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VIII Congresso da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar Psicóloga Daniela Carla Prestes

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VIII Congresso da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar

Psicóloga Daniela Carla Prestes

Violência contra crianças e adolescentes: um desafio não só para médicos. Qual a função do psicólogo no atendimento a

esses casos?

OMS: a violência é uma questão de saúde, pois se constitui em uma ameaça à vida.

Classificação básica – 5 categorias formais e usuais

1. Violência física.2. Abuso sexual.3. Violência psicológica.4. Negligência.5. Síndrome de Münchausen por promoção.

�Em que se pauta o trabalho:→ Psicólogo: profissional da área da saúde pode e

deve fazer parte das equipes multiprofissionais.

→ Saúde integral: conceito que remete a trabalho desenvolvido por equipes multi ou interprofissionais do campo da saúde, saúde mental, social e jurídico.

“A psicologia tem importância em todas as situações relacionadas à saúde do ser humano e o psicólogo como um profissional da promoção da saúde, atua tanto na prevenção como no tratamento.”

(Campos, 1995)

→ Leis externas (campo jurídico):

• Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959).

• Constituição Federal Brasileira (1988, em especial o artigo 277).

• Convenção das Nações Unidas sobre os direitos da criança (1989).

• Estatuto da Criança e do Adolescente (1990, em especial Artigo 5, 18 e 245). Adotou a doutrina de proteção integral que reconhece a criança e o adolescente como cidadãos e sujeitos de Direito.

(ECA, 1990. p. 4, 8 e 91)

�Nesses casos, o que faz o psicólogo no hospital?

“O psicólogo hospitalar enfoca questões advindas da doença e/ou hospitalização, do processo do adoecer e do sofrimento causado por estas, visando o minimizar da dor emocional do paciente e da sua família.”

(Alamy, 1998)

→Desenvolve a singularidade de seu trabalho e dialoga com profissionais de outras áreas de conhecimento, mas sem se valer de verdades ou normas e sem ter o desejo de curar, normalizar ou educar.

→ Abre espaço para o sujeito da palavra, ou seja, introduz o clínico, o que tem de singular em cada sujeito na relação terapêutica, no universal da instituição.

→ Oferece lugar de escuta, que busca para além do corpo, o dizer daqueles que sofrem. A maneira diferente de escutar leva o discurso a se modificar, a adquirir novo sentido e a promover o comprometimento do sujeito.

→ Viabiliza ao paciente/familiar dar sentido ao acontecimento traumático, o que alivia a angústia, pois toda representação ou interpretação é de certo modo “curativa” – falar tem efeito terapêutico.

Freud – o objetivo da psicanálise é diminuir o sofrimento humano.

→ Possibilita ao paciente se responsabilizar pelo seu trabalho pessoal e pela sua “cura”, através de sua construção. (Novas significações podem ser dadas para as marcas deixadas pelos acontecimentos, por sua história de vida e de sua família e pelo contexto em que vive).

“A partir de seu percurso analítico é permitido ao sujeito compreender o que se passou com ele,

entender que foi vítima de uma violência e que não precisa paralisar sua vida e seus investimentos

libidinais e reconstruir, aos poucos, uma imagem corporal dilacerada. (...) A análise propiciará a este sujeito a redescoberta de si mesmo enquanto ser

humano digno de amor e respeito.”

(Azevedo, 2001)

�Como se entende a violência?

→ Definição da OMS – Relatório Mundial sobre a Violência e Saúde.

“Uso da força ou do poder real em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo, ou contra uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesões, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.”

(KRUG, et al., citado em FIOCRUZ, 2007. In.: Protocolo da Rede de Proteção à criança e ao adolescente em situação de risco para a violência

da cidade de Curitiba, 2008.)

�Arcabouço teórico da Psicanálise.

→ Violência não é o fato em si, mas o contexto simbólico no qual ela está articulada.(espancamento de uma criança ≠ luta de boxe)

→ O agressor agride porque ele no tempo da constituição de sua própria identidade (no que diz respeito ao ser humano, isto se dá na relação com o outro, qual seja o que desempenhe a função materna) não vivenciou uma relação de triangulação – entrada do terceiro.

�Por quê alguém se torna agressor?

→ Porque ele não elaborou bem a passagem de que ele não é o objeto que dá conta da falta da mãe, mas que é desejante e pode ir em busca de seus desejos. Pertencendo a um discurso pode nomeá-los.

→ O agressor é aquele que ao perder o lugar de objeto “precioso” da mãe, não foi reconhecido como aquele que pode realizar suas próprias façanhas. Ele não consegue se introduzir/conviver nos grupos sociais.

→ A agressão ocorre, pois a leitura do agressor, da situação é narcísica. Lá onde o outro não o reconhece, não lhe dá valor, ele se fragiliza. Há um medo da desmontagem, desintegração daquela configuração imaginária inicial.

→ Para que isto não ocorresse ele precisaria ter passado de forma normatizada pelo Édipo (perdas narcísicas sem se desmontar) para que na situação atual pudesse vivenciar o momento como transponível e não como a perda completa do ser. Seria um ser comprometido com suas atitudes.

�O que fazer então?

→ Procedimentos do Serviço de Psicologia:

Coletar dados de identificação:

• Da criança ou adolescente – idade e sexo.

