem-se estrutura da arte de então. Nesse contexto, o olhar feminino

sobre as coisas do mundo aparece como mais uma dobra na complexidade deste texto, conjugando

um discurso entrecortado e incisivo, de impetuosidade e força de quem comeu a própria placenta; e

a sensualidade de uma integração profunda, mágica e misteriosa com a natureza. Faz-se um jogo

entre a vontade direta, angustiosa e premente, e a comunhão amorosa de um olhar perscrutador,

curioso, de quem se deixa inebriar. A intersecção de Água Viva e A águia, xilogravura de Maria

Bonomi, revela mais um traço de relação feminina que se infiltra na construção da estrutura do texto

clariceano, uma relação pessoal e artística de admiração e comunhão estética.

ÁGUA VIVA, O FEMININO DO OLHAR

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Giselle Sampaio Silva

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Nos Exercícios de admiração, Emil Cioran compõe perfis como verdadeiros retratos que, no fundo,

cumprem a função de autorretrato, ao projetar na admiração pelo outro um diálogo consigo mesmo.

A partir de um “exercício de admiração”, pretendo percorrer as imagens em torno da poetisa,

romancista, contista e cronista política Adalgisa Nery. Admirada por Carlos Drummond de

Andrade, Murilo Mendes, Ismael Nery (seu primeiro marido) entre outros, Adalgisa se tornou musa do

círculo de artistas que frequentavam a casa do pintor Ismael Nery, o que é atestado no depoimento de

Drummond: “Acho que todos nós a amávamos, mesmo sem saber que se tratava de amor”, escreveria

o poeta, em 1980, após a morte de Adalgisa. Sobretudo, os perfis, fotografias e pinturas (Portinari,

Ismael Nery) que muitos artistas realizaram sobre Adalgisa não deixam de assinalar um ponto de fuga

inabordável, o que contribui para certa aura misteriosa em torno da musa, aura reforçada pela própria

musa, ao se vestir e pintar como uma femme fatale. Paralelamente, sua obra poética e ficcional, embora

reconhecida, continua eclipsada por sua imagem diáfana. Sua trajetória de vida e obra culmina com um

silenciamento autoimposto, que durou até sua morte. Tal recolhimento de Adalgisa, numa estância-

asilo em Jacarepaguá, por vezes pode ser pensado não apenas como uma escolha pelo afastamento

da sociedade – na qual exerceu carreira política, interrompida nos anos 1960 pela cassação de seu

mandato –, mas como um sinal da incompreensão de sua obra, espécie de retrato feminino e

feminista da intelectual moderna no Brasil. Nessa encruzilhada entre o culto aurático da musa e a

voz singular da poetisa e ficcionista, será preciso produzir um texto ecfrástico desdobrado – entre a

admiração e o exercício crítico – que objetive reconhecer a obra de Adalgisa Nery nos quadros cada

vez mais instáveis do cânone modernista brasileiro.

A MUSA DESDOBRADA: RETRATO DE VIDA E POESIA DE ADALGISA NERY

Marcelo dos Santos

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RESUMO: O exercício da escrita poética assemelha-se à tarefa de dar forma às águas, tão singulares,

aparentemente, simples em sua constituição, mas que demonstram força ao desmanchar-se nas mãos

de quem tenta apropriar-se delas. Assim é a linguagem, é desse modo que se constituem os discursos,

tão carregados de energia, mas tão complexos, seja pela forma, seja por aquilo que pretendem

significar. A palavra poética, essa liquidez, presente em cada verso, por entre as estrofes do poeta,

detém sabor, suscita odores, promove uma sucessão de cores. Esse f l u i d o

embebeda os leitores/ouvintes, e condu-los a experiências que proporcionem uma catarse pessoal,

em primeira instância, e depois, um sentimento repartido por dois, por dez, um constructo coletivo

de ideologias e sentimentos, esses últimos que não são nada mais do que também ideologias. Ângela

Vilma embebeda o leitor com sua escrita líquida ao expor o ser humano a sua finitude, recorrendo à

memória a fim de estabelecer as relações identitárias de um eu que se encontra só, num entre-lugar

entre o passado e o presente. Lívia Natália inunda a si e o outro com um contínuo desfazer-se e refazer-

se em fé, em azeviche. O encontro das águas, que são as escritas dessas duas autoras baianas da

contemporaneidade, é a tônica desse estudo, que evidencia o odor que emana das palavras

ternas, mas vibrantes das poetisas baianas. É o que se torna perceptível nas poéticas das escritoras:

uma unidade na diversidade de suas escritas, que une o ser mulher, o ser poetisa, o ser amante, o ser

negra, o ser ente vivo, o ser pessoa de fé, o ser cabeça pensante em um texto que, ora por torrentes,

ora por águas calmas, faz suas vozes ecoarem. Através de teóricos como Bachelard (1997), Chevalier

& Gheerbrant (2009) e Vallado (2011), os sentidos da escrita de Ângela Vilma e de Lívia Natália

emergem do lugar onde tudo antes era água, onde reinava o líquido, símbolo da vida, e referência da

morte.

