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1 Resumos Literatura Portuguesa Exames 2011 10º Ano Cantigas de amor o Elogio superlativo da dama (de elevada estirpe social); o Amor cortês (distância respeitosa do trovador em relação à Senhora, cuja identidade, por princípio, não revelará); o Vassalagem amorosa; o Queixume pela desgraça de amor devido aos rigores, indiferença ou desamor da dama; (A dama não deixa, por esse motivo, de ser, a todos os títulos, digna de amor e louvor). o Quem nestas cantigas fala é um homem (sujeito poético) que se dirige ou se refere a uma dona, oriunda de um estrato social superior (residindo em ambientes palacianos). o O trovador imaginava a “dona” como um “suserano” a quem “servia” numa atitude submissa de “vassalo”. Cantigas de Amor: neste tipo de cantiga o trovador destaca todas as qualidades da mulher amada, colocando-se numa posição inferior (de vassalo) a ela. O tema mais comum é o amor não correspondido. As cantigas de amor reproduzem o sistema hierárquico na época do feudalismo , pois o trovador passa a ser Joana Filipa Calado Época Clássica (Recuperação da Antiguidade Clássica) Séc. XIV - XVIII Séc. XII - XIV Séc. XVIII Séc. XIX

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1 Resumos Literatura Portuguesa Exames 2011

10º AnoCantigas de amor

o Elogio superlativo da dama (de elevada estirpe social);o Amor cortês (distância respeitosa do trovador em relação à Senhora, cuja

identidade, por princípio, não revelará);o Vassalagem amorosa;o Queixume pela desgraça de amor devido aos rigores, indiferença ou desamor

da dama; (A dama não deixa, por esse motivo, de ser, a todos os títulos, digna de amor e louvor).

o Quem nestas cantigas fala é um homem (sujeito poético) que se dirige ou se refere a uma dona, oriunda de um estrato social superior (residindo em ambientes palacianos).

o O trovador imaginava a “dona” como um “suserano” a quem “servia” numa atitude submissa de “vassalo”.

Cantigas de Amor: neste tipo de cantiga o trovador destaca todas as qualidades da mulher amada, colocando-se numa posição inferior (de vassalo) a ela. O tema mais comum é o amor não correspondido. As cantigas de amor reproduzem o sistema hierárquico na época do feudalismo, pois o trovador passa a ser o vassalo da amada (suserana) e espera receber um benefício em troca de seus “serviços” (as trovas, o amor dispensado, sofrimento pelo amor não correspondido).

Cantigas de Amigo

As Cantigas de Amigo, de forma mais simples, apresentam-nos, em geral, a mulher integrada no ambiente rural: na fonte ou na romaria, lugares de namoro; sob as flores do pinheiro ou de avelaneira; no rio, onde lava a roupa e os cabelos ou se desnuda para tomar banho; na praia, onde aguarda o regresso dos barcos.

Joana Filipa Calado

Época Clássica (Recuperação da Antiguidade Clássica)

Séc. XIV - XVIIISéc. XII - XIV Séc. XVIII Séc. XIX

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O trovador usa o artifício de falar como uma menina enamorada, do povo, que se dirige ao amigo ou amado, que fala dele à própria mãe, às irmãs, às companheiras ou ao Santo da sua devoção.

Estas cantigas são postas na boca de uma mulher solteira (sujeito poético), donzela, que exprime os seus pequenos dramas e situações da vida amorosa.

O paralelismo constitui a característica formal mais importante deste tipo de cantigas)

Nas cantigas de amigo nota-se: o eu-lírico é feminino, apesar de escritas por homens; ao contrário da cantiga de amor, onde o sentimento não se realiza fisicamente, na cantiga de amigo (entende-se por amigo, o amado) há nítidas referências à saudade física do amigo ausente.

Cantigas de Amigo: enquanto nas Cantigas de Amor o eu-lírico é um homem, nas de Amigo é uma mulher (embora os escritores fossem homens). A palavra amigo nestas cantigas tem o significado de namorado. O tema principal é a lamentação da mulher pela falta do amado.

Cantigas de escárnio e maldizer

Cantigas de Maldizer: através delas, os trovadores faziam sátiras diretas, chegando muitas vezes a agressões verbais. Em algumas situações eram utilizados palavrões. O nome da pessoa satirizada podia aparecer explicitamente na cantiga ou não.

Cantigas de Escárnio: nestas cantigas o nome da pessoa satirizada não aparecia. As sátiras eram feitas de forma indireta, utilizando-se de duplos sentidos.

Cantiga de escárnio e maldizer

A cantiga de escárnio distingue-se da cantiga de maldizer pelo facto de na primeira a sátira ser

Menos direta, baseando-se em trocadilhos e ironias, sem identificar a pessoa satirizada, ao contrário do que sucede nas cantigas de maldizer, que por vezes chegam a ser grosseiras.

Farsa de Inês Pereira (Gil Vicente)

A Farsa de Inês Pereira é uma peça de teatro escrita por Gil Vicente, na qual retrata a ambição de uma criada da classe média portuguesa do século XVI. Desafiado por aqueles que duvidavam do seu talento, Gil Vicente concorda em escrever uma peça que comprove o provérbio "Mais quero asno que me leve, que cavalo que me derrube".

Toda a peça gira à volta da personagem principal Inês Pereira que nunca sai de cena. As didascálicas são escassas, não há mudança de cenário, e a mudança de cena é só pautada pela entrada ou saída de personagens.

Todas as personagens desta farsa visam a critica social, por isso são chamadas personagens tipo.

Resumo

Joana Filipa Calado

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As farsas, baseiam-se em temas da vida quotidiana, tendo um enredo cómico e profano. A Farsa de Inês Pereira parte de um provérbio: «mais quero asno que me leve, que cavalo que me derrube». Esta farsa censura os «homens de bom saber» que constitui uma referência direta ao público cortês. Esta era dotada de uma incontornável vertente não só dramática mas acentuadamente teatral.

Inês Pereira, moça simples e casadoira mas com grande ambição procura marido que seja astuto e sedutor. A mãe de Inês, preocupada com a sua filha, sua educação e casamento, incita-a a casar com Pero Marques, pretendente arranjado pela alcoviteira Lianor Vaz, no entanto o lavrador não agrada Inês Pereira, por ser ignorante e inculto. Pero Marques, nunca viu sequer uma cadeira, e isso não deixa de provocar o riso, assim funcionando como mecanismo subliminar o autoelogio da Corte.

Inês Pereira recusa-o, pois pretende alguém que demonstre alguma cortesia, alguém que, à boa maneira da Corte, saiba combater, fazer versos, cantar e dançar, alguém como Brás da Mata, o segundo pretendente, que lhe é trazido pelos Judeus Casamenteiros, um pouco menos sinceros e bem-intencionados do que Lianor Vaz. Mas Brás da Mata representa apenas o triunfo das aparências, um simulacro de elegância, boa -educação e bem-estar social, que acredita no casamento como solução para as suas dificuldades financeiras.

Este casamento depressa se revela desastroso para Inês, que por tanto procurar um marido astuto acaba por casar com um, que antes de sair em missão para África, dá ordens ao seu moço que fique a vigiar Inês e que a tranque em casa de cada vez que sair à rua. Brás da Mata, era um escudeiro falido que casou com Inês de forma a poder aproveitar-se do seu dote.

Três meses após a sua partida, Inês recebe a prazeirosa notícia de que o seu marido foi morto por um mouro. Não tarda em querer casar de novo, e é nesse mesmo dia que Lianor Vaz traz-lhe a notícia que Pero Marques, continua casadoiro, de resto como este tinha prometido a Inês aquando do primeiro encontro destes.

Inês casa com ele logo ali, e já no fim da história aparece um Ermitão que se torna amante da protagonista.

O ditado “mais quero asno que me carregue que cavalo que me derrube”, não podia ser melhor representado do que na última cena da obra quando o marido a carrega em ombros até ao amante, e ainda canta com ela “assim são as coisas”.

Trata-se, portanto, de uma sátira aos costumes da vida doméstica, jogando com o tema medieval da mulher como personificação da ignorância e da malícia.

Personagens

Inês: representa a moça casadoira, fútil, muito preguiçosa e interesseira, que se casa duas vezes, apenas para se livrar do tédio da vida de solteira. Não conseguindo casar-se na primeira tentativa, garante-se na segunda, com o marido ingénuo. Apesar de seu comportamento impróprio, consegue até mesmo a simpatia do público pela inteligência com que planeja seus passos.

