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Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC 2º SEMINÁRIO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO ÁREA TEMÁTICA: DESENVOLVIMENTO SOCIOAMBIENTAL, GESTÃO DE RISCO DE DESASTRES INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL E GESTÃO DE RISCO DE DESASTRES: alguns apontamentos sobre Planos Municipais de Recuperação e Conservação da Mata Atlântica Ana Carolina Vicenzi Franco 1 Haliskarla Moreira de Sá 2 2 Mari Angela Machado 3 3 Resumo O presente trabalho tem por objetivo discutir a interface entre políticas de proteção ambiental, em especial a política de proteção da Mata Atlântica, na figura do Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica (PMMA), e a gestão de riscos de desastres no Brasil. Considerada Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988 e Reserva da Biosfera pela UNESCO, a Mata Atlântica constitui um dos biomas mais biodiversos do planeta. Estendendo-se longitudinalmente ao longo do território brasileiro, a floresta tropical úmida abrange diferentes domínios geomorfológicos, que por sua vez resultam da atuação de processos morfogenéticos que podem, sob a presença humana, ser desencadeadores de desastres. A cobertura vegetal, por sua vez, possui o papel de garantir a integridade de processos hidrológicos no âmbito das bacias hidrográficas, contribuindo para amenizar a magnitude dos eventos supracitados. Após cinco séculos de exploração intensiva da floresta, restam hoje menos de 8% de áreas cujas características bióticas originais estejam preservadas. Essa realidade, aliada ao imenso contingente populacional abrigado sob a Mata Atlântica resulta num cenário de intensificação dos eventos geológicos e hidrológicos desencadeadores de desastres. Assim, a conservação dos remanescentes e recuperação de áreas degradadas da Mata Atlântica se apresentam como estratégias fundamentais para o enfrentamento do cenário atual de vulnerabilidade aos eventos geológicos e hidrológicos nesta porção do país. Os Planos Municipais de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica são instrumentos da politica de ordenamento territorial em âmbito municipal, definidos pela Lei 11.428/06, conhecida como “Lei da Mata Atlântica”. Seu conteúdo mínimo é constituído por diagnóstico e mapeamento da situação atual dos remanescentes florestais e das áreas degradadas passíveis de recuperação, bem como indicações de áreas prioritárias para conservação e de 1 Geógrafa, Especialista em Gestão de Risco de Desastres e Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela UDESC. Integrante da CAIPORA Cooperativa para a Conservação da Natureza. E-mail: [email protected] 2 Licenciada em Geografia, cursando Mestrado Profissional em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela UDESC. Integrante da CAIPORA Cooperativa para a Conservação da Natureza. E-mail: [email protected] 3 Geógrafa, Mestre em Geografia pela UFSC, pesquisadora do Centro Universitário de Pesquisas e Estudos sobre Desastres/CEPED-UFSC. E-mail: [email protected]

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Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina

XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC

2º SEMINÁRIO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO ÁREA TEMÁTICA: DESENVOLVIMENTO SOCIOAMBIENTAL, GESTÃO DE

RISCO DE DESASTRES

INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL E GESTÃO DE RISCO DE DESASTRES: alguns apontamentos sobre Planos Municipais de

Recuperação e Conservação da Mata Atlântica

Ana Carolina Vicenzi Franco1 Haliskarla Moreira de Sá 22

Mari Angela Machado 33

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo discutir a interface entre políticas de proteção ambiental, em especial a política de proteção da Mata Atlântica, na figura do Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica (PMMA), e a gestão de riscos de desastres no Brasil. Considerada Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988 e Reserva da Biosfera pela UNESCO, a Mata Atlântica constitui um dos biomas mais biodiversos do planeta. Estendendo-se longitudinalmente ao longo do território brasileiro, a floresta tropical úmida abrange diferentes domínios geomorfológicos, que por sua vez resultam da atuação de processos morfogenéticos que podem, sob a presença humana, ser desencadeadores de desastres. A cobertura vegetal, por sua vez, possui o papel de garantir a integridade de processos hidrológicos no âmbito das bacias hidrográficas, contribuindo para amenizar a magnitude dos eventos supracitados. Após cinco séculos de exploração intensiva da floresta, restam hoje menos de 8% de áreas cujas características bióticas originais estejam preservadas. Essa realidade, aliada ao imenso contingente populacional abrigado sob a Mata Atlântica resulta num cenário de intensificação dos eventos geológicos e hidrológicos desencadeadores de desastres. Assim, a conservação dos remanescentes e recuperação de áreas degradadas da Mata Atlântica se apresentam como estratégias fundamentais para o enfrentamento do cenário atual de vulnerabilidade aos eventos geológicos e hidrológicos nesta porção do país. Os Planos Municipais de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica são instrumentos da politica de ordenamento territorial em âmbito municipal, definidos pela Lei 11.428/06, conhecida como “Lei da Mata Atlântica”. Seu conteúdo mínimo é constituído por diagnóstico e mapeamento da situação atual dos remanescentes florestais e das áreas degradadas passíveis de recuperação, bem como indicações de áreas prioritárias para conservação e de