A POESIA DE ÂNGELA VILMA E DE LÍVIA NATÁLIA: CORRENTES QUE FLUEM EM

ÁGUAS DE MEMÓRIA E ÁGUAS DE AZEVICHE

João Evangelista do Nascimento Neto

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Não há como sair sem escoriações dos textos de Ana Paula Maia. Sua aposta na brutalidade, como

elemento indissociável de suas narrativas, conduz o leitor ao encontro de um cenário tingido pela

gratuidade da violência, a qual se inscreve como mediadora nas relações entre suas personagens e

a hostilidade dos espaços onde habitam na precariedade.

Muito próximos da cinematografia de Quentin Tarantino, os elementos presentes nas composições

de Ana Paula traduzem-se na plasticidade da barbárie em hipérbole e, concomitantemente, delineiam

um interessante flerte com o nonsense e a performance. As personagens parecem atuar em favor

do exagero, do limite distendido pela junção de gêneros como o trash, o bang-bang e o pulp, ao

confirmarem a banalidade que a violência é capaz de provocar com sua hiperexposição.

Com efeito, ao mesmo tempo em que tudo ali presente se mostra na dissolução/explosão de

sentidos, a fragmentação dos elementos dessa narrativa aponta para uma curiosa perspectiva de

narração do contemporâneo. Onde lemos o vazio deixado pelas marcas de um cenário investido

pela brutalidade, lemos também uma crença na necessidade de encharcar essa composição de violência,

como um caminho de questionamento de nossos próprios limites diante desse jogo de sobreposições

atrozes e dilacerantes. Não há gradação: há derramamento, rebelião, tiroteio, estilhaços.

Escolhido, no presente trabalho, propositalmente por sua bricolagem de imagens violentas, o romance

A guerra dos bastardos (2007) confirma a aposta na brutalidade como uma marca da escritura de

Ana Paula, uma vez que o que vemos posteriormente desenhar-se nos planos de Entre rinhas de

cachorros e porcos abatidos (2009) e Carvão animal (2011) parece vir na esteira dessa proposta.

Nessa perspectiva, a violência configura uma pertinente sinédoque da sobrevivência em contextos

rasurados pela hostilidade, representando, também, uma tensão que transborda dessa narrativa: o

apelo ao brutal e suas variantes ilimitadas pensadas na composição da escrita de uma mulher, cujos

determinados aspectos biográficos parecem ganhar inscrição nessa cortante aposta ficcional.

A partir do enclave entre os estudos de gênero pós-estruturalistas e a teoria de Marc Augé a respeito

dos “não-lugares”, tentaremos compreender de que maneira o cenário urbano, grifado no caos das

grandes cidades anônimas da atualidade, favorece a emersão de espaços não viáveis à conjugação

afetiva, logo, oferecendo-se como precários ambientes onde a experiência da agressão substitui (até

incorporar-se) as negociações entre as personagens-peça desse quebra-cabeça do incômodo.

A SANGUE FRIO: A “JUSTA-POSIÇÃO” DA VIOLÊNCIA EM ANA PAULA MARIA

Maria Fernanda Garbero de Aragão

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Este trabalho se orienta na tentativa de elencar parâmetros referenciais que possibilitem uma

articulação temática e teórica sobre um conjunto de premissas estéticas, filosóficas, e estilísticas,

implicadas na configuração formal de uma assim chamada Poesia da Experiência – demarcada

historicamente pela Middle Generation da poesia norte-americana nos meados do século XX

– a fim de aplicá-los em uma abordagem da particularidade da participação das vozes femininas

nos pressupostos da Poesia da Experiência, focalizando na obra das escritoras norte-americanas

Sylvia Plath e Anne Sexton, e aplicando estes pressupostos em uma análise comparativa com o livro

de poemas Amavisse da escritora e poeta brasileira Hilda Hilst. Na trilha destes parâmetros,

tomamos como diretrizes estruturais dois componentes determinantes para uma classificação das

bases de sua referencialidade: o tom confessional e a natureza monodramática do discurso poético

das vozes femininas destas três escritoras.

Dentre os tantos valiosos e sugestivos caminhos pelos quais poderíamos traçar

um perfil analítico sobre a produção literária da escritora brasileira Hilda Hilst – com o intuito

de estabelecer um elo comparativo a partir das premissas aqui apresentadas sobre uma Poesia da

Experiência – achamos oportuno apontar a sua instigante flexibilidade em jogar com os gêneros – o que

em inglês se denomina como juggling of genres (malabarismo de gêneros) – com que a autora articula

o entrecruzamento discursivo do lírico, do narrativo, e do dramático, como um dos recursos

basilares de sua ficcionalidade, abarcando desde as contundentes e obsessivas experimentações de sua

carpintaria poética-ficcional até o mais extremado caráter experimentacional e confessional

de sua poesia.

