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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO PAULO -
CAMPUS SÃO CARLOS
IZABELLA DIAS DE PAULA
A POLIDEZ NA COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL:
uma estratégia discursiva para gestão de conflitos
São Carlos – SP
2017
IZABELLA DIAS DE PAULA
A POLIDEZ NA COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL:
uma estratégia discursiva para gestão de conflitos
Monografia apresentada ao Instituto Federal de São
Paulo – campus São Carlos como parte das
exigências para a conclusão do Curso Superior de
Tecnologia em Processos Gerenciais.
Orientadora: Profa. Dra. Thereza Maria
Zavarese Soares
São Carlos – SP
2017
IZABELLA DIAS DE PAULA
A POLIDEZ NA COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL:
uma estratégia discursiva para gestão de conflitos
Monografia apresentada ao Instituto
Federal de São Paulo – campus São
Carlos como parte das exigências para a
conclusão do Curso Superior de
Tecnologia em Processos Gerenciais.
Data de aprovação: 24 de junho de 2017
________________________________
Profa. Dra. Thereza Maria Zavarese Soares
Instituto Federal de São Paulo – campus São Carlos
________________________________
Profa. Dra. Rita de Cássia Arruda Fajardo
Instituto Federal de São Paulo – campus São Carlos
________________________________
Profa. Dra. Tatiane Fernandes Zambrano Brassolatti
Instituto Federal de São Paulo – campus São Carlos
DEDICATÓRIA
Dedico o presente trabalho aos meus familiares, que se fizeram presentes em todos os momentos
desta trajetória, sempre incentivando meu crescimento pessoal e profissional.
Dedico também à minha orientadora, que, com toda dedicação, prestou apoio para que eu
pudesse realizar esta pesquisa e concluir o curso de Tecnologia em Processos Gerenciais.
AGRADECIMENTOS
Agradeço imensamente à Profa. Dra. Thereza Maria Zavarese Soares, por sua dedicação e
paciência, sempre presente e atenciosa em seus atendimentos e orientações. Sem a ajuda dela,
esse trabalho não seria possível.
Dedico meus agradecimentos também ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
de São Paulo (IFSP), especialmente aos professores do curso de Tecnologia em Processos
Gerenciais, que se fizeram presentes e contribuíram para a minha formação como gestora.
Agradeço à minha família e amigos, que me apoiaram e contribuíram para a realização deste
trabalho e do curso como um todo.
Acima de tudo, agradeço a Deus, por me proporcionar a vida e todos os momentos que me
fizeram chegar até aqui. Sem Ele nada disso teria acontecido.
A polidez é universal, pois, sem civilidade, é a guerra civil.
Catherine Kerbrat-Orecchioni,
linguista francesa.
RESUMO
A comunicação é uma ferramenta fundamental para que as empresas possam interagir com seus
diversos interlocutores e passar a eles determinadas mensagens. Diante de situações
conflituosas, as organizações percebem a necessidade de gerenciar os conflitos de maneira
eficaz, buscando se preservar, se valorizar e também atenuar ameaças. Para tanto, podem utilizar
estratégias linguísticas, como a Teoria da Polidez, na construção de enunciados que garantam
uma comunicação eficaz. Face a essas afirmações, o presente estudo tem como objetivo
compreender como a empresa Vale, enquanto acionista da mineradora Samarco, gerenciou o
conflito gerado após o desastre socioambiental de Mariana – MG, em 5 de novembro de 2015,
por meio da emissão de comunicados em seu site. Para a realização desta pesquisa, foi utilizada
a Análise do Discurso como ferramenta de análise do corpus, e, por meio da Teoria da Polidez,
buscou-se identificar os Atos de Fala presentes nos comunicados emitidos pela empresa e como
eles explicam a Gestão de Conflitos em relação ao desastre. Os resultados obtidos indicam que a
polidez se mostrou uma ferramenta estratégica para a negociação e gestão do conflito por parte
da Vale, que conseguiu administrar a situação de maneira a atenuar os danos à sua imagem
corporativa e à sua reputação perante a sociedade.
Palavras-Chave: Teoria da Polidez. Gestão de Conflitos. Negociação.
ABSTRACT
Communication is a key tool for companies to interact with their diverse interlocutors and to
pass certain messages to them. Faced with confrontational situations, organizations perceive the
need to manage conflicts effectively, seeking to preserve, to value and also mitigate threats. To
do so, they can use linguistic strategies, such as the politeness theory, in the construction of
enunciations that guarantee effective communication. In view of these affirmations, the present
study aims to understand how the company Vale, as a shareholder of the Mining corporation
Samarco, managed the conflict generated after the socio-environmental disaster of Mariana –
Mg, on 5 November 2015, through the issuance of communiqués on its website. For the
realization of this survey, the analysis of the speech was used as a tool for analysis of the
corpus, and, through the theory of politeness, sought to identify the acts of speaking present in
the communiqués issued by the company and how they explain the management of conflicts in
relation to disaster. The results obtained indicate that the politeness proved a strategic tool for
the negotiation and management of the conflict by the valley, which managed to administer the
situation in order to mitigate the damage to its corporate image and its reputation before society.
Key Words: Theory of Politeness. Conflict Management. Negotiation.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 10
1.1 OBJETIVOS DA PESQUISA ....................................................................................... 11
1.2 JUSTIFICATIVA DO TEMA ....................................................................................... 12
2 REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................................................... 13
2.1 A GESTÃO DE CONFLITOS ....................................................................................... 13
2.2 A COMUNICAÇÃO NA GESTÃO DE CONFLITOS ................................................... 18
2.3 A TEORIA DA POLIDEZ ............................................................................................. 21
2.4 A NEGOCIAÇÃO DE CONFLITOS NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL ............. 25
3 METODOLOGIA ........................................................................................................... 28
3.1 CLASSFICAÇÃO DA PESQUISA ................................................................................ 28
3.2 UNIVERSO E AMOSTRA ............................................................................................ 29
3.3 COLETA DE DADOS: CRITÉRIOS DE SELEÇÃO E INSTRUMENTOS ................. 31
4 ANÁLISES E RESULTADOS ........................................................................................ 35
4.1 ANÁLISE DOS COMUNICADOS DO 1º PERÍODO ................................................... 35
4.2 ANÁLISE DOS COMUNICADOS DO 2º PERÍODO ................................................... 47
4.3 NEGOCIAÇÃO E GESTÃO DE CONFLITO .............................................................. 55
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 57
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 59
1 INTRODUÇÃO
A comunicação está presente em todos os aspectos de nossa vida, porque é um dos
elementos fundamentais para a existência do homem como ser social. Em outras palavras, a
sociedade humana só existe pela comunicação, pois é essa atividade que faz a interação entre
os indivíduos. Seja por meio da linguagem verbal ou da não verbal, todo ato comunicativo
possui caráter argumentativo, visto que sempre buscamos preservar nossos valores e crenças,
defendendo nossos pontos de vista, negociando nossos interesses e influenciando aqueles com
quem interagimos a fim de obter deles uma resposta ou uma reação.
Não diferentes do homem, as empresas, enquanto organismos sociais e coletividades
humanas, também se comunicam com diversos interlocutores com diferentes interesses, dos
quais as organizações tentam resguardar seus próprios objetivos. Assim, negociação,
persuasão e argumentação são ações constantes na rotina empresarial, pois é por meio delas
que se efetivam os processos e suas metas.
Diante da necessidade das empresas em se expressar, gerir conflitos e negociar, nas
mais diferentes conjunturas que se apresentem, a comunicação assume papel imprescindível,
como mecanismo de manifestação de seus desejos, ideias, opiniões e contato com seu público.
Consequentemente, um aspecto importante da comunicação são seus efeitos, que
desencadeiam diversas respostas e reações do receptor, que, por sua vez, exigem outras
respostas e reações do emissor, alternando, portanto, os papéis dos participantes conforme a
dinâmica dialógica da interação. Nessa dinâmica, a comunicação pode mostrar-se muito
eficaz para o entendimento entre as partes, mas também pode não só gerar conflitos, como
agravar situações conflituosas já desencadeadas.
Levando isso em consideração, pode-se relacionar a gestão de conflitos à Análise do
Discurso, e, indo mais além, ao fenômeno da polidez linguística, que consiste na “necessidade
que o falante tem de manter a harmonia conversacional com o ouvinte, ou seja, a maneira
como o falante diz o que tem a dizer” (GODOI; MAZUROSKI JÚNIOR; BENFATTI, 2014,
p. 7).
No que diz respeito a situações conflituosas envolvendo corporações, um exemplo de
grande repercussão foi o desastre socioambiental que ocorreu na cidade de Mariana, no estado
de Minas Gerais, em 5 de novembro de 2015, quando houve o rompimento da barragem em
11
que eram depositados rejeitos de minérios resultantes da atividade de extração realizada pela
empresa Samarco, desencadeando uma crise que envolveu não só essa mineradora, como
também sua acionista brasileira, a Vale. Nessa conjuntura, tais empresas se viram diante de
conflitos que precisavam ser gerenciados perante seus stakeholders (partes interessadas nos
resultados da organização) e perante a opinião pública.
Diante desse cenário, a presente pesquisa pretendeu responder à seguinte questão:
como a Teoria da Polidez explica a Gestão de Conflitos no âmbito empresarial por meio de
comunicados sobre o episódio do desastre socioambiental de Mariana? Para tanto, foram
definidos os objetivos que se apresentam na próxima seção.
1.1 OBJETIVOS DA PESQUISA
Como objetivo geral, este trabalho buscou identificar as possíveis contribuições do
modelo de polidez proposto pela Análise do Discurso na gestão de conflitos no ambiente
empresarial.
Especificamente, pretendeu-se:
➢ Estabelecer um diálogo entre a teoria da polidez e a gestão de conflitos, buscando
convergências e contribuições mútuas entre elas;
➢ Distinguir os diferentes tipos de conflito que podem ocorrer no ambiente empresarial;
➢ Relacionar esses tipos de conflito a estratégias comunicativas de polidez e negociação;
➢ Analisar textos quanto ao uso dessas estratégias em situação de conflito envolvendo
uma empresa mineradora, a Vale, enquanto acionista da Samarco, ao tratar do episódio do
desastre socioambiental desencadeado pelo rompimento de barragem em Mariana (MG).
12
1.2 JUSTIFICATIVA DO TEMA
Economicamente, esta pesquisa apresenta importância pelo fato de que o estudo sobre
gestão de conflitos nas organizações aqui proposto busca ajudar as empresas a administrar
situações conflituosas, evitando perdas de colaboradores valiosos, otimizando o tempo e a
produtividade, além de aumentar a fidelização de seus funcionários, que se sentirão bem em
trabalhar em um ambiente no qual os conflitos são gerenciados de maneira eficaz.
Da perspectiva social, este trabalho mostra-se pertinente, mais uma vez, por abordar a
gestão de conflitos, que não se restringe apenas ao ambiente empresarial, pois abrange todos
os ambientes nos quais nos inserimos enquanto membros da sociedade. Sendo assim, discutir
a resolução de conflitos e a polidez nas empresas, pode, indiretamente, apontar maneiras de
lidar com as relações sociais nas mais diversas situações do cotidiano.
Do ponto de vista acadêmico, tal pesquisa apresenta relevância considerando a
existência de poucos estudos na área da polidez linguística, conforme afirmam Marcotulio e
Souza (2007), em especial aplicando a polidez à gestão de conflitos nas empresas.
Finalmente, a pesquisadora possui simpatia pelo tema, que está presente em seu
ambiente profissional, tendo então, a possibilidade de explorar as contribuições que o estudo
trará para sua formação como gestora.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Neste capítulo, serão apresentados os fundamentos teóricos que nortearam esta
pesquisa, cuja questão põe em diálogo duas áreas da ciência, a Administração e a Linguística,
na busca por possíveis respostas por meio dos conhecimentos da Gestão de Pessoas e da
Análise do Discurso. Assim, nos próximos itens, serão discutidas as concepções de conflito
no ambiente organizacional e as formas de geri-lo por meio da comunicação, na qual se
manifesta o princípio da polidez como estratégia de negociação de pontos de vista
conflitantes.