Lianor Vaz: é a alcoviteira, mulher na época assim chamada que arrumava casamentos, revelando que a base da família está corrompida.

Joana Filipa Calado

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Mãe: apesar de dar conselhos à filha, acha importante que ela não fique solteira e torna-se cúmplice das atitudes dela.

Pero Marques: é o marido bobo mas um lavrador abastado. Apesar de ser ridicularizado por Inês, ele casa-se como ela e deixa que ela o maltrate e o traía.

Escudeiro: Preocupado em encontrar uma esposa, finge, e engana, criando uma imagem de "bom moço" que depois se revela um tirano, e deixa Inês presa na sua casa mas ele é morto por um mouro.

Moço: era um amigo do primeiro marido de Inês, que o ajuda a mentir para se casar com ela.

Ermitão: era o amante de Inês que depois se torna num padre.

Latão e Vidal: judeus casamenteiros.

Tempo

É um tempo dilatado, tendo o espectador dificuldade de se aperceber da sua passagem

Cómico

Encontramos, nesta farsa, cómico de situação ou de personagem em Inês, Pero Marquez e no escudeiro; de situação na cena de ‘’namoro’’ de Inês com Pero Marquez; de linguagem na carta e linguagem de Pero Marque e na fala dos judeus casamenteiros. Podemos considerar as rezas e as pragas (esconjuros) como cómico de linguagem.

Objetivo da crítica vicentina

Gil Vicente critica:

A mentalidade das jovens raparigas; Os escudeiros fanfarrões, galantes e pelintras; A selvajaria e ingenuidade de Pero Marquez; As alcoviteiras e os judeus casamenteiros; Os casamentos por conveniência; Os clérigos e os Ermitões.

Estrutura da peça

Nesta farsa não existem divisões cénicas, mas é possível dividi-la em 3 atos. De assinalar a importância da divisão em espaço interior e exterior. De notar o paralelismo presente nos contrastes que Gil Vicente estabelece na construção do monólogo e diálogo inicial da peça, e no monólogo e diálogo ocorridos após a noticia da morte de Braz da Mata. É através destes paralelismos e contrastes que Gil Vicente expressa a mudança ocorrida com Inês.

Podes esquematizar os 3 atos da seguinte maneira:

Joana Filipa Calado

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Concluindo

Desta ação pode extrair-se que o que Inês mais queria, acabou por conseguir: a sua liberdade, encontrada junto de Pero Marquez. A unidade da ação é dada pelo tema e pela personagem principal, Inês Pereira.

Não há dúvida de que Gil Vicente demonstrou aos contemporâneos que nele não acreditavam, e com esta peça, ser de facto, o grande criador das obras que fazia representar.

Caracterização das personagens:

Inês Pereira

Inês é a personagem-tipo mais complexa de toda a história. Ao longo da peça, sofre uma evolução (degradante) e, por isso, vai representar vários tipos sociais.

Joana Filipa Calado

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Inês solteira, é uma rapariga leviana e preguiçosa. Vê no casamento uma forma de se libertar da mãe e de gozar da sua liberdade. Logo desde o início e ao longo de toda a peça mostra ser astuta a planear as suas ações, contudo “sai-lhe o tiro pela culatra” quando casa com Brás da Mata e recusa Pero Marques: julga os pretendentes não pelo caráter, mas pela aparência.

Após o casamento, Inês torna-se a mulher oprimida, porque Brás da Mata não a deixa sair de casa e recebe alegremente a notícia de que este tinha sido morto na guerra por um mouro.

Decide, então, casar-se com Pero Marques que, apesar da rudeza, mostrava ser ingénuo e complacente: o marido ideal para Inês poder gozar da sua liberdade há tanto desejada. Nesta altura, torna-se na mulher adúltera desta história, fase final e mais degradante da personagem: aproveita-se do pobre marido para a levar de encontro ao seu amante, o Ermitão, e ainda troça da sua imbecilidade. Revela-se detentora de um caráter imoral e sem-vergonha.

Por toda a peça, Inês expressa a sua inteligência e ironia no planeamento dos seus passos.

Pero Marques

Pero Marques foi o primeiro pretendente de Inês, sugerido por Lianor Vaz. Inicialmente, esta personagem representa o camponês rude e sem maneiras, até imbecil. É a personagem mais ridicularizada da história, através do cómico de personagem, de situação e de linguagem. Apesar de da primeira vez ter sido recusado por Inês, aceita casar-se com ela e não se apercebe que está a ser traído por esta. É demasiado complacente com a mulher, deixando-a ir onde bem entende e ainda carrega-a às costas para ir de encontro com o amante. Nesta fase, tornasse no marido traído e enganado.

Brás da Mata

Brás da Mata aparenta ser, para Inês, o marido ideal: É um fidalgo discreto e meigo, que sabe tocar viola. Todavia, a verdade é que não tem onde cair morto e o seu objetivo é o de casar com uma rapariga rica e aproveitar-se do seu dote, para assim nunca mais ter de trabalhar.

Após o casamento com Inês, revela a sua verdadeira face: não deixa Inês sair de casa, nem falar com ninguém e manda o Moço vigiá-la: é um marido tirano. Foi morto em combate por um mouro o que, Inês revela, através da ironia, ter sido um ato covarde.

Brás da Mara é, deste modo, o ‘cavalo’ desta Farsa.

Bocage

Características neoclássicas Características românticasNa forma Uso da mitologia com valor

alegórico/ personificação de conceitos: “Ó retrato da Morte! Ó

Procura de uma linguagem nova e tom declamatório para melhor traduzir a força dos sentimentos: pontuação expressiva

Joana Filipa Calado

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Noite amiga”. Vocabulário erudito (por vezes

inspirado no latim). Concisão e clareza na linguagem;

equilíbrio verbal. Formas literárias ainda clássicas:

sonetos, ode, elegia, etc.

(exclamações, interrogações); quebra o equilíbrio clássico através das suspensões através das suspensões, cortes no interior do verso (“Outro Aretino fui … A santidade/ Manchei… oh! Se me creste…”); interjeições, vocativos, linguagem oralizante, forma dialogada (gosto teatral) – verso solta-se, a linguagem flui correntemente, de acordo com a agitação do estado de espírito do poeta.

Marcas autobiográficas (uso abundante de pronomes e formas verbais de 1º pessoa).

Vocabulário convencional do ambiente e sentimentalismo romântico.

No conteúdo

A natureza: Locus amenus (bucolismo; paisagem harmoniosa, plena luz, alegre…);

Fado (destino); A morte igual a tristeza. Sublimação do amor. Domínio da razão.

A natureza: Locus horrendus (o poeta entrega-se às visões lúgubres, às paisagens sombrias, agrestes e solitárias, férteis em agoiros. A noite, os cemitérios, os túmulos, os ciprestes, os animais noturnos, os abismos, o mar revolto são elementos do cenário que funcionam como o espelho da alma).

O desengano e o fatalismo. Manifestação de estados de alma doentios

(angústia, pessimismo, melancolia); culto do lamento; gosto pelo mórbido (a obsessão da morte, o fascínio pelo macabro); entrega total à infelicidade, a um destino fatídico; masoquismo (comprazimento na dor).

A morte como libertação, apaziguamento, perdição ou castigo.

O amor como fonte de prazer delirante, paixão, inquietação, ânsia, ciúme.

Expressão hiperbólica dos sentimentos. A aguda consciência do Eu (temas

autobiográficos; a confidência e a sinceridade confessional).

Gosto da solidão, tendência antissocial; individualismo; apologia do génio individual.

A temática da liberdade (ideológica). Temas românticos

Amor; Morte; Noite.

Sermão da sexagésima (Padre António Vieira)

O Sermão da Sexagésima é, talvez, um dos seus sermões mais famosos. Pregado na Capela Real, em Lisboa, em março de 1655, abre a série de quinze volumes dos sermões de Padre Vieira, servindo de prólogo, ao mesmo tempo que encerra uma arte de pregar, inspirada pela dialética conceptista, indo contra os excessos gongóricos.

Joana Filipa Calado

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Espécie de profissão de fé da oratória conceptista, nele o pregador examina as condições indispensáveis para que faça fruto a palavra de Deus. Para isso, Padre Vieira traça paralelos com a parábola bíblica do semeador. Essa parábola pode ser encontrada no Livro de São Lucas.