1Geógrafa, Especialista em Gestão de Risco de Desastres e Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela UDESC. Integrante da CAIPORA Cooperativa para a Conservação da Natureza. E-mail: [email protected] 2Licenciada em Geografia, cursando Mestrado Profissional em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela UDESC. Integrante da CAIPORA Cooperativa para a Conservação da Natureza. E-mail: [email protected] 3Geógrafa, Mestre em Geografia pela UFSC, pesquisadora do Centro Universitário de Pesquisas e Estudos sobre Desastres/CEPED-UFSC. E-mail: [email protected]

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ações preventivas aos desmatamentos. Os PMMAs, embora não obrigatórios, são de grande utilidade por servirem de subsídio ao planejamento da ocupação (planos diretores, planos de habitação, planos municipais de redução de risco), articulando-se com outros instrumentos de gestão e planejamento territorial. O artigo discute a indissociabilidade entre a gestão de risco de desastres e a política de proteção da Mata Atlântica, tecendo alguns comentários sobre possibilidades de aproveitamento dos conteúdos do PMMA para os Planos Municipais de Redução de Risco (PMRR). Este último se constitui em outro instrumento do ordenamento territorial, instituído no âmbito da “Ação de Apoio à Prevenção de Riscos em Assentamentos Precários” do Ministério das Cidades. Essencialmente o PMRR tem por objetivo a identificação dos setores de risco no município para realocação das populações situadas em setores de alto risco, e realização de obras de intervenção nos setores de médio e baixo risco, com o objetivo de reduzir o risco existente. Neste sentido os dois planos se apresentam complementares como instrumentos da gestão de risco uma vez que, enquanto os trabalhos relacionados à melhoria das condições dos assentamentos humanos contribui para o aumento da resiliência das comunidades atingidas por desastres, os PMMAs, por indicarem as áreas prioritárias para a conservação e recuperação da Mata Atlântica em âmbito municipal, quando implementados, contribuem para o controle dos processos hidrológicos das bacias hidrográficas, resultando na diminuição da magnitude de eventos tais como inundações e deslizamentos – atuando como medidas não estruturais de redução de risco. Como conclusão, a gestão de risco de desastres não será realista se não considerar uma adequada utilização do território, o que inclui considerar no planejamento territorial em todos os setores (habitação, saneamento, mobilidade, entre outros) as noções de justiça social e ambiental. Desta forma, o debate público sobre a integração dos instrumentos de planejamento e gestão territorial, bem como a ampla participação da sociedade, são importantes para o amadurecimento do planejamento territorial no Brasil, contribuindo para uma amplificação da autonomia dos municípios e conseqüentemente das comunidades na gestão do território. Palavras-chave: Gestão de risco de desastres, planejamento territorial, Mata Atlântica, Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, Plano Municipal de Redução de Risco.

Abstract

The present work aims to discuss the interface between environmental protection policies, in particular the policy of protection of the Atlantic forest, in the figure of the Municipal Plan of conservation and restoration of the Atlantic Rainforest (PMMA), and the management of disaster risk in Brazil. Considered as national heritage by the Federal Constitution of 1988 and Biosphere Reserve by UNESCO, the Atlantic Coastal Forest is one of the most biodiverse biomes on the planet. Extending lengthwise along the Brazilian territory, the rainforest covers different geomorphological areas, which in turn result from the performance of morphogenetic processes that can, under the human presence, be disaster triggers. The vegetation cover, in turn, has the role of ensuring the integrity of hydrological processes in the context of basins, contributing to ease the magnitude of the aforementioned events. After five centuries of intensive exploitation of the forest, there are today fewer than 8% of areas which original biotic characteristics are preserved. This reality, coupled with immense population living under the Atlantic Coastal Forest results on a backdrop of intensified hydrological or geological disasters triggers. Thus, the conservation of remnant and recovery of degraded areas of the Atlantic Coastal Forest are