2.1 A GESTÃO DE CONFLITOS
De acordo com o dicionário on-line Priberam (2017), a palavra conflito apresenta as
seguintes definições: “1. Altercação, desordem. 2. Pendência. 3. Choque. 4. Embate.
5. Luta; oposição; disputa”.
Tais definições nos dão a ideia de que conflito é algo negativo, carregado de
pessimismo e que dele tendem a derivar resultados nada agradáveis. Todavia, conforme
afirma McIntyre (2007), o conflito pode afetar o ambiente de forma negativa como também
de forma positiva, melhorando o desempenho dos sujeitos que nele estão inseridos. Ainda
segundo o autor, a existência de conflitos nas empresas é inevitável, dada a variedade de
pessoas que nelas atuam e às variadas expectativas que cada uma possui.
Para Robbins, DeCenzo e Wolter (2013), o conflito nas organizações não pode ser
eliminado por completo, devido a fatores como os diferentes pontos de vista e interesses dos
membros da empresa, a dificuldade em compreenderem a diversidade das crenças existentes,
além de divergências quanto à distribuição orçamentária, envolvendo alocação de recursos
que podem gerar disputas dentro da organização.
Chiavenato (2014, p. 389) corrobora essa ideia, afirmando, portanto, que “o conflito é
inerente à vida de cada indivíduo e faz parte inevitável da natureza humana”.
Segundo Tjosvold (1997 apud McINTYRE, 2007, p. 295), “o conflito está associado a
uma maior inovação e a relações interpessoais mais eficazes”. Assim, é capaz de estimular a
14
criatividade e a mudança, fatores primordiais para a adaptação e sobrevivência de uma
empresa. De acordo com Robbins, DeCenzo e Wolter (2013, p. 248), “Se as organizações
fossem completamente desprovidas de conflitos, elas se tornariam apáticas, estagnadas e sem
resposta para mudança”, o que nos leva a concluir que os conflitos são intrínsecos e
necessários ao ambiente organizacional, e ao gestor cabe saber lidar com essas situações, que
são parte da sua rotina de trabalho.
A figura abaixo ilustra os efeitos positivos que o conflito pode produzir nas empresas,
quando considerado como um fator importante nas atividades de gestão empresarial.
Figura 1. Cadeia de efeitos positivos do conflito nas organizações
Fonte: Robbins, DeCenzo e Wolter (2013).
Por outro lado, segundo Spectos e Jex (1998 apud McINTYRE, 2007), alguns
problemas, como baixa eficácia, redução do bem-estar e maior rotatividade, podem ser
resultado de conflitos no ambiente de trabalho. Não é saudável, portanto, a manutenção de
conflitos generalizados, sem qualquer intervenção ou mediação por parte do gestor, pois
podem ser prejudiciais ao clima organizacional. O importante é que sejam abordados, sempre
que houver, de modo a trazer as mudanças necessárias à inovação.
Consequentemente, abordar conflitos nas organizações faz surgir o seguinte
questionamento: o que causa o conflito, ou seja, qual a sua origem? E para responder a tal
pergunta, Robbins, DeCenzo e Wolter (2013) apontam estes três fatores:
15
Diferenças de comunicação: originam conflitos decorrentes da interpretação das
palavras, que acabam por receber significados diversos, culminando em mal-
entendidos;
Diferenças estruturais: decorrem da diferenciação estrutural das organizações, que
diferem horizontal e verticalmente, por meio do agrupamento e da divisão de equipes
e tarefas, o que pode gerar discordâncias;
Diferenças pessoais: envolvem as diferentes personalidades, valores e características
dos indivíduos, além dos diferentes objetivos e prioridades que cada um estabelece
para si ou para o seu grupo.
Além dessa proposta, Chiavenato (2014) divide os conflitos em interno ou intrapessoal
(envolve dilemas pessoais) e externo (que envolve vários níveis: intragrupal, intergrupal,
intraorganizacional e interorganizacional). O autor afirma ainda que existem três níveis de
gravidade em que os conflitos podem ocorrer, conforme o que se apresenta abaixo:
Conflito percebido: ocorre quando as partes percebem a diferença entre seus
objetivos e existem formas de interferência ou bloqueio; nesse caso, o conflito é
latente;
Conflito experienciado: é o conflito oculto, velado; ocorre quando surgem
sentimentos de raiva e hostilidade entre as partes;
Conflito manifestado: é o conflito aberto; nesse caso, ocorre interferência ativa ou
passiva por, pelo menos, uma das partes.
Nesse sentido, cabe ao gestor, com o apoio de sua equipe, gerir os conflitos, de modo a
regular o funcionamento da organização. No entanto, gerenciar equipes heterogêneas, que
incluem pessoas com características e pontos de vista distintos não é uma tarefa fácil, pois não
envolve apenas o desempenho individual, mas sim a colaboração de todos os membros do
grupo (McINTYRE, 2007).
Para tanto, Chiavenato (2014) propõe três abordagens para administração dos conflitos
nas empresas, que se apresentarão a seguir:
Abordagem estrutural: consiste em atuar na redução das percepções de diferenciação
entre os grupos, de limitação de recursos e de interdependência entre eles, a fim de
minimizar esses elementos, que predispõem ao conflito;
16
Abordagem de processo: consiste em reduzir os conflitos pela modificação do
processo, intervindo nas condições do episódio em que se produziram; atua fazendo a
desativação do conflito, por meio da confrontação entre as partes e da colaboração;
Abordagem mista: consiste na administração do conflito tanto nos aspectos
estruturais quanto nos de processo, incluindo intervenções sobre a situação; essa
abordagem permite duas maneiras diferentes de atuação, sendo elas a adoção de regras
para resolução de conflitos (meio de estabelecer limites para trabalhar o conflito) e a
criação de papéis intermediadores (terceiras partes que estejam disponíveis para ajudar
na solução de conflitos, com intuito de ganho para todas as partes envolvidas).
Em relação à gestão de conflitos, o autor propõe estilos que caracterizam a ação do
gestor, conforme o que se segue:
Estilo de evitação: nesse estilo, o administrador busca evitar o conflito, tendo uma
atitude de fuga, na expectativa de que se torne menos intenso com o tempo; é usado
quando o problema é trivial, quando não há chance de ganhar, quando requer tempo
para obter informação ou quando um desacordo pode ser oneroso ou perigoso;
Estilo de acomodação: possui alto grau de cooperação e consiste em resolver os
problemas menores, deixando os maiores para depois; é usado quando um assunto é
muito importante e é preciso manter a harmonia para ganhar créditos sociais;
Estilo competitivo: carregado de autoritarismo, expressa forte assertividade, visando
impor os próprios interesses; é usado quando uma decisão precisa ser tomada
rapidamente, geralmente em situações urgentes e até mesmo impopulares; o foco é
ganhar, e isso ocorre forçando o uso da autoridade.
Estilo de compromisso: reflete uma combinação entre assertividade e cooperação; é
utilizado quando as partes têm igual poder e possuem o objetivo de encontrar soluções
para o problema, que possibilitem ganhos e perdas iguais para todos;
Estilo de colaboração: apresenta elevado grau de assertividade e cooperação; utiliza a
negociação para possibilitar que ambas as partes ganhem; é aproveitado quando os
interesses das partes podem ser combinados, gerando soluções mais amplas.
É importante destacar que o gestor não pode solucionar todos os conflitos existentes
na empresa, cabendo a ele escolher, de maneira criteriosa, aqueles aos quais dedicará sua
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atenção. Em alguns momentos, é válido utilizar a técnica de evitação, pois alguns conflitos
não valem o esforço ou até mesmo não estão na esfera do gestor. Em outros, pode ser
necessária uma ação efetiva, exercendo seu poder. Assim sendo, os conflitos que o gestor
escolher para gerenciar devem ser bem conhecidos por ele, para que opte pela melhor
estratégia de gestão, de modo a administrá-los da forma mais eficiente possível (ROBBINS;
DeCENZO; WOLTER, 2013).
Como foi dito no início desta seção, outro aspecto destacável na gestão de conflitos é o
que se pode chamar de “incentivo ao conflito”. Contrário à ideia convencional de minimizar
os atritos dentro das organizações, o estímulo ao conflito é recomendado quando se tem por
objetivo promover mudanças, inovação e desenvolver o pensamento crítico. Abaixo seguem
algumas opções de estímulos ao conflito, conforme propõem Robbins, DeCenzo e Wolter
(2013):
Use a comunicação: promova certa instabilidade, a fim de tirar os funcionários da
zona de conforto; por exemplo: diga que alguém será transferido ou que ocorrerão
cortes orçamentários no uso de materiais; desse modo, poderá reduzir a apatia, gerar
novas ideias e forçar a reavaliação;
Trazer pessoas de fora: um meio de quebrar a estagnação na empresa é trazer um
colaborador de fora; sendo ele dotado de ideias, valores, personalidade e histórico
diferentes dos membros atuais da equipe, pode estimular o conflito e melhorar o
desempenho da organização;
Reestruture o departamento: promover a reestruturação da organização, por meio da
centralização de decisões, realinhamento de grupos e aumento da formalização dos
procedimentos é uma maneira de estimular o conflito;
Designe um advogado do diabo: essa pessoa tem a função de apresentar argumentos
contrários aos propostos pela maioria ou ir contra as práticas vigentes na empresa; ele
age como um crítico, mesmo concordando com o grupo, no intuito de melhorar a
qualidade das decisões da equipe e obter respostas diferentes das convencionais.
Para os objetivos deste trabalho, vale destacar que, em relação aos conflitos, tanto os
estímulos quanto as ações de gestão manifestam-se pela comunicação em nível individual e
em nível organizacional.
18
Por fim, Chiavenato (2014) conclui reafirmando a ideia de que o conflito pode gerar
efeitos negativos e positivos e explica tais efeitos como:
Resultados positivos: o conflito desperta sentimentos de identidade e aumenta a
coesão do grupo, de modo que estimula as pessoas a buscarem soluções inovadoras,
além de atuar como um mecanismo de correção para as empresas, prevenindo
problemas mais graves;
Resultados negativos: o conflito desperta sentimentos de frustração, hostilidade e
tensão, de maneira que os membros da equipe se sentem desmotivados e veem seus
esforços bloqueados; quando a energia da empresa fica muito direcionada ao conflito,
isso pode resultar em perda de tempo e de produtividade.
Diante do quadro apresentado, pode-se perceber que o conflito apresenta resultados
positivos e negativos para as pessoas e, ainda mais, para as organizações. O mais importante é
saber como lidar com a situação conflituosa, tarefa designada ao gestor ou administrador, que
deve escolher as melhores estratégias para gerenciar os problemas, de modo a minimizar os
efeitos destrutivos e maximizar os efeitos produtivos (CHIAVENATO, 2014).
2.2 A COMUNICAÇÃO NA GESTÃO DE CONFLITOS
Para Robbins, DeCenzo e Wolter (2013, p. 94), “A comunicação envolve a
transferência de significado”. Isso indica que não basta haver a emissão do significado, mas
principalmente a sua compreensão. O falante que não é ouvido não estabelece uma
comunicação. O idioma também tem grande importância nesse aspecto, visto que as pessoas
só podem compreender aquilo que é dito ou escrito em línguas de seu conhecimento. Assim,
segundo esses mesmos autores, a comunicação pode ser definida como um processo, que
envolve um propósito, um remetente, que codifica um conteúdo (converte-o em forma
simbólica) e um receptor, que irá recebê-lo por meio de um canal e decodificá-lo, para que
produza sentido e resulte em conhecimento.
