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Unidade 1 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Repensando o Ensino da Língua Escrita Silvia M. Gasparian Colello Se, no início da década de 80, os estudos acerca da psicogênese da língua escrita trouxeram aos educadores o entendimento de que a alfabetização, longe de ser a apropriação de um código, envolve um complexo processo de elaboração de hipóteses sobre a representação lingüística; os anos que se seguiram, com a emergência dos estudos sobre o letramento [i] , foram igualmente férteis na compreensão da dimensão sócio- cultural da língua escrita e de seu aprendizado. Em estreita sintonia, ambos os movimentos, nas suas vertentes teórico- conceituais, romperam definitivamente com a segregação dicotômica entre o sujeito que aprende e o professor que ensina. Romperam também com o reducionismo que delimitava a sala de aula como o único espaço de aprendizagem. Reforçando os princípios antes propalados por Vygotsky e Piaget, a aprendizagem se processa em uma relação interativa entre o sujeito e a cultura em que vive. Isso quer dizer que, ao lado dos processos cognitivos de elaboração absolutamente pessoal (ninguém aprende pelo outro), há um contexto que, não só fornece informações específicas ao aprendiz, como também motiva, dá sentido e “concretude” ao aprendido, e ainda condiciona suas possibilidades efetivas de aplicação e uso nas situações vividas. Entre o homem e o saberes próprios de sua cultura, há que se valorizar os inúmeros agentes mediadores da aprendizagem (não só o professor, nem só a escola, embora estes sejam agentes privilegiados pela sistemática pedagogicamente planejada, objetivos e intencionalidade assumida). O objetivo do presente artigo é apresentar o impacto dos estudos sobre o letramento para as práticas alfabetizadoras. Capitaneada pelas publicações de Angela Kleiman, (95) Magda Soares (95, 98) e Tfouni (95), a concepção de letramento contribuiu para redimensionar a compreensão que hoje temos sobre: a) as dimensões do aprender a ler e a escrever; b) o desafio de ensinar a ler e a escrever; c) o significado do aprender a ler e a escrever, c) o quadro da sociedade leitora no Brasil d) os motivos pelos quais tantos deixam de aprender a ler e a escrever, e e) as próprias perspectivas das pesquisas sobre letramento.

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Unidade 1ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Repensando o Ensino da Língua EscritaSilvia M. Gasparian Colello

Se, no início da década de 80, os estudos acerca da psicogênese da língua escrita trouxeram aos educadores o entendimento de que a alfabetização, longe de ser a apropriação de um código, envolve um complexo processo de elaboração de hipóteses sobre a representação lingüística; os anos que se seguiram, com a emergência dos estudos sobre o letramento [i] , foram igualmente férteis na compreensão da dimensão sócio-cultural da língua escrita e de seu aprendizado. Em estreita sintonia, ambos os movimentos, nas suas vertentes teórico-conceituais, romperam definitivamente com a segregação dicotômica entre o sujeito que aprende e o professor que ensina. Romperam também com o reducionismo que delimitava a sala de aula como o único espaço de aprendizagem.

Reforçando os princípios antes propalados por Vygotsky e Piaget, a aprendizagem se processa em uma relação interativa entre o sujeito e a cultura em que vive. Isso quer dizer que, ao lado dos processos cognitivos de elaboração absolutamente pessoal (ninguém aprende pelo outro), há um contexto que, não só fornece informações específicas ao aprendiz, como também motiva, dá sentido e “concretude” ao aprendido, e ainda condiciona suas possibilidades efetivas de aplicação e uso nas situações vividas. Entre o homem e o saberes próprios de sua cultura, há que se valorizar os inúmeros agentes mediadores da aprendizagem (não só o professor, nem só a escola, embora estes sejam agentes privilegiados pela sistemática pedagogicamente planejada, objetivos e intencionalidade assumida).

O objetivo do presente artigo é apresentar o impacto dos estudos sobre o letramento para as práticas alfabetizadoras.  

Capitaneada pelas publicações de Angela Kleiman, (95) Magda Soares (95, 98) e Tfouni (95), a concepção de letramento contribuiu para redimensionar a compreensão que hoje temos sobre: a) as dimensões do aprender a ler e a escrever; b) o desafio de ensinar a ler e a escrever; c) o significado do aprender a ler e a escrever, c) o quadro da sociedade leitora no Brasil d) os motivos pelos quais tantos deixam de aprender a ler e a escrever, e e) as próprias perspectivas das pesquisas sobre letramento.

As dimensões do aprender a ler e a escrever

Durante muito tempo a alfabetização foi entendida como mera sistematização do “B + A = BA”, isto é, como a aquisição de um código fundado na relação entre fonemas e grafemas. Em uma sociedade constituída em grande parte por analfabetos e marcada por reduzidas práticas de leitura e escrita, a simples consciência fonológica que permitia aos sujeitos associar sons e letras para produzir/interpretar palavras (ou frases curtas) parecia ser suficiente para diferenciar o alfabetizado do analfabeto.

Com o tempo, a superação do analfabetismo em massa e a crescente complexidade de nossas sociedades fazem surgir maiores e mais variadas práticas de uso da língua escrita. Tão fortes são os apelos que o mundo letrado exerce sobre as pessoas que já não lhes basta a capacidade de desenhar letras ou decifrar o código da leitura. Seguindo a mesma trajetória dos países desenvolvidos, o final do século XX impôs a praticamente todos os povos a exigência da língua escrita não

mais como meta de conhecimento desejável, mas como verdadeira condição para a sobrevivência e a conquista da cidadania. Foi no contexto das grandes transformações culturais, sociais, políticas, econômicas e tecnológicas que o termo “letramento” surgiu [ii] , ampliando o sentido do que tradicionalmente se conhecia por alfabetização (Soares, 2003).

Hoje, tão importante quanto conhecer o funcionamento do sistema de escrita é poder se engajar em práticas sociais letradas, respondendo aos inevitáveis apelos de uma cultura grafocêntrica. Assim, enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de uma sociedade (Tfouni, 1995, p. 20).

Com a mesma preocupação em diferenciar as práticas escolares de ensino da língua escrita e a dimensão social das várias manifestações escritas em cada comunidade, Kleiman, apoiada nos estudos de Scribner e Cole, define o letramento como

...um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos. As práticas específicas da escola, que forneciam o parâmetro de  prática social segundo a qual o letramento era definido, e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato, dominante – que desenvolve alguns tipos de habilidades mas não outros, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita. (1995, p. 19)

Mais do que expor a oposição entre os conceitos de “alfabetização” e “letramento”, Soares valoriza o impacto qualitativo que este conjunto de práticas sociais representa para o sujeito, extrapolando a dimensão técnica e instrumental do puro domínio do sistema de escrita:

Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o domínio da tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita. Ao exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita denomina-se Letramento que implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos (In Ribeiro, 2003, p. 91).

Ao permitir que o sujeito interprete, divirta-se, seduza, sistematize, confronte, induza, documente, informe, oriente-se, reivindique, e garanta a sua memória, o efetivo uso da escrita garante-lhe uma condição diferenciada na sua relação com o mundo, um estado não necessariamente conquistado por aquele que apenas domina o código (Soares, 1998). Por isso, aprender a ler e a escrever implica não apenas o conhecimento das letras e do modo de decodificá-las (ou de associá-las), mas a possibilidade de usar esse conhecimento em benefício de formas de expressão e comunicação, possíveis, reconhecidas, necessárias e legítimas em um determinado contexto cultural. Em função disso,

Talvez a diretriz pedagógica mais importante no trabalho (...dos professores), tanto na pré-escola quanto no ensino médio, seja a utilização da escrita verdadeira [iii] nas diversas atividades pedagógicas, isto é, a utilização da escrita, em sala, correspondendo às formas pelas quais ela é utilizada verdadeiramente nas práticas sociais. Nesta perspectiva, assume-se que o ponto de partida e de chegada do processo de alfabetização escolar é o texto: trecho falado ou escrito, caracterizado pela unidade de sentido que se estabelece numa determinada situação discursiva. (Leite, p. 25)

O desafio de ensinar a ler e a escrever

Partindo da concepção da língua escrita como sistema formal (de regras, convenções e normas de funcionamento) que se legitima pela possibilidade de uso efetivo nas mais diversas situações e para diferentes fins, somos levados a admitir o paradoxo inerente à própria língua: por um lado, uma estrutura suficientemente fechada que não admite transgressões sob pena de perder a dupla condição de inteligibilidade e comunicação; por outro, um recurso suficientemente aberto que permite dizer tudo, isto é, um sistema permanentemente disponível ao poder humano de criação (Geraldi, 93).

Como conciliar essas duas vertentes da língua em um único sistema de ensino? Na análise dessa questão, dois embates merecem destaque: o conceitual e o ideológico.

