viagem no tempo

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1D u1tu ESCRITOR, HISTORIADOR E COLECCIONADOR. É ALEMÃO, MAS CONSIDERA -SE «LUSITANO». CHAMA-SE RAINER DAEHNHARDT E EXPÕE NESTE MOMENTO DEZ MIL PEÇAS DA SUA COLECÇÃO Textos de FILOMENA MARTA Fotografias de LUÍS FILIPE CATARINO 41 N A LONGA alameda de uma quinta em Belas, uma tabuleta as -sinala um obelisco. Um pouco mais à frente repousa um dó1- men encimado por uma enorme estátua de um javali. Não é um parque arqueológico, é o cami- nho que leva a uma casa rodeada de canhões, grandes taças de bronze e potes de especiarias. Tesouros e indícios de que es- ta não é uma casa vulgar. Vamos entrar no museu privado de Rainer Daehnhardt. Um homem a quem o nome alemão não rouba a alma lusitana, que o tomou um estudioso da História de Portugal e um dos maiores colec- cionadores de armas antigas. Foi no ano da graça de 1941 que Rainer nasceu, a 7 de Dezembro, na Áustria anexada pela Alemanha, em plena II Guerra Mundial. Uma pátria por acaso: os pais tinham casado em Lisboa. Ele alemão e descendente de uma família de diplomatas e militares radicada em Portugal há mais de duzentos anos; a mãe por -tuguesa, nàscida em berço abastado. A Suécia é o destino da viagem de núp- cias e o casal passa a fronteira alemã na sema- na em que rebenta a guerra. O passaporte do pai vale-lhe a incorporação imediata. E tirado do comboio e metido numa farda para comba- ter. A mãe fica sozinha num país que não co- nhece, com uma língua que não fala. Foram anos difíceis. Para sobreviver, recorre à única coisa que sabe fazer: os vestidos das suas bo- necas. De máquina de costura ao ombro, per- corre as quintas e faz cortinas e aventais para as camponesas a troco de um ovo ou de um pouco de leite. E ainda hoje recorda com emo- ção os tempos em que os tiros e as bombas eram os companheiros da sua vida. COLECCIONADOR NATO E RA o fim da guerra e corria o ano de 1945. Com 4 anos, Rainer começa a apanhar as armas que estavam à sua volta, espalhadas pelo chão. Mas, numa Alemanha dividida em zonas de ocupação, a posse de uma arma era uma sentença de morte. Razões de sobra para que até o mais destemido sentisse medo. O primeiro rasgo de coleccionismo de Rainer termina com os troféus enterrados e esqueci- dos. Hoje não gosta de armas modernas, mas a sua colecção conta com alguns milhares de exemplares antigos. A primeira espingarda de pederneira custou-lhe 400 escudos,, tinha Rainer 16 anos e vivia já em Portugal. E com. naturalidade que diz ter «começado do ze- ro». Por causa do divórcio dos pais, teve de pagar os seus próprios estudos, e começou a regar o jardim da vizinha, em Cascais. De- pois, comprou Atlas incompletos dos séculos XVII e XVIII, que já só valiam pelos mapas soltos. Emoldurou-os e começou por vendê- -los aos professores. Acabou os estudos com 21 anos e 400 peças na colecção. Quis ter algum tempo pa- ra sentar -se e pensar no que faria com o 104 Expresso 22 • NOVEMBRO 97

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Page 1: Viagem no tempo

1D u1tu

ESCRITOR, HISTORIADOR E COLECCIONADOR. É ALEMÃO, MAS CONSIDERA-SE «LUSITANO». CHAMA-SE RAINER DAEHNHARDT

E EXPÕE NESTE MOMENTO DEZ MIL PEÇAS DA SUA COLECÇÃO

Textos de FILOMENA MARTA Fotografias de LUÍS FILIPE CATARINO

41

NA LONGA alameda de uma quinta em Belas, uma tabuleta as

-sinala um obelisco. Um pouco mais à frente repousa um dó1-men encimado por uma enorme estátua de um javali. Não é um parque arqueológico, é o cami-nho que leva a uma casa rodeada

de canhões, grandes taças de bronze e potes de especiarias. Tesouros e indícios de que es-ta não é uma casa vulgar. Vamos entrar no museu privado de Rainer Daehnhardt. Um homem a quem o nome alemão não rouba a alma lusitana, que o tomou um estudioso da História de Portugal e um dos maiores colec-cionadores de armas antigas.