"Do trigo que deitou à terra o semeador uma parte se logrou, e três se perderam. E por que se perderam estas três? A primeira perdeu-se, porque a afogaram os espinhos; a segunda, porque a secara as pedras; a terceira porque a pisaram os homens, e a comeram as aves. Isso é o que diz Cristo; mas notai o que não diz." Padre António Vieira, em "O Sermão da Sexagésima."

O orador utiliza-se de passagens bíblicas estreitamente vinculadas às ideias que procura expor. Diante do público, o orador consegue atingir os fiéis de modo direto e insinuante. Estes, seduzidos pelo entrelaçamento das odeias, tomados de surpresa pela avalanche diabética, deixam-se facilmente conduzir pelo orador. Utilizando uma linguagem simples, inteligente e filosófica, digna de Sócrates e Platão, Padre Vieira envolve o ouvinte, fazendo-o chegar às conclusões que ele almeja, ou seja, à verdade dos textos religiosos. Com toda a sedução de sua retórica, o resultado é um só: o ouvinte assimila a mensagem do pregador.

Além das parábolas bíblicas, Padre Vieira utiliza jogos de ideias geniais ("Para um homem se ver a si mesmo são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos.") para, logo em seguida, associá-los ao seu objetivo religioso ("Que coisa é a conversão de uma alma senão entrar um homem dentro de si mesmo, e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, é necessária luz, e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora, suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador, e do ouvinte; por qual deles havemos de entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?")

No Sermão da Sexagésima, Padre Vieira conduz o ouvinte, através da associação da parábola do semeador, até a conclusão de que, se a pregação/ semeadura falha, isso é devido a alguma falha do pregador/semeador, nunca da palavra de Deus ("Sabeis cristãos, por que não faz fruto a palavra de Deus? Por culpa dos pregadores"). Visto que, a palavra de Deus, mesmo que semeada em pedras, espinhos e má terra, ou seja, pregada para maus ouvintes, sempre acaba provocando algum efeito ("Os ouvintes ou são maus ou são bons, se são bons, faz neles grande fruto a palavra de Deus; se são maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito.").

Análise

Parte I

O Padre Vieira pregou sobre a parábola do semeador, texto que se encontra no evangelho de Mateus no capitulo 13: 1-9, 19-23:

Naquele dia, saiu Jesus e sentou-se à beira do lago. Acercou-se dele, porém, uma tal multidão, que precisou entrar numa barca. Nela se assentou, enquanto a multidão ficava à margem. E seus discursos foram uma série de parábolas. Disse ele: Um semeador saiu a semear. E, semeando, parte da semente caiu ao longo do caminho; os pássaros vieram e a comeram. Outra parte caiu em solo pedregoso, onde não havia muita terra, e nasceu logo, porque a terra era pouco profunda. Logo, porém, que o sol nasceu, queimou-se, por falta de raízes. Outras

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sementes caíram entre os espinhos: os espinhos cresceram e as sufocaram. Outras, enfim, caíram em terra boa: deram frutos, cem por um, sessenta por um, trinta por um...... Ouvi, pois, o sentido da parábola do semeador: quando um homem ouve a palavra do Reino e não a entende, o Maligno vem e arranca o que foi semeado no seu coração. Este é aquele que recebeu a semente à beira do caminho. O solo pedregoso em que ela caiu é aquele que acolhe com alegria a palavra ouvida, mas não tem raízes, é inconstante: sobrevindo uma tribulação ou uma perseguição por causa da palavra, logo encontra uma ocasião de queda. Terreno que recebeu a semente entre os espinhos representa aquele que ouviu bem a palavra, mas nele os cuidados do mundo e a sedução das riquezas a sufocam e a tornam infrutuosa. A terra boa semeada é aquele que ouve a palavra e a compreende, e produz fruto: cem por um, sessenta por um, trinta por um.

Como bom orador que era, Vieira tenta conquistar a docilidade se seu auditório com um discreto elogio, também chama a tenção para a importância do tema pelo fato de ter viajado tão longe para pregar para eles:

E se quisesse Deus que este tão ilustre e tão numeroso auditório saísse hoje tão desenganado da pregação, como vem enganado com o pregador! Ouçamos o Evangelho, e ouçamo-lo todo, que todo é do caso que me levou e trouxe de tão longe.

Segue falando sobre os pregadores que pregam em sua própria pátria, e os pregadores que pregam em pátrias diferentes. Fala também sobre os diversos tipos de dificuldades que os pregadores enfrentam e sobre a necessidade de serem perseverantes para superar as dificuldades.

Argumentos:

1.A citação de passagens bíblicas, no caso em questão a que se encontra no livro de Ezequiel cap.1, que fala sobre animais que não olham para trás. Assim como esses animais os pregadores não podem desistir. Também cita Marcos 16:15, texto em que Jesus manda os apóstolos evangelizarem toda criatura.2.O exemplo dos missionários no Maranhão que sofreram, por amor ao evangelho:

Mas ainda a do semeador do nosso Evangelho não foi a maior. A maior é a que se tem experimentado na seara aonde eu fui, e para onde venho. Tudo o que aqui padeceu o trigo, padeceram lá os semeadores. Se bem advertirdes, houve aqui trigo mirrado, trigo afogado, trigo comido e trigo pisado. Trigo mirrado: Natum aruit, quia non habebat humorem; trigo afogado: Exortae spinae suffocaverunt illud; trigo comido: Volucres caeli comederunt illud; trigo pisado: Conculcutum est. Tudo isto padeceram os semeadores evangélicos da missão do Maranhão de doze anos a esta parte. Houve missionários afogados, porque uns se afogaram na boca do grande rio das Amazonas; houve missionários comidos, porque a outros comeram os bárbaros na ilha dos Aroãs; houve missionários mirrados, porque tais tornaram os da jornada dos Tocatins, mirrados da fome e da doença, onde tal houve, que andando vinte e dois dias perdido nas brenhas matou somente a sede com o orvalho que lambia das folhas. Vede se lhe quadra bem o Notum aruit, quia non habebant humorem! E que sobre mirrados, sobre afogados, sobre comidos, ainda se vejam pisados e perseguidos dos homens: Conculcatum est! Não me queixo nem o digo, Senhor, pelos semeadores; só pela seara o digo, só pela seara o sinto. Para os semeadores, isto são glórias: mirrados sim, mas por amor de vós mirrados; afogados sim, mas por amor de vós afogados; comidos sim, mas por amor de vós comidos; pisados e perseguidos sim, mas por amor de vós perseguidos e pisados

Joana Filipa Calado

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Parte IINa parte II, Vieira dá prosseguimento à introdução da mensagem, explicando o significado da parábola do semeador.Ele encerra essa parte II, com a proposição da mensagem. A proposição é uma declaração simples do assunto abordado, tem a finalidade de mostrar aos ouvintes o tema principal da mensagem. Geralmente tem uma sentença interrogativa, a resposta à essa questão é o eixo sobre o qual os tópicos do sermão vão girar. Vieira usa esse recurso com verdadeira maestria:

Nunca na Igreja de Deus houve tantas pregações, nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de Deus, como é tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão entre em si e se resolva, não há um moço que se arrependa, não há um velho que se desengane. Que é isto? Assim como Deus não é hoje menos omnipotente, assim a sua palavra não é hoje menos poderosa do que dantes era. Pois se a palavra de Deus é tão poderosa; se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, porque não vemos hoje nenhum fruto da palavra de Deus? Esta, tão grande e tão importante dúvida, será a matéria do sermão. Quero começar pregando-me a mim. A mim será, e também a vós; a mim, para aprender a pregar; a vós, que aprendais a ouvir.

Parte IIIVieira finalmente entra no corpo do sermão, fala que existem três agentes na pregação, Deus o ouvinte e o pregador. Desses três apenas um é responsável pelo sucesso na pregação, o pregador.

Argumentos:Não pode ser o ouvinte porque a Palavra de Deus tem o poder de convencer qualquer tipo de ouvinte:

É tanta a força da divina palavra, que, sem cortar nem despontar espinhos, nasce entre espinhos. É tanta a força da divina palavra, que, sem arrancar nem abrandar pedras, nasce nas pedras. Corações embaraçados como espinhos corações secos e duros como pedras, ouvi a palavra de Deus e tende confiança! Tomai exemplo nessas mesmas pedras e nesses espinhos! Esses espinhos e essas pedras agora resistem ao semeador do Céu; mas virá tempo em que essas mesmas pedras o aclamem e esses mesmos espinhos o coroem.