O aspecto convencional de um ato de confissão passa a se confundir com um

novo aspecto que passa a se configurar ao mesmo tempo ato e ação (drama), assim como professar

expressivamente, proferir agudamente, anunciar intensamente, expiar abertamente, representar

dramaticamente, ou ainda, como queremos destacar neste trabalho, o ato e ação de uma natureza

poética confessional melhor se traduziria em: performatizar tensionadamente as múltiplas relações

travadas entre as experiências vividas, não apenas originárias da realidade concreta e histórica, como

também das próprias experiências de criação poética. O jogo destas articulações artísticas, focalizado

na cena e na voz da presença, é o que justificaria em melhor falarmos de uma conficção ao invés de

confissão, deslocando o aspecto confessional para outro fim, comprometido com a dramaticidade de

AS VOZES FEMINISTAS E CONFICCIONAIS DA POESIA DA EXPERIÊNCIA : ABISMOS,

LUMINISCÊNCAS, CONFESSIONALISMO E PERFORMATIVIDADE

João Augusto de Medeiros Lira

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sua representação ficcional – um aspecto conficcional – fazendo valer o performatismo de sua voz.

A conficção reformula artisticamente e dramaticamente a confissão, a

experiência, o momento, o cotidiano, o ato, a ação, o ser, e a sua presença subjetiva, na unidade

dramática da voz que se confessa, desnudando-se através da performatividade de si mesma e de

sua extremada atitude confessional. Desta forma, procuramos demarcar a relevância do lugar da

mulher no grupo de poetas assim chamados de cofessionalistas, destacando a marcante presença das

vozes femininas de Sylvia Plath, Anne Sexton, e a inclusão da escritora brasileira Hilda Hilst neste

grupo.

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RESUMO: Trata-se de estabelecer uma articulação entre a literatura e a filosofia com vistas a analisar

a tessitura artística da obra A hora da estrela, de Clarice Lispector, e captar o lirismo e dramaticidade

que advêm da trajetória de Macabéia, símbolo da nordestina desvalida visto pela ótica do homem

letrado. Pretende-se examinar a constituição de um sujeito do direito capaz de respeito e estima,

através dos conceitos de capacidade e de identidade narrativa, elaborados por Paul Ricoeur. Propõe-se

a avaliar a formação do homem capaz, conforme explicitado no texto “Quem é o sujeito do direito?”,

em O justo 1, bem como em O si-mesmo como um outro. Ricoeur conduz a discussão para o nível

do reconhecimento ético, caminho para identificar o outro como pessoa digna de ser considerada. O

exame do homem falante e do homem narrador estabelece uma gramática do ser capaz, assim

denominada em Percursos do reconhecimento, na elaboração dos níveis hermenêuticos da pessoa.

Ricoeur destaca o papel de protagonista que o sujeito capaz desempenha na narrativa de sua história.

A passagem para a identidade e a alteridade pressupõe também a urdidura de uma dimensão

narrativa, que designa o homem como autor de sua história. A interpretação literária expõe um desenho

de narrativas não convergentes, que traduzem a tensão do não reconhecimento, ponto central da

presente leitura. O processo de mediação narrativa revela o substrato da alteridade, equivalente

à solicitude descrita como elemento integrante da tríade estima de si, solicitude

e instituições justas, configuradoras da trajetória do homem capaz. A tragédia de Macabéia,

despojada da condição de ser homem falante, cruza-se com a voz do narrador incapaz de permitir que

a experiência narrativa realize o movimento de comunicação do si e do outro, num encontro ímpar

de recepção e reconhecimento. Ao inscrever a alteridade na identidade, abre-se caminho para o

conhecimento do si, do cada qual, do mundo. Busca-se a emergência de um sujeito habilitado

a inscrever o seu papel na sociedade, com capacidade para deliberar, condição existencial para o

aperfeiçoamento de seu intelecto e de sua vocação para a política. Cuida-se da promoção dos direitos

humanos e da questão identitária de pessoas e grupos tradicionalmente excluídos das grandes

narrativas construídas por subjetividades reconhecidas. A pesquisa visa a destacar a importância

da experiência artística na clarificação de processos sociais e políticos, sobretudo a denunciar o

desamparo de mulheres fragilizadas num mundo hostil. Entende-se que a adequação ao simpósio

intitulado A literatura como lugar de mulher e imaginação é pertinente haja vista a proposta de

retratar a figura de Macabéia e examinar o seu itinerário de privações e carências. Especialmente,

enfatiza-se a possibilidade, através da composição literária, de uma reflexão sobre a condição da

mulher num universo inóspito e buscar a modelagem de uma nova forma de justiça no mundo real.

