viver a dois em tempos de incerteza

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O que mais nos espanta é precisamente a grande questão abordada neste fascinante estudo: ou seja, as transformações que se têm vindo a operar não só na intimidade propriamente dita (…) mas a inter-relação que o casal mantém com o exterior. O que esse exterior espera/aceita/tolera no casal e o que este vai buscar aos espaços que se colocam para além da sua intimidade. Essas transformações têm ocorrido a um ritmo que foi acelerando ao longo do século XX, acompanhando a aceleração da própria história de que, obviamente, fazem parte. Não sabemos ainda para onde é que esta disparidade entre os ritmos da vivência quotidiana e os ritmos da história nos vai conduzir. A autora discute com perspicácia o que será a modernidade e como é que o ‘novo casal’ se situa na, ou como constrói, essa mesma modernidade.

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Page 1: Viver a Dois em Tempos de Incerteza
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viver a doisem tempos de incerteza

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títuloViver a Dois em Tempos de Incerteza:Razão e Emoção na União ConjugalautorMaria da Conceição QuinteirorevisãoNova DelphidesignFBA.paginaçãoNova Delphiimpressão e acabamentoPapelmundeisbn978-989-8407-81-8depósito legal347244/12editoraNova Delphi

(Marca registada da Euthalia Editora, Lda.)

Rua da Carreira, 115/117, 9000-042 Funchal, Portugal

www.novadelphi.com

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viver a doisem tempos

de incertezaRazão e Emoção

na União Conjugal

Maria Quinteiro

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nota à edição:

Este excerto foi extraído da tese «União conjugal: a grande busca», apresentada

na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,

para a obtenção do título de doutora em Ciências, área de concentração

de Sociologia. São Paulo: FFLCH/USP, 1993.

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Para Luís Pardal, Gualter Jorge, Isabel, Luísa,Dorotéia e Ilda, meus tios (in memoriam)Para Teresa, minha mãe

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Antes de tudo, a publicação deste trabalho é devida ao encorajamento e estímulo do professor Hermínio Martins, Emeritus Fellow do St. Antony’s College da Universidade de Oxford, e investigador honorário do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. O meu muitíssimo obrigada.

O meu agradecimento especial a Carlos Savério Fer-rante, amigo fraternal, que me incentivou o exercício do diálogo, da crítica e da generosidade no trato das questões quotidianas.

Ao professor doutor Carlos Veloso da Veiga, profes-sor de Sociologia e vice presidente do Centro de Inves-tigação em Ciências Sociais, da Universidade do Minho, pela amizade e apoio na aventura sociológica.

À escritora e investigadora, minha grande amiga Dra. Ana Vicente, sempre prestativa em compartilhar in- quietações, sugestões, solidariedades e desafios. O meu agradecimento.

À Elisa Seixas, pelo acolhimento e atenção para com este trabalho, muito obrigada.

Às amigas e amigos lusos que me brindam com sua amizade e a sua solidariedade, graças a eles refiz ra- ízes na terra lusitana. O meu obrigada.

Maria da Conceição Quinteiro

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índice

13 Prefácio 19 Introdução 29 Sobre a Metodologia 33 I – A Modernidade e a União Conjugal 39 II – Aprendizagem dos Sentimentos — Razão e Emoção Unidas 45 III – O Casamento Moderno — Casar a Qualquer Custo 55 IV – A Procura do/a Parceiro/a Afetivo-Sexual 63 V – Ou o Parceiro ou a Solidão 71 VI – O que se Deve Fazer? 91 Comunicação Afetiva 95 O Tempo Afetivo 107 VII – Ações Iguais e Significados Diferentes 111 Usos da Liberdade Individual 123 Ausência de Novidades 129 Fidelidade Conjugal versus Liberdade Individual 135 União Prazenteira versus Quotidiano 139 VIII – Devagar se Vai ao Longe 143 Referências Bibliográficas 149 Anexos

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prefácio

O que se espera de um Prefácio é, sobretudo, que não seja longo de mais, e que não caia na tentação de fazer um resumo do livro. Tentarei antes, com as minhas poucas palavras, estimular a curiosidade, a vontade, e o interesse das potenciais leitoras e leitores da obra da minha querida amiga luso-brasileira Maria da Concei- ção Quinteiro.