Quando se trata de uma situação de negociação, em que há interesses em conflito,
associamos uma comunicação eficaz à ideia de “acordo”. Porém, se uma pessoa discorda de
um ponto de vista não quer dizer que ela não o tenha compreendido, mas sim que possui uma
19
opinião diferente em relação ao assunto (ROBBINS; DeCENZO; WOLTER, 2013). Assim,
quando acontece, o conflito representa uma atividade de comunicação que está ocorrendo,
sem, no entanto, haver um acordo entre as partes, visto que os seus pontos de vista não estão
alinhados, afetando o significado da interação no sentido de opor os interlocutores, porque se
veem reciprocamente ameaçados em seus interesses. Todavia, isso não significa que sejam
maus comunicadores, apenas não estão convencidos do significado que a outra parte deseja
compartilhar.
Como já exposto no tópico 2.1, a falta de comunicação ou a má interpretação do que é
dito também podem ser geradoras de conflito. Nesse caso, torna-se necessária a produção de
uma comunicação coerente e clara, que possibilite resolver tal conflito, esclarecendo e
convencendo os envolvidos.
Argenti (2011) ressalta que a comunicação no contexto empresarial não deve se limitar
às interações com a mídia, mas também deve tratar da forma como as empresas interagem
com seus diferentes públicos (interno e externo). O autor explica que, por meio de estudos de
caso, é possível perceber que a comunicação, nesse contexto, é, na maioria das vezes,
gerenciada de modo descentralizado, o que compromete a eficiência das atividades
empresariais. Por isso, esse autor afirma que, embora recentemente considerada uma área
funcional da administração, tendo sua importância percebida mais especificamente a partir
das duas últimas décadas do século XX, a comunicação empresarial já se mostra tão
importante quanto outras áreas, como marketing, finanças e produção, pois os gestores
passaram a perceber a necessidade da comunicação integrada como fator primordial no
estabelecimento e estreitamento de relações, sejam elas internas (colaboradores e acionistas)
ou externas (mídia, clientes, fornecedores, distribuidores e concorrentes) à organização.
Assim, para Argenti (2011, p.10), a função fundamental de um departamento de comunicação
empresarial consiste em “refletir a realidade da empresa propriamente dita por meio de
imagens e da escolha certa das palavras”, a fim de humanizar a organização, aproximando-a
de seus públicos, por meio de uma das principais atividades humanas: a atividade de
linguagem.
Cabe, então, enfatizar que a comunicação deve ser entendida como uma ação
intrínseca às relações sociais e de trabalho e que dela depende a sobrevivência das
organizações. A partir dessa ideia, pode-se destacar os principais objetivos da comunicação
empresarial, segundo Cahen (2005 apud TOMASI; MEDEIROS, 2014, p. 62).
20
conscientizar a opinião pública de que a empresa é excelente
“cidadã” tanto do país quanto da comunidade em que atua [...];
ocupar-se de fortalecer a credibilidade de todas as informações que
emite;
obter noticiário favorável na imprensa de forma não distorcida;
ser fonte natural de noticiário, de forma que os jornalistas procurem
a empresa em caso de necessidade de informação relativa a seus
produtos e desempenho;
obter reconhecimento positivo e boa vontade dos diversos setores
da opinião pública;
abrir e manter canais de comunicação;
obter bons negócios;
estimular o desempenho dos empregados;
favorecer a imagem pessoal da diretoria e gerência.
A linguagem é, portanto, a maior ferramenta da comunicação e, sempre que
interagimos por meio dela, temos objetivos, desejamos estabelecer relações, causar efeitos e
desencadear comportamentos, ou seja, agir sobre o outro de determinada maneira, obtendo
dele certas reações (verbais ou não verbais) (KOCH, 2015).
De modo pertinente, pode-se introduzir aqui a contribuição da Teoria dos Atos de Fala
(que trataremos mais detalhadamente no próximo tópico) para a comunicação empresarial e,
consequentemente, seus efeitos na gestão de conflitos e negociações. Por conceber a
linguagem como um modo de agir no mundo, Koch (2015, p. 20) afirma que “todo dizer é um
fazer”, por isso todo ato de linguagem produz efeitos de sentido que não só se materializam
no texto das interações verbais, mas também realizam ações, como as que se executam nas
empresas (pedir, instruir, avisar, criticar, convocar entre outros exemplos).
Essa perspectiva pragmática do funcionamento da linguagem evidencia o caráter
argumentativo da comunicação verbal, visto que todo ato comunicativo manifesta um ponto
de vista e tem propósitos de convencimento (fazer crer ou fazer fazer), indo ao encontro dos
objetivos da gestão empresarial no que diz respeito às situações de conflito e negociação, em
que a relação interativa se dá entre a empresa (locutor) e seus stakeholders (interlocutores).
Diante do que foi exposto, entende-se a comunicação como uma ferramenta
estratégica, que possibilita às empresas atuarem tanto de forma proativa, estabelecendo uma
comunicação direcionada a seu público-alvo, quanto de forma reativa, respondendo a eventos
21
externos (ARGENTI, 2011). Por essa razão, como também será explicado a seguir, tal
ferramenta deve ser utilizada pelos gestores, a fim de tornar mais eficiente sua atuação em
situações que signifiquem exaltação da imagem organizacional ou ameaça a ela.
2.3 A TEORIA DA POLIDEZ
O interesse pelo funcionamento da polidez nas interações verbais tem se destacado nos
estudos da linguagem, o que podemos verificar com os desenvolvimentos da Pragmática e
com as pesquisas que têm surgido nessa área da Linguística desde meados do século XX.
Esses estudos mostraram que é impossível descrever de maneira eficaz o que ocorre nas
trocas comunicativas sem levar em consideração alguns princípios de cooperação, como a
polidez, na medida em que eles se manifestam de forma significativa na produção dos
enunciados (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006).
Segundo Godoi, Mazuroski Júnior e Benfatti (2014, p. 7), “a polidez se refere à
necessidade que o falante tem de manter a harmonia conversacional com o ouvinte, ou seja, à
maneira como o falante diz o que tem a dizer”.
Proposta por Brown e Levinson (1987), a Teoria da Polidez é inspirada diretamente
nos trabalhos do sociólogo canadense Erving Goffman, derivando-se das noções de face e de
território, as quais os autores denominaram, respectivamente, como face positiva e face
negativa (apud MARCOTULIO; SOUZA, 2007).
Pode-se definir a Teoria da Polidez, de acordo com a perspectiva de Brown e
Levinson, como um conjunto de estratégias de linguagem que buscam atenuar os conflitos
conversacionais quando os interesses ou as faces do falante e do ouvinte se opõem. Dessa
maneira, a polidez pode ser negativa (quando evita ou busca atenuar o conflito) ou positiva
(quando busca a solidariedade e a aproximação) (GODOI; MAZUROSKI JÚNIOR;
BENFATTI, 2014).
A face negativa envolve os territórios pessoais, como o corporal, espacial, temporal,
entre outros, e consiste no desejo de autoafirmação, em não admitir imposições e ter liberdade
de ação; já a face positiva é o arsenal de imagens socialmente apreciadas que os interlocutores
constroem e buscam preservar na interação, almejando serem aceitos e valorizados pela
comunidade. Desse modo, constitui-se a ideia de que os interlocutores constroem
22
estrategicamente seus enunciados, além do fato de que cada um deles busca preservar a sua
imagem, isto é, suas faces negativa e positiva (GODOI; MAZUROSKI JÚNIOR;
BENFATTI, 2014; MARCOTULIO; SOUZA, 2007).
Durante uma interação verbal, essas faces podem, naturalmente, ser colocadas em
risco por meio de certos tipos de atos de linguagem (verbal e não verbal), os Face
Threatening Acts (FTAs), denominados assim por Brown e Levinson (1987 apud
MARCOTULIO; SOUZA, 2007), e que aqui chamaremos de Atos de Ameaça à Face ou
simplesmente FTAs. Esses atos, que se realizam pelo dizer, caracterizam-se como ameaças às
faces dos interlocutores durante as interações verbais.
Os atos de ameaça à face se dividem em quatro categorias, segundo Kerbrat-
Orecchioni (2006):
Atos de ameaça à face negativa do emissor - comprometimento da imagem pessoal
ou do território (espaço privado) do emissor por meio de promessas, pelas quais
assumimos um compromisso que coloca em risco a sua honra (autoimagem):
Exemplo1 de promessa: “Não mediremos esforços para prestar todo o apoio
necessário à Samarco e às autoridades [...].”
Atos de ameaça à face negativa do receptor - comprometimento da imagem pessoal
ou do território (espaço privado) do receptor por meio de ofensas, agressões, perguntas
“indiscretas”, pedidos, ordens, proibições, conselhos e outros atos, de alguma forma,
inoportunos ou constrangedores que ameaçam a honra (autoimagem):
Exemplo de pergunta indiscreta: “A quem podem interessar ações violentas dessa
natureza que em nada colaboram com o cenário atual?”
Atos de ameaça à face positiva do emissor - comprometimento da imagem social do
emissor por meio de confissões, desculpas, autocríticas e outros comportamentos
autodegradantes que colocam em risco a sua reputação (imagem pública):
1 Os exemplos apresentados neste capítulo foram extraídos dos comunicados analisados ou adaptados pela autora
desta pesquisa a partir do referencial teórico, com fins de ilustração.
23
Exemplo de confissão: “Evidentemente, jamais poderemos voltar ao passado e
recuperar as vidas perdidas neste triste episódio.”
Atos de ameaça à face positiva do receptor - comprometimento da imagem social
do receptor por meio de críticas, refutações, censuras, insultos, escárnios e todos os
atos que coloquem em risco a reputação do outro (imagem pública):
Exemplo de refutação: “Esclarecemos que não houve o bloqueio de bens da Vale
[...].”
Considerando que os atos de fala também podem apresentar aspectos positivos que
valorizem as faces, contrapondo-se ao aspecto negativo que o modelo de polidez
originalmente apresentou, Kerbrat-Orecchioni (2006) propõe um modelo teórico
complementar, constituído por Face Flattering Acts (FFAs) ou Atos de Valorização das
Faces, cujo efeito é contrário ao dos FTAs propostos por Brown e Levinson (1987). Esse
novo conjunto de atos de linguagem é definido da seguinte forma:
Atos de valorização da face negativa do emissor - valorização da imagem pessoal
ou do território (espaço privado) do emissor por meio da expressão de valores pessoais
e de empatia:
Exemplo de expressão de empatia: “Gostaríamos de expressar nossa
solidariedade.”
Atos de valorização da face negativa do receptor - valorização da imagem pessoal
ou do território (espaço privado) do receptor por meio da demonstração de respeito e
da amenização de atos ameaçadores:
Exemplo de expressão de respeito: “Respeitamos a liberdade de expressão.”
24
Atos de valorização da face positiva do emissor - valorização da imagem social do
emissor por meio da exaltação de suas próprias ações:
Exemplo de exaltação de suas próprias ações: “A Vale vem oferecendo total apoio e
assistência às equipes da empresa [...].”
Atos de valorização da face positiva do receptor - valorização da imagem social do
receptor por meio de elogios e de referências à identidade de grupo:
Exemplo de elogio: “O trabalho realizado pela equipe foi excelente.”
A interação dos FTAs com os FFAs pode resultar em diferentes efeitos de polidez:
pode ser um efeito atenuante e remediador (quando há ameaça), um efeito atenuante e
preventivo (quando pode haver ameaça) ou um efeito enfático e apreciativo (quando não há
ameaça). Assim, para Kerbrat-Orecchioni (2006), a introdução dos FFAs permite esclarecer
as noções de polidez negativa e polidez positiva, conforme são apresentadas a seguir:
A polidez negativa possui natureza abstencionista ou compensatória, buscando
evitar a produção de atos ameaçadores ao receptor ou amenizar os efeitos de sua
realização, seja em relação à face negativa ou à face positiva:
Exemplo de censura seguida de afirmação de valores: “A Vale [...] repudia quaisquer
manifestações violentas [...] e ratifica que obstruir ferrovia é crime.”
“Acreditamos no respeito e no diálogo para encontrar soluções.”