1) O embate conceitualTendo em vista a independência e a interdependência entre alfabetização e letramento (processos paralelos [iv] , simultâneos ou não [v] , mas que indiscutivelmente se complementam), alguns autores contestam a distinção de ambos os conceitos, defendendo um único e indissociável processo de aprendizagem (incluindo a compreensão do sistema e sua possibilidade de uso). Em uma concepção progressista de “alfabetização” (nascida em oposição às práticas tradicionais, a partir dos estudos psicogenéticos dos anos 80), o processo de alfabetização incorpora a experiência do letramento e este não passa de uma redundância em função de como o ensino da língua escrita já é concebido. Questionada formalmente sobre a “novidade conceitual” da palavra “letramento”, Emilia Ferreiro explicita assim a sua rejeição ao uso do termo:

Há algum tempo, descobriram no Brasil que se poderia usar a expressão letramento. E o que aconteceu com a alfabetização? Virou sinônimo de decodificação. Letramento passou a ser o estar em contato com distintos tipos de texto, o compreender o que se lê. Isso é um retrocesso. Eu me nego a aceitar um período de decodificação prévio àquele em que se passa a perceber a função social do texto. Acreditar nisso é dar razão à velha consciência fonológica. (2003, p. 30)

Note-se, contudo, que a oposição da referida autora circunscreve-se estritamente ao perigo da dissociação entre o aprender a escrever e o usar a escrita (“retrocesso” porque representa a volta da tradicional compreensão instrumental da escrita). Como árdua defensora de práticas pedagógicas contextualizadas e signifcativas para o sujeito, o trabalho de Emília Ferreiro, tal como o dos estudiosos do letramento, apela para o resgate das efetivas práticas sociais de língua escrita o que faz da oposição entre eles um mero embate conceitual.

Tomando os dois extremos como ênfases nefastas à aprendizagem da língua escrita (priorizando a aprendizagem do sistema ou privilegiando apenas as práticas sociais de aproximação do aluno com os textos), Soares defende a complementaridade e o equilíbrio entre ambos e chama a atenção para o valor da distinção terminológica:

Porque alfabetização e letramento são conceitos freqüentemente confundidos ou sobrepostos, é importante distingui-los, ao mesmo tempo que é importante também aproximá-los: a distinção é necessária porque a introdução, no campo da educação, do conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a especificidade do processo  de alfabetização; por outro lado, a aproximação é necessária porque  não só o processo de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e reconfigura-se no quadro  do conceito de letramento, como também este é dependente daquele. (2003, p. 90)

Assim como a autora, é preciso reconhecer o mérito teórico e conceitual de ambos os termos. Balizando o movimento pendular das propostas pedagógicas (não raro transformadas em modismos banais e mal assimilados), a compreensão que hoje temos do fenômeno do letramento presta-se tanto para banir definitivamente as práticas mecânicas de ensino instrumental, como para se repensar na especificidade da alfabetização. Na ambivalência dessa revolução conceitual, encontra-se o desafio dos educadores em face do ensino da língua escria: o alfabetizar letrando.

2) O embate ideológico

Mais severo do que o embate conceitual, a oposição entre os dois modelos descritos por Street (1984) [vi] representa um posicionamento radicalmente diferente, tanto no que diz respeito às concepções implícita ou explicitamente assumidas quanto no que tange à pratica pedagógica por elas sustentadas.

O “Modelo Autônomo”, predominante em nossa sociedade, parte do princípio de que, independentemente do contexto de produção, a língua tem uma autonomia (resultado de uma lógica intrínseca) que só pode ser apreendida por um processo único, normalmente associado ao sucesso e desenvolvimento próprios de grupos “mais civilizados”.

Contagiada pela concepção de que o uso da escrita só é legitimo se atrelada ao padrão elitista da “norma culta” e que esta, por sua vez, pressupõe a compreensão de um inflexível funcionamento lingüístico, a escola tradicional sempre pautou o ensino pela progressão ordenada de conhecimentos: aprender a falar a língua dominante, assimilar as normas do sistema de escrita para, um dia (talvez nunca) fazer uso desse sistema em formas de manifestação previsíveis e valorizadas pela sociedade. Em síntese, uma prática reducionista pelo viés lingüístico e autoritária pelo significado político; uma metodologia etnocêntrica que, pela desconsideração do aluno, mais se presta a alimentar o quadro do fracasso escolar.

Em oposição, o “Modelo Ideológico” admite a pluralidade das práticas letradas, valorizando o seu significado cultural e contexto de produção. Rompendo definitivamente com a divisão entre o “momento de aprender” e o “momento de fazer uso da aprendizagem”, os estudos lingüísticos propõem a articulação dinâmica e reversível [vii] entre “descobrir a escrita” (conhecimento de suas funções e formas de manifestação), “aprender a escrita” (compreensão das regras e modos de funcionamento) e “usar a escrita” (cultivo de suas práticas a partir de um referencial culturalmente significativo para o sujeito). O esquema abaixo pretende ilustrar a integração das várias dimensões do aprender a ler e escrever no processo de alfabetizar letrando:

O Significado do aprender a ler e a escrever

Ao permitir que as pessoas cultivem os hábitos de leitura e escrita e respondam aos apelos da cultura grafocêntrica, podendo inserir-se criticamente na sociedade, a aprendizagem da língua escrita deixa de ser uma questão estritamente pedagógica para alçar-se à esfera política, evidentemente pelo que representa o investimento na formação humana. Nas palavras de Emilia Ferreiro,

A escrita é importante na escola, porque é importante fora dela e não o contrário. (2001)

Retomando a tese defendida por Paulo Freire, os estudos sobre o letramento reconfiguraram a conotação política de uma conquista – a alfabetização - que não necessariamente se coloca a serviço da libertação humana. Muito pelo contrário, a história do ensino no Brasil, a despeito de eventuais boas intenções e das “ilhas de excelência”, tem deixado rastros de um índice sempre inaceitável de analfabetismo agravado pelo quadro nacional de baixo letramento.

O quadro da sociedade leitora no Brasil

Do mesmo modo como transformaram as concepções de língua escrita, redimensionaram as diretrizes para a alfabetização e ampliaram a reflexão sobre o significado dessa aprendizagem, os estudos sobre o letramento obrigam-nos a reconfigurar o quadro da sociedade leitora no Brasil. Ao lado do índice nacional de 16.295.000 analfabetos no país (IBGE, 2003), importa considerar um contingente de indivíduos que, embora formalmente alfabetizados, são incapazes de ler textos longos, localizar ou relacionar suas informações.

Dados do Instituto Nacional de Estatística e Pesquisa em Educação (INEP) indicam que os índices alcançados pela maioria dos alunos de 4ª série do Ensino Fundamental não ultrapassam os níveis “crítico” e “muito crítico”.  Isso quer dizer que mesmo para as crianças que têm acesso à escola e que nela permanecem por mais de 3 anos, não há garantia de acesso autônomo às praticas sociais de leitura e escrita (Colello, 2003, Colello e Silva, 2003). Que escola é essa que não ensina a escrever?

Independentemente do vínculo escolar, essa mesma tendência parece confirmar-se pelo “Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional” (INAF), uma

pesquisa realizada por amostragem representativa da população brasileira de jovens e adultos (de 15 a 64 anos de idade) [viii] : entre os 2000 entrevistados, 1475  eram analfabetos ou tinham pouca autonomia para ler ou escrever, e apenas 525 puderam ser considerados efetivos usuários da língua escrita. Indiscutivelmente, uma triste realidade!

Os motivos pelos quais tantos deixam de aprender a ler e a escrever

Por que será que tantas crianças e jovens deixam de aprender a ler e a escrever? Por que é tão difícil integrar-se de modo competente nas práticas sociais de leitura e escrita?

Se descartássemos as explicações mais simplistas (verdadeiros mitos da educação) que culpam o aluno pelo fracasso escolar; se admitíssemos que os chamados “problemas de aprendizagem” se explicam muito mais pelas relações estabelecidas na dinâmica da vida estudantil; se o desafio do ensino pudesse ser enfrentado a partir da necessidade de compreender o aluno para com ele estabelecer uma relação dialógica, significativa e compromissada com a construção do conhecimento; se as práticas pedagógicas pudessem transformar as iniciativas meramente instrucionais em intervenções educativas; talvez fosse possível compreender melhor o significado e a verdadeira extensão da não aprendizagem e do quadro de analfabetismo no Brasil.

