tecnologia social: balizas para repensar ensino … · perspectiva devem ser repensadas as...
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TECNOLOGIA SOCIAL: BALIZAS PARA REPENSAR ENSINO PESQUISA E
EXTENSÃO EDSON JACINSKI
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ADRIANE MANFRON VAZ2
CINTIA AZEVEDO GONÇALVES3
DANISLEI BERTONI4
JEFERSON JOSÉ GOMES5
KATYA CRISTINA DE LIMA PICANÇO6
NATALIA DE LIMA BUENO7
TALÍCIA DO CARMO GALAN KUHN8
Resumo: Este artigo, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa e Estudos Interdisciplinares
Tecnologia e Sociedade (GPEI/UTFPR Câmpus Ponta Grossa), pretende aprofundar alguns
aspectos conceituais e metodológicos da Tecnologia Social (TS) enquanto possibilidade de
desenvolver ações que possam redefinir atividades de ensino, pesquisa e extensão no âmbito
da Educação Científica e Tecnológica. Um primeiro aspecto a ressaltar é que a TS demanda
repensar a inovação científica e tecnológica em termos que busquem superar concepções
deterministas, neutras e lineares das relações entre Tecnologia e Sociedade. Nesse sentido, a
TS se diferencia das Tecnologias convencionais seja pelo seu compromisso com a
transformação social e também pela sua articulação com relações econômicas pautadas pela
inclusão social, sustentabilidade e democracia sociotécnica. Tais parâmetros exigem enfrentar
desafios teóricos e metodológicos que possibilitem: a interação e participação dos atores
envolvidos (comunidade acadêmica, movimentos sociais, grupos sociais locais) na construção
das tecnologias sociais; trabalho coletivo interdisciplinar; indissociabilidade das relações
ensino pesquisa e extensão; resgate da função social da Universidade em termos inclusivos,
sustentáveis e dialógicos; inclusão social articulada com cidadania sociotécnica e economia
solidária. As ações de ensino, pesquisa e extensão do GPEI têm se efetivado a partir da
inserção e atuação do grupo no contexto da UTFPR.
Palavras-chave: Tecnologia Social;ensino pesquisa extensão
1Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Ponta Grossa /Departamento de Ensino, Brasil. E-mail:
[email protected] 2Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Ponta Grossa Assessoria de Assuntos Estudantis /,
Brasil. E-mail:[email protected] 3Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Ponta Grossa / Assessoria de Assuntos Estudantis,
Brasil. E-mail: [email protected] 4Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Ponta Grossa /Departamento de Ensino, Brasil. E-
mail:[email protected] 5Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Ponta Grossa /Departamento de Eletronica, Brasil. E-
mail:[email protected] 6Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Ponta Grossa /Departamento de Ensino, Brasil. E-
mail:[email protected] 7Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Ponta Grossa /Departamento de Ensino, Brasil. E-mail:.
E-mail: [email protected] 8Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Ponta Grossa /Departamento de Ensino, Brasil. E-
mail:[email protected]
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INTRODUÇÃO
As tecnologias exercem um papel central e ao mesmo tempo dilemáticonos processos
de transformação social. Odesenvolvimento tecnológico, muito comumente associado
linearmente ao bem estar social, nem sempre remete a desenvolvimento social, como
demonstram estudos filosóficos,históricos e sociológicos da Tecnologia. A lógica da
economia de mercado tem outras prioridades e, muitas vezes contribui para precarizar ainda
mais as condições sociais e ambientais, gerando (novas) assimetrias, exclusões e
insustentabilidades.
Na América Latina, a Universidade Pública tem sido um dos principais espaços de
inovação científica e tecnológica. Contudo, o que se observa é a predominância de um modelo
de inovação em que predominam perspectivas neutras, lineares e deterministas nas relações
entre inovação científica e tecnológica e desenvolvimento social e econômico:
La acumulación económica inicial generaría “naturalmente” la distribución de la
renta y con ella la inclusión de los excluidos, y el desarrollo de los subdesarrollados.