Foi no ano da graça de 1941 que Rainer nasceu, a 7 de Dezembro, na Áustria anexada pela Alemanha, em plena II Guerra Mundial. Uma pátria por acaso: os pais tinham casado em Lisboa. Ele alemão e descendente de uma família de diplomatas e militares radicada em Portugal há mais de duzentos anos; a mãe por

-tuguesa, nàscida em berço abastado. A Suécia é o destino da viagem de núp-

cias e o casal passa a fronteira alemã na sema-na em que rebenta a guerra. O passaporte do pai vale-lhe a incorporação imediata. E tirado do comboio e metido numa farda para comba-ter. A mãe fica sozinha num país que não co-nhece, com uma língua que não fala. Foram anos difíceis. Para sobreviver, recorre à única coisa que sabe fazer: os vestidos das suas bo-necas. De máquina de costura ao ombro, per-corre as quintas e faz cortinas e aventais para

as camponesas a troco de um ovo ou de um pouco de leite. E ainda hoje recorda com emo-ção os tempos em que os tiros e as bombas eram os companheiros da sua vida.

COLECCIONADOR NATO

E RA o fim da guerra e corria o ano de 1945. Com 4 anos, Rainer começa a apanhar as

armas que estavam à sua volta, espalhadas pelo chão. Mas, numa Alemanha dividida em zonas de ocupação, a posse de uma arma era uma sentença de morte. Razões de sobra para que até o mais destemido sentisse medo. O primeiro rasgo de coleccionismo de Rainer termina com os troféus enterrados e esqueci-dos. Hoje não gosta de armas modernas, mas a sua colecção conta com alguns milhares de exemplares antigos. A primeira espingarda de pederneira custou-lhe 400 escudos,, tinha Rainer 16 anos e vivia já em Portugal. E com. naturalidade que diz ter «começado do ze-ro». Por causa do divórcio dos pais, teve de pagar os seus próprios estudos, e começou a regar o jardim da vizinha, em Cascais. De-pois, comprou Atlas incompletos dos séculos XVII e XVIII, que já só valiam pelos mapas soltos. Emoldurou-os e começou por vendê--los aos professores.

Acabou os estudos com 21 anos e 400 peças na colecção. Quis ter algum tempo pa-ra sentar-se e pensar no que faria com o ►

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► resto da sua vida. Para financiar esta fase de reflexão, resolveu vender as peças que pos-suía, mas os antiquários ofereciam muito pou-co. Revoltou-se ao pensar que tentavam apro-veitar-se de si, pagando «ninharias por pe-ças que valiam muito mais dinheiro ». Foi então que decidiu arrendar uma loja em Cas-cais, durante os três meses de Verão, onde pudesse comercializar as suas. antiguidades. Uma decisão de sucesso. Os três meses pro

-longaram-se e no ano seguinte abria a segun-da empresa. Aos 35 anos tinha 14 firmas, e chegou à conclusão de que «estava a traba-lhar de uma forma medonha». Vendeu uma dúzia de lojas aos empregados, manten-do apenas uma especializada em cartografia e outra em armas antigas. Reformou-se jo-vem, para ter mais tempo para os estudos.

ETERNO ESTUDANTE

A OS 14 anos, Rainer escreve o primeiro arti-go de carácter científico, sobre um achado

de moedas romanas feito por si, quando aju-dava nas escavações arqueológicas do caste-lo de Saalburg. A vida académica foi dividi-da entre a Alemanha e Portugal, onde tira o curso politécnico em Línguas e Ciências na Escola Alemã de Lisboa. Num só mês aceita ser examinado em 15 disciplinas, entre as quais recebe cinco notas de 20 e oito de 18 valores. Depois, faz o curso de História com 20 valores. Mas ainda não sabe se quer ser arqueólogo ou professor. O que realmente de-sejava era estudar a evolução da Humanida-de através das armas. Tal cadeira não existia em nenhuma Universidade do Mundo. Resol-ve inventá-la. Vai aos principais museus de armaria antiga europeus e americanos. Estu-da com a Master of the Worshipful London Gunmakers Company. Financiou a sua pró-pria formação e tomou-se um autodidacta.