Nesse sentido, os estudos sobre o letramento se prestam à fundamentação de pelo menos três hipóteses não excludentes para explicar o fracasso no ensino da língua escrita. Na mesma linha de argumentação dos educadores que evidenciaram os efeitos do “currículo oculto” nos resultados escolares de diferentes segmentos sociais, é preciso considerar, como ponto de partida, que as práticas letradas de diferentes comunidades (e portanto, as experiências de diferentes alunos) são muitas vezes distantes do enfoque que a escola costuma dar à escrita (o letramento tipicamente escolar). Lidar com essa diferença (as formas diversas de conceber e valorar a escrita, os diferentes usos, as várias linguagens, os possíveis posicionamentos do interlocutor, os graus diferenciados de familiaridade temática, as alternativas de instrumentos, portadores de textos e de práticas de produção e interpretação...) significa muitas vezes percorrer uma longa trajetória, cuja duração não está prevista nos padrões inflexíveis da programação curricular.

Em segundo lugar, é preciso considerar a reação do aprendiz em face da proposta pedagógica, muitas vezes autoritária, artificial e pouco significativa. Na dificuldade de lidar com a lógica do “aprenda primeiro para depois ver para que serve”, muitos alunos parecem pouco convencidos a mobilizar os seus esforços cognitivos em benefício do aprender a ler e a escrever (Carraher, Carraher e Schileimann, 1989; Colello, 2003, Colello e Silva, 2003). Essa típica postura de resistência ao artificialismo pedagógico em um contexto de falta de sintonia entre alunos e professores parece evidente na reivindicação da personagem Mafalda:

Com ironia e bom humor, o exemplo acima explica o caso bastante freqüente de jovens inteligentes que aprenderam a lidar com tantas situações complexas da vida (aquisição da linguagem, transações de dinheiro, jogos de computador, atividades profissionais, regras e práticas esportivas entre outras), mas que não conseguem disponibilizar esse reconhecido potencial para superar a condição de analfabetismo e baixo letramento.

Por último, ao considerar os princípios do alfabetizar letrando (ou do Modelo Ideológico de letramento), devemos admitir que o processo de aquisição da língua escrita está fortemente vinculado a uma nova condição cognitiva e cultural. Paradoxalmente, a assimilação desse status (justamente aquilo que os educadores esperam de seus alunos como evidência de “desenvolvimento” ou de emancipação do sujeito) pode se configurar, na perspectiva do aprendiz, como motivos de resistência ao aprendizado: a negação de um mundo que não é o seu; o temor de perder suas raízes (sua história e referencial); o medo de abalar a primazia até então concedida à oralidade (sua mais típica forma de expressão), o receio de trair seus pares com o ingresso no mundo letrado e a insegurança na conquista da nova identidade (como “aluno bem-sucedido” ou como “sujeito alfabetizado” em uma cultura grafocêntrica altamente competitiva).

... a aprendizagem da língua escrita envolve um processo de aculturação – através, e na direção das práticas discursivas de grupos letrados - , não sendo, portanto, apenas um processo marcado pelo conflito, como todo processo de aprendizagem, mas também um processo de perda e de luta social. (...)(...) há uma dimensão de poder envolvida no processo de aculturação efetivado na escola: aprender – ou não – a ler e escrever não equivale a aprender uma técnica ou um conjunto de conhecimentos. O que está envolvido para o aluno adulto é a aceitação ou o desafio e a rejeição dos pressupostos, concepções e práticas de um grupo dominante – a saber, as práticas de letramento desses grupos entre as quais se incluem a leitura e a produção de textos em diversas instituições, bem como as formas legitimadas de se falar desses textos -, e o conseqüente abandono (e rejeição) das práticas culturais primárias de seu grupo subalterno que, até esse momento, eram as que lhe permitiam compreender o mundo. (Kleiman, 2001, p. 271)Como exemplo de um mecanismo de resistência ao mundo letrado construído por práticas pedagógicas (ainda que involuntariamnete ideologizantes) no cotidiano da sala de aula, Kleiman (2001) expõe o caso de um grupo de jovens que se rebelaram ante a proposta da professora de examinar bulas de remédio. Como recurso didático até bem intencionado, o objetivo da tarefa era o de aproximar os alunos da escrita, favorecendo a compreensão de seus usos, nesse caso, chamando a sua atenção para os perigos da auto-medicação e para a importância de se informar antes de tomar uma medicação (posologia, reações adversas, efeitos colaterais, etc). Do ponto de vista dos alunos, o repúdio à tarefa, à escola e muito provavelmente à

escrita foi uma reação contra a implícita proposta de fazer parte de um mundo ao qual nem todos podem ter livre acesso: o mundo da medicina, da possibilidade de ser acompanhado por um médico e da compra de remédios.

Na prática, a desconsideração dos significados implícitos do processo de alfabetização - o longo e difícil caminho que o sujeito pouco letrado tem a percorrer, a reação dele em face da artificialidade das práticas pedagógica e a negação do mundo letrado – acaba por expulsar o aluno da escola, um destino cruel, mas evitável se o professor souber instituir em classe uma interação capaz de mediar as tensões, negociar significados e construir novos contextos de inserção social.

Perspectivas das pesquisas sobre letramento

Embora o termo “letramento” remeta a uma dimensão complexa e plural das práticas sociais de uso da escrita, a apreensão de uma dada realidade, seja ela de um determinado grupo social ou de um campo específico de conhecimento (ou prática profissional) motivou a emergência de inúmeros estudos a respeito de suas especificidades. É por isso que, nos meios educacionais e acadêmicos, vemos surgir a referência no plural “letramentos”.

Mesmo correndo o risco de inadequação terminológica, ganhamos a possibilidade de repensar o trânsito do homem na diversidade dos “mundos letrados”, cada um deles marcado pela especificidade de um universo. Desta forma, é possível confrontar diferentes realidades, como por exemplo o “letramento social” com o “letramento escolar”; analisar particularidades culturais, como por exemplo o “letramento das comunidades operárias da periferia de São Paulo”, ou ainda compreender as exigências de aprendizagem em uma área específica, como é o caso do “letramento científico”, “letramento musical” o “letramento da informática ou dos internautas”. Em cada um desses universos, é possível delinear práticas (comportamentos exercidos por um grupo de sujeitos e concepções assumidas que dão sentido a essas manifestações) e eventos (situações compartilhadas de usos da escrita) como focos interdependentes de uma mesma realidade (Soares, 2003). A aproximação com as especificidades permite não só identificar a realidade de um grupo ou campo em particular (suas necessidades, características, dificuldades, modos de valoração da escrita), como também ajustar medidas de intervenção pedagógica, avaliando suas conseqüências. No caso de programas de alfabetização, a relevância de tais pesquisas é assim defendida por Kleiman:

Se por meio das grandes pesquisas quantitativas, podemos conhecer onde e quando intervir em nível global, os estudos acadêmicos qualitativos, geralmente de tipo etnográfico, permitem conhecer as perspectivas específicas dos usuários e os contextos de uso e apropriação da escrita, permitindo, portanto, avaliar o impacto das intervenções e até, de forma semelhante à das macro análises, procurar tendências gerais capazes de subsidiar as políticas de implementação de programas. (2001, p. 269)***Sem a pretensão de esgotar o tema, a breve análise do impacto e contribuição dos estudos sobre letramento aqui desenvolvida aponta para a necessidade de aproximar, no campo da educação, teoria e prática. Na sutura entre concepções, implicações pedagógicas, reconfiguração de metas e quadros de referência, hipóteses explicativas e perspectivas de investigação, talvez possamos encontrar subsídios e alternativas para a transformação da sociedade leitora no Brasil, uma realidade politicamente inaceitável e, pedagogicamente, aquém de nossos ideais. 