A polidez positiva possui natureza produtiva, buscando realizar atos diretos e
indiretos de valorização da face negativa (p. ex.: oferecer um presente) ou da face
positiva (p. ex.: fazer um elogio) do receptor, a fim de evitar a ameaça do outro:
25
Exemplo de expressão de empatia: “A Vale gostaria de expressar mais uma vez seus
mais profundos sentimentos de tristeza e solidariedade a todos os afetados [...].”
Além disso, a polidez positiva ocupa um lugar importante no sistema cultural global,
devido ao fato de que ser polido é ainda mais significativo do que ser cortês apenas para tentar
amenizar ameaças (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006).
Diante dos levantamentos feitos até aqui, um interessante apontamento a respeito da
Teoria da Polidez refere-se à sua universalidade, já discutida por Brown e Levinson, em seu
texto de 1967. De acordo com esses autores, “existe um paralelismo entre as línguas, que
garante o seu caráter universal”, fato que foi testado a partir de uma comparação entre três
línguas distintas, geográfica e culturalmente dispersas (apud MARCOTULIO; SOUZA,
2007).
Contudo, a polidez pode se manifestar de formas diferentes, de acordo com fatores
como cultura, espaço, contexto, nível de proximidade dos falantes e hierarquia. Por exemplo,
um mesmo gesto ou fala pode ser visto de maneiras distintas de acordo com o lugar ou
contexto em que é realizado, podendo ser considerado polido ou não, do ponto de vista de
quem o recebe. Para Godoi, Mazuroski Júnior e Benfatti (2014), a polidez ainda pode ser
encarada de maneira negativa quando é entendida como uma tentativa de manipulação de
quem a exerce.
De maneira geral, podemos definir a polidez como uma ferramenta linguística que
auxilia os interlocutores em suas interações e, quando bem utilizada, pode servir à
negociação, à gestão de conflitos e à prevenção de mal-entendidos. Cabe, então, a cada
indivíduo adequar seu discurso à situação, de modo a ser bem-sucedido em seu propósito de
comunicação, sobretudo quando se trata de interesses profissionais e coletivos.
2.4 NEGOCIAÇÃO DE CONFLITOS NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL
Diante das inúmeras situações de conflito que se apresentam nas empresas, surge a
necessidade de negociação, na qual estão em jogo os interesses de todos os envolvidos, que
26
buscam preservar-se e obter vantagens, ou ao menos evitar perdas, o que pode ser considerado
um ganho em determinadas circunstâncias.
A negociação pode ser definida, de acordo com Robbins, DeCenzo e Wolter (2013, p.
271), como “um processo no qual duas ou mais partes com preferências diferentes devem
tomar uma decisão conjunta e chegar a um acordo”. Para tanto, essas partes fazem uso de
diferentes estratégias de negociação, que se distinguem em duas linhas de ação, que são
explicadas resumidamente no quadro abaixo, conforme a perspectiva desses autores.
Quadro1. Negociação distributiva X Negociação integrativa
Negociação distributiva Negociação integrativa
Opera na soma-zero, ou seja, qualquer
ganho que se tenha é às custas da perda da
outra pessoa e vice-versa.
Opera sob a suposição de que há pelo menos um acordo que pode criar uma solução
ganha-ganha, na qual todas as partes são
beneficiadas. Fonte: Elaborado pela autora.
Face a essas duas propostas, é oportuno salientar que a negociação integrativa é a que
mais agrega para as organizações, por desencadear soluções do tipo ganha-ganha.
Complementando essa afirmação, podemos trazer algumas sugestões para se ter sucesso nas
negociações, de acordo com Robbins, DeCenzo e Wolter (2013):
Considerar a situação da outra parte: inteirar-se sobre os interesses e objetivos do
outro;
Ter uma estratégia concreta: saber aonde quer chegar e ter em mente os próximos
passos diante dos possíveis movimentos do outro; conhecer bem a outra parte e estar
pronto para jogar;
Começar com uma concessão positiva: as concessões favorecem a obtenção de
acordos; quando se começa a negociação com uma abertura positiva, pode-se esperar
retribuições;
27
Direcionar problemas, não pessoas: o foco deve estar nas questões a serem
negociadas e não nas características pessoais dos negociadores; deve-se separar as
pessoas do problema;
Dar pouca atenção para as ofertas iniciais: as ofertas iniciais tendem ser extremas e
idealistas, apenas para iniciar a negociação; deve-se encará-las como tais;
Enfatize soluções ganha-ganha: se perceber condições favoráveis, deve-se procurar
soluções que beneficiem a todos.
Essas alternativas de negociação serão discutidas no capítulo das análises em relação
aos resultados dos efeitos de polidez observados na construção dos textos produzidos em
situação de conflito. Porém, antes disso, é preciso explicar os procedimentos adotados para se
chegar a tais resultados, o que se fará no capítulo a seguir.
3 METODOLOGIA
Gil (2002, p. 162) define metodologia como “os procedimentos a serem seguidos na
realização da pesquisa”, que podem variar de acordo com as peculiaridades de cada uma.
Dessa forma, cabe ao pesquisador adotar os métodos mais adequados a sua pesquisa, que
sejam pertinentes aos objetivos inicialmente definidos.
Para Matias-Pereira (2012, p. 31), “A colaboração entre demonstração lógica e
experimentação, a interação entre ciência pura e tecnologia, é uma característica do espírito
cientifico contemporâneo”. Sendo assim, apresentar-se-ão, a seguir, os procedimentos
adotados para a realização desta pesquisa, além dos critérios de seleção do material analisado.
3.1 CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA
Tendo em vista o tema e o problema que foram investigados, trata-se de uma pesquisa
de abordagem qualitativa, que, segundo Matias-Pereira (2012, p. 87), “parte do entendimento
de que existe uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo
indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido
em números”. Portanto, segundo esse autor, cabe, ao pesquisador, interpretar os fenômenos e
atribuir significados a eles, como os efeitos da polidez na gestão de conflitos.
Além disso, é uma pesquisa exploratória, pois buscou maior proximidade com o
problema, a fim de compreendê-lo com mais clareza (GIL, 2002), que, no caso, foi identificar
atos de linguagem que exprimem polidez em textos produzidos em situação de comunicação
empresarial, visando à negociação para resolução de conflitos. Pretendeu-se, portanto,
compreender a natureza do conflito no episódio analisado e, assim, com base na Análise do
Discurso e na Gestão de Pessoas, entender como a situação conflituosa foi administrada.
Do ponto de vista dos procedimentos técnicos, o estudo assume caráter bibliográfico e
documental, por “partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos
de periódicos” (GIL, 2002, p. 44) e também da análise de material divulgado pela Internet
sobre o desastre socioambiental na cidade de Mariana, no estado de Minas Gerais, onde, em 5
de novembro de 2015, houve o rompimento de barragem em que eram depositados rejeitos de
minérios resultantes da atividade de extração realizada pela empresa Samarco. Tal evento, que
29
repercutiu nacional e internacionalmente, devido às mortes e aos danos causados ao
patrimônio material e natural da região, teve reflexos não apenas sobre a reputação dessa
organização, mas principalmente sobre a confiança nas mineradoras do país, atingindo uma
das maiores empresas do ramo, a Vale, que também é uma das principais acionistas da
Samarco. Assim, esse contexto configura-se como uma situação de crise, que, segundo o
dicionário on-line Priberam (2017), designa uma “conjuntura ou momento perigoso, difícil ou
decisivo”. Essa situação colocou em conflito essas organizações e a opinião pública
(população, mídia, ambientalistas, poderes executivo e judiciário em níveis municipal,
estadual e federal), um conflito apenas percebido inicialmente, mas que foi se manifestando
de modo cada vez mais evidente com o passar dos dias, o que também evidenciou a relevância
de se considerar o momento em que foram produzidos os comunicados na seleção da amostra
documental.
Portanto, pautado na Análise do Discurso e na Gestão de Pessoas, fez-se um estudo do
funcionamento dos mecanismos de polidez em relação às estratégias de gestão de conflitos
por meio da análise documental de comunicados publicados pela empresa mineradora Vale
enquanto acionista da Samarco, em resposta às repercussões dos acontecimentos em Mariana,
por meio de seu site oficial. A escolha desse material, também chamado corpus de análise,
será detalhada no item a seguir.
3.2 UNIVERSO E AMOSTRA
Nesta pesquisa, o universo, definido por Matias-Pereira (2012, p. 92) como “a
totalidade de indivíduos que possuem as mesmas características definida para um determinado
estudo”, trata-se das empresas multinacionais de grande porte, pois disponibilizam dados de
modo bastante acessível, oferecendo vários canais de comunicação a fim de publicitar
informações aos seus muitos stakeholders, o que facilita a consulta a documentos.
A amostra, que é “uma parte dos elementos que compõem o universo” (GIL, 2002,
p.121), na presente pesquisa, corresponde à empresa Vale enquanto uma das principais
acionistas da Samarco2, ambas envolvidas no maior desastre socioambiental ocorrido no
2 Assim como a Vale, a empresa australiana BHP Billiton detém 50% de participação na Samarco, porém a BHP
não foi considerada na amostra porque só publicou comunicados em português sobre o desastre em Mariana no
39
Brasil até nossos dias, caracterizando-se, portanto, como uma amostra não probabilística e
intencional, escolhida devido à grande repercussão do caso e à maior quantidade de
comunicados publicados por aquela empresa (Vale) em comparação a esta (Samarco) que se
encontraram acessíveis para coleta e posterior análise, conforme mostra o quadro abaixo.
Quadro 2. Levantamento quantitativo dos comunicados emitidos pela Vale e pela
Samarco
COMUNICADOS COMUNICADOS
EMPRESA de 11/2015 a 01/2016
(levantamento feito em
de 11/2016 a 01/2017
(levantamento feito em
setembro de 2016) maio de 2017)
Samarco 12 10
Vale 35 31 Fonte: Elaborado pela autora.
Como é possível observar pelos levantamentos feitos nos primeiros meses após o
desastre e um ano mais tarde, a diferença na quantidade de comunicados publicados é
significativa. Quanto à escolha desses dois períodos, essa se deve à necessidade de recorte do
corpus, que será explicada no item 3.3 a seguir.
Assim, importa ressaltar que a Vale, nesse contexto, apresenta-se como representante
da Samarco, porque é sua acionista, e, por esse motivo, mostrou-se, desde o início, engajada
na publicação de comunicados com a finalidade de gerir os conflitos desencadeados pela crise
que se instaurou com o rompimento das barragens de Mariana, visto que a imagem
empresarial de ambas as mineradoras foi afetada pelo acidente.
período de 6 de maio de 2016 a 19 de janeiro de 2017, num total de oito comunicados, além de seu site remeter
ao da Samarco para mais informações sobre o acontecimento e suas consequências.
31
3.3 COLETA DE DADOS: CRITÉRIOS DE SELEÇÃO E INSTRUMENTOS
Como foi descrito anteriormente, a metodologia da pesquisa é composta por
levantamento bibliográfico e análise documental, por meio de livros e artigos que tratam de
assuntos relacionados ao tema, oferecendo um arcabouço teórico ao trabalho, além de
material extraído da Internet para constituição do corpus.
O caso do rompimento da barragem em Mariana foi escolhido como critério de
seleção do corpus de análise devido à grande repercussão da crise que se instaurou com este
acontecimento, colocando as empresas mineradoras Samarco e Vale em uma posição crítica,
que demandou gerenciamento de conflitos e negociação.
Após a seleção pelo critério de relevância e significância do evento, foi feito um
recorte temporal dos comunicados das duas empresas em dois períodos, havendo espaço de
um ano entre eles. Esse recorte foi feito propositalmente, com o objetivo de analisar eventuais
mudanças na comunicação e no gerenciamento do conflito. Assim, o primeiro período
engloba os comunicados dos meses de Novembro e Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016,
selecionados por terem sido emitidos logo após o acidente (ocorrido em 5 de novembro de
2015) e por registrarem o momento mais intenso da crise; já o segundo período engloba os
textos dos meses de Novembro e Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017, um ano após o
desastre, momento em que várias medidas já foram tomadas em relação ao episódio do
rompimento das barragens em Mariana.