Há longos anos que sigo as suas inquietações e inter-rogações; sempre que nos encontramos a conversa não acaba mais em torno das matérias que nos interessam sobremaneira — e das quais mais se destaca a mis- teriosa e sempre equívoca relação entre mulheres e homens, e a história das mulheres propriamente dita.

O que mais nos espanta é precisamente a grande questão abordada neste fascinante estudo: ou seja, as transformações que se têm vindo a operar não só na intimidade propriamente dita, e evocamos aqui o grande Giddens1, mas a inter-relação que o casal man-tém com o exterior. O que esse exterior espera/aceita/tolera no casal e o que este vai buscar aos espaços que se colocam para além da sua intimidade.

Essas transformações têm ocorrido a um ritmo que foi acelerando ao longo do século xx, acompanhando a aceleração da própria história de que, obviamente, fazem parte. Essa aceleração, como sabemos, tem sido motivada pelas novas tecnologias. Contudo, certos rit- mos do ser humano inserido na natureza, não sofreram essa aceleração e, em consequência, há um desfasa-mento cada vez maior entre esses ritmos e o correr

1 giddens, Anthony; (1996). Transformações da Intimidade — sexualidade, amor e erotismo

nas sociedades modernas, Oeiras, Celta.

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célere da história. Continuam a ser necessários nove meses para a gestação; o tempo do desenvolvimento infantil e adolescente mantém-se; falar, rir, chorar, comer, amar, dormir, andar, são atividades que não incorreram em transformações na sua essência. Não sabemos ainda para onde é que esta disparidade entre os ritmos da vivência quotidiana e os ritmos da história nos vai conduzir.

A autora discute com perspicácia o que será a moder-nidade e como é que o ‘novo casal’ se situa na, ou como constrói, essa mesma modernidade. Se conseguimos, finalmente, reconhecer a complexidade do mundo e das pessoas que nele interagem, (quantas vezes de forma destruidora para a restante criação), e ultrapassar leitu-ras naturalistas dos fenómenos, nem por isso podemos considerar que estamos na posse de uma capacidade analítica correta.

As vozes alarmistas que falam da crise da família e da crise de valores, supostamente observados antiga-mente, como seja o respeito, a fidelidade, a solidarie-dade, a generosidade, devem ser contraditas. Sabemos, para começar, que a família é em si uma construção social, portanto mutável, de contornos imprecisos e móveis, sujeita às mais diversas influências e contribui-ções externas e agindo, por sua vez, sobre o mundo que lhe é exterior. Como espaço de vivência assume uma importância fundamental no ser e no estar dos humanos, de qualquer sexo, idade ou condição, pre-cisamente porque é na família que se estabelecem as relações interpessoais mais significativas e que mais marcam a pessoa no seu agir fora da família. Creio, portanto, ser difícil definir família se não como um espaço de pertença relacionalmente significativo. Os estudos sociológicos realizados em todo o espaço da

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União Europeia, e certamente também no Brasil, de- monstram que as populações, de todas as idades, colo-cam a família no lugar mais importante das suas vidas.