Mais do que um historiador, Rainer consi-dera-se um eterno estudante: «No fundo, ain-da sou o mesmo estudante que era aos 21 anos. No fundo, ainda vou pensar no que quero ser quando for grande.» A voz tie Rainer Daehnhardt torna-se reservada quan-do fala sobre si. Os seus olhos azuis fixam o nosso olhar constantemente, e o sorriso é bre-ve, quase tímido: «Estou sempre a estudar, tenho uma fome enorme de saber. Sou per-feitamente capaz de me levantar às quatro da manhã, mergulhar nos livros e, de re-pente, dou-me conta de que já é hora de jantar do dia seguinte. Porque cada per-gunta que me surge leva-me a um cami-nho enorme, até ter a resposta. Mas nesse caminho encontro mais vinte portas para outros conhecimentos. E vou-as abrindo, umas atrás das outras, e vou tendo mais e mais acesso. Mas cada nova resposta abre--me vinte novas perguntas. Por isso, a fo-me de saber está sempre presente.»

Era um homem de aspecto jovial e barba grisalha que esperava à porta, com um caloro-so cumprimento de boas-vindas. A tarde ar-rastou-se enquanto a conversa saltava das ex-periências pessoais para a história de um ca-nhão ou de uma armadura, de um documento régio ou de uma espada. E Rainer ia-se reve-

lando frontal e dinâmico. Alguém que acredi-ta em si, no que diz e como diz. Não esconde entusiasmo, principalmente quando fala da sua «querida Lusitânia», e baixa um pouco a voz, porque é assim que se fala dos amores: «Portugal é a minha pátria adoptiva. Se uma pessoa tem uma pátria porque lhe saiu no berço, por força das circunstân-cias, é o que calhou. Mas se uma pessoa se identifica com uma pátria por escolha pró

-pria é como o amor conquistado. E isso é quase diariamente acarinhado, re conquis-tado e refortalecido. Tem um significado muito mais profundo.»

Também profunda é a admiração que sen-te por um povo «que conseguiu, de facto, ocupar um espaço único». E não receia fa-lar bem de Portugal, embora saiba que «mui-tos consideram isso esquisito ». Mas Rainer troca o medo pelo orgulho: «Nunca me senti alemão. Sinto-me lusitano, que é uma coi-sa bem diferente. Há um tipo de português que se sente luso onde quer que esteja. Pa-ra quem o que diz o passaporte é secundá-rio. Que tem uma grandeza de alma e que está bem consigo mesmo, com essa grande-za de alma. E, na sua grandiosidade, na capacidade de encontrar soluções em qual-quer parte distante do Mundo, consegue ser uma pessoa de muito nível, de muita categoria. Esta gente mostrou do que foi capaz, e não devemos pensar que já não há gente desse género. Porque há.»

Quem o conhece não lhe poupa elogios. É considerado pelos seus amigos um homem inteligente, com uma excelente cultura geral e profundos conhecimentos de História, prin-cipalmente da portuguesa. «É um defensor acérrimo de Portugal e dos portugueses», refere Brito e Abreu, almirante e amigo de Rainer há 30 anos. «Faz coisas incríveis por amor a este país, à arte e à cultura. Até para ajudar pessoas em certas institui

-ções, como eu nunca vi. Podia ganhar mui-to dinheiro.., mas não», conta Paula, mulher de Rainer há cinco anos e mãe de dois dos seus cinco filhos. Mas a medalha também tem o seu reverso e, se há quem não hesite em enaltecer as virtudes de Rainer, também não falta quem acorra a apontar-lhe defeitos. Difícil é encontrar quem queira falar, prefe-rindo quase todos calar opiniões menos abo-natórias. Consciente de que não desperta so-mente amizade, Rainer comenta o facto sem dramas nem rodeios: «Da parte das entida-des oficiais portuguesas existe em relação a mim uma certa divisão de opiniões. Algu-mas pessoas muito simplesmente têm aqui-lo a que se chama em português uma dor de cotovelo medonha. A todos os sítios on-de vão, o Rainer já lá esteve, o Rainer é amigo deles e conhece-os a todos... e isso cria uma situação de algum constrangi-mento. Atrapalha.» Também Rainer Daeh-nhardt tem passado por alguns constrangi-mentos. Apesar de confessar que «não ligo

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Destinatários • Empresas individuais ou associadas a grupos de empresas

com volume de facturação anual s 10 milhões de contos • PME que participem no capital social de agrupamentos de