Una versión más neo-schumpeteriana de la teoría del derrame incorporó, en los
últimos años, la idea de la innovación como motor de esa acumulación: las
innovaciones generarían rentas extraordinarias, mediante la inserción de nuestra
producción en fluidos mercados globalizados.(Thomas,2011, p.2)
Se tal perspectiva coloca em questão o modelo tecnocrático e linear de inovação
tecnológica,por outro lado, não se pode prescindir da necessidade de uma participação social
que dialogue com os conhecimentos científicos e tecnológicos.
Há, portanto, a necessidade de construir um novo cenário que amplie e democratize a
participação dos atores sociais locais e regionais que podem participar de processos de
inovação e desenvolvimento tecnológico voltados para a inclusão social e sustentabilidade.
No entanto, é necessário trabalhar com um aparato sociocognitivo e metodológico que
busque superar as perspectivas ofertistas,lineares, deterministas e neutras das relações entre
Tecnologia e Sociedade.
A Universidade, como mencionado acima, tem sido um dos atores que pode contribuir
significativa na superação de tais perspectivas e propiciar outras formas mais dialógicas,
democráticas e sustentáveis. Há, contudo, importantes desafios que necessitam ser superados:
desenvolvimento de uma perspectiva teórico-metodológica interdisciplinar das relações entre
Ciência Tecnologia e Sociedade; resgate da função social da Universidade em termos
inclusivos, sustentáveis e que propiciem o protagonismo e a participação da comunidade,
movimentos sociais, na construção de soluções sociotécnicas e democráticas; projetos
pautados pela indissociabilidade ensino pesquisa e extensão alimentados em processos
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dialógicos de parceria e cooperação com a comunidade. Questiona-se qual modelo de
universidade pública estamos construindo? Que dialogue com a tecnologia, mas que,
sobremaneira questione qual tecnologia pretende-se desenvolver, que seja mais inclusiva ou
exclusiva subserviente ao capital ou socialmente e ambientalmente correta? É preciso levantar
os aspectos fundamentais que devem sustentar uma universidade democrática e pública,
portanto, a serviço de quem e do quê desenvolve-se tecnologia na universidade? Trata-se de
evidenciar, em primeiro momento qual é a função social da universidade pública.
O GPEI (Grupo de Pesquisa Estudos Interdisciplinares Tecnologia e Sociedade)9 se
inscreve dentro desse cenário e sua criação em 2012 remonta à compreensão inicial de se
buscar construir, via integração entre ensino pesquisa e extensão, outros modelos de relações
entre Tecnologia e Sociedade.O GPEIao longo da sua trajetória tem buscado estabelecer a
discussão acerca da tecnologia social e o protagonismo das comunidades e no interior da
universidade. As ações desenvolvidas desde a fundação do grupo em 2012 corroboram esse
empenho contínuo. Em outros termos, consideramos que a Tecnologia Social(TS) pode ser
um significativo caminho para a construção de práticas interdisciplinares, dialógicas,
sociotecnicas que redimensionem o papel da Universidade pública enquanto ator sintonizado
e em diálogo e cooperação permanente com as demandas sociais emergentes
Nesse artigo desenvolvemos, a partir de um processo de revisão bibliográfica e
reflexão coletiva e interdisciplinar, a construção de algumas balizas teóricas e metodológicas
que consideramos necessárias para avançar no processo de democratização do conhecimento
científico e tecnológico pela via da construção cidadã e socialmente referenciada das
Tecnologias Sociais.
TECNOLOGIA SOCIAL E TECNOLOGIA CONVENCIONAL
Além da supervalorização da ciência e da tecnologia e da crença na eficiência de que
podem resolver todos os problemas sociais/ambientais e as questões éticas e sociopolíticas da
humanidade, o mito da neutralidade científica contribui para assegurar a negação do seu
caráter cultural (FOUREZ, 1995; JAPIASSU, 1999), prevalecendo a permanência da noção
hegemônica de que ciência e tecnologia são produtos de cientistas que assumem uma postura
nula de valores, contribuindo para a manutenção do poder de uma classe social sobre a outra,
assegurando ao cientificismo uma função ideológica de dominação (HABERMAS, 1983).
