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MATERIAL DE APOIO
DIREITO CIVIL
TEORIA GERAL DOS CONTRATOS
Apostila 01
Prof. Pablo Stolze Gagliano
1. Viso Geral dos Contratos no novo CC
O Cdigo Civil de 2002 disciplinou os contratos da seguinte forma:
a) Ttulo V Dos contratos em Geral, subdividido em dois
Captulos (Captulo I - Das Disposies Gerais - e Captulo 2 -
Da Extino do Contrato). Tais captulos so ainda
estruturados em Sees, que versam sobre aspectos gerais da
matria contratual;
b) Ttulo VI Das Vrias Espcies de Contratos, subdividido em
20 captulos, compartimentados em vrias outras Sees,
cuidando dos Contratos em Espcie1.
Nota-se, no estudo dessa disciplina, que o codificador inovou, ao tratar
de temas no regulados pelo Cdigo anterior, a exemplo do contrato
preliminar, do contrato com pessoa a declarar, da resoluo por onerosidade
excessiva (aplicao da teoria da impreviso), da venda com reserva de
domnio, da venda sobre documentos e do contrato estimatrio.
Alm disso, disciplinou contratos novos, como a comisso, a
agncia/distribuio, a corretagem e o contrato de transporte, deixando de
fazer referncia a alguns outros institutos, como, por exemplo, a clusula
comissria na compra e venda (art. 1163 do CC-16).
1 Contratos em Espcie integram outra grade do Curso LFG.
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Perdeu-se, todavia, a oportunidade de se regular, pondo fim a
infindveis dvidas, algumas importantes modalidades contratuais j de uso
corrente, como o leasing, o franchising, o factoring, o consrcio, os contratos
bancrios e os contratos eletrnicos.
Apesar dessas omisses, entretanto, devemos reconhecer que, em
geral, o trabalho do codificador, na seara contratual, foi bem desempenhado,
sobretudo por haver realado a necessidade de imprimir socialidade noo de
contrato.
2. Princpios do Direito Contratual
Segue o painel dos princpios que analisaremos em sala de aula:
a) o princpio da autonomia privada ou do consensualismo;
b) o princpio da fora obrigatria do contrato (pacta sunt servanda);
c) o princpio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato;
d) o princpio da funo social do contrato;
e) o princpio da boa-f objetiva;
f) o princpio da equivalncia material.
2.1. Observaes acerca do princpio da funo social do contrato
Devemos, de logo, ressaltar que a funo social do contrato traduz
conceito sobremaneira aberto e indeterminado, impossvel de se delimitar
aprioristicamente.2
HUMBERTO THEODORO JR., citando o competente professor PAULO
NALIN, na busca por delimitar as suas bases de inteleco, lembra-nos, com
acerto, que a funo social manifestar-se-ia em dois nveis3:
2 Sobre o tema, confira-se a excelente obra: Funo Social dos Contratos, do Cdigo de Defesa do Consumidor ao Cdigo Civil de 2002. Coleo: Rubens Limongi Frana, 2 Ed. So Paulo: Mtodo, 2002, FLVIO TARTUCE.
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a) intrnseco o contrato visto como relao jurdica entre as
partes negociais, impondo-se o respeito lealdade negocial e
boa f objetiva, buscando-se uma equivalncia material entre
os contratantes;
b) extrnseco o contrato em face da coletividade, ou seja, visto
sob o aspecto de seu impacto eficacial na sociedade em que
fora celebrado.
2.2. Observaes acerca do princpio da boa-f objetiva
Alm das finalidades interpretativa, integradora e delimitadora de
direitos subjetivos, o princpio da boa-f objetiva ainda tem a funo
constitutiva (normativa) de deveres anexos ou de proteo, implcitos em
qualquer contrato4.
CONTRATO VLIDO ------------------------ RELAO OBRIGACIONAL: (FONTE PRIMORDIAL
DE OBRIGAES)
a) dever jurdico principal:
prestao de DAR,
FAZER ou NO FAZER;
b) deveres jurdicos anexos
ou colaterais
(decorrentes da BOA-F
OBJETIVA): lealdade e
confiana, assistncia,
informao,
3 THEODORO JR., Humberto. O Contrato e sua Funo Social. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pg. 43. 4 Sobre a o tema: CORDEIRO, Antnio Menezes. Da Boa-F Objetiva no Direito Civil. Portugal: Almedina, 2001. Em nosso sentir, obra mxima, em lngua portuguesa, no estudo do princpio.
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confidencialidade ou
sigilo etc.
A boa f objetiva, pois, o principio ou norma reguladora desses deveres,
cuja enumerao no pode ser considerada taxativa5.
3. Formao dos Contratos
O contrato se forma quando as manifestaes de vontade, em geral
contrapostas, contemporizam-se, conciliando os interesses divergentes, e
formando o denominado consentimento.
O consentimento das partes a pedra de toque de todo contrato:
PARTE 1 ------------- CONSENTIMENTO ------------- PARTE 2
5 Entre os deveres com tais caractersticas encontram-se, exemplificativamente: a) os deveres de cuidado, previdncia e segurana, como o dever do depositrio de no apenas guardar a coisa, mas tambm de bem acondicionar o objeto deixado em depsito; b) os deveres de aviso e esclarecimento, como o do advogado, de aconselhar o seu cliente acerca das melhores possibilidades de cada via judicial passvel de escolha para a satisfao de seu desideratum, o do consultor financeiro, de avisar a contraparte sobre os riscos que corre, ou o do mdico, de esclarecer ao paciente sobre a relao custo/benefcio do tratamento escolhido, ou dos efeitos colaterais do medicamento indicado, ou ainda, na fase pr-contratual, o do sujeito que entra em negociaes, de avisar o futuro contratante sobre os fatos que podem ter relevo na formao da declarao negocial; c) os deveres de informao, de exponencial relevncia no mbito das relaes jurdicas de consumo, seja por expressa disposio legal (CDC, arts.12, in fine, 14, 18, 20, 30 e 31, entre outros), seja em ateno ao mandamento da boa-f objetiva; d) o dever de prestar contas, que incumbe aos gestores e mandatrios, em sentido amplo; e) os deveres de colaborao e cooperao, como o de colaborar para o correto adimplemento da prestao principal, ao qual se liga, pela negativa, o de no dificultar o pagamento, por parte do devedor; f) os deveres de proteo e cuidado com a pessoa e o patrimnio da contraparte, v.g., o dever do proprietrio de uma sala de espetculos ou de um estabelecimento comercial de planejar arquitetonicamente o prdio, a fim de diminuir os riscos de acidentes; g) os deveres de omisso e de segredo, como o dever de guardar sigilo sobre atos ou fatos dos quais se teve conhecimento em razo do contrato ou de negociao preliminares, pagamento, por parte do devedor etc (COSTA, Judith Martins-. A Boa-F no Direito Privado. So Paulo: RT, 1999, p.439).
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Na denominada fase de puntuao, as partes discutem, ponderam,
refletem, fazem clculos, estudos, redigem a minuta do contrato, enfim,
contemporizam interesses antagnicos, para que possam chegar a uma
proposta final e definitiva.
No dizer de GUILLERMO BORDA,
Muchas veces las tratativas contractuales se desenvuelven atravs de um
tiempo ms o menos prolongado, sea porque el negocio es complejo y las
partes quieren estudiarlo em todas sus consecuencias o porque quien lo firma
no tiene poderes suficientes o por cualquier otro motivo.6
A caracterstica bsica desta fase justamente a no vinculao
(formal) das partes uma relao jurdica obrigacional, muito embora possa,
em tese, haver responsabilidade civil pr-contratual por quebra de boa-f
objetiva, caso haja leso legtima e firme expectativa de contratar
alimentada por uma das partes, luz do princpio da confiana. Depender da
anlise do caso concreto luz da principiologia constitucional aplicada s
relaes de direito privado, consoante veremos em sala.
Esses atos preparatrios, caractersticos da fase de puntuao, no se
identificam com o denominado contrato preliminar, figura jurdica que
especialmente posto no apenas - estudada no mbito da promessa de
compra e venda.
A proposta de contratar, tambm denominada de policitao, consiste na
oferta de contratar que uma parte faz outra, com vistas celebrao de
determinado negcio (aquele que apresenta a oferta chamado de
proponente, ofertante ou policitante).
Trata-se de uma declarao receptcia de vontade.
6 BORDA, Guillermo A. Manual de Contratos. 19 ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2000, pg. 33.
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O Cdigo Civil, ao disciplinar o tema, na Seo II, do Captulo I, Ttulo V
(Da Formao dos Contratos), embora no haja elencado os seus elementos
constitutivos, regulou-a, nos seguintes termos:
Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o
contrrio no resultar dos termos dela, da natureza do negcio, ou
das circunstncias do caso.
Observe-se, portanto, que a proposta de contratar obriga o proponente
ou policitante, que no poder voltar atrs, ressalvadas apenas as excees
capituladas na prpria lei (arts. 427 e 428).
Cuida-se, no caso, do denominado princpio da vinculao ou da
obrigatoriedade da proposta, diretriz normativa umbilicalmente ligada ao
dogma da segurana jurdica.
Da anlise desse dispositivo, conclumos que o legislador reconhece a
perda da eficcia cogente da oferta, nas seguintes situaes especiais:
a) se o contrrio (a no-obrigatoriedade) resultar dos termos
dela mesma o caso de o proponente salientar, quando da sua
declarao de vontade (oferta), que reserva o direito de retratar-se
ou arrepender-se de concluir o negcio. Tal possibilidade,
entretanto, no dever existir nas ofertas feitas ao consumidor, na
forma da Lei n. 8078/90 (CDC);
b) se o contrrio (a no-obrigatoriedade) resultar da natureza
do negcio cite-se como exemplo, seguindo o pensamento de
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CARLOS ROBERTO GONALVES, das chamadas propostas abertas
ao pblico, que se consideram limitadas ao estoque existente7;
c) se o contrrio (a no-obrigatoriedade) resultar das
circunstncias do caso nesse caso, optou o legislador por
adotar uma dico genrica, seno abstrata, que dar ao juiz a
liberdade necessria para aferir, no caso concreto, e respeitado o
princpio da razoabilidade, situao em que a proposta no poderia
ser considerada obrigatria.