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presented as fundamental strategies for coping in the current scenario of vulnerability to geological and hydrological events in this part of the country. Municipal Plans of Conservation and Restoration of the Atlantic Coastal Forest (PMMA) are instruments of spatial planning policy in municipal scope, defined by the 11.428/06 law, known as the "Atlantic Coastal Forest law ". Its minimum content consists of diagnosis and mapping of the current situation of forest remnants and of degraded areas which are recoverable, as well as indications of priority areas for conservation and preventive actions to deforestation. The PMMAs, while not mandatory, are very useful for serving the occupation planning grant (plans, housing plans, municipal risk reduction plans), linking up with other instruments for the management and territorial planning. The article discusses the inseparability between the disaster risk management and the protection of the Atlantic Coastal Forest, weaving some comments about possibilities of utilization of the contents of the PMMA to Municipal Plans for Reducing Risks (PMRR). The latter constitutes another instrument of spatial planning, instituted under the "Action in support of the prevention of Risks in Slums" of the Ministry of Cities. Essentially the PMRR aims the identification of risk areas in the municipality for relocation of populations located in high-risk sectors, and implementation of intervention works in the sectors of medium and low risk, with the aim of reducing the existing risk. In this sense the two plans are presented as complementary instruments of risk management since, while the work related to the improvement of the conditions of human settlements contributes to increasing the resilience of communities affected by disasters, the PMMAs, by indicating the priority areas for the conservation and restoration of the Atlantic Coastal Forest in municipal scope, when implemented, contribute to the control of hydrological processes of the watershed, resulting in the decrease of the magnitude of events such as floods and landslides – acting as non-structural measures for reducing risk. As a conclusion, the disaster risk management will not be realistic if it doesn’t consider an appropriate use of the territory, which includes considering territorial planning in all sectors (housing, sanitation, mobility, among others) the concepts of social and environmental justice. In this way, the public debate about the integration of planning and territorial management instruments, as well as the broad participation of society, are important for the maturation of the territorial planning in Brazil, contributing to an amplification of the autonomy of municipalities and therefore communities in the management of the territory. Keywords: Disaster risk management, territorial planning, Atlantic Coastal Forest, Municipal Plans of Conservation and Restoration of the Atlantic Coastal Forest, Municipal Plans for Reducing Risks.

Introdução

Considerada Patrimônio Nacional4 pela Constituição Federal de 1988 e Reserva da

Biosfera pela UNESCO, a Mata Atlântica, juntamente com a floresta amazônica, compõem

o complexo de florestas tropicais biodiversas brasileiras (AB´SABER, 2003). A Mata

Atlântica se apresenta distribuída longitudinalmente estendendo-se, originalmente, do

4 Artigo 225, parágrafo 4°.

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sudeste do Rio Grande do Norte ao sudeste de Santa Catarina, com enclaves florestais nas

serras do Rio Grande do Sul, na região do Iguaçu e no extremo oeste dos planaltos

paranaenses. Nesses enclaves, a forte umidade trazida pelo avanço da massa polar atlântica

permitiu a formação de solos férteis pela decomposição de rochas basálticas, o que

garantiu o desenvolvimento de florestas tropicais abaixo do trópico de capricórnio e fora

do espaço principal de ocupação da Mata Atlântica (AB´SABER, 2003).

Partindo do litoral, a floresta adentra o continente com largura aproximada entre 40

e 50 quilômetros para o interior (no sul de Minas Gerais e interior do Rio de Janeiro essa

interiorização ultrapassa os 600 quilômetros), abrange uma grande diversidade de

ambientes e de paisagens, que vão desde os tabuleiros da Zona da Mata Nordestina, as

escarpas da Serra do Mar e Mantiqueira até os “mares de morros” da região sudeste

(AB´SABER, 2003).

A Mata Atlântica e seus ecossistemas associados cobriam à época da colonização

portuguesa (século XVI) em torno de 1.360.000 km2. Após séculos de ocupação e

exploração intensiva da floresta, hoje menos de 8% da área do bioma preservam suas

características bióticas originais (MMA, 2000). Atualmente, abrange o território de mais de

3.400 municípios brasileiros, e abriga em torno de 123 milhões de habitantes (DUTRA,

2013). Neste bioma estão situadas as maiores cidades brasileiras, concentrando também

atividades industriais, obras de infraestrutura, fluxos de pessoas e capital, englobando

grande parte da área do território brasileiro definida por Santos (2003) como região

concentrada.

A ocupação deste território e o desenvolvimento histórico sob o domínio da Mata

Atlântica foram garantidos pelos inúmeros serviços ecossistêmicos oferecidos pela floresta

tropical, sendo estes os responsáveis por grande parte do desenvolvimento econômico

brasileiro, atual e pretérito. Desde os alimentos obtidos por extrativismo ou cultivados nos

solos férteis, os insumos para medicamentos, água para o abastecimento de cidades

inteiras, matéria-prima para a geração de energia e insumos para a indústria, passando por

serviços ambientais não passíveis de valoração econômica, tais como o patrimônio

biodiverso em si e a beleza cênica da paisagem, os serviços ambientais prestados pela Mata

Atlântica sustentam hoje pelo menos 123 milhões de pessoas. Entretanto, a discussão da

interface da gestão ambiental e gestão de risco de desastres tem interesse em um serviço

ambiental em particular: o de ordem hidrológica.

Processos hidrológicos na bacia hidrográfica, o clima local e a manutenção da

qualidade da água são influenciados pelo tipo de cobertura vegetal. A existência de

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florestas bem preservadas naqueles espaços definidos pela legislação como áreas de

preservação permanente - APP (margens de rios, encostas e topos de morros, entre outras)

diminuem o risco de inundações e deslizamentos, uma vez que protegem os solos contra a

erosão e evitam o assoreamento dos cursos d’água pelo carreamento de sedimentos

realizado pelas chuvas. Além disso, as florestas amenizam a perda de água em épocas

secas, garantindo um abastecimento hídrico mais regular às populações (SEEHUSEN &

PREM, 2011). Santos (2011)5 argumenta que as escarpas da Serra do Mar evoluiram pela

sucessão no tempo geológico de episódios de movimentos gravitacionais de massa,

desencadeados por eventos de intensa precipitação, sendo portanto o movimento

gravitacional de massa um mecanismo de evolução das vertentes deste compartimento

geomorfológico. No Quaternário, é a presença da floresta tropical úmida que oferece

proteção às encostas contra a atuação das chuvas, reduzindo, nas palavras do autor, os

movimentos de massa a casos “isolados”.