9Blog do GPEI: http://gpeitecnologiaesociedade.blogspot.com.br/p/seminarios-tematicos.html
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Na concepção linear de progresso, ciência e tecnologia conduzirão a “soluções
apropriadas”, resolvendo os problemas hoje existentes na humanidade e promovendo o bem-
estar social, sinônimo de um modo de vida mais fácil. Essa é a ideia principal, além do
retorno de capital, que o desenvolvimento científico gera desenvolvimento tecnológico, este
gerando o desenvolvimento econômico que determina, por sua vez, o desenvolvimento ou
bem-estar social (LUJÁN LOPES et al, 1996).
Novaes e Dagnino (2004) confirmam que, para Rubem Alves, o advento da tecnologia
não é a simples aplicação prática de conhecimentos teóricos, ou da redução da tecnologia à
dimensão de ciência aplicada como se, de repente, ohomem tivesse descoberto a forma de
transformar em máquinas os conhecimentos armazenados, que os objetivos do sistema não
são os produtos criados por ele, mas o bom andamento do sistema em si mesmo. Para esses
autores, a única forma de analisar a tecnologia é enquanto sistema, justamente porque não se
pode separar a natureza da tecnologia de seu uso.
Essa é a base em que se assenta o conceito de tecnologia convencional, da ilusória e
extraordinária capacidade de a tecnologia moderna dar conta dos problemas enfrentados pela
sociedade. Nos tempos modernos, a lógica de que a ciência e a tecnologia são vistas como
solucionadoras dos problemas humanos está atrelada a ideia de que são as necessidades do
funcionamento do sistema econômico que irão criar as “falsas necessidades” de consumo ao
invés de as necessidades humanas definirem as necessidades de produção.
Diferentemente da Tecnologia Convencional, a Tecnologia Social presume a
participação, o empoderamento e a autogestão pelos usuários, sendo coletiva a propriedade
dos meios de produção. Ela não nega a eficácia do saber técnico, mas critica sua hegemonia e
evidencia o saber tácito, o conhecimento empírico do cidadão comum. E mais, sob esta
perspectiva devem ser repensadas as tecnologias contextualizadas ou apropriadas às
condições locais. Para Oliveira e outros (2011),
uma das principais características das tecnologias não convencionais (intermediárias,
apropriadas, alternativas e sociais) é a valorização do local, dos saberes e da cultura
local como base de desenvolvimento ou adequação das soluções tecnológicas. Para
isso, é necessária uma nova postura pedagógica para absorver os aprendizados,
observando e estudando, sem preconceitos, os métodos e as práticas desenvolvidas
pelas populações locais (OLIVEIRA et al, 2011, p. 87).
Segundo Dagnino (2010), a proposta da adequação sociotécnica se insere no contexto
da tecnologia social, cujo enfoque na construção social da tecnologia seria uma importante
ferramenta para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e ambientalmente
sustentável diferindo, assim, das concepções de neutralidade da ciência e do determinismo
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tecnológico sustentadas na lógica da tecnologia convencional. A adequação sociotécnica é
entendida por Dagnino, Brandão e Novaes (2004) como uma das formas de adaptar as
tecnologias convencionais para essas novas organizações solidárias.
Mas como distinguir a tecnologia social da tecnologia convencional ou como saber de
fato se uma tecnologia se caracteriza como social? O ponto de partida é aparentemente
simples: a tecnologia convencional é excludente enquanto a tecnologia social é inclusiva.
Nesses termos, a tecnologia social se caracteriza como construções sociais complexas e se
destaca pelas soluções técnicas e metodológicas que desenvolvam e promovam transformação
social, sempre com a participação da comunidade.
Nesse sentido, Garcia (2007) apresenta propriedades que perpassam profundamente
toda e qualquer tecnologia social e que não podem faltar para algum programa, atividade ou
experiência constituir uma tecnologia social. O autor destaca como dimensões essenciais das
tecnologias sociais: a) conhecimento, ciência, tecnologia e inovação; b) participação,
cidadania, democracia; c) educação; d) relevância social.
No Brasil é a Rede de Tecnologia Social (RTS) que mais está sintonizada e
comprometida na produção desse novo cenário. Um dos seus pilares é a aliança entre
diferentes atores (movimentos sociais, incubadoras da Economia Solidária, Universidades,
engenheiros, cientistas, escolas, comunidades, etc) na busca de dimensionar e equacionar
problemas emergentes nas áreas de saúde, alimentação, saneamento, educação, informação,
etc. Nesse sentido, ela se apresenta com um enorme potencial de transformação social e de
empoderamento dos cidadãos e grupos sociais envolvidos em problemas sociotécnicos.