Em seguida, decidiu-se coletar apenas os comunicados emitidos pela Vale, devido à
sua quantidade e acessibilidade, uma vez que tais comunicados foram publicados no site da
empresa, ficando disponíveis ao acesso público, como mostram as imagens a seguir, em que
se pode ver a página que apresenta os comunicados sobre a Samarco no site da sua maior
acionista.
32
Figura 2. Página inicial dos comunicados da Vale
Fonte: Vale (2017).
Figura 3. Página inicial dos comunicados da Vale – continuação
Fonte: Vale (2017).
33
Por fim, as ferramentas de análise do corpus, neste trabalho, foram tomadas de
empréstimo da Análise do Discurso, que possibilitou a compreensão do uso dos diversos
recursos de polidez utilizados na construção dos comunicados. Assim, foi possível entender,
por exemplo, o funcionamento dos verbos, advérbios, adjetivos, entre outros termos,
utilizados na construção dos textos e como eles atuam em diferentes contextos.
Para tanto, os dados coletados foram separados e organizados por data, em quadros
como os que se seguem, possibilitando a descrição dos Atos de Fala e das estratégias de
Polidez presentes nos comunicados emitidos pela Vale, para posterior síntese e interpretação
dos resultados.
Quadro 3. Análise dos Comunicados quanto aos Atos de Ameaça às Faces
Atos de Ameaça à Face Positiva Atos de Ameaça à Face Negativa
Emissor Receptor Emissor Receptor
Confissão: Refutação: Estes Promessa: Não Pergunta indiscreta:
Evidentemente, vagões só mediremos esforços A quem podem
jamais poderemos transportam água e para prestar todo o interessar ações
voltar ao passado e nunca transportaram apoio necessário à violentas dessa
recuperar as vidas querosene. Samarco e às natureza que em nada
perdidas neste triste autoridades [...]. colaboram com o
episódio. cenário atual?
Fonte: Dados da pesquisa.
34
Quadro 4. Análise dos Comunicados quanto aos Atos de Valorização das Faces
Atos de Valorização da Face Positiva Atos de Valorização da Face Negativa
Emissor Receptor Emissor Receptor
Exaltação de suas Empatia:
próprias ações: A Gostaríamos de
Vale vem expressar nossa
oferecendo total solidariedade.
apoio e assistência
às equipes da
empresa [...].
Prestação de
contas: A Vale
comprou 14,5
milhões de litros de
água mineral para
NÃO
ENCONTRADOS
Afirmação de
valores: Para nós,
da Vale, “a vida em
primeiro lugar” é
um valor
primordial.
NÃO
ENCONTRADOS
atender a população
dos municípios
afetados [...].
Fonte: Dados da pesquisa.
35
4 ANÁLISES E RESULTADOS
De acordo com a metodologia descrita no capítulo 3, a presente pesquisa realizou a
análise de uma amostra dos comunicados emitidos pela Vale enquanto acionista da Samarco,
fato esse que sinaliza o envolvimento de ambas as empresas no desastre ambiental de
Mariana. Como ferramentas de tratamento qualitativo dos dados, foram utilizados os
conceitos discursivos de Atos de Fala (ou atos de linguagem) e de Polidez.
As análises foram divididas em dois períodos, sendo eles:
1º período – comunicados dos meses de Novembro e Dezembro de 2015 e Janeiro
de 2016;
2º período – comunicados dos meses de Novembro e Dezembro de 2016 e Janeiro
2017.
Face a esta divisão, os resultados apresentados nas próximas seções obedecem a um
critério cronológico, que se justifica pelas datas de ocorrência e de desdobramento dos fatos
conflituosos, o que possibilitou vislumbrar as mudanças gradativas de atitude dos
interlocutores num intervalo de quatorze meses desde o acidente.
4.1 ANÁLISE DOS COMUNICADOS DO 1º PERÍODO
Quanto aos comunicados iniciais em resposta às notícias do rompimento da barragem
de rejeitos de minério, localizada no município de Mariana, observou-se que, nos primeiros
dias do mês de novembro de 2015, predominou a Polidez Positiva, que possui caráter
preventivo e produtivo, uma forma de antecipação e tentativa de evitação do conflito
percebido, no sentido de evitar a ameaça do outro e não ao outro, buscando realizar atos de
valorização, o que é condizente com o momento que a empresa estava vivendo. Diante da
crise que se instaurou, a Vale comprometeu-se inúmeras vezes, por meio do ato de promessa.
A presença de verbos no futuro, que expressam projetos e compromissos, e de gerundismos,
que expressam processos de prazo indeterminado, são marcas de tal ato de linguagem, que
significa ameaça à face negativa do emissor, pois põe em xeque a palavra e a honra de quem
36
fala (não honrar a palavra é um dano à moral da entidade, porque desacredita seus valores, daí
o aspecto ameaçador desse ato).
Além disso, verificaram-se diversos atos de valorização das faces positiva e negativa
do emissor (Vale), que, assim, busca exaltar seus feitos, demonstrar empatia por seu receptor
e prestar contas de suas ações. A empresa dedica-se a relatar seus atos, baseando-se em dados
quantitativos e também no uso de advérbios de intensidade como evidentemente, ativamente e
rigorosamente, que enfatizam a sua atuação.
Abaixo seguem alguns exemplos do uso de dados quantitativos, recortados dos
comunicados emitidos pela Vale nesse período:
A Vale realizou, no último fim de semana, uma verificação detalhada das condições
estruturais de 115 das barragens mais relevantes da empresa.
Dezoito profissionais de geotecnia da empresa, [...], atuaram de forma emergencial
no último fim de semana [...].
Entre os dias 6 e 10 desse mês de novembro, a Vale mostrou-se engajada em prestar
apoio à Samarco, utilizando expressões como “A Vale vem oferecendo total apoio e
assistência às equipes da empresa”, “prestar apoio incondicional” e
“Nossa total prioridade nesse momento é oferecer todo o suporte necessário à Samarco”, para
mostrar seu comprometimento. Cabe destacar aqui o uso dos termos total e todo o, que
representam um reforço significativo nesse compromisso, além do uso do termo
incondicional, que expressa a ideia de apoio sem condições nem restrições.
Nesse momento, compreende-se que a Vale assumiu uma postura solidária em relação
à Samarco, pronunciando-se por ela em seus comunicados. Contudo, essa postura reforça a
ideia de solidariedade, mas não a de responsabilidade, estando ela apenas ajudando a Samarco
em seus problemas.
Os quadros a seguir fazem uma síntese dessas afirmações, conforme o que se segue.
37
Quadro 5. Atos de linguagem em comunicados do período de 6 a 10 de novembro de
2015
Atos de Linguagem
Tipos Texto dos Comunicados
Expressão de empatia
“A Vale gostaria de expressar mais uma vez seus mais
profundos sentimentos de tristeza e solidariedade a todos os
afetados [...].”
“Nossa total prioridade nesse momento é oferecer todo o
suporte necessário à Samarco e às autoridades [...].”
“Nossos pensamentos estão com vocês neste momento de
tristeza.”
Afirmação de valores “Para nós, da Vale, ‘a vida em primeiro lugar’ é um valor
primordial.”
Promessa/Compromisso
“Não mediremos esforços para prestar todo o apoio necessário
à Samarco e às autoridades. [...]”
“A Samarco continuará centralizando a comunicação das
informações de forma transparente e contará com nosso
empenho irrestrito [...].”
“A Vale reforça que está, desde as primeiras horas, ao lado da
Samarco, mobilizada, para prestar apoio incondicional a todos
os afetados pelo lamentável acidente.”
Exaltação de suas próprias
ações
“A Vale vem oferecendo total apoio e assistência às equipes
da empresa [...].”
“Toda a legislação aplicável é observada e rigorosamente
cumprida.”
Prestação de contas
“A Vale realizou, no último fim de semana, uma verificação
detalhada das condições estruturais de 115 das barragens mais
relevantes da empresa.”
“A Vale informa que, como acionista da Samarco juntamente
com a BHP Billiton, tem atuado ativamente nas ações para
garantir a integridade das pessoas afetadas pelo acidente.”
“Foram acolhidas 631 pessoas em Mariana.”
Confissão
“‘Evidentemente, jamais poderemos voltar ao passado e
recuperar as vidas perdidas neste triste episódio’, afirmou o
diretor-presidente da Vale, Murilo Ferreira.”
Fonte: Dados da pesquisa.
38
Quadro 6. Efeitos de sentido dos atos de linguagem do quadro 5
Atos de Linguagem Efeitos sobre as Faces Efeito de Polidez
Expressão de empatia e
Afirmação de valores Valorização da face negativa do emissor
Polidez positiva
Promessa/Compromisso
Ameaça à face negativa do emissor e
valorização da face negativa do
receptor, que será o beneficiário
dessas promessas.
Exaltação de suas próprias
ações e Prestação de
contas
Valorização da face positiva do emissor
Confissão Ameaça à face positiva do emissor
Fonte: Dados da pesquisa.
Apesar de haver uma oscilação entre os efeitos de polidez nos comunicados deste
período, a Polidez Positiva se manifesta de maneira mais significativa, pois o que predomina é
a valorização, tanto das faces do emissor quanto da face negativa do receptor.
Desse modo, as promessas e compromissos assumem um papel dúbio, expressando
não só Polidez Positiva, porque o receptor é valorizado por esses atos enquanto beneficiário
de tais ações, como também expressam Polidez Negativa, pelo fato de o receptor também ser
percebido, no contexto em que se produziram os comunicados, como uma ameaça iminente.
Além do mais, a expressão de valores do emissor e de empatia por seu interlocutor contribui
para a predominância da Polidez Positiva, com propósitos preventivos (ou seja, para
antecipar-se e proteger-se de uma provável ameaça), valorizando a face negativa do emissor,
que está ligada à sua integridade, ao valorizar indiretamente a face positiva do receptor,
porque mostra identificação e interesses comuns.
Porém, nesse contexto, é importante notar que o conflito é percebido como potencial
ameaça ao emissor quando este confessa que não pode mudar os fatos, mas, por outro lado, tal
ação ameaçadora é atenuada pela expressão de empatia e de valores como a solidariedade,
que, em conjunto, resultam num ato de lamentação e, consequentemente, em Polidez
Negativa, ou seja, o emissor assume, como uma dívida para com o receptor, sua impotência
diante dos acontecimentos, entretanto tal débito é minimizado ao manifestar seus sentimentos
a fim de aproximar-se do interlocutor, claramente identificado pelo pronome vocês.
39
Portanto, ainda que sejam utilizados alguns recursos de Polidez Negativa, atenuando
uma potencial ameaça (conflito percebido), verifica-se que seus efeitos reforçam a Polidez
Positiva, porque valorizam as faces de ambos os participantes da interação, a fim de “preparar
o terreno” ou os territórios dos interlocutores e minimizar os danos às suas imagens. Diante
disso, a Vale, enquanto emissor, constrói uma imagem favorável de si, tanto no que tange à
forma como é vista pelo público externo quanto aos seus valores intrínsecos ou sua própria
honra.
Já a partir do dia 11 de novembro de 2015, a Vale começou a apresentar um
comportamento mais reativo ao produzir atos de linguagem que manifestaram censura e
refutação ao seu interlocutor (mídia, manifestantes e público em geral). A ocorrência desses
atos caracteriza a Polidez Negativa, que busca evitar a produção de atos ameaçadores ao
receptor ou amenizar os efeitos de sua realização, o que se torna frequente nos comunicados
emitidos a partir de tal dia.
Além do mais, percebe-se o distanciamento gradual da Vale em relação à Samarco,
que se anuncia em um dos comunicados do dia 11, quando o diretor-presidente da acionista
faz a seguinte afirmação:
“Gostaria de explicar que a Samarco não é uma parte da Vale. A Samarco é uma
empresa independente, tem a sua governança própria e as decisões da empresa ocorrem no
Conselho de Administração. Nesse momento de emergência, nós nos fizemos presentes para
ajudar e prestar o apoio no que for preciso”.