Deus não pode ser o culpado porque Ele é infalível. Essa é uma declaração de fé defendida no concílio de Tridentino. Vieira usa novamente (como em todo o sermão), a parábola do semeador para ilustrar a pregação do evangelho comparando-a com o semear. As causas são terrenas, as pedras, os caminhos, os espinhos. O Céu sempre ajuda sendo com sol ou chuva.

Parte IV

Vieira segue falando sobre a culpa do pregador. Cita cinco qualidades importantes do pregador: a pessoa que é, a ciência, a matéria, o estilo e a voz. Passa então a falar sobra cada uma dessas qualidades.A pessoa. O pregador prega não apenas aos ouvidos com suas palavras, prega também aos olhos com suas atitudes. Mas as pessoas são falhas e esse não pode ser o principal problema.

Parte V

Joana Filipa Calado

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O estilo. Segundo Vieira o estilo dos pregadores de sua época era ruim. O pregador deve ter um estilo simples e natural.

Argumentos:

O céu (natureza) foi o primeiro pregador. Cita o salmo 19, que diz que “os céus declaram a glória de Deus e o firmamento proclama a obra de suas mãos...”

O estilo pode ser muito claro e muito alto; tão claro que o entendam os que não sabem e tão alto que tenham muito que entender os que sabem. O rústico acha documentos nas estrelas para sua lavoura e o mareante para sua navegação e o matemático para as suas observações e para os seus juízos. De maneira que o rústico e o mareante, que não sabem ler nem escrever entendem as estrelas; e o matemático, que tem lido quantos escreveram, não alcança a entender quanto nelas há. Tal pode ser o sermão: -- estrelas que todos veem, e muito poucos as medem.

Parte VI

A matéria, o sermão deve ser focalizado num único tema, muitos pregadores pregavam (e pregam), sobre vários temas diferentes, isso apenas confunde os ouvintes. Fala sobre a estrutura dos sermões e com domínio do assunto resume a arte homilética:

há de tomar o pregador uma só matéria; há de defini-la, para que se conheça; há de dividi-la, para que se distinga; há de prová-la com a Escritura; há de declará-la com a razão; há de confirmá-la com o exemplo; há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar; há de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades; há de impugnar e refutar com toda a força da eloquência os argumentos contrários; e depois disto há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar; e o que não é isto, é falar de mais alto.

Argumentos:1.Ele cita uma metáfora sobre a árvore e suas diversas partes que exemplifica a estrutura de um bom sermão:

Uma árvore tem raízes, tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim há de ser o sermão: há de ter raízes fortes e sólidas, porque há de ser fundado no Evangelho; há de ter um tronco, porque há de ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste tronco hão de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria e continuados nela; estes ramos hão de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão de ser vestidos e ornados de palavras. há de ter esta árvore varas, que são a repreensão dos vícios; há de ter flores, que são as sentenças; e por remate de tudo, há de ter frutos, que é o fruto e o fim a que se há de ordenar o sermão. De maneira que há de haver frutos, há de haver flores, há de haver varas, há de haver folhas, há de haver ramos; mas tudo nascido e fundado em um só tronco, que é uma só matéria. Se tudo são troncos, não é sermão, é madeira. Se tudo são ramos, não é sermão, são maravilhas. Se tudo são folhas, não é sermão, são versas. Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. Se tudo são flores, não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos, não pode ser; porque não há frutos sem árvore. Assim que nesta árvore, à que podemos chamar «árvore da vida», há de haver o proveitoso do

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fruto, o formoso das flores, o rigoroso das varas, o vestido das folhas, o estendido dos ramos; mas tudo isto nascido e formado de um só tronco e esse não levantado no ar, senão fundado nas raízes do Evangelho: Seminare semen. Eis aqui como hão de ser os sermões, eis aqui como não são. E assim não é muito que se não faça fruto com eles.

2.Cita Aristóteles e Túlio, filósofos gregos e professores de retórica. Citam também grandes pregadores da história da Igreja que deixaram sua marca usando esse método: S. João Crisóstomo, de S. Basílio Magno, S. Bernardo. S. Cipriano, S. Gregório S. Gregório, Santo António de Pádua e S. Vicente Ferrer.

Parte VIINessa parte Vieira fala sobre a falta de ciência dos pregadores. O pregador deve buscar conhecimento e originalidade ao invés de imitar outros pregadores. O pregador que não possui ciência apenas imita os pregadores que ouviu, já os que tem ciência podem pregar de uma forma original.

Argumentos:1.Faz uma metáfora comparando a pescaria com a pregação. Segundo Vieira os apóstolos pescavam com as próprias redes.2.Fala também sobre as línguas de fogo que foram vistas sobre os apóstolos no dia de Pentecostes quando eles foram batizados com o Espírito Santo (Atos cap.2), referindo-se a forma diferente que eles tinham de pregar:

Porque não servem todas as línguas a todos, senão a cada um a sua. Uma língua só sobre Pedro, porque a língua de Pedro não serve a André; outra língua só sobre André, porque a língua de André não serve a Filipe; outra língua só sobre Filipe, porque a língua de Filipe não serve a Bartolomeu, e assim dos mais. E senão vede-o no estilo de cada um dos Apóstolos, sobre que desceu o Espírito Santo. Só de cinco temos escrituras; mas a diferença com que escreveram, como sabem os doutos, é admirável.

Parte VIIIVieira segue a mensagem falando da voz. Seria ela a causa do fracasso de muitos pregadores?Segundo ele, a voz não é uma causa importante, isso porque uns tem a voz fraca outros a voz forte, e isso varia também pelo estilo do pregador.

Argumentos:Cita a Bíblia que fala de Jesus como alguém que prega sem bradar e João Batista que bradava no deserto.

Vieira encerra essa parte levantando uma questão que aponta para o desfecho do sermão, e a principal causa da falta de fruto que a pregação teve em seus dias:

Em conclusão que a causa de não fazerem hoje fruto os pregadores com a palavra de Deus, nem é a circunstância da pessoa: Qui seminat: nem a do estilo: Seminare; nem a da matéria: Semen; nem a da ciência: Suum; nem a da voz: Clamabat. Moisés tinha fraca voz; Amós tinha grosseiro estilo; Salamão multiplicava e variava os assuntos; Balaão não tinha exemplo de vida; o seu animal não tinha ciência; e contudo todos estes, falando, persuadiam e convenciam. Pois se nenhuma destas razões que discorremos, nem todas elas juntas são a causa principal nem bastante do pouco fruto que hoje faz a palavra de Deus, qual diremos finalmente que é a verdadeira causa?

Joana Filipa Calado

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Parte IX

Segundo Vieira os pregadores não pregam a Palavra de Deus. Isso porque eles mudam o sentido do texto, se mudam o sentido pregam suas próprias palavras. O pregador não deve impor significados ao texto, usando a Bíblia para defender suas ideias. Deve sim extrair do texto o real significado.

Argumentos:Para argumentar e exemplificar, ele cita a tentação de Cristo, texto que encontra-se no evangelho de Mateus no capítulo 4:6-8. O diabo muda o sentido do que está escrito querendo levar Jesus ao suicídio, O Senhor confronta Satanás com uma interpretação verdadeira das escrituras:

O demónio transportou-o à Cidade Santa, colocou-o no ponto mais alto do templo e disse-lhe: Se és Filho de Deus, lança-te abaixo, pois está escrito: Ele deu a seus anjos ordens a teu respeito; proteger-te-ão com as mãos, com cuidado, para não machucares o teu pé em alguma pedra {Sl 90,11s}. Disse-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus {Dt 6,16}.

Segundo Vieira, a mudança de sentido do que está escrito, transforma a Palavra de Deus em palavras da pessoa que está falando, se homem palavra de homem, se demónio palavra de demónio.

