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Ao final desta aula, você deverá: saber que a variação não é determinada apenas por fatores sociais, mas também por fatores internos à língua; identificar variações que se processam em diferentes níveis de uma língua; compreender que a variação não é caótica e irregular. Ao contrário, ela é sistemática e regular, podendo ser realmente descrita e analisada; reconhecer que a variação é, de fato, uma propriedade inerente das línguas. 5 aula Objetivos VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO PB: INFLUÊNCIA DE FATORES LINGUÍSTICOS

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Ao final desta aula, você deverá:

• saber que a variação não é determinada apenas por fatores sociais, mas também por fatores internos à língua;

• identificar variações que se processam em diferentes níveis de uma língua;

• compreender que a variação não é caótica e irregular. Ao contrário, ela é sistemática e regular, podendo ser realmente descrita e analisada;

• reconhecer que a variação é, de fato, uma propriedade inerente das línguas.

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VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO PB:INFLUÊNCIA DE FATORES LINGUÍSTICOS

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AULA 5VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO PB:

INFLUÊNCIA DE FATORES LINGUÍSTICOS

1 INTRODUÇÃO

Como você viu na aula passada, a variação pode ser

determinada pela influência de fatores externos à língua. Inicialmente,

os estudos sociolinguísticos davam mais destaque a eles do que aos

fatores linguísticos (agentes internos). “Mas a primazia dos fatores

sociais tinha uma justificativa adicional: assinalava uma postura

teórica oposta à idealização gerativista e mostrava o comportamento

de um falante/ouvinte real, numa comunidade lingüística longe se ser

homogênea” (SILVA, 2003, p. 67).

No entanto, com o passar do tempo, percebeu-se que

determinados fenômenos se mostraram menos condicionados por

agentes externos e mais por agentes internos. É, por exemplo, o

caso de fenômenos fonológicos. Nesta aula, além destes, você verá

também fenômenos de natureza morfológica, sintática e semântica

no português brasileiro (doravante PB), todos condicionados por

fatores linguísticos.

Linguística II: sociolinguística

116 Módulo 2 I Volume 5 EAD

Variação linguística no pb: influência de fatores linguísticos

2 A INFLUÊNCIA DE FATORES LINGUÍSTICOS NO NÍVEL FONÉTICO/FONOLÓGICO

A variação no nível fonético/fonológico se observa quando

diferentes formas de pronunciação de uma mesma palavra ocorrem

numa comunidade linguística. Ou seja, é quando uma unidade abstrata

tal qual um fonema pode ter mais de uma realização fonética num

mesmo contexto, que pode estar atrelada principalmente à influência

do ambiente fônico. Quer exemplos práticos desse tipo de variação?

[Bicicleta] X [bicicreta]; [peixe] X [pexe]; [touro] X [toro];

[menino] X [mininu]; [cantando] X [cantan]o; [registro] X [rezistro];

[cozinha] X [cuzinha]; [vassoura] X [bassoura]; [garagem] X

[garage]; [viagem] X [viagi]... Na verdade, são muitos os casos!!!

Certamente, você já ouviu ou mesmo produziu algumas dessas

variações. Para algumas delas, também já deve ter tido pena ou

criticado o “pobre coitado” que as produziu porque “não sabe falar

correto o português”. Afinal, não são formas prestigiadas, são formas

fortemente estigmatizadas! Mas o que você pode não saber é que

essas variações são sistemáticas e há explicações muito interessantes

para elas. Também pode não saber que a variação não é simplesmente

uma variação do uso linguístico, mas faz parte da organização do

sistema linguístico internalizado pelos falantes. Para compreender de

fato esse tipo de variação, vamos tratar, aqui, de três casos.

2.1 Rotacização do /l/ nos encontros consonantais ou substituição da lateral /l/ pela vibrante /r/

Certamente, você deve saber que estou falando de casos do

tipo: [bicicleta] X [bicicreta]; [problema] X [probrema]; [planta]

X [pranta]; [bloco] X [broco]... Mas o que de fato condiciona essa

variação?

Essas duas consoantes partilham de propriedades fonéticas

comuns. Por exemplo, o lugar de articulação das duas consoantes é o

mesmo. Na disciplina de fonética, você verá que elas são chamadas

de dental ou alveolar (no momento oportuno, aprenderá sobre esses

termos técnicos). Quer dizer que, do ponto de vista articulatório, elas

são produzidas de forma semelhante, ou seja, no mesmo lugar dentro

da boca, por isso é comum a troca de uma pela outra.