Nesse trecho, é interessante observar que os tempos dos verbos na última frase oscilam
do passado (fizemos) para o futuro (for), evidenciando um desvio gramatical (for em vez de
fosse) e um efeito de sentido de incoerência e incerteza quanto à duração da presença e da
participação da Vale nos acontecimentos.
A empresa assume, então, uma atitude de resguardo em relação aos conflitos gerados
pelo desastre, mudando seu posicionamento ao substituir o “apoio incondicional”
anteriormente citado, pelo “apoio adicional” ou condicional, quando afirma que “contribuirá
enquanto for necessário”. Isso novamente evidencia hesitação e contradição, visto que não
haveria necessidade de anunciar mais apoio se esse fosse mesmo incondicional. No entanto,
40
esse afastamento não é constante, já que, em outros momentos do mês, a Vale volta a referir-
se à Samarco de forma a aproximar-se desta.
As promessas, exaltações das próprias ações e prestações de conta continuam
presentes nessa fase do mês de novembro de 2015, constituindo a maior parte dos
comunicados emitidos pela Vale. Aqui, mais uma vez, a empresa faz uso de dados
quantitativos, com o intuito de trazer mais veracidade às suas ações.
Os exemplos abaixo ilustram tais asserções:
A Vale comprou 14,5 milhões de litros de água mineral para atender a população dos
municípios afetados [...].
600 mil litros de água potável, armazenados [...] serão enviados pela Vale para estes
municípios.
Cabe salientar que ocorrem várias repetições de determinados trechos nos
comunicados desse mês, a fim de reforçar a ideia de afastamento da Vale em relação à
Samarco. Como, por exemplo, quando a Vale afirma que irá “contribuir enquanto for
necessário” ou “prestar apoio adicional ou complementar” à Samarco.
Sendo assim, os quadros a seguir fazem uma síntese das asserções feitas acima.
41
Quadro 7. Atos de linguagem em comunicados do período de 11 a 27 de novembro de
2015
Atos de Linguagem
Tipos Texto dos Comunicados
Refutação
“A Vale entregou a água em Governador Valadares esta manhã, em
local acordado com a prefeitura. Essa, por sua vez, se
responsabilizou pelo transporte da água em caminhões-pipa, que
não são de responsabilidade da Vale.”
“Estes vagões só transportam água e nunca transportaram
querosene.”
Censura
“A Vale [...] repudia quaisquer manifestações violentas [...] e
ratifica que obstruir ferrovia é crime.”
“A Vale respeita a livre manifestação, mas repudia qualquer tipo de
violência ou vandalismo [...].”
Pergunta Indiscreta “A quem podem interessar ações violentas dessa natureza que em
nada colaboram com o cenário atual?”
Expressão de empatia
“A Vale lamenta o ocorrido [...].”
“‘Gostaria de expressar nossa solidariedade aos moradores de
Mariana e nossa consternação com o que aconteceu na última
quinta-feira. Lamentamos profundamente a perda de vidas e a
incerteza sobre os desaparecidos’, afirmou o diretor-presidente da
Vale, Murilo Ferreira.”
Afirmação de valores
“A Vale respeita a livre manifestação [...].”
“Acreditamos no respeito e no diálogo para encontrar soluções”.
“É um desejo da Vale unir todos os esforços [...].”
Promessa/Compromisso
“‘Estamos e estaremos sempre ao lado da Samarco e do povo de
Minas e do Espírito Santo’, afirmou o diretor-presidente da Vale,
Murilo Ferreira.”
“A empresa jamais vai se omitir na sua obrigação de prestar toda a
assistência às comunidades afetadas.”
“A Vale contribuirá, enquanto for necessário [...].”
“A distribuição será feita de acordo com a necessidade.”
“Nossas equipes estão totalmente mobilizadas e solidárias para
apoiar a comunidade e a Samarco em todos os momentos.”
“A Vale reitera seu compromisso em se relacionar com o Povo
Krenak de modo transparente e participativo, mantendo uma relação
construtiva [...].”
Exaltação de suas próprias
ações
“Esta iniciativa da Vale complementa os esforços da Samarco para
garantir fornecimento suficiente à população local afetada.”
“Estamos praticando tudo, absolutamente tudo, que está ao nosso
alcance.”
Prestação de contas “A Vale comprou 14,5 milhões de litros de água mineral para
atender a população dos municípios afetados [...].”
Fonte: Dados da pesquisa.
42
Quadro 8. Efeitos de sentido dos atos de linguagem do quadro 7
Atos de Linguagem Efeitos sobre as Faces Efeito de Polidez
Refutação e Censura Ameaça à face positiva do receptor
Polidez negativa
Pergunta Indiscreta Ameaça à face negativa do receptor
Expressão de empatia,
Afirmação de valores Valorização da face negativa do emissor
Promessa/Compromisso Ameaça à face negativa do emissor e
valorização da face negativa do receptor
Exaltação de suas próprias
ações e Prestação de
contas
Valorização da face positiva do emissor
Fonte: Dados da pesquisa.
Diferente da primeira fase do mês de novembro de 2015, nesse segundo momento é a
Polidez Negativa que se mostra mais significativa. As refutações, pergunta indiscreta e
censuras, que são respostas a questionamentos e manifestações do público externo à empresa,
caracterizam-se como ameaças, tanto à face positiva quanto à face negativa do receptor. Aqui
se observa que o conflito torna-se experienciado e manifestado, principalmente na referência
aos protestos e danos feitos por manifestantes na portaria do prédio da Vale em Vitória, no dia
16 de novembro de 2015.
Como forma de atenuar tais ameaças, a Vale produz atos de valorização, como a
expressão de empatia por seu receptor, afirmação de seus valores e relato de suas ações. No
entanto, a presença de promessas reparadoras e complementares às ações já realizadas, não só
reforçam os efeitos de Polidez Negativa, como evidenciam o afastamento entre a empresa e a
Samarco, o que reforça a ideia de hesitação já mencionada.
No mês de dezembro de 2015, predominam os atos de ameaça à face positiva do
receptor, por meio das refutações e críticas feitas pela Vale em seus comunicados, apontando,
assim, para a construção da Polidez Negativa. Nesse mês, o número de promessas e
exaltações é consideravelmente menor em relação ao mês anterior, até porque a quantidade de
comunicados emitidos também é menor.
Com o auxílio dos quadros que se seguem, temos um resumo dessa análise.
43
Quadro 9. Atos de linguagem em comunicados do mês de dezembro de 2015
Atos de Linguagem
Tipos Texto dos Comunicados
Refutação
“Vale não depositou rejeitos acima da capacidade da
Barragem de Campo Grande.”
“Esclarecemos que não houve o bloqueio de bens da Vale
[...].”
Crítica
“O bloqueio judicial de mais R$ 300 milhões, somando-se a
inúmeros outros que vêm sendo promovidos, certamente, ao
invés de ajudar, impede que a Samarco aplique esses mesmos
valores para beneficiar os atingidos e recuperar o meio
ambiente.”
Autoafirmação “A Vale afirma que não se considera responsável pelo
acidente [...].”
Promessa/Compromisso “Como acionista da Samarco, juntamente com a BHP Billiton,
a Vale reforça que está ao lado da empresa desde o primeiro
dia do acidente, prestando todo o apoio necessário.”
Exaltação de suas próprias
ações
“Desde o início, a empresa apoiou a conta e garantia de R$ 1
bilhão [...], com o objetivo de remediar os efeitos
socioambientais.”
Prestação de contas “A Samarco divulgou [...], um balanço com as ações prestadas
pela empresa para reparar os impactos causados pelo acidente
ocorrido [...].”
Fonte: Dados da pesquisa.
Quadro 10. Efeitos de sentido dos atos de linguagem do quadro 9
Atos de Linguagem Efeitos sobre as Faces Efeito de Polidez
Refutação e Crítica Ameaça à face positiva do receptor
Polidez negativa
Autoafirmação Valorização das faces positiva e
negativa do emissor
Promessa/Compromisso Ameaça à face negativa do emissor e
valorização da face negativa do receptor
Exaltação de suas próprias
ações e Prestação de
contas
Valorização da face positiva do emissor
Fonte: Dados da pesquisa.
44
Nesse mês, novamente predomina a Polidez Negativa, visto que a Vale mais uma vez
produz atos ameaçadores. Tais atos se apresentam como respostas e críticas aos
questionamentos do público externo (mídia e público em geral) e também às ações judiciais
sobre bloqueio de recursos financeiros e indisponibilidade de licenças da Samarco e de suas
acionistas, ao que a Vale descreve como “descabimento” e “manifestações precipitadas”, que
representam impedimento à aplicação de tais recursos na recuperação dos impactos causados
pelo desastre.
Mesmo produzindo atos de valorização, a fim de atenuar as ameaças feitas, o teor dos
comunicados, de modo geral, é de refutação, pois os atos como a autoafirmação e o relato de
suas ações servem para ressaltar as respostas diante das contestações sofridas e ainda valorizar
a imagem social da Vale, que retoma a ideia de apoio à Samarco, mas sem se considerar
responsável pelo acidente.
No mês de janeiro de 2016, os atos de prestação de contas e exaltação das próprias
ações pela Vale, principalmente com o uso de dados quantitativos, continuam a ser
produzidos com fins de valorização das faces. Além disso, as promessas e comprometimentos
voltam a ganhar força nos comunicados emitidos nesse mês. No entanto, tais atos exprimem
sentidos diferentes dos observados anteriormente, agora na qualidade de atos reparadores,
servindo de recurso de Polidez Negativa. O exemplo “Samarco começará a indenizar famílias
impactadas” expressa uma promessa de reparação (anunciadas pela Vale em resposta ao
acordo celebrado entre a Samarco e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em
audiência realizada em 23 de dezembro, em Mariana).
Um ponto interessante a ser destacado é a mudança na forma de o emissor se
posicionar pela sua fala. Nos primeiros dias após o desastre, a Vale falava por si e pela
Samarco, no entanto, nos comunicados desse mês de janeiro, a empresa acionista ora fala pela
ora fala da subsidiária como um terceiro, evidenciando o distanciamento daquela em relação a
esta. Em alguns textos, por exemplo, o emissor refere-se às ações das equipes da Samarco
nos locais atingidos pela massa de rejeitos de minérios. Essa mudança indica uma diferente
postura da Vale, que, assim, distancia-se da responsabilidade pelo desastre de Mariana, não se
mostrando tão engajada como antes ao destacar que o comprometimento total, a partir desse
momento, é dever da Samarco.
Exemplos dessas afirmações são os seguintes recortes dos comunicados do mês de
janeiro de 2016:
45
O trabalho, conduzido pela Samarco, para realocação das famílias em casas
alugadas recebeu o reconhecimento por parte dos promotores.
Samarco conduz plano de restabelecimento do agronegócio.
Equipes da Samarco estão atuando na reforma de 50 imóveis [...].
Outro recurso linguístico para dar mais ênfase às ações realizadas do que a quem as
realiza é o uso da voz passiva, como, no exemplo abaixo. Tal recurso aparece duas vezes nos
comunicados emitidos pela Vale no mês de janeiro de 2016.
Equipamentos [...] serão utilizados para restabelecer a normalidade das
propriedades.
Esse distanciamento explica-se pelo fato de a Vale ter sido indiciada pela Polícia
Federal em razão dos acontecimentos na região de Mariana, o que resultou em críticas e
refutações por parte da empresa sobre a decisão do delegado da Polícia.
A fim de fundamentar o que foi exposto sobre os comunicados do final do primeiro
período analisado, os quadros a seguir apresentam um resumo dos atos de linguagem
observados nos textos referentes ao mês de janeiro de 2016 e o efeito de polidez resultante,
tendo em vista o contexto de produção desses textos.
46
Quadro 11. Atos de linguagem em comunicados do mês de janeiro de 2016
Atos de Linguagem
Tipos Texto dos Comunicados
Refutação
“As suposições da Polícia Federal sobre uma teórica
responsabilidade da Vale baseiam-se em premissas que não
têm efetivo nexo de causalidade com o acidente [...].”