Quanto à crise de valores, mais uma vez são os estudos que nos encorajam a afirmar que, antes pelo contrário, há cada vez mais a perceção da importância do respeito, da fidelidade, da solidariedade e da generosidade para a qualidade de vida familiar, mesmo que, obviamente, possa haver muitas quebras na prática quotidiana desses valores. Mas a perceção dessa importância é que traz consigo os traços da modernidade que buscamos. Pois o respeito já não é apenas dos mais novos pelos mais velhos mas entre todos; a fidelidade já não é a submissão da mulher aos devaneios do homem, mas o reconheci-mento de iguais aspirações emocionais e sexuais; a solidariedade não é mais a dependência dos mais frá-geis em relação aos mais poderosos mas antes o reco-nhecimento que a solidariedade tem muitas formas e que os pequenos também podem partilhar solidarie-dade com os mais velhos. Quanto à generosidade, material ou imaterial, pode ser distribuída por qualquer elemento da família.

Como nos recorda Anália Cardoso Torres em múlti- plos estudos, agora há mais divórcios porque a expe- tativa da mulher e do homem ligados por casamento mudou face à relação: «De instituição a preservar a qualquer custo, o casamento tornou-se, tendencial-mente, numa relação que dura enquanto se mantiver compensadora para quem nele está envolvida».2 No entanto, e contraditoriamente, ainda paira uma névoa de suspeição sobre aquele ou aquela que se mantém solteiro, não comprometido. A suspeição já não será

2 torres, Anália Cardoso; (1996). Divórcio em Portugal, Oeiras, Celta, pp. 6-7.

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(…)

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iv – a procura do/da parceiro/parceira afetivo-sexual

A partir dos anos 1970, entra no cenário da vida con-jugal o crescimento dos divórcios e separações. O apa- recimento da pílula anticoncecional e a quebra do tabu da virgindade feminina marcaram, juntamente com outros factores, esse momento fervilhante de contes-tações do status quo em todos os níveis e a prática de comportamentos não convencionais.

E no âmbito das uniões sem vínculos formais, como a que até então fora estigmatizada socialmente por ser prática corrente entre as camadas populares da popu-lação, dissemina-se também, e sobretudo nas cama- das médias principalmente a partir dos anos 1980, já como reflexos da flexibilização dos valores tradicionais. A união conjugal não se dá por mero acaso, conforme defende Ruth Dixon35, um casamento só se concretiza na presença de alguns factores associados. O primeiro refere-se à pertinência dos cônjuges, ou seja, se têm condições económicas que permitam a consecução do casamento. Decorre do grau de segurança econó-mica considerada necessária pelo grau social. O se- gundo refere-se à desejabilidade da união, que decorre de como as condições materiais influenciam o desejo de casar ou não. O casamento é mais desejável numa classe social com maiores necessidades económicas. Já onde existem oportunidades de emprego e boa remu-neração haveria certo retardamento na idade con- siderada oportuna para o casamento. O terceiro diz respeito à disponibilidade de homens e mulheres. Com

35 dixon, Ruth; (1978). Late Marriage as non-marriage as demographic responses: are they

similar? Population Studies, nov, vol. 32, n.º 3, p. 456.

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escassez de um ou outro, esse desequilíbrio nas razões de sexo, facilitaria o celibato. A propósito da disponibi-lidade de candidatos ao casamento, Lévi-Strauss36, referindo-se à monogamia existente em quase todas as sociedades, e em todos os tempos, afirma que muito longe de estar inserida na natureza do homem, esta prática está diretamente vinculada à disponibilidade de parceiros. De acordo com as estatísticas, há um equilíbrio de 110 sobre 100 a favor de um ou outro sexo, por isso, sob este aspeto, os 10 restantes estariam propensos ao celibato, a não ser que a sociedade permita arranjos, tais como uniões extraconjugais, ou então que a mortalidade diferencial se encarregue de corrigir o desequilíbrio, ou ainda a migração. Na nação Bororo, Lévi-Strauss37 des-cobre que um homem que se encontra sujo, maltrapilho, mal alimentado, triste e solitário, não era um vagabundo ou doente, mas um homem solteiro; portanto, quem pratica o celibato é marginalizado do convívio social. Nesta nação, o trabalho era rigorosamente repartido entre homens e mulheres e somente com o casamento ambos poderiam desfrutar do trabalho de um e outro.