ECOS DO RECONHECIMENTO EM A HORA DA ESTRELA: A INTERPRETAÇÃO

LITERÁRIA CAPTURADA A LUZ DO PENSAMENTO DE PAUL RICOEUR

Hilda Helena Soares Bentes e Rosangela Cleveland Ferrari

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A escritora Carolina Maria de Jesus afirmava em seu livro Quarto de despejo, que se sentia “objeto

fora de uso, digno de estar num quarto de despejo”. Seu corpo já não aguentava mais o esforço do dia a

dia de pobreza e do trabalho como catadora de lixo. Mãe solteira, lutava ainda para sustentar e educar

seus três filhos. Sentia-se cansada, doente, perdida. Mas fazia de sua literatura um refúgio, um local

de resistência e de construção de sua identidade. Se seu corpo, muitas vezes, já não podia suportar,

sua escrita lhe permitia continuar e construir tal identidade. Escrever, para Carolina, tornou- se um

espaço de fala, de dar voz a quem nunca era escutado: mulher, negra e favelada. Mas que corpo é

este que lutava para manter-se são? Que literatura é esta que servia de refúgio para este corpo? Que

identidade é esta: negra, catadora de lixo, mulher, mãe, favelada, escritora? O objetivo deste trabalho

é relacionar corpo e escrita no livro Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, abordando a

questão da literatura como espaço de construção de identidade e resistência. Nesse sentido, adéqua-se

ao simpósio A literatura como lugar de mulher e imaginação, na medida em que Carolina criava para

resistir e, da mesma forma que as marcas de seu corpo estavam presentes na sua escrita, as marcas de

sua escrita também apareciam em seu corpo. Se o corpo da autora ‘capengava’, ao escrever, recobrava

o ânimo e refletia sobre sua condição. Se como catadora, seu corpo só tinha direito a restos, como

escritora, tudo lhe era permitido, ainda que fosse apenas nos limites das páginas do seu diário. Por

fim, este trabalho pretende contribuir com um novo olhar sobre a obra de Carolina de Jesus e,

principalmente, para a discussão acerca da literatura feminina no Brasil.

ESCRITA E CORPO EM CAROLINA MARIA DE JESUS: REISTÊNCIA E IDENTIDADE

Daniele Ribeiro Fortuna

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Se pensarmos o “monstro” como entidade corpórea que foge à norma, teremos no corpo autômato

uma mistura de fascínio e horror. A lógica de repulsão e atração é extremamente significativa,

se pensarmos, com Kristeva, que essa lógica conecta tal mistura com o corpo maternal, que é espaço

de origem da vida e, por isso, também instrumento de inserção na mortalidade e na morte. Nascemos

todos de um ventre de mulher. E o corpo da mãe, como patamar de existência, é sagrado e profano,

atraente e repulsivo. O monstruoso é uma figura de abjeção, uma vez que trespassa e transgride a

barreira de normas e definições reconhecíveis. O abjeto aproxima-se do sagrado por se constituir na

ambivalência onde a vida e a morte são reconciliadas, e o corpo materno incorpora a dupla função de

doador de vida e de morte, sendo pois objeto de adoração e de terror.

Nessa perspectiva, poderíamos pensar o corpo feminino mecânico como monstruoso,

por caracterizar-se pela falta: não é gerado no ventre de mulher; não tem sexo, apesar de ser corpo

sexualizado, objeto de desejo; é desejado e seduz, mas não sente desejo. Ao ser identificado no âmbito

do feminino, ocupa um espaço de entre-lugar, acumulando por sua vez uma porção de mulher e

outra indefinida, de mistura, num constante processo de metaforização do não-ser. Tampouco terá

o poder de autodefinir-se, constituindo-se antes numa eterna metáfora. O corpo autômato responde,

não participa, nem questiona. O desejo que desperta está no corpo-texto, que é assimilado pelo

imaginário do leitor, onde cumpre seu destino. A relação do corpo da androide com a pessoa que o

cria é sempre incestuosa, pois o corpo é feito de desejo, sendo confeccionado em nome do pai,

segundo sua imagem e seu desejo, tornando-se pois depositário de um ideal que sempre o tornará

objeto. O corpo autômato, construído sempre pelo homem, no espaço da imaginação literária, não

responderá às grandes questões ontológicas, pois não necessita conhecer nem conhecer-se. É silêncio,

não dialogará, não escutará, não gozará do gozo que imita a morte; será parte daquela tradição de

mulheres silenciadas, excluídas do exercício de poder discursivo.

O corpo mecânico ocupa posição dupla de positividade e negatividade. Para o pai, não

mais será ameaçador, com as marcas tradicionalmente associadas à mulher no espaço masculino:

pecaminoso, impuro, diabólico. Ao contrário, responderá sempre ao que o outro desejar de si. O corpo

autômato é gerado por ele, o pai, sem mãe, no útero obscuro da mente.

Mas a androide é outra coisa também, e é por isso que atrapalha o funcionamento mecânico do corpo,

dando a volta contrária no parafuso da máquina criativa. Sob esses pressupostos, analisaremos Eva

futura, de Villiers de L’Isle Adam, focalizando as perspectivas do corpo trans-humano e do

desdobramento do eu, no espaço da imaginação literária.

EVA FUTURA: MULHER-DESEJO OU O DUPLO MECÂNICO DO AMOR

Maria Conceição Monteiro

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Pretendemos refletir a respeito da condição feminina a partir de afirmações extraídas de ensaios,

enumerados na bibliografia, sobre textos literários em prosa e poesia de autoria feminina.

Em contraponto, fornecemos a visão masculina da personagem feminina de ficção, segundo o

narrador de contos e romances do escritor português José Cardoso Pires.