Nessa mesma linha, vale registrar ainda que a proposta pode ter prazo
de validade.
o que dispe o art. 428 do CC-02 (correspondente ao art. 1.081, CC-
16):
Art. 428. Deixa de ser obrigatria a proposta:
I - se, feita sem prazo a pessoa presente, no foi
imediatamente aceita. Considera-se tambm presente a
pessoa que contrata por telefone ou por meio de
comunicao semelhante;
II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido
tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento
do proponente;
III - se, feita a pessoa ausente, no tiver sido expedida a
resposta dentro do prazo dado;
IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao
conhecimento da outra parte a retratao do proponente.
7 GONALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigaes Parte Especial Tomo I Contratos (Sinopses Jurdicas). 6. ed. So Paulo: Saraiva, 2002, pg. 16.
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Para que entendamos tais situaes, preciso definir o que se
entende por pessoa presente e pessoa ausente.
Presentes so as pessoas que mantm contato direto e simultneo
uma com a outra, a exemplo daquelas que tratam do negcio pessoalmente,
ou que utilizam meio de transmisso imediata da vontade (como o telefone,
por exemplo). Observe-se que, em tais casos, o aceitante toma cincia da
oferta quase no mesmo instante em que a mesma emitida.
Ausentes, por sua vez, so aquelas pessoas que no mantm contato
direto e imediato entre si, caso daquelas que contratam por meio de carta ou
telegrama (correspondncia epistolar).
No tendo regulado os contratos eletrnicos, entendemos que tais
regras, constantes no Cdigo Civil, devem, mutatis mutandis, lhes ser
aplicadas.
Nessa linha de raciocnio, poderemos considerar, entre presentes, o
contrato celebrado eletronicamente em um chat (salas virtuais de
comunicao), haja vista que as partes envolvidas mantm contato direto
entre si quando de sua formao, e, por outro lado, entre ausentes, aquele
formado por meio do envio de mensagem eletrnica (e-mail), pois, nesse caso,
medeia um lapso de tempo entre a emisso da oferta e a resposta.
Fora dessas hipteses (arts. 427, segunda parte e art. 428),
portanto, a proposta obriga o proponente e dever ser devidamente
cumprida, caso haja a conseqente aceitao.
E o que se sentende por aceitao?
Trata-se da manifestao de vontade concordante do aceitante ou
oblato que adere proposta que lhe fora apresentada.
Cumpre-nos observar que se a aceitao for feita fora do prazo,
com adies, restries, ou modificaes, importar em nova proposta.
Ou seja, caso a aquiescncia no seja integral, mas feita intempestivamente
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ou com alteraes (restritivas ou ampliativas), converter-se- em
contraproposta, nos termos do art. 431 do Cdigo Civil.8
Nessa mesma linha, se a aceitao, por circunstncia imprevista,
chegar tarde ao conhecimento do proponente, este dever comunicar o fato
imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos (art.
430). Aqui est mais uma aplicao do dever de informar decorrente da boa
f objetiva!...
Finalmente, vale salientar que a aceitao poder ser expressa ou
tcita, consoante se pode concluir da anlise do art. 432 do Cdigo Civil:
Art. 432. Se o negcio for daqueles em que no seja
costume a aceitao expressa, ou o proponente a tiver
dispensado, reputar-se- concludo o contrato, no chegando
a tempo a recusa.
Por fim, importante questo a ser enfrentada diz respeito
formao do contrato entre ausentes, especialmente o pactuado mediante
correspondncia epistolar.
Alis, como carecemos de uma disciplina especfica dos contratos
eletrnicos, consoante j dissemos, a matria aqui exposta poder, mutatis
mutandis, ser adaptada queles negcios pactuados via e-mail.
Fundamentalmente, a doutrina criou duas teorias explicativas a
respeito da formao do contrato entre ausentes9:
a) teoria da cognio para os adeptos dessa linha de pensamento, o contrato entre ausentes somente se consideraria
formado, quando a resposta do aceitante chegasse ao
conhecimento do proponente.
8 Norma muito semelhante vem prevista no Cdigo Civil Argentino: Art. 1152. Cualquiera modificacin que se hiciere em la oferta al aceptarla, importar la propuesta de um nuevo contrato. 9 Cf. PEREIRA, Caio Mrio da Silva, ob. cit., pg. 25 e RODRIGUES, Silvio. Direito Civil Dos Contratos e Declaraes Unilaterais de Vontade. vol 3. 25 ed. So Paulo: Saraiva, 1997.
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b) teoria da agnio (dispensa-se que a resposta chegue ao
conhecimento do proponente):
b.1. sub-teoria da declarao propriamente dita o contrato se formaria
no momento em que o aceitante ou oblato
redige, datilografa ou digita a sua resposta.
Peca por ser extremamente insegura, dada a
dificuldade em se precisar o instante da
resposta.
b.2. sub-teoria da expedio - considera formado o contrato, no momento em que a
resposta expedida.
b.3. sub-teoria da recepo reputa celebrado o negcio no instante em que o
proponente recebe a resposta. Dispensa, como
vimos, que leia a mesma. Trata-se de uma
sub-teoria mais segura do que as demais, pois
a sua comprovao menos dificultosa,
podendo ser provada, por exemplo, por meio
do A.R. (aviso de recebimento), nas
correspondncias.
Mas, afinal, qual seria a teoria adotada pelo nosso direito positivo?
CLVIS BEVILQUA, autor do projeto do Cdigo Civil de 1916 era,
nitidamente, adepto da sub-teoria da expedio, por reput-la a mais
razovel e a mais jurdica.10
Por isso, boa parte da doutrina brasileira, debruando-se sobre o art.
1086 do Cdigo revogado, conclua tratar-se de dispositivo afinado com o
pensamento de BEVILQUA:
10 BEVILQUA, Clvis. Direito das Obrigaes.So Paulo: RED, 2000, pg. 238.
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Art. 1086 (caput). Os contratos por correspondncia
epistolar, ou telegrfica, tornam-se perfeitos desde que a
aceitao expedida, ... (grifamos)
Na mesma linha, se cotejarmos esse dispositivo com o
correspondente do Cdigo em vigor, teremos a ntida impresso de que foi
adotada a vertente terica da expedio:
Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se
perfeitos desde que a aceitao expedida, exceto:
I - no caso do artigo antecedente;
II - se o proponente se houver comprometido a
esperar resposta;
III - se ela no chegar no prazo convencionado.
(grifamos)
Note-se, entretanto, que o referido dispositivo enumera situaes em
que o contrato no se reputar celebrado: no caso do art. 433; se o
proponente se houver comprometido a esperar a resposta (nesta hiptese, o
prprio policitante comprometeu-se a aguardar a manifestao do oblato); ou,
finalmente, se a resposta no chegar no prazo assinado pelo policitante.
Ocorre que se ns observarmos a ressalva constante no inciso I
desse artigo, que faz remisso ao art. 433, chegaremos inarredvel
concluso de que a aceitao no se reputar existente, se antes dela ou
com ela chegar ao proponente a retratao do aceitante.
Atente para essa expresso: se antes dela ou com ela CHEGAR ao
proponente a retratao do aceitante.
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Ora, ao fazer tal referncia, o prprio legislador acabou por negar a
fora conclusiva da expedio, para reconhecer que, enquanto no tiver havido
a RECEPO, o contrato no se reputar perfeito, pois, antes do recebimento
da resposta ou simultaneamente a esta, poder vir o arrependimento do
aceitante.
Dada a amplitude da ressalva constante no art. 433, que admite,
como vimos, a retratao do aceitante at que a resposta seja recebida pelo
proponente, entendemos que o nosso Cdigo Civil adotou a sub-teoria da
recepo, e no a da expedio11.
Nessa linha, inclusive, enunciado da Terceira Jornada sufraga a tese
da recepo, aplicando-a para a contratao pela via eletrnica:
E. 173 Art. 434: A formao dos contratos realizados entre pessoas
ausentes, por meio eletrnico, completa-se com a recepo da aceitao pelo
proponente.
4. Classificao dos Contratos
a) Quanto Natureza da Obrigao.
a.1) Contratos Unilaterais, Bilaterais ou Plurilaterais - na medida
em que o contrato implique em direitos e obrigaes para ambos os
contratantes ou apenas para um deles, ser bilateral (ex.: compra e venda)
ou unilateral (ex.: depsito), podendo se falar em contrato plurilateral (ou
multi-lateral), na medida em que haja mais de dois contratantes com
obrigaes (contrato de constituio de uma sociedade ou de um condomnio);
a.2) Contratos Onerosos ou Gratuitos Quando a um benefcio
recebido corresponder um sacrifcio patrimonial (ex: compra e venda), fala-se
11 Nesse sentido, tb., GONALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigaes Parte Especial Tomo I Contratos (Sinopses Jurdicas). 6. ed. So Paulo: Saraiva, 2002, p.20/21.
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em contrato oneroso. Quando, porm, fica estabelecido que somente uma
das partes auferir benefcio, enquanto a outra arcar com toda obrigao,
fala-se em contrato gratuito ou benfico (ex: doao pura (sem encargo) e
comodato).
a.3) Contratos Comutativos ou Aleatrios. Quando as obrigaes se
equivalem, conhecendo os contratantes, ab initio, as suas respectivas
prestaes, como, por exemplo, na compra e venda ou no contrato individual
de emprego, fala-se em um contrato comutativo. J quando a obrigao de
uma das partes somente puder ser exigida em funo de coisas ou fatos
futuros, cujo risco da no ocorrncia for assumido pelo outro contratante, fala-
se em contrato aleatrio, previsto nos arts. 458/461, como o caso, por
exemplo, do contratos de seguro, jogo e aposta, bem como como o contrato
de constituio de renda.
Sub-diviso dos Contratos Aleatrios:
a) Contrato de Compra de Coisa Futura, com
Assuno de Risco pela Existncia (emptio spei): nessa
primeira espcie, prevista expressamente no art. 458, o
contratante assume o risco de no vir a ganhar coisa
alguma, deixando sorte propriamente dita o resultado da
sua contratao;
b) Contrato de Compra de Coisa Futura, sem
Assuno de Risco pela Existncia (emptio rei
speratae): nessa segunda hiptese, prevista no art. 459,
CC-02 (art.1.119, CC-16)12, no h a assuno total de
riscos pelo contratante, tendo em vista que o alienante se
comprometeu a que alguma coisa fosse entregue;
c) Contrato de Compra de Coisa Presente, mas
Exposta a Risco assumido pelo Contratante: a ltima
12 CC-02: Art.459. Se for aleatrio, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, ter tambm direito o alienante a todo o preo, desde que de sua parte no tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior esperada. Pargrafo nico. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienao no haver, e o alienante restituir o preo recebido.