Alguns estudos no Brasil tem mostrado a relação entre os usos do solo

incompatíveis com a dinâmica natural dessa floresta úmida e a ocorrência de desastres. A

Empresa de Pesquisa Agropecuária e de Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI), em

levantamento realizado na região do Baú, uma das mais atingidas no desastre de 2008,

indicou que 85% dos deslizamentos tiveram a ação humana como causa predisponente,

especialmente os desmatamentos, cortes e aterros em encostas e práticas agrícolas e

urbanas inadequadas (MATEDDI et al., 2008). O Ministério do Meio Ambiente conduziu

estudo na região serrana do Rio de Janeiro após os deslizamentos ocorridos em janeiro de

2011, demonstrando que 92% destes ocorreram em áreas com algum grau de antropização,

e apenas 8% ocorreram em áreas com cobertura vegetal bem conservada (GUEDES, 2011).

De acordo com Carvalho e Galvão (2006), levantamentos realizados em diversos

municípios apontaram a falta de infra-estrutura urbana como uma das principais causas de

deslizamentos no Brasil. A prática de canalização e retificação de cursos d’água em áreas

urbanizadas é outro fator que contribui para o agravamento dos eventos de inundação

(CANHOLI, 2005). Assim, verifica-se que o processo de assentamento das populações

frequentemente desconsidera as características particulares do local - gerando assim uma

inadequação das cidades ao seu espaço-suporte; além disso, a cultura de desrespeito à

5 SANTOS, A. R. As tragédias e o essencial da dinâmica evolutiva da escarpa da Serra do Mar. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/11.042/3778>. Acesso em 29 de junho de 2014.

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legislação de ordenamento do território contribui para o agravamento da situação, sendo

estes alguns dos fatores que compõem a equação do risco de desastre.

Planejamento urbano sobre o domínio da Mata Atlântica

No planejamento do território sob o domínio da Mata Atlântica, faz-se necessário

compreender as forças que induzem as formas de ocupação e transformação do bioma, e é

nesse sentido que a questão ambiental parece ser a única possibilidade de enfrentamento de

um modo de produção econômico gerador de desigualdades sociais espacializadas, no

campo e na cidade.

O Brasil, a partir da década de 1980, viveu a intensificação da globalização da

economia com a concentração de terras em função do incremento do agronegócio,

exploração mineral, petróleo, produção de carne e grãos ligada ao mercado internacional,

resultando na expulsão de milhares de camponeses e na transformação de importantes

áreas da Mata Atlântica. Essa população vinda do campo foi, ainda, excluída do acesso a

terra por meios legais na cidade, restando organizar-se em favelas e loteamentos

clandestinos sem estrutura (água, esgoto, transporte, empregos, hospitais), em um período

em que investimentos em habitação eram virtualmente nulos (MARICATO, 2012).

Com o mercado residencial legal comandado pela especulação imobiliária, que

atende apenas 30% da população - que possui meios para pagar, os mais pobres tem de

ocupar aquelas áreas que não estão disponíveis para o mercado, tais como as áreas de

preservação permanente e áreas de risco, sendo portanto, a injustiça social e a degradação

ambiental, resultados de um mesmo processo (MARICATO, 2012).

Esta lógica promove a apropriação desigual dos recursos naturais e das condições

materiais e espaciais de produção e reprodução da sociedade. Nas ciências sociais essa

lógica vai assumir a noção de desigualdade ambiental, uma vez que há aqueles que ganham

com a degradação ambiental e aqueles que pagam seus custos, sendo o último grupo o mais

vulnerável e que geralmente sofre em consequência dos desastres. A essa estrutura social

Murphy (apud ACSELRAD, 2010) chama de “classes ambientais”.

A pobreza é um dos fatores que contribuem para o aumento da vulnerabilidade das

comunidades frente aos desastres. A capacidade de absorver e se recuperar dos danos

produzidos por um desastre está relacionada às condições socio-econômicas e culturais das

comunidades atingidas. A vulnerabilidade das pessoas aumenta quando estas são levadas a

se organizar em assentamentos precários, que por sua localização desprivilegiada e pelo

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próprio padrão construtivo apresentado pelas edificações, tendem a potencializar a

possibilidade de ocorrência de desastres. Uma vez expostas a esses eventos, essas

populações apresentam geralmente, dificuldade para o restabelecimento de sua condição

anterior Por mais que movimentos de massa possam ocorrer em qualquer área de maior

declividade, é fato que os acidentes são mais frequentes e causam maior impacto em áreas

de assentamentos precários, tais como favelas e loteamentos clandestinos (CARVALHO et

al., 2006).