Citemos:

A) A contista portuguesa Maria Judite de Carvalho expressa o “sofrimento da alma feminina” em sua

ficção (RODRIGUES, 2011, p. 43);

B) a propósito de um poema de Astrid Cabral, entre outras poetisas analisadas, afirma-se que “[c]

ozinhar, costurar, criar os filhos põem “mulheres” obrigatoriamente no interior da casa. Estar abaixo

dos telhados é também estar abaixo de um chefe de família e cabeça do casal – expressões que indiciam

os que mandam e os que pensam, detentores que são do poder e da razão e que dão aos homens o lugar

para além das telhas” (SOARES, 2009, p. 95).

As citações A e B parecem lamentosas, como quase toda a crítica a respeito da escrita literária feminina,

insistindo sempre no caráter da opressão que, sem sombra de dúvida, a mulher vem sofrendo ao longo

da História. Não haverá textos que destaquem as alegrias da maternidade? Do convívio em família?

Da realização amorosa no casamento? Das prendas do lar? Ou as clínicas de reprodução não estariam

plenas de pacientes, nem os candidatos às escolas de nutrição e gastronomia, disputando vagas. A não

ser pela expressão erótica de, entre outras poetisas, Gilka Machado e pela naturalidade diante do

cotidiano de Cora Coralina, Clarice Lispector, Adélia Prado, a escrita feminina brasileira geralmente

se manifesta daquela forma.

C) considera-se Mena, protagonista do romance Balada da praia dos cães (1982) de José Cardoso

Pires, emancipada, libertária, porque se relacionava com um homem casado, embora a literatura

seja plena de relatos sobre o adultério feminino (SÁ, 2009, p. 112). Se não, vejamos. Caro à ficção, o

tema vem sendo tratado, desde a antiguidade clássica:

a) ora por um viés trágico, em que há vingança e assassinato, como nas peças teatrais, Oréstia de

Ésquilo (século V a. C) e Otelo de Shakespeare (século XVII), esta, vertida no filme homônimo de

Orson Welles, em 1952, entre outras filmagens mais recentes;

b) ora cômico, como na comédia Anfitrião do latino Plauto (século I), reproduzida por Guilherme de

JOSÉ CARDOSO PIRES: UM ESCRITOR FEMINISTA

Lucia Maria Moutinho Ribeiro

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Figueiredo no êxito de crítica e público, em 1949, Um deus dormiu lá em casa, e a uma infinidade de

outros textos. A saber: alguns contos do Decamerão de Boccaccio (século XIV); as comédias, Auto da

Índia e Farsa de Inês Pereira de Gil Vicente e Anfitriões de Camões (século XVI);

c) ora epistolar, no texto As ligações perigosas de Choderlos de Laclos (século XVIII);

d) ora dramático, nos realistas O primo Basílio de Eça de Queirós e Dom Casmurro de

Machado de Assis, bem como nos contos No moinho, do primeiro, e A cartomante, do segundo; nos

romances russo Anna Karenina de Lev Tolstoi (século XIX) e inglês O amante de lady Chaterley de D.

H. Lawrence, de 1928; em Perdoa-me por me traíres do nosso Nelson Rodrigues, de 1957. Em 2007,

houve a versão fílmica de O primo Basílio por Daniel Filho, que trouxe o enredo para a década

de 1950, durante a construção de Brasília, e pôs na boca do marido traído a frase rodriguiana que

intitula aquela peça.

Enquanto a Cartilha do Marialva do ficcionista português do século XX José Cardoso Pires enumera

como textos veiculadores da concepção marialva (quer dizer, machista) e retrógrada até mesmo aqueles

considerados progressistas, a sua ficção elege as mulheres como futuras, talvez, quem sabe,

libertinas, quer dizer produtivas, inventoras, criadoras (nesse ensaio, o termo libertino não quer

dizer devasso, como consigna o dicionário). A simpatia que denota o narrador pelas figuras femininas

o justifica.

Entre os tais textos denunciados na Cartilha, destaca-se a Carta de guia de casados de Dom Francisco

Manuel de Melo do século XVII, que aconselha o confinamento da mulher entre as paredes do lar.

Viagens na minha terra, os três grandes romances de Eça de Queirós e Júlio Dinis desenham heroínas

fracas à sedução do homem. Vale lembrar que naquele tempo o conceito de feminismo não havia sido

formulado.

As heroínas cardosianas seriam libertinas, tal como definiu o autor, se tivessem tido a oportunidade

de erigir uma obra significativa, uma benfeitoria social ou científica. Se não ousam rebelar-se

contra a condição subalterna diante do macho, compreendendo-se aí a família, o

marido, o pai, a sociedade, etc., têm consciência do descaso com que as tratam, delegando-as à solidão.

Exemplificam-no a Guida de O anjo ancorado e a mãe, igualmente solitária, ensimesmada e sem voz,

do conto “Os reis mandados”, da coletânea O burro-em-pé. Entretanto essa solidão é que as sustém

e não se sentem amesquinhadas por isso, não. A Dona Natividade do conto Celeste & Lalinha, no

mesmo livro, não por acaso assim chamada, morre de inveja da vizinha, porque não tem prole.