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modalidade codificada a que versa sobre a venda de coisa
atual sujeita a riscos, prevista nos art.46013.
a.4) Contratos Paritrios ou por Adeso - Na hiptese das partes
estarem em iguais condies de negociao, estabelecendo livremente as
clusulas contratuais, na fase de puntuao, fala-se na existncia de um
contrato paritrio, diferentemente do contrato de adeso, que pode ser
conceituado simplesmente como o contrato onde um dos pactuantes pr-
determina (ou seja, impe) as clusulas do negcio jurdico
a.5) Contratos Evolutivos - Classificao proposta pelo Prof. ARNOLDO
WALD, para se referir a figuras contratuais, prprias do Direito Administrativo,
em que estabelecida a equao financeira do contrato, impondo-se a
compensao de eventuais alteraes sofridas no curso do contrato, pelo que o
mesmo viria com clusulas estticas, propriamente contratuais, e outras
dinmicas, impostas por lei.
b) Classificao dos Contratos quanto Disciplina Jurdica (civis,
comerciais, trabalhistas, consumeristas e administrativos).
c) Classificao dos Contratos quanto Forma.
c.1) Solenes ou No-Solenes - Quanto imprescindibilidade de
uma forma especfica para a validade da estipulao contratual;
c.2) Consensuais ou Reais - Em relao maneira (forma) pela
qual o negcio jurdico considerado ultimado, ainda nesta classificao
quanto forma, os contratos podem ser consensuais, se concretizados com a
simples declarao de vontade, ou reais, na medida que exijam a entrega da
coisa, para que se reputem existentes.
d) Classificao dos Contratos quanto Designao (nominados e
inominados) - pode-se falar na existncia de contratos nominados e
contratos inominados, na medida em que tenham terminologia ou 13 CC-02: Art.460. Se for aleatrio, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, ter igualmente direito o alienante a todo o preo, posto que a coisa j no existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato
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nomenclatura definida e prevista expressamente em lei ou, em caso contrrio,
sejam apenas fruto da criatividade humana.
e) Classificao dos Contratos quanto Pessoa do Contratante.
e.1) Pessoais ou Impessoais Quanto importncia da pessoa do
contratante para a celebrao e produo de efeitos do contrato, podem
tais negcios jurdicos ser classificados em contratos pessoais ou contratos
impessoais. Os primeiros, tambm chamados de personalssimos, so os
realizados intuitu personae, ou seja, celebrados em funo da pessoa do
contratante, que tem influncia decisiva para o consentimento do outro, para
quem interessa que a prestao seja cumprida por ele prprio, pelas suas
caractersticas particulares (habilidade, experincia, tcnica, idoneidade etc).
Nessas circunstncias, razovel se afirmar, inclusive, que a pessoa do
contratante torna-se um elemento causal do contrato (ex: contrato de
emprego). J os contratos impessoais so aqueles em que somente interessa
o resultado da atividade contratada, independentemente de quem seja a
pessoa que ir realiz-la.
e.2) Individuais ou Coletivos - Tem-se como parmetro tambm o
nmero de sujeitos envolvidos/atingidos. No contrato individual, sua
concepo tradicional se refere a uma estipulao entre pessoas determinadas,
ainda que em nmero elevado, mas consideradas individualmente. J no
contrato coletivo, tambm chamado de contrato normativo, tem-se uma
transubjetivizao da avena, alcanando grupos no individualizados,
reunidos por uma relao jurdica ou de fato.
f) Classificao dos Contratos quanto ao Tempo.
f.1) Instantneos (execuo imediata ou execuo diferida) -
Por contratos instantneos, compreendam-se as relaes jurdicas
contratuais cujos efeitos so produzidos de uma s vez (ex: compra e venda a
vista de bens mveis, em que o contrato se consuma com a tradio da coisa).
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Tal produo concentrada de efeitos, porm, pode se dar ipso facto avena
ou em data posterior celebrao (em funo da insero de um termo
limitador da sua eficcia), subdividindo-se, assim, tal classificao em
contratos instantneos de execuo imediata ou de execuo diferida. Tal
subclassificao tambm tem interesse prtico, tendo em vista que, nos
contratos de execuo diferida, aplicvel a teoria da impreviso, por
dependerem de circunstncias futuras, o que, por bvio, inexiste nos contratos
de execuo imediata.
f.2) De durao (determinada ou indeterminada) - J os contratos
de durao, tambm chamados de contratos de trato sucessivo, execuo
continuada ou dbito permanente14, so aqueles que se cumprem por meio
de atos reiterados, como, por exemplo, o contrato de prestao de servios,
compra e venda a prazo e o contrato de emprego. Tal durao pode ser
determinada ou indeterminada, na medida em que haja ou no previso
expressa de termo final ou condio resolutiva a limitar a eficcia do contrato.
g) Classificao dos Contratos quanto Disciplina Legal Especfica
(tpicos e atpicos) - Quando h uma previso legal da disciplina de
determinada figura contratual, estaremos diante de um contrato tpico; na
situao inversa, ou seja, em que o contrato no esteja disciplinado/regulado
pelo Direito Positivo, vislumbraremos um contrato atpico.
h) Classificao pelo Motivo Determinante do Negcio (causais e
abstratos) - Classificao (lembrada por SILVIO RODRIGUES), que toma, por
base, o motivo determinante do negcio, para dividi-los em contratos
causais e contratos abstratos. Os primeiros esto vinculados causa que os
determinou, podendo ser declarados invlidos, se a mesma for considerada 14 Dbito permanente o que consiste em uma prestao tal que no possvel conceber sua satisfao em um s momento; mas, do contrrio, tem de ser cumprida durante certo perodo de tempo, continuadamente. A determinao de sua durao resulta da vontade das partes, mediante clusula contratual em que subordinam os efeitos do negcio a um acontecimento futuro e certo, ou da declarao de vontade de um dos contratantes pondo termo relao (denncia). So, por conseqncia, por tempo determinado ou indeterminado (GOMES, Orlando. Contratos, 24 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.79).
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inexistente, ilcita ou imoral. J os contratos abstratos seriam aqueles cuja
fora decorre da sua prpria forma, independentemente da causa que o
estipulou. Seriam os exemplos dos ttulos de crdito em geral, como um
cheque.
i) Classificao pela Funo Econmica (de troca, associativos, de
preveno de riscos, de crdito e de atividade)
a) de troca: caracterizado pela permuta de utilidades
econmicas, como, por exemplo, a compra e venda
b) associativos: caracterizado pela coincidncia de fins, como
o caso da sociedade e da parceria;
c) de preveno de riscos: caracterizado pela assuno de
riscos por parte de um dos contratantes, resguardando a
possibilidade de dano futuro e eventual, como nos contratos de
seguro, capitalizao e constituio de renda;
d) de crdito: caracterizado pela obteno de um bem para ser
restitudo posteriormente, calcada na confiana dos
contratantes e no interesse de obteno de uma utilidade
econmica em tal transferncia. a hiptese tpica do mtuo
feneratcio (a juros);
e) de atividade: caracterizado pela prestao de uma conduta
de fato, mediante a qual se conseguir uma utilidade
econmica. Como exemplos, podem ser lembrados os
contratos de emprego, prestao de servios, empreitada,
mandato, agncia e corretagem.
j) Contratos Reciprocamente Considerados
j.1. Classificao quanto Relao de Dependncia (principais e
acessrios) - Os contratos principais so os que tm existncia autnoma,
independentemente de outro. Por exceo, existem determinadas relaes
contratuais cuja existncia jurdica pressupe a de outros contratos, a qual
servem. o caso tpico da fiana, cauo, penhor, hipoteca e anticrese.
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j.2. Classificao quanto Definitividade (preliminares e
definitivos) - Por fim, quanto definitivamente, podem ser os contratos ser
classificados em preliminares e definitivos. Os contratos preliminares (ou
pactum de contrahendo), exceo no nosso ordenamento jurdico, nada mais
so do que negcios jurdicos que tm por finalidade justamente a celebrao
de um contrato definitivo.
OBS.: Este tpico (classificao dos contratos) foi elaborado por RODOLFO
PAMPLONA FILHO (co-autor da obra Novo Curso de Direito Civil Saraiva), a
quem registramos o nosso agradecimento.
Contato: [email protected]
5. Textos Complementares
Seguem textos, meus amigos, de dois grandes civilistas do Brasil, o Profs.
Antnio Junqueira de Azevedo (sobre o Projeto do CC) e Flvio Tartuce.
O princpio da boa-f nos contratos
Antnio Junqueira de Azevedo15
RESUMO
Tece crticas referentes ao art. 421 do Projeto do Cdigo Civil, onde est
presente a clusula geral da boa-f nos contratos. Como insuficincias,
destaca: a) no se pode saber se o artigo representa norma cogente ou
dispositiva; b) o artigo se limita ao perodo que vai da concluso at a
execuo do contrato, no prevendo a aplicao da boa-f nas fases pr e ps-
contratuais. Como deficincias do art. 421, cita a ausncia de disposies
15 Fonte: www.cjf.gov.br
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sobre: deveres anexos, clusulas faltantes e clusulas abusivas. A ltima
crtica que o Projeto assenta-se em um paradigma ultrapassado, centrado na
figura do julgador, devendo o paradigma atual centrar-se na Constituio, em
normas cogentes.
ABSTRACT
The text criticises the Art. 421 of the Civil Code Project where the general
clause on good faith in contracts is established. As inadequacies, it states that:
a) it is not possible to know if the article is a reasonably necessary or specific
norm, b) the article is only about the period between the conclusion and the
execution of the contract, not predicting the good faith application in the
phases before and after the contract. It also considers as inadequacies of the
Art. 421 and mentions that there are not dispositions about attached rights,
missing and abusive clauses. The last criticism is that the Project is based in an
outmoded paradigm, centred in the judge figure. The actual paradigm should
centred itself in the Constitution, in reasonably necessary norms.
O tema "Boa-f nos contratos" uma homenagem que fao ao Prof. Clvis do
Couto e Silva.
Meu intuito fazer a crtica de um projeto de lei. Sinto-me nisso como quem
cumpre um dever.
A presena da boa-f no Projeto est em trs artigos: em um sobre o exerccio
de direito, em outro sobre interpretao como se deve interpretar os
negcios jurdicos e no que me diz respeito boa-f nos contratos, no art.
421, cujo texto o seguinte: Os contratantes so obrigados a guardar, assim
na concluso do contrato como em sua execuo, os princpios da probidade e
da boa-f.