É suficiente querer casar para poder casar? Basta a vontade de ter um parceiro afetivo-sexual permanente e ele bate à nossa porta? É claro que a desiderabili- dade joga um papel importante na decisão e na busca pelo parceiro. Mas não é suficiente. Após o advento do casamento por amor tem que haver a conciliação, pelo menos no plano teórico, entre os sentimentos do pretendente e os interesses materiais e simbólicos próprios, e os do parceiro pretendido. Além disso, a disponibilidade de homens e mulheres no mercado

36 lévi-strauss; (1980).

37 Op. Cit., p. 20.

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matrimonial, como a probabilidade de contacto entre eles e, por último, a existência de parceiros pertinen- tes, são factores que condicionam a efetivação de uma união conjugal.

Desiderabilidade, disponibilidade, probabilidade e pertinência dos parceiros no mercado matrimonial são quatro elementos intimamente imbricados que orientam a procura e a escolha do parceiro. Além, evi- dentemente, das expetativas individuais, das normas e valores sociais associados à escolha conjugal.

Muitos estudos dão ênfase aos custos e benefícios decorrentes do casamento, como é o caso do trabalho de Singly38. Para o autor, a escolha do cônjuge faz-se segundo o princípio de equivalência das riquezas mas-culina e feminina e «realiza-se sobre critérios sociais, sejam materiais ou simbólicos». A estes, o autor acres-centa a mediação do sentimento que, por ser espontâ-neo e desinteressado, pode tornar-se um equivalente geral de todas as riquezas, pois há mulheres que pre- ferem as satisfações psicológicas às gratificações so- ciais39. Esta vertente de compreensão dos critérios de escolha remete diretamente ao casamento de tipo mal-thusiano, apontado no capítulo anterior.

Outra vertente aborda a escolha e o encontro do par- ceiro, com ênfase na homogamia, a saber, a pertença a grupos socialmente semelhantes, como a demarcação das possibilidades da escolha. Aquém e além de tais fronteiras sociais, económicas e culturais, fica muito difícil, muito embora não impossível evidentemente, a escolha e o encontro.

38 singly, François de; (1987). Fortune et de la femme mariée; sociologie de la vie conjugale.

Paris: PUF.

39 Op. Cit., p. 13.

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Bozon e Héran40 analisaram os resultados da pes-quisa «Formação de Casais», realizada entre 1983–1984 na França, com 3000 pessoas com menos de 45 anos de idade e a viver uma união conjugal. O estudo rela-ciona as maneiras de encontro (boates, reuniões fa- miliares, escola, trabalho, etc.) com as características sociais dos entrevistados. Partem da hipótese de que os encontros não se dão ao acaso, que os pares não se encontram em qualquer lugar. Para os autores, a homo-gamia é importante, portanto é necessário procurar os mecanismos que orientam os indivíduos na sua direção. Os indivíduos também não se encontram soltos no espaço social ao acaso; agrupam-se em ca- madas sociais, o que por si só favorece a homogamia.

Os autores distribuíram os entrevistados em catego-rias sócio-profissionais. Constataram que nas categorias sócio-profissionais superiores os encontros acontecem frequentemente em lugares reservados, fechados; fes-tas familiares, casa de amigos, associações profissionais, enfim, locais que possibilitam uma certa eficácia na identificação e seleção do parceiro. Entre as categorias sócio-profissionais mais baixas, os locais, pelo contrá-rio, são abertos e públicos. Os bailes em salões, a rua, o comércio, restaurantes, vizinhança etc., são aponta-dos como favorecedores dos encontros nas camadas populares.

No Brasil, alguns estudos mostram que os crité- rios de escolha do cônjuge também obedecem às nor-mas sociais da homogamia. No século xix, Samara41

40 bozon, M.; heran, F.; (1988). La découverte du conjoint. Les Scences de recontre dans

l’espace social. Population. Paris: INED, jan./fev., n.º1, pp. 121-151.