SAIBA MAIS

ATENÇÃO

Fonema é a menor unida-de destituída de sentido na cadeia da fala. É definido, mais comumente, como uma unidade distintiva mí-nima. Por exemplo: bata se opõe à pata pela pre-sença de /b/ em oposição à de /p/; mala se opõe à vala pela presença de /m/ em oposição à de /v/. À realização variável de um fonema, dá-se o nome de alofone. Este conceito é importante para entender os casos de variação que apresentaremos nesta se-ção.

Costa (2007) apresenta resultados interessantes sobre o fenômeno da ro-tacização no artigo intitu-lado Análise variacionista do rotacismo. Para ter acesso, consulte-o em:

http://www.revel.inf.br/site2007/_pdf/9/artigos/revel_9_analise_variacio-nista_do_rotacismo.pdf

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SAIBA MAIS

A respeito desse tipo de rotacização, há também evidências históricas de que

esse processo já atuou em outro momento. Veja o quadro abaixo apresentado

por (Bagno 2008, p. 44):

LATIM FRANCÊS ESPANHOL PORTUGUÊS

Ecclesia- Église Iglesia Igreja

Blasiu- Blaise Blas Brás

Plaga- Plage Playa Praia

Sclavu Esclave Sclavo Escravo

Fluxu- Flou Flojo Fouxo

Notou que o que era /l/ em latim permaneceu em /l/ no francês e no espanhol,

mas que se transformou em /r/ em português? Pois é, o falante do português

que faz a troca não é nenhum “ignorante”, simplesmente está acompanhando a

natural inclinação rotacizante da língua.

2.2 Harmonia vocálica ou substituição variável da vogal pré-tônica /e/ e /o/ pelas respectivas vogais /i/ e /u/

São variações do tipo: [mentira] X [mintira]; [menino]

X [minino]; [vestir] X [vistir]; [alegria] X [aligria]; [sobrinho] X

[subrinho]; [cozinha] X [cuzinha]; [corrida] X [currida]; [bonita] X

[bunita]... Nesse caso, as vogais médias-altas /e/ e /o/ assimilam

os traços fonéticos das vogais altas /i/ e /u/, promovendo, assim,

uma “harmonização fonética”.

Schwindt (1995), numa pesquisa sobre dialetos do sul,

observou o condicionamento de variáveis linguísticas nesse tipo de

variação. Dentre elas, destacou-se a chamada “relação de vizinhança”,

considerando a posição da vogal alta: se tônica imediata (como nas

palavras relacionadas no parágrafo anterior); se átona imediata

(movimento); se tônica não-imediata (pedacinho), se átona não-

imediata (mentalidade). Veja os resultados do pesquisador na tabela

adaptada abaixo:

Fatores E O

tônica imediata 49% 61%

átona imediata 28% 21%

tônica não-imediata 11% 13%

átona não-imediata 21% 6%

ATENÇÃO

Você deve estar se per-guntando: mas o que são vogais médias-altas e al-tas? Adiantando o que es-tudará em fonética, as vo-gais do português são clas-sificadas conforme o acento tônico. Numa descrição simples, as vogais tônicas orais são distribuídas as-sim: /a/ (vogal baixa, como em amor); /é/ e /ó/ (vo-gal média-baixa, como em café e avó); /ê/ e /ô/ (vo-gal média-alta, como em ipê e avô); /i/ e /u/ (vogal alta, como em saci e uva). É natural, portanto, a vogal média-alta assimilar o traço da vogal alta.

Linguística II: sociolinguística

118 Módulo 2 I Volume 5 EAD

Variação linguística no pb: influência de fatores linguísticos

Como você pode observar, o fator vogal “tônica imediata”

foi favorecedora da harmonização, tanto para a vogal /e/ quanto

para /o/: 49% X 61%, respectivamente. Quer dizer que, quanto

mais próxima estiver a vogal que sofre o processo da assimilação

da vogal alta, maior a influência. Quando estiver mais distante

(contextos não imediatos), veja que os números são inferiores.

Portanto, a proximidade do ambiente linguístico favorece o fenômeno

da harmonização.