Parte XNessa última parte, Vieira fala que um dos maiores problemas é os pregadores terem medo de cair em descrédito. Ficam adulando o povo em vez de pregar as verdades divinas. Diz que o bom sermão não é aquele que faz os ouvintes se sentirem bem, e sim aquele que faz os ouvintes se sentirem mal e refletirem sobre suas vidas para que busquem o perdão dos pecados:Argumentos:1.Para argumentar ele cita o maior pregador e teólogo da história da Igreja, Apóstolo S. Paulo, que sempre ensinou que o pregador deve pregar: “com infâmia ou com boa fama”, e também: “se eu contentasse aos homens não seria servo de Cristo”.2.Argumenta também citando o exemplo de um médico que não se preocupa se o tratamento do doente é doloroso, e sim com o efeito benéfico desse tratamento, o importante é a recuperação do paciente.Vieira faz a conclusão de sua mensagem com uma aplicação prática, encerra a parte X chamando a atenção dos ouvintes para a responsabilidade do pregador que prestará contas a Deus, e convida as pessoas para se santificarem:

Advirtamos que nesta mesma Igreja há tribunas mais altas que as que vemos: Spectaculum facti sumus Deo, Angelis et hominibus. Acima das tribunas dos reis, estão as tribunas dos anjos, está a tribuna e o tribunal de Deus, que nos ouve e nos há de julgar. Que conta há de dar a Deus um pregador no Dia do Juízo? O ouvinte dirá: Não mo disseram. Mas o pregador? Vae mihi, quia tacui: Ai de mim, que não disse o que convinha! Não seja mais assim, por amor de Deus e de nós.Estamos às portas da Quaresma, que é o tempo em que principalmente se semeia a palavra de Deus na Igreja, e em que ela se arma contra os vícios. Preguemos e armemo-nos todos contra os pecados, contra as soberbas, contra os ódios, contra as ambições, contra as invejas, contra as cobiças, contra as sensualidades. Veja o Céu que ainda tem na terra quem se põe da sua parte. Saiba o Inferno que ainda há na terra quem lhe faça guerra com a palavra de Deus, e

Joana Filipa Calado

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saiba a mesma terra que ainda está em estado de reverdejar e dar muito fruto: Et fecit fructum centuplum.

Considerações finais

O sermão da sexagésima é um exemplo do estilo sofisticado da época do Barroco. Ele contém um riquíssimo ensinamento cristão, mas pode ser apreciado também por pessoas de religiões diferentes, ou até mesmo sem religião. Isso porque a sua qualidade literária é algo admirável. É um clássico, e como todo clássico merece ser lido e relido.O Padre António Vieira não marcou apenas o seu tempo, a influência de suas palavras tem um impacto muito forte, principalmente para aqueles que são amantes da arte de pregar.

11ºAnoDiferenças entre o clássico e o romântico

Clássico RomânticoPredomínio da razão. Predomínio do sentimento e da imaginação.Culto da Antiguidade Clássica. Culto da Idade Média.Objetividade. Subjetividade.Equilíbrio, disciplina e clareza. Arrebatamento, exaltação.Representação de um homem saudável, moralista, disciplinado.

Representação de um homem carregado de traumas, indisciplinado, instável e egocentrista.

Gosto pela vida em sociedade. Gosto pela vida solitária e isolada.A mulher é representada como deusa (um reflexo do amor, divino, platónico).

A mulher é representada como um anjo ou como um demónio.

Amor racional, intelectualizado. Amor sentimental e físico (sensorial).Natureza luminosa, colorida, alegre e suave (locus amenus).

Natureza sombria, melancólica (locus horrendus).

Versificação rígida. Versificação livre.

Advertência a Folhas Caídas de Almeida Garrett

1. O livro não é fruto do acaso, mas de uma seleção criteriosa.2. Qualquer que seja a reação do público aos poemas (“gozo ou admiração”) será sempre

em segunda mão, porque o autor já sentiu o mesmo. 3. O poeta sente necessidade de justificar a publicação dos seus poemas, porque antes

tinha afirmado que já não era poeta. Afinal, assume-se poeta até ao fim da vida. 4. Os poemas referem-se a uma época de vida íntima e não foram feitos para o público. 5. Os poemas foram inspirados por um “deus” a quem o autor os consagrou. 6. O “Ignoto Deo” permanece misterioso.7. O poeta é louco porque aspira sempre ao impossível.8. O mundo material e o poético são incompatíveis e o que permanece é o espírito do

poeta.9. Nos poetas apenas o corpo é mortal.

Joana Filipa Calado

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Aspetos fundamentais da poesia de Folhas Caídas

Aspetos Poemas/VersosCaracterização do “eu” “Prazer não sabia o que era/ Mas dor, não na

conhecia” (Quando Eu Sonhava);“E infame sou, porque te quero; e tanto” (Não te amo).

Caracterização do “tu” “Em toda a natureza/ Não vejo outra beleza/ Senão a ti – a ti” (Os Cinco Sentidos);“Beleza és tu, luz és tu/ verdade és tu só” (Ignoto Deo).

Relação eu – tu/ mulher-anjo/ mulher-demónio

“Anjo és (M.A), que me domina (M.D) ” (Anjo És);“Não se enrede a rede nela/ Que perdido é remo e vela/ Só de vê-la” (Barca Bela).

Dicotomia amor espiritual e amor físico/ sensual

“Divinas têm essas flores”; “A ti/ Ai a ti só meus sentidos/ todos num confundidos” (Cinco Sentidos);Anjo és.

Caracterização da Natureza “Acabava ale a terra/ Nos derradeiros rochedos” (Cascais).

Coloquialidade “Ai! Não te amo, não” (Não te amo).Liberdade poética (estrutura formal) Não te amo.

Um Auto de Gil Vicente (Almeida Garrett)

Ato I (Pátio dos Paços de Sintra)

Cena I – Pero Safio ensaia Cortes de Júpiter e levanta suspeitas sobre a fidelidade de D. Beatriz para com o Duque de Saboia.

Cena II - Pero, Bernardim e Paula: Estes últimos saem dos paços com ar comprometido; Paula vai-se embora e Bernardim prepara-se para enfrentar Pero Safio.

Cena III – Pero identifica Bernardim e mostra-lhe que conhece o seu segredo. Esta tenta convencê-lo a ficar calado. Nesta cena, Bernardim começa a delinear o seu plano ao tomar conhecimento do enredo das Cortes de Júpiter.

Cena IV – Monólogo de Pero, mostrando-se incomodado por saber o segredo de Bernardim e da Infanta.

Cena V – Conversa entre Pero e Chatel em que este último tenta “tirar nabos da púcara”, mas Pero consegue sempre “dar a volta por cima”.

Cena VI – D. Manuel e acompanhantes, Dona Beatriz, Gil Vicente e Paula: D. Manuel e D. Beatriz conversam sobre a partida desta; O rei mostra-se espantado com a ausência de Bernardim, perturbando a Infanta que está cada vez mais atormentada. Gil Vicente entra em cena como um dos responsáveis pela arte no reino de D. Manuel.

Cena VII/VIII – D. Beatriz confessa a Paula que se sente a desfalecer de tanto amor e comunica a vontade de rever Bernardim.

Ato II (Paços da Ribeira)

Joana Filipa Calado

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Cena I – Paula Vicente lamenta a vida que leva, a sua origem humilde. Entra Gil Vicente e chama Paula. Paula (para si) lamenta a vida do pai, o facto de viver enganado. Paula recebe um bilhete de Bernardim em que pede para ser recebido por ela e por seu pai, Gil Vicente.

Cena II – Gil Vicente lamenta o facto de ter posto Joana a fazer de Moura. Paula relê a carta de Bernardim e pede ao pai para o receber. Este manda chamar Bernardim, mas avisa Paula que é uma imprudência.

Cena III – Conversa entre Paula e Gil Vicente sobre o auto e a Infanta. Paula diz que não quer fazer o auto e amaldiçoa a Infanta, mas o pai recusa que a filha mostre ingratidão. Gil Vicente elogia a filha e fala-lhe sobre a sua personagem no auto.

Cena V – É o ensaio geral que é feito de maneira apressada. Cena VI – Bernardim Ribeiro ao ver o pajem põe a máscara para não ser reconhecido.

El-rei entra para a sala do trono e manda o mordomo-mor que aprontem as figuras e que saia o auto. O grupo entra em palco.

Cena VII – Bernardim diz estar receoso em relação ao seu papel. Paula diz-lhe que ainda está a tempo de desistir, mas este quer ver D. Beatriz. Paula e Bernardim falam sobre o casamento da Infanta.