PME, independentemente da facturação e forma jurídica destes

Area Geográfica Montante de Investimento do Projecto

Litoral Investimento >_ 30 000 contos

Interior Investimento (expansão das redes comerciais): ? 30 000 contos Investimento: ? 100 000 contos

Regiões autónomas Investimento: ? 30 000 contos

II

«Já gastei mais de 50 mil contos, so em direitos alfandegários, para trazer peças de volta a Portugal»

PROCOM PROGRAMA DE APOIO A MODERNIZAÇÃO DO COMÉRCIO

Dinamização de empresas Projectos integrados

Objectivos • Dinamização das empresas do sector do comércio

(racionalização, inovação e expansão)

bóia ao dinheiro », a verdade é que por vezes sente algumas aflições. Uma peça rara pode não só custar-lhe muito dinheiro como sair--lhe muito cara: «Já gastei mais de 50 mil contos só em direitos alfandegários, que paguei ao Governo para trazer peças por -tuguesas de volta para Portugal. Se fossem correctos, deviam entrar livremente. Mas não. Decidiram que só se as oferecesse a instituições oficiais é que entravam gratui-tamente. Se não, é considerado uma im-portação de mercadoria. Como tal, o Rai-ner tem de pagar. E o Rainer paga.»

Considerado generoso por quem o esti-ma, acredita que ser nobre não é dom de nas-cimento. Para ele, os brasões não se usam nos dedos mas na alma: «A verdadeira no-breza está dentro do ser humano. Não vem com o berço, mas com a ética que se cria dentro do homem. Tenho encontrado gente muito nobre entre gente muito sim-ples, que não precisa de brasão absoluta-mente nenhum para ter o meu aval e a mi-nha aceitação total.»

Conversar com Rainer é como assistir a uma lição de História. O impulso é mais forte do que ele, e Rainer não resiste a explicar os pormenores históricos de determinada arma ou documento da sua colecção. É movido pe-la paixão, que se revela no ritmo e na entoa-ção que imprime às palavras. Para ele, possuir é dividir: «É egoísta quem estuda e guarda para si. É uma atitude egocêntrica que ►

Tipos de projectos ■ Reorganização significativa das empresas • Reforço da produtividade • Qualidade/diversificação da actividade comercial • Expansão e qualificação de redes de distribuição

Projectos Pontuais Objectivos • Modernização das empresas de fraca dimensão económica • Desenvolvimento regional (abastecimento e dinamização

dos circuitos)

Destinatários • PME

Área Geográfica Montante de Investimento do Projecto

>_ 10 000 contos Continente e Regiões Autónomas < 30 000 contos

Tipos de Projectos • Apetrechamento técnico e tecnológico e modernização

das estruturas físicas das empresas • Racionalização da actividade (redimensionamento,

especialização ou diversificação)

Para mais informações contacte:

INSTITUTO DE APOIO AS PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS E AO INVESTIMENTO

Ministério da Economia

Rua Rodrigo da Fonseca, 73 • 1297 LISBOA CODEX Tel: 386 43 33 • Fax: 386 31 61

NO Azul: 386 40 60

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► nau lCVa a llaua. 1-) J1U i.ai^Lw a., FUo-

soas que levam os seus conhecimentos pa-ra a própria cova. Eu sinto alegria por par-tilhar os meus conhecimentos.»

Poderá ser esta uma das razões por que os seus amigos o acham bondoso e com «um espírito altruísta fantástico ». E talvez por isso mesmo não se sinta mais do que um mel depositário» do que tem e do que sabe: «Houve quem tivesse isto antes de mim. Alguém vai ter isto depois de mim. Mas o facto de já ter conseguido trazer para Por

-tugal armas portuguesas de 52 países dá--me alegria. No fundo, permite-me encon-trar em certo grau uma razão de existên-cia. Quando depois mostro isto numa expo-sição, ou num filme, ou quando publico um livro, estou a dar acesso a esse conheci-mento a milhares de pessoas. Só por ter a chance de transmitir esse conhecimento já me dá um bocadinho de desculpa à minha existência.»

Paula, mulher de Rainer, retrata-o como «um trabalhador incansável ». Agora, o tra-balho é muito. Organizar mais de 10 mil pe-ças para uma exposição requer uma dedica-ção quase total. Mas Rainer não descura o lar. Depois, Paula diz, a rir, que «fazem umas férias todos juntos ». A família é mui-to importante para o coleccionador. Quando uma das filhas do casal o procura para mos

-trar um pequeno ferimento, o trabalho é inter-rompido, porque «aquele dói-dói tem muita importância para ela». Afinal, o tempo che-ga para o estudo e para as brincadeiras nos escorregas que ele próprio montou no jardim.