Em outros termos, se as relações entre Tecnologia e Sociedade podem ser pautadas por
critérios mais cooperativos, dialógicos, inclusivos e democráticos podemos afirmar que esse
modelo remete também ao exercício da cidadania sociotécnica(THOMAS, 2009).
Evidentemente tal cidadania necessita ser construída em outros cenários que apontem para a
superação das perspectivas lineares, neutras e tecnocráticas no quais hegemonicamente tem se
pautado os processos de inovação científica e tecnológica, bem como os modelos decisórios
envolvendo Ciência Tecnologia e Sociedade. Além disso, trata-se de um cenário voltado para
a ênfase na valorização dos saberes tácitos, conhecimentos tradicionais, usos sociais dos
conhecimentos tecnocientíficos em que se reafirma o protagonismo dos atores sociais na
construção de soluções sociotécnicas sustentáveis e inclusivas. Como afirma THOMAS: “As
TSs são, nesse sentido, uma das expressões mais claras desse direito do cidadão; são, ao
mesmo tempo, a melhor via para o exercício desse direito, a forma mais democrática de
6
projetar, desenvolver, produzir, implementar, administrar e avaliar a matriz material do nosso
futuro” ( 2009, p.76).
INTERAÇÕES COMUNIDADE E UNIVERSIDADE
A construção da uma proposta de Tecnologia Social no âmbito das universidades
públicas envolve a compreensão do papeldos envolvidos – comunidade e universidade e do
cenário em que essa tecnologia pode se desenvolver.
Há que se considerar em primeiro lugar, quando se trata da operacionalização de
projetos interdisciplinares e que envolvama Tecnologia Social, o papel da comunidade para
quem se voltam esses projetos.
A comunidade não deve ser entendida comoum elemento idealizado, quando se trata
da relação universidade e sociedade, tampouco como campo de experimentação ou objeto de
estudo. Não pode ser ideada, como um espaço em que as contradições não são visíveis com
tudo que a cerca: marginalização, estigmatização,violência simbólica e física. Não pode ser
entendida somente como objeto de pesquisa resultante também de uma ação comum das
Ciências Humanas e Sociais. Nesse sentido, Freire (1997) problematiza estender um
conhecimento para quem pouco sabe do saber científico:isso é invasão cultural e não há
dialogicidade com essa perspectiva de repasse de um saber para outrem. Essa ação comum
coloca comunidades, grupos sociais, classes sociais e etnias como receptores de iniciativas
universitárias “salvadoras” de sua condição social. Trata-se de pensar uma ação em comum
acordo e diálogo permanente com a comunidade, não um saber acima de outro saber, mas
uma aproximação dialógica e concreta.
Diferentemente, a proposta de tecnologia social defendida pelo GPEI, é aquela
queentende as comunidades envolvidas comoprotagonistas nas propostas e na mobilização
para a solução dos problemas que os cercam. Isto porque osdestinos dos que se propõem a
estabelecer uma parceria,passa ser o motivador da presença dos setores envolvidos-
comunidade e universidade. A universidade, através de seus sujeitos, aproxima o saber
científico do saber tácito, daquele que vivencia a realidade concreta da vida.
Isto porque a assunção da concepção-desenvolvimento e produção da tecnologia social
tem que ser entendida como uma ação social que se diferencia do assistencialismo, e que tem
comointenção inicial romper com a lógica de produção e consumo da tecnologia
convencional, assim com romper com a idéia do indivíduo como receptáculo ou consumidor
da tecnologia.Este fator accional significa uma parceria estabelecida na troca de informações
e experiências e saberes, que de fato interrompam o padrão convencional. Somente uma
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relação de igualdade entre comunidade e universidade permite romper com esses padrões. Dai
é necessário uma concepçãode comunidade como protagonistano que diz respeito a produção
da Tecnologia Social. Isto envolve uma comunidade ativa na construção de saídas aos
processos de pauperização e de marginalização e estigmatização social que se intensificam no
cenário globalizado e, exigem uma ação constante frente a situações desfavoráveis tais como
acesso limitadoà infra-estrutura básica, escola, conhecimento, cultura e lazer, entre outros.