Cena VIII – Pero diz a Paula que se não a conhecesse teria ciúmes da moura. Cena IX – Bernardim conclui que é impossível decorar o papel da moura, mas avança

para o palco. Cena X – Rei D. Manuel está a gostar do auto e afirma a sua filha que esta vai ter

saudades de Portugal. Gil Vicente duvida que Bernardim se porte bem em palco. Cena XI – Estão presentes em cena Bernardim e ditos. Decorrendo o auto, Bernardim

em trajos de moura entra em cena e começa a declamar os seus poemas. Gil Vicente em pânico tenta orientar Bernardim, mas este não o entende. Gil Vicente pede a Pero Safio para o retirar do palco, mas Pero pede para o deixar ficar e ver até onde vai, e diz-lhe para o interromper a fala de Bernardim com a autoridade de Júpiter. Bernardim ajoelha-se perante a Infanta e entrega-lhe o anel, esta apercebe-se que é Bernardim e acaba por desmaiar. D. Manuel diz que não está feliz com o desenrolar do auto.

Cena XII – D. Beatriz; Saint-Germain, Chatel, Paula, Inês de Melo, Damas, etc. Saint-Germain pede a Beatriz que o avise quando desejar partir. D. Beatriz pede a Paula que a acompanhe e Chatel fica desconfiado.

Ato III (Galeão de Santa Catarina)

O galeão está prestes a partir e os senhores da Corte conversam sobre a viagem. D. Manuel despede-se da filha. D. Beatriz pede que a deixem sozinha e escreve uma carta a Paula, provocando a

desconfiança de Chatel. Paula chega ao galeão e convence Chatel de que está tudo, afirmando que o amor de

Bernardim é-lhe dirigido. Bernardim chega ao galeão sob a proteção de Paula. Beatriz conversa com Paula e revela o desejo de reencontrar Bernardim que está

escondido. Bernardim aparece e a Infanta desfalece.

Joana Filipa Calado

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Bernardim fala coma Infanta, reafirmando-lhe o seu amor e confessando a sua perdição.

Beatriz prefere morrer a ficar sem Bernardim. Paula sente piedade dos dois. O galeão está prestes a partir e D. Manuel regressa para falar com a filha. Bernardim despede-se e atira-se do galeão. D. Manuel apercebe-se do sofrimento da filha e sente-se culpado.

Amor de Perdição (Camilo Castelo Branco)

Características da novela

Concentração de episódios conducentes à ação principal e consequente ausência de episódios colaterais;

Rapidez do ritmo narrativo; Número reduzido de personagens; Concentração do espaço e do tempo; Quase inexistência de descrição; Ausência de digressões; Frequência do diálogo como expressão dos momentos de tensão dramática; Extensão (menor do que a do romance).

Tempo da história

A ação decorre nos finais do século XVIII, inicio do século XIX. A ação principal dura 6 anos: de 1801 a 1807.

o 1801 – Simão tem 15 anos; Domingos Botelho é corregedor em Viseu;o 1803 – Teresa escreve a Simão, dizendo-lhe que o seu pai a ameaça de ir para

o convento;o 1804 – Simão é preso com 18 anos;o 1805 – 1807 – Simão encontra-se preso, antes de ser degredado;o 1807 – Simão parte para o degredo, na Índia a 17 de março;o 1807 – A 28 de março, Simão morre e é lançado, ao mar.

Personagens

Simão Nasce em 1784. Tem 15 anos, à data de inicio da ação, em 1801; estuda humanidades em

Coimbra. Características hereditárias psíquicas e fisionómicas (anúncio do realismo):

“génio sanguinário”, rebeldia e coragem, inconformismo político – herança de seu tio paterno, Luís Botelho (que matara um homem, em defesa de seu irmão Marcos) e de seu avô paterno, Fernão Botelho (que fora encarcerado por suspeita de uma tentativa de regicídio, em 1758 (cf. Cap. I) e ainda de seu bisavô Paulo Botelho Correia (que era considerado”o mais valente fidalgo que dera Trás-os-Montes” (cf. Cap. I). É belo como a sua mãe, ainda que viril.

Joana Filipa Calado

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Após a visão de Teresa, Simão transforma-se: distancia-se da ralé de Viseu; torna-se caseiro; cumpre os seus deveres de estudante; passeia pelo campo, procurando o espaço natural, em detrimento do espaço social.

Quando Teresa é obrigada a sair da janela, local onde via Simão e, posteriormente, quando lhe comunica o desejo do seu pai de que ela se case com o seu primo Baltasar, Simão revela-se de novo rebelde. A par desta faceta, irá porém surgir uma outra: a sua nobreza de alma, que se manifesta no momento em que deseja poupar um dos criados de Baltasar, que tentara matar Simão, pelo facto de o homem se encontrar ferido.

Surge, entretanto, mais outra faceta de Simão: a de poeta, que se manifesta nas cartas que escreve a Teresa (cf. Cap. X).

O seu sentimento exacerbado de honra é também notável – ele manifesta-se pelo facto de Simão enfrentar sempre aqueles que se lhes opõem, pelo facto de se ter negado a fugir, depois de ter morto Baltasar, em legítima defesa, e ainda por recusar qualquer ajuda da família, aceitando a sua condenação à forca e, depois, ao degredo. O seu código de honra conduzi-lo-á, em última análise, à sua tragédia. Este sentimento valer-lhe-á a admiração de personagens como João da Cruz e ainda daquelas que se situam numa esfera social marcada por valores conservadores, como é o caso do desembargador Mourão Mosqueira.

O sentimento de dignidade é, por outro lado, inseparável da possibilidade de realização do seu amor – é assim que Simão não acede ao pedido de Teresa, para que cumpra os dez anos de pena, em Portugal, na cadeia, afirmando: “Quero ver o céu no meu último olhar, não me peças que aceite dez anos de prisão. Tu não sabes o que é a liberdade cativa dez anos! Não compreendes a tortura dos meus vinte meses.” Com efeito, para Simão o amor associa-se à liberdade e à sua integridade pessoal. Simão representa o herói romântico antissocial, por excelência. Ele significa a oposição a uma sociedade podre e aos seus valores anti-humanos. Na sua última carta a Teresa, incluída no Cap. XIX, escreve: “Vou. Abomina a pátria, abomina a minha família; todo este solo está nos meus olhos coberto de forcas, e quantos homens falam a minha língua, creio que os ouço vociferar as imprecações do carrasco. Em Portugal, nem a liberdade tem opulência; nem já agora a realização das esperanças que me dava o teu amor, Teresa!”.

Morre a 28 de março de 1807, no beliche do navio que o transportava para o degredo e o seu corpo é lançado ao mar.

Teresa Tem 15 anos. Destaca-se pela sua beleza. É o paradigma da mulher-anjo, pela sua delicadeza e pela grandiosidade dos

seus sentimentos. Revela autonomia, para a época, sobretudo, quando se recusa a casar com

Baltasar. É astuta, determinada e orgulhosa. Manifesta uma força de vontade e uma desenvoltura viris.

Joana Filipa Calado

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Esta personagem não tem uma evolução psicológica, pelo que é considerada uma personagem plana.

Mariana Tem 24 anos. O narrador salienta a sua beleza física. Caracteriza-se pela sua intuição, pelo poder de predição, enfim, pelo

misticismo popular. Apresenta complexidade humana, ao nível das emoções que experimenta e da

esperança que acalenta de poder ser amada por Simão e ficar junto dele. Esta personagem apresenta a evolução psicológica, pois o seu amor motiva as

suas esperanças e os seus desalentos, oscilando entre emoções que fazem vibrar a sua dimensão humana.

João da Cruz É uma personagem que se aproxima bastante do protótipo do homem popular

português. Pela antítese das emoções que experimenta e pelas atitudes que apresenta, é

considerado o tipo do “bom bandido”. Ele é, simultaneamente, bondoso, grato, corajoso e violento. Caracterizam-no, ainda, a sua linguagem de cariz popular, pelo realismo da

expressão. Baltasar

É a personagem que, pelos seus defeitos, se opõe a Simão, fazendo sobressair as qualidades exemplares do herói.