NOTAS[i] “Literacy” do inglês, traduzido por “letramento” no Brasil e por “literacia” em Portugal é uma terminologia não dicionarizada que, nos meios acadêmicos, vem sendo utilizada com diferentes sentidos.[ii] No Brasil, o termo “letramento” foi usado pela 1a vez por Mary Kato, em 1986, na obra “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística” (São Paulo, Ática). Dois anos depois, passa a representar um referencial no discurso da educação, ao ser definido por Tfouni em “Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso” (São Paulo, Pontes) e retomado em publicações posteriores. [iii] O autor utiliza a expressão “escrita verdadeira” em oposição à “escrita escolar”, um modelo muitas vezes artificial, cujo reducionismo não faz justiça à multidimensionalidade da língua viva.[iv] Como evidência desse paralelismo, é possível, por exemplo, termos casos de pessoas letradas e não alfabetizadas (indivíduos que, mesmo incapazes de ler e escrever, compreendem os papéis sociais da escrita, distinguem gêneros ou reconhecem as diferenças entre a língua escrita e a oralidade) ou de pessoas alfabetizadas e pouco letradas (aqueles que, mesmo dominando o sistema da escrita, pouco vislumbram suas possibilidades de uso).  [v] Em uma sociedade como a nossa, o mais comum é que a alfabetização seja desencadeada por práticas de letramento, tais como ouvir histórias, observar cartazes, conviver com práticas de troca de correspondência, etc. No entanto, é possível que indivíduos com baixo nível de letramento (não raro membros de comunidades analfabetas ou provenientes de meios com reduzidas práticas de leitura e escrita) só tenham a oportunidade de vivenciar tais eventos na ocasião de ingresso na escola, com o início do processo formal de alfabetização.[vi] Para um estudo mais aprofundado dos modelos “Autônomo” e “Ideológico” descritos por Street, remetemos o leitor à leitura de Kleiman, 1985. [vii] Dinâmica porque pressupõe o movimento intenso de um pólo ao outro; reversível porque a experiência em qualquer um dos pólos remete ao amadurecimento nos demais.[viii] Para mais dados sobre a pesquisa do INAF (objetivos, população envolvida, critérios de análise e resultados obtidos), remetemos o leitor à leitura de Ribeiro (2003).Referências bibliográficas:  CARRAHER, T., CARRAHER, D. & SCHLIEMANN, A. Na vida dez, na escola zero. São Paulo, Cortez, 1989.COLELLO, S. M. G. “A pedagogia da exclusão no ensino da língua escrita” In VIDETUR, n. 23. Porto/Portugal, Mandruvá, 2003, pp. 27 – 34 (www.hottopos.com).COLELLO, S. M. G. & SILVA, N. “Letramento: do processo de exclusão social aos vícios da prática pedagógica” In VIDETUR, n. 21. Porto/Portugal: Mandruvá, 2003, pp. 21 – 34 (ww.hottopos.com).FEEREIRO, E. Cultura escrita e educação. Porto Alegre, Artes Médicas, 2001.__________ “Alfabetização e cultura escrita”, Entrevista concedida à Denise Pellegrini In Nova Escola – A revista do Professor. São Paulo, Abril, maio/2003, pp. 27 – 30.GERALDI, W. Portos de Passagem. São Paulo, Martins Fontes, 1993.___________ Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas, Mercado das Letras/ABL,1996.IBGE, Censo Demográfico, Mapa do analfabetismo no Brasil, Brasília, MEC/INEP, 2003.

KLEIMAN, A. B. (org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, Mercado das Letras, 1995.___________ “Programa de educação de jovens e adultos” In Educação e Pesquisa – Revista da Faculdade de Educação da USP. São Paulo, v. 27, n.2, p.267 – 281.  LEITE, S. A. S. (org.) Alfabetização e letramento – contribuições para as práticas pedagógicas. Campinas, Komedi/Arte Escrita, 2001.RIBEIRO, V. M. (org.) Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2003.SOARES, M. B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Autêntica, 1998.____________ “Língua escrita, sociedade e cultura: relações, dimensões e perspectivas”, Revista Brasileira de Educação, n. 0, 1995, pp. 5 – 16.STREET, B. V. Literacy in theory and Practice. Cambridge, University Press, 1984. TFOUNI, L.V. Letramento e alfabetização. São Paulo, Cortez,1995.  EXERCÍCIOS:

1) Após a leitura elabore um texto de aproximadamente 15 linhas fazendo um breve resumo e comentário sobre o que você leu aqui.

2) Procure textos que representam uma prática somente alfabetizadora e textos que estimulam o letramento.

Anexe ao PORTFÓLIO.

Unidade 2OS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

IntroduçãoO melhor método para a alfabetização é um discussão antiga entre os especialistas no assunto e também entre os pais quando vão escolher um escola para seus filhos começaram a ler as primeiras palavras e frases. No caso brasileiro, com os elevados índices de analfabetismo e os graves problemas estruturais na rede pública de ensino, especialistas debatem qual seria o melhor método para revolucionar, ou pelo menos, melhorar a educação brasileira. Ao longo das décadas, houve uma

mudança da forma de pensar a educação, que passou de ser vista da perspectiva de como o aluno aprende e não como o professor ensina.São muitas as formas de alfabetizar e cada uma delas destaca um aspecto no aprendizado. Desde o método fônico, adotado na maioria dos países do mundo, que faz associação entre as letras e sons, passando pelo método da linguagem total, que não utiliza cartilhas, e o alfabético, que trabalha com o soletramento, todos contribuem, de uma forma ou de outra, para o processo de alfabetização.

Qual é o melhor método?

Neste artigo, você vai conhecer os métodos de alfabetização mais utilizados, como funcionam, quais são as vantagens e desvantagens de cada um deles, além da orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais da Língua Portuguesa, adotados pelo governo federal.

A proposta deste artigo não é apontar o melhor método de alfabetização, até porque os educadores e especialistas não têm um consenso sobre o tema. Pretendemos apenas mostrar as características de cada método para que os pais conheçam mais profundamente o método que está sendo aplicado na educação de seus filhos.

Métodos sintéticos ou analíticosExistem duas opções para o ensino da leitura: ou parte-se da parte para o

todo, que são os métodos sintéticos, ou parte-se do todo para as partes, os chamados métodos analíticos. A partir desses métodos, é possível delinear também

Método sintético

O método sintético estabelece uma correspondência entre o som e a grafia, entre o oral e o escrito, através do aprendizado por letra por letra, ou sílaba por sílaba e palavra por palavra.

Os métodos sintéticos podem ser divididos em três tipos: o alfabético, o fônico e o silábico. No alfabético, o estudante aprende inicialmente as letras, depois forma as sílabas juntando as consoantes com as vogais, para, depois, formar as palavras que constroem o texto.

No fônico, também conhecido como fonético, o aluno parte do som das letras, unindo o som da consoante com o som da vogal, pronunciando a sílaba formada. Já no silábico, ou silabação, o estudante aprende primeiro as sílabas para formar as palavras.

Por este método, a aprendizagem é feita primeiro através de uma leitura mecânica do texto, através da decifração das palavras, vindo posteriormente a sua leitura com compreensão.

Neste método, as cartilhas são utilizadas para orientar os alunos e professores no aprendizado, apresentando um fonema e seu grafema correspondente por vez, evitando confusões auditivas e visuais.

Como este aprendizado é feito de forma mecânica, através da repetição, o método sintético é tido pelos críticos como mais cansativo e enfadonho para as crianças, pois é baseado apenas na repetição e é fora da realidade da criança, que não cria nada, apenas age sem autonomia.

Método analítico

O método analítico, também conhecido como “método olhar-e-dizer”, defende que a leitura é um ato global e audiovisual. Partindo deste princípio, os seguidores do método começam a trabalhar a partir de unidades completas de linguagem para depois dividi-las em partes menores. Por exemplo, a criança parte da frase para extrair as palavras e, depois, dividi-las em unidades mais simples, as sílabas.

Este método pode ser divido em palavração, setenciação ou global. Na palavração, como o próprio nome diz, parte-se da palavra. Primeiro, existe o contato com os vocábulos em uma seqüência que engloba todos os sons da língua e, depois da aquisição de um certo número de palavras, inicia-se a formação das frases.

Na setenciação, a unidade inicial do aprendizado é a frase, que é depois dividida em palavras, de onde são extraídos os elementos mais simples: as sílabas. Já no global, também conhecido como conto e estória, o método é composto por várias unidades de leitura que têm começo, meio e fim, sendo ligadas por frases com sentido para formar um enredo de interesse da criança. Os críticos deste método dizem que a criança não aprende a ler, apenas decora.

Método alfabéticoUm dos mais antigos sistemas de alfabetização, o método alfabético, também

conhecido como soletração, tem como princípio de que a leitura parte da decoração oral das letras do alfabeto, depois, todas as suas combinações silábicas e, em seguida, as palavras. A partir daí, a criança começa a ler sentenças curtas e vai evoluindo até conhecer histórias.

Por este processo, a criança vai soletrando as sílabas até decodificar a palavra. Por exemplo, a palavra casa soletra-se assim c, a, ca, s, a, sa, casa. O método Alfabético permite a utilização de cartilhas.

As principais críticas a este método estão relacionadas à repetição dos exercícios, o que o tornaria tedioso para as crianças, além de não respeitar os conhecimentos adquiridos pelos alunos antes de eles ingressarem na escola.O método alfabético, apesar de não ser o indicado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, ainda é muito utilizado em diversas cidades do interior do Nordeste e Norte do país, já que é mais simples de ser aplicado por professores leigos, através da repetição das Cartas de ABC, e na alfabetização doméstica.

A velha cartilha Caminho Suave

A grande maioria dos brasileiros alfabetizados até os anos de 1970 e início dos 80 teve na cartilha Caminho Suave o seu primeiro passo para o aprendizado das letras. Com mais de 40 milhões de exemplares vendidos desde a sua criação, a cartilha idealizada pela educadora Branca Alves de Lima, que morreu em 2001, aos 90 anos, teve um grande sucesso devido à simplicidade de sua técnica.

Na tentativa de facilitar a memorização das letras, vogais e consoantes, e depois das sílabas para aprender a formar as palavras, a então professora Branca, no final da década de 40, criou uma série de desenhos que continham a inicial das palavras: o “A” no corpo da abelha, o “F” no cabo da faca, o “G”, no corpo do gato.