2.3 Redução do ditongo nasal

Estamos falando de variações do tipo: [garagem] X [garage];

[viagem] X [viagi]; [coragem] X [coragi]; [homem] X [homi];

[traquinagem]; [traquinagi]. Mas que ditongo nasal é esse? Quando

você pronuncia a palavra com a consoante nasal, tem-se a produção

de um ditongo: [ein]. Não é?

Beserra (2004) investigou esse fenômeno no falar de João Pessoa

e constatou que variáveis lingüísticas como “tamanho do vocábulo”

e “contexto fonológico anterior” influenciam significativamente no

processo de redução. Quanto ao tamanho, verificou: polissílabo

(60%); trissílabo (59%) e dissílabo (8%). Quanto maior a palavra,

mais possibilidade de redução do que quando a palavra for menor.

Quanto ao contexto fonológico anterior, observou: g - coragi (55%);

t - onti (42%); d - ordi (32%) e m - homi (25%). Como você pode

notar, a consoante /g/ foi a mais favorecedora da redução do que, por

exemplo, a /m/.

Você percebeu que abordamos apenas propriedades internas

à língua e não propriedades externas. É claro que esses mesmos

fenômenos podem também ser condicionados pelos fatores sociais.

O interessante é fazer o cruzamento de diferentes agentes, como já

explicamos na aula passada.

ATENÇÃO

SAIB

A M

AIS

Para complementar o assunto desta seção, recomendo ler o artigo A influência da variável escolaridade em fenômenos fonológicos variáveis: efeitos retroalimentadores da escrita, disponível em: www.revel.org.br. Além de saber mais sobre o efeito da escolaridade sobre vários fenômenos fonológicos, os autores abordam a relação fala-escrita, assunto este que será discutido, de forma mais aprofundada, na aula 8. Também sugiro ler o livro de BISOL, L.; BRESCANCINI C. (Orgs.). Fonologia e Variação: recortes do português brasileiro. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2002.

Assimilação é também a explicação dada para va-riações como: [falando] X [falano]; [comendo] X [comeno]; [cantando] X [cantano]. As consoantes /n/ e /d/ são produzidas na mesma zona de articulação e, por isso, a consoante /d/ sofre o processo de assimi-lação pelo /n/.

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3 A INFLUÊNCIA DE FATORES LINGUÍSTICOS NO NÍVEL MORFOLÓGICO

É comum, nas pesquisas sociolinguísticas,

relacionar os aspectos morfológicos e sintáticos

atuando em conjunto sobre o fenômeno da variação.

No entanto, podemos também investigar cada um dos

níveis separadamente.

Como exemplo da atuação de agentes

morfológicos, Scherre (1988, apud OMENA; DUARTE,

2003), em sua pesquisa sobre a concordância nominal

entre os elementos do sintagma nominal, constatou

que o grau do substantivo que integra o núcleo do

sintagma nominal e o tipo de pluralidade desse núcleo

são relevantes para a realização da variável. Em

respeito ao grau, foram considerados substantivos

aumentativos e diminutivos, de um lado, e, do outro,

substantivos no grau normal, como exemplificam,

respectivamente, os casos: “... meus amigão...; ...

umas garotinha lá...; ...dois cavalos lindo...” (p. 81).

A pesquisadora percebeu que os aumentativos e os

diminutivos não favoreciam a marca de plural; porém,

quando os falantes usavam o grau normal, observou

que este a favorecia, ou seja, os falantes concordavam

mais com este último grau.

Também no nível morfológico, constata-se a variação do uso

do pronome clítico e o tipo de verbo. Por exemplo, a ênclise, que é

pouco usada no português brasileiro, é favorecida pelo verbo infinitivo

em locuções verbais (eu vou encontrá-lo; começou a namorá-lo). Já

a próclise é favorecida pelas formas verbais simples, principalmente

com o presente e o pretérito perfeito. Esse tipo de condicionamento

também foi confirmado por Duarte (1989), quando estudou as

realizações do objeto direto anafórico.

Um outro caso de agente morfológico influenciando na variação

envolve a chamada lexia de gênero vacilante, isto é, substantivo que

pertence à classe de gênero único. Estou falando de casos do tipo:

alface, cal, chaminé, gilete, dó e tapa. Aliás, você saberia dizer se

essas palavras são masculinas ou femininas? Veja o resultado da

pesquisa de Margotti (1997), realizada por meio de questionário

morfossintático e aplicado em três estados do Sul: Rio Grande do

Sul, Santa Catarina e Paraná.