“A pluma de turbidez proveniente da foz do rio Doce não
atingiu as águas do Arquipélago de Abrolhos, no sul da
Bahia.”
Crítica
“A Vale recebeu com surpresa a notícia de seu indiciamento
em face do acidente [...].”
“O indiciamento reflete um entendimento pessoal do delegado
e ocorre em um momento em que as reais causas do acidente
ainda não foram tecnicamente atestadas e são, portanto,
desconhecidas.”
Promessa/Compromisso
“Com base no levantamento dos impactos sofridos por cada
propriedade, serão colocadas em prática soluções de longo
prazo [...].”
“Todos os benefícios do acordo coletivo serão mantidos.”
“A empresa se comprometeu a seguir com o auxílio financeiro
por no mínimo 12 meses, independentemente da retomada da
renda.”
“O compromisso da Samarco é fazer com que o rio Doce
alcance condições melhores que as registradas antes do
acidente.”
Exaltação de suas próprias
ações
“A realocação das pessoas tem sido realizada diariamente pela
Samarco [...].”
“O trabalho, conduzido pela Samarco, para realocação das
famílias em casas alugadas recebeu o reconhecimento por
parte dos promotores.”
Prestação de contas
“A Samarco informou que um total de 99% das famílias de
Mariana e Barra Longa impactadas pelo acidente da barragem
estão instaladas em casas alugadas ou de familiares.”
“A Samarco informa que, ao longo do mês de janeiro, cada
família de pessoas desaparecidas ou falecidas em decorrência
do acidente receberá R$100 mil como uma antecipação de
indenização.”
Negociação “A Samarco negociou com os sindicatos a prorrogação do
período de manutenção dos empregos.”
Fonte: Dados da pesquisa.
47
Quadro 12. Efeitos de sentido dos atos de linguagem do quadro 11
Atos de Linguagem Efeitos sobre as Faces Efeito de Polidez
Refutação e Crítica Ameaça à face positiva do receptor
Polidez negativa
Promessa/Compromisso Ameaça à face negativa do emissor e
valorização da face negativa do receptor
Exaltação de suas próprias
ações e Prestação de
contas
Valorização da face positiva do emissor
Negociação Valorização da face negativa do emissor
e do receptor
Fonte: Dados da pesquisa.
4.2 ANÁLISE DOS COMUNICADOS DO 2º PERÍODO
No mês de novembro de 2016, um ano após o rompimento das barragens de Mariana,
os comunicados emitidos mostram uma mudança na forma de o emissor (Vale) se representar
pelo texto, pois, a partir desse momento, ele se apresenta como Fundação Renova, instituição
que é fruto do Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC), assinado entre
Samarco Mineração, com o apoio de suas acionistas Vale e BHP Billiton, Governo Federal,
Governos Estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo, e outros órgãos governamentais
(FUNDAÇÃO RENOVA, 2017).
Segundo anunciado no seu próprio site, a fundação “tem a missão de implementar e
gerir os programas de reparação, restauração e reconstrução das regiões impactadas pelo
rompimento da barragem de Fundão, localizada no subdistrito de Bento Rodrigues, em
Mariana, Minas Gerais” (FUNDAÇÃO RENOVA, 2017). Diante disso, os atos de fala
presentes nos comunicados emitidos pela Vale nesse mês têm como emissor a Fundação
Renova, que, assim, passa a representar não só a Samarco, como também as suas acionistas,
Vale e BHP Billiton.
Os comunicados são constituídos por promessas, compromissos, prestações de conta
(relatos) e exaltações das ações, que, em sua maioria, foram realizadas pela Fundação Renova,
sendo a Vale mencionada apenas três vezes. Expressões como o papel, a missão,
48
comprometer-se e responsável aparecem atreladas à fundação, demonstrando o
comprometimento que foi transferido a ela após a assinatura do TTAC, conforme citado
anteriormente.
Uma característica também importante dos comunicados do mês de novembro de 2016
são as parcerias estabelecidas entre a Samarco e várias instituições, das quais algumas
realizam trabalhos conjuntos com a Fundação Renova. Um recurso bastante utilizado, a fim
de conferir maior credibilidade à atuação da fundação, são as citações de indivíduos
envolvidos nas ações, autoridades e representantes de organizações também ligadas ao
trabalho da Samarco, da Vale e de suas parceiras. Palavras como interlocução, diálogo,
parceria, construção coletiva, em conjunto são recorrentes nos comunicados e significativas
para reforçar o efeito do uso das citações. O exemplo a seguir é uma citação de Luisa Nunes,
analista ambiental que acompanha o Plano de Recuperação Ambiental Integrado (PRAI) na
Fundação Renova:
“Nessas ocasiões, recebemos informações que podem gerar melhorias, em uma
construção conjunta. É fundamental o compartilhamento com aqueles que estarão nas frentes
de serviço, trabalhando em conjunto com a Fundação, como as defesas civis, público-alvo
desta reunião”.
Outro aspecto a ser destacado na construção textual dos comunicados desse mês é o
uso de termos como também, além de, desde, e de locuções verbais como tem feito, que
conferem a ideia de continuidade e estão associados às ações realizadas, que são contínuas.
Além disso, ocorre também a utilização da voz passiva, mais uma vez aplicada para dar
ênfase às ações, ou seja, ao trabalho e não a quem o realiza, preservando a identidade do autor
dessas ações e isentando o emissor dessa autoria.
Face ao exposto, segue, nos quadros a seguir, um resumo de todas as ideias
apresentadas sobre os comunicados do primeiro mês do segundo período analisado.
49
Quadro 13. Atos de linguagem em comunicados do mês de novembro de 2016
Atos de Linguagem
Tipos Texto dos Comunicados
Refutação “A Vale continuará adotando todas as medidas para assegurar
seu direito de defesa dentro dos prazos legais [...].”
Promessa/Compromisso
“A Fundação Renova tem a missão de implementar e gerir os
programas de reparação, restauração e reconstrução das
regiões impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão
[...]”.
“O papel da Fundação é restaurar e restabelecer as
comunidades e os recursos impactados pelo rompimento e
também substituir ou compensar o que não é passível de
remediação, sempre de forma eficiente, idônea, transparente e
ética.”
“A Fundação Renova se compromete a alocar recursos
necessários ao acompanhamento da fauna aquática da Bacia
Hidrográfica do Rio Doce.”
“A Vale [...] manterá o apoio à Samarco para que continuem
sendo adotadas as medidas de reparação, mantendo o mercado
informado caso haja qualquer nova informação relevante
relacionada a tal ação. ”
Citação/Testemunho de
autoridade
“‘Além da adutora entregue ao município e das demais obras
que estão sendo realizadas, a Fundação Renova tem feito um
trabalho social muito importante, mantendo um diálogo aberto
e franco com a população, com a administração pública e com
a Justiça [...]’, disse Welio Pompermayer, secretário chefe de
Gabinete da Prefeitura de Linhares [...].”
Exaltação de suas próprias
ações
“Além disso, como forma de identificar e implementar,
continuamente, as melhorias necessárias ao processo, a
Renova busca manter o diálogo com as organizações sociais
envolvidas com a causa ambiental [...].”
Prestação de contas
“No dia 25 de outubro, em Belo Horizonte (MG),
representantes da Fundação Renova se encontraram com
membros da Defesa Civil de Minas Gerais, de Barra Longa
e de Mariana, para alinhamento das ações do Plano para o
Período Chuvoso e do Plano de Recuperação Ambiental
Integrado (PRAI).”
Fonte: Dados da pesquisa.
50
Quadro 14. Efeitos de sentido dos atos de linguagem do quadro 13
Atos de Linguagem Efeitos sobre as Faces Efeito de Polidez
Refutação Ameaça à face positiva do receptor
Polidez negativa
Promessa/Compromisso Ameaça à face negativa do emissor e
valorização da face negativa do receptor
Citação/Testemunho de
autoridade, Exaltação de
suas próprias ações e
Prestação de contas
Valorização da face positiva do emissor
Fonte: Dados da pesquisa.
Nos comunicados do mês de dezembro de 2016, a atuação da Fundação Renova,
representando a Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton Brasil, continua sendo
destacada, por meio das diversas prestações de conta e das exaltações das ações realizadas.
Como forma de demonstrar esse novo posicionamento do emissor, os atos de compromisso,
promessa, relato e expressão de valores continuam realizando-se, na maior parte das
ocorrências, em nome da fundação, porém a responsabilidade se alterna entre representante
(fundação) e representadas (Vale e Samarco).
Assim como no mês anterior, o uso do testemunho de uma pessoa envolvida nas ações
de recuperação do Rio Doce e dos impactos causados pelo acidente com as barragens de
Mariana, que, em dezembro, é Rodolfo Pessotti, gestor de um dos programas de recuperação
da Fundação Renova, ocorre para dar mais credibilidade às ações realizadas pela própria
fundação, em nome da Vale, da Samarco e da BHP Billiton Brasil. O trecho a seguir ilustra tal
testemunho:
“Parcerias com instituições de ensino e pesquisa garantem a idoneidade das
avaliações e trazem informações confiáveis para subsidiar as ações planejadas”.
A ideia de continuidade das ações realizadas e estabelecimento de parcerias continua a
vigorar nesse mês, reforçando de maneira positiva os feitos da Vale e de seus parceiros, em
busca de prosseguir no trabalho de reparação e compensação das áreas atingidas pelo
51
rompimento da barragem, focando sempre no trabalho, o que é expresso pelo uso da voz
passiva, que, como já dito anteriormente, produz efeito de ênfase às ações realizadas e não
tanto a quem as realiza. O uso de expressões como “estão sendo conduzidos em conjunto”,
“Dando continuidade ao plano de trabalho”, “foi feito um levantamento completo” e “foi feita
a retirada da pluma de turbidez do fundo” exemplificam as asserções feitas.
Sendo assim, os quadros abaixo apresentam uma síntese de tais análises.
Quadro 15. Atos de linguagem em comunicados do mês de dezembro de 2016
Atos de Linguagem
Tipos Texto dos Comunicados
Promessa/Compromisso
“A próxima fase dará início à execução das medidas
reparatórias e compensatórias dos danos causados.”
“Entre as ações de reparação propostas estão a melhoria das
características da terra e o fortalecimento da cobertura vegetal,
para evitar erosão.”
“A previsão é que o restante seja recuperado até junho de
2017.”
Exaltação de suas próprias
ações
“Além de prevenir a erosão, as ações de recuperação
contribuem para o Plano para o Período Chuvoso.”
“Próximas à escola, também foram entregues a quadra
poliesportiva e a praça, que são um marco no resgate do
ambiente social, cultural e educacional da comunidade.”
Prestação de contas
“A Vale informa que celebrou, em documento não vinculante,
acordo com a BHP Billiton Brasil e a Samarco Mineração S/A
sobre os termos e condições gerais para o uso da cava de
Timbopeba da Vale para depósito de rejeitos pela Samarco
[...].”
Citação/Testemunho de
autoridade
“Parcerias com instituições de ensino e pesquisa garantem a
idoneidade das avaliações e trazem informações confiáveis
para subsidiar as ações planejadas’, afirma um dos gestores
dos programas de recuperação, Rodolfo Pessotti.”
Fonte: Dados da pesquisa.
52
Quadro 16. Efeitos de sentido dos atos de linguagem do quadro 15
Atos de Linguagem Efeitos sobre as Faces Efeito de Polidez
Promessa/Compromisso Ameaça à face negativa do emissor e
valorização da face negativa do receptor
Polidez negativa Citação/Testemunho de
autoridade, Exaltação de
suas próprias ações e
Prestação de contas
Valorização da face positiva do emissor
Fonte: Dados da pesquisa.