Por causa da facilidade no aprendizado por meio desta técnica, rapidamente a cartilha tornou-se o principal aliado na alfabetização brasileira até o início dos anos 80, quando o construtivismo começou a tomar forma. Em 1995, o Ministério da Educação retirou a cartilha do seu catálogo de livros. Apesar disto, estima-se que ainda são vendidas 10 mil cartilhas por ano no Brasil.

Método fônicoO método fônico consiste no aprendizado através da associação entre

fonemas e grafemas, ou seja, sons e letras. Esse método de ensino permite primeiro descobrir o princípio alfabético e, progressivamente, dominar o conhecimento ortográfico próprio de sua língua, através de textos produzidos especificamente para este fim.

O método é baseado no ensino do código alfabético de forma dinâmica, ou seja, as relações entre sons e letras devem ser feitas através do planejamento de atividades lúdicas para levar as crianças a aprender a codificar a fala em escrita e a decodificar a escrita no fluxo da fala e do pensamento.

O método fônico nasceu como uma crítica ao método da soletração ou alfabético. Primeiro são ensinadas as formas e os sons das vogais. Depois são ensinadas as consoantes, sendo, aos poucos, estabelecidas relações mais complexas. Cada letra é aprendida como um fonema que, juntamente com outro, forma sílabas e palavras. São ensinadas primeiro as sílabas mais simples e depois as mais complexas.

Visando aproximar os alunos de algum significado é que foram criadas variações do método fônico. O que difere uma modalidade da outra é a maneira de apresentar os sons: seja a partir de uma palavra significativa, de uma palavra vinculada à imagem e som, de um personagem associado a um fonema, de uma onomatopéia ou de uma história para dar sentido à apresentação dos fonemas. Um exemplo deste método é o professor que escreve uma letra no quadro e apresenta imagens de objetos que comecem com esta letra. Em seguida, escreve várias palavras no quadro e pede para os alunos apontarem a letra inicialmente apresentada. A partir do conhecimento já adquirido, o aluno pode apresentar outras palavras com esta letra.

Os especialistas dizem que este método alfabetiza crianças, em média, no período de quatro a seis meses. Este é o método mais recomendado nas diretrizes curriculares dos países desenvolvidos que utilizam a linguagem alfabética.

A maior crítica a este método é que não serve para trabalhar com as muitas exceções da língua portuguesa. Por exemplo, como explicar que cassa e caça têm a mesma pronúncia e se escrevem de maneira diferente?

Método fônicoO método fônico consiste no aprendizado através da associação entre

fonemas e grafemas, ou seja, sons e letras. Esse método de ensino permite primeiro descobrir o princípio alfabético e, progressivamente, dominar o conhecimento ortográfico próprio de sua língua, através de textos produzidos especificamente para este fim.

O método é baseado no ensino do código alfabético de forma dinâmica, ou seja, as relações entre sons e letras devem ser feitas através do planejamento de atividades lúdicas para levar as crianças a aprender a codificar a fala em escrita e a decodificar a escrita no fluxo da fala e do pensamento.

O método fônico nasceu como uma crítica ao método da soletração ou alfabético. Primeiro são ensinadas as formas e os sons das vogais. Depois são ensinadas as consoantes, sendo, aos poucos, estabelecidas relações mais complexas. Cada letra é aprendida como um fonema que, juntamente com outro, forma sílabas e palavras. São ensinadas primeiro as sílabas mais simples e depois as mais complexas.

Visando aproximar os alunos de algum significado é que foram criadas variações do método fônico. O que difere uma modalidade da outra é a maneira de apresentar os sons: seja a partir de uma palavra significativa, de uma palavra vinculada à imagem e som, de um personagem associado a um fonema, de uma onomatopéia ou de uma história para dar sentido à apresentação dos fonemas. Um exemplo deste método é o professor que escreve uma letra no quadro e apresenta imagens de objetos que comecem com esta letra. Em seguida, escreve várias palavras no quadro e pede para os alunos apontarem a letra inicialmente apresentada. A partir do conhecimento já adquirido, o aluno pode apresentar outras palavras com esta letra.

Os especialistas dizem que este método alfabetiza crianças, em média, no período de quatro a seis meses. Este é o método mais recomendado nas diretrizes curriculares dos países desenvolvidos que utilizam a linguagem alfabética.

A maior crítica a este método é que não serve para trabalhar com as muitas exceções da língua portuguesa. Por exemplo, como explicar que cassa e caça têm a mesma pronúncia e se escrevem de maneira diferente?

EXERCÍCIOS:

1) pesquise sobre Paulo Freire e como é seu método de alfabetização de adultos.

2) Tomando por base o quadro abaixo:

a) Procure saber o que é alfabetismo funcional.b) Pesquise com pedagogos se eles acreditam que hoje os alunos

saem da Educação Básica plenamente alfabetizados. Porque?c) Entreviste uma pessoa analfabeta ou em alfabetismo rudimentar

procurando saber o motivo que impediu esta alfabetização e quais suas expectativas em relação a ainda ser alfabetizado.

ANEXE AO PORTIFÓLIO

Segundo a UNESCO existem basicamente dois grupos de métodos de alfabetização:

No 1º estão inseridos aqueles cuja metodologia leva o aluno a combinar elementos isolados da língua (sons, letras e sílabas) em todos maiores tendo como base o processo mental de síntese – Métodos Sintéticos.No 2º estão os que dão ênfase as unidades lingüísticas maiores (palavra, frase, texto) usando o processo mental de análise – Métodos Analíticos

Características Sintéticos Analíticos

Justificativas

Defendem como capazes de dar ao aluno, mais rapidamente maior capacidade e autonomia no reconhecimento de palavras e assim deixam mais tempo para o trino da leitura posteriormente.

Por ser a leitura um processo de percepção de idéias, métodos e materiais que visem seu ensino devem conter elementos ideativos.

De acordo com psicólogos a percepção se faz do todo para as partes.Oferece mais satisfação para quem aprende.

Acusações e Críticas

Introdução de elementos das palavras contraria o modo natural de reconhecimento

Organização lógica dos referidos métodos afasta o vocabulário conhecido pela criança.

Excesso de concentração desinteressam a criança.

Dificultam a interpretação de combinações que fogem a regra inicial apresentada.

Pouco exercício do reconhecimento da palavra o que deixa para trás os alunos com dificuldade.

Despreparo dos

professores.

Comparação entre os métodos sintéticos e analíticos em suas especificidades:Sintéticos:

Características Alfabético Fônico Silábico

Histórico Deu origem ao termo alfabetizar, permaneceu em uso em alguns países no século XIX. Sua familiaridade de formas com nomes de letras ajudava o aluno, através de repetição de sons reconhecidos nas letras, a soletrar palavras: gê com a ga...te com o to...Gato – mesmo sem saber o significado.

Passou a ser adotado em lugar do alfabético na tentativa de superar a grande dificuldade existente por causa da diferença entre o nome e o som da letra.

Difere por seu objeto de estudo – a sílaba. Os introdutores desse métodos basearam-se em princípios lingüísticos de que a consoante só pode ser pronunciada com a vogal.

Procedimento Didático

O aluno aprendia o nome das letras e suas formas na seqüência alfabéticaAs letras eram depois apresentadas em combinações de 2 a 2 assim como ab e ba; daí para frente as combinações ampliavam-se em grupos de 3, 4 e 5 letras formando as palavras.Depois eram treinadas as sílabas e finalmente apresentadas formando as palavras. Ensino da escrita paralelo e ênfase a caligrafia. Base na repetição.

Os sons da letra são ensinados isoladamente e depois reunidos em sílabas que são pronunciadas pelos alunos.Primeiro são ensinados os sons das vogais, fazendo-se de forma simultânea, o ensino da forma da letra e a maneira correta de pronunciá-la.Depois das vogais, as consoantes são introduzidas numa determinada ordem, pré-estabelecida, e seus sons combinados com cada vogal.Depois do treinamento as silabas são introduzidas e logo formam palavras, depois combinações de palavras e de frases.

As vogais são apresentadas sozinhas e, depois, combinadas entre si. Depois todas as consoantes são apresentadas em ordem alfabética e também combinadas com as vogais utilizando ilustrações para apoiar a silaba destacada.É dada muita ênfase a pronuncia em voz alta das sílabas isoladas na ordem natural (ba-be-bi-bo-bu).Ensino repetitivo e tenta manter uma relação da sílaba a uma palavra ilustrada.Restringe os verbos necessários para a formação de frases.

Críticas Nem sempre os O som das Opõe-se

nomes das letras correspondem ao seu som.

Ajuda incidental e ineficiente ao ensino.