41 samara, Eni M. Casamentos e papéis familiares em São Paulo no século xix. Cadernos de

Pesquisa. São Paulo, maio de 1981, pp. 17-25.

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constatou na sociedade paulista que os critérios de seleção obedeciam de maneira rigorosa à raça, riqueza, ocupação, origem e religião do futuro consorte, tanto que muitos casamentos das classes superiores se reali-zavam entre membros da mesma família. Samara cita um interessante conselho dado às boas famílias em 1747, no qual transparece a primazia da igualdade como eixo central da escolha: «… uma das coisas que mais podem assegurar a futura felicidade do casal, é a proporção do casamento. A desigualdade no sangue, nas idades, na fazenda, causa contradição e discór- dia…»42.

A lei garantia que os casamentos acontecessem den-tro da «proporção do casamento». Somente a partir da independência, em 1822, é que deixaram de existir entraves legais aos casamentos desiguais, desde que os pais os permitissem. Nas camadas populares, os crité-rios eram menos exigentes, porém respeitavam as regras da homogamia, respeitando, portanto, os limites da classe social.

Maria Helena B. Trigo43, ao estudar os descendentes paulistas da oligarquia cafeeira em São Paulo, consta-tou que o «par ideal era aquele que tendo os mesmos valores, interesses e gostos, estava mais próximo e podia ser considerado um igual…».

Em estudos recentes sobre São Paulo, Lazo44, através dos dados da Pesquisa Nacional Domiciliar (PNDA) de 1984, observou a existência da homogamia entre os casais quanto ao nível de instituição. Esta variável foi

42 Op. Cit., p. 20.

43 trigo; (1989). p. 89

44 lazo, A. V.; (1991). Nupcialidade em São Paulo: um estudo por corte e coorte. Tese de

Doutorado — Instituto de Filosofia e Ciências e Letras, UNICAMP.

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privilegiada porque traduzia um conjunto de caracte-rísticas sócio-económicas dos cônjuges. Foi associada a outras variáveis, tais como a cor da mulher, o tipo de união, a faixa etária da mulher, etc. Os resultados que fogem da relação homogâmica são os observados nas escolaridades intermediárias. Nas faixas etárias mais velhas e nas mais jovens, homens e mulheres casam-se com iguais independentemente do número de anos de escolaridade. Quando há variação, são as mulheres que casam em maior proporção com homens de maior nível de instrução, três anos de escolaridade a mais, no máximo.

A pesquisa realizada no distrito de São Paulo45 reve-lou a existência de um padrão de homogamia entre os casais quanto à escolaridade, semelhante aos encon-trados por Lazo em 1984. Isto revela a persistência da homogamia, apesar das transformações sócio-econó-micas e da flexibilização dos valores, processos que se acentuaram a partir da década de sessenta.

O estudo de Maria Andréia Loyola46, nos municípios de Rio Claro, São Caetano do Sul, Avaré e Itacaré no estado de São Paulo, perseguiu a questão «quem casa com quem?», e revelou a existência da homogamia entre os cônjuges quanto à origem de lugar, área rural ou urbana, e escolaridade. De acordo com o resultado de várias pesquisas em alguns países do Primeiro Mundo, a homogamia tem sido regra predominante na orien- tação das escolhas dos parceiros, e sob os mais varia- dos aspectos: idade ao casar, procedência geográfica,

45 camargo, C. P. F.; oliveira, M. C. F.; (1977). «Padrões de Casamento» In: A fecun-

didade em São Paulo. São Paulo: Brasileira de Ciências, pp. 86-111.

46 loyola, M. A.; (1987). Nupcialidade e reprodução no estado de São Paulo. Relatório de

pesquisa. São Paulo: FSEADE/ABEP.