Maria das Mercês, em O delfim, enfrenta o macho, ao trair o marido com o empregado, destrói-o e ao

legado de desmandos na localidade.

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Mena, de A balada da praia dos cães, conjuga os artifícios da dissimulação e da sedução, culturalmente

e historicamente femininos, para safar-se da opressão, seduzindo o “inquisidor” e induzindo os

companheiros a matar o amante, que a violentava. Não o matassem eles, morreria ela.

O leitor chega a tal conclusão por meio da versão dada pelo narrador do inquérito do policial

Elias, da reprodução das perguntas deste e das respostas de Mena,das reações e congeminações de

Elias quanto ao processo. O narrador filtra tudo isso e o informa na narrativa. Trata-se de especulações

sobre a natureza da verdade, da ficção e da interpretação. Isso quer dizer que o narrador desse romance,

onisciente, constrói a personagem de Mena através da visão que outra personagem, o policial Elias,

tem dela.

Este lhe interroga várias vezes, repetindo as mesmas perguntas, fazendo-a reproduzir os mesmos fatos

até a exaustão, como parece ser o método de interrogatório policial, para fazer o acusado incorrer em

contradição ou confirmar a sua versão. Atraído e seduzido por ela, na acareação e simulação do crime,

com os assassinos presentes, desvela que Mena é que induziu os companheiros a cometê-lo. Tais são

as palavras de Elias: “Você. Foi você que pôs os sublinhados no livro do cabo, segreda-lhe por entre

dentes. E manda-a seguir com um empurrão.” (PIRES. 2009, p. 348).

A citação também confirma o que disséramos anteriormente: que o romance examina os limites entre

verdade e mentira, entre realidade e ficção, a ponto de a leitura de trechos em destaque de O lobo do

mar de Jack London, durante a estada na Casa da Vereda, determinar a execução do crime. Como

assevera Ricardo Piglia em O último leitor, convém desenvolver um estudo sobre essa questão, qual

seja, a da personagem de ficção que, por sua vez, lê um livro que lhe provoca reações distintas.

Libertária foi Alexandra Alpha, protagonista do romance homônimo, mas não chegou a ser libertina.

Ela, assim, advertia, “Previno-te, o meu corpo não tem memória” (PIRES. 1988, p. 23), aos homens

com quem dormia.

Embora Cardoso Pires tenha acusado o marialva em suas ficções, não se encontra tampouco,

entre as personagens masculinas, identidade com a atitude libertina. Cabe investigá-lo em demais

leituras da ficção contemporânea.

A Cartilha do Marialva retrata como representante libertino no século XX o herói da narrativa do

escritor e jornalista francês Roger Vailland, ao focalizar o “homem só, que luta pela destruição do

velho mundo e por uma nova concepção de vida e de direito” (Cartilha, p. 58). A este “homem só”

associamos também o próprio José Cardoso Pires, por não deixar de exercer vigilância crítica em sua

obra, tanto a ficcional como a ensaística, sobre a sociedade portuguesa e a vida humana no século XX;

por ser um defensor pioneiro do feminismo em sua prosa.

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BIBLIOGRAFIA

PIGLIA, Ricardo. O último leitor. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

PIRES, José Cardoso. Alexandra Alpha. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

------. Balada da praia dos cães. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.

------. Cartilha do Marialva. Lisboa: Moraes, 1973.

------. O anjo ancorado. Lisboa: Moraes, 1977.

------. O burro-em-pé. Lisboa: Moraes, 1980.

------. O delfim. Lisboa: Moraes, 1981.

RIBEIRO, Lucia Maria Moutinho. A decifração da narrativa cardosiana em O burro- em-pé de José

Cardoso Pires. Tese de Doutorado em Letras Vernáculas – Literatura Portuguesa. Faculdade de

Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, agosto, 1989. 250 p.

------. Imagens, inconsciente, romance. In: Interfaces, a. III, n. 4. Rio de Janeiro: Centro de Letras e

Artes/UFRJ. p. 111-120. Dez. 1997.

RODRIGUES, Camila. Vozes solitárias e solidárias: as personagens femininas em contos de Orlanda

Amarílis e Maria Judite de Carvalho. Marília: UNIMAR, 2011.

Dissertação de Mestrado em Letras. Disponível na Internet.

SÁ, Sheila Pelegri de. Ecos de Lilith: um olhar para a construção da feminilidade em

romances portugueses pós-revolução. Tese de Doutorado em Letras. São Paulo: USP, 2009. Disponível

na Internet em Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP.

SOARES, Angélica. Transparências da memória/estórias de opressão: diálogos com a poesia brasileira

contemporânea de autoria feminina. Florianópolis: Mulheres, 2009.