Compreensão do significado está vinculada a leitura do professor

Afastam o aluno do texto pelos árduos exercícios

Desinteressam o aluno pela leitura

Quanto mais treinado menos apto para leituras eficientes.

consoantes permanece ligado às vogais e isso traz dificuldades posteriores.

Não é praticável em grande número de línguas.

Procedimentos didáticos muito formais.

Toma muito tempo da criança dificultando a leitura.

Interfere na habilidade de perceber a idéia

Exige conhecimento fonético por parte do professor.

totalmente a forma da criança aprender.

Não forma bem em relação a leitura de palavras completas.

Professores desse método são bastante resistentes a outras formas de ensinar.

Sobrecarrega a memória infantil.

Com o ensino isolado de silabas a criança se desinteressa facilmente.

Ausência de significado das sílabas isoladas.

Exige muita abstração.

Pobre de idéias e de expressão por estar irremediavelmente sujeito a formação de palavras isoladas.

Vantagens Uso do som da letra no reconhecimento da palavra

Transmite segurança quando em relação ao que j

Econômico Facilita

aplicação de exercícios em séries

Fácil de ser aplicado

Lições podem ser preparadas com mínimo conhecimento da língua

Pouco material didático

A organização do método e a organização mental do adulto se assemelham

e facilita a aplicação.

Revela ótimos resultados na alfabetização de adultos.

Comparação entre os métodos sintéticos e analíticos em suas especificidades:Analíticos

Características Palavração Sentenciação HistoriadoHistórico Nasceu da revolta

contra os métodos formais que prevaleceram nos primeiros anos. Commenius é apontado como seu introdutor, em 1657 já criticava o ensino massante com soletração.

Psicólogos estudiosos dos movimentos dos olhos na leitura mostraram que as pausas e fixações do olhar na leitura das linhas é um processo mental e que esse procedimento de aprendizagem está ligada a grupamentos regulares e não necessariamente frase a frase.

Método do pré-livro.Representa uma extensão do método de sentenças.

Procedimento Didático

As palavras são apresentadas em agrupamentos (conjunto organizado por alguma associação de idéias) e os alunos aprendem a reconhecê-los.Muitos recursos são utilizados para facilitar. Inicialmente figuras acompanham palavras e sua repetição promove a memorização.A ordem da apresentação das palavras favorece aquisição de

Primeiro a atenção e dirigida a algum assunto de interesse da classe. O tema é discutido e o segundo passo é fazer o registro de uma das afirmações obtidas dos alunos, sobre o assunto ventilado. O professor lê e depois os alunos são orientados a procurar palavras semelhantes dentro da sentença. E depois da 2ª ou 3ª lição, começam a formar grupos de palavras

Apresenta-se uma história com uma série de eventos com princípio, meio e fim e, desde que atenda aos interesses do aluno.Como a leitura da história não pode ser feita de uma só vez oferece oportunidade de discussão sobre cada fase.Depois segue o procedimento da sentenciação.

habilidades de leitura inteligente.Processo de análise e síntese são aplicados simultaneamente.

semelhantes às primeiras. As palavras são bastante visualizadas e depois os alunos são levados a fazer uma análise comparativa para chegar às partes menores e formar novas palavras.

Críticas Falhas no desenvolvimento da habilidade de enfrentar palavras novas.

Lentidão no processo que ocorre quando se estabelecem as falhas citadas.

Dificuldades em manter relacionados os assuntos do interesse da turma e o vocabulário a ser estudado através das sentenças.

Dificuldade em dar atenção necessária à análise das palavras pelo excesso de tempo gasto com a memorização de sentenças.

Vantagens A palavra é simultaneamente unidade da língua e do pensamento.

O enfoque da leitura deve, desde o principio, ser dado ao significado do que está escrito.

A aprendizagem de palavras como um todo corresponde à forma como o adulto e crianças percebem as

Atende aos princípios ou leis da percepção e modernos conceitos estruturalistas da aprendizagem.

Cultivar hábitos e atitudes de leitura.

Enfatiza conteúdo ideativo.

O reconhecime

Apresenta seqüência de sentenças organizadas atendendo a princípios de interesse e apelo à criança.

As histórias têm significado e acrescenta as vantagens do método sentenciação.

idéias, formas e aprendem.

nto do som dentro da palavra ajuda a construir mecanismos corretos de leitura.

Unidade 3CARTILHAS

As cartilhas de alfabetização

Necessidade apontada desde o final do século XIX no Brasil, o processo de nacionalização do livro didático – produzido por brasileiros e adequado à realidade brasileira – acompanha pari passu (simultaneamente) o anseio de organização republicana da instrução pública; e, simultaneamente, faz-se acompanhar do surgimento e da expansão do mercado editorial brasileiro, que na escola encontra espaço privilegiado de circulação e público consumidor de seus produtos.

No entrecruzamento desses anseios e iniciativas, o ensino inicial da leitura1 é tomado como problema estratégico, tornando-se um importante índice para medir a eficácia da escola em relação ao cumprimento da promessa com que acena às novas gerações e que a caracteriza e justifica: o acesso ao mundo público da cultura letrada. Inicia-se, assim, um movimento de escolarização das práticas culturais de leitura e escrita e sua identificação com a questão dos métodos de ensino. Lugar de destaque, passam, então, a ocupar as tematizações, normatizações e concretizações sobre esse ensino e sobre um tipo particular de livro didático, a cartilha, na qual se encontram o método a ser seguido e a matéria a ser ensinada, de acordo com certo programa oficial estabelecido previamente.

Embora já na segunda metade do século XIX encontrem-se cartilhas produzidas por brasileiros, o impulso nacionalizante nessa área se faz sentir, especialmente em alguns estados, a partir da década de 1890, solidificando-se nas primeiras décadas do século XX, quando se observa o engendramento de fenômenos correlatos: apoio de editores e especialização de editoras na publicação desse tipo de livro didático; surgimento de um tipo específico de escritor didático profissional – o professor; e processo de institucionalização da cartilha, mediante sua aprovação, adoção, compra e distribuição às escolas públicas, por parte de órgãos dos governos estaduais.

Acompanhando o movimento histórico das tematizações, normatizações e concretizações sobre a questão dos métodos, as primeiras cartilhas brasileiras, produzidas sobretudo por professores fluminenses e paulistas através de sua experiência didática, baseavam-se nos métodos de marcha sintética (processos de soletração e silabação). Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da leitura com a apresentação das letras e seus nomes, de acordo com certa ordem crescente de dificuldade. Posteriormente reunidas as letras em sílabas e conhecendo-se as famílias silábicas, ensinava-se a ler palavras formadas com essas sílabas e letras e, por fim, ensinavam-se frases isoladas ou agrupadas. Quanto à escrita, esta restringia-se à caligrafia e seu ensino, à cópia, ditados e formação de frases, enfatizando-se a ortografia e o desenho correto das letras.

As cartilhas produzidas sobretudo no início do século XX, por sua vez, passaram a se basear programaticamente no método de marcha analítica (processos de palavração e sentenciação), a partir das contribuições da pedagogia norte-americana, divulgadas inicialmente no estado de São Paulo pelas reformas da instrução pública na década de 1890 e posteriormente disseminadas para outros estados brasileiros, por meio de “missões de professores” paulistas.2 Embora muitas tenham sido as disputas sobre as diferentes formas de processuação do método, um ponto em comum era a necessidade de se adaptar esse ensino às necessidades biopsicológicas da criança, cuja forma de apreensão do mundo era tida como sincrética.

Uma nova concepção de criança – de caráter psicológico – passa a embasar a discussão sobre o método de ensino da leitura (e da escrita). Empreendida por educadores, essa discussão prioriza as questões didáticas, ou seja, o como ensinar, com base na definição das habilidades visuais, auditivas e motoras do aprendiz. A partir de então, observa-se um movimento de institucionalização do método analítico, que se consolida com a publicação das Instruções práticas para o ensino da leitura pelo methodo analytico – modelos de lições, expedidas pela Directoria Geral da Instrucção Publica do Estado de São Paulo, em 1915. Nesse documento passa-se a priorizar a historieta (conjunto de frases relacionadas entre si por meio de nexos lógicos), como núcleo de sentido e ponto de partida para o ensino da leitura, enfatizando-se as funções instrumentais desse ensino.

E as cartilhas produzidas a partir de então buscam se adequar a essas instruções.

1. Esta é a vaca do meu tio Carlos.2. Chama-se Rosada.3. Chama-se Rosada, porque é vermelha.4. Rosada tem um lindo bezerro.5. O bezerro é tambem vermelho.6. Elle gosta muito do leite da Rosada.7. ? Vocês tambem gostam de leite?8. Eu gosto muito de leite.9. Gosto do leite quando tem nata.Cadernos Cedes, ano XX, no 52, novembro/2000 4510. É da nata que se faz a manteiga.11. É da nata que tambem se faz o queijo.12. ! Não mames todo o leite, bezerrinho!13. Deixa um pouco de leite para mamãe fazer manteiga.