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condição sócio-económica, status profissional, caracte-rísticas físicas, intelectuais, religião, passado familiar etc. Aliás, a procura de parceiros parecidos constitui o segundo corolário da nossa investigação. Por que a homogamia comanda a escolha conjugal? Porque no nosso entender as similaridades decorrem da partilha de uma intersubjetividade (património comum de sa- ber) sem a qual as pessoas não se aproximariam, não se entenderiam e não se comunicariam emocional-mente. A intersubjetividade compartilhada é o pressu-posto para que os parceiros conjugais possam, numa interação dialógica, na situação conjugal, reforçar a es- fera da emoção e do prazer.

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(…)

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123

ausência de novidades

Outro aspeto que merece atenção, porque é valori- zado de maneira diferenciada, diz respeito à rotina conjugal, isto é, ao próprio exercício da convivência conjugal. Comummente a rotina é entendida como o viver o dia a dia repetidamente: levantar, dormir, tra-balhar, amar, cuidar da casa, dos filhos, receber ami- gos, visitar parentes, não sair de casa, não passear etc., o que configuraria uma ausência de predisposição para viver bem a conjugalidade: o exercício quotidiano da repetição constante sem inovação, sem novidade.

De acordo com as necessidades de mulheres e ho- mens que procuram incessantemente novas experiên-cias, qualquer atividade rotineira que não acrescente algo novo à sua individualidade não pode ser satis- fatória.

Entretanto, nas camadas altas, principalmente, ape-sar destas necessidades, prevalece a ideia de que a ro- tina conjugal é necessária, bem-vinda e estabiliza a união, porque é impossível viver sem a criação de ro- tina. Esta pode até ser enfadonha, mas é muito impor-tante para a reprodução e transmissão dos valores, nome e tradição, servindo como garantia da continui-dade destes. A rotina não provoca a rutura conjugal, segundo os entrevistados, com o tempo a união conju-gal muda de feição e os partícipes do casal podem transformar-se em grandes amigos e, ou, também em grandes amantes conjugais.

«…tudo o que eu faço diariamente, todas as minhas atividades, têm uma rotina… agora, se no casamento tudo o que se faz é feito sem vontade, de maneira mecanizada, sem prazer de olhar para o outro, então

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124

pode ser resolvido com conversa. Não é a rotina que faz isto, é porque não se gosta mais, não se tem mais libido (…) Agora, a relação pode continuar porque já existem laços muito fortes que ligam o casal (…).» (Cida, 50 anos, alta).

«…o casamento é rotina, tudo tem uma rotina, so- mos nós que decididimos as coisas numa rotina. Não é ela que piora a relação. Temos que ter outra proposta. A paixão termina com o tempo, então tem que haver outra proposta que se adeque às neuras do casal… se a gente “trepasse” bem, a gente seria perfeita.» (Ilda, 39 anos, alta).

«…todas têm uma rotina, não dá para viver em cada dia uma coisa diferente, tem que haver bom humor (…) o que seria das férias se não fosse a rotina?» (Sân- cia, 20 anos, alta).

«…a rotina é uma coisa natural. Viver numa rotina se o “libido” se tornar rotina, natural, porque duas pessoas juntas procuram a rotina, se não, não são duas pessoas juntas, é uma para cada lado (…). Se a união se desgasta, não é por causa da rotina, a rotina pode ser cada dia melhor.» (João, 21 anos, alta).

Nas camadas médias, parte dos entrevistados, assi-nalaram que a rotina conjugal significa fatalidade para a duração da união conjugal gratificante. Pode ser corrosiva para a perda da atração sexual, que para eles é fundamento da união gratificante, pois os entrevis-tados entendem que a rotina é repetição maquinal diária do que se fez na véspera e desgasta a conjugali-dade, dado que a falta de novidades faz com que os

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(…)

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152

a.2

camadas médias

Mulheres

20 anos, frequenta ensino secundário, só estuda, sol-

teira.

25 anos, ensino superior completo, dentista, casada.