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O artigo insuficiente, deficiente e, alm de tudo, revela que est num
paradigma anterior aos tempos em que estamos vivendo. Ele est no
paradigma do sistema que alguns dizem aberto, de clusulas gerais e conceitos
indeterminados. No meu modo de entender, j estamos, no mundo, hoje, em
outro paradigma.
O primeiro paradigma se baseava inteiramente na segurana da lei naquela
idia de que a lei deve ser universal, geral, prever tudo com preciso e, tanto
quanto possvel, ser completa. O papel do juiz, nesse paradigma, era o de um
autmato. o famoso juiz "boca da lei", la bouche de la loi, na linguagem de
Montesquieu.
Esse paradigma, no comeo do sculo XX, foi alterado, foi substitudo pelo
segundo paradigma, que hoje alguns esto chamando de "sistema aberto".
Nesse sistema, o ponto central deixou de ser a lei e passou a ser o juiz. Para
isso, passou-se a utilizar conceitos indeterminados e clusulas gerais.
A boa-f um conceito indeterminado. Quando se refere ao tipo de
comportamento exigido por exemplo, dos contratantes configura-se em
clusula geral.
O artigo referido, com a evoluo do Direito, hoje insuficiente por vrias
razes. Uma delas que no sabemos se representa uma norma cogente ou se
uma norma dispositiva. O Projeto de Cdigo Civil no levou em considerao
cdigos modernos, como o Uniform Comercial Code (Cdigo Comercial
americano) na verdade, ainda que tenha horror aos americanos, os Estados
Unidos so a Nao que est impondo as suas regras e nada mais lgico que,
pelos menos, se verificasse aquilo que o cdigo prescritivo, normativo, no
mundo americano. O Uniform Comercial Code diz sobre a boa-f: The
obligation of good faith may not be disclaimed by agreement, ou seja, no
Direito americano est muito claro que a obrigao de boa-f no pode ser
afastada por contrato. Portanto, ele est imposto como cogente, mas, o
mesmo artigo do Cdigo americano ainda mais completo porque acrescenta
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que as partes podem, por contrato, determinar quais os standards by with the
performance of such obligation is to be measured, ou seja, o standard pelo
qual a "performance", a execuo da obrigao, ser executada. Naturalmente
h determinaes possveis pelas partes, segundo o tipo de rea de atividade e
de negcio que esto fazendo. J nas Ordenaes do Reino se dizia que quem
compra cavalo no mercado de vora no tem direito aos vcios redibitrios. Se
um sujeito vai negociar no mercado de objetos usados, em feira de troca, a
boa-f exigida de um vendedor no pode ser igual de uma outra loja ou
outro negcio, em que h um pressuposto de cuidado. Portanto, no caso do
Projeto, no se sabe se a norma cogente e no se fala se as partes podem
adotar outros standards ou quais standards e assim por diante.
Segunda insuficincia: o art. 421 se limita ao perodo que vai da concluso do
contrato at a sua execuo. Sempre digo que o contrato um certo processo
em que h um comeo, prosseguimento, meio e fim. Temos fases contratuais
fase pr-contratual, contratual propriamente dita e ps-contratual. Uma das
possveis aplicaes da boa-f aquela que se faz na fase pr-contratual, fase
essa em que temos as negociaes preliminares, as tratativas. um campo
propcio para o comportamento de boa-f, no qual ainda no h contrato e
podem-se exigir aqueles deveres que uma pessoa deve ter como correo de
comportamento em relao ao outro.
Cito um caso entre a Cica e plantadores de tomate, no Rio Grande do Sul, no
qual, em pelo menos 4 acrdos, o Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul
reconheceu que a Companhia Cica havia criado expectativas nos possveis
contratantes pequenos agricultores , ao distribuir sementes para que
plantassem tomates e, depois, errou ao se recusar a comprar a safra dos
tomates. Houve, ento, prejuzo dos pequenos agricultores, baseado na
confiana despertada antes do contrato, fase pr-contratual. Logo, o caso do
art. 421 deveria tambm falar em responsabilidade pr-contratual ou extenso
do comportamento de boa-f na fase pr-contratual.
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Fao um parntese para exemplificar, transformando em hiptese o que li nos
jornais de hoje sobre o caso da Ford com o Governador do Rio Grande do Sul.
A Ford, durante os dois anos em que teria procurado montar a sua indstria,
certamente teve muitos gastos e, de repente, o negcio no teria sido
efetivado. O problema da responsabilidade pr-contratual justamente esse,
qual seja, o dos gastos que se fazem antes do contrato e quando h a ruptura.
Se essa hiptese da Ford for pr-contratual no caso, suponho ter havido
algum contrato anterior mas se no houvesse, e se fosse apenas um
problema de negociaes, antes de qualquer efetivao do negcio, haveria
dois pressupostos da responsabilidade pr-contratual: a confiana na
realizao do futuro negcio e o investimento na confiana. Faltariam, talvez,
outros dois pressupostos: o de poder atribuir uma justificao confiana que
algum teve e, em segundo lugar, o de que essa confiana tenha sido causada
pela outra parte. Assim, poderamos duvidar se o Governador chegou a criar
essa confiana e, portanto, provocou a despesa da indstria; e, ainda, se a
indstria no confiou demais e assim por diante. So problemas em aberto,
mas de qualquer maneira, o meu primeiro ponto sobre a responsabilidade pr-
contratual que h uma omisso do Projeto de Cdigo Civil, no artigo em
causa.
A terceira insuficincia na fase ps-contratual, porque se est dito "boa-f na
concluso" e "na execuo", nada est dito sobre aquilo que se passa depois
do contrato. Isso tambm assunto que a doutrina tem tratado a chamada
"responsabilidade ps-contratual" ou post pactum finitum. Darei trs exemplos
para comprovao de que, aps o contrato encerrado, ainda h possibilidade
de exigir boa-f dos contratantes:
1 O proprietrio de um imvel vendeu-o e o comprador o adquiriu por este ter
uma bela vista sobre um vale muito grande, construindo ali uma bela
residncia, que valia seis vezes o valor do terreno. A verdade que o vendedor
gabou a vista e a fez a transferncia do imvel para o comprador negcio
acabado. Depois, o ex-proprietrio, o vendedor foi prefeitura municipal,
verificou que no havia a possibilidade de construir um prdio em frente, mas
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adquiriu o prdio em frente ao que tinha vendido e conseguiu na prefeitura a
alterao do plano diretor da cidade, permitindo ali uma construo. Quer
dizer, ele construiu um prdio que tapava a vista do prprio terreno que havia
vendido ao outro esse no era ato literalmente ilcito. Ele primeiramente
vendeu, cumpriu a sua parte. Depois, comprou outro terreno, foi prefeitura,
mudou o plano, e a construiu. A nica soluo para o caso aplicar a regra da
boa-f. Ele faltou com a lealdade no contrato que j estava acabado. ,
portanto, post pactum finitum.
2 Uma dona de boutique encomendou a uma confeco de roupas 120 casacos
de pele. A confeco fez os casacos, vendeu-os e os entregou para essa dona
da boutique. A, liquidado esse contrato, a mesma confeco fez mais 120
casacos de pele idnticos e vendeu-os para a dona da boutique vizinha. H,
tambm, evidentemente, deslealdade e post pactum finitum.
1. Um indivduo queria montar um hotel e procurou o melhor e mais
barato carpete para colocar no seu empreendimento. Conseguiu
uma fornecedora que disse ter o preo melhor, mas que no fazia
a colocao. Ele pediu, ento, vendedora a informao de quem
poderia colocar o carpete. A firma vendedora indicou o nome de
uma pessoa que j tinha alguma prtica na colocao do carpete,
mas no disse que o carpete que estava fornecendo para esse
empresrio era de um tipo diferente. O colocador do carpete ps
uma cola inadequada e, semanas depois, todo o carpete estava
estragado. A vendedora dizia: cumpri a minha parte no contrato,
entreguei, recebi o preo, o carpete era esse, fiz favor indicando
um colocador. Segundo a regra da boa-f, ela no agiu com
diligncia, porque, no mnimo, deveria t-lo alertado uma
espcie de dever de informar e de cuidar depois de o contrato ter
terminado a propsito do novo tipo de carpete. H
responsabilidade ps-contratual.
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Portanto, o art. 421 est insuficiente, pois s fala em concluso o momento
em que se faz o contrato e execuo. No fala nada do que est para
depois, nem falava do que estava antes. Finalmente, ainda a propsito das
insuficincias, o artigo fala apenas em execuo, no momento final, e muitas
vezes o caso na verdade no chega a ser de execuo, mesmo que dilatemos a
expresso em portugus "execuo".
A respeito da "substancial performance", ou seja, o contratante que executa
em grande parte as suas obrigaes e somente no executa uma pequena
parte, por no executar essa pequena parte no seria razovel que se
rescindisse o contrato. O caso dessas clusulas que permitem uma resoluo
por um contratante tendo em vista o inadimplemento de outro, de
inexecuo e no propriamente de execuo. Mas uma clusula resolutiva pode
ser empregada com m-f. O Cdigo deveria ter dito "execuo" ou "extino
da obrigao". No s o Cdigo Comercial americano, a que vinha me
referindo, fala em "performance" ou enforcement; outros cdigos mais novos,
a exemplo do de Quebec, tambm se referem execuo ou extino da
obrigao. At o Cdigo da Louisiana tratou do assunto.
Refiro-me a esses cdigos porque so desta dcada. O que estou citando do
Cdigo Comercial americano da ltima edio, de 1990; o Cdigo da
Louisiana, edio de 1999, que foi revista; e o Cdigo de Quebec entrou em
vigor em 1994.
Os autores do Projeto de Cdigo Civil no tiveram conhecimento dessas leis,
porque elas so posteriores. Mas esse o ponto: ficamos com um Projeto de
Cdigo Civil feito antes de os atuais estudantes de Direito terem nascido! O
mundo mudou muito; as coisas ficaram no-factveis na situao em que
estamos.
At aqui falamos das insuficincias; temos ainda as deficincias e o problema
dos paradigmas o assunto vasto.
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Com relao s deficincias, a regra da boa-f tem uma espcie de funo que
chamo de "pretoriana" em relao ao contrato. O chamado "Direito
Pretoriano", no Direito romano, foi aquele que os pretores introduziram para
ajudar, suprir e corrigir o Direito Civil. Havia o Direito Civil estrito (o Direito
Civil mais rigoroso) e o Direito Pretoriano veio adjuvandi, supplendi, vel
corrigendi e juris civilis gratia.