Para alface, gilete, saca-rolhas e fantasma, grande parte

VOCÊ SABIA?

Você conhece a canção “Cuitelinho” de Nara Leão? Nela, você encontra casos de variação fonética e morfológica. Vamos tentar identificar!

Cheguei na bera do portoonde as onda se espaia.As garça dá meia volta,senta na bera da praia.E o cuitelinho não gosta

que o botão de rosa caia.

Quando eu vim de minha terra,despedi da parentaia.

Eu entrei no Mato Grosso,dei em terras paraguaia.

Lá tinha revolução,enfrentei fortes bataia.

A tua saudade cortaComo o aço de navaia.O coração fica aflito,

Bate uma, a outra faia.E os oio se enche d’água

Que até a vista se atrapaia.

Quantos casos de variação fonológica você encontrou? E os de natureza morfológica? Procure relacioná-los.

Linguística II: sociolinguística

120 Módulo 2 I Volume 5 EAD

Variação linguística no pb: influência de fatores linguísticos

dos entrevistados respondeu que pertenciam ao gênero feminino,

exatamente como prescreve a gramática tradicional. Já as palavras

cal e chaminé, que são femininas, em sua maioria foram classificadas

como masculinas. Tapa, que pode ser tanto masculina quanto

feminina, foi classificada, em sua maioria, como masculina. Por fim,

dó teve empregos que confirmam a regra padrão: masculina. Todavia,

um número significativo de feminino também foi registrado.

A propósito dessa última variação, de gênero vacilante, você

acertaria todas as palavras? E os que estão a sua volta? Como será

que eles classificariam? Vale a pena testar!!!

SAIB

A M

AIS

Certamente você já ouviu falar do escritor/cronista Luís Fernando Veríssimo, já? Leia sua crônica abaixo (do livro Comédias para se ler na escola), que ilustra exatamente a confusão a respeito de gênero. É bem interessante a discussão entre pai e filho:

SEXA

_Pai... _Hmmmm? _Como é o feminino de sexo?_O quê?_O feminino de sexo?_Não tem._Sexo não tem feminino?_Não._Só tem sexo masculino?_É. Quer dizer, não. Existem dois sexos. Masculino e feminino._E como é o feminino de sexo?_Não tem feminino. Sexo é sempre masculino._Mas tu mesmo disse que tem sexo masculino e feminino._O sexo pode ser masculino ou feminino. A palavra “sexo” é masculina. O sexo masculino, o sexo feminino._Não devia ser a “a sexa”?_Não._Por que não?_Porque não! Desculpe. Porque não. “Sexo” é sempre masculino._O sexo da mulher é masculino?_É. Não! O sexo da mulher é feminino._E como é o feminino?_Sexo mesmo. Igual ao do homem._O sexo da mulher é igual ao do homem?_É. Quer dizer... Olha aqui. Tem o sexo masculino e o sexo feminino, certo?_Certo._São duas coisas diferentes._Então como é o feminino do sexo?_É igual ao masculino._Mas não são diferentes?_Não. Ou, são! Mas a palavra é a mesma. Muda o sexo, mas não muda a palavra._Mas então não muda o sexo. É sempre masculino._A palavra é masculina._Não. A palavra é feminino. Se fosse masculina seria “o pal...”_Chega! Vai brincar, vai.O garoto sai e a mãe entra. O pai comenta:_Temos que ficar de olho nesse guri..._Por quê?_Ele só pensa em gramática.

E aí, o que achou? Se gostou, vale a pena ler o livro, pois há uma seção dedicada a fatos de linguagem.

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4 A INFLUÊNCIA DE FATORES LINGUÍSTICOS NO NÍVEL SINTÁTICO

São vários os fatores de natureza sintática que podem

influenciar a realização de uma variável. Para exemplificar, recorremos

a três pesquisas. A propósito das ordens sujeito-verbo (SV) e verbo-

sujeito (VS), Zilles (1997) comprovou que realmente a ordem que

prevalece no PB é a canônica: SV. No entanto, a VS quando ocorre é

favorecida por alguns agentes sintáticos. São eles: tipo de verbo; tipo

e forma do sintagma nominal-sujeito.