29 anos, ensino superior completo, jornalista, divor-

ciada.

27 anos, ensino superior incompleto, dona de casa,

casada.

38 anos, ensino secundário incompleto, produtora,

solteira.

39 anos, ensino superior incompleto, professora de

inglês, casada.

34 anos, ensino superior completo, professora univer-

sitária, união consensual sem coabitação.

37 anos, ensino superior completo, animadora cultu-

ral, união consensual com coabitação.

47 anos, ensino superior incompleto, secretária, sepa-

rada.

46 anos, ensino superior completo, professora secun-

dária, separada.

45 anos, ensino superior completo, publicitária, casada.

43 anos, ensino superior incompleto, jornalista, casada.

mirna

virgíniasofia

beatriz

rosa

denise

conceição

marina

cremilda

anita

glóriadulce

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153

Homens

23 anos, ensino secundário completo, ourives, união

consensual com coabitação.

21 anos, frequenta ensino superior, só estuda, solteiro.

26 anos, ensino superior incompleto, eletricista, casado.

29 anos, ensino superior completo, agrónomo, casado.

39 anos, ensino superior completo, economista, união

consensual com coabitação.

34 anos, ensino secundário completo, analista de siste-

mas, separado.

32 anos, ensino superior completo, microempresário,

solteiro.

36 anos, ensino superior completo, comerciante, casado.

47 anos, ensino superior completo, médico, casado.

42 anos, ensino superior completo, advogado, casado.

47 anos, ensino superior incompleto, gerente de ven-

das, separado.

45 anos, ensino primário completo, fotógrafo, casado.

bernardo

geraldovladimirantoniorui

mauro

augusto

josémárioavelinoamaro

osvaldo

Page 32: Viver a Dois em Tempos de Incerteza

154

a.3

camadas populares

Mulheres

23 anos, ensino primário completo, balconista, união

consensual com coabitação.

20 anos, frequenta o 3.º ciclo, só estuda, solteira.

27 anos, ensino secundário completo, metalúrgica,

casada.

24 anos, ensino secundário incompleto, dona de casa,

casada.

31 anos, ensino secundário incompleto, dona de casa,

casada.

34 anos, ensino primário completo, tecelã, separada.

37 anos, ensino primário completo, dona de casa, ca-

sada.

38 anos, ensino cursando supletivo, telefonista, sepa-

rada.

42 anos, ensino primário completo, empregada domés-

tica, casada.

41 anos, ensino primário incompleto, dona de casa,

casada.

47 anos, ensino primário completo, vendedor de rua,

casada.

49 anos, ensino primário incompleto, dona de casa,

separada.

marta

céliacristina

silvia

patrícia

lúcialuisa

francisca

ernestina

fernanda

antonia

carolina

Page 33: Viver a Dois em Tempos de Incerteza

155

Homens

24 anos, ensino secundário completo, metalúrgico,

solteiro.

22 anos, frequenta o 3.º ciclo, estafeta, solteiro.

23 anos, ensino primário completo, serviços de escri-

tório, solteiro.

28 anos, ensino primário incompleto, canalizador,

casado.

38 anos, ensino primário completo, motorista de pesa-

dos, solteiro.

35 anos, ensino primário incompleto, vendedor de rua,

casado.

37 anos, ensino primário completo, torneiro, separado.

50 anos, ensino primário completo, pedreiro, viúvo.

45 anos, ensino primário completo, vendedor de rua,

casado.

46 anos, ensino secundário incompleto, porteiro, ca-

sado.

46 anos, ensino primário completo, segurança de

banco, casado.

zeca

edsonadriano

lucas

chico

júlio

diogomanoelhenrique

renato

cláudio

Page 34: Viver a Dois em Tempos de Incerteza

Este livro foi composto em carateres New Baskervillee impresso na Papelmunde – SMG, Lda,

em papel Coral Book Ivory 90 gno ano de 2012.

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