Essa trplice funo existe na clusula geral de boa-f, porque justamente a
idia dessa clusula no contrato ajudar na interpretao do contrato,
adjuvandi, suprir algumas das suas falhas, acrescentar o que nele no est
includo supplendi e eventualmente corrigir alguma coisa que no de direito
no sentido de justo corrigendi. Esse o papel da clusula de boa-f nos
contratos feitos.
So essas trs funes os pontos que, nos pases europeus, na doutrina da
boa-f, mais so salientados. Houve um certo movimento, desde o comeo do
sculo, a propsito da boa-f, ela j teve at mais importncia do que tem
hoje e nos ltimos anos tem havido at um certo refluxo da mesma, mas
continua fundamental para os contratos.
A interpretao de acordo com a boa-f est bem tanto no art. 421 como no
primeiro artigo da Parte Geral sobre interpretao dos negcios jurdicos. Mas
as outras duas funes, aquela que supplendi e a outra que corrigendi, no
esto no Projeto. No caso da funo supplendi, h dois aspectos: um o
problema dos deveres anexos. A clusula de boa-f sempre comentada por
todos os tratadistas, por todos os manuais cria deveres anexos ao vnculo
principal. Existe aquilo a que as partes expressamente se referiram e, depois,
h deveres colocados ao lado, ora ditos secundrios, ora anexos,
especialmente o dever de informar, mais um dever negativo, o de manter
sigilo sobre alguma coisa que soube da outra parte, ou at deveres ditos
positivos, como o de procurar colaborar com a outra parte (da at uma viso
talvez excessivamente romntica, de que os contratantes devem colaborar
entre si).
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Esses deveres anexos, nos Cdigos a que estava me referindo, hoje esto
expressos. O Cdigo Civil holands, por exemplo, trata do assunto no art. 242
do Livro das Obrigaes e diz que as partes devem respeitar aquilo que
convencionaram. Ou seja, o contrato no produz somente os efeitos que foram
convencionados entre as partes, mas igualmente aqueles que, segundo a
natureza do contrato, decorrem das exigncias da razo e da eqidade. Razo
e eqidade a maneira como o Cdigo Civil holands se refere boa-f. Os
autores holandeses evitaram a palavra "boa-f", para que no houvesse
confuso com a chamada "boa-f subjetiva" a boa-f no sentido de
conhecimento ou desconhecimento de uma situao. Como o caso da clusula
geral da boa-f no um problema de boa-f subjetiva, mas sim objetiva, no
sentido de comportamento, os holandeses preferiram mudar a expresso para
"exigncias da razo e da eqidade". De qualquer maneira, falam da boa-f
criando deveres. Idem o art. 1.434 do Cdigo do Quebec que, no caso, j fala
em boa-f. O Projeto, para estar pelo menos de acordo com os dias de hoje,
deveria ter expressa a regra da criao dos deveres anexos.
O outro ponto, a propsito do supplendi das funes da clusula de boa-f,
refere-se s clusulas faltantes. s vezes as partes fazem o contrato e, por
omisso, falta de previso ou incapacidade redacional, no incluem alguma
clusula; teremos, ento, uma omisso. Tambm o Cdigo da Louisiana prev
a falta de clusula e atribui boa-f a idia de pr a clusula que falta no lugar
da omisso.
A terceira funo corrigendi a que me referi e talvez a pior omisso do
Projeto do Cdigo Civil no tema: "clusulas abusivas". O nosso Cdigo do
Consumidor, que veio muito depois do Projeto do Cdigo Civil, est mais
atualizado do que este. O assunto das clusulas abusivas no s tem um
elenco no art. 51 do Cdigo como at o Ministrio da Justia publicou mais 29
no ms de maro de 1999 clusulas abusivas em matria de planos de
sade, de carto de crdito, de transporte areo etc.
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O que se passa no resto do mundo, a propsito disso, so referncias boa-f,
como maneira de evitar as clusulas abusivas. Por exemplo, no Cdigo de
Quebec, em que se define o que clusula abusiva, feita a distino entre
contrato de consumo (le consommateur) e contrato de adeso, porque pode
haver contrato de adeso de quem no consumidor. Considera, portanto,
abusiva a clusula que leva desvantagem o consumidor, ou aderente a
clusula que, de uma maneira excessiva e irrazovel (draisonnable), v
contra as exigncias da boa-f. Mais adiante torna a acrescentar que abusiva
especialmente a clusula to afastada das obrigaes essenciais que desnatura
o contrato. O Cdigo Civil holands tambm define, em seu art. 248, o que
clusula abusiva e assim por diante.
Apontei insuficincias e deficincias a propsito da boa-f nos contratos.
Agora, passarei a uma viso mais global, que demonstra que o paradigma do
Projeto de Cdigo Civil est ultrapassado. Em primeiro lugar, qualquer cientista
hoje na Biologia, na Fsica ou na Qumica conhece um historiador das cincias
chamado Thomas Kuhn, que escreveu um livro chamado A estrutura das
revolues cientficas Traduo por Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira.
So Paulo: Perspectiva, 1975. 262 p. (Debates; 115). No trata de Direito,
mas define o que paradigma, dizendo que o mundo intelectual caminha por
mudanas de paradigma. Um paradigma foi, por exemplo, na Astronomia, o de
Ptolomeu; outro, o de Coprnico. Um paradigma o da geometria de Euclides;
outro, o da geometria no-euclidiana. Um da Biologia antes da gentica, dos
gens; outro, o da gentica, e assim por diante.
No caso do Direito e isso senso comum , aquele paradigma do sculo
passado, da lei, do juiz autmato, da lei geral, universal, em que o juiz no
tinha papel algum, ficou ultrapassado.
Veio, ento, um segundo paradigma, no qual o juiz ganhou um papel
importante, inclusive com os trabalhos sobre hermenutica, o que trouxe
mudanas ao tipo de soluo. E isso o que Kuhn diz a propsito de
paradigma, que uma espcie de modelo de soluo que uma determinada
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rea do conhecimento apresenta para os problemas. O paradigma na viso de
Kuhn um modelo que serve a um grupo que se dedica a algum tipo de
conhecimento, para solucionar os problemas que se apresentam.
O mundo inteiro, em todas as reas, est acostumado a trabalhar com
problemas. Todo bilogo tem problema; todo fsico tem problema. A maneira
como se soluciona o problema o paradigma, e isso aprendemos na escola. O
professor transmite para o aluno; o aluno aprende e ser operador do Direito
com o paradigma que recebeu. Da uma certa dificuldade quando o paradigma
est em mudana ou quando o anterior entrou em crise. Muitos juristas,
muitos professores, no caso do Direito, recusam as inovaes.
Aps o da lei, o paradigma dito do juiz, daquele tempo em que o Estado era
intervencionista, era aquele que usava os famosos conceitos jurdicos
indeterminados, as clusulas gerais; os conceitos indeterminados eram
principalmente o que chamo de "bando dos quatro" moda daquela
revoluo cultural comunista , quais sejam: funo social, boa-f, ordem
pblica e interesse pblico.
O problema todo desses quatro conceitos que eles no tm contedo, so
vazios do ponto de vista axiolgico. Eles servem para retrica, e o mundo de
hoje no se conforma mais com esses conceitos vazios. O paradigma, que
antes era da lei, passou a ser o do juiz e hoje o do caso concreto e da
Constituio. Hoje estamos fugindo do juiz. Essa fuga no um problema do
Judicirio, ele vai decidir o que da misso dele, que conflito real, o caso
difcil, que exige ponderao. Mas o juiz um julgador e, quando no h
necessidade desse julgador, no preciso o juiz. Nesse sentido, h uma fuga
do juiz.
Aponto no s a Lei da Arbitragem, que evidente, mas as instituies como a
Bolsa de Mercadorias e Futuros, como a CVM Comisso de Valores
Mobilirios a OAB, Conselho de Medicina e vrias outras instituies cujos
problemas no desguam no Judicirio. Fiquei perplexo quando tive de tratar
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de um assunto acadmico uma tese sobre a Bolsa de Mercadorias e Futuros
e verifiquei que todos os dias h milhes e milhes de reais que se
transferem entre pessoas que negociam na Bolsa de Mercadorias e Futuros.
Nenhum caso da Bolsa de Mercadorias e Futuros est no Poder Judicirio! As
pessoas esto fugindo da estrutura do Judicirio, prpria do paradigma
anterior. As escolhas, hoje em dia, recaem em apelar para a Constituio e
outros tipos de solues. O Projeto de Cdigo Civil infelizmente volta a insistir
na presena do juiz para muita coisa. O Projeto est no paradigma do Estado
inchado.
Os conceitos indeterminados o "bando dos quatro" a que me referi
continuam a ser usados hoje, mas agora com diretrizes materiais. A
Constituio, sobre a funo social, no se limitou a dizer que a propriedade
tem funo social, como est no art. 5. Na verdade, disse o que era funo
social no art. 182, 2, para os imveis urbanos e para a propriedade rural no
art. 186. Ou seja, d diretrizes, no um jogo de palavras retrico.
Com relao boa-f, todos os cdigos modernos do diretrizes. O Cdigo Civil
holands diz que a boa-f deve ser vista de acordo com o Direito holands, de
acordo com o interesse das partes, combinado com o interesse coletivo.
Procura-se dar ao juiz alguma diretiva; uma diretriz para o conceito.
Evidentemente, h normas de ordem pblica um tipo de situao da qual se
fala tanto que so as cogentes: estas continuam, sem problema. O
problema real do conceito indeterminado de ordem pblica quando se fala
em "princpio" de ordem pblica e no em "regra" de ordem pblica. A regra
de ordem pblica a cogente, mas, quando se fala em princpio e que a no
tem definio, a tendncia hoje recusar esse emprego vago. Na verdade,
deve-se fazer a distino entre ordem pblica de direo que era aquela
econmica, prpria da primeira metade do sculo e a ordem pblica de
proteo s pessoas mais fracas que se reflete em normas cogentes. A
ordem pblica de direo, hoje encarada como princpio, est limitada
dignidade humana. Quando alguma norma, alguma deciso, algum contrato
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quebra a dignidade humana, podemos dizer que ela quebra o princpio de
ordem pblica; mas da extravasar para uma ordem pblica de ordem
econmica j no est no mundo de hoje.