De acordo com o teor dos textos analisados, verificou-se que a Polidez Negativa é a
que predomina, estando explícita pela quantidade de promessas e compromissos de reparação,
que têm efeito de um pedido de desculpas, o que representa uma ameaça não só à face
negativa mas também à face positiva do emissor, pois a empresa está assumindo publicamente
a responsabilidade pelo que aconteceu, mesmo que de forma indireta. Então, a exaltação das
próprias ações e a prestação de contas servem para amenizar essa ameaça, com intuito de
valorizar a face positiva da Vale e ressaltar sua ação contínua, por meio da Fundação Renova.
Os comunicados do mês de janeiro de 2017 dão continuidade às ideias expressas nos
meses de novembro e dezembro de 2016, apresentadas na forma de promessas,
compromissos, exaltação das próprias ações, prestação de contas e afirmação de valores. O
emissor continua a ser a Fundação Renova, em representação à Vale, Samarco e BHP Billiton.
O uso de verbo prever é recorrente nos comunicados desse mês, presente nas
promessas e compromissos assumidos pela Fundação Renova, indicando ações que devem ser
realizadas no futuro, muitas vezes ligadas a acordos e parcerias que preveem tais ações.
As ideias de continuidade e acréscimo às ações já realizadas seguem ocorrendo,
marcadas pelo uso de palavras como continuidade, desde, seguir, continuar, além e
complementar. Além disso, a presença de citações mais uma vez é notada, com o intuito de
conferir maior crédito aos feitos de reparação do acidente.
Face a essas asserções, seguem os quadros abaixo, como forma de ilustrá-las.
53
Quadro 17. Atos de linguagem em comunicados do mês de janeiro de 2016
Atos de Linguagem
Tipos Texto dos Comunicados
Promessa/Compromisso
“Essa fase teve início em dezembro de 2016 e deve continuar
até o próximo mês, quando a comunidade conhecerá a
proposta elaborada e poderá contribuir com sugestões, para
posterior aprovação do projeto.”
“Parceria entre Fundação Renova e Emater–MG prevê plano
para recuperação socioeconômica e ambiental de cerca de 300
propriedades rurais impactadas pelo rompimento da barragem
de Fundão.”
Exaltação de suas próprias
ações
“Fundação Renova começa a atuar para reparar, restaurar e
reconstruir as regiões e as comunidades impactadas pelo
rompimento da barragem de Fundão de forma eficiente,
idônea, transparente e ética.”
“Continuidade das ações de monitoramento da qualidade da
água, controle da fauna aquática e terrestre e repasse
provisório de verbas para as famílias que utilizavam a pesca
como atividade econômica segue garantindo a recuperação da
qualidade de vida dos povos indígenas impactados.”
Prestação de contas
“Entrega de adutoras alternativas de captação de água
complementam o sistema de abastecimento em Colatina e
Linhares, no Espírito Santo[...].”
“Entre os dias 18 e 21 de janeiro, cerca de 240 famílias de
Bento Rodrigues foram convidadas a participar de oficinas
para apresentação do projeto urbanístico do novo distrito.”
Expressão de valores
“A Fundação Renova acredita na construção coletiva de
soluções para temas que, como esse, estão na fronteira do
conhecimento.”
“‘Valorizamos o diálogo e não acreditamos em respostas
prontas [...]’, afirma Estaneslau Klein, que atua no Programa
de Retomada das Atividades Agrícolas e Pesqueiras da
Fundação Renova.”
Fonte: Dados da pesquisa.
54
Quadro 18. Efeitos de sentido dos atos de linguagem do quadro 17
Atos de Linguagem Efeitos sobre as Faces Efeitos de Polidez
Promessa/Compromisso
Ameaça à face negativa
do emissor e valorização
da face negativa do
receptor
Polidez negativa Exaltação de suas
próprias ações e Prestação
de contas
Valorização da face
positiva do emissor
Afirmação de valores Valorização da face
negativa do emissor
Fonte: Dados da pesquisa.
Como pode ser observado em outros comunicados do segundo período analisado,
quando o emissor passa a se apresentar como Fundação Renova, apesar de promessas e
exaltação de ações de reparação, recuperação, reconstrução e indenização (“repasse provisório
de verbas”) indicarem, direta e indiretamente, ameaças ao emissor, visto que esse não só se
compromete a fazer como também “pede desculpas” ao declarar fazer tais ações (o que
pressupõe responsabilização por outros ou por ele mesmo), essas ameaças são atenuadas pela
contrapartida positiva que é atribuída a esses atos de linguagem (valorização das faces do
emissor, a quem se atribui empatia e proatividade, e do receptor, como beneficiário de tais
atos). Diante de tal análise, verifica-se a ocorrência da Polidez Negativa, que está associada a
atos de valorização produzidos a fim de amenizar ameaças. Sendo assim, a Vale, por meio da
emissão dos comunicados que expressam esse tipo de polidez, busca construir, para si e seus
parceiros, uma imagem favorável de instituição ética e proativa como estratégia de
negociação distributiva, em que a soma de ganhos e perdas é igual a zero: enquanto a empresa
perde em seu espaço privado (capital e produção), ela ganha (ou tenta compensar) em
reputação, o que implica ganhos e perdas das demais partes envolvidas, como funcionários,
acionistas e população das áreas atingidas.
Com exceção dos comunicados emitidos nos primeiros dias após o rompimento da
barragem em Mariana, quando o conflito ainda era latente, ou seja, tinha sido percebido, mas
não experienciado nem manifestado, o efeito de polidez predominante é o negativo, pois o
contexto da comunicação em que o emissor atua por meio da linguagem caracteriza-se como
uma situação de conflito explícito em que o receptor representa uma fonte real de ameaça,
condicionando, portanto, os atos de linguagem do emissor. Essa situação se explicita como
55
conflito experienciado e manifestado a partir dos comunicados do período de 11 a 27 de
novembro de 2015, quando aparecem refutações e censuras em resposta a atos de hostilidade,
como a manifestação na portaria da Vale, na cidade de Vitória, em 16 de novembro de 2015,
quando manifestantes danificaram essa parte do prédio da companhia.
4.3 NEGOCIAÇÃO E GESTÃO DO CONFLITO
Após a análise feita em relação ao uso da polidez nos comunicados emitidos pela
Vale, cabe a este tópico a análise do conflito desencadeado pelo acidente em Mariana e da
forma como tal situação foi gerenciada.
Quanto ao seu tipo, o conflito sofre uma transição, passando de percebido para
manifestado, com o decorrer dos meses. Inicialmente, a Vale demonstra, por meio de suas
promessas e confissões, que percebe a existência do conflito, vendo seu receptor como
possível ameaça. Com o passar dos meses, o conflito passa a ser manifestado, ocorrendo,
então, diversos atos de refutação, crítica e censura ao emissor por parte da empresa, como
resposta a questionamentos sofridos por ela.
Desse modo, o conflito se caracteriza como externo, intergrupal, intra e
interorganizacional, pois envolve não só o público e os grupos externos à empresa, como
atinge também sua própria equipe e outras organizações, como a Samarco, o Ministério
Público, a Polícia Federal, entre outros. Sobre as diferenças apontadas por Robbins, DeCenzo
e Wolter (2013) como comunicativas (originam conflitos decorrentes da interpretação das
palavras), estruturais (decorre da diferenciação estrutural das organizações) e pessoais
(envolve as diferentes personalidades, valores e características dos indivíduos), todas atingem
a Vale de alguma forma, visto que diferentes indivíduos e órgãos estão ligados ao conflito
vivido por ela.
O conflito foi abordado de forma mista, que, conforme afirma Chiavenato (2014),
consiste na adoção de regras para resolução de conflitos (meio de estabelecer limites para
trabalhar o conflito) e na criação de papéis intermediadores (terceiras partes que estejam
disponíveis para ajudar). Podemos vislumbrar tal abordagem por meio do posicionamento da
Vale como parceira da Samarco, sem assumir a responsabilidade direta pelo ocorrido. Além
disso, o estabelecimento de parcerias com instituições e laboratórios de pesquisa e a criação
56
da Fundação Renova pela Samarco, com o apoio da Vale, evidenciam a criação de papéis
intermediadores para auxiliar na resolução do conflito.
Em relação à gestão do conflito, a Vale adotou uma postura reativa típica da
negociação distributiva, buscando encontrar soluções que possibilitassem ganho para todos os
envolvidos, mas sem conseguir evitar perdas, como os próprios impactos do acidente e o
indiciamento da Vale pela Polícia Federal. As ações realizadas e a divulgação delas,
beneficiaram os atingidos pelo acidente, como também a empresa e seus parceiros,
melhorando sua imagem diante do público.
De modo geral, a Vale empenhou-se em gerenciar o conflito, a fim de remediar os
impactos causados pelo acidente de Mariana. A polidez mostrou-se amplamente presente,
atuando como uma importante ferramenta de gestão de conflitos, ao auxiliar na preservação
das faces negativa e positiva do emissor e de seu receptor.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do estudo feito, pudemos perceber a polidez como valioso mecanismo de
gestão de conflitos e negociação. Eficaz quando se pretende preservar as faces negativa e
positiva do emissor e do receptor, mostrou-se presente nos comunicados emitidos pela Vale,
transmitindo mensagens convincentes. Os diversos atos de polidez presentes nos comunicados
e seus diferentes efeitos, marcados pela predominância da Polidez Negativa, manifestaram-se
de diversas formas na situação analisada, de acordo com o passar dos meses.
De maneira eficiente, a Vale soube construir os comunicados emitidos em seu site,
tendo cuidado com a construção do texto, selecionando as palavras e combinando-as de modo
a produzir uma comunicação eficaz. Agiu com polidez, valorizando a si e ao seu interlocutor,
buscando amenizar as ameaças. Quando a empresa faz uma refutação, mas promete ações
reparadoras, essa busca por atenuação se torna visível.
Como característica marcante da Polidez Negativa, a Vale buscou demonstrar
respeito, desculpar-se (mesmo sem assumir diretamente a culpa) e ser direta em seus
comunicados. A impessoalização do receptor e do emissor também marca esse tipo de
polidez, visto que o uso de pronomes como eu e você é escasso, tendo o pronome vocês sido
utilizado apenas uma vez, quando a empresa buscou minimizar seu débito para com o
receptor, aproximando-se dele.
Os efeitos de Polidez Positiva, apesar de serem menos presentes que os de Polidez
Negativa, tiveram importância para a gestão do conflito. A valorização das faces negativa e
positiva do emissor, por meio da exaltação de suas ações, prestação de contas, expressão de
valores e empatia, foram eficientes para que a Vale pudesse não só valorizar suas faces, como
também atenuar atos ameaçadores, sem agravar o conflito e relatar as ações que vinha
realizando a fim de reparar e recuperar todas as áreas e vítimas atingidas pelo desastre.
Apesar dos danos causados pelo incidente e o impacto sobre a reputação da empresa
junto ao mercado, a Vale conseguiu, com o auxílio dos comunicados, gerenciar o conflito,
utilizando estratégias de negociação distributiva, buscando ganhos para minimizar perdas,
como atos de valorização da sua imagem em resposta às ameaças e questionamentos sofridos,
como indiciamento, acordos para pagamento de indenizações e manifestações do público
externo.
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Dessa forma, o conflito serviu para que a empresa pudesse mostrar uma imagem
positiva de si em relação à forma como a situação foi gerenciada, além de expressar seus
valores consolidados antes do acidente e reafirmados diante da conjuntura difícil que se
apresentou após o ocorrido.
Cabe salientar que a presente pesquisa não buscou esgotar as possibilidades
expressivas das estratégias de polidez na gestão de conflitos e na negociação, mas sim
contribuir para difundir o uso desses recursos comunicativos, por meio do estudo de uma
situação real, envolvendo uma empresa multinacional. É cabível destacar a escassez de
estudos voltados à compreensão dessas estratégias na Comunicação Empresarial e indicar
futuras pesquisas, como, por exemplo, uma análise das respostas aos comunicados emitidos
pela Vale, a fim de verificar como se deu o feedback aos textos produzidos pela empresa e
como se manifestaram a mídia, as autoridades e a população em relação a eles.
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