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Para Rainer não há tabus. Todas as pergun- «Lance i tas exigem, obrigatoriamente, uma resposta: «Se uma pessoa quer saber, vai descobrir uma caça e tenta saber. E se os outros dizem que não é conveniente, isso não interessa nada. A todas a verdade tem de vir ao de cima. Eu sou um total defensor da verdade. Doa a quem as armas doer. Em Portugal, nunca tive problemas. Mesmo perguntas muito embaraçosas que da Casa Real fiz, as pessoas sempre tentaram o melhor possível para responder. Muitas vezes não portuguesa. tinham as respostas porque não as sa- biam.» É assim que parte à descoberta do Consegui -as Mundo e de novas antiguidades: «Grande parte das viagens que tenho feito é exclusi- todas» vamente à procura de uma resposta a uma pergunta. Quando estudo uma batalha, es- tudo-a de todos os lados. Só chego à minha conclusão quando conseguir, realmente, um cerco de informações de todos os la- dos. Por que razão vou constantemente a África ou à Ásia? Para comparar conheci- mentos que os nossos cronistas nos deram com os conhecimentos que os cronistas de- les têm.»

Os seus estudos nem sempre são bem acei- tes, e há até quem o critique e acuse de mistu- rar o misticismo com a própria História. Mas Rainer não se redime, confessa trilhar cami- nhos pouco convencionais, dos quais não se arrepende: «Gosto de fazer estudos em mui- tas direcções e até gosto mesmo daqueles que são considerados pouco ortodoxos pe- las hierarquias estatais. Mas como vivem num mundo de tais limitações, às quais eu não me submeto, ultrapasso muitas ►

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0,4 mg Roche Vitamina C 180 mg Ferro 3,6 mg Vitamina 03 200 UI Manganês 0,5 mg Vitamina E 10 mg Zinco 3 mg Siotina 0,3 mg Acido fálico 0 7 m

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► vezes essas barreiras no sentido de en-contrar soluções mais concretas.»

Fala da sua imensa colecção com o cari-nho que o esforço lhe emprestou. Foram 40 anos de procura e recolha daquilo que hoje faz da sua casa um museu. As armas são um projecto antigo que perseguiu: «Lancei uma caça, há cerca de 27 anos, a todas as armas da Casa Real portuguesa. Consegui -as to-das. Só por duas dei 400 armas em troca. As últimas demoraram 25 anos a conse-guir. Pediram-me um valor completamen-te absurdo. Vendi cerca de 10 mil objectos da minha colecção só pa-ra reunir o capital necessário pa-ra comprar duas pistolas. Mas te-nho-as. São as duas melhores pis-tolas portuguesas existentes. Con-segui trazê-las de volta para Por-tugal.»

E é precisamente pelas armas que Rainer Daehnhardt, o coleccio-nador, é conhecido. Uma menção que não deixa de ser honrosa, ape-sar de a sua colecção conter muitos mais tesouros históricos. Além dos milhares de armas que possui, tem muitos mais milhares de moedas e de livros. Só mapas relativos à ex-pansão portuguesa são para cima de 3600. A sua maior colecção reúne mais de 500 mil exemplares de do-cumentos manuscritos da História de Portugal: «É o problema das mi-nhas limitações. Para ler todos os documentos que estão em meu po-der necessito, no mínimo, de 300 anos. São limitações reais. Isso obriga-me a pegar em peças e ven- dê-las a uma instituição do Esta- do ou a um coleccionador, a alguém que esteja a estudar aquele período, porque eu não vou ter tempo para o fazer.»

PORTUGUÊS DE LUXO E RA inevitável regressar à Lusitânia. O Rai-

ner historiador não se liberta jamais de Por- tugal. Para o homem que «adora crianças mas não gosta de mudar fraldas» e que «se empenha no trabalho», como refere a sua mulher, tudo retorna à ideia de pátria. No pen-samento, nos objectos, no coração, na própria História: «Os lusitanos não nos deixaram

nada escrito. Quem nos fala sobre eles é o adversário, o romano. Júlio César diz que `nos confins da Península Ibérica existe um povo que não se governa nem se deixa gover-nar'; Isto é 100 por cento actualidade.»