É cobarde, mesquinho e vingativo. A sua vaidade torna-o incapaz de esquecer o seu orgulho ferido e de

compreender o amor que Simão e Teresa sentem um pelo outro. Representa os valores sociais instituídos e fossilizados, contribuindo para a

tragédia final. Tadeu de Albuquerque e Domingos Botelho

Representam o antagonismo motivado pelo preconceito de honra social. São inflexíveis nas suas decisões e baseiam-se no seu próprio orgulho e nas

suas conveniências sociais. Preferem perder os filhos, reduzindo-os à dimensão de objetos, a perder a

dignidade social. D. Rita Preciosa

Representa a convencionalidade do sentimento materno – age mais por obrigação familiar do que por motivos afetivos; ajuda Simão porque esse é o seu papel e não porque o amor de mãe a leve a perdoar e a compreender as atitudes do filho.

Ritinha Distingue-se das outras irmãs de Simão pela sua capacidade afetiva. Representa, para Simão, o único laço familiar genuíno. Porque é conduzida por

aquilo que sente e não pelas convenções que lhe são impostas. A sua ligação a Simão leva-a a ser ela a relatora da sua história ao autor da

obra, quando este era criança.

Joana Filipa Calado

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Simbologia

As grades simbolizam, não apenas as grades materiais que aprisionam Simão, mas aos grilhões sociais que o condenam e motivam a sua clausura.

A janela, elemento que aparece na história amorosa shakespeariana, Romeu e Julieta, é o local onde os dois amantes se veem pela primeira vez. Elemento de ligação entre o interior e o exterior, a janela está conotada simbolicamente com a interioridade de Simão e de Teresa e com a sociedade. Ela funciona, então, como cisão entre as personagens e o espaço social em que estas se inserem. Associada aos olhos, órgãos de perceção (a janela também se liga à recetividade da luz exterior) que, por sua vez, são “o espelho da alma”; a sua simbologia situar-se-á ainda ao nível de dois outros espaços presentes na obra, através dos sentimentos das personagens: o aqui (espaço terreno de hostilidade) que se opõe ao além (espaço da esperança e da ilusão fecundante).

Os fios simbolizam a ligação eterna dos amantes, que não se desfaz após a morte (os fios envolvem as cartas de Teresa a Simão); a sua significação remete para a união total do par amoroso. Por outro lado, os fios são também o símbolo da união dos diferentes estados da existência – Simão e Teresa acreditam que permanecerão unidos após a morte. Aliás, o facto de as cartas e os respetivos fios que as envolviam terem sido lançados ao mar, espaço ligado à criação e à vida, permite a reafirmação desta ideia. O fio remete igualmente para o destino, ligado ao mito das três parcas (a primeira dá o fio, ou seja, a vida, a segunda enrola-o – trata-se da fase que corresponde à vida do individuo – e a terceira corta-o – é o momento da morte). Aqui, o tempo associa-se ao destino que terá que ser cumprido. Os fios separam-se das cartas, após a morte das personagens, quando mariana, suicidando-se, as remete para o elemento líquido. Podemos ainda relacionar os fios com a aranha, isto é, o fio evoca, neste sentido, a ilusão, a realidade enganadora. Não esqueçamos que as grades que aprisionaram Simão e Teresa não são mais do que o alargamento e a equivalência simbólica dos fios (os fios da aranha formam a teia, que aprisiona os seres que nela caem). Simão, após a morte, é envolto num lençol, o lençol, que lembra o sudário de Cristo e representa o amor, a paixão, o sofrimento e a morte dos humanos (etimologicamente paixão significa morte). Cristo morreu para redimir os pecados dos homens; Simão morre vítimas dos seus iguais.

O mar. O corpo de Simão é deitado ao mar, fonte de vida e, metaforicamente, local de renascimento. O mar espelha o céu, o espaço em que os amantes acreditavam como único local onde poderiam realizar o seu amor puro, mas condenado pelos homens.

O avental assume, na obra, um valor polissémico – por um lado, associa-se à condição social de Mariana; por outro, liga-se ao sofrimento, pois é com ele que Mariana limpa as lágrimas que chora por Simão. Este elemento do traje de Mariana encontra-se, também, no âmbito da referência ao seu estado de loucura ao saber que Simão ia ser preso – é assim que, na cadeia da Relação do Porto, Simão tem sobre uma mesa um caixote de pau-preto que, para além de conter as cartas de Teresa, “ramalhetes secos, os seus manuscritos do cárcere de Viseu”, guardava igualmente o avental de Mariana, “o ultimo com que ela, no dia do seu julgamento, enxugou as lágrimas e arrancara de si no primeiro instante de demência”. Simão, antes, pedir a João da Cruz que cuidasse

Joana Filipa Calado

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de sua filha, pois ela tinha nascido “debaixo da [sua] má estrela”, o que a condenava a um irremediável sofrimento motivado por um amor que não era correspondido. A simbologia do avental reúne, deste modo, o trabalho e o martírio, significando o percurso de Mariana na terra uma forma de purificação. No último capitulo, Mariana atira-se ao mar para se juntar a Simão e o comandante do navio que transportava Simão para o degredo viu “enleado no cordame, o avental, e à flor da água um rolo de papéis que os marujos recolheram na lancha”.

Poesia

Cesário Verde

Poesia:

- Parnasianismo: “arte pela arte” Tendência artística que procura a confeção perfeita através da poesia descritiva. Preocupação com a perfeição, o rigor formal, a regularidade métrica, estrófica e rimática. Retorno ao racionalismo e às formas poéticas clássicas. Busca da impessoalidade e da impassibilidade.

- Impressionismo:

Acumula pormenores das sensações captadas e recorre às sinestesias. As palavras antecipam a simbolismo.

- Poeta-pintor:

Capta as impressões da realidade que o cerca com grande objetividade; Transmite as perceções sensoriais.

- Pintura literária e rítmica de temas comuns e realidades comezinhas, escolhendo as palavras que melhor os refletem.

- Não canta motivos idealistas, mas coisas que observa a cada instante; descreve ambientes que nada têm de poético.

- Não dá a conhecer-se, nem dá a conhecer o que sente -> oposto ao romantismo

- Recorre raramente à subjetividade -> imaginação transfiguradora

- Poesia do quotidiano: nasce da impressão que o “fora” deixa no “dentro” do poeta

- Interesse pelo conflito social do campo e da cidade.

- Nível morfossintático: expressividade verbal, adjetivação abundante, rica e expressiva (hipálage), precisão vocabular, colorido da linguagem, frases curtas e acumulativas, quadras em versos decassilábicos ou alexandrinos.

- O mito de Anteu permite caracterizar o novo vigor que se manifesta quando há um reencontro com a origem, com a mãe-terra. É assim que se pode falar deste mito em

Joana Filipa Calado

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Cesário Verde na medida em que o contacto com o campo parece reanimá-lo, dando-lhe forças, energias, saúde.

Binómios e Dicotomias em Cesário Verde:

Cidade Campo

Mulher fatal Mulher angélica

Morte Vida

- Cidade: - deambulação do poeta; melancolia; monotonia; “desejo absurdo de viver”; vícios; fantasias mórbidas; miséria; sofrimento; poluição; cheiro nauseabundo, seres humanos dúbios e exploradores; ricos pretensiosos que desprezam os humildes; incomoda o poeta e os trabalhadores que nela procuram melhores condições de vida.

Mulher citadina: fatal, frígida, calculista, madura, destrutiva, dominadora, sem sentimentos, erótica, artificial, predadora, vampírica, formosa, fria, altiva.

Subjetividade do tempo e a morte: cidade = certeza para a morte

- Campo: - vida rústica de canseiras, vitalidade, saúde, liberdade, rejuvenescimento, vida, fertilidade, identificação do poeta com o povo campesino, local de trabalho onde acontece alegrias e tristezas (oposto ao local paradisíaco defendido por poetas anteriores).

Mulher campesina: proporciona um amor puro e desconfinado, frágil, terna, ingénua, despretensiosa.

Subjetividade do tempo e a morte: Salvação para a vida.

Poemas:

- “Bairro Moderno”:

Poema representativo da cidade Transfiguração de elementos do campo para a cidade Poesia do quotidiano

- “Contrariedades”: -

Poesia do quotidiano. Impressão que o “fora” deixa na alma do poeta (cruel, frenético, exigente,

impaciente) Alteração do estado de espírito -> causa: depravação nos usos e nos costumes;

injustiça da vida pela doença que destrói a vizinha (abandono e exploração); recusa dos jornais em publicarem os seus versos; fim do poema: intervencionismo, denuncia e acusação do mundo injusto e pouco solidário.