Entenderesse protagonismo faz parte de um processo de mobilização e de ação
política, tecnológica e cultural, que irrompe tanto a marginalização como, também a relação
de subalternidade, com as instituições que possam desenvolver ações junto dessa
comunidades. A apropriação do conhecimento, no processo de decisões e posteriormente
desenvolvimento e aplicação da tecnologia social, e a interação resultante desta mobilização,
recria o papel da comunidade no sentido de uma ação política permanente.
Quando a universidade se volta para essa proposta, construída a partir de uma
concepção deigualdade na troca de experiências, interrompe a produção do saber e da
tecnologia nos moldes convencionais:a hierarquização do conhecimento, sua neutralidade e
sua apropriação a partir dos critérios da Ciência moderna clássica e da produção e do
consumo da tecnologia voltada ao mercado. Estamos ressaltando aqui a necessidade de
seadotar a perspectiva de universidade democrática, plural, igualitária e inclusiva.
Cria-se um sentido de crítica e reflexão quando grupos internos à universidade
rompem com esses padrões de concepção e de desenvolvimento social que são
ideologicamente dominantes. As ponderações teóricas na construção do saber e de ações, que
podemnos mesmos marcos do protagonismo da comunidade, serem entendidos como uma
mobilização permanente destes grupos internos à universidade. Ações tais como seminários,
questionamentos, acúmulos e experiências formativas que visem organizara universidade,
com o intuito deromper com a concepção convencional e dominante de ciência e de produção
da tecnologia.
A desconstrução da concepção convencionalda ciênciae da tecnologia, como
compreendida pela prática do GEPEI, envolve o estabelecimento de um diálogo entre os
saberes e de parcerias horizontais na sua concretização. As soluções dos problemas que
atingem as sociedades neste século XXI, como o desemprego, a crise ambiental, crise
econômica, entre outros envolvem tanto o rompimento com a convenção científica e
tecnológica, como com uma cisão com a forma tradicional de a universidade construir sua
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relação com a sociedade em geral e as comunidades em particular. Mas para tal, a formação
deve ser constante e pensada na forma de diálogo.
A INTERDISCIPLINARIDADE E A INTERAÇÃO ENSINO PESQUISA E
EXTENSÃO
A interdisciplinaridade, ao contrário de uma perspectiva neutra e linear ofertista das
relações entre Ciência Tecnologia e sociedade na qual a sociedade e as comunidades
continuam na posição passiva de consumidores, corresponde a esse esforço de romper com a
produção de conhecimento e da tecnologia compartimentados, voltados para o mercado e
possibilita um esforço permanente de diálogo e mobilização na produção do saberes.Tendo
em vista a perspectiva do desenvolvimento da tecnologia social enunciado acima, o
principiodaindissociabilidade entre ensino pesquisa extensão, deve ser considerado nos
marcos da acionalidade, do protagonismo e da mobilização no estabelecimento de parcerias.
O panorama da globalização intensifica tanto os problemas como a participação de
comunidades nas resoluções dos problemas que as atingem. Desta forma, a indissociabilidade
nos moldes tradicionais, quereforçam um papel subalternodas comunidades precisa ser
repensado.
A separação universidades-comunidades, características da história de organização das
universidades brasileiras, não permitiu que a academia produzisse um conhecimento
autônomo, haja vista, que somente a partir da LDB 9394/96 a universidade brasileira assume
a premissa da educação democrática. Ao contrário, reforçou a implantação do tecnicismo
como justificativa para a produção científica, ao mesmo tempo em que se fechouno limites da
perspectiva ofertista linear e reprodutivista da tecnologia. Além disso, a universidade como
produtora de mão de obra, estabeleceu no tecnicismo os limites da sua ação dificultando
asparcerias com a sociedade e ascomunidades. Tal dicotomizaçãoda relações entre Tecnologia
e Sociedade acentuou o isolamento da universidade frente as comunidades, reiterando uma
perspectiva conservadora, ofertista-linear e submissas ao mercado globalizante em iniciativas
pretensamente inovadoras como a inserção do empreendendorismo no ensino pesquisa e
extensão.