Exemplo 3 – Página da Cartilha analytica, de Arnaldo de O. Barreto. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 191?, p. 48 Fonte: Centro de Referência para Pesquisa Histórica

em Educação (Unesp-Marília)

A partir dos anos de 1930, aproximadamente, as cartilhas passam a se basear em métodos mistos ou ecléticos (analítico-sintético e vice-versa), especialmente em decorrência da disseminação e da repercussão dos testes ABC, de Lourenço Filho, cuja finalidade era medir o nível de maturidade necessário ao aprendizado da leitura e da escrita, visando à maior rapidez e eficiência na alfabetização. Verifica-se, então, um processo de secundarização da importância do método, uma vez que o como ensinar encontra-se subordinado à maturidade da criança e as questões de ordem didática, às de ordem psicológica. Observa-se, no entanto, embora com outras bases teóricas, a permanência da função instrumental de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, entendidas como habilidades visuais, auditivas e motoras; e começam a se produzir os manuais do professor acompanhando as cartilhas, assim como se dissemina a idéia da necessidade de um “período preparatório”.

A partir dos anos de 1980, passa-se a questionar programaticamente a necessidade dos métodos e da cartilha de alfabetização, em decorrência da intensa divulgação, entre nós, dos pensamentos construtivista e interacionista sobre alfabetização.

No entanto, esses questionamentos parecem ter sido satisfatoriamente assimilados, resultando: no paradoxo da produção de cartilhas “construtivistas” ou “socioconstrutivistas” ou “sociointeracionistas”; na convivência destas com cartilhas tradicionais, nas indicações oficiais e nas estantes dos professores, muitos dos quais alegam tê-las apenas para consulta quando da preparação de suas aulas; e no ensino e aprendizagem do modelo de leitura e escrita veiculado pelas cartilhas, mesmo quando os professores dizem seguir uma “linha construtivista” ou “interacionista” e seus alunos não utilizam diretamente esse instrumento em sala de aula, como ocorreu nos casos transcritos a seguir.

A bola é do Guto.O gato furou a bola.O Guto e o gato.

Exemplo 7 – Página do caderno de um aluno de 1a série de escola particular, em 1989

Fonte: Centro de Referência para Pesquisa Histórica em Educação (Unesp-Marília)

1) A uva é da titia.2) O cavalo é a uva.3) O ovo é do titio.4) A vila é bela.

Exemplo 8 – Página do caderno de uma aluna do Ciclo Básico (1a série) de escola pública, em 1995 Fonte: Centro de Referência para Pesquisa Histórica em Educação

(Unesp- Marília)

Ao longo desses aproximados 120 anos, a cartilha sofreu alterações relativas ao método e teve aprimorados e atualizados vários de seus aspectos, especialmente o suporte material e os temas abordados nas lições.

Entretanto, permaneceu até os dias atuais, assim como conservou-se intocada sua condição de imprescindível instrumento de concretização de determinado método, ou seja, da seqüência necessária de passos predeterminados para o ensino e a aprendizagem iniciais de leitura e escrita, e, em decorrência, da configuração silenciosa de determinado conteúdo de ensino, assim como de certas também silenciosas, mas efetivamente operantes, concepções de alfabetização, leitura, escrita, texto e linguagem/ língua. Essas concepções operantes podem ser assim sintetizadas:• alfabetização: processo de ensinar e aprender o conteúdo da cartilha, de acordo com o método proposto, o que permite considerar alfabetizado o aluno que tiver terminado a cartilha com êxito, ou seja, que tiver aprendido a ler e escrever, podendo, assim, começar a ler e escrever;

• leitura e escrita: instrumentos de aquisição de conteúdos escolares, cuja finalidade e cuja utilidade se encerram nos limites da própria situação escolar, ou seja, de ensino e aprendizagem.• texto: conjunto de frases, por vezes com nexos sintáticos entre si, constituído de palavras escolhidas de acordo com o nível de dificuldade adequado ao momento de aprendizagem.• linguagem/língua: expressão do pensamento e instrumento de comunicação, cujo funcionamento assume características especificamente voltadas para a situação de ensino e aprendizagem escolares.

Tais concepções remetem à permanência de um projeto (republicano) de educação que vem sendo objeto de constantes ajustamentos e atualizações, cada vez que se constata uma crise, ou seja, cada vez que a testagem – especialmente por meio dos índices de repetência ou evasão – de sua eficácia revela que as crianças estão tendo pouco ou nenhum sucesso na alfabetização. E é no âmbito desse projeto, fundamentado em uma concepção seletiva e normativa de cultura, que se engendra uma cultura escolar, a qual se pode definir como: certos conteúdos cognitivos e simbólicos, que selecionados, organizados, normatizados e rotinizados, sob o efeito dos imperativos de didatização, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no contexto das escolas. (Forquin 1993, p. 167)

Ora, um dos principais aspectos da cultura que se constitui objeto de ensino na escola é precisamente a linguagem/língua, que nos precede, ultrapassa, institui e constitui como seres humanos e sujeitos sóciohistóricos. Daí decorre a importância estratégica, no âmbito desse projeto, da escolarização das práticas de leitura e escrita e seu ensino inicial às novas gerações, assim como sua estreita relação com o engendramento de uma cultura escolar.

Como se observa nos exemplos de lições de cartilhas e cadernos de alunos apresentados no tópico anterior, na história da alfabetização em nosso país podem-se identificar certos conteúdos cognitivos e simbólicos – relacionados com aquelas concepções de alfabetização, leitura, escrita, texto e linguagem/língua –, que, selecionados, organizados, normalizados, rotinizados e didatizados, continuam constituindo objeto de transmissão deliberada, sobretudo mediante a utilização direta ou indireta da cartilha de alfabetização até os dias atuais, a despeito das normatizações oficiais contrárias e dos avanços da lingüística contemporânea, especialmente na vertente da análise do discurso e da teoria da enunciação em que se fundamentam pensamentos contemporâneos sobre alfabetização, como os de Geraldi (1984, 1991, 1996) e Smolka (1989).

Dessa forma, no âmbito da realização de sua função educativa, mediante processo de transmissão cultural intencional, explícita e organizada para as novas gerações e com base em uma razão pedagógica essencialmente normativa e prescritiva, cuja tentação é o anseio de universalização, na escola brasileira vem-se ensinando e aprendendo uma imagem idealizada de linguagem/língua – e, em decorrência, de leitura, escrita e texto – que constitui o objeto de uma aprovação social e sua versão autorizada, sua face legítima.

Dada a legitimidade e o valor intrínseco que a autoridade pedagógica do professor (ainda) confere a esses conteúdos e o fato de ser a escola o lugar por excelência para se aprender a ler e escrever, mesmo o valor instrumental – relativo ao acesso à instrução e ao mundo público da cultura letrada – anunciado ou desejado para essa aprendizagem é substituído por um valor em si decorrente de uma finalidade restrita à própria aprendizagem, de modo tal que, à pergunta “Para

que aprender a ler e escrever?”, uma das respostas possíveis – ou talvez a única – seja: “Para aprender a ler e escrever”.

Diferentemente do que aponta Forquin, no que se refere à história da alfabetização no Brasil, a seleção cultural escolar (o que tem valor educativo, de acordo com certa escala e juízo de valor) sofreu poucas variações “com a época, ideologias políticas ou pedagógicas dominantes” (op. cit., p. 160), prevalecendo certos aspectos constantes tidos como universais e constitutivos de uma cultura escolar, para cujo engendramento, transmissão e perpetuação, tem-se, aliada ao conservadorismo cultural da escola e do professor, a contribuição fundamental da cartilha de alfabetização.

Baseando-se em uma imagem idealizada de linguagem/língua, assim como substituindo o trabalho de professores e alunos – na medida em que àqueles impõe métodos e contéudos de ensino previamente estabelecidos e questionáveis e, a estes, os alfabetizandos, modelos equivocados de leitura, escrita, texto –, a cartilha de alfabetização institui e perpetua certo modo de pensar, sentir, querer e agir, que, embora aparentemente restrito aos limites da situação escolar, tende a silenciosamente acompanhar esses sujeitos em outras esferas de sua vida pessoal e social, uma vez que: se o imperativo da “transposição didática” impõe a emergência de configurações cognitivas específicas (os saberes e os modos de pensamento tipicamente escolares), estas configurações tendem a escapar de seu estatuto puramente funcional de instrumentos pedagógicos e de auxiliares das aprendizagens, para se constituir numa espécie de “cultura escolar” sui generis, dotada de dinâmica própria e capaz de sair dos limites da escola para imprimir sua marca “didática” e “acadêmica” a toda espécie de outras atividades (...), sustentando assim com as outras dinâmicas culturais relações complexas e sempre sobredeterminadas, de nenhum modo redutíveis, em todo caso, aos processos de simples reflexo ou de “repartição de tarefas” (...). (Forquin 1993, pp.17-18) Na tragédia Fausto, de J.W. Goethe, o protagonista faz um pacto com Mefistófeles, que lhe promete satisfazer o desejo de conhecimento, de ampliação dos estreitos limites do saber humano. Logo em seguida, travestido de Fausto, Mefistófeles recebe e promete ajudar um estudante que, “com ânimo robusto e inteiro, / com sangue moço e algum dinheiro”, viera manifestar ao sábio Fausto seu modesto desejo de ser instruído, mesmo ciente do penoso fardo que teria que suportar para atingir seu objetivo.