Tipo de verbo: verificou que essa ordem é mais frequente com

verbos intransitivos (chegou uma mulher) do que com transitivos

(entregou a mulher uma carta). Tipo de sintagma nominal: foram

considerados os seguintes: sintagma nominal pleno (chegou uma

mulher); pronome reto (chegou ela); pronome demonstrativo (chegou

aquela mulher); e pronome indefinido (chegou alguém). Comprovou

que o sujeito de VS tende a ser expresso por sintagma nominal pleno

ou pronome indefinido (sendo este último o mais favorecedor). Forma

do sintagma nominal-sujeito: foi considerado se o sujeito era pesado

(composto por mais de três palavras: chegou uma senhora muito

idosa) ou se não-pesado (até três palavras: chegou uma mulher).

Comprovou que a ordem VS é condicionada pelo sintagma pesado.

Oliveira (2008), ao analisar a variação da concordância em

textos escritos, considerou a relevância do fator linguístico sujeito

explícito (se os jovens pensassem um pouco) e não-explícito (namora

muito cedo... referência - as meninas). Constatou que a realização

da concordância verbal costuma ser mais frequente quando o sujeito

está explícito (63,5%) do que quando não está explícito (39%). Após

constatada a influência do sujeito explícito sobre o uso da concordância

verbal, verificou até que ponto a variável dependente é influenciada

por fatores como: tipo de sujeito (pesado e não-pesado) e ordem do

sujeito em relação ao verbo (pré e pós-verbal).

Contatou que, se o sujeito é do tipo não-pesado (As meninas

engravidam na adolescência por falta de explicação dos pais),

há o favorecimento da realização da concordância (71,2%), em

detrimento do pesado (55,9%) (A televisão, as músicas, a internet

e os livros influenciam em atos sexuais). Por outro lado, quanto

à não-concordância, observou-se que ela é mais favorecida pelo

sujeito pesado: 44,1% em oposição a 28%, correspondente ao

sujeito não-pesado. Em relação à ordem, verificou: quando o sujeito

está anteposto ao verbo (As meninas está muito atirada nos dias

de hoje), realiza-se mais a concordância do que quando ele está

Linguística II: sociolinguística

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Variação linguística no pb: influência de fatores linguísticos

posposto (Namora muito cedo essas meninas de hoje): 66,4% e

33,3%, respectivamente. Comprovou, portanto, que a posição do

sujeito interfere no uso da concordância verbal.

Para descrever a realização variável do objeto direto anafórico

no falar pessoense, Hora e Baltor (2007) consideraram a função

sintática do antecedente (se complemento verbal ou se sujeito) e a

forma do verbo (se tempo simples; se infinitivo; se locução verbal

com infinitivo).

Quando o antecedente exerce a função de sujeito, a forma

privilegiada é o pronome lexical (Maradona não deve ser punido, a

gente não deve excluir ele); sentenças com o sintagma nominal e

o objeto nulo são favorecidas quando o antecedente desempenha a

função de complemento (Pediria uma ajuda para ajeitar minha casa;

fazer minha casa / mandei ele matar um amigo meu, ele matou).

Com relação à forma do verbo, constatou que o infinitivo

favorece o sintagma pleno (diminuir a injustiça social significa); o

tempo simples, o pronome lexical (aí botei ela) e a locução verbal

com infinitivo, o objeto nulo (ia combater mesmo).

Na perspectiva sintática, pode-se investigar o tipo de sujeito,

o tipo de oração, o tipo de complemento, o tipo de verbo, o tipo de

adjunto, a ordem e a posição dos diferentes elementos... enfim, são

vários os agentes que podem interferir na sintaxe variável de uma

língua.

5 A INFLUÊNCIA DE FATORES LINGUÍSTICOS NO NÍVEL SEMÂNTICO

Nesta seção, destacaremos variações condicionadas por

fatores que dizem respeito ao significado: animacidade ( + animado

e - animado) e papel temático do complemento.

Para ilustrar o primeiro caso, recorremos a Hora e Baltor (2007).

Eles observaram que o fator mais relevante na realização variável do

objeto direto foi justamente o traço do antecedente. Quando este é +

animado, o pronome lexical é favorecido (eu tive ela. Referente: filha).