Condicionantes naturais e antrópicas do desenvolvimento de inundações e movimentos de massa

Em relação à ocorrência de desastres, o Brasil figura em sétimo lugar no ranking

mundial dos dez países com maior número de eventos reportados em 2011 (GUHA-SAPIR

et. al., 2012). CEPED (2012) verificou um aumento no número de desastres naturais no

Brasil quando comparadas as décadas de 1990 e 2000. Dos 31.909 desastres registrados no

país nos últimos vinte anos, 27% (8.671) ocorreram na década de 1990, enquanto 73%

(23.238) foram registrados a partir dos anos 2000.

Ainda conforme CEPED (2012) as estiagens/secas e inundações

bruscas/alagamentos são as tipologias historicamente mais recorrentes no país, no entanto,

dos desastres naturais que afetam a humanidade, embora não figurem entre as tipologias

mais recorrentes, os prejuízos causados por movimentos gravitacionais de massa são

inferiores apenas aos causados por terremotos e inundações (FERNANDES; AMARAL,

1998).

Uma das características dos movimentos de massa é a complexidade de causas e

mecanismos, a variabilidade de materiais envolvidos e fatores condicionantes. Estes fatores

dependem principalmente da estrutura geológica, da geometria da encosta, regime

pluviométrico, profundidade do manto de intemperismo, da cobertura vegetal e da

atividade antrópica. Conforme BIGARELLA (2004) o desmatamento constitui um

importante fator antrópico condicionante do início dos processos de movimentos de massa

nas vertentes. A presença da cobertura vegetal controla o escoamento superficial e a

infiltração das águas no manto de intemperismo. Quando esta é retirada, o solo é exposto à

erosão, além de, durante um período prolongado de precipitação, receber um excesso de

água no subsolo. Com o subsolo saturado ocorre a lubrificação dos planos de cizalhamento

e, dessa forma, o início dos movimentos de massa.

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As inundações podem ser condicionadas por fatores de origem natural ou antrópica.

Entre os fatores naturais destacam-se aqueles relacionados com a topografia da bacia de

drenagem, o tipo de rede fluvial, o gradiente da encosta, tamanha e forma da bacia, tipos de

solos, geologia local, regime pluviométrico e cobertura vegetal (DÍEZ-HERRERO et al.,

2009). De forma similar ao que ocorre no condicionamento de processos de instabilização

de encostas, a presença de cobertura vegetal aumenta a capacidade de infiltração do solo e

conseqüentemente diminui o escoamento superficial, protegendo-o da erosão. Quando o

processo erosivo se instala, o material removido da superfície pela ação das águas chega ao

leito dos rios provocando seu assoreamento, contribuindo assim para o desenvolvimento de

inundações (SUGUIO & BIGARELLA, 1990). As condicionantes de origem antrópica

podem ser representadas pelas obras de engenharia que impliquem em modificações do

canal fluvial; ou por modificações indiretas no uso das bacias hidrográficas, seja pelo

desmatamento ou modificações na cobertura vegetal, ou pela impermeabilização

decorrente de urbanização ou compactação dos solos por pastagens (DÍEZ-HERRERO et

al., 2009).

Situação atual das políticas em gestão de risco

Os desastres de novembro de 2008 em Santa Catarina e janeiro de 2010 no Rio de

Janeiro impuseram uma necessidade de revisão da legislação brasileira em gestão de risco

de desastres. Assim, em 2010 foi promulgada a Lei 12.3406, que dispõe sobre

transferências de recursos para ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento

de serviços essenciais e reconstrução nas áreas atingidas por desastre, e em 2012 a Política

Nacional de Defesa Civil foi atualizada com a promulgação da Lei 12.6087, agora chamada

Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. A nova lei incluiu inovações como a

necessidade de integração da gestão de riscos às políticas de ordenamento territorial,

desenvolvimento urbano, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão de recursos

hídricos, geologia, educação, saúde, infraestrutura, além de ciência e tecnologia. Essa

integração tem por objetivo uma gestão mais eficiente em termos de resultados, evitando a

duplicação de ações e otimizando a aplicação de recursos e os benefícios dos investimentos

realizados. A nova lei preconiza ainda a abordagem sistêmica como diretriz para a gestão

6 Alterada pela Lei 12.983 de junho de 2014. 7 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm>. Acesso em 1 de junho de 2014.

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de riscos, a prioridade às ações de prevenção, a participação popular e a adoção da bacia

hidrográfica como unidade de análise.

O Ministério da Integração Nacional (MI) abriga a Secretaria Nacional de Proteção

e Defesa Civil (SEDEC), que executa o Programa Gestão de Riscos e Resposta a

Desastres. Entre diversas ações, encontra-se um projeto de mapeamento de riscos e

desastres em 821 municípios brasileiros, definidos como prioritários pelo governo federal

com relação à ocorrência de inundações e deslizamentos. Este mapeamento tem como

objetivo contribuir para o fortalecimento da gestão de riscos e desastres nos municípios. As

figuras 1 e 2 apresentam os municípios afetados por inundações, enchentes, enxurradas e

alagamentos e aqueles mais suscetíveis a ocorrência de deslizamentos. Dentre estes,

encontram-se os 821 municípios prioritários para a gestão de riscos e desastres. Convém

observar que a localização destes municípios se encontra quase inteiramente sob o domínio

da Mata Atlântica, uma vez que aí estão localizadas as maiores cidades e aproximadamente

65% da população brasileira.