No Brasil, desde pelo menos a última década do século XIX, a escola vem prometendo, a cada nova geração, o acesso à instrução e ao mundo público da cultura letrada. No entanto, essa promessa assemelha-se à do Mefistófeles travestido: não é o conhecimento o que o falso Fausto lhe oferece, nem é Fausto, o sábio, quem promete instruir o incauto estudante. Assim também, na escola brasileira, o que se tem oferecido aos estudantes é o acesso a certa cultura escolar, mediado especialmente pela cartilha de alfabetização, esse primeiro e emblemático instrumento, substitutivo do trabalho de professores e alunos, que se apresenta como portal do mundo prometido e que forma nossas crianças, no sentido da constituição de um modo de pensar, sentir, querer e agir relacionado com a imagem idealizada de linguagem/língua e com modelos equivocados de leitura, escrita e texto.

Será a cartilha de alfabetização um mal necessário, de fato? Que outras concepções, que outras práticas, que outros conteúdos, que outras finalidades da alfabetização, que outras formas de acesso ao mundo da cultura seriam possíveis, no sentido de romper com esse pacto secular?

EXERCÍCIOS:

1) Faça uma análise de uma cartilha e redija uma crítica aos pontos que você percebeu que não contribuem para uma alfabetização que visa letramento.

2) Pesquise atividades de alfabetização que permitem a criança construir sua alfabetização.

ANEXE AO PORTFÓLIO

Unidade 4PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA

Emilia Ferreiro, psicóloga e pesquisadora argentina, radicada no México, fez seu doutorado na Universidade de Genebra, sob a orientação de Jean Piaget. Na Universidade de Buenos Aires, a partir de 1974, como docente, iniciou seus trabalhos experimentais, que deram origem aos pressupostos teóricos sobre a Psicogênese do Sistema de Escrita, campo não estudado por seu mestre, que veio a tornar-se um marco na transformação do conceito de aprendizagem da escrita, pela criança.

Autora de várias obras, muitas traduzidas e publicadas em português, já esteve algumas vezes no país, participando de congressos e seminários.Falar de alfabetização, sem abordar pelo menos alguns aspectos da obra  de Emilia Ferreiro, é praticamente impossível.

Ela não criou um método de alfabetização, como ouvimos muitas escolas erroneamente apregoarem, e sim, procurou observar como se realiza a construção da linguagem escrita na criança.

Os resultados de suas pesquisas permitem, isso sim, que conhecendo a maneira com que a criança concebe o processo de escrita, as teorias pedagógicas e metodológicas, nos apontem caminhos, a fim os erros mais freqüentes daqueles que alfabetizam possam ser evitados, desmistificando certos mitos vigentes em nossas escolas.

Aqueles que são, ou foram alfabetizadores, com certeza, já se depararam com certos professores que logo ao primeiro mês de aula estão dizendo, a respeito de alguns alunos: não tem prontidão para aprender, tem problemas familiares, é muito fraca da cabeça, não fez uma boa pré-escola, não tem maturidade para aprender e tantos outros comentários assemelhados. Outras vezes, culpam-se os

próprios educadores, os métodos ou o material didático. Com seus estudos, Ferreiro desloca a questão para outro campo: " Qual a natureza da relação entre o real e sua representação? " As respostas encontradas a esse questionamento levam, pode-se dizer, a uma revolução conceitual da alfabetização.A escrita da criança não resulta de simples cópia de um modelo externo, mas é um processo de construção pessoal. Emilia Ferreiro percebe que de fato, as crianças reinventam a escrita, no sentido de que inicialmente precisam compreender seu processo de construção e suas normas de  produção." Ler não é decifrar, escrever não é copiar".

Muito antes de iniciar o processo formal de aprendizagem da leitura/escrita, as crianças constroem hipóteses sobre este objeto de conhecimento.

Segundo Emília Ferreiro e Ana Teberowsky (pedagoga de Barcelona), pesquisadoras reconhecidas internacionalmente por seus trabalhos sobre alfabetização, a grande maioria das crianças, na faixa dos seis anos, faz corretamente a distinção entre texto e desenho, sabendo que o que se pode ler é aquilo que contém letras, embora algumas ainda persistam na hipótese de que tanto se pode ler as letras quanto os desenhos. É bastante significativo que estas crianças  pertençam às classes sociais mais pobres que por isso acabam tendo um menor contato com material escrito.

O processo de construção da escrita

Na fase 1, início dessa construção, as tentativas das crianças dão-se no sentido da reprodução dos traços básicos da escrita com que elas se deparam no cotidiano. O que vale é a intenção, pois, embora o traçado seja semelhante, cada um "lê" em seus rabiscos aquilo que quis escrever. Desta maneira, cada um só pode interpretar a sua própria escrita, e não a dos outros. Nesta fase, a criança elabora a hipótese de que a escrita dos nomes é proporcional ao tamanho do objeto ou ser a que está se  referindo.   Na fase 2, a hipótese central é de que para ler coisas diferentes é preciso usar formas diferentes. A criança procura combinar de várias maneiras as poucas formas de letras que é capaz de reproduzir.Nesta fase, ao tentar escrever, a criança respeita duas exigências básicas: a quantidade de letras (nunca inferior a três) e a variedade entre elas, (não podem ser repetidas).   Na fase 3, são feitas tentativas de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem a palavra. Surge a chamada hipótese silábica, isto é, cada grafia traçada corresponde a uma sílaba pronunciada, podendo ser usadas letras ou outro tipo de grafia. Há, neste momento, um conflito entre a hipótese silábica e a quantidade mínima de letras exigida para que a escrita possa ser lida.A criança, neste nível, trabalhando com a hipótese silábica, precisa usar duas formas gráficas para escrever palavras com duas sílabas, o que vai de encontro às suas idéias iniciais de que são necessários, pelo menos três caracteres. Este conflito a faz caminhar para outra fase.   Na fase 4 ocorre, então a transição da hipótese silábica para a alfabética. O conflito que se estabeleceu - entre uma exigência interna da própria criança ( o número mínimo de grafias ) e a realidade das formas que o meio lhe oferece, faz com que ela procure soluções.Ela, então, começa a perceber que escrever é representar

progressivamente as partes sonoras das palavras, ainda que não o faça corretamente.   Na fase 5, finalmente, é atingido o estágio da escrita alfabética, pela compreensão de que a cada um dos caracteres da escrita corresponde valores menores que a sílaba, e que uma palavra, se tiver duas sílabas, exigindo, portanto, dois movimentos para ser pronunciada, necessitará mais do que duas letras para ser escrita e a existência de uma regra produtiva que lhes permite, a partir desses elementos simples, formar a representação de inúmeras sílabas, mesmo aquelas sobre as quais não se tenham exercitado.

Nível pré-silábico – fase 1 e 2Nível silábico – fase 3

Nível silábico alfabético – fase 4Nível alfabético – fase 5

A criança tem a sua frente uma estrada longa, até chegar à leitura e a escrita da maneira que nós, adultos, a concebemos, percebendo que a cada som corresponde uma determinada forma; que há grupos de letras separada por espaços em branco, grupos estes que correspondem a cada uma da palavras escritas.

"Ignorar que a criança pensa e tem condições de escrever desde muito cedo é um retrocesso"

EXERCÍCIOS:

1) Faça um ditado com uma criança de 06 a 08 anos e identifique o seu nível de escrita.

SONDAGEM

Ditado de uma lista de palavras:O ditado diagnóstico deve observar os seguintes critérios:

       Planejar uma lista de palavras de mesmo campo semântico;        A lista deve ter uma palavra polissílaba, uma  trissílaba, uma dissílaba e uma

monossílaba;       Deve iniciar pela polissílaba;       Evitar escolher palavras que repitam vogais como  BANANA, ABACAXI;       Uma frase que contenha pelo menos uma das palavras da lista;       Registrar a data da sondagem;       Para alunos não-alfabéticos solicitar que escrevam com letra bastão.       Iniciar o ditado pelo nome do aluno; informar do que se trata a lista

ANEXAR AO PORTFÓLIO