Já quando o antecedente é – animado, o sintagma nominal pleno e o

objeto nulo são favorecidos. Eis, respectivamente, os exemplos: ela

passa a transmitir a violência e eu construí - referente: a casa.

Para ilustrar o segundo caso, também faremos referência a

representações de objetos, porém dos objetos indiretos. Berlinck

(1997) analisou a influência do papel temático do complemento

nas representações do objeto indireto no PB. Assim como o direto,

SAIBA MAIS

Para conhecer outros agen-tes que atuam no nível sintático, recomendo ler o texto A realização do dativo anafórico de terceira pessoa na escrita semiformal brasi-leira e portuguesa, de Gil-son Freire: http://www.fi-lologia.org.br/viicnlf/anais/caderno11-04.html

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o indireto pode ser expresso pelo clítico (João deu-lhe o livro), pelo

pronome tônico (João deu o livro [para/a] ele) e pelo objeto nulo

(João deu o livro Ø). Encontrou os seguintes resultados: o objeto

nulo é condicionado pelo papel temático “meta”; o clítico e o pronome

tônico, pelos papéis “beneficiário” e “experienciador”.

Conforme Gryner e Omena (2003, p. 100), “como variáveis

lingüísticas internas a influir na variação, os traços semânticos

constituem um campo aberto à investigação [...] São perspectivas

várias a desafiar o pesquisador”. Que tal você encarar esse desafio? Vá

pensando, pois, ao final da disciplina, terá que realizar uma pesquisa

de cunho prático!

Na aula anterior, você viu que o cruzamento de fatores sociais

é importante na pesquisa sociolinguística, porque permite depreender

propriedades mais significativas sobre os fenômenos linguísticos

variáveis. Também não é diferente com os fatores internos, pois eles

também não atuam isoladamente. É interessante, por exemplo, cruzar

fatores externos e internos ao mesmo tempo. Cabe ao pesquisador,

ao investigar o fenômeno variável, descobrir os diferentes agentes

correlacionados ao seu uso.

ATENÇÃO

Esclarecendo sobre os pa-péis temáticos pesqui-sados: “meta” ou “alvo” é quando o indivíduo ou o ob-jeto é afetado diretamente pela ação expressa pelo verbo (ele deu um prazo de um ano para me casar); “beneficiário” envolve o in-divíduo a quem a ação traz proveito ou prejuízo (ele me deu um livro); “expe-rienciador” é o indivíduo que passa pelo estado psi-cológico descrito pelo verbo (eu falei pra você sobre o acontecido).

Linguística II: sociolinguística

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Variação linguística no pb: influência de fatores linguísticos

ATIVIDADES

1. Você viu que os ditongos nasais têm comportamentos variáveis. Assim como eles, os ditongos /ei/, /ai/ e /ou/ também sofrem o processo da monotongação. Liste, para cada um desses ditongos, 10 (dez) palavras que apresentam esse tipo de variação.

2. Na atividade anterior, temos a variação do ditongo que se transforma em monotongo. O processo inverso também ocorre. Por exemplo: fruta X fruita; luta X luita; rapaz X rapaiz. Liste 10 (dez) casos que ilustram esse tipo de variação fonológica.

3. A letra da música abaixo, “saudosa maloca”, de Adoniran Barbosa, ilustra inúmeros casos de variações fonética e morfológica. Identifique-os.

Se o sinhô não esta lembrado

Dá licença de contáQue aqui onde agora está

Este adifício altoEra uma casa velha

Um palacete assombradoFoi aqui seu moço

Que eu, Mato Grosso e o JocaConstruímos nossa maloca

Mas um diaNem quero lembrá

Veio os homens cas ferramentasO dono mandô derrubá.

Peguemo tudo as nossas coisaE fumos pro meio da rua

Apreciá a demoliçãoQue tristeza que eu sentia

Cada taubua que caíaDoía no coração

Mato Grosso quis gritáMas em cima eu faleiOs home tá coa razãoNóis arranja outro lugá

Só se conformemosQuando Joca falô

Deus dá o frio conforme o cobertorE hoje nóis pega paiaNas grama do jardim

E pra esquecêNós cantemos assim

Saudosa malocaMaloca querida

Dim dim donde nóis passemoOs dias feliz de nossa vida.