- “O sentimento dum Ocidental”:

Poema representativo da cidade em várias fases do dia

Joana Filipa Calado

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Poesia do quotidiano Capturação de factos sem referir causa/efeito Opção pelas formas impessoais, construções nominais e sinestesias (materializar o

- “Cristalizações”:

Poema representativo da cidade Poesia do quotidiano

- “Nós”:

Poema representativo do campo Crítica à cidade Campo: refúgio dos males da vida e recordação da família. Oposição entre sociedades industriais e sociedades rurais Oposição entre proprietários e trabalhadores

- “De Tarde”

Poema representativo do campo

- “Em Petiz”

Poema representativo do campo

-“De Tarde”

Tom irónico em relação aos citadinos Recordação do passado: companheira e campo

- “Deslumbramentos”

Poema representativo da mulher citadina

- “Vaidosa”

Poema representativo da mulher citadina A mulher arrasta para a morte

- “Esplêndida”

Poema representativo da mulher citadina A mulher arrasta para a morte

- “Frígida”

Poema representativo da mulher citadina Mulher -> símbolo direto da própria morte

- “A Débil”

Mulher campesina retratada na cidade.

Joana Filipa Calado

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Deslumbramentos

Mulher, produto de convenções mundanas e identificação com a cidade: 1.ª estrofe.

Mulher fatal de humilhante indiferença como a mulher de "Les Fleures du Mal" de Baudelaire: "gestos de neve e de metal", "Grande dama fatal, sempre sozinha/E com firmeza e música no andar!"

Mulher, arcanjo e demónio: 6.ª estrofe. Erotismo de humilhação: redução do amante à condição de servo: vv.15, 16; 26-

28. Transposição do plano individual para o plano coletivo: vingança contra a ordem

social personificada pelas "miladies": duas últimas estrofes.

Fernando Pessoa Ortónimo

Síntese

Em Fernando Pessoa, há uma personalidade poética ativa, designada de ortónimo, que conserva o nome do seu criador e uma pequena humanidade, formada por heterónimos, que correspondem a personalidades distintas.

No ortónimo, coexistem duas vertentes: a tradicional, na continuidade do lirismo português, e a modernista, que se manifesta como processo de rutura. Na primeira, observa-se a influência lírica de Garrett ou do sebastianismo e do saudosismo, apresentando suavidade rítmica e musical, em versos geralmente curtos; na segunda, encontramos experimentações modernistas com a procura da intelectualização das sensações e dos sentimentos.

A poesia, a cujo conjunto Pessoa queria dar o título Cancioneiro, é marcada pelo conflito entre o pensar e o sentir, ou entre a ambição da felicidade pura e a frustração que a consciência-de-si implica.

Pessoa considera que a arte “é o resultado da colaboração entre o sentir e o pensar”. Daí a sensibilidade a fornecer à inteligência as emoções para a produção do poema.

Para exprimir a arte, o autor criativo precisa de intelectualizar o sentimento, o que pode levar a confundir a elaboração estética com um ato de “fingimento”. O poeta parte da realidade mas só consegue, com autêntica sinceridade, representar com palavras ou outros signos o “fingimento”, que não é mais do que uma realidade nova.

O fingimento artístico não impede a sinceridade, apenas implica o trabalho de representar, de exprimir intelectualmente as emoções ou o que quer representar.

O conceito de fingimento é o de transfigurar, pela imaginação e pela inteligência, aquilo que sente naquilo que escreve. Fingir é inventar, elaborar mentalmente conceitos que exprimem as emoções ou o que quer comunicar.

Entrar no jogo artístico, fingir ao exprimir as emoções, mas com toda a dimensão de sinceridade, implica e explica a construção da poesia de ortónimo.

A dialética da sinceridade/fingimento liga-se à da consciência/inconsciência e do sentir/pensar.

Joana Filipa Calado

1 Resumos Literatura Portuguesa Exames 2011

Fernando Pessoa não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e pela própria

efemeridade. Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da consciência.

Pessoa procura, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir. A fragmentação esta evidente, por exemplo, em Meu coração é um pórtico partido, ou nos poemas interseccionistas Hora Absurda e Chuva Obliqua.

O intersecionismo entre o material e o sonho, a realidade e idealidade surge como tentativa para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência.

O tempo, na poesia pessoana, é um fator de degradação, porque tudo é efémero. Isso leva-o a desejar ser criança de novo. Mas, frequentemente, o passado é um sonho inútil, pois nada se concretizou, antes se traduziu numa desilusão.

Pessoa sente a nostalgia da criança que passou ao lado das alegrias e da ternura. Chora, por isso, uma felicidade passada, para lá da infância.

O ortónimo tem uma ascendência simbolista evidente desde os tempos de Orpheu e do Paulismo.

O fingimento artístico

Para Fernando Pessoa, um poema “é produto intelectual”, e por isso, não acontece “no momento da emoção”, mas resulta da sua recordação. A emoção precisa de “existir intelectualmente”, o que só na recordação é possível.

Há uma necessidade da intelectualização do sentimento para exprimir a arte. Ao não ser um produto direto da emoção, mas uma construção mental, a elaboração do poema confunde-se com um “fingimento”.

Na criação artística, o poeta parte da realidade mas só consegue, com autentica sinceridade, representar com palavras ou outros signos o “fingimento”, que não é mais do que uma realidade nova, elaborada mentalmente graças à conceção de novas relações significativas, que a distanciação do real lhe permitiu.

O fingimento não impede a sinceridade, apenas implica o trabalho de representar, de exprimir intelectualmente as emoções ou o que quer representar.

A dor do pensar

Fernando Pessoa não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e pela própria efemeridade. Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da consciência.

Joana Filipa Calado

1 Resumos Literatura Portuguesa Exames 2011

O pensamento racional não se coaduna com verdadeiramente sentir sensitivamente.

A dialética da sinceridade / fingimento liga-se à da consciência / inconsciência e do sentir /pensar.

A dor de pensar traduz insatisfação e dúvida sobre a utilidade do pensamento.

A nostalgia da infância

Frequentemente, para Fernando Pessoa o passado é um sonho inútil, pois nada se concretizou, antes se traduziu numa desilusão. Daí o constante ceticismo perante a vida real e de sonho.

O tempo, na poesia pessoana, é um fator de degradação, porque tudo é efémero. Isso leva-o a desejar ser criança novamente.

Pessoa sente a nostalgia da criança que passou ao lado das alegrias e da ternura. Chora, por isso, uma felicidade passada, para lá da infância.

Há uma nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da infância, único momento possível de felicidade.

Características Estilísticas:

- Simplicidade formal (rimas externas e internas, redondilha maior), dá uma ideia de simplicidade e espontaneidade.

- Sensibilidade musical (eufonia/harmonia de sons, aliterações, encavalgamentos, transporte, rimas, ritmo, verso curto, predomínio da quadra e da quintilha)

- Adjetivação expressiva

- Economia de meios (linguagem sóbria e nobre, equilíbrio clássico)

- Pontuação emotiva

- Uso frequente de frases nominais

- Associações inesperadas (por vezes desvios sintáticos – “Pobre velha música”)

- Comparações, metáforas originais, oximoros

- Uso de símbolos

- Reaproveitamento de símbolos tradicionais (água, rio, mar…)

Musicalidade: aliterações, transportes, ritmo, rimas, tom nasal (que conotam o prolongamento do sofrimento e da dor)

Verso geralmente curto Predominio da quadra e da quintilha Adejectivação expressiva Linguagem simples mas muito expressiva (significados escondidos)

Joana Filipa Calado

1 Resumos Literatura Portuguesa Exames 2011

Pontuação emotiva Uso de simbolos Fiel à tradição poética “lusitana” e não longe, muitas vezes, da quadra popular

Na poesia do ortónimo coexistem duas vertentes; a tradicional e a modernista. Algumas das suas composições seguem na continuidade do lirismo português, com marcas do saudosimo; outras iniciam o processo de rutura, que se concretiza nos heterónimos ou nas experiências modernistas.

A poesia é marcada pelo conflito entre o pensar e o sentir, ou entre a ambição da felicidade pura e a frustração que a consciência-de-si implica.

Pessoa procura, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir. O intersecionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade surge como tentativa para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência.

A poesia do ortónimo revela a despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica com a própria criação poética, como impõe a modernidade. O poeta recorre à ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria sinceridade que, com o fingimento, possibilita a construção da arte.

Joana Filipa Calado