Figura 1: Municípios afetados por inundações, enxurradas, enchentes e alagamentos (MI, 2012).

Figura 2: Distribuição dos municípios mais suscetíveis a deslizamentos de encostas (MI, 2012).

Paralelamente, o “Programa de Urbanização, Regularização e Integração de

Assentamentos Precários”, do Ministério das Cidades, instituiu, através da “Ação de Apoio

à Prevenção de Riscos em Assentamentos Precários” o Plano Municipal de Redução de

Riscos (PMRR), como um dos instrumentos do planejamento para a redução do risco nos

municípios. As etapas do trabalho de elaboração do PMRR incluem a realização ou

atualização do mapeamento de risco em escala de detalhe, a proposição de intervenções

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estruturais para redução de risco, a definição dos custos e critérios para a hierarquização

das obras, a sugestão de medidas não estruturais para a ação da defesa civil, além da

compatibilização com outros programas nas três esferas de governo (ALHEIROS, 2006).

Essencialmente o PMRR tem por objetivo a identificação dos setores de risco no município

para realocação das populações situadas em setores de alto risco, e realização de obras de

intervenção nos setores de médio e baixo risco, com o objetivo de reduzir o risco existente.

Políticas de proteção a Mata Atlântica

A Mata Atlântica tem sua utilização e proteção definidas pela Lei 11.428/06,

conhecida como “Lei da Mata Atlântica”, e que é resultado de mais de uma década de

esforço e mobilização social. A lei define como integrantes deste bioma as seguintes

formações florestais nativas e ecossistemas associados (com delimitações estabelecidas

pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística– IBGE): Floresta Ombrófila Densa;

Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila

Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os

manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e enclaves

florestais do Nordeste.

O artigo 6º da lei esclarece que a proteção e a utilização do Bioma Mata Atlântica

têm por objetivo geral o desenvolvimento sustentável e, por objetivos específicos, a

salvaguarda da biodiversidade, da saúde humana, dos valores paisagísticos, estéticos e

turísticos, do regime hídrico e da estabilidade social.

Na última década o Ministério do Meio Ambiente (MMA) tem coordenado, com o

apoio da Cooperação Técnica e Financeira Brasil-Alemanha e financiamento do Banco

Alemão de Desenvolvimento (KfW Entwicklungsbank), os Projetos Proteção da Mata

Atlântica (PPMA) e Proteção da Mata Atlântica II (PPMA II), desenvolvendo, entre

diversas ações, experiências em criação de unidades de conservação estaduais e

municipais, pagamento por serviços ambientais, fomento a elaboração de planos

municipais de mata atlântica e adequação ambiental de propriedades rurais (DUTRA,

2013).

Os Planos Municipais de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica (PMMA)

são documentos definidos pela Lei da Mata Atlântica, caracterizando-se como um

instrumento de efetivação da política de conservação e preservação deste bioma. Por

mapearem as áreas com cobertura vegetal no município, os PMMAs tem o potencial de

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apoiar outras políticas e instrumentos da proteção ambiental, tais como a de proteção de

recursos hídricos, o cadastro ambiental rural e a criação de unidades de conservação

(DUTRA, 2013).

Embora sua execução não seja obrigatória, a lei define que aqueles municípios que

tiverem PMMA aprovado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente estão aptos a se

beneficiarem com recursos do Fundo de Restauração do Bioma Mata Atlântica, para

aplicação em projetos que envolvam a conservação de remanescentes de vegetação nativa,

pesquisa científica ou áreas a serem restauradas. Os PMMAs têm o papel de indicar ações

e projetos prioritários para a conservação da Mata Atlântica remanescente em seu

território, bem como indicar as potenciais áreas degradadas a serem recuperadas (DUTRA,

2013).

O Decreto Federal 6.660/20088, em seu artigo 43 define como conteúdo mínimo do

PMMA:

I – diagnóstico da vegetação nativa contendo mapeamento dos remanescentes em escala 1:50.000 ou maior; II – indicação dos principais vetores de desmatamento ou destruição da vegetação nativa; III – indicação de áreas prioritárias para conservação e recuperação da vegetação nativa; e IV – indicadores de ações preventivas aos desmatamentos ou destruição da vegetação nativa e de conservação e utilização sustentável da Mata Atlântica no Município.

Apesar de serem “Planos Municipais”, estes podem ser utilizados em recortes

espaciais mais abrangentes, quando elaborados em associação com municípios vizinhos no

âmbito de bacias hidrográficas ou mosaicos de unidades de conservação, integrando assim

ações de alcance regional (DUTRA, 2013).