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4. A seguir, apresentamos dois trechos de entrevistas (retirados de OMENA; DUARTE, 2003, p.87-88) com falantes de diferentes faixas etárias e níveis de escolaridade. Leia-os com atenção e depois responda as questões:

Linguística II: sociolinguística

126 Módulo 2 I Volume 5 EAD

Variação linguística no pb: influência de fatores linguísticos

4.1 Como se apresenta a referência à primeira pessoa do plural na fala dos dois indivíduos? Mais com a forma “nós” ou com a forma “a gente”?

4.2 As pesquisas sociolinguísticas têm mostrado que a forma “a gente” pode ser influenciada pelo traço semântico [+ ou - genérico]. É + genérico quando está sendo usada para se referir a coletivo (A gente fala muitas gírias – os jovens); é – genérico quando está sendo usada para se referir a uma pessoa específica (A gente fala e o aluno não presta atenção – o professor). Procure verificar que traço semântico mais influenciou no uso do “a gente”. 4.3 Como se realiza a concordância verbal nas duas entrevistas?

5. No famoso texto abaixo, Pronominais, Oswald de Andrade ilustra um caso de variação sintática, a colocação do pronome em relação ao verbo:

Dê-me um cigarroDiz a gramática

Do professor e do alunoE do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom brancoDa nação brasileiraDizem todos os dias

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Deixa disso camaradaMe dá um cigarro.

A sua tarefa é pesquisar como esse tipo de colocação ocorre em língua portuguesa. Para tanto, procure gravar um programa de entrevista na televisão, no rádio ou na Internet e, depois, verifique como foi usada a colocação pronominal. Quantos casos de próclise? Quantos casos de ênclise? Procure relacionar os contextos sintáticos

favorecedores da última colocação.

RESUMINDO

Nesta aula, você viu que:

• A variação linguística também pode ser descrita e explicada a partir de diferentes agentes internos, que atuam em diferentes níveis de uma língua.

• A variação, juntamente com as estruturas variantes, deve ser vista como parte integrante do sistema, e não como uma mera manifestação do uso linguístico.

• As variações que, muitas vezes, são consideradas como “erros” têm uma explicação lógica e científica.

LEITURA RECOMENDADA

Para complementar esta nossa aula, recomendo ler, na íntegra, um dos artigos citados nesta aula (em anexo): A posposição do sujeito ao verbo no português falado no Rio Grande do Sul, de Ana M. S. Zilles. A leitura desse texto permite a você ter uma visão clara da metodologia

empregada na pesquisa sociolinguística. Boa leitura!

Linguística II: sociolinguística

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Variação linguística no pb: influência de fatores linguísticos

RE

FE

NC

IAS

BAGNO, M. A língua de Eulália: novela sociolingüística. 12. ed. São Paulo: Contexto, 2008.

BERLINCK, R. de A. Sobre a realização do objeto indireto no português do Brasil. In: Anais do II Encontro do CELSUL. Florianópolis: UFSC, 1997, Disponível em CD.

BESERRA, A. C. S. O comportamento variável da consoante nasal em posição de coda na fala pessoense. In: Anais da XX Jornada do GELNE. João Pessoa, 2004, p. 135-144. Disponível em CD.

DUARTE, M. E. L. Clítico acusativo, pronome lexical e categoria vazia no português do Brasil. In: TARALLO, F. (Org.). Fotografias sociolingüísticas. Campinas: Pontes, 1989, p. 19-34.

DUBOIS, J. et al. Dicionário de linguística. Tradução de Barros et al. São Paulo: Cultrix, 1997.

GRYNER, H.; OMENA, N. P. de. A interferência das variáveis semânticas. In: MOLLICA, M. C.; BRAGA, M. L. (Orgs.). Introdução à Sociolingüística Variacionista: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2003, p. 89-100.

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ZILLES, A. M. S. A posposição do sujeito ao verbo no português falado no Rio Grande do Sul. In: Anais do II Encontro do CELSUL. Florianópolis: UFSC, 1997, Disponível em CD.

129Letras VernáculasUESC

5A

ula

ANEXO V

Linguística II: sociolinguística

130 Módulo 2 I Volume 5 EAD

Variação linguística no pb: influência de fatores linguísticos

131Letras VernáculasUESC

5A

ula

Suas anotações

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