É também por isso que acredita que o va-lor intrínseco lusitano permanece e que Portu-gal pode voltar a ser grande no Mundo: «De cada vez que Portugal está em perigo surge o lusitanismo. O lusitano tem a capacidade de se misturar com os outros sem se impor. Esta capacidade é extraordinária, e vejo

A sua colecção particular foi nacionalizada

por Vasco Gonçalves uma grande probabilidade de que seja no meio dos lusos que vão surgir os guias espi-rituais da Humanidade... porque nós cami-nhamos para uma catástrofe gigante.»

E é num momento de aflição total que resi-de a esperança de Rainer. Nessa altura, talvez «essa capacidade, esse gene, venha ao de cima e dê a algumas pessoas a genica para realmente cumprirem a tal razão de exis-tência, da qual já Fernando Pessoa nos fa-lava». A vida de Rainer tem sido rica em fei-tos e experiências. Em 1972, fundou a Socie-dade Portuguesa de Armas Antigas, homolo-gada pelo Governo de Marcello Caetano, da qual ainda hoje é presidente. Depois do 25 de

Abril, teve oito mandados de captura. A maior parte acabou em bem por haver ofi-ciais seus amigos que lhe telefonavam a di-zer: «Rainer, não esteja em casa.» Foi inter- rogado pelo COPCON e pela 5a Divisão. A sua colecção particular foi nacionalizada por Vasco Gonçalves, e no Museu Militar foram abertas quatro novas salas com a colecção de Rainer Daehnhardt.

Em 1980, ajudou activamente na tragédia do terramoto dos Açores, enviando, à revelia das entidades oficiais, pedidos de auxilio aos

principais Governos mundiais. A sua acção traduz-se em 27 mil con-tos vindos do estrangeiro, no apoio oficial da base americana das Lajes e na disponibilização de tendas e aviões para transporte do auxílio às vítimas. Em Maio de 1990, três me-ses antes da Guerra do Golfo, Rai-ner lança o primeiro alerta público divulgado em Portugal sobre a possi-bilidade de um conflito no Médio Oriente. Em 1992, assume-se publi-camente contra a Comunidade Euro-peia, reunindo na sua quinta um gru-po de patriotas para evocar a perda de independência de Portugal devi-do à integração na Europa.

Rainer Daehnhardt já publicou mais de 50 livros e 300 artigos. Fez dezenas de conferências em Portu-gal e nos EUA, onde é professor con- vidado. É membro da Academia de Marinha, da Sociedade de Geogra- fia de Lisboa, da Arms and Armour Society e da Ordnance Society, en- tre outras. Montou mais de uma cen- tena de exposições culturais em di- versos países. A última está patente

na Cordoaria Nacional até Janeiro, sob o títu-lo «Em Busca de Cristãos e Especiarias». Em exibição estão mais de 10 mil peças da sua colecção particular, algumas delas nunca an-tes expostas.

Chamaram-lhe um dia «português de lu-xo», um homem que se dá ao luxo de gostar e de fazer algo a favor deste país. Quem o ouve falar dá-se conta do amor que Rainer sente por Portugal. E parece ser sincero quando diz que «do que este mundo precisa é de lu-sos... para que haja sobreviventes ».

Homem de amigos e de inimigos, de uma coisa não há dúvida: Rainer Daehnhardt é um homem de armas. De muitas armas. •

A exposi ao E

STÁ em exibição na Cordoaria Nacional, até 17 de Janeiro de 1998, a exposição intitulada «Em Busca de Cristãos e Especia-rias», que pretende celebrar o aniversário da viagem de Vasco da Gama à Índia.

Da colecção particular de Rainer Daehnhardt estão presentes cer-ca de 10 mil peças. Alguns dos objectos são únicos no Mundo, e há antiguidades expostas ao público pela primeira vez. O certame ocu-pa uma área de 300 metros quadrados e faz uma representação da

História de Portugal através de documentos régios, moedas, escultu- ras, armas e artefactos que remontam ao início da Península Ibérica.

A proposta partiu do GAMMA — Grupo de Amigos do Museu de Marinha, uma instituição com mais de 40 anos de existência e que aposta na glória da cultura naval portuguesa e na qualidade do Museu de Marinha. Durante muito tempo na penumbra, o GAMMA conhece agora um novo impulso pela mão do seu actual presidente, o almirante Fausto de Brito e Abreu.

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