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A delicadeza de situações agudas a que pessoas se veem expostas quando a dificuldade de comunicação

provocada pela perda do domínio da linguagem oral, pela afasia, é exacerbada e exposta a seu grau

maior pela impaciência, o desinteresse ou a falta de percepção do outro. São situações cotidianas,

que em si nada contém de extraordinário: pedir um prato no restaurante, comprar uma baguete na

padaria, pedir uma informação na rua... Mas flagradas pela ótica de personagens que sofrem pela

impossibilidade de uma comunicação rápida e fluida, como é suposto ocorrer na pressa da vida

cotidiana, esses pequenos casos se tornam dramáticos. É o que ocorre em As palavras perdidas, filme

do canadense Marcel Simard, roteirizado e protagonizado por mulheres afásicas tornadas atrizes

para permitirem evidenciar as situações de que foram personagens na vida: ficcionalizam a própria

realidade e a devolvem como filme em que, heroicamente, aceitam atuar, novamente, mas de modo

novo, nas cenas que tão bem conheceram no mundo real. Belo exemplo de alterbiografia, os fragmentos

que o constituem, como estações, permitem expor à percepção justamente aquelas mulheres que,

em geral, são ‘deixadas de fora, nem vistas, nem dotadas de visão própria’. Emergindo do silêncio,

aceitando o desafio de se constituírem personagens, essas bravas mulheres falam, enfrentando a

deficiência que, em si própria, impossibilitaria a geração de um discurso. Essas mulheres a quem, por

obra do acaso, foi roubada a fala, permitem fazer avaliar o que se pode dizer com as palavras perdidas.

Pelas habilidosas mãos de um artista, essa mesma afasia, que em geral segrega e emudece, pode

gerar uma doce e amarga constatação. O filme surge não apesar da deficiência, mas graças a ela. A

arte aprende com a vida. A comunicação é uma homenagem à coragem, competência e sensibilidade

dessas mulheres.

MULHERES AFÁSICAS: AS PALAVRAS PERDIDAS

Ana Maria de Bulhões-Carvalho e José Tonezzi

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Em A ordem do discurso, Michel Foucault mostra que todo discurso é alvo de monitoramento por

parte da sociedade, criando-se mecanismos de coerção para que não se torne perigoso, e obedecendo,

no fim das contas, à ordem e à sinalização do poder vigente. A interdição, dessa forma, serviria

aos interesses dos grupos dominantes, silenciando as vozes destoantes e estabelecendo verdades e

cânones que reproduzem e perpetuam as estruturas de poder.

Na cultura falocêntrica e patriarcal, herdeira de uma tradição judaico-cristã ocidental, à mulher

tem sido legada a posição de alteridade. Diferentemente do centro e de sua hegemonia masculina, a

figura feminina ocupa as margens. Sua opressão dá origem a um movimento de busca pela liberdade,

numa história que tem sido escrita repleta de dores, cicatrizes e tentativas de silenciamento.

O romance Nas tuas mãos (1997), da escritora portuguesa Inês Pedrosa, apresenta a história de

três mulheres de uma mesma família, por meio da memória e de seus diferentes registros. As três

gerações, que se entrecruzam e dialogam entre si, tecem um panorama feminino do mundo de seu

tempo. Como se trata de uma linhagem, o período de tempo contemplado nos testemunhos – diários

da avó, Jenny; fotografias da mãe, Camila, e cartas da filha, Natália – é extenso, abarcando a referência

a guerras mundiais, ao movimento feminista e às dores e conquistas de cada uma.

O decálogo deixado por elas – dez capítulos de um diário, dez fotografias artísticas e dez

cartas – subverte, cada um a seu modo, as normas que regem a modalidade a que pertencem,

assinalando a transgressão presente em cada um dos três discursos. Tendo por base o olhar feminino

sobre o mundo em três tempos que se entrelaçam e dialogam entre si, o presente trabalho tem por

objetivo refletir acerca da (auto)representação da identidade feminina. A partir de aspectos como

memória, confissão e transgressão, presentes nos discursos das protagonistas, nossa leitura busca

analisar a subjetividade nas figurações do feminino na referida obra.

Adequação do trabalho ao simpósio escolhido e contribuição ao tema tratado: Se, como propõe o

simpósio, “a carência se reverte em criatividade”, acreditamos que Nas tuas mãos traduza tanto a

carência e a subjetividade da escrita feminina quanto as criativas formas de transgredir os limites,

narrativos ou não, impostos à mulher.

NAS TUAS MÃOS: UM RETRATO FEMININO EM TRÊS TONS

Tatiana Alves Soares

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A neo-sereia, a sereia nossa contemporânea, por ser cancionista, condensa as filigranas das sereias

homéricas – o canto dos três tempos: passado, presente e futuro –, platônicas– o canto do cantar das

musas e das sereias; fingidoras da dor que deveras sentem –, da mãe d’água de José de Alencar –

“moça de formosura arrebatadora; tinha os cabelos verdes, os olhos celestes, e um sorriso que enchia

a alma de contentamento” (O tronco do ipê –, e das demais teorias da potencialidade da emissão

vocal. Uma categoria tropical, afro-americana, a neo-sereia, ao contrário do que acontece no idioma

inglês, não distingue a sereia clássica (siren) das que têm cauda de peixe (mermaids). É no amálgama,

diria Jorge Mautner, que reside a contribuição brasileira para o mundo. É deste turbilhão espumoso

que sai “Itapuana”, de Arnaldo Antunes e Cézar Mendes, a sereia das três raças, personagem cantada

por Arnaldo Antunes (Saiba, 2004). Itapuana se insere no panteão das qualidades de Iemanjá: una e

múltipla, sereia transplantada e atropofagizada para o Brasil, Cuba, Uruguai.