O GPEI, ao assumir a interdisciplinaridade como práticateórica-metodológica, passou
a reconhecer naTecnologia Social, um mote de pesquisa e uma forma de superação desse
isolamento das universidades, sobretudo ao se trabalhar exogenamente numa universidade de
caráter historicamente tecnicista-tecnológico. Essa superação não visa uma aproximação com
setores populares tidos como objetos de pesquisa, ou como recebedores do conhecimento
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universitário. Essa superação deve ocorrer, enquanto proposta de ação e de aprimoramento da
prática interdisciplinar, estabelecendo as parcerias, horizontalizadas com as comunidades.
Além do relacionamento com a comunidade, este deve ser pautado na idéia de protagonismo
na solução dos problemas, com a comunidade e não para a comunidade.
A prática interdisciplinar, nesse contexto, impele para a indissociabilidade numa
perspectiva dialógica e interativa,para além da unicidade entre ensino pesquisa e extensão
estabelecidosatualmente. Envolve uma unidade entre o fazer pesquisa, a formação e a parceria
e o protagonismocomo formademocrática e equânime de se fazer ciência e tecnologia.Cabe
lembrar com isso que “somente uma escola centrada democraticamente no seu educando e na
sua comunidade local, vivendo as suas circunstâncias, integrada com os seus problemas,
levará os seus estudantes a uma nova postura diante dos problemas de seu contexto”
(FREIRE,2014). Antonio Alberto Machado aponta que a Universidade não deve ser apenas
gratuita, mas sim, pública, que atenda aos anseios da sociedade e ao bem público. Posto que a
Universidade Pública deve estar sempre “voltada para a busca das finalidades sociais ou
coletivas, que interesse a toda a sociedade e não apenas a algumas de suas parcelas”
(MACHADO, 2009, p. 73).
Desse modo, o GPEI adota a interdisciplinariedade, comouma forma de reflexão que
rompe com essa tradição: saberes encapsulados nas disciplinas, sem diálogos e sem
perspectivas analíticas mais totalizantes.
Como trabalhar de modo interdisciplinar? Segundo BICUDO:
sempre é preciso ter um tema como norte da investigação. Um tema
suficientemente abrangente, cujas abordagens não cabem nos limites de uma
disciplina, forçando seus limites e não se adequando aos seus métodos.
Entretanto, o rigor inerente aos procedimentos científicos deve ser
observado, de maneira que os pesquisadores não se apropriem
indevidamente, sem um estudo cauteloso efetuado com o apoio de
pesquisadores das disciplinas interligadas, das investigações e respectivos
resultados ou discussões expostas no bojo dessas disciplinas. (2008, p.145)
A Tecnologia Social na medida em que é desenvolvida num processo de construção
coletiva demanda um trabalho coletivo interdisciplinar em que os problemas e o desenho de
soluções sejam pensados e desenvolvidos para além das fronteiras disciplinares.Um exemplo
é apresentado no artigo de Domingos et al.(2014) que mostra as interações interdisciplinares
entre as áreas de Design, Engenharia de Materiais e Ciências e Sociais em cooperação com a
comunidade de artesãos. Esse trabalho coletivo interdisciplinar e dialógico foi necessário para
oreaproveitamento do caule e cascas de bananeiras para o feitio de artesanato, buscando um
melhor aproveitamento do caule e casca da bananeira.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caminho para construir essa formulação ainda nãose esgotou. O GEPEI, ao longo da
sua trajetória tem buscado estabelecer a discussão acerca da tecnologia social e o
protagonismo das comunidades e no interior da universidade. As ações desenvolvidas desde a
fundação do grupo em 2012 corroboram esse empenho contínuo.
A trajetória do grupo teve início durante a greve dos docentes das instituições federais
em 2012. O primeiro seminário realizado durante a greve,que envolveu docentes e técnicos
administrativos foi desenvolvido em parceria com o Comando de greve. O tema principal
sobre o papel da Universidade Tecnológica, permitiu colocar em questão papel da Ciência
clássica, considerando os referenciais dos EstudosCTS. Ainda nessa greve, houve a
participação de integrantes do grupo num primeiro projeto de pesquisa de caráter
interdisciplinar e temática sociotécnica para concorrer ao edital Programa de Educação
Tutorial - PET 201210
/.