O projeto de fomento à elaboração de PMMAs demonstrativos, no âmbito do

PPMA II, tem realizado a sensibilização dos gestores municipais e capacitação de técnicos

para conduzirem o processo de elaboração, que deve ser participativo. No total, 67

municípios participam do projeto e se encontram com os planos aprovados, em execução,

em elaboração ou manifestaram interesse em realizá-lo (DUTRA, 2013). No quadro 1 é

apresentado o número de municípios por região do país que se enquadram em alguma das

etapas supracitadas. Destes, dois são catarinenses: Dona Emma (concluído) e Jaraguá do

Sul (em elaboração).

8 Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6660.htm>. Acesso em 10 de junho de 2014.

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Região N° de municípios

Aprovado Em execução* Em elaboração Manifestação interesse

Nordeste 2 1 2 4 Centro-oeste 1 - - - Sudeste 3 - 24 19 Sul 3 2 2 4 Total 9 3 28 27

Número de municípios por região geográfica que elaboraram ou estão em vias de elaborar o PMMA

(adaptado de DUTRA, 2013).

Entre os 67 municípios que realizam ou possuem a intenção de elaborar o PMMA,

34 estão entre os 821 municípios prioritários para a gestão de risco de desastres. São eles:

Santos, Campinas, Eldorado, Guarujá, Ilhabela, Itu, São Fidélis, São José dos Campos, São

Paulo, Sorocaba, Guaratinguetá, São Sebastião, Sete Barras e Ubatuba em São Paulo;

Natividade, Aperibé, Bom Jesus do Itabapoana, Cambuci, Cardoso Moreira, Itaperuna,

Miracema, Porciúncula e Santo Antônio de Pádua no Rio de Janeiro; Ilhéus, Porto Seguro

e Salvador na Bahia; Igrejinha e Novo Hamburgo no Rio Grande do Sul; Curitiba (PR),

Juiz de Fora (MG), Cariacica (ES), Fortaleza (CE), Linhares (ES) e Jaraguá do Sul (SC).

Discussão: integração das políticas de proteção ao meio ambiente e gestão de riscos e desastres

A integração dos instrumentos de planejamento e gestão do território é importante

por amplificar os benefícios de investimentos públicos, de forma a contribuir para o

desenvolvimento socioambiental dos municípios brasileiros. Nesse sentido, o Conselho

Nacional de Recursos Hídricos instituiu a Câmara Técnica de Integração da Gestão das

Bacias Hidrográficas e dos Sistemas Estuarinos e Zona Costeira (CTCOST) (MMA, 2006),

e o Ministério do Meio Ambiente lançou Termo de Referência9 em 2013 contratando

consultoria para elaboração de metodologia de integração dos Planos: Diretor Participativo,

de Gestão Integrada da Orla, Conservação e Recuperação da Mata Atlântica e Plano de

Gestão de Riscos e Resposta a Desastres (MMA, 2013).

O Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica se apresenta

como um importante instrumento de planejamento ambiental, integrando a política de

ordenamento territorial no âmbito municipal. Deve realizar o mapeamento dos

remanescentes florestais, indicando as áreas prioritárias para a conservação e as áreas

9 Código TE13/2013, Projeto BRA/OEA/08/001.

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degradadas a serem recuperadas (APPs). Desta forma, o PMMA, no âmbito da gestão de

riscos, atua sinergicamente no fortalecimento das ações não estruturais de redução de risco,

uma vez que sua implementação promove o incremento dos serviços ambientais de ordem

hidrológica que contribuem para a redução dos deslizamentos e inundações. Os produtos

do PMMA também servem como subsídio à elaboração de planejamentos de outros

setores, tais como habitação, saneamento básico, mobilidade, resíduos sólidos, e ao Plano

de Gestão Integrada da Orla, quando for o caso, como orientador da ocupação/uso do

espaço. O mesmo ocorre no âmbito das políticas de gestão de riscos, que podem apoiar

algumas de suas ações no PMMA. Sendo assim, podemos destacar alguns pontos de

interface entre os PMMAs e os PMRRs:

O “mapeamento para a identificação das áreas remanescentes e passíveis de

recuperação da Mata Atlântica no município” e a “indicação de áreas prioritárias para

conservação e recuperação da vegetação nativa”, servem de subsídio para a identificação

de áreas que serão utilizadas na realocação das comunidades prevista no PMRR, visando a

não ocupação de áreas de relevância para a conservação da floresta e manutenção da

integridade hidrológica da bacia hidrográfica. São importantes ainda como mecanismos de

mitigação dos riscos, na medida em que a manutenção da integridade das encostas e matas

ciliares contribui para a redução do risco de deslizamento e inundações, relacionando-se

com as medidas não estruturais do PMRR.

A “identificação dos vetores de desmatamento ou destruição da vegetação nativa”,

assim como a “indicação de ações preventivas aos desmatamentos” também apresentam

interface com as medidas não estruturais de redução de risco, uma vez que contribuem para

reduzir/eliminar as práticas que resultam em degradação, bem como incentivar as boas

práticas de conservação florestal. Uma vez que existem condicionantes naturais e

antrópicas para o desenvolvimento de deslizamentos e inundações, e as boas práticas de

manejo florestal contribuem para a redução da vulnerabilidade das comunidades

envolvidas.