Todo cdigo implica um certo desgaste social e um trabalho muito grande para
os operadores do Direito. O meu ponto de vista que o Projeto de Cdigo Civil
um pouco, s um pouco mais adiantado do que o Cdigo Civil vigente. Claro,
porque um de 1916 e o outro de 1970. Porm, no concordo tendo em
vista as mudanas do mundo de hoje em adotarmos, para o ano 2000, um
Projeto, que de 1970, por uma pequena melhora em relao ao Cdigo Civil.
No vale, tudo posto na balana, o desgaste que isso representa e aquilo que
vai resultar para ns. A questo no s o Cdigo Civil, e sim, todo o Direito
Civil, e o Direito Civil como est superior ao Direito Civil como ficaria, se
fosse aprovado o Projeto.
O Dr. Antonio Junqueira de Azevedo Professor da Universidade de So
Paulo.
A FUNO SOCIAL DOS CONTRATOS, A BOA-F OBJETIVA E AS
RECENTES SMULAS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA.16
Flvio Tartuce.17
Sumrio: 1. INTRODUO. 2. A SMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIA: A RESTRIO DOS EFEITOS DA HIPOTECA.. 3. A
SMULA 302 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA: A ABUSIVIDADE
DA CLUSULA RESTRITRIVA DE INTERNAO EM CONTRATOS DE
PLANO DE SADE. 3. AS SMULAS 297 E 285 DO SUPERIOR
16 Artigo publicado na Revista cientfica da Escola Paulista de Direito (EPD So Paulo). Ano I. N. I. Maio/Agosto de 2005. Coordenao cientfica Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. 17 Graduado pela Faculdade de Direito da USP em 1998. Especialista em Direito Contratual pela COGEAE-PUC/SP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Professor dos cursos de ps-graduao em Direito Civil, Direito Civil e Processo Civil e Direito Empresarial da Escola Paulista de Direito (EPD). Autor e colaborador de obras jurdicas. Advogado em So Paulo. Site: www.flaviotartuce.adv.br.
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TRIBUNAL DE JUSTIA. A APLICAO DO CDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR S INSTITUIES BANCRIAS E FINANCEIRAS. 4. A
SMULA 286 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA: A POSSIBILIDADE
DE REVISO DE CONTRATOS OBJETO DE NOVAO. 5. REFERNCIA
BIBLIOGRFICAS.
1. INTRODUO.
Em nosso livro A Funo Social dos Contratos, tivemos a oportunidade de
demonstrar toda a evoluo pela qual vem passando o contrato,
particularmente todas as alteraes substanciais pelas quais vem passando
esse instituto, que basilar e fundamental no s para o Direito Civil, como
para todo o Direito Privado.18
No vamos, aqui, repetir todos os conceitos que constaram naquela obra.
Na realidade, o presente trabalho serve como atualizao antecipada do nosso
trabalho, trazendo novos tratamentos jurisprudenciais dados tanto em relao
funo social dos contratos quanto boa-f objetiva. Isso, inclusive, para
demonstrar que a jurisprudncia de nossos Tribunais superiores vm
acompanhando essa tendncia.
De qualquer forma, pertinente lembrar que, pela funo social dos
contratos, os negcios jurdicos patrimoniais devem ser analisados de acordo
com o meio social. No pode o contrato trazer onerosidades excessivas,
despropores, injustia social.19 Tambm, no podem os contratos violar
18 Flvio Tartuce. A Funo Social dos Contratos. Do Cdigo de Defesa do Consumidor ao Novo Cdigo Civil. So Paulo: Mtodo, 2005. 19 No se pode esquecer que o contrato importante fonte obrigacional. Nesse sentido, Nelson Rosenvald, um dos mais brilhantes juristas da nova gerao sintetiza muito bem como deve ser encarada a obrigao atualmente: A obrigao deve ser vista como uma relao complexa, formada por um conjunto de direitos, obrigaes e situaes jurdicas, compreendendo uma srie de deveres de prestao, direitos formativos e outras situaes jurdicas. A obrigao tida como um processo uma srie de atos relacionados entre si -, que desde o incio se encaminha a uma finalidade: a satisfao do interessa na prestao. Hodiernamente, no mais prevalece o status formal das partes, mas a finalidade qual se dirige a relao dinmica. Para alm da perspectiva tradicional de subordinao do devedor ao credor existe o bem comum da relao obrigacional, voltado para o adimplemento, da forma mais satisfativa ao credor e menos onerosa ao devedor. O bem comum na relao obrigacional traduz a solidariedade mediante a cooperao dos indivduos para a satisfao dos interesses patrimoniais recprocos, sem comprometimento dos direitos da
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32
interesses metaindividuais ou interesses individuais relacionados com a
proteo da dignidade humana, conforme reconhece Enunciado n. 23 do
Conselho da Justia Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil.20
Assim sendo, entendemos que a funo social dos contratos traz
conseqncias dentro do contrato (intra partes) e tambm para fora do
contrato (extra partes).
Como efeito intra partes, citamos a previso do art. 413 do novo Cdigo
Civil, exemplo tpico de relativao da fora obrigatria do contrato (pacta sunt
servanda), justamente uma das conseqncias da funo social dos negcios
jurdicos. Por esse dispositivo, o juiz deve reduzir o valor da clusula penal se
a obrigao tiver sido cumprida em parte ou se entender que a multa
excessivamente onerosa. Como o comando legal utiliza-se a expresso deve
a reduo de ofcio, sem a necessidade de argio pela parte interessada.
Isso confirmado pela natureza jurdica do princpio da funo social dos
contratos, de ordem pblica, conforme previso do art. 2.035, pargrafo nico,
do prprio Cdigo Civil.21
Como exemplo de efeitos extra partes, citamos um caso em que o
contrato, pelo menos aparentemente, bom para as partes, mas ruim para a
sociedade. Podemos citar um contrato celebrado entre uma empresa e uma
agncia de publicidade. O contrato civil e paritrio, no trazendo qualquer
desequilbrio ou quebra do sinalagma. Entretanto, a publicidade veiculada
discriminatria (publicidade abusiva art. 37, 2 do CDC), estando nesse
ponto presente o vcio. Pela presena do abuso de direito, o contrato pode ser
personalidade e da dignidade do credor e devedor (Dignidade Humana e Boa-F. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 204). 20 Art. 421: a funo social do contrato, prevista no art. 421 do novo Cdigo Civil, no elimina o princpio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princpio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo dignidade da pessoa humana. 21 Entendemos que a funo social do contrato tem respaldo na Constituio Federal. Primeiro, na trade dignidade-solidariedade-igualdade, que consubstancia o Direito Civil Constitucional, constantes dos arts. 1, 3 e 5 da Norma Fundamental. Segundo, na funo social da propriedade (art. 5, XXII e XXIII e art. 170, III da CF/88) (Flvio Tartuce. Funo Social dos Contratos, ob, cit.). Sobre o Direito Civil Constitucional recomendamos a leitura da obra de Gustavo Tepedino (Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004).
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tido como nulo, combinando-se os arts. 187 e 166, VI, do novo Cdigo Civil
nulidade por fraude lei imperativa diante do ato emulativo.22
Ao lado da funo social dos contratos, a boa-f objetiva procura valorizar
a conduta de lealdade dos contratantes em todas as fases contratuais (art. 422
do novo Cdigo Civil - funo de integrao da boa-f).
Na dvida, os negcios jurdicos devem ser interpretados conforme a
boa-f (art. 113 do novo Cdigo Civil funo de interpretao da boa-f).
Em reforo, lembramos a interpretao a favor do consumidor (art. 47 do
CDC) e do aderente (art. 423 do novo Cdigo Civil).
Por fim, a boa-f objetiva est relacionada com deveres anexos, inerentes
a qualquer negcio. A quebra desses deveres caracteriza o abuso de direito
(art. 187 do novo Cdigo Civil funo de controle da boa-f).
Sem dvidas, esses dois princpios trazem uma nova dimenso contratual.
Felizmente, antes mesmo do novo Cdigo Civil a nossa melhor jurisprudncia
j vinha aplicando ao contrato esses novos paradigmas.
Superou-se a tese pela qual o contrato visa principalmente a segurana
jurdica. Na realidade, o contrato tem a principal funo de atender pessoa e
aos interesses da coletividade, diante da tendncia de personalizao do
Direito Privado.23 Essa a real funo dos contratos!
As smulas a seguir, felizmente, servem para demonstrar essa tendncia.
Passamos a analisar o seu contedo.
2. A SMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA: A
RESTRIO DOS EFEITOS DA HIPOTECA.
Prev a Smula 308 do Superior Tribunal de Justia que: A hipoteca
firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior
22 Vale citar uma passagem de Luigi Ferri, citando Acarelli no sentido de que o juiz dever anular qualquer acordo de vontades pela simples ocorrncia de um dano potencial sociedade, mesmo que haja algum outro interesse comum (Luigi Ferri. La Autonomia Privada. Traduo e notas em espanhol por Luis Sancho Mendizibal. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1969, p. 438) 23 Sobre a personalizao do Direito Privado, recomendamos as contribuies de Luiz Edson Fachin, particularmente a brilhante obra Estatuto Jurdico do Patrimnio Mnimo (Rio de Janeiro: Renovar, 2001).
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celebrao da promessa de compra e venda, no tem eficcia perante os
adquirentes do imvel. Trata-se de smula com relevante enfoque sociolgico.
Ora, sabe-se que a hipoteca um direito real de garantia sobre coisa
alheia, que recai principalmente sobre bens imveis, tratada entre os arts.
1.473 a 1.505 do atual Cdigo Civil. Sem prejuzo dessas regras especiais, a
codificao traz ainda regras gerais quanto aos direitos reais de garantia, entre
os seus artigos 1.419 a 1.430.
Um dos principais efeitos da hipoteca a constituio de um vnculo real,
que acompanha a coisa (art. 1.419). Esse vnculo real tem efeitos erga omnes,
dando direito de excusso ao credor hipotecrio, contra quem esteja o bem
(art. 1.422).
Exemplificando, se um imvel garantido pela hipoteca, possvel que o
credor reivindique o bem contra terceiro adquirente do bem, o que traz o que
se denomina direito de seqela. Assim, no importa se o bem foi transferido a
terceiro; esse tambm perder o bem, mesmo que o tenha adquirido de boa-
f.24
A constituio da hipoteca muito comum em contratos de construo
e incorporao imobiliria, visando um futuro condomnio edilcio. Como
muitas vezes o construtor no tem condies econmicas para levar a frente
a sua obra, celebra um contrato de emprstimo de dinheiro com um terceiro
(agente financeiro ou agente financiador), oferecendo o prprio imvel como
garantia, o que inclui todas as suas unidades do futuro condomnio.