“O abuso físico é muito mais frequente em crianças abaixo de um ano e ocorre mais em primogênitos ou no segundo filho.” (Farinatti, 1993)

• Dos pais ou responsáveis – idade e características sociais, econômicas e culturais.

Pais usualmente jovens e em situação social de risco. Difícil planejamento familiar, responsabilidade

pela função parental, apreciação das capacidades da criança e da correção pertinente – “adultos infantis”.

• Considerar o diagnóstico – lesões apresentadas.

“Mais da metade das fraturas ocorridas em crianças abaixo de um ano de idade são de causas não acidentais.”

(Dr. Edilson Forlin – HPP)

→ Realizar entrevistas semi-dirigidas ou dirigidas/ atendimento.

• Com o(s) acompanhante(s) do paciente na ocasião da consulta ambulatorial médica.

• Com o paciente.

Para que as ideias e as emoções possam ser organizadas.

→ Realizar entrevista posterior.• Apresentação e enquadre.

• Escutar o motivo e o percurso até a consulta no hospital.

• Observar preocupação do informante com a confidencialidade ou retaliação.

→ Realizar entrevistas subsequentes com os pais/ responsáveis.

• Escutar a história do paciente e de sua família. (Origem da família, relação do casal, desejo/planejamento da gravidez, ordem nas gestações e estado físico e psíquico da mãe, ocorrência do parto e período neo-natal, rotina familiar, história das famílias de origem – cultura e educação, objetivos e expectativas futuras, entre outros.)

→ Realizar entrevistas subsequentes com avós, tios, irmãos (mais propensos a colaborar).

• Escutar as peculiaridades das famílias de origem.

• Características da estrutura de personalidade dos pais.

• Qualidade da relação familiar (casal, parental).

• Rotina de vida.

→ Realizar entrevistas e/ou observação lúdica com a criança/adolescente.

• Apresentar-se e explicar a função do psicólogo –enquadre.

• Escutar o paciente, preferencialmente sozinho.

• Utilizar linguagem apropriada com termos trazidos pelo paciente e utilizar recursos lúdicos como “facilitadores da comunicação”.

→ Realizar atendimento psicológico para a criança/ adolescente.

• Escuta aliada ao uso do brinquedo. (Propiciar a expressão, projeção de conteúdos, representação e interpretação do meio interno e externo, comunicação – nomeação, compreensão e ulterior elaboração.)

→ Realizar atendimento psicológico aos pais/ familiares.

• Propiciar a expressão, simbolização, elaboração. (Sentirem-se apoiados e viabilizar mobilização de recursos psicológicos para o enfrentamento da situação.)

→ Realizar interconsulta com a equipe de saúde.

• Com a enfermagem: observar a relação do acompanhante/visitante com o paciente durante internação.

• Com o serviço social: averiguar as condições sócio-econômicas e culturais da família e relações com a comunidade.

• Com a equipe médica: averiguar a história relatada em relação a lesão apresentada, plano de tratamento.

Objetiva-se confrontar informações para estudar o caso e refletir sobre o(s) encaminhamento(s) a fim de salvaguardar a proteção do paciente e a qualidade de vida dele e de sua família, buscando recursos integrais de ajuda.

Famílias multiproblematizadas requerem intervenção em equipe multiprofissional.

� Conclusão dos atendimentos.

→ Confeccionar relatórios constituídos de:

• Dados de identificação.

• Órgão e profissional solicitante.

• Número e caracterização de sessões realizadas.

• Recursos técnicos e materiais utilizados.

• Aspectos que particularizam o caso.

• Parecer psicológico.

• Sugestão de encaminhamento(s).

• Envio ao órgão competente.

→ Comunicação às autoridades.

• Realizar notificação.

• Comunicar e enviar relatórios dos profissionais da equipe de saúde para:

• Conselho Tutelar;

• Juizado e/ou Promotoria da Vara da Infância e da Juventude;

• NVCRIA;

• Delegacia do Menor Infrator ou

• Delegacia de Polícia.

Órgãos que tem a competência e o dever de fazer operar a Lei através da articulação do diversos serviços para de fato proteger o paciente e não expô-lo a intervenções sem efeito.

→ Intervenção (em última análise).

• Não somente punitiva ao suposto autor da violência, mas terapêutica a todos os envolvidos no sentido de possibilitar romper o ciclo de reprodução da violência.

Bibliografia.

ALAMY, S. Ensaios de psicologia hospitalar – a ausculta da alma. Ed. Belo Horizonte, 2003.

AZEVEDO, E. C. de. Atendimento psicanalítico à crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Revista Psicologia, Ciência e Profissão. Brasília. Dic 2001. v.21. n.4. p. 66-77.

CAMPOS, T. C. P. Psicologia hospitalar: a atuação do psicólogo em hospitais. São Paulo: EPU, 1995.

Estatuto da Criança e do Adolescente. Impresso na Imprensa Oficial do Estado. Curitiba, Paraná. fev., 2006.

FARINATTI, F. Pediatria social. A criança mal tratada. Ed. Medsi, 1993.

MARCÍLIO, M. L. A lenta construção dos direitos da criança brasileira, século XX. Revista USP. 1998, p. 37:46-56.