O PMMA do município de Natividade, situado no noroeste fluminense, é um

exemplo de como o tema dos desastres pode ser incorporado na elaboração do Plano. O

mapeamento, realizado de forma participativa em oficinas, a partir da memória dos

participantes, identificou, entre outros aspectos, as áreas de ocorrência de desastres

naturais, chamadas “áreas frágeis”. Foram consideradas as ocorrências de deslizamentos,

enxurradas, inundações, pontos de assoreamento e secas. No total foram identificadas 24

áreas frágeis, apresentadas na Figura 3 como pontos vermelhos. O mapa contém ainda

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informações relativas a áreas a serem conservadas, recuperadas e aquelas que estão em

processo de regeneração natural; a ocorrência de unidades de conservação no município, e

a hierarquização das áreas prioritárias para conservação (SIMON et al., 201-).

Figura 3: Mapa Falado do município de Natividade/RJ.

Conclusões

A Mata Atlântica ocupa uma variedade de domínios geomorfológicos que abrigam

processos intrínsecos de evolução do modelado, que podem incluir diferentes tipologias de

movimentos gravitacionais de massa, bem como eventos de origem hidrológica

(inundações em geral). Por sua estrutura tipo florestal, a Mata Atlântica atua, no período

geológico atual – o Quaternário, como atenuadora da magnitude dos processos

morfogenéticos, pela capacidade do sistema radicular florestal de aumentar a infiltração e

reduzir o escoamento superficial.

A gestão de risco de desastres no domínio da Mata Atlântica deve obrigatoriamente

considerar os processos morfogenéticos intrínsecos a cada domínio geomorfológico, como

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balizadores da ocupação humana. Deve considerar também o papel da floresta como

regulador hidrológico das bacias hidrográficas, enquanto mecanismo de redução de risco.

Assim, ações de conservação e recuperação de áreas degradadas no domínio da Mata

Atlântica são imprescindíveis para a redução dos riscos em uma região que concentra 65%

da população brasileira, e tende a concentrar cada vez mais.

A necessidade de revisão do marco regulatório brasileiro em defesa civil trouxe

para o setor alguns avanços que merecem ser destacados, tais como a obrigatoriedade de

integração de políticas, a adoção da abordagem sistêmica como diretriz para a gestão de

riscos, a prioridade às ações de prevenção, a participação popular e a adoção da bacia

hidrográfica como unidade de análise. A integração de políticas e prioridade às ações de

prevenção começam a se materializar através de diferentes programas desenvolvidos pelos

Ministérios da Integração Nacional e das Cidades, e, embora muito trabalho seja ainda

necessário, já sinalizam um fortalecimento da gestão de riscos nas três esferas

governamentais no Brasil bem como da capacidade de resiliência das populações.

Enquanto os trabalhos relacionados à melhoria das condições dos assentamentos

humanos contribuem para o aumento da resiliência das comunidades atingidas por

desastres, os PMMAs, por indicarem as áreas prioritárias para a conservação e recuperação

da Mata Atlântica em âmbito municipal, quando implementados, contribuem para o

controle dos processos hidrológicos da bacia hidrográfica, resultando na diminuição da

magnitude de eventos tais como inundações e deslizamentos. Desta forma, são importantes

instrumentos do ordenamento territorial, que, embora de execução não obrigatória,

mostram-se estratégicos como subsídio à implementação de medidas não-estruturais de

redução de riscos no município. Neste sentido, os PMMAs e os PMRRs se apresentam

complementares enquanto instrumentos de implementação de ações estruturais e não

estruturais de redução de risco.

Consideramos que a não obrigatoriedade de execução dos PMMAs pelos

municípios pode parecer aos gestores que a importância deste instrumento é menor frente a

outros instrumentos do planejamento setorial. Entretanto, como discutido anteriormente,

este instrumento deveria assumir papel de destaque na gestão de risco de desastres. A

obrigatoriedade de elaboração dos PMMA deveria se estender pelo menos aos municípios

incluídos no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de

processos geológicos ou hidrológicos de grande impacto, a exemplo do parágrafo VI do

Art. 41 do Estatuto das Cidades. Neste sentido, os 34 municípios prioritários para a gestão

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de risco de desastres que elaboraram seus PMMAs ou estão em vias de elaboração podem

ser considerados pioneiros neste quesito.

Por fim, a gestão de risco de desastres não será realista se não considerar uma

adequada utilização do território, o que inclui considerar no planejamento territorial em

todos os setores (habitação, saneamento, mobilidade, entre outros) as noções de justiça

social e ambiental. Desta forma, o debate público sobre a integração dos instrumentos de

planejamento e gestão territorial, bem como a ampla participação da sociedade, são

importantes para o amadurecimento do planejamento territorial no Brasil, contribuindo

para uma amplificação da autonomia dos municípios e conseqüentemente das comunidades

na gestão do território.

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