24 Marco Aurlio S. Viana comenta muito bem esse efeito da hipoteca: O que caracteriza o direito real de garantia a vinculao de um bem ao cumprimento da obrigao. Sua funo assegurar ao credor a satisfao do crdito, colocando-o a cavaleiro da insolvncia do devedor (Cf. Orlando Gomes, Direitos Reais, cit., v. 2, p. 468; Clvis Bevilacqua, Direito das Coisas, cit., v. 2, p. 10). O titular do direito goza de seqela e preferncia. Vinculado o bem garantia de uma prestao, sua transmisso implica na do gravame. Isso equivale a dizer que o titular do direito real de garantia acompanhar o bem, exigindo a satisfao do crdito, pouco importando em mos de quem ele esteja. O valor do bem est afeto satisfao do crdito. Assim, quem adquire imvel hipotecado, por exemplo, poder v-lo levado venda para pagamento da dvida que garantia. o direito de seqela (Comentrios ao Novo Cdigo Civil. Volume XVI. Coordenador: Slvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 700).
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Iniciada a obra, o incorporador comea a vender as unidades para
terceiros, que no caso so consumidores, pois evidente a caracterizao
da relao de consumo, nos moldes dos arts. 2 e 3 da Lei n. 8.078/90.
Diante da boa-f objetiva e da fora obrigatria que ainda rege os
contratos, espera-se que o incorporador cumpra com todas as suas
obrigaes perante o agente financiador, pagando pontualmente as parcelas
do financiamento. Assim sendo, no haver maiores problemas.
Mas, infelizmente, como nem tudo so flores, nem sempre isso ocorre.
Em casos tais, quem acabar perdendo o imvel, adquirido a to duras
penas? O consumidor, diante do direito de seqela advindo da hipoteca.
A referida smula visa justamente proteger o ltimo, restringindo os
efeitos da hipoteca s partes contratantes. Isso, diante da boa-f objetiva, j
que aquele que adquiriu o bem pagou pontualmente as suas parcelas frentes
incorporadora, ignorando toda a sistemtica jurdica que rege a incorporao
imobiliria.
Presente a boa-f do adquirente, no poder ser responsabilizado o
consumidor pela conduta da incorporadora, que acaba no repassando o
dinheiro ao agente financiador. Fica claro, pelo teor da smula, que a boa-f
objetiva tambm envolve ordem pblica, pois caso contrrio no seria possvel
a restrio do direito real.25
Alis, conclumos que a boa-f objetiva princpio de ordem pblica
interpretando o art. 167, 2, do novo Cdigo Civil, que traz a inoponibilidade
25 A referncia boa-f expressa no recente julgado a seguir transcrito, do prprio STJ, j aplicando a recente smula 380: CIVIL E CONSUMIDOR. IMVEL. INCORPORAO. FINANCIAMENTO. SFH. HIPOTECA. TERCEIRO ADQUIRENTE. BOA-F. NO PREVALNCIA DO GRAVAME. 1 - O entendimento pacificado no mbito da Segunda Seo deste STJ no sentido de que, em contratos de financiamento para construo de imveis pelo SFH, a hipoteca concedida pela incorporadora em favor do Banco credor, ainda que anterior, no prevalece sobre a boa-f do terceiro que adquire, em momento posterior, a unidade imobiliria. Smula 308 do Superior Tribunal de Justia. 2 - Recurso especial conhecido, mas no provido (STJ, REsp 625045 / GO ; RECURSO ESPECIAL 2003/0229385-3, RELATOR: Ministro FERNANDO GONALVES, QUARTA TURMA, Julgamento: 17/05/2005, Publicao: DJ 06.06.2005).
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do ato simulado frente a terceiros e boa-f. Esclarecemos. Como se sabe, a
simulao gera, em regra, a nulidade absoluta do negcio celebrado. Mas essa
nulidade absoluta, que envolve ordem pblica, no poder ser oposta frente a
terceiros de boa-f. Pois bem, se o princpio da boa-f no envolvesse ordem
pblica, a boa conduta no faria frente ao ato simulado.
Superado esse ponto, entendemos que a smula 308 do STJ tambm
mantm relao com o princpio da funo social dos contratos, j que visa
preservar os efeitos do contrato de compra e venda do imvel a favor do
consumidor, parte economicamente mais fraca. Por essa simples razo, j
mereceria os nossos aplausos.
Mas a smula visa tambm proteger o direito moradia, assegurado
constitucionalmente, no art. 6 da Carta Poltica de 1988. Reforando, tende-
se a preservar o negcio jurdico, diante do principio da conservao negocial,
inerente concepo social do contrato.26
Concluindo, percebe-se que a eticidade e a socialidade acabam fazendo
milagres no campo prtico, relativizando o rigor formal da concepo dos
direitos reais, em prol da proteo do vulnervel, do hipossuficiente, daquele
que sempre agiu conforme a boa-f.
3. A SMULA 302 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA: A
ABUSIVIDADE DA CLUSULA RESTRITRIVA DE INTERNAO EM
CONTRATOS DE PLANO DE SADE.
No se pode esquecer da grande importncia do Cdigo de Defesa do
Consumidor para os contratos, uma vez que a grande maioria dos negcios
jurdicos patrimoniais so de consumo, enquadrados nos arts. 2 e 3 da Lei
n. 8.078/90.
Por muito tempo, afirmou-se que, havendo relao jurdica de consumo
no seria possvel a aplicao concomitante do Cdigo Civil e do Cdigo de
26 Interessante aqui transcrever o Enunciado n. 22 do Conselho da Justia Federal, tambm da I Jornada de Direito Civil, que traz a relao entre funo social e conservao contratual: Art. 421: a funo social do contrato, prevista no art. 421 do novo Cdigo Civil, constitui clusula geral, que refora o princpio de conservao do contrato, assegurando trocas teis e justas.
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Defesa do Consumidor. Isso, na vigncia do Cdigo anterior, eminentemente
individualista e muito distante da proteo do vulnervel constante da Lei
Consumerista.
Entretanto, atualmente e ao contrrio, tem-se defendido um dilogo das
fontes entre o Cdigo Civil e o Cdigo de Defesa do Consumidor. Por meio
desse dilogo, deve-se entender que os dois sistemas no se excluem, mas se
complementam. A tese foi trazida para o Brasil por Cludia Lima Marques,
utilizando os ensinamentos de Erik Jayme.27 Isso se d diante de uma
aproximao principiolgica entre os dois sistemas legislativos, principalmente
no que tange aos contratos.28
27 Cludia Lima Marques demonstra as razes filosficas e sociais da tese do dilogo da fontes: Segundo Erik Jayme, as caractersticas da cultura ps-moderna no direito seriam o pluralismo, a comunicao, a narrao, o que Jayme denomina de le retour des sentiments, sendo o Leitmotiv da ps-modernidade a valorizao dos direitos humanos. Para Jayme, o direito como parte da cultura dos povos muda com a crise da ps-modernidade. O pluralismo manifesta-se na multiplicidade de fontes legislativas a regular o mesmo fato, com a descodificao ou a imploso dos sistemas genricos normativos (Zersplieterung), manifesta-se no pluralismo de sujeitos a proteger, por vezes difusos, como o grupo de consumidores ou os que se beneficiam da proteo do meio ambiente, na pluralidade de agentes ativos de uma mesma relao, como os fornecedores que se organizam em cadeia e em relaes extremamente despersonalizadas. Pluralismo tambm na filosofia aceita atualmente, onde o dilogo que legitima o consenso, onde os valores e princpios tm sempre uma dupla funo, o double coding, e onde os valores so muitas vezes antinmicos. Pluralismo nos direitos assegurados, nos direitos diferena e ao tratamento diferenciado aos privilgios dos espaos de excelncia (JAYME, Erik. Identit culturelle et intgration: le droit internacionale priv postmoderne. Recueil des Cours de lAcadmie de Droit International de la Haye, 1995, II, Kluwer, Haia, p. 36 e ss) (MARQUES, Cludia Lima. Comentrios ao Cdigo de Defesa do Consumidor. Introduo. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 24). 28 Sobre essa aproximao, alis, foi aprovado o Enunciado n 167 na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justia Federal em dezembro ltimo, com o seguinte teor: Com o advento do Cdigo Civil de 2002, houve forte aproximao principiolgica entre esse Cdigo e o Cdigo de Defesa do Consumidor, no que respeita regulao contratual, uma vez que ambos so incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos. As razes apontadas pelo magistrado paraibano e jovem civilista Wladimir Alcibades Marinho Falco Cunha, autor da proposta, so pertinentes, merecendo transcrio o seguinte trecho: Entretanto pode-se dizer que, at o advento do Cdigo Civil de 2002, somente o Cdigo de Defesa do Consumidor encampava essa nova concepo contratual, ou seja, somente o CDC intervinha diretamente no contedo material dos contratos. Entretanto, o Cdigo Civil de 2002 passou tambm a incorporar esse carter cogente no trato das relaes contratuais, intervindo diretamente no contedo material dos contratos, em especial atravs dos prprios novos princpios contratuais da funo social, da boa-f objetiva e da equivalncia material.Assim, a corporificao legislativa de uma atualizada teoria geral dos contratos protagonizada pelo CDC teve sua continuidade com o advento do Cdigo Civil de 2002, o qual, a exemplo daquele, encontra-se carregado de novos princpios jurdicos contratuais e clusulas gerais, todos hbeis a proteo do
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Pretendemos analisar a Smula 302 do STJ luz desse dilogo de
complementariedade entre os dois sistemas, a permitir a aplicao
simultnea, coerente e coordenada das plrimas fontes legislativas.29 Prev a
referida smula que abusiva a clusula contratual de plano de sade que
limita no tempo o internao hospitalar do segurado.
A smula somente consubstancia o que j vinha entendendo tanto a
doutrina quanto a jurisprudncia.30 A abusividade da clusula flagrante,
enquadrando-se inicialmente no art. 51, I, da Lei n. 8.078/90, pela qual nula
a clusula que exonerem ou atenuem a responsabilidade do prestador do
servio. Alm dessa previso, a referida clusula j era vedada expressamente
pela Portaria n. 3, de 19 de maro de 1999, da Secretaria de Direito
Econmico do Ministrio da Justia.31
Fazendo um necessrio dilogo das fontes, a clusula de limitao de
internao poderia tambm ser considerada abusiva pelo que consta do art.