Inserindo-se como mais um entre os mitemas (cantos) que compõem o mito de Itapuã, no litoral

da Bahia, podemos intuir que a personagem-canção Itapuana é a morena de Itapuã, da canção

de Dorival Caymmi, é a lua de braços morenos, é a sereia do sujeito da canção (que canta ao som da

melodia dela, tal e qual as mulheres descritas no décimo livro da República de Platão), é a energia

motora da canção. Ela é aquela que volta e manda a saudade embora a cada lembrança cantada do

lugar: “Itapuã, tuas luas cheias, tuas casas feias / Viram tudo, tudo, o inteiro de nós / Nosso sexo, nosso

estilo, nosso reflexo do mundo / Tudo esteve em Itapuã”, diz o sujeito criado por Caetano.

Tudo em “Itapuana” é impressão descritiva. Defendemos que a canção sirênica equilibra, não

necessariamente sem dor para quem ouve, os acontecimentos que a precederam e aqueles que a

seguem. O objetivo deste trabalho é, tomando “Itapuana” como ponto de partida do referencial estético,

analisar a presença daquilo que Oswald de Andrade chamou “instinto caraíba” e “transformação do

tabu em totem”. Para isso utilizaremos como objeto algumas canções populares midiatizadas que

dialogam com a literatura e outras artes.

NEO-SEREIAS DE INSTINTO CARAÍBA: MODOS FEMININOS DE TRANSFORMAR

O TABU EM TOTEM POPULAR

Leonardo Davino de Oliveira

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Se a narrativa é a tentativa de construir uma escrita masculina, o que talvez seja o modo como

podemos definir a literatura, haveria, se não na literatura, ao menos no escrito, uma impossibilidade

narrativa que o feminino convoca. Caroço, portanto, pode ser lido como um conflito entre a literatura

e o escrito, encarnado na tensão entre o masculino e o feminino. Qual seria, no entanto, o ponto de

vista do escritor: imaginação de homem ou imaginação de mulher? Lacan, às voltas com um problema

semelhante, resistiu aos termos ‘literatura’ e ‘escrita’ e forjou o neologismo lituraterra: uma escrita

frente à qual a própria literatura falece.

O PROCESSO DE ESCRITURA DE CAROÇO

Renato Rezende

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Por que se referir à imaginação como uma via privilegiada para questionar as relações entre a literatura,

a mulher e o feminino ? Qual pode ser, nesse assunto, o interesse de uma conceitualização filosófica da

noção de imaginação ?

Parece-me que o tema deste Simpósio apresenta duas dificuldades, ambas correlacionadas, mas

distintas ao mesmo tempo.

A) A primeira dificuldade é a de uma definição do feminino como gênero e das aporias teóricas ligadas

a essa tentativa de definição.

B) A segunda dificuldade é a das relações entre a literatura e o feminino, uma vez que na sua origem a

literatura não buscou definir-se relativamente a esta questão do gênero e da diferença sexual. Apesar

de termos que ler essa ausência inicial de questionamento sobre o gênero como uma conseqüência

necessária da dominação masculina, não deixa de ser entretanto difícil pensar a existência de uma

relação específica entre a literatura, a mulher, as mulheres e o feminino.

Nesta perspectiva, certa conceitualização filosófica precisa da noção de imaginação, com o

intuito de alimentar a reflexão em torno da imaginação e do feminino, poderia articular-se em

torno de dois grandes eixos:

1) Permitir mostrar que um pensamento do feminino não está necessariamente

condenado à uma alternativa arruinante entre, por um lado, uma experiência afetiva e subjetiva

do feminino votada à permanecer indizível e incomunicável e, por outro lado, um conceito teórico

abstrato do feminino, sem relação com a experiência real das mulheres.

De fato, é próprio da imaginação nem pertencer à ordem da percepção sensível e da vivência afetiva,

nem à ordem do conceito : ela situa-se entre o sentido e a imagem, entre a linguagem e a experiência

psicológica.

2) Ajudar-nos a entender em que sentido a imaginação poética e literária tem certo

poder de invenção e de interpretação capaz de dar-nos acesso as algumas experiências do feminino

geralmente ocultadas e sem vozes.

Neste sentido, pode ser que o conceito de imaginação refira-se a uma variedade de atos, de performances

ou de produções poéticas capazes, não de teorizar o feminino, e sim de figurá-lo e de transformá-lo do

ponto de vista afetivo e prático através de estratégias literárias abertas e sempre novas.

PARA UMA CONCEITUALIZAÇÃO FILOSÓFICA DA NOÇÃO DE IMAGINAÇÃO

Jean-Luc Amalric