O Grupo desenvolve suas atividades por meio de debates e eventos11
acadêmicos
abertos a comunidade acadêmica, além do esforço de articulação,seja com os cursos de
Engenharia e Licenciatura da UTFPR, bem como, com outros coletivos de pesquisa
relacionados ao campo dos Estudos Sociais de Ciência Tecnologia e Sociedade12
. As
principais temáticas debatidas são: Crise das Ciências, Interdisciplinaridade, Tecnologia
Social, Estudos de Gênero e Tecnologia. Além disso, os pesquisadores desenvolvem projetos
de ensino, pesquisa e extensão cujas temáticas traduzem metodologias e ações que repercutem
nas atividades institucionais e promovem diálogos e parcerias com atores locais que
contribuem para processos sociais e tecnológicos mais participativos, sustentáveis e
democráticos.
Neste primeiro semestre de 2016, os seminários abertos à comunidade universitária
têm concentrado esforços no sentido de tornar pública a discussão sobre a relevância do
desenvolvimento da Tecnologia social na Universidade. Trata-se de uma atividade que busca 10
O projeto não obteve a pontuação necessária para ser aceito, mas foi uma experiência multidisciplinar do
grupo, pois envolveu professores de Engenharia Mecânica, Engenharia da Produção, Engenharia Eletrônica,
Engenharia Química, Filosofia e Sociologia. 11
Entre outros: I Seminário Interdisciplinar Ciência Tecnologiae Sociedade em parceria com o Grupo de
Pesquisa Discursos sobre Ciência e Tecnologia -DICITE – da Universidade Federal de Santa Catarina;I Encontro
de Tecnologia Social, Ciências, Educação: Diálogos interdisciplinaresrepresentantes institucionais da direção
geral (25/09/2015) realizado em parceria com a Incubadora de Economia Solidária –IESOL - da Universidade
Estadual de Ponta Grossa 12
Grupo de Pesquisa Discursos sobre Ciência e Tecnologia –DICITE/UFSC ; Associação Brasileira dos Estudos
Sociais das Ciências e das Tecnologias; Incubadora de Economia Solidária –IESOL - da Universidade Estadual
de Ponta Grossa
11
desnaturalizar as perspectivas predominantemente disciplinares, tecnicistas, neutras e lineares
das relações entre Ciência Tecnologia e Sociedade e ao mesmo tempo apontar para as
possibilidades que envolvam diálogos com as demandas sociotecnicas emergentes, atualmente
focando nas Tecnologias sociais.
Outra atividade de grande relevância são os projetos de ensino pesquisa e extensão
desenvolvidos pelos pesquisadores do grupo. Em especial mencionamos o projeto de extensão
“ETEC: educação, tecnologia social e função social das Ciências”, que começou a ser
implementado nesse semestre. Tem por objetivo „desenvolver um trabalho de formação, ação
e acompanhamento contínuos nas áreas de Tecnologia social, metodologia em educação
popular, função social das ciências naturais junto aos grupos populares de Economia Solidária
e com a participação de estudantes de cursos de Licenciatura na Região de Ponta Grossa
colaborando com a construção de uma educação mais solidária, igualitária e democrática‟.Tal
projeto conta com a participação e colaboração de boa parte dos integrantes do GPEI, bem
como, é desenvolvido em parceria com a Incubadora de Empreendimentos Solidários
(IESOL) da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Trata-se de um projeto que possibilitaa
interação e articulação com grupos sociais incubados na IESOL no sentido de dialogar sobre
as demandas sociais e contribuir para a construção coletiva e cooperativa de Tecnologias
Sociais.
Com isso trata-se de pensar que a relação tecnologia social, interdisciplinaridade e
universidade pública precisa caminhar no sentido de trazer, sobretudo benefícios à
comunidade local, para assim responder ao que, de fato, seja a função social da universidade.
Portanto, seus projetos precisam questionar o modelo tradicional e linear de desenvolver
tecnologia e o caráter educativo e científico reprodutivistainerente aos espaços acadêmicos. É
o que o grupo GEPEI vem buscando desenvolver nesse tempo histórico.
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