424 do atual Cdigo Civil, j que o contrato em questo assume a forma de
adeso, sendo o seu contedo imposto unilateralmente pela empresa de plano
de sade.
Isso porque o comando legal em questo prev a nulidade absoluta, nos
contratos de adeso, das clusulas que implicam em renncia prvia a direito
consumidor mais fraco nas relaes contratuais comuns, sempre em conexo axiolgica, valorativa, entre dita norma e a Constituio Federal e seus princpios constitucionais. Cdigo de Defesa do Consumidor e o Cdigo Civil de 2002 so, pois, normas representantes de uma nova concepo de contrato e, como tal, possuem pontos de confluncia em termos de teoria contratual, em especial no que respeita aos princpios informadores de uma e de outra norma (Proposta enviada por e-mail pelo prprio Conselho da Justia Federal aos participantes da III Jornada). 29 Marques, Cludia Lima, Comentrios, ob. cit., p. 26. 30 Por todos os julgados, transcrevemos o seguinte: CONTRATO - Plano de sade - Contrato de adeso - Relatividade das volies contratuais - Clusula limitativa - Internao em unidade de terapia intensiva (UTI) - Prazo exguo de 15 dias anuais com prorrogao dependente unicamente do critrio da prestadora de servio - Nulidade - Predominncia do direito vida sobre qualquer outro - Criao de vantagem exagerada para o convnio e restrio do direito para o conveniado - Lei Federal n. 8.078, de 1990 (art. 5, IV) - Recurso provido. (Tribunal de Justia de So Paulo, Apelao Cvel n. 144.424-4/0 - So Paulo - 4 Cmara de Direito Privado de Frias Janeiro/2004" - Relator: Munhoz Soares - 29.01.04 - V. U.) 31 A portaria, regulamentando o art. 51 do CDC, considera abusivas, dentre outras, as clusulas que: 2. Imponham, em contratos de planos de sade firmados anteriormente Lei 9665/98, limites ou restries a procedimentos mdicos (consultas, exames mdicos, laboratoriais e internaes hospitalares, UTI e similares) contrariando prescrio mdica.
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resultante da natureza do negcio. Ora, pela referida clusula est sendo
limitado o uso do servio pelo aderente, que o principal objetivo do contrato
celebrado entre as partes.
Partindo-se para a anlise principiolgica da referida smula, observa-se,
de imediato, que a mesma traz aplicao direta do princpio da funo social
dos contratos, relativizando a fora obrigatria (efeito inter partes).
Podemos tambm citar o j mencionado Enunciado n. 23 do Conselho da
Justia Federal, uma vez que a autonomia contratual no pode prevalecer
diante de um interesse maior, relacionado com a vida e com a integridade
fsica do segurado, direitos da personalidade relacionados com a dignidade
humana. Vale lembrar que os direitos da personalidade so irrenunciveis
(art. 11 do novo Cdigo Civil). Pela clusula de limitao de internao, o
contratante renuncia ao direito de ser tratado como se espera, principalmente
num caso de gravidade, em unidade de tratamento intensivo (UTI). Sem
prejuzo de tudo isso, entendemos que a clusula de limitao traz no seu
contedo um abuso de direito (art. 187 do novo Cdigo Civil), a gerar a sua
nulidade por fraude lei imperativa (art. 166, VI, do nCC).
Em reforo, a parte que impe a referida clusula desrespeita o dever
anexo de lealdade e, com isso, a boa-f objetiva que se espera nas relaes
negociais.32 Percorre-se o mesmo caminho: pela quebra da boa-f, caracteriza-
se o abuso de direito a gerar a nulidade absoluta do referida clusula.
De qualquer forma, no se pode esquecer que a clusula nula, mas deve
preservado todo o resto do contrato, aplicao direta do art. 51, 2 do
Cdigo de Defesa do Consumidor, que consagra o princpio da conservao
contratual na tica consumerista.33
32 Sobre a quebra dos deveres anexos, relacionados com a boa-f objetiva, vale conferir o teor do Enunciado n. 24, tambm da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justia Federal: Art. 422: em virtude do princpio da boa-f, positivado no art. 422 do novo Cdigo Civil, a violao dos deveres anexos constitui espcie de inadimplemento, independentemente de culpa. 33 Art. 51. (...) 2 A nulidade de uma clusula contratual abusiva no invalida o contrato, exceto quando de sua ausncia, apesar dos esforos de integrao, decorrer nus excessivo a qualquer das partes. J tivemos a oportunidade de demonstrar a relao entre o princpio da conservao do contrato e a funo social, lembrando a proteo do ato jurdico perfeito, que consta do art. 5, XXXVI da CF/88 e a importante funo que o contrato exerce para a sociedade. Assim sendo, a nulidade deve ser o ltimo recurso (Tartuce,
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Feitas essas observaes e ressalvas, manifestamos o nosso entusiasmo e
a nossa concordncia integral em relao Smula 302 do STJ, que atende
quela visualizao personalizada do Direito Contratual, pela qual o principal
objetivo dos negcios jurdicos patrimoniais atender aos interesses da
pessoa. Isso, sintonizada, com o Direito Civil Constitucional e os seus trs
princpios mximos: a proteo da dignidade humana (art. 1, III, da CF/88),
a solidariedade social (art. 3, I, da CF/88) e a igualdade em sentido amplo
(art. 5, caput, da CF/88).
4. AS SMULAS 297 E 285 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIA. A APLICAO DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
S INSTITUIES BANCRIAS E FINANCEIRAS.
Ainda em relao ao Cdigo de Defesa do Consumidor, duas
importantes smulas do Superior Tribunal de Justia prevem a sua
aplicao em dois casos muito comuns da prtica contratual: aos contratos
bancrios e financeiros. Transcreveremos o teor das ementas de forma
destacada para uma anlise conjunta:
Smula 297: O Cdigo de Defesa do Consumidor aplicvel s
instituies
financeiras
Smula 285: Nos contratos bancrios posteriores ao Cdigo de
Defesa do
Consumidor incide a multa moratria nele prevista.
As duas ementa sepultam de vez a suposta discusso quanto existncia
ou no de relao de consumo nos contratos celebrados com as instituies
bancrias e financeiras.
Dizemos suposta, e de forma destacada, pois sempre nos pareceu clara a
possibilidade de aplicao da Lei n. 8.078/90 ao contratos celebrados entre
correntistas/destinatrios finais e instituies bancrias e financeiras. Alis,
entender ao contrrio sepultaria a efetividade prtica do Cdigo de Defesa do
Flvio. A Funo Social dos Contratos. Do Cdigo de Defesa do Consumidor ao Novo Cdigo Civil. So Paulo: Mtodo, 2005, p. 104). .
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Consumidor em nosso Pas. Por certo que o grande interesse social relacionado
com a norma consumerista v-la aplicada s relaes jurdicas que as
pessoas mantm com as instituies bancrias e financeiras.
A possibilidade ou, mais do que isso, a necessidade de aplicao do
Cdigo de Defesa do Consumidor fica clara pelo que consta do art. 3, 2, da
Lei n. 8.078/90, pelo qual servio qualquer atividade fornecida no mercado
de consumo, mediante remunerao, inclusive as de natureza bancria,
financeira, de crdito e securitria, salvo as decorrentes das relaes de
carter trabalhista (destacamos). Norma mais clara no h!
De qualquer forma, os bancos, por meio da Confederao Nacional do
Sistema Financeiro (Consif) propuseram uma ao declaratria de
inconstitucionalidade desse comando consumerista, que recebe o nmero
2.591/2003. Nessa ao pretendem que o CDC no seja aplicado s relaes
bancrias. Com todo o respeito em relao s razes que constam da referida
ao, com ela no concordamos em hiptese alguma.
A referida ADIN, para ns, totalmente destoada da principiologia
adotada pela Constituio Federal de 1988 que protege os consumidores de
forma expressa (art. 5, XXXII e art. 170, V). A no aplicao do CDC aos
bancos viola a prpria dignidade humana e a solidariedade social,
particularmente a tendncia de personalizao do Direito Privado. Essa no
incidncia entra em conflito tambm com a funo social dos contratos e a
boa-f objetiva, regramentos sociais indeclinveis que corporificam uma nova
realidade contratual.
Esperamos, portanto, que a ADIN n. 2.591/2001 no obtenha xito. Na
verdade, entendemos que a mesma est prejudicada pela entrada em vigor no
novo Cdigo Civil, que confirma a tendncia de proteo dos mais fracos, dos
mais frgeis.34
34 Concordamos integralmente com a notas do advogado e professor Paulo R. Roque A Khouri em relao referida ADIN: Ora, da forma como a questo colocada na ADIn n 2.591, o consumidor jamais poderia valer-se das normas protetivas do CDC, principalmente, do art. 6, V, para questionar, v. g., juros bancrios pactuados em 500% ao ano. Tal entendimento contraria, ao meu sentir, a prpria Constituio Federal que elegeu a defesa do consumidor, no seu art. 5, XXXII, como um direito e garantia fundamental. De mesma forma, ao lado da prpria funo social da propriedade, da livre concorrncia, a defesa do consumidor princpio da ordem econmica de acordo com o art. 170 da Constituio. Impedir ao consumidor o direito de questionar a justia da pactuao da clusula de juros implica negar vigncia a um direito e garantia
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Com o insucesso da ADIN, continuaro a ter aplicao as referidas
smulas, com a aplicao do CDC aos contratos bancrios e financeiros, entre
os ltimos, o caso dos contratos de carto de crdito. De qualquer forma, o
que falta ainda jurisprudncia brasileira limitar as taxas de juros cobrada
por tais instituies, o que no vem ocorrendo, diante da vigncia de duas
outras smulas de nossos Tribunais Superiores.
A Smula 596 do STF prev que as instituies bancrias no esto
sujeitas Lei de Usura (Decreto-lei 22.626/1933), sendo perfeitamente
possvel a livre conveno de juros, o que vem sendo aplicado pelo STJ.35 A
recente Smula 283 do STJ prev o mesmo para as empresas administradoras
de carto de crdito. J manifestamos nossa discordncia em relao s
referidas smulas.36
Na situao descrita vemos um paradoxo: duas smulas prevem a
aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor aos contratos bancrios e
financeiros; mas duas outras trazem a livre conveno dos juros. Em outras
palavras: as Smulas 297 e 285 do STJ tendem a proteger os consumidores; fundamental, como se fosse dada instituio